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8/4/2019 Whit Field. Fauvismo (Cap) http://slidepdf.com/reader/full/whit-field-fauvismo-cap 1/9 CYIEROOPY COPIADORA ILA N H O U SE E L A N CH O N ET E ~~,~~!~~ta"Ii!~7;2 edicao, aproveitei a oportunidade para substituir =~~~rf i!; mo por outro consider avelmente mai s subs tan- a introducao original, que envelheceu de um 9..c..!;>~_\~)masdemais colaboracoes; finalmente, a bibliogra- o n ume ro d e i lu st ra co es a um en to u para cobrir os requisi- novo mate rial do livro, 1980 2 Fauvismo Sarah Whitfield nObreve periodo de 1904 a 1907, Henri Matisse, Andre Derain, Maurice Vl ami nck e um pequeno grupo de companheiros de est udo desenvol veram um estilo de pintura que lhes valeu 0 a pe li do de Les Fauves (As Feras). Sua evi dente l iberdade de expressao, atra ve s do uso de cores puras e do exagero do desenho e da pe rspect ival at ur eli u e dei xou perpl exos a que les que vira m e ss as o br as p el a p ri rn ei ra v ez .E le s foram, por a lg un s a no s, 0mais experimen- tal grupo de pintores trabalhando em Paris. Entretanto, de todos os mo- vir ne ntos arti sti cos do secul o xx, esse foi t am be rn 0 mais transitorio e possivelmente 0menos defini vel. Van Dongen, me mbro des se grupo vaga- mente definido, ne gou a existencia de "qual quer es pecie de doutr ina", "E p os si ve l f al ar s ob re a e sc ol a i mp re ss lo ni st a" , d is se e le , " po rq ue os impressio- n is ta s s us te nt ar am c er to s p ri nc ip io s. Para nos, nao havia nada d is so , p en sa va - mos apenas que as cores dos irnpressionistas eram um tanto monotonas," Pode nao ter havido uma doutr ina comum, mas sabemos por suas cartas, ano- tacoes e, e claro, pelas proprias obras, que Matisse, Deraine Vlaminck ali- mentavam ness a epoca crencas e ideias firmes sobre pintura altamente indi viduals e pessoai s, e so compartilhadas durant e breves per iodos. 0 que e c er ta me nt e i ne li sc ut iv el e a ausencia d e di re ca o e xp er ir ne nt ad a p or c ol eg as que expuseram com Mati sse e os outros, e cujas obras eram encaradas como parte do fauvi smo. Em muit os casos, a excitacao moment anea que ma nt eve e ss es p in to re s a ni ma da me nt e na crista da onda e lhes permitiu 0maximo de l ib er da de a ba nd on ou -o s logo que seus trabalhos s e d es en vo lv er am e a rn ad u- r ec er am . A " re ss ac a' ts ub se qu en te e xp li ca a c on cl us ao i ns at is fa to ri a do fau- vismo, quando s e diss ipou numa busca hesit ante, as apalpadelas, de novos meios de expressao, Matisse era claramente 0principal pintor, senao 0lider do grupo; foi reconhecido como ta l pel a inegave l s uperior idade de sua obra e p or s er 0mais velho, mas nao fez qualquer t en ta ti va de criar um movirnento. De modo quase i rnpensado i naugurou novas possi bil idades vi suais par a os pintores mais jovens que, na tentativa de segui-las, formaram um grupo so v ag ame nt e coeso. A partir d e 1 90 5, e xp us er am j un to s nas duas principais e x- pos icoes de arte modema real izadas anualmente em Par is, 0Salao dos Inde- -1- --II 11

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CYIEROOPYC O P I A D O R A ILA N H O U SE E L A N CH O N ET E

~~,~~!~~ta"Ii!~7;2 edicao, aproveitei a oportunidade para substituir

=~~~rfi!;mo por outro consideravelmente mais substan-

a introducao original, que envelheceu de um

9..c..!;>~_\~)mas demais colaboracoes; finalmente, a bibliogra-

o numero de ilustracoes aumentou para cobrir os requisi-

novo material do livro,

1980

2

F a u v i s m oSarah Whitfield

nObreve periodo de 1904 a 1907, Henri Matisse, Andre Derain, Maurice

Vlaminck e um pequeno grupo de companheiros de estudo desenvolveram

um estilo de pintura que lhes valeu 0 apelido de Les Fauves (As Feras). Sua

evidente liberdade de expressao, atraves do uso de cores puras e do exagero

do desenho e da perspectival atureliu e deixou perplexos aqueles que viram

essas obras pela prirneira vez.Eles foram, por alguns anos, 0mais experimen-

tal grupo de pintores trabalhando em Paris. Entretanto, de todos os mo-

virnentos artisticos do seculo xx, esse foi tambern 0 mais transitorio e

possivelmente 0menos definivel. Van Dongen, membro desse grupo vaga-

mente definido, negou a existencia de "qualquer especie de doutrina","E

possivel falar sobre a escola impresslonista", disse ele, "porque os impressio-

nistas sustentaram certos principios. Para nos, nao havia nada disso, pensava-

mos apenas que as cores dos irnpressionistas eram um tanto monotonas,"

Pode nao ter havido uma doutrina comum, mas sabemos por suas cartas, ano-

tacoes e, e claro, pelas proprias obras, que Matisse, Deraine Vlaminck ali-

mentavam nessa epoca crencas e ideias firmes sobre pintura altamente

individuals e pessoais, e so comparti lhadas durante breves periodos. 0 que e

certamente ineliscutivel e a ausencia de direcao experirnentada por colegas

que expuseram com Matisse e os outros, e cujas obras eram encaradas como

parte do fauvismo. Em muitos casos, a excitacao momentanea que manteve

esses pintores animadamente na crista da onda e lhes permitiu 0maximo de

liberdade abandonou-os logo que seus trabalhos se desenvolveram e arnadu-

receram. A "ressaca'tsubsequente explica a conclusao insatisfatoria do fau-

vismo, quando se dissipou numa busca hesitante, as apalpadelas, de novos

meios de expressao, Matisse era claramente 0principal pintor, senao 0lider

do grupo; foi reconhecido como tal pela inegavel superioridade de sua obra e

por ser 0mais velho, mas nao fez qualquer tentativa de criar um movirnento.

De modo quase irnpensado inaugurou novas possibil idades visuais para os

pintores mais jovens que, na tentativa de segui-las, formaram um grupo so

vagamente coeso. A partir de 1905, expuseram juntos nas duas principais ex-

posicoes de arte modema realizadas anualmente em Paris, 0Salao dos Inde-

-1---II

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pendentes e 0 Salao de Outono, e, por conseguinte, seus contemporaneos

consideraram sua obra como parte de urn rnovimento. Apollinaire, por

exemplo, refere-se aeles como tal ao descrever 0 fauvismo como "especie de

introducao ao cubismo".

Entretanto as principais obras fauves foram pintadas por Matisse, De-

rain, Vlaminck e, durante urn breve periodo, Braque. Obviamente, ha di-

ficuldades em agrupar quatro artistas tao eminentemente individuais e

independentes sob urn unico r6tulo, sobretudo porque todos eles contribui-ram com diferentes qualidades para 0estilo que reconhecemos como fauvis-

mo. Ocasionalmente, aproximaram-se uns dos outros; Derain trabalhou com

Vlammck em Chatou e com Matisse em Collioure, e ja em 190 1 Matisse re-

:onhecia na obra de Derain e Vlaminck prop6sitos semelhantes aos seus.

Contudo suas diferencas sao claramente visiveis ao longo de todos esses anos

e,em tome de 1907, ficou patente serem eles independentes uns dos outros.

Matisse ingressou em 1895 no atelie de Gustave Moreau. La ja estavam

natriculados cinco estudantes que iriam mais tarde expor como fauves: Rou-

ault, Marquet, Mangum, Camoin e Puy..Esse atelie desempenhou urn grande

oapel na formacao de suas carreiras, pois diferentemente de outros atelies

vinculados a Ecole de Beaux Arts, onde eram praticados rigorosamente os

?rincipios academicos, Moreau encorajava ativamente os seus estudantes a

questionarem a pr6pria obra do rnestre, ate a reagirem contra ela e, sobretu-

10, a exercerem sua independencia pessoal. Matisse recordaria mais tarde 0

eferto da influencia de Moreau: ele "nao nos colocava nas estradas certas, em-

ourrava-nos para fora delas. Ele perturbou a nossa complacencia, Com ele,

:ada urn de n6s podia adquirir a tecnica que correspondesse ao pr6prio tern-

oeramento". Moreau abriu-lhes os olhos e 0 espirito para as obras do Louvre,

.nsistindo em que as vissem 0mais assiduamente possrvel e, a partir da

observacao, formassem suas pr6prias opinioes, Essa atitude liberal nao e tao

rurpreendente, quando se atenta para 0fato de que a estranha mistura de

magens misticas e romanticas que obcecou os autores sinibolistas das deca ..

las de 1880-90 encontrou expressao visual nas elaboradas visoes de Moreau.

~leexpos no salao, mas estava afastado da maioria de seus contemporaneos e

:abia que tinha a su a treiite urn caminho solitario. Seus temas estavam;corn

requencia, tao distantes da realidade quanta a vida levada por Des Esseintes,

)her6i "decadente" do romance deHuysmans, Asavessas, por intermedio de[uern 0 escritor transmitiu sua propria interpretacao pessoal de Moreau,

\.pesar das advertencias de Moreau em contrario, essas extraordinarias pin-

:urastiverani consideravel efeito sobreseus alunos.(}ptorundo sehtfrneiito

'eligioso de Rouault estava em perfeita harmonia com as conviccoes do pro-

orioMoreau, e isso levou-o a desenvolver urn forteapego a obra do mestre.

,eus alunos estavam mais conscientes do alcance da obra de Moreau do ·que .

) resto do publico OUi na verdade-do que muitos dospr6priosartistascon;;-~--~--

I"~ ..~._-"-_.

,

"';2-

temporaneos de Moreau. Seus alunos puderam ver como ele experimentava

em esbocos preliminares a oleo, que saonao apenas mais Iivres e mais exci-

tantes do que as obras acabadas, mas inteiramente diferentes. As cores sao

mais puras, e a tinta e mais generosamente aplicada, de modo que 0tema se

ve quase submerse e sem importancia. Seus metodos eram, com frequencia,

surnamente heterodoxos; por exemplo, espremia a tinta diretamentedo tu-

bo e, nas aquarelas, deixava a tinta pingar e escorrer. Talvez fossem esses

lampejos de originalidade tecnica que levaram Rouault a fazer a esclarecedo-ra observacao a respeito da enfase atribuida por Matisse ao papel da pintura

decorativa, afirmando que este ultimo tinha herdado isso da textura exube-

rante de Moreau. Observacao identica poderia, talvez, ser feita a prop6sito

das obras ulteriores de Rouault. A morte de Moreau em 1898 lancou s,:us

alunos em urn ambiente bern menos acolhedor.

Matisse inscreveu-se nurn atelie onde 0pintor academico Cormon exi-

gia de seus alunos um rigoroso respeito as regras. A pintura de Matisse ja era,

a esta altura, avancada demais para 0 seu tempo; seus estudos da Figura mos-

tram uma poderosa qualidade tridimensional, expressa em fortes manchas

de cor, alern de realizar experiencias com esbocos rapidos, pintados em cores

puras. Nenhuma dessas provas de espiri to independente seduziu Cormon, e

Matisse foi convidado a sair. As telas de Rouault nao diferiam muito, nessaepoca, das de Matisse; as paletas de ambos eram fortes e vibrantes, e eles pre-

feriam delinear pesadamente os contornos de suas figures para criar urn efei-

to mais convincente de solidez. No temperamento, porem, estavam muito

distantes um do outro. A crescente amizade de Rouault com 0propagandista

catolico Leon Bloy e urn exemplo da direcao que sua obra iria adotar. Talvez

ele sevisse como 0 interprete visual desse fanatico, cuja prosa tempestuosa e

violenta pretendia fustigar a consciencia publica contra a pobreza e a explo-

racao de seu tempo. Quando Rouault pintou 0a sal Poul et , ilustracao para

Urn dos romances de Bloy", 0escritor se opes violentamente a ele. Talvez te-

.nha interpretado como reles caricatura de suas pr6prias intencoes 0 elemen-

to de distorcao utilizado pelo pintor para dramatizar os personagens; ou

talvez tivesse ficado simplesmente ofendido pelo que considerou uma pinttl-

ra atrozmente feia. Moreau tinha profetizado para Rouault uma carreira soli-

taria no futuro, reconhecendo que nao s6 estava inteiramente fora de cogita-

~ao para ele uma carreira de Salao, mas tambem que tinha muito pouco em

comum com seus colegas, exceto 0 desejo de usar a tinta e a distorcao como

mei()s e:xpressivos. Mas seu _engaj arnento profup.clarI1el1te:rC!ligi()s()C!~()c:i~!_=

encontrava resposta nas obras dos demais; sob esse aspecto, seu trahalho

cornpara-se melhor com 0 que Picasso fazia nocome<_;:oda decada de 1900,

- -* La Femme Pauvre. (N.T;)

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se bern que desde cedo 0 publico 0 considerasse urn pintor fauve pelo

simples fato de expor juntamente com os outros. Matisse, por outro lado, na

companhia de seu amigo Marquet, preferia ir para a rua e registrar

impress6es fatuais da vida em redor deles em series de esbocos rapidos. Evi-

dentemente, Marquet era sobremaneira competente nisso, pois Matisse

tinha grande admiracao por seu talento de desenhista. Pintaram as ruas de

Paris, as pontes, 0 rio, de fato os mesmos temas que os irnpressionistas

tinham escolhido nas decadas de 1860 e 1870, mas tratados de uma maneira

inteiramente nova. As pinturas que Matisse fez de Notre-Dame tern muito. p o u c o - a v e r c o m os efeitos a.1:mosf~ricosp ~ < : > c t l ~ ~ d < : > ~or' Pi~~~~<:>~M ~ I 1 . ~ 1 : ;~ - .

amplas areas de tinta e a reorganizacao do espaco indicam a nova

interpretacao da realidade de que os [auues seriam em breve os pioneiros.

Em Chatou, nos arredores de Paris, dois jovens pintores experimenta-

yam a paisagem de modo analogo. Urn deles, Andre Derain, frequentava au-

las em urn pequeno atelie de Paris onde os trabalhos dos estudantes eram

corrigidos pelo pintor Eugene Carriere. Foi tarnbem ai que Matisse se rnatri-

culou, apes seu breve encontro com Cormon. Matisse, IIanos mais velho doque Derain, era urn pintor mais experiente, e naturaImente passou a admirar

seu trabalho ease beneficiar de sua abordagem mais intelectual da experi-

mentacao pictorica. Mas 0 proprio Matisse comentou ter flcado surpreso

com a semelhanca das intencoes deles, e pelo fato de Derain e de seu compa-nheiro de Chatou, Maurice Vlaminck, estarem atras dos mesmos efeitos de

cor pura. Em relacao ao carater, Vlaminck era 0 oposto exato de Derain. Ti-

nha antecedentes mais livres; fugira de casa aos 16 anos para ganhar a vida

precariamente como ciclista de corridas e como violinista em cabares e clu-

bes notumos. Sua abordagem da pintura era inteiramente espontanea, nunca

frequentara escolas de arte nem recebera qualquer treinamento formal; con-

tudo, seu conhecimento da pintura e da literatura corrtemporarieas era consi-

deravel. Derain, por outro lado, provinha de uma familia de classe media que

lamentava a carreira de artista plastico escolhida pelo filho, ate que Matisse,

que nunca se conformou com a imagem que 0publico fazia do artista, visi-

tou os pais de Derain e convenceu-os do talento do filho. Vlaminck foi apre-

sentado a Matissepor Derain, em 190 I , na retrospectiva de Vincent van

Gogh realizada na Galeria Goupil. Os dois pintores mais jovens recordaram

mais tarde 0 imp acto colossal que a exposicao lhes provocou, mas suas telas

desse periodo nada refletem esse entusiasmo. Muitos anos depois entretanto

pode-se ver como Vlaminck, em especial , tornou-se sensivel a essas telas as-

peras, candentes, a medida que sua propria obra se desenvolvia. 0 abismo

que mais tarde viria a separar sua obra da de Matisse tern suas raizes na admi-

racao subjetiva e apaixonada de Vlaminck por Van Gogh e na preferencia

mais objetiva de Matisse pela pintura mais desapaixonada de Gauguin. "Os

quadros de Gauguin sempre me pareceram crueis, metalicos e carentes de

emocao", escreveu Vlaminck. "Ele esta sempre ausente de sua propria obra.

Tudo estanela, exceto 0proprio pintor." Uma crit ic a que ilustra com per-

feita clareza 0 que Vlarninck procurava na pintura. Mas, se nao Fosse pelas

cartas trocadas entre Vlaminck e Derain entre 190 I e 1904, quando Derain

cumpriu 0 service mili tar, poder-se-ia supor que eles so viriam a conhecer

qualquer tela de Van Gogh muitos anos depois. Isso pode ser explicado, por-

que nem urn nem outro ainda estava totaImente comprometido com a pin-

tura como carreira. .

.. _ _ ~ ~_ _ .A _h e_ sjj:_ ;:W ~Q _t;.a~ l ?~ I i. a l?d : (L y i. d_a l ?deDeJ : "a i n ;a_c J! [ ~ a_de suap r_6p r ia . capad~ . ________ ; .:dade destacam-se com muita clareza nessas cartas, bern como sua inclinacao

para tomar-se escritor. Vlaminck, apesar de certa tendencia para depreciar

seu intelecto, era extremamente lido e desempenhou provavelmente urn im-

portante papel na formacao dos gostos literarios de Derain. Ambos eram

grandes admiradores de Zola e,na verdade, certas passagens das cartas de De-

rain descrevendo a vida na casema podiam ter saido diretamente de urn dos

romances de Zola. Vlaminck de fato chegou a publicar varies romances des-

cri tos por ele proprio como "pis que du Mirbeau'": Tambem durante esses

prirneiros anos, tornou-se urn ativista poli tico de pouco relevo, papel nao

compartilhado por Derain. Como muitos de seus contemporaneos do final

da decada de 1890, Vlaminck esteve as voltas com os levantamentos anar-

quistas que agitaram Paris com atentados abomba e outros disturbios. Cola-

borou com artigos para jornais e revistas anarquistas, mas nunca chegou a

estar mais profundamente envolvido. Obviamente, as possibilidades da anar-

quia convinham ao seu temperamento inconstante e ao seu entusiasmo,

facilmente despertado; de fato, quando escreve sobreseus primeiros proposi-

tos artisticos, a linguagem de Vlaminck tern urn nitido timbre politico. Foi

precisamente esse entusiasmo a flor da pele que provou ser sua forca.e sua.I

fraqueza. Durante alguns anos, ele e Derain estiveram completamente em-

polgados com as possibilidades de se emanciparem das limitacoes da cor

local e,mais importante, das limitacoes de sua pr6pria visao, Vlaminck, lem-

brando esse tempo, escreveria anos depois:

-3-

Meu entusiasmo permitiu-me tomar toda especie de liberdades. Eu nao que-

ria adotar urn modo convencional de pintar; queria revolucionar oshabitos ea vida contemporanea -libertar a natureza, liberta-la da autoridade das ve-

lhas teorias e do classicismo, que eu detestava tanto quanta tinha detestado 0

general e 0 coronel do meu regimento. Nao sentia ciume ou odio, mas urn

tremendo, urn irrefreavel impulso para recriar urn mundo novo, visto atraves

dos meus pr6prios olhos, urn mundo que Fosseinteiramente meu.

* "Pior que Mirbeau", Alusao a Octave Mirbeau, autor de romances populares da

epoca, como Didrio de uma camareira. (N.T.)

i'I

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Esse impulso sincero induziu Vlaminck a pintar algumas das melhores telas

de toda a sua carreira e do fauvismo, mas ele e Derain, antes de outros, senti-

tam que 0 irnpacto inicial comecava a esmorecer e pareciam achar cada vez

mais dificil prolongar urn entusiasmo que estava ficando, pelo menos para

eles, bastante artificial. Esse definhamentoda excitacao revelou em Derain a

confusao de urn homem preso a fun estilo inadeqtiado para 0 seu tempera-

mento. Sua mente era disciplinada demais para se contentar com as conse-

quencias da cor usada como agente puramente expressive e, alem disso, eletambem estava mais firmemente ligado a tradicao, Mas, em primeiro lugar,

como surgiu realmente 0fauvismo?

Quando Derain deu baixa do service militar em 1904, Matisse estava

trabalhando em Luxe, calme et volupte [ilustracao 1], tela que iria firmar sua

posicao de lideranca entre os pintores mais joveris que foi virtualmente urn

manifesto do fauvismo. Aparentemente, trata-se de urna variacao sobre urn te-

rna familiar aos neoirnpressionistas, empregando a tecnica pontilhista desen-

volvida pOI' Seurat e dogmatizada no livro de Signac, De Delacroix au

Neo-Impressionisme, ajustaposicao de pontos ou pequenas pinceladas de co-

res primarias metodicamente colocadas na tela. Durante 0 verao de 1904 ,Matisse estava hospedado em St. Tropez, onde Signac tinha uma casa, nao

muito longe de onde residia urn outro neoirnpressionista, Henri-EdmondCross. A teoria pontilhista estava, pOI'certo, em grande evidencia, mas Matis- .

se nao era urn jovem pintor vulneravel e que se irnpressionasse com 0estilo

de outros pintores: trata-se de uma interpretacao bastante livre das intencoes

de Signac, transmitindo tanto entusiasmo pelosBanhistas de Cezanne quan-

to pelas cenas taitianas de Gauguin.E urna sintese do que os pos-impres- .

sionistas tinham a oferecer, livremente manipulada num exercicio pessoal.

Para nos, hoje ern dia, ela parece convencional, se comparada com 0 queviria _

.ern seguida, mas, para 0 circulo de pintores em torno de Matisse, ern particu-

lar Othon Friesz e Raoul Dufy, foi uma revelacao, "Diante desse quadro,

compreendi todos os novos principios.o irnpresslonismo perdeu para rniffitodo 0 encanto, ao contemplar esse rnilagre de imaginacao produzido pelo

. desenho e pela cor", recordou Dufy. Matisse tinha usado a cor mais subjetiva-:

mente do que nunca (embora, e claro, muitos pintores mais antigos tivessem

empregado a tinta mais livre e audaciosamentedurante cerca de duas deca-

das), mas era 0desenho 0que espantava a maioria das pessoas. As formas dos

nus estao drasticamente simplificadas, de modo que assumem uma funcao

puramente decorativa, sao percebidas rnais como formas do. que como cor-

".posfemiritnos: Toda a tela parece qtiestioJiat a tradi~ao paisagistiCa; tudO nelil' ..

desempenha urn papel rnais decorativo do que descritivo. A arvore;o barco e

a linha da praia sao interpretados como padroes lineares que unificam a su-

perficie pictorica numso plano espacial.: Prenuncia a cren<_;:ae Matissena ' , . .. < . . 'fun<_;:aoprimordialmente decorativa da arte; 'queele~expressatiav~balmente:-:-~'-c----:"---~----'

mtrltos anosdepois. Tambem revela os grandes poderes irnaginativos de Ma-

tisse como colorista; assutis combinacoes de rosas, amarelose azuis sao intei-

ramente inesperadas e evocam a atmosfera lirica da cena, inspirada nos ver-

sos de urn poema deBaudelaire: .

La-bas, tout n'est qu'ordre et beaute,

Luxe, calme et uolupte.

o titulo do poema, Voyage a Cythere, sugere: 0escapismo tao avidamente

procurado pelos escritores romanticos e que iniciou a sua propria e curiosa

tradicao atraves da pintura desde Delacroix ate Gauguin, obcecando certa-

mente a geracao de pintores da decada de 1890 e comecos da de 1900. Esse

quadro, tal como Joie de vivre,que se seguiu pouco depois, mostra ate que

ponto Matisse estava surpreendenternente proximo das correntes Iiterarias

do seu tempo, ern sua tentativa de erial ' uma terra imaginaria, ou urn estado

de espirito, onde tudo e como Baudelaire propos.

Luxe, calme et uolupte causou grande agitacao, quando foi exposto no Sa-

lao dos Independentes, em 1905. Embora a maioria dos crit icos ainda nao es-

tivesse ern condicoes de compreender inteiramente 0que Matisse estava

tentando fazer, a maior parte deles reconheceu-lhe talento como pintor, Sig-nac concretizou sua aprovacao comprando a tela para sua colecao particular ..

e levando-a de volta a St. Tropez. Naturalmente, Derain estava entre os pin-

tores mais jovens que se voltavam para Matisse na expectativa de que este as-

sumisse a lideranca e,no verao seguinte, juntou-se a Matisse em Collioure, na

-costa mediterranea, onde pintaram as obras que iriam provocar em breve 0

apelido deLes Pauoes.Foram meses particularmente fecundos para ambos os

pintores. Derain comecou realizando experirnentos corn a tecnica pontilhis-

ta, e seus quadros tornaram-se mais leves na cor e no toque. As pinceladas pe-

'quenas que a tecnica exigia encorajaramurn metodo mais delicado,.eem

breve ele estavaap1:0 a sugerir' luz e ar deixando areas da tela sempiJittira,

para que 0fundo branco se tomasseurna parte tao irnportante dacomposi-

<_;:aouanta a tinta e criasse urna sensacao de espaco flutuante. Asaquarelas

.pintadas durante esse verao sao possivelmente asmaisambiciosas e requinta-

das que ele realizaria ate entao. A tecnica mais fluida soltou-lhe tanto a ima-

ginacao quanta 0pincel e, durante algum tempo, ele igualou a maravilhosa

facanha de Matisse de usar somente os elementos essenciais de trace e cor a

fim de alcancar seu proposito, Mas, por muito que ele possa tel' auferidodes-

·'sa'colabora~~o,··I5etailie§ctevia·aV1aITiiD.ekrH:5fina.ldejulh():··· ..

; : ~ i , ; ; : ; : : ; : : ; ~ c ! ~ ; , j ~ ; ~ ~ ; ~ ~ : ~ b : : : : : ~ . : :: . •·fan:6clisso;eseramuit()-difiCil--que-v()lte-algu~.11"a:-veza·usa;;;lo:Eumrecurso-- . .__ c.

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~:=;:~~al~:i~~iS~~~U~U~~:~;:~~ e:~;~:~~S1:S~~O:;:~~~'e~~:s~6 ,.!I,~:~~;:'d~ ~=~~'::ePp';:::'::~od;0~ge~;~ :~:;::,~:.:,~~;e~~h:

. _E, d e f ato, u rn rnundo que contem as s ernentes de sua pr6pria distri- ., superado Gauguin e Van Gogh na intensidade de expressao, mas, a seme-

~~~~;~2~€~~~~~:~!~:~: !c~: ! ;~ : : : :1..., . , t f;'~~~~~~~~l~f£, tancia alguma entre a fundo e a cabeca, ao passo que a verde recua, criando

~ua_rej~i_c,;~~.4_~eo!,ia do neoimpressionismo - a divisao de tons _ esta total- ; '. . .~~ umefeito espacial c0n1p~etamente c()ntra~itorio. ~ notorieda~= res1.1ltantemente de acordo com a sua desconfianca geral em relacao asteorias de arte-'- '-~-"' ''"~'' '' '- '' 'i:Iessa-exposI~1iotevesuasvantageri8, e'esses pmtoresfoiam imediataniente

~r!o~;~~a~:t~~~;,~aci:j: !:l~:~s~:oc~:~~c~~~v~o~~a ;~~::~a ed:'~~~~:::~1~~sc~:~ :~~c~~~~a~:;~~c;::d~~=c~~ : a : r ~ ~ ! ! ~ ~ ~ ~~ : ~ ~ :nossa limitac,;aoa ele. Entretanto, nao eram apenas asteorias de Seurat e Sig- ~l~ traram urn inestimavel patrocinador em Ambroise Vollard, especialmente

nac a que preocupava esses pintores em Collioure. Durante sua estada eles I;~ vantajoso para Vlaminck, pais agora ele podia dedicar todo a seu tempo a

puderam estudar as obras de Gauguin conservadas par Daniel de Monfried j~ pintura, Matisse foi adotado pela familia Stein-Leo, seu irmao e sua cunha-

amigo intima do pintor, em sua casanao muito distante de Collioure. Relati- l~ da,Michael e Sarah, e sua irma Gertrude. Leo comprou a primeiro retrato

vamente desconhecidas ate aquela data, gracas a essas telas Matisse e Derain "~ de Mme. Matisse, nao obstante sua pr6pria reserva. "Era a mais nojento bor-

puderam ver como Gauguin prescindira da pe ti . I "( rao de tinta que jamais vi", escreveu mais tarde. "Ter-me-ia agarrado a elerspec va convenciona e con- 'j

dcentrar~-seT:emdbarcoesao a superficie da tela, convertendo-a numa unidade _.,[,) lffi

d

'diatdamenltde,e nao ~vesse precis ado de alguns dias para superar a fatura

eco:ati.va. am em viram como sua escolha de cores devia bern pouco as" esagra ave as tintas.'

aparencias naturais e muitissimo a sua pr6pria imaginacao, :~ Os quadros de Vlaminck, embora aparentemente pr6ximos dos de De-Quando regressaram aParis, enviaram suas obras ao Salao de Outono e rain, eram concebidos de urn modo totalmente diferente. Ele era0 unico do

foi ai, na companhia dos amigos, que presentearam a publico com aprimeira ,; grupo que nao tinha paciencia nem, em verdade, qualquer usa para a treina-

mostra do fauvismo. Derain expos suas paisagens, brilhando em vermelhosl menta em escolas de arte au para a t eoria da cor, embora tivesse aprendido

verdes e ~~uis estridentes, executadas com urn desprezo pelo acabament~1 muito estudando pintura de todos as periodos. Sua paixao pela obra de Van

que as crrticos deploraram. 0esquematismo e as c ores brilhantes mas arbi- Gogh poderia ter brotado de urn reconhecimento, como ele p ensava, dos im-

trarias, que.lhes davam urn frescor e uma espontaneidade impares, conde- pulsos prirnitivos que motivavam as turbilhoes de impasto e a ressonancia

naram a pln:or aos ?lhos da maioria dos crrticos, Mas foi Matisse quem das cores - nessa epoca ainda eram muito confusas as lendas e as equivocos

suportou a violento impacto do inevitavel furor . 0 retrato de sua mulher .1 que cercavam a doenca deVan Gogh. Vlaminck parece ter tentado delibera-

usando urn enorme .chapeu foi interpretado como sendo de urn inexplicavel damente trabalhar com a intuicao de urn primitivo (embora urn tanto sofisti-

mau gosto, uma cancatura da feminilidade. Ate as criticos mais perspicazes cada) e ignorar as modos convencionais de olhar. Suas Fontes v isuais foram

acharam ~ue Matisse havi~ exagerado - reconheceram seus dotes de pintor; descobertas nao tanto nas obras pos-impressionistas que deflagraram a entu-

rna: consideraram sua recem-descoberta liberdade de cor, e a livre interpre- . siasmo deseus amigos, mas sobretudo em contextos inteiramente inex-

tacao de temas familiares, uma evidencia de excentricidade declarada. Em- plorados, como as cromolitografias de embalagens de chic aria, e a escultura

bora extravagante em cor e execucao, esse retrato nao e tao desconcertante africana. Ele assim des creve suas telas desse periodo: "Irrtensifiquei todos as

quanta a seguinte que Mati~se faria, tambem de sua mulher [ilustrac,;ao 3]. meus valores tonais e t ranspus para uma orquestracao de cor pura cada coisa

Mesmo aos nossos olhos, mais de 60 anos depois, a impacto ainda e colossal. que senti. Eu era urn selvagem sensivel, repleto de violencia, Traduzi a que

o t:0d~r da cor nao dimin-:iu, e a enfatica linha verde-olrva que sublinha a via instintivamente, sem qualquer metoda, e transmiti a verdade, nao tao

nanz ainda gera excitacao. E possivel que aceitemos hoje como a coisa mais artisticamente quanta humanamente. Apertei, destrocei tubas e tubas de

natural do_ :nunda a e~tu~ada ~us:aposic,;a?de cores, a laranja e a verde, par agua-marinha evermelhao ..."E continua, dizendo que "foig racas ao meu en-

exemrlo, tao ampla foia influencia exercida par Matisse nessa direcao, mas, ' contra casual com Andre Derain que nasceu a escola do fauvismo". Mesmo

sepu ermos por urn momento esvaziar denossa mente toda apin,",a recen- l que essa afirmacao nao seja totalmente con-eta, sua cornpreensao da arte

1

5-

1 9

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africana contribui, sem duvida, com urn estimulo estetico muito definido

para a pintura e a escultura: Vlaminck reivindicou ter sido 0primeiro a "des-

cobrir" a escultura africana em 1904; se foi ou nao assirn, nao chega a ser

.umaquestao crucial, 0 importante e que Matisse e Derain toniaram-se igual-

mente apreciadores desse tipo de arte, embora Matisse Fosse0tmico que co-

mecou a colecionar seriamente esculturas primitivas. De urn modo geral, 0

interesse de Derain e Vlaminck permaneceu em urn nivel apreciativo _ nao

alterou radicalmente seus estilos de pintura como iria acontecer a Picasso al-

guns anos depois. Nao obstante, foi uma expressao da aversao de Vlaminck

pela teoria e estetica formais, e de sua imperiosa necessidade de reagir contra

a ortodoxia. Havia, porern, outros elementos de arte nao europeia no fauvis-

mo, que se revelam com total clareza no trabalho que Matisse vinha reali-

zando de 1906 em diante. Em marco desse ano, ele visitou a Argelia e, na

volta, trouxe consigo uma boa colecao de cerarnica e texteis locais. Suas co-

res brilhantes e saturadas e ospadroes vigorosos e pronunciados obviamente

o atrairam, e passou a usa-los em naturezas-mortas, como em Natureza-

morta com cebolas rosadas [ilustracao 5]. Urn episodic associado a esse qua-

dro mostra como Matisse buscava manter a rnesma simplicidade decorativa

que via nessas ceramicas. Tentou fazer passar 0 quadro, para Jean Puy, tam-

bern urn pintor fauve, como obra do carteiro local em Collioure, mas Puy

nao se -deixou lograr pela impostura: reconheceu imediatamente a obracomo sendo de Matisse. Ha urn prirnitivismo deliberado no modo cOIIl<:>:>-

tema e apresentado, mas, como Puy observou, era preciso um grau de orga-

nizacao muito sutil para seconseguir essa simplicidade. As areas chapadas de

tinta, com pouco ou nenhurn modelado, e a silhueta das jarras enfatizam a

funcao primordialmente decorativa da obra. E quase como se Fosseuma pa-dronagem tex:til. Essa restricao aos elementos essenciais, reduziIldo 0mime-

ro de elementos pictoricos com que trabalhar, e urn desenvolvimento crucial

na carreira de Matisse, que pode ter sua origem em seusprimeiros contatos

.com a arte nao europeia e prirnitiva. Mas ele foi 0trnioo pintor entre osfau-

ves a reagir de urn modo tao positive a essas novas influencias: anos depois

Othon Friesz definiu sua ideia do que era 0 fauvismo, uma ideia rrruito. dis-

tante daquilo que Matisse tinha em vista. Escreveu Friesz: "[0 fauvisrno]"[laoera apenas uma atitude, urn gesto, mas urn desenvolvimento logico, urn

meio necessano atraves do qual podiamos impor a nossa vontade a plrifuia;

embora permanecendo ainda dentro dos limites da tradicao." Entretanto,

alguns, como 0proprio Friesz, foram lirnitados exatamente por essa depen-

_.lencia da tradi<;:ao,ao passo que Matisse e, em certa medidaiDeraineV1::i':

n i r : ck, puderam improvisar . em cima de temas tradicionais, reorganizar

-deias preconcebidas. Talvez seja esse grau de assimilacao da tradi<;:aoque

lOS faz perceber 0 abismo que separa esses tres pintores do resto dos adeptos -

, 10 fauvismo (Braque ainda nao estava pintando suas telas fauves). E claro; o,_~~ __

seria enganador repudiar a obra desses outros pintores a quem Vauxcelles ti-.

nha apelidado de "fauvettes";noperiodo de 1905-07 registram-se algumas

excelentes paisagens e retratos por Marquet, Valtat e Van Dongen, mas

tem-se sempre a sensacao de que suas cores fortes e vibrantes, reconhecidas

como 0tema do fauvismo, serviam com demasiada frequencia para disfar-

<;:ar,nem sempre com eficacia, asp~isagens e c_:nasfigurativas ~a~cam:n:e

academicas que se escondiam por baixo. A doacao de uma nova tecruca picto-

rica nem sempre era suficientemente radical para compensar a falta de ima-ginacao e de visao. Ate mesmo a reproducao em preto e branco ~o numero

de 1905 de L'Illustration [ilustracao 2] mostra como as duas paisagens de

Manguin e Puy parecem quase reacionarias em comparacao com as obras

de Rouault, Matisse e Derain. Podiam caminhar juntos ate urn certo ponto e,

para muitos, isso ja era demais, mas as ideias e os propositos fundament~s

por que Matisse estava lutando simplesmente nao faziam parte do vocabula-

rio dos demais.

O ana de 1906 foi triunfal para os fauves. 0 movimento atingiu seu cli-

max no Salao dos Independentes, onde Matisse, como sempre, dominou a

exposicao, Expos apenas urna tela, Joie de vivre [ilustracao 4], que supera em

muito 0 seu trabalho de 1905.Retrospectivamente tendemos a avaliar a im-

portancia dessa tela atraves de Demoiselles d'Avignon, de Picasso, pintada no

ana seguinte e que parece desafiar diretamente tudo 0que Matisse ja tinha

feito. A tela de Picasso nos toma conscientes de uma caracteristica de Matis-

se, a sua afinidade com a tradicao literaria das decadas de 1880 e 1890.Assim

como Luxe, calme et volupte brotara dos escritos de Baudelaire, tambem Joie

de vivre depende do hedonismo tao frequentemente apontado em certos

poetas simbolistas, Matisse foi produto da era simbolista, tinha side esse 0

periodo em que ele crescera, afinal, e essas raizes nos sao relembradas amiude

durante 0periodo inicial de sua carreira. 0 que e de fato extraordinario e0

modo como ele usa essa tradicao, tantas vezes propensa a anemia, para .

enunciarurna ideia radical e rnuito positiVa de pinttira. Bastacompara-lo

com qualquer dos banhistas pintados por Maurice Denis, tambem fruto. da .

mesma geracao, para se avaliar a.extensao daconquista de.Matisse. Picasso, e_..

claro, fazia parte de urn grupo Iiterario totalrriente novo, liderado por Apolli-naire Max Jacob e Andre Salmon, nenhum dos quais compartilhava desse

respeito pelos simbolistas, Joie de vivre naoe daramente umipiIlhirafriuve,

pelo menos nao no mesmo sentido das obras de 1905;e urn passo alern, indi-

cando a resposta de Matisse a pergunta de para onde e pa~a ()<:J.Ll_e}_ev~,,~~): .... .

fatiVismo-Ce-rribora1le p-ossiFcliS-Ctititse Matisse alguma vez'considerou iss(Y'-::'-'-c_"",::::,,::

um problema, ao contrario < I n ' outros fauves]. E uma tela nH"~vil1>",amcnte 1 1 1 .control ada, em que cada linha,cada trace, cada espa<;:ocontribui para a ex- .,~ .

pressao de calma e tranquili1ade. _nadaha que seja superfluo.O ~spu:it( )< _~..••.._... .

-- -de sensualidade'hlnguidae um-equtvalerrte'visual perfeito da imagina<;:ao··de---~..~~~~.

2 1

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Baudelaire, admiravelmente transmitido pelos rosas e verdes suaves e pelas

flexiveis corrtorcoes dos casais que se abracam. Tudo e 0mais imponderavel

possivel,e mesmo as arvcres que balou<;:am ao fundo parecem tao transi-

t6rias quanta 0estado de espiri to que expressam. Sente-se fortemente que a .

tela de Matisse e 0resultado de anos de paciencia, experimenta<;:ao e estudo

e ele impoe tal ordem e precisao em suas composicoes que nada pode ser re-

sultado do acaso. Dois anos depois, Matisse publicou urna defini<;:aocaracte-risticamente lucida de seus objetivos:

pensar; nao consiste na paixao espelhada num rosto hurnano ou denunciada

por um gesto violento. Toda a disposicao de minha pintura e expressiva. 0

lugar ocupado por figuras ou objetos, 0 espaco vazio em tomo deles, aspro-

porC;:6.es,udo desempenha um papel. A composi<;:aoe a arte de dispor; demaneira decorativa, osvaries elementos a disposi<;:aodopintor para a expres-sao de seus sentimentos. Num quadro, todas aspartes serao visiveis e desem-

penharao 0papel que lhes e atnbutdo, seja ele principal ou secundario, Tudo

o que nao e util no quadro e prejudicial. Uma obra de arte deve ser har-

moniosa em sua totalidade; pois os detalhes superfluos, na mente do especta-

dor; usurpariam os elementos essenciais.

E , ev:idente que tal declaracao e as obras que a precederam seriam imp en-savers sem 0 exernplo de Gauguin e Seurat , que se esfor<;:aram por obter

comp.osi<;:6essimplificadas, mas formais. A semelhanca de Gauguin, Matisse

acreditava que a harmonia cromatica deve ser orientada para os mesmos

principios que regem a musica, "Nao posso copiar a natureza de urn modo

servil", escreveu ele. "Devo interpretar a natureza e submete-la ao espirito do

quadro. Quando tiver encontrado a relacao entre todos os tons, 0 resultado

deve ser uma harmonia viva de tons, uma harmonia em nada diferente de

uma cornposicao musical." E essa tela sugere certamente a interpreta<;:ao vi-

sual de uma composicao de Debussy. Sua manipula<;:ao da tinta tern raizes

~rm~~ente plantadas nas aspiracoes poeticas de Gauguin e na analise quase

cientffica de Seurat. E visionaria e analitica, uma combinacao impressionante

que resulta ~e anos de estudo. Em urn nivel,os sentidos sao acalentados por

suas harmonias de traco e cor, mas, em outro nivel, essa mesma harmonia einquietante. A simplicidade e facilidade aparente de execu<;:ao provocam

urna reacao em cadeia de quest6es. Como, por exemplo, consegue ele sugerir

e negar ao mesmo tempo uma sensacao de espaco - se bern que, talvez, essa

especie de curiosidade seja mais bern provocada pelos trabalhos posteriores a

1908 do que nos seus chamados anos fauves. 0 comentario de Picasso a res-

pei~o de Ceza~e, tIe a inquieta<;:aodo homem que nos interessa", poderia

murto bern ser invertida para ajustar-se a Matisse, pois 0quee absorvente e a

sua ausencia de inquietacao e de ansiedade. E tarnbern a sua percepcao e irna-

. acao qualidades que ele usa da me sma maneira que Cezanne. Sua pro-

gm '" , lId identificacaunda admiracao por Cezanne resu tou ta vez e uma 1 enti icacao com .0

modo como ele observava as coisas a sua volta. Ambos gostavam de sacudir

o sentido ortodoxo de realidade e jogar com a credulidade do espectador.

Nas telas que Matisse pintou entre 1900-02, a tecnica e a aplicacao .de tinta

roximavam-se muitissimo das telas finals de Cezanne. Os banhistas, naap b dente ate Ce ,National Gallery de Londres, uma 0 ra surpreen ente ate para ezanne, e

mais desconcertante no uso da cor, na distorcao das figuras e nas ambiguida-

obra e e claro que Matisse aprendeu

mais consistentemente que sua

Em Le luxe, de 1907, por exernplo, Matisse voltou a ensaiar uma nova inter-

pretacao do mesmo tema, figuras na paisagem, mas agora extraindo as figu-

ras de seu contexte, com resultados perturbadores - algo que ele elabora de

um modo mais preciso em telas subsequentes, como Atelie vermelho e Ianela

azul.As dimensoes de Le luxe reforcam aintencao decorativa na obra de Ma-

tisse e, nesse sentido, ela pode ser vista como urn preludio para osdois gran-

des paineis, A danca e A musica, pintados em 1909-10 e encome~dados

especificamente para uma decoracao. A conviccao crescente de 1v!atisse_de

que sua obra devia cumprir urn papel decorativo encontra eco.nas mt:n<;:oes

de muitos de seus contemporaneos - Pierre Bonnard e Maurice Denis, por

exemplo.

Embora tivesse sido Denis quem declarou em 1890 - "lembrem-se de

que um quadro, antes de ser urn cavalo de batalha, um nu, ou algu:na anedo-

ta e essencialmente uma superflcie plana coberta de cores reunidas numa

certa ordem" -, coube a Matisse concretizar esta concepcao potencialmente

revolucioriaria. As telas modestas e serenas de Denis, muitas vezes de nature-

za religiosa, sequer comecaram a explorar as possibilidades impllcitas em s.ua

declaracao; na verdade, a interpretacao de Matisse de uma arte decorativa

distanciava-se em muito das pr6prias intencoes de Denis. Nao obstante, os

quadros de Denis, em conjunto com os de outros pintores nabis expostos em

Paris nos primeiros anos do seculo, causaram talvez mai~ im?act? do que g~-

ralmente se pensa. Ao longo da decada de 1890 e na primeira decada do se-

culo xx todos estavam empenhados em reviver as telas em grande escala,

que assu'miram, com frequencia, a forma de paineis decorativos para cli:ntes

particulares. Nao se tratava simplesmente de pinturas de cavalete ampliadas;

nelas Bonnard e Vuillard em especial estavam enfrentando um novo proble-

ma pictorico, utilizando as descobertas impressionistas para criar efeitos de

'luz e padroes superficiais rigorosamente organizados.

Tambem para Derain e Vlarninck 1906 foi urn ana afortunado. Em Cha-

tou Vlaminck estava pintando mais exuberantemente do que nunca. Para

.ele 'a tinta era 0 unico agente expressive - espremida diretamente do tubo

nos turbilhoes de impasto que caracterizam a sua obra. Ele encoraja 0espec-

tador a tomar consciencia da tinta como parte fisica do quadro, de modo que

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esa quando sesabe que ele experimentou muitos estilos diferentes, esi-

sury:aneamenteao que parece. Urn quadro como A danca [ilustracao 7]rnu 'd d TA . t -t' muito distante, na concepcao, e suas cenas 0 amisa e, no entan 0, e

es a ... D " .provavel que tenham sido p~tados ao me.smo tempo. eram pmtou muitos

s semelhantes e neles ve-se com muita clareza as duas correntes de te-tema. 1 d . de imas que aparecem na pintura fauve. Por urn a 0, uma tentativa e interpre-

tac;ao subjetiva da natureza, embora mant~ndo urn tenue Vi:r:c~o com 0

aturalismo como Derain fizera em suas palsagens e cenas do no, e, por ou-

~o lado as cenas ostensivamente liricas de que Matisse fora 0 pioneiro em

Joie de ~vre e que exigiam abundantes recurs osimaginativos. Dian~e da fa~~a

de graciosidade de A danca, parece que Derain nao encontro~ :nu~ta.sfacili-

dadesneste estilo de pintura, e nem era certamente uma transicao facil de re-

alizar, pois sua obra anterior nao 0 equipara para abordar temas .imaginari~s.

Talvez por causa das obvias dificuldades que enfrento.u, ~ssas ~mtur~s estao

entre suas obras mais fascinantes. Essa propria desgraciosidade e parcialmen-

te deliberada; os gestos estranhamente contorcidos das ~iguras ~u~ ~e mo-

vern na superficie do quadro fazem todos parte do ambiente primrtivo e_:n

que Derain as colocou. Entretanto, esse p~tivismo e pouco timido, n.ao

constitui para ele 0 reflexo de urn modo de VIda, como era para Gauguin,

mas tinha muito mais de urn ato, de uma atitude assurnida. E possivel quecompartilhasse da curiosidade que Vlaminck e Matisse sentiam pe~ae~cultu-ra primitiva, mas ele so.investiga essas novas form asde ~ m~do dis~li~ente.

Tal como e patenteado pelas figuras nessa cena, elas sao mais urna ideia ge-

nerica de prirnitivismo do que 0resultado de urn interesse mais profundo

por novas express6es formais. Esse aspecto do terr:a dificilmente se coaduna

com 0 tradicional tema dos banhistas, do qual denva; 0nu sentado ao fundo

nao desempenhaqualquer papel no ritual que se desenrola a s~a frente.As

insinuacoes de exotismo sao contrariadas pelo ,sofisticado estilo.~ Nou~

veau com que a tela, em seu todo, foi tratada. E uma obra decorativa, mas

nao suficienternente monumen~al para. elimin::lr a suspeitadeprodt1C;aode .

urn molde,de l.lbJ.padra~,o que a torna urn tanto "elegante", ao sabor da

moda vigente. Mas sao inconsistencias como essas que constituem 0as?ecto

mais fascinante dessa pintura, em parte porque sao peculiares a Dera:n err:

sua tentativa de encontrar uma alternativa para a sua obra. Em Matisse, e

claro essa dicotornia nunc a se deu. Nao existe verdadeira ruptura entre suas

naturezas-mortas ou paisagens e as obras acentuadamente lIricas que execu-

tou ao mesmo tempo; de fato, elas se relacionam estreitamente entre si . Pa-

rece haver pOtlcasduviclascleCJ.ueI)erain buscouulTla sa.idaPa:a().~!>ll:ss: . _

do fauvismo -atrav~s desses temas, vendo neles urn modo de construir uma '[-'-' - .. -

realidade mais solida e tangivel do que a possibilitada atraves de efeitos ~ga- Ezes de cor. Uma breve cornparacao entre La danse e Le luxe, de Matisse, .~

t mostra como aumentou a distancia entre os dois pintores num curto espaco ~

-.-------.-- -de-tempo.-E, surpreendente recoraar que, apena1'nIl:n'arfO-antes;-ambos eram-- -----

2 5

essas paisagens nao sao' meramente registros do rio e do campo ao redor de

Chatou, mas, primeiramente e acirna de tudo, veiculosde expressao. Entre-

ta~to, lendo-se os .co:rr:entarios de Vlaminck sobre sua propria obra, poder-

se-ra esperar a realizac;ao de telas mais radicais e explosivas talvez urn estilo

mais proximo do grupoalemao Die Briicke, que estava'trabalhando em

Dresden por essa mesma epoca, 0usa da tinta e do desenho por Vlaminck

.suge~e a palavra exp.ressiva, mas comunicara realmente qualquer ideia ex-

pressrva, a parte 0 eVldente prazer nas cores brilhantes? Seu deleite esponta-

n:o ~om as~bra_sde Van Gogh ignorou asraz6es subjacentes nos experimentospOS-lIDpreSSlOllistascom as cores e as definic;6es arbitrarias de espac;o; ao fim

das contas, eram os resultados dessas pesquisas sobre 0poder emotivo da cor

. que 0 impressionavam, e nao as ideias que ashaviam inspirado. Esse usa da

cO.rera libertador e.estimulante para todos os fauves,. nao apenas para Vla-

~c~, e.pode-se a£:mar que, em grande parte, eles nao precisavam de outra

justificativa para apmtura que faziam senao 0puro prazer visual proporciona-

do p.e~acor pura. 0adicalismo de Vlaminck, entretanto, nao foi alem da su-

perficie. S~a ~scolha de temas e suas composic;6es tern urn precedente claro

no lIDpreSSlOllismo e, com efeito, 0 seu rnetodo' de distribuiC;ao de elementos . '

composicionais esta muito proximo doimpressionismo de Pissarro. Nao e a

obra de urn "selvagem de coracao terno", como queria que acreditassemos,

mas a de urn rebelde estudioso dos impressionistas.

Se a divida de Vlaminck com os impressionistas era em grande parte in.. '

coriscienn-, Derain, em fins de 1905 ou cornecos de 1906 estava realizando

uma reavaliacao deliberada de urn projeto elaborado por'Monet a serie de .'

telas do rio T~misa en~omendada por Vollard. Durante esse p'enodo em

Londres, Deram produziu alguns dos mais notaveis exemplosde fauvismo;

Ele reagiu vivamente asvariac;6es .de luz e as gradac;6es de nevoeiro ebrumas

que pairam sobre 0 rio; entretanto, nao erarn respostas impressionistas mera-

mente reelaboradas, mas reinterpretadas de urn modocaracteristicamente

subjetivo. "Por mais que nos distanciassemos das coisas a fim de

J;taIispo.,-lassempressa,nunca estavarnos longe obasta.nte", escreveu DeraIn.

'A s cores tornavam-se cargas de dinamite, parecia que elas descarregavam

luz, Era uma excelente ideia em sua novidade, a de que tudo podia ser eleva-

".~o acima do real." Aideia de transcender 0 que via a sua frente, acima darea.c:

lidade, talvez estabelec;a a direcao em que ele estava se distanciando do

seculo XIX.Assim como para Vlaminck, tambem paraDera.in a cor e 0 tema

.:Iesua pintura, e e atraves desse veiculo que eletenta escapar as armadilhas .

:Ia~epresentac;ao. Nesses quadros do Tarnisa, suas cores foram tao poderosas

.L.vIbniIltes cc:_<:>rnQ.I!l.:1_Il<;:_g;.~.9ntudo,eleevitaqualquernotaiscordante·.ecbs ..•.= = =

choques"e as "cargas de dinamite" estao perfeitamente controlados. '

.. .Se a obra d~ Matisse em torno de 1907 mostra coerencia com o que fi- "

,era.ante.s, Deram parece repudiar deliberadamenteseus trabalhosfauves. A"

r().J:l()!.?gla_~}(:_'l!~.<:!('!St1::lgJ?n!PQ£yo1:ta.de.1906~02e_inCertaj.o...ue'nao'causa'~~~

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apontados como pintores fauves e, agora, parecia haver muito pouca coisa a

Iiga-los. A essa altura, em 1907, Picasso e Braque estavam sugerindo novas

possibilidades visuais com aspesquisas que nao tardariam muito a tornar-se

o cubismo, e Derain sentiu-se naturalmente inclinado a simpatizar com seus

prop6sitos, embora nunca se engajasse pessoalmente ao movimento cubista,

Em Os pintores cubistas, Apollinaire observa que "a nova estetica [isto e, 0

cubismo] foi inicialmente elaborada na mente de Derain", observacao que

tern de ser confrontada com 0 descredito aberto de Derain quanta a teorias.

De fato, Apollinaire evita levar adiante a afirmacao, dizendo: "... seria hoje---cextremamentedificilescteverc6mclarezasobreum homemque t § . o o b s t i = 'nadamente se mantem afastado de tudo e de todos". Alern de compartilhar

do desejo de Picasso e Braque de questionar nao s6 a representacao de obje-

tos, mas tambern a nossa maneira de ver e de olhar esses objetos,: Derain

tambem comparti lhava do seu entusiasmo por Cezanne, cuja obra tinha re-

cebido urn extraordinario reconhecimento numa grande retrospectiva orga-

nizada em 1907, ana seguinte ao da morte do pintor. E de presumir que

Deraintenha visto como Braque realizou a transicao de seu breve experi-

mento fauvista, de 1906, para as fortes paisagens monocrornaticas de 1908,

mas para Braque essa transicao nao constitui a opcao deliberada que Derain

enfrentou, parece ter sido uma decorrencia inteiramente logica. No flm de

contas, ele nunca se engajara num estilo tal como Derain 0 fizera duranteanos. As poucas obras fauves de Braque, em que ele experimenta com ligei-

ras manchas de cor pura, estavam muito proximas, em tecnica e expressao,

do que Matisse e Derain fizeram em Collioure. Nelas, de obteve efeitos de

luz e espa.,;:ode incornparavel frescor e espontaneidade, que sao uma das ale-

grias do fauvismo. Mas, como ele declarou mais tarde, esse foi urn periodo

necessario de experirnentacao, que libertou sua imaginacao e 0 ajudou a li-

vrar-se de muitos preconceitos; Braque sempre considerou essa fase tran-

sitoria e talvez seja esse 0 modo como n6s tambern deveriamos encarar 0

fauvismo. Nunca foi urn movimento com objetivos que pudessem ser

realizados, como foi 0 caso do cubismo, mas urn processo espasmodico de

experimentacao, a partir de possibilidades sugeridas pelos pintores pos-im-

pressionistas. Com muita frequencia, eles estavam meramente repetindo 0

que esses artistas ja tinham dito, s6 que em vozes mais altas e mais estriden-tes, mas tel as, como 0retrato que Matisse pintou de sua mulher, e as aquare-

las de Derain em Collioure justificam a comocao provocada. "Quando os

[auves deixaram de reagir", escreveu Apollinaire, "nao sobrou ninguem exce-

to osburocratas paciflcos, que separeciam, trace a trace, aos funcionarios da

rna Bonaparte em Paris.E 0 reino dosfauves, cuja civilizacao parecia tao po-

derosa, tao nova, tao surpreendente, adquiriu subitamente 0 aspecto de uma

cidade fantasma."

1967

• E H p r B S s io n is m oNorbert Lynton

T o d a a.,;:aohumana e expressiva; urn gesto e urna ~.,;:ao~tencionalmente. ""oda arte e expressiva de seu autor e da srtuacao em que ele tra-

express1va. L • tr 'balha = . mas uma certa corrente artistic a pretende impres~lOnar-nos a aves

d estos visuais que transmitem, e talvez libertem, emocoes o~ m~nsagens

e:~cionalmente carregadas. Tal arte e expressionista. Uma consideravel par-

I daarte do seculo XX foi desse genero, especialmente na Europa Central,

ce a . . denci m, ••1 " ., mo" f01' lhe aplicado [assim como as ten enc1as co -

e 0 ro'tulo expresslOrus . .paraveis na [iteratura, arquitetura e musics). Mas nunca houve urn mOV1-

mento chamado expressionismo. , ..

Nem, e claro, essa intensifica.,;:ao do poder expressivo e ~ecu~ar a artedo seculo xx. Periodos de crise, em especial, parecem produzir artist~s. ;Jue

c~nalizam as ansiedades de seu tempo para as suas obras. ~ma vez admiti a a

personalidade do artista como fator deterrninante do car~ter de uma obr~ de

arte como se viu em escala crescente durante 0 Renascimento, a art: pode

fu'. d Is abertamente como urn meio de autorrevela.,;:ao. Noncionar ca a vez mal

contexto do individualismo moderno, isso pede ser levado a extremes, mas ~

unica inova.,;:aoverdadeira que 0 expressionismo mod:rno a~resentou f01

a descoberta de que composi.,;:6es abstratas podem ser tao efetivas, pelo ~J-nos quanta os quadros tematicos. Descobriu-se que 0 tema, tendo s e : V _ l ~

co~o 0 veiculo para gestos expressivos (em certa medid~, co~o a ~ce1tave

capa de acucar em redor da pilula do significado), podia ser lllterramente

abandonado. 0poder expressivo de cores e formas, de pinceladas e textura,

d t manho e escala era demonstravelmente suficiente.e a, I . ente

Esse ultimo desdobramento foi estimulado pe a consc1enc1: cresc ,

d' 1 XIX d amusics pOSSU1aurn cara-

dos artistas desde 0 comeco 0 secu 0 ,e que ,',"

ter direto de imp acto. Ai estava uma forma de criacao que comurucava sem 0

"auxillo da narrativa ou da descricao, sem mesmo qualquer rec~r~o a reflexes, . 0 ti t mbem perrnrtiu uma cres-.ti Ut musica plctura. roman smo a

aSSOC1avos. I . • ali da liberdadecente consciencia muitas vezes lffipelida pelo nacion smo, d Idesfrntada por artistas extra-academicos de seculos anteriores. Alguns e es

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