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A Franco-Maçonaria Tornada Inteligível aos seus Adeptos Oswald Wirth A Franco-Maçonaria Tornada Inteligível aos seus Adeptos Sua Filosofia, seu Objetivo, seus Métodos, seus Meios I “O Aprendiz” Oswald Wirth

wirth oswald - o livro do aprendiz (portugués)

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  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Oswald Wirth

    A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus

    Adeptos

    Sua Filosofia, seu Objetivo, seus Mtodos, seus Meios

    IO Aprendiz

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    ...A Franco-Maonaria chamada a refazer o mundo.

    A tarefa no est acima de suas foras, desde que ela se torne

    aquilo que deve ser.

    O. W.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    ... A Franco-Maonaria visa a formar Iniciados, ou seja, homens

    na mais alta concepo da palavra.

    O Maom deve, pois, operar sobre si mesmo uma transmutao

    semelhante quela dos alquimistas...

    O. W.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    O Livro do Aprendiz

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    ndice da Matria

    Prefcio

    Aos Novos Iniciados

    Questes Ritualsticas a Propor aos Irmos

    Visitantes

    Resumo Filosfico sobre a Histria Geral da

    Franco-Maonaria

    Consideraes Preliminares

    As Origens Manicas

    A Arte Sagrada

    Primeiros Dados Histricos

    O Cristianismo

    As Ordens Monsticas

    A Maonaria Franca

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    As Confraternidades de So Joo

    Canonizaes Equvocas

    Os Stiros contra a Igreja

    A Alquimia

    A Decadncia das Corporaes

    A Cabala

    Os Rosa-Cruzes

    A Franco-Maonaria Moderna

    Elias Ashmole

    A Primeira Grande Loja

    O Livro das Constituies

    Os Princpios Fundamentais da Franco-Maonaria

    Extenso Rpida da Franco-Maonaria

    A Maonaria Anglo-Saxnica

    O Incio da Maonaria na Frana

    O Trabalho Manico segundo a Concepo Inglesa

    A Igualdade

    Os Primeiros Gros-Mestres

    Constituio de uma Autoridade Central

    Os Mestres Escoceses

    O Perodo Crtico

    A Maonaria Inicitica

    Os Substitutos do Gro-Mestre

    A Autonomia Ilimitada das Lojas

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    O Grande Oriente da Frana

    A Grande Loja de Clermont

    A Franco-Maonaria antes da Revoluo

    Claude de Saint-Martin

    Mesmer

    Cagliostro

    A Maonaria de Adoo

    A Iniciao de Voltaire

    A Igreja e a Franco-Maonaria

    Suspenso dos Trabalhos Manicos

    O Rito Escocs

    A Maonaria Imperial

    A Restaurao

    O Reino de Lus Filipe

    A Grande Loja Nacional de Frana

    Reviso Constitucional

    Deus e a Imortalidade da Alma

    O Prncipe Lucien Murat

    A Marechal Magnan

    O General Mellinet

    A Terceira Repblica

    O Convento de Lausanne

    O Grande Arquiteto do Universo

    A Grande Loja Simblica Escocesa

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    A Encclica Humanum Genus

    Reviso dos Rituais

    Congressos Manicos Internacionais

    A Grande Loja de Frana

    O Amanh da Franco-Maonaria

    A Iniciao Manica

    Os Trs Graus

    Os Metais

    A Cmara de Reflexes

    O Sal e o Enxofre

    O Testamento

    Preparao do Recipiendrio

    A Porta do Templo

    Primeira Viagem

    Segunda Viagem

    Terceira Viagem

    O Clice da Amargura

    A Beneficncia

    A Luz

    O Avental

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    As Luvas

    Restituio dos Metais

    Concepes Filosficas Relacionadas

    Ritualstica do Grau de Aprendiz

    As Tradies

    A Regenerao

    A Gnese Individual

    As Provas

    Deveres do Aprendiz Maom

    Deveres Gerais do Iniciado

    Discrio Manica

    Segredo

    Tolerncia

    Procura da Verdade

    Realizao

    Fraternidade Inicitica

    Respeito Lei

    Oswald Wirth

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    Catecismo Interpretativo do Grau de

    Aprendiz

    Primeiros Elementos de Filosofia IniciticaOs Mistrios

    O Esoterismo

    Os Nmeros

    A Unidade

    O Binrio

    O Ternrio

    O Quaternrio

    O Templo

    Oswald Wirth

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    Prefcio

    Far-me-o justia cinqenta anos depois de minha morte.

    Freqentemente, em seus momentos de afetuoso abandono,

    Oswald Wirth repetia-me esta frase. Ele morreu a 9 de maro de 1943, h

    menos de vinte anos, e a justia j lhe foi feita. Havia ela, alis, cessado

    de ser-lhe rendida? Seguramente, os jovens Franco-Maons no o haviam

    conhecido, e seu nome era aureolado como uma espcie de lenda. A

    maior parte de suas obras estavam fora do comrcio e eram vendidas a

    preos muito elevados aos raros adquirentes que a Fortuna havia

    favorecido com seus dons. Falava-se dele de como uma sorte de santo da

    Franco-Maonaria e, assim como acontece com os santos, a hagiografia

    esmorecia seus traos e seu pensamento sob o vu piedoso da fbula que

    ele no admitiu durante a vida, ele, que era a prpria simplicidade.

    Destruindo-se as lendas, o homem no ser menor, ao mesmo

    tempo em que mais prximo de ns. Este ano de 1962 que vai ver a

    reedio de todos os seus livros inencontrveis pode marcar uma

    espcie de renovao da Franco-Maonaria autntica. No foram

    precisos, pois, seno vinte anos e no cinqenta para que o nome e

    a obra de Oswald Wirth voltasse a ser familiar aos jovens que obedecem

    ao apelo da vocao inicitica. Esta, da qual ele dizia em um de seus mais

    belos pensamentos e dos melhores expressos:

    A vocao inicitica encontra-se entre esses vagabundos

    espirituais que erram na noite, depois de haverem desertado de sua

    Oswald Wirth

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    escola ou de sua igreja, na falta de a encontrarem sua Verdadeira

    Luz1.

    *

    * *

    Sob um invlucro carnal nico, existiram muitas expresses do

    esprito de Oswald Wirth: Wirth ocultista, Wirth magnetizador, Wirth

    astrlogo, Wirth hermetista, Wirth tarlogo.

    Por ocasio da reedio de livros tratando dessas diversas

    expresses, quis o destino que eu fosse chamado a reconstituir meu velho

    Mestre em suas forma e esprito exatos. Sem a menor fabulao, muito

    simplesmente, apoiando meus escritos sobre documentos que ele me

    legou2.

    , pois, normal que, hoje, eu no vos fale exclusivamente seno

    que do Oswald Wirth Franco-Maom. Do Franco-Maom que ele foi e

    com que f durante quase sessenta anos inteiramente consagrados

    Ordem.

    Sob meus dedos, comprimem-se velhas cartas, velhas pranchas de

    convocao, velhos diplomas, velhas condecoraes. Sobretudo, releio as

    linhas que ele me ditava, quando, a cada ano, ns nos encontrvamos

    durante muitos meses de vero, quando a noite caia sobre a paisagem,

    cuja calma e o silncio eram propcios s confisses e s evocaes.

    1 Oswald Wirth, Ls Mystres de lArt Royal, Ed. Dervy.2 Le Tarot des Imagiers du Moyen Age, Tchou. La Franc-Maonnerie rendue

    intelligible ss adeptes (trs volumes: Apprenti, Compagnon, Matre), Ed. Dervy.

    Convm a acrescentar a reedio dos Essais de Sciences maudites, de Satanislas de

    Guaita, Ed. Circle du Livre Precieux, do qual uma longa introduo estuda a vida de

    Oswald Wirth, quando secretrio e amigo de Stanislas de Guaita.

    Oswald Wirth

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    Tanto quanto possvel, nesta primeira parte, no quero ser seno o

    eco de suas palavras. Escutemo-lo3...

    *

    * *

    ... 1879! Alguns anos se passaram...Eu estava na Inglaterra, onde

    minhas distraes dominicais consistiam principalmente na atenta

    audio dos pregadores do exrcito da salvao. Mas esta ocupao, por

    edificante que ela seja, no tarda a se mostrar bastante montona. Por

    isso, com satisfao que descubro como que por acaso os livros

    de Mazaroz4. Este, de sua profisso de fabricante de mveis em Paris,

    era um escritor meridional, mas suas idias bizarras no deixaram de me

    seduzir. H, notadamente, um tratado de Franco-Maonaria muito

    interessante. Para Mazaroz, a sociedade deve ser organizada base de

    corporaes, administrada por um governo corporativo. Em uma tal

    sociedade, a Franco-Maonaria deve ser o elemento conciliador, aquele

    que estabelece e mantm a paz em virtude dos trs pontos. Essas leituras

    3 O leitor compreender que essas linhas no foram escritas por Oswald Wirth, mas

    provm de notas que tomei sob seu ditado. Elas so o reflexo to preciso quanto possvel

    de seu pensamento, e mesmo de sua linguagem.4 J.-P. Mazaroz. Mestre-marceneiro, foi um autor muito prolfico no gnero socialista-

    desta tal como se entendia a palavra socialista no fim do sculo XIX. Todas as

    suas obras so escritas partindo de um maonismo tal como Wirth deveria realar e

    exprimir alguns anos mais tarde. Mas aqueles que tiveram maior influncia sobre Wirth

    foram os seguintes, definitivamente cados no esquecimento: Franc-Maonnerie,

    religion sociale, Le Socialisme Maonnique, LEtat social dmocratique des paroles du

    Christ, La Franc-Maonnerie, Le Socialisme Maonnique, Ls Sept Lumires

    Maonniques. De notar tambm La Science magntique que, talvez, haja influenciado a

    carreira de magnetizador de Wirth.

    Oswald Wirth

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    se acumularam no fundo de meu esprito, de onde ressurgiram um dia,

    muito vivas. ainda em Londres que encontro Silbermann, preparador

    no Collge de France, mas cujas concepes, inteiramente especiais, so

    para mim o exemplo do pensamento independente, daquilo que eu

    chamaria mais tarde de o despojamento dos metais... Estamos ento

    em 1879, e eu assisto aos comeos da teosofia. Depois, volto Paris, a

    fim de retomar o caminho da Sua antes de meu servio militar. Revejo

    Silbermann. Fico sabendo que ele Maom e, pela primeira vez, coloco-

    lhe uma dessas questes que, desde h muito tempo, sem dvida,

    inconscientemente, desde que ultrapassei a idade do pensamento

    independente, comprimiam-se diante de meu esprito crtico: A

    Franco-Maonaria poltica? Jamais me esqueci da resposta que me

    deu Silbermann: No, a Franco-Maonaria no poltica. Mas, tente

    distinguir seus aspectos particulares, porque ela que ser adivinhada.

    Pode existir uma Franco-Maonaria azul, vermelha, negra ou branca,

    isso no muda em nada o negcio, porque, mesmo os fitas brancas, se

    eles no viveram a Maonaria, nada sabem de seus mistrios. No existe

    para voc, se est curioso de seus mistrios, seno uma nica soluo:

    pea sua admisso.

    Em 13 de novembro de 1882, em Chlons-sur-Marne, fiz minha

    entrada no 106 Regimento de Infantaria. Entediei-me. Entediei-me

    terrivelmente naquele meio de onde todo intelectualismo parecia banido.

    Penso em Silbermann. Para fugir ao tdio, no tenho seno uma soluo:

    tornar-me Franco-Maom.

    A Loja situa-se na Rua Grande-tape. Ela funciona dizem-me

    sob a direo de um Senhor Piet. Vou v-lo, encho-o de perguntas...

    Redija seu pedido, responde-me ele, eu o transmitirei. Mas, se

    voc vem a ns por esprito de curiosidade ou de informao, ou de

    Oswald Wirth

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    alguma coisa que, de ordinrio, varia, ficar decepcionado. No existe l

    nada de maldoso, e ns somos, essencialmente, uma associao

    filantrpica.

    Meu primeiro entrevistador um honesto quitandeiro de

    Chlons-sur-Marne que me aconselha, primeiro, a ser paciente. O

    segundo, muito srio, um oficial de meu regimento.

    Sbado, 26 de janeiro de 1884, sou admitido no seio da

    fraternidade manica pela Loja La Bienfaisance Chlonnaise,

    devendo obedincia ao Grande Oriente de Frana. Uma de minhas

    primeiras surpresas a de ver nas Colunas meu prprio Capito, do qual

    que eu ignorava esta qualidade, que deveria me torn-lo to caro.

    Por pobre que parecesse a Loja de Chlons, devo-lhe, todavia,

    grandes alegrias intelectuais. Como freqentemente o caso na

    provncia, os Irmos, pouco numerosos, objetos de crtica, so quase

    constrangidos a se isolarem e encontrarem neles mesmos os princpios

    da verdadeira Maonaria. Foi assim que pude instruir-me perto de um

    velho Maom, antigo cozinheiro autodidata, em trs quartos feiticeiro e

    enamorado do ocultismo, junto ao qual aprendi muitas coisas que jamais

    supusera at ento.

    Perto do final de 1884, a Loja d-se um novo Venervel, Maurice

    Bloch, israelita comerciante de carvo, e que, por amor-prprio

    Manico, dedica-se a que sua Oficina retome um vigor que at ento lhe

    faltara. Ele trunfa em todos os planos. Com ele, comeo a visitar as

    Lojas da regio, instruindo-me, assim, na diversidade de homens e de

    pensamentos no interior do meio Manico.

    Em 1885, o Grande Oriente envia uma circular s Lojas,

    pedindo-lhes para estudar modificaes que convinha aportar aos

    rituais, julgados muito antigos. Sou ento Secretrio da Loja e,

    Oswald Wirth

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    encarregado do relatrio, concluo, para espanto quase geral, pela

    manuteno dos velhos rituais, com apenas algumas raras modificaes

    de detalhe exigidas pela diferena das pocas.

    Em 1886, meu servio militar concludo, vou a Paris, onde sou

    afiliado Loja Les Amis Triunfants. Continuo minha propaganda pela

    manuteno dos antigos rituais, o que provoca o descontentamento dos

    pontfices da poca. Sou bem advertido: Voc perde seu tempo. Ter

    todo mundo contra si, os clericais e os Franco-Maons.

    Deixo, pois, Les Amis Triunfants e dirijo-me, ento, Grande

    Loja Simblica Escocesa, onde, aps uma curta passagem pela Loja

    Les Philanthropes Reunis, inscrevo-me na Loja Travail et vrais amis

    fidles, obediente, mais tarde, Grande Loja de Frana, e que deveria

    permanecer minha Oficina de Eleio.

    *

    * *

    nesta poca que se produz o evento que vai, to profundamente,

    influenciar a vida de Oswald Wirth, que com isso permanecer marcada

    at o fim de seus dias. Ele encontra Stanislas de Guaita, o mestre

    inconteste da jovem escola ocultista do final do sculo XIX.

    Primeiramente, este manifesta prevenes quase inatas contra a Franco-

    Maonaria. Prevenes, alis, naturais, se considerarmos o meio social de

    onde saiu Stanislas de Guaita, assim como sua formao intelectual.

    ...Eu lhe felicito muito amavelmente pelo sucesso que voc

    obteve, especialmente como Mestre de uma Igreja que to inconsciente,

    neste momento, de seus smbolos, quanto o catolicismo dos seus ritos.

    Quanto bem voc poder fazer, iniciado como , na inteligncia esotrica

    Oswald Wirth

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    dos emblemas adoniramitas! a vida retornando a um cadver; no

    preciso dissimul-lo; tambm a alma que preciso devolver ao Bruto

    Positivismo; porque quem perdeu o sentido da moralidade verdadeira

    est condenado a perder o cetro da inteligncia cientfica. O Esprito no

    faz aliana com o Corpo material seno que em favor da alma, que um

    misto. Voc suficientemente cabalista para compreender-me5...

    Contudo, a inteligncia de Guaita no pode recusar-se, com sua

    lealdade habitual, a explorar os domnios que Wirth acaba de lhe abrir...

    ... Eu lhe emprestarei, se isso lhe agradar, obras decisivas da

    verdadeira e primitiva Maonaria, aquele que quase se confunde, para o

    investigador contemporneo, com as Sociedades R+C e de filsofos

    desconhecidos6...

    Pouco a pouco, Guaita abandona suas prevenes. Ele reconhece

    que a Maonaria, tal como a concebe e apresenta Oswald Wirth, est

    longe de ser um instrumento desprezvel no rude trabalho de formao

    real dos homens.

    ...Defendendo o simbolismo, que a base real da Maonaria,

    voc realiza uma obra to louvvel quanto corajosa, e duplamente digna

    de um discpulo de Hermes: primeiro, restituindo aos seus Irmos o fio

    de Ariadne que eles haviam perdido, e graas ao qual os iniciveis

    podero entrar algum dia na santa luz do Escocismo integral; segundo,

    poupando, ao menos, uma blasfmia estpida e ilgica queles que, no

    possudo o que preciso para percorrer o caminho que voc fornece,

    so, em todo caso, mantidos pelo simbolismo (que permanece, para eles,

    letra morta) na lgica e na afirmao verbal do espiritualismo

    5 Carta de Guaita a Wirth (agosto de 1887).6 Carta de Guaita a Wirth (1888).

    Oswald Wirth

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    transcendente que o Princpio e a razo de ser de toda associao

    manica7...

    No mesmo momento, Oswald Wirth publica seu primeiro

    Manual, o que lhe vale a seguinte apreciao que prova a que ponto

    Stanislas de Guaita pde discernir a verdadeira Maonaria por trs das

    aparncias muito humanas sob as quais ela est, to freqentemente,

    velada por todos aqueles que confundem o profano e o sagrado, ou

    mesmo, mais simplesmente, que ignoram o sagrado...

    Seu Manual, meu caro amigo, ao mesmo tempo agradvel de

    ler, muito instrutivo e bem pensado... Eis um dos muito raros livros

    manicos que li com justificado prazer, e que me deixaram alguma

    coisa no esprito8...

    *

    * *

    Qual era, pois, a origem desse Manual, primeiro esboo da trilogia

    que deveria se tornar a obra mestra de Oswald Wirth no plano manico,

    sob o ttulo geral de La Franc-Maonnerie Rendue Intelligible ses

    Adeptes?

    -me fcil traar-lhe brevemente o nascimento e a evoluo,

    graas s numerosas notas, manuscritos e documentos diversos que me

    foram legados por Oswald Wirth.

    Assim como eu disse mais acima, desde as semanas que se

    seguiram sua iniciao, ele compreendeu que os rituais ento em vigor

    no correspondiam mais a nada de autenticamente inicitico. Sob o

    pretexto de uma depurao de base cientista, eles foram despojados

    7 Carta de Guaita a Wirth (novembro de 1888).8 Carta de Guaita a Wirth (dezembro de 1894).

    Oswald Wirth

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    daquilo que constitua sua prpria essncia e razo de ser. Em dezembro

    de 1885, o Grande Oriente de Frana enviou a todas a Lojas, a

    compreendida aquela de Chilons, uma circular, convidando-as a

    apresentar suas sugestes para modificaes a serem feitas nos rituais,

    julgados muito antigos. E Wirth, j secretrio de sua Loja, redigiu um

    relatrio em sentido exatamente inverso. Convinha que fossem mantidos

    os antigos rituais, bastando para a se aportarem algumas simplificaes,

    tendo por objetivo desembara-los de toda verbosidade grandiloqente

    prpria de quase todo sculo XIX. No se tratava, de modo algum, de

    fazer novos, como pedia o Conselho da Ordem, mas de retornar s mais

    antigas tradies iniciticas em sua totalidade e em sua integralidade.

    Vou deix-los pensar sobre o efeito produzido por um tal

    relatrio, que a Loja de Wirth fez imprimir e, depois, difundiu

    abundantemente. Seguramente, a idia foi lanada, mas ela ainda no

    adquirira o direito de citao no meio manico.

    Chamado a Paris, Wirth prosseguiu seu trabalho no seio e graas

    ao apoio de sua nova Loja Travail et vrais amis fidles. Ele prepara um

    ritual que, depois de usado, adotado, impresso s custas da Oficina e

    colocado venda, disposio de todas as Lojas que o desejassem9.

    Acontecimento surpreendente, e que deu no que pensar, com a Loja

    suportando os custos! Existem, pois, Franco-Maons que interessam

    Franco-Maonaria?

    Forte nesta experincia, Wirth cria o grupo de estudos iniciticos.

    Pela circular datada de 13 de fevereiro de 1893, a Grande Loja

    Simblica Escocesa concede seu apoio moral ao Ritual Interpretativo

    9 Ritual Interpretativo para o Grau de Aprendiz, um livrinho 16x24. Redigido para uso

    das Lojas Simblicas de todos os Ritos e de todas as Obedincias pelo Grupo Manico

    de Estudos Iniciticos.

    Oswald Wirth

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    do Grau de Aprendiz e recomenda-lhe o estudo em todas as suas

    Oficinas10.

    deste esboo que sai, em 1894, a primeira edio do Livre de

    lApprenti. Uma segunda edio revista e aumentada foi publicada pela

    Loja Travail e Vrais Amis Fidles em 1908. Depois as edies se

    sucederam, todas rapidamente esgotadas, at oitava, em 1931.

    *

    * *

    Poucos jovens Maons conhecem a obra de Oswald Wirth.

    Muitos, dentre os antigos que ainda vivem, tiveram suas bibliotecas

    pilhadas, saqueadas, durante os anos 1940/44. Quase todas as Lojas

    perderam seus arquivos. Mas a nostalgia do esprito wirthiano permanece.

    Quais so, pois, as caractersticas deste esprito que, aps tantos

    anos, impregna ainda a Maonaria francesa, e torna-a to diferente das

    Maonarias estrangeiras?

    Para Oswald Wirth, a Maonaria um organismo vivo. Assim

    concebida, ela tem um corpo e uma alma. Ningum compreender Wirth,

    se no compreender a diferena que este faz sempre entre a Maonaria e o

    Maonismo. Em toda a primeira carta que ele me escreveu, ele comeou

    por colocar-me, imediatamente, em face desse problema fundamental:

    ...Distingamos entre Maonismo e Maonaria. Esta uma

    associao de homens que corporificam o Maonismo. Este uma

    concepo, uma espiritualidade que desafia toda crtica.

    10 Possuo os balastres das reunies do Grupo Manico de Estudos Iniciticos. Eles

    poderiam ocasionar estudos muito curiosos, mas que no tm lugar naquilo que deve ser,

    simplesmente, uma introduo.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    O Maonismo, ao qual os Maons no-instrudos viram s vezes

    as costas, visa felicidade do gnero humano, realizada pelo

    aperfeioamento dos indivduos. (Talhe da Pedra Bruta, base da

    construo do Templo)...

    Ocorreu a falncia do regime das Grandes Lojas inaugurado em

    1717, j que ele resultou na desinteligncia e no desacordo entre Maons

    de ritos opostos.

    Mas o Maonismo sair de seu corpo atual, para tentar uma

    outra encarnao que no ser a ltima, porque tudo se corrompe para

    dar nascimento ao Filho da Putrefao.

    H uma Maonaria exterior, pela qual ns somos responsveis e

    que devemos abandonar aos seus destinados; mas pertence-nos cultivar,

    no interior de ns mesmos, o Maonismo puro. Quanto s butiques

    manicas rivais, elas causam piedade. preciso nos elevar acima delas,

    para conceber o vasto plano do verdadeiro Templo. Espiritualizemo-nos,

    e tudo se esclarecer11...

    *

    * *

    Trinta e trs anos se passaram. Oswald Wirth est morto h quase

    vinte. Eu mesmo estou no umbral da velhice. Mas jamais a cadeia foi

    rompida. Crescem as geraes de jovens Franco-Maons que,

    decepcionados como ns todos ficamos com a aparncia da Franco-

    Maonaria, reencontraram, graas a ele, o Maonismo autntico, esprito

    sempre vivo da Ordem eterna.

    11 Carta de Oswald Wirth a Marius Lepage (26 de fevereiro de 1926).

    Oswald Wirth

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    Laval, 13 de maro de 1962.

    Marius LEPAGE.

    Da criao do homem por ele mesmo nasce o homem

    aperfeioado, o Filho do Homem.

    O. W.

    Oswald Wirth

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    O Aprendiz Maom

    O Aprendiz diante da Pedra Bruta que ele deve desbastar com a

    ajuda do malho e do cinzel.

    O Livro do Aprendiz

    Oswald Wirth

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    Aos Novos Iniciados

    (Prefcio edio de 1931)

    Queridos Irmos,

    Em vos iniciando em seus mistrios, a Franco-Maonaria

    convida-vos a tornar-vos homens de elite, sbios ou pensadores elevados

    acima da massa dos seres que no pensam.

    No pensar consentir em ser dominado, conduzido, dirigido e

    tratado, muitas vezes, como animal de carga.

    por suas faculdades intelectuais que o homem se distingue do

    bruto. O pensamento torna-o livre: ele lhe d o imprio do mundo.

    Pensar reinar.

    Mas o pensador foi sempre uma exceo. Outrora, o homem tinha

    a possibilidade de entregar-se ao recolhimento, perdendo-se no sonho;

    em nossos dias, ele cai no excesso contrrio. A luta pela vida absorve-o,

    a ponto de no lhe restar tempo algum para meditar com calma e

    cultivar a Arte suprema do Pensamento.

    Ora, esta Arte, chamada a Grande Arte, a Arte Real ou a Arte

    por excelncia, pertence Franco-Maonaria faz-la reviver entre

    ns.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    A intelectualidade moderna no pode continuar a se debater entre

    dois ensinamentos que excluem um e outro o pensamento: entre as

    igrejas baseadas na f cega e as escolas que decretam os dogmas de

    nossas novas crenas cientficas.

    Quanto ento tudo conspira para poupar aos nossos

    contemporneos o trabalho de pensar, indispensvel que uma

    instituio poderosa reanime a tocha das tradies esquecidas. So-nos

    necessrios pensadores, e no nosso ensino universitrio que os forma.

    O pensador no o homem que sabe muito. Ele no tem a

    memria sobrecarregada de lembranas amontoadas. um esprito livre

    que no tem necessidade de catequizar nem de doutrinar.

    O pensador faz-se a si mesmo: ele filho de suas obras. A

    Franco-Maonaria sabe-o, ela tambm evita inculcar dogmas.

    Contrariamente a todas as igrejas, ela no se pretende na posse da

    Verdade. Em Maonaria, limitamo-nos a estar em guarda contra o erro, a

    seguir, exorta-se cada um a procurar o Verdadeiro, o Justo e o Belo.

    Franco-Maonaria repugnam as frases e as frmulas das quais

    os espritos vulgares se apoderam, para ataviarem-se de todos os

    ouropis de um falso saber. Ela quer obrigar seus adeptos a pensar e no

    prope, em conseqncia, seu ensinamento, seno velado sob alegorias e

    smbolos. Ela convida assim a refletir, a fim de que se nos apliquemos a

    compreender e adivinhar.

    Esforai-vos, pois, queridos Irmos, por mostrar-vos adivinhos,

    no sentido mais elevado da palavra. Vs no conhecereis, em Maonaria,

    seno aquilo que houverdes descoberto vs mesmos.

    Rigorosamente, deveria ser suprfluo dizer-vos mais. Todavia,

    dadas as disposies to pouco meditativas de nossos tempos, Maons

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    experientes acreditaram dever vir em auxlio do pensador comum do

    esprito atual.

    Eles, ento, empreenderam tornar A FRANCO-MAONARIA

    INTELIGVEL AOS SEUS ADEPTOS. Depois de j haverem publicado

    um Ritual Interpretativo para o Grau de Aprendiz, eles fizeram aparecer

    o presente Manual, seguido do LIVRO DO COMPANHEIRO e do LIVRO

    DO MESTRE.

    Sua tarefa ingrata, mas eles contam com o apoio e o concurso

    de todos aqueles que sentem a necessidade de uma regenerao

    inicitica da Franco-Maonaria. Mostrar-se-o profundamente

    reconhecidos pelos conselhos e esclarecimentos que se fizerem chegar

    Loja TRABALHO E VERDADEIROS AMIGOS FIIS.

    Oswald WIRTH.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Questes Ritualsticas a Propor aos Irmos

    Visitantes

    Quando um Maom se apresenta para tomar parte nos trabalhos de

    uma Loja, ele no obtm a entrada no Templo seno aps haver sido

    trolhado pelo Irmo Cobridor.

    Entrando, ele executa a marcha e as saudaes de costume, depois

    permanece de p e ordem entre as duas colunas at que seja convidado a

    tomar lugar.

    Nesse momento, o Venervel Mestre poder colocar ao Irmo

    visitante as seguintes questes, s quais ele dever saber responder:

    Meu Irmo, de onde vindes?

    Da LSo Joo, Ven Mest.

    Que se faz na L So Joo?

    Elevam-se templos virtude e cavam-se masmorras aos

    vcios.

    Que trazeis?

    Sade, prosperidade e boa acolhida a todos os irmos.

    Que vindes fazer aqui?

    Vencer minhas paixes, submeter minha vontade aos meus

    deveres e fazer novos progressos na Maonaria.

    Tomai lugar, meu Irmo, e sede bem-vindo ao seio desta

    oficina que recebe com gratido o concurso de vossas luzes.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Os autores que tm estudado a Franco-Maonaria em seu

    esoterismo, ou seja, em seu ensinamento oculto, muito tm insistido sobre

    a importncia da pergunta: De onde vindes?

    Ela deve ser tomada pelo pensador no sentido mais elevado e

    conduzir assim ao problema da origem das coisas.

    O Aprendiz deve procurar de onde viemos, assim como o

    Companheiro dever perguntar-se aquilo que somos, e o Mestre, para

    onde vamos.

    Essas trs questes formulam o eterno enigma que toda cincia e

    toda filosofia tratam continuamente de solucionar. Nossos esforos no

    podem chegar seno a solues provisrias destinadas a apaziguar

    momentaneamente nossa sede de curiosidade. Mas logo compreendemos

    a inutilidade das respostas com as quais nos contentamos, e procuramos

    sempre, sem acalentar jamais a iluso de acreditar que encontramos.

    Semelhante ao lendrio judeu errante, o esprito humano

    prossegue sempre. Mas quando os homens se agrupam entre si, seu

    vnculo social decorre essencialmente das idias que eles se fazem do

    passado, do presente e do amanh das coisas.

    Existe, pois, obrigao, para o pensador, de esclarecer desse

    ponto de vista aos seus contemporneos. Como dipo, ele deve saber

    responder s interrogaes da Esfinge, a menos que, a exemplo de

    Hercules, ele saiba enganar a fome de Crbero, lanando com seus

    prprios punhos a terra do solo na tripla garganta do guardio dos

    infernos.

    A pergunta De onde vindes? no tem unicamente um alcance

    filosfico: o Ritual a ela responde, reportando-nos histria da Franco-

    Maonaria. Nossa instituio deriva, com efeito, das confraternidades de

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    So Joo, ttulo que traziam, na Idade Mdia, as corporaes construtivas

    s quais devemos todas as obras-de-arte da arquitetura ogival.

    Tem-se, alm disso, desejado ver em So Joo o Janus dos

    latinos. Esse deus de dupla face simbolizava o princpio permanente, para

    quem passado e futuro no fazem seno um. Sua imagem deve levar os

    Maons a olhar para trs ao mesmo tempo em que para frente; porque,

    para preparar para a humanidade os caminhos do progresso, preciso

    levar em conta as lies da histria.

    Janus, segundo uma medalha antiga. O crescente lunar que domina a dupla face

    aproxima o deus latino do Hermes grego. Trata-se da influncia formadora que se inspira

    na tradio (hereditariedade) para engendrar aquilo que deve nascer.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Resumo Filosfico sobre a Histria Geral da

    Franco-Maonaria

    Consideraes Preliminares

    Certas idias so suscetveis de exercer uma poderosa atrao

    sobre os indivduos isolados. Elas agrupam-se e tornam-se, assim, o piv

    intelectual de uma associao.

    Mas esta no saberia ser constituda pelo nico fato de um

    agrupamento desprovido de toda estabilidade e de toda coeso. Para

    transformar uma aglomerao de individualidades dspares em um todo

    permanente, a interveno de uma lei orgnica instituindo a vida coletiva

    indispensvel.

    Em toda associao preciso, pois, distinguir a idia e a forma.

    A idia ou o esprito age como gerador abstrato: o pai da

    coletividade da qual a me est representada pelo princpio plstico que

    lhe d sua forma.

    Esses dois elementos de gerao e de organizao esto

    representados em Maonaria por duas colunas, das quais a primeira

    (masculina-ativa) faz aluso quilo que estabelece e funda, enquanto a

    segunda (feminina-passiva) se relaciona quilo que consolida e mantm.

    O historiador, se ele for esclarecido pelas luzes da filosofia,

    no pode fazer abstrao desses dois fatores essenciais. Para ele, os anais

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    de nossa instituio remontam para alm do ano de 1717, data de

    fundao da Franco-Maonaria moderna; porque as idias que ento

    conseguiram tomar corpo haviam inspirado, em pocas anteriores,

    numerosas tentativas de criaes similares.

    Uma coletividade que se funda no saberia, de outra parte,

    improvisar sua organizao. Todo ser se constitui conforme sua espcie, e

    ele beneficia-se nisso da experincia ancestral. Todo recm-nascido se

    torna assim o herdeiro de uma raa antiga, que revive nele, como ele

    mesmo viveu em toda cadeia de seus antecessores.

    Colocando-se desse ponto de vista, permitido assinar Franco-

    Maonaria uma origem das mais antigas, porque ela se relaciona a todas

    as confraternidades iniciticas do passado.

    Todavia essas parecem haver sado das primeiras associaes de

    construtores, como se pode julgar de acordo com as circunstncias que

    deram nascimento arte de construir.

    As Origens Manicas

    A Franco-Maonaria no se entrega mais, em nossos dias, a

    trabalhos de construo material, mas ela deriva diretamente de uma

    confraria de talhadores de pedras e de arquitetos, cujas ramificaes se

    estenderam, na Idade Mdia, sobre toda Europa ocidental.

    Transmitindo-se os segredos de sua arte, esses construtores

    conformavam-se aos antigos usos. Eles praticavam ritos iniciticos que as

    lendas corporativas faziam remontar mais alta antiguidade.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Devemos evitar tomar ao p da letra essas tradies ingnuas.

    Elas se prendem ao mito e escondem, muito freqentemente, um sentido

    alegrico12.

    Mas suficiente refletir sobre a influncia exercida

    primitivamente pela arte de construir, para fazer-se uma idia justa do

    papel civilizador que as mais antigas associaes manicas

    necessariamente desempenharam.

    Essas associaes se constituram desde que a arquitetura se

    tornou uma arte. Elas foram chamadas, sem dvida, a construir

    primeiramente os muros das cidades primitivas. Essas muralhas de pedras

    talhadas no puderam ser obra seno que de trabalhadores treinados e

    agrupados em tribos. Concebe-se de bom grado esses artesos indo de um

    lugar para outro, para exercerem sua profisso l aonde eram chamados.

    Eles no poderiam deixar de ser associados por duas razes:

    primeiro, porque toda construo importante no saberia ser a obra de

    indivduos isolados e, a seguir, porque a prtica da arte de construir exige

    uma iniciao profissional.

    , pois, evidente que, desde os tempos mais antigos, os maons

    formaram agrupamentos corporativos e que, pela prpria fora dos fatos,

    dividiram-se em aprendizes, companheiros e mestres.

    Quanto sua misso civilizadora, ela manifesta-se num duplo

    ponto de vista:

    De uma parte, as cidades, protegidas contra os assaltos da

    brutalidade brbara por slidas muralhas, tornaram-se focos de

    12 De acordo com uma dessas lendas, Ado teria sido regularmente recebido Maom,

    segundo todos os ritos, ao Or do Paraso, pelo Pai Eterno. uma maneira de dizer que

    a Franco-Maonaria sempre existiu, seno em ato, ao menos em potncia de vir a ser,

    visto que ela responde a uma necessidade primordial do esprito humano.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    atividade pacfica, asilos inviolveis reservados a uma elite mais culta que

    a multido de fora.

    De outra parte, os maons deram o exemplo da associao em

    vista de um trabalho comum.

    Pode-se, pois, afirmar que a Arquitetura me de toda

    civilizao13 e que a justo ttulo que os antigos maons consideravam

    sua arte como a primeira e mais estimvel de todas.

    A Arte Sagrada

    Primitivamente, tudo se revestia de um carter religioso. Mas a

    arte de construir era, mais particularmente, impregnada de um carter

    divino. Os homens que a ela se entregavam exerciam um sacerdcio. Eles

    eram sacerdotes sua maneira. Talhando pedras e reunindo-se para erguer

    edifcios sagrados, eles acreditavam render um culto divindade.

    Toda construo til era santa: destru-la era um sacrilgio, e as

    mais antigas inscries ameaam com a vingana dos deuses todo homem

    mpio que atacasse os monumentos.

    Os construtores tinham uma religio prpria inteiramente baseada

    sobre a arte de construir. O universo era, a seus olhos, um imenso canteiro

    de obras, onde cada ser era chamado, por seus esforos, edificao de

    um monumento nico. Figuravam-se um trabalho incessante, no tendo

    13 A barbrie o estado primitivo de insegurana que coloca o mais fraco merc do

    mais forte. Os citadinos colocaram-se ao abrigo dos brbaros, entrincheirando-se atrs

    de muralhas instransponveis. Uma vez em segurana, eles puderam civilizar-se,

    adotando leis protetoras do fraco contra o forte. A arquitetura , pois, o fator primordial

    de toda real civilizao.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    jamais comeado e no devendo jamais terminar, mas executando-se em

    toda parte segundo os dados de um mesmo plano.

    Da vem a idia da Grande Obra visando construo de um

    Templo ideal, realizando cada vez mais a perfeio. Da, alm disso, o uso

    tradicional entre os maons de consagrarem seus trabalhos Glria do

    Grande Arquiteto do Universo.

    Primeiros Dados Histricos

    Ns no possumos seno informaes precrias sobre as mais

    antigas corporaes construtivas de povos do Oriente. Mas singular

    encontrar na escrita acadiana o triangulo como smbolo da letra rou que

    tem o sentido de fazer, construir. Salvo uma simples coincidncia, ela ,

    no mnimo, surpreendente, e os Maons entusiastas podero ver a um

    indcio da alta antiguidade de seu simbolismo, porque os monumentos

    caldeus dos quais se tratam remontam a mais de 4.500 anos antes de

    nossa era.

    Os autores desconhecidos dos mais antigos livros sagrados da

    China no ignoravam, alis, o valor simblico do compasso e do

    esquadro, insgnias do sbio que possui os segredos do Primeiro

    Construtor e sabe conduzir-se de maneira conforme s suas intenes14.

    No Egito, o sacerdcio ensinava as cincias e as artes. Alguns

    iniciados eram mais especialmente engenheiros e arquitetos. Os artesos

    colocados sob suas ordens no tinham direito a qualquer iniciativa.

    Os escultores e os talhadores de pedras foram muito mais livres

    na Sria. Eles a formavam associaes religiosas que percorriam toda

    14 R. F. Gould. A Concise History of Freemasonry. Londres, 1903, p. 3 e 4.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    sia Menor para construir templos em toda parte, segundo a convenincia

    dos diferentes cultos.

    assim que, por volta do ano 1000 antes de J.C., Hiram, Rei de

    Tiro, pde enviar a Salomo os obreiros necessrios construo do

    templo de Jerusalm, do palcio real e dos muros da cidade. Esses

    mesmos construtores tomaram parte igualmente da fundao de Palmira.

    Mais tarde, a arquitetura foi exercida por confrarias profissionais

    anlogas quelas das quais Numa Pomplio aperfeioou a organizao por

    volta do ano de 715 antes da era crist.

    O legislador romano constituiu os colgios de construtores

    encarregados da execuo de todos os trabalhos pblicos. Essas

    corporaes tinham sua autonomia, e a lei garantia-lhes inmeros

    privilgios. Cada uma delas praticava suas cerimnias religiosas

    particulares apropriadas profisso exercida por seus membros15.

    Exerciam estes todas as profisses necessrias arquitetura religiosa,

    civil, militar, naval e hidrulica.

    Essas confraternidades laboriosas difundiram-se por todo imprio.

    Elas seguiam a marcha das legies romanas, para construir pontes,

    estradas, aquedutos, fortalezas, cidades, templos, anfiteatros, etc. Em toda

    parte elas contribuam para civilizar os povos vencidos, instruindo-os nas

    artes da paz. Elas subsistiram, florescentes, at a invaso dos brbaros,

    praticando ritos secretos de carter religioso. Foram religies santificando

    o trabalho.

    No terceiro sculo, Teofrasto no-las descreve nos seguintes

    termos: Segundo as tradies da estaturia antiga, os escultores e os

    talhadores de pedras viajavam de um lado a outro da terra com as

    ferramentas necessrias para trabalhar o mrmore, o marfim, a madeira, o

    15 Plutarco, Vida de Homens Ilustres, Numa, 17.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    ouro e os outros metais. A matria informe era-lhes fornecida para os

    templos que eles elevavam sobre modelos divinos16.

    O Cristianismo

    As religies profissionais eram conformes ao gnio do politesmo

    greco-romano; tambm, enquanto ele reinou, ningum pde sonhar em

    pedir contas s corporaes arquiteturais de seu ensinamento religioso

    particular. No foi mais assim, quando o Cristianismo, tornado com

    Constantino religio do Estado, pretendeu fundar a unidade do culto e

    da crena.

    O Supremo Arquiteto do Universo ajustava-se, sem dvida, ao

    monotesmo que ele parecia haver precedido. Mas esta simplicidade, essa

    onda propcia s adaptaes contraditrias, no deveria mais satisfazer

    nova religio que formulava dogmas imperiosos e precisos, aos quais,

    necessariamente, era preciso doravante submeter-se.

    Fiis s suas tradies, os construtores evitaram revoltar-se contra

    a f oficial17. Fizeram-se batizar, ainda que se reservando adaptar

    secretamente o cristianismo s doutrinas da metafsica arquitetural. Assim

    tomou nascimento uma heresia oculta, parente do gnosticismo, que se

    absteve cuidadosamente de toda manifestao exterior. Quando muito,

    encontra-se um indcio de tal manifestao nesta facilidade singular com

    a qual os artistas bizantinos e coptas punham-se indiferentemente a

    servio, primeiro, das diferentes seitas crists, depois, muulmanas.

    16 Teofrasto, Vida de Apolnio de Tiana. Traduo de Chassang, p. 202.17 Os Versos de Ouro de Pitgoras comeam prescrevendo ao iniciado render

    exteriormente aos deuses imortais o culto consagrado, mas guardar interiormente sua

    prpria convico.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Externamente submissas ao absolutismo cristo, as associaes

    construtivas puderam prosperar sob a gide do Imprio do Oriente,

    quando ento desapareceram no Ocidente, submersas sob as ondas das

    invases brbaras. Veio um perodo no qual se esteve muito mais

    preocupado em destruir os edifcios antigos do que construir novos.

    O Cristianismo, todavia, no tardou a se impor aos invasores. A

    arquitetura religiosa foi ento recolocada em honra, e novas escolas de

    construtores constituram-se pouco a pouco. Elas deram nascimento ao

    estilo romnico.

    As Ordens Monsticas

    Durante longos sculos, toda a Europa ocidental foi presa da

    brutalidade de guerreiros ignorantes que no estremeciam seno diante

    dos fantasmas de sua imaginao grosseira. O clero cristo, aplicando

    nisso a tradio de todos os sacerdcios, conseguiu muito rapidamente

    dominar esses espritos propensos aos terrores supersticiosos. Ele teve a

    ousadia de ameaar os conquistadores violentos em nome de um Juiz

    celeste, do qual o rigor cruel no poderia ser abrandado seno que pelo

    favor de doaes piedosas. Essa foi, para a Igreja, a fonte de imensas

    riquezas.

    Viu-se ento o Cristianismo cercar-se de um aparato faustuoso.

    Depois de haver crescido na abnegao e na pobreza, ele quis seduzir pela

    magnificncia. Os templos antigos, outrora saqueados pela cupidez dos

    brbaros ou abatidos pelo furor iconoclasta dos novos crentes, deveram

    ser restabelecidos glria do Deus dos cristos. Como no se havia

    jamais cessado inteiramente de construir, os procedimentos profissionais

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    estavam conservados entre os artesos; mas, quando foi questo de

    construir edifcios apropriados s exigncias imprevistas do culto cristo,

    faltaram, antes de tudo, arquitetos.

    Monges instrudos foram chamados assim a estudar a arquitetura,

    e sua habilidade em traar planos no tardou a se afirmar. Alguns abades,

    em particular aqueles da congregao de Cluny, desenvolveram mesmo, a

    esse respeito, um verdadeiro talento. Rivalizando entre si, esses prelados

    logo no mais se contentaram com construes tecnicamente grosseiras,

    para a execuo das quais eles podiam recorrer a artesos de ocasio,

    sedentrios ou nmades. Quando, de simples muros de tijolos ou

    cascalhos, eles desejaram passar aos acoplamentos de pedra talhada, foi-

    lhes de todo necessrio formar artistas verdadeiros, sobretudo quando a

    ambio lhes veio a impressionar os espritos pela ousadia das cpulas

    cada vez mais complexas.

    Os monges foram assim levados a associar-se, de modo

    permanente, aos laicos talhadores de pedras que, na qualidade de irmos

    conversos, portavam o hbito e recebiam sua subsistncia do convento.

    A Maonaria LivreEntre os obreiros submetidos disciplina monstica, os melhores

    dotados no faltaram em assimilar conhecimentos suficientes para

    permitir-lhes dirigir eles mesmos os trabalhos de seus companheiros.

    Formaram-se assim arquitetos laicos, de esprito tanto mais independente,

    quanto mais tomavam conscincia de suas capacidades e de seu talento.

    Sua autoridade no tardou a prevalecer sobre aquela dos monges que,

    pouco a pouco, viram as confrarias construtivas se subtrarem sua tutela.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Associaes autnomas, lembrando em alguns aspectos os

    colgios romanos, puderam assim se constituir. Esta evoluo pareceu

    realizar-se primeiro na Lombardia, onde as antigas tradies, sempre

    permanecendo vivas, puderam assim mais facilmente ser recolocadas em

    honra pela intermediao de Veneza, pois a influncia bizantina exercia-

    se poderosamente nesta regio. Certo que a cidade de Como

    permaneceu por longo tempo o centro para onde afluam os artistas

    preocupados em se aperfeioarem na arte de construir. Sua ambio era

    fazer-se iniciar nos segredos dos magistri comacini, ttulo estendido no

    sculo XI, de maneira geral, a todos os construtores.

    Pretende-se que, vista de fazerem consagrar sua independncia,

    as associaes arquiteturais laicas, unidas entre si pelos laos de uma

    estreita solidariedade, teriam solicitado do papa o monoplio exclusivo

    para a construo de todos os edifcios religiosos da cristandade.

    Desejando encorajar uma to piedosa empresa, a Corte de Roma teria

    tomado a confraternidade manica sob sua proteo especial, declarando

    que seus membros deveriam ser, em toda parte, isentos de impostos e

    corvias. Seriam essas liberdades outorgadas por Nicolau II em 1277 e

    confirmadas por Benedito XII em 1334 que teriam valido aos protegidos

    da Santa-S o nome de franco-Maons18.

    O patronato do Soberano Pontfice explicaria o favor que a

    Maonaria Livre encontrou junto a todos os prncipes cristos. Nesses

    tempos de fervor religioso, aqueles no poderiam experimentar seno

    simpatia pelos construtores de igrejas que se espalhavam

    progressivamente na Frana, na Normandia, na Gr-Bretanha, na

    Borgonha, depois em Flandres e s margens do Reno, penetrando da em

    toda Alemanha. Em toda parte, essas associaes deixaram monumentos

    18 At agora, a prova documental dessas alegaes arriscadas no foi fornecida.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    de um estilo particular, dito gtico ou, mais precisamente, ogival, obras-

    de-arte cuja uniformidade de carter parece ser o indcio de um acordo

    internacional mantido durante sculos entre os construtores espalhados

    sobre toda Europa ocidental. Foi isso que levou Hope a dizer, em sua

    Histria da Arquitetura: Os arquitetos de todos os edifcios religiosos da

    Igreja latina extraram sua cincia de uma mesma escola central. Eles

    obedeciam s leis de uma mesma hierarquia; eles dirigiam-se, em suas

    construes, segundo os mesmos princpios de convenincia e de gosto;

    eles mantinham conjuntamente, em toda parte para onde eram enviados,

    uma correspondncia assdua, de sorte que os menores aperfeioamentos

    tornavam-se de imediato propriedade do corpo inteiro e uma nova

    conquista da Arte.

    As Confraternidades de So Joo

    Os arquitetos da Idade Mdia gostavam de celebrar os solstcios

    de maneira conforme aos usos que remontavam aos tempos pagos mais

    recuados. A fim de poderem permanecer fiis s tradies equvocas do

    ponto de vista cristo, eles escolheram por patronos os dois So Joos,

    cujas festas coincidiam com os pontos solsticiais.

    Tem-se perguntado se, ao abrigo dessa escolha, o antigo culto de

    Janus no reencontrara adeptos mais ou menos conscientes. Do mesmo

    modo que ambos os santos solsticiais, o deus de dupla face presidia

    inaugurao da marcha ascendente, depois descendente do Sol, porque ele

    era o gnio de todos os comeos, tanto dos anos, das estaes, quanto da

    vida e da existncia em geral. Ora, no se deve perder de vista que

    comeo se diz initium em latim. Os iniciados deviam, pois, ver a

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    divindade tutelar da iniciao neste imortal preposto guardio das portas

    (janua), das quais ele afastava aqueles que no deveriam entrar. Um

    bculo (baculum) era, para essa finalidade, sua insgnia. Ele tinha, alm

    disso, uma chave, para indicar que lhe pertencia abrir e fechar, revelar os

    mistrios aos espritos de elite ou frustr-los curiosidade dos profanos

    indignos de conhec-los.

    Etimologicamente, Joo, verdade, no provm de Janus, mas do

    hebreu jeho hannam que se traduz por: Aquele que Jeho favorece. O

    mesmo termo reaparece em Hanni-Baal ou Anbal que significa

    favorito de Baal. Mas Jeho e Baal no so outros seno nomes ou

    ttulos do Sol. Este era visto pelos fencios como um astro ardente,

    freqentemente mortfero, do qual os efeitos eram de temer. Os

    mistagogos de Israel a viam, ao contrrio, a imagem do Deus-Luz que

    esclarece as inteligncias. Jeho hannam, johannes, jehan ou Joo

    tornam-se assim sinnimos de Homem esclarecido ou iluminado

    maneira dos profetas. Do mesmo modo que os artistas das catedrais,

    instrudos, sem dvida, em doutrinas esotricas muito antigas, o

    Pensador verdadeiro ou Iniciado est, pois, no direito de dizer-se Irmo

    de So Joo.

    Observemos, de resto, que So Joo Batista nos apresentado

    como o precursor imediato da Luz redentora do Cristo solar. Ele a

    aurora intelectual que, nos espritos, precede o dia da plena compreenso.

    spera e rude, sua voz retumbava atravs da esterilidade do deserto,

    despertando ecos adormecidos. Seus acentos veementes provocavam as

    mentalidades rebeldes e preparavam-nas para compreender as verdades

    que deviam ser reveladas.

    Se o violento Precursor se relaciona simbolicamente aos alvores

    plidos da manh, convm, em oposio, representar-se So Joo, o

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    Evangelista, como cercado de toda glria prpura do poente. Ele

    personifica a luz crepuscular do anoitecer, aquela que abrasa o cu,

    quando o Sol acaba de desaparecer sob o horizonte. O discpulo preferido

    do Mestre foi, com efeito, o confidente de seus ensinamentos secretos,

    reservados s inteligncias de elite dos tempos futuros. O Apocalipse -

    lhe atribudo, o qual, sob o pretexto de desvendar os mistrios cristos,

    os mascara sob enigmas calculados para conduzir os espritos

    perspicazes alm das estreitezas do dogma. Tambm da escola joanina

    que se tm prevalecido todas as escolas msticas que, sob o vu do

    esoterismo, visaram emancipao do pensamento. No nos esqueamos,

    enfim, de que o quarto Evangelho comea por um texto de alto alcance

    inicitico sobre o qual, por muito tempo, se prestou o juramento

    manico. A doutrina do Verbo feito carne, quer dizer, da Razo divina

    encarnada na Humanidade, remonta, alis, atravs de Plato, s

    concepes de antigos hierofantes.

    Nessas condies, o ttulo de Lojas de So Joo convm, melhor

    que qualquer outro, s oficinas onde as inteligncias, aps haverem sido

    preparadas para receber a luz, so levadas a assimilarem-se a ela

    progressivamente, a fim de a poderem refletir ao seu redor.

    Canonizaes Equvocas

    Seria temerrio afirmar que os dois So Joos marcam

    unicamente o simbolismo inicitico. Talvez eles correspondam a

    personagens que realmente existiram. Outros santos, ao contrrio, no

    gozam de seu privilgio celeste, porque foram outrora extrados do

    Oswald Wirth

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    calendrio pago. Em sua Origem de todos os Cultos, Depuis muito

    explcito a esse respeito:

    Os gregos, diz ele, honravam Baco sob o nome de Dionsio ou

    Denis: ele era visto como a chave e o primeiro autor de seus mistrios,

    assim como Eleutrio. Este ltimo nome era tambm um epteto que eles

    lhe deram, e que os latinos traduziram por Lber. Celebravam-se, em sua

    honra, duas festas principais: uma na primavera e outra na estao das

    vindimas. Esta ltima era uma festa rstica celebrada no interior ou nos

    campos; opunha-se s festas da primavera, chamadas festas da cidade ou

    Urbana. A se acrescentou um dia em honra a Demtrio, Rei da

    Macednia, que tinha sua corte em Pella, perto do Golfo de Tessalnica:

    Baco era o nome oriental do mesmo deus. As festas de Baco deviam,

    pois, ser anunciadas no calendrio pago por essas palavras: Festum

    Dionysii, Eleutherii, Rustici. Nossos bons antepassados fizeram disso trs

    santos: So Denis, Santo Eleutrio e Santa Rstica, seus companheiros.

    Chamavam o dia precedente Festa de Demtrio, do qual fizeram um

    mrtir tessalonicense. Acrescente-se que este foi Maximiliano, que o fez

    morrer por conta de seu desespero pela morte de Lyaeus, e Lyaeus um

    nome de Baco, assim como Demtrio. A antevspera foi reservada Festa

    de So Baco, do qual se fez um mrtir do Oriente. Assim, aqueles que

    quiserem se dar ao trabalho de ler o calendrio latino ou a bula que guia

    nossos sacerdotes na comemorao dos santos e na celebrao das festas

    a vero a 7 de outubro: Festum sancti Demetrii, e a 9: Festum sanctorum

    Dionysii, Eleutherii et Rustici. Assim, fizeram-se santos de muitos

    eptetos, ou de denominaes diversas do mesmo Deus, Baco, Dionsio

    ou Denis, Lber ou Eleutheros. Esses eptetos tornaram-se outros tantos

    de companheiros.

    Oswald Wirth

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    ...Baco desposa Zefir ou o vento suave sob o nome da ninfa

    Aura. Muito bem. Dois dias entes da festa de Denis ou de Baco, celebra-

    se aquela de Aura Plcida ou Zefir, sob o nome de Santa Aura e de So

    Plcido.

    Dupuis mostra, alm disso, como a frmula dos desejos Perpetua

    Felicitas deu nascimento Santa Perptua e Santa Felicidade. Ele cita

    ainda Santa Vernica, que vem de Veron Eicon ou Icnica, a verdadeira

    face ou a Imagem de Cristo. So Rogado, So Donato, Santa Flora, Santa

    Lcia, Santa Bibiana, Santa Apolinria, Santa Ida, Santa Margarida e

    Santo Hiplito so igualmente adaptaes pags.

    As Stiras contra a Igreja

    Em que medida as reminiscncias da Antiguidade puderam influir

    sobre o estado de alma dos construtores medievais? A questo difcil de

    resolver; mas permanece certo que eles eram animados de um esprito

    singularmente crtico.

    Primeiramente, do ponto de vista religioso, eles pretendiam no

    depender diretamente seno do Papa e, deste chefe, eles afirmavam o

    desrespeito mais flagrante vista da hierarquia eclesistica. Sua audcia

    muitas vezes manifestou-se por caricaturas que eles no temiam talhar da

    prpria pedra das catedrais.

    Um monge e uma religiosa representados na mais inconveniente

    das atitudes decoram a Igreja de So Sebaldo em Nuremberg, e esse

    assunto escabroso repete-se, entre outros, numa grgula do Museu de

    Cluny em Paris.

    Oswald Wirth

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    Na galeria superior da Catedral de Strasbourg, uma procisso de

    animais conduzida por um urso que carrega a cruz. Um lobo segurando

    um crio aceso a precede a um porco e a um carneiro carregados de

    relquias; todos esses quadrpedes desfilam piedosamente, enquanto um

    asno aparece no altar, celebrando a missa.

    Revestida de ornamentos sacerdotais, uma raposa prega em

    Bradenbourg diante de um bando de gansos.

    Os exemplos dessa natureza abundam. Encontram-se, em

    particular, juzos finais s vezes muito subversivos no sentido em que,

    entre os condenados, figuram de modo corrente personagens trazendo

    coroas ou mitras. O prprio Papa, toucado da tiara e cercado de cardeais,

    foi entregue s chamas eternas no prtico da Catedral de Berna.

    Esses indcios levam a supor que a iniciao conferida

    secretamente aos membros das confraternidades de So Joo no se

    referia unicamente aos procedimentos materiais da arte de construir.

    Certos escultores irnicos puderam, sem dvida, ser inspirados

    por rivalidades que, em todos os tempos, opuseram as ordens monsticas

    ao clero secular; mas outros traduziram de modo manifesto o pensamento

    de um artista singularmente emancipado para a poca.

    A Alquimia

    Se ns nos perguntarmos de que fonte pde ser extrada, na Idade

    Mdia, uma inspirao mstica estranha ou mesmo secretamente hostil

    Igreja, somos levados a recordar o prestgio do qual desfrutava ento a

    Filosofia Hermtica. Sob o pretexto de procurar a Pedra dos Sbios,

    adeptos, ou seja, pensadores independentes, aplicavam-se, na realidade,

    Oswald Wirth

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    em penetrar os segredos da natureza. Eles aprofundaram indiferentemente

    as obras de todos os filsofos, quer fossem gregos, rabes ou hebreus.

    Este ecletismo deveria chegar a doutrinas to pouco catlicas, no sentido

    ordinrio da palavra, que se tornou imprudente exp-las de outro modo a

    no ser sob o vu de alegorias e de smbolos. A transmutao do chumbo

    em ouro tornou-se assim o tema de dissertaes muito sbias, onde a

    metafsica religiosa tinha muito mais lugar que a metalurgia ou a qumica.

    A Grande Obra visava a realizar a felicidade do gnero humano graas a

    uma reforma progressiva dos costumes e das crenas. A leitura atenta dos

    tratados de alquimia posteriores Renascena no pode deixar subsistir

    nenhuma dvida a esse respeito, porque o estilo dos discpulos de Hermes

    tornou-se menos enigmtico, quando diminuiu para eles o perigo de

    expressarem-se livremente.

    A antiga arquitetura sagrada era, alis, essencialmente simblica.

    Desde o plano de conjunto de um edifcio at os menores ornamentos de

    detalhe, tudo devia ser ordenado segundo certos nmeros msticos e de

    acordo com as regras de uma geometria especial conhecida apenas dos

    iniciados.

    As figuras geomtricas deram lugar, com efeito, a interpretaes

    sobre as quais se enxertava uma doutrina secreta que pretendia fornecer a

    chave de todos os mistrios. Ora, os construtores de catedrais provaram,

    por suas obras, que eles eram instrudos nessas tradies filosficas das

    quais os alquimistas eram simultaneamente detentores.

    No se saberia determinar em que medida uns obtiveram de

    outros seus conhecimentos iniciticos. Sempre foi que o Hermetismo

    freqentemente inspirou os talhadores de pedras na escolha de seus

    motivos ornamentais. Os Alquimistas, de outra parte, no ignoravam o

    sentido que os maons atribuam s suas ferramentas.

    Oswald Wirth

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    O Rebis, a coisa dupla unindo os dois sexos, na realidade, a alma espiritual dotada de

    razo (Sol) e de imaginao (Lua). O princpio inteligente domina a animalidade

    representada pelo drago das atraes elementares.

    Nada mais significativo, a esse respeito, que uma gravura do

    tratado intitulado O Azoto, ou o meio de fazer o ouro oculto dos filsofos,

    do Irmo Basile Valentin19. V-se a um personagem de duas cabeas, do

    qual a mo direita segura um compasso e a esquerda, um esquadro. o

    andrgino alqumico, unindo a energia criadora masculina receptividade

    feminina, associando, em outros termos, o Enxofre ao Mercrio, ou o

    ardor empreendedor da coluna J estabilidade ponderada da coluna B.

    Ele est de p sobre o drago simbolizando o quaternrio dos elementos,

    dos quais o iniciado deve triunfar no decorrer de suas provas.

    A Decadncia das Corporaes

    19 Publicado logo depois de as Doze Chaves da Filosofia tratando da verdadeira

    medicina metlica. Paris, Pierre Moet, 1659.

    Oswald Wirth

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    Tornado-se rica e poderosa, a Igreja devia necessariamente

    corromper-se. Veio um tempo no qual o alto clero, entregue a todas as

    intrigas da poltica, exibia o luxo mais insolente e no se dava ao

    menor trabalho de dissimular a corrupo de seus costumes.

    Os fiis escandalizaram-se com isso. Seu antigo fervor deu lugar

    dvida, e numerosas heresias puderam enraizar-se nos espritos. Essa foi

    a aurora do sonho intelectual que se preparava.

    O novo claro de alma teve sua repercusso sobre a arquitetura

    religiosa. Os doadores tornaram-se raros. fora de construir igrejas e

    elas existiam, alis, em toda parte os membros das confraternidades de

    So Joo encontravam, cada vez menos, o emprego de seus talentos. Eles

    eram, de resto, especialistas no estilo dito gtico, doravante dmod.

    Depois veio o cisma de Lutero que, desencadeando pavorosas guerras

    religiosas, acabou de desorganizar as antigas corporaes construtivas.

    Elas ameaavam desaparecer, no deixando delas mesmas seno

    vagos traos documentais, mas afirmando seu poderoso passado por

    monumentos incomparveis que se impuseram sempre admirao da

    posteridade.

    A Cabala

    Nem tudo devia estar perdido. Uma transformao elaborava-se,

    provocando primeiro um movimento intelectual do mais alto interesse.

    Enquanto querelas de dogma dividiam os espritos, inteligncias

    de elite quiseram aprofundar imparcialmente as questes religiosas. Foi-

    se assim levado a estudar mais especialmente a metafsica religiosa dos

    judeus. Estes se pretendiam na posse de uma doutrina secreta remontando

    at Moiss. Era, a seus olhos, a tradio por excelncia, dita Qabbalah em

    Oswald Wirth

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    hebreu. Tratavam-se, na realidade, de concepes derivadas, em boa

    parte, do Gnosticismo alexandrino, e tomadas de emprstimo, assim, ao

    patrimnio da antiga iniciao. Sua caracterstica era fazer ressaltar a

    concordncia fundamental das religies.

    Esses sonhos msticos tiveram por efeito prtico sugerir a idia de

    uma filosofia reunindo indistintamente os fiis de todos os cultos, sem

    obrig-los a renegar suas crenas particulares.

    Vigorosos pensadores em comunho de vontade uns com os

    outros, tendo aplicado toda sua energia cerebral a especulaes dessa

    sorte, da resultou finalmente uma tenso particular na atmosfera mental

    do sculo XVII.

    Os Rosacrucianistas

    O excesso do mal chama o remdio. As devastaes do fanatismo

    cego deviam conduzir ao sonho de uma regenerao universal pelo amor

    e pela cincia. Por volta de 1604, uma associao secreta20 quis relembrar

    ao Cristianismo a inteligncia de seus mistrios e ensinar ao mundo as

    leis da fraternidade.

    Os afiliados haviam escolhido por emblema uma rosa fixada

    sobre uma cruz, e reconheciam-se a lenda de um certo Christian

    Rosenkreuz, do qual pretendiam prosseguir a obra. Fizeram muito falar

    deles e, ainda que se perdendo nas nuvens do Hermetismo e da Teosofia,

    20 A ordem dos rosacrucianistas no foi jamais organizada como corpo. Considerava-se

    algum como lhe pertencendo pelo nico fato de esse algum possuir certos

    conhecimentos. Os Irmos Rosacrucianistas no se reuniam para deliberar ou trabalhar

    em comum. Eles contentavam-se em manter relaes epistolares e em comunicarem

    entre si o fruto de seus estudos.

    Oswald Wirth

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    eles no conseguiram menos surpreender as imaginaes e semear os

    germes cuja ecloso no devia se fazer esperar.

    A Franco-Maonaria Moderna

    A concepo de um ideal (Coluna J) permanece estril

    enquanto faltem os meios prticos de realizao (Coluna B). As

    aspiraes generosas dos filsofos no poderiam ser colocadas em ao

    sem a ajuda de uma organizao positiva. O esprito ou a alma nada pode,

    se no dispe de um corpo como instrumento de ao.

    Ora, na poca na qual, graas aos rosacrucianistas e a outros

    msticos, uma entidade espiritual planava, de qualquer sorte, no ar,

    ansiosa por encarnar-se, um organismo propcio veio a oferecer-se a ela.

    No possuindo mais razo de ser, as antigas confraternidades

    manicas estavam em toda parte dissolvidas, salvo na Gr-Bretanha e na

    Irlanda, onde sempre reinou um esprito favorvel sobrevivncia de toda

    tradio antiga e respeitvel. Pela fora de um hbito passado aos

    costumes, as associaes de Maons livres e aceitos subsistiam, pois,

    ainda no sculo XVII, em diversos centros dos trs reinos insulares. Era

    ento de notoriedade pblica que os Freemasons se reconheciam entre si

    por certos sinais e que eram obrigados por juramento a guardarem

    segredos. Sabia-se igualmente que, em todas as circunstncias da vida,

    eles eram obrigados a prestar assistncia recproca. A partir de sua

    decadncia do ponto de vista do exerccio da arte de construir, a prtica

    da solidariedade tornou-se, com efeito, o objetivo essencial dessas

    confraternidades. Difundiu-se ento a moda de fazer-se aceitar a ttulo de

    membro honorrio, e as lojas manicas mostraram-se to acolhedoras

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    aos gentlemen que no manejavam profissionalmente a trolha, que os

    profissionais do ofcio se desinteressaram cada vez mais de uma

    instituio que no respondia em nada s suas necessidades prticas. Os

    maons aceitos tornaram-se assim pouco a pouco to numerosos quanto

    os Maons livres, e, no incio do sculo XVIII, eles eram francamente a

    maioria.

    Nesse momento, foi tomada uma resoluo de extrema

    importncia. Ele teve por efeito fazer renunciar s antigas empresas

    materiais da velha maonaria profissional designada como operativa em

    oposio a uma nova Maonaria, puramente filosfica, dita especulativa.

    Assim nasceu a Maonaria moderna, que tomou de emprstimo

    aos construtores da Idade Mdia um conjunto de formas alegricas e de

    smbolos engenhosos, regras de boa disciplina e tradies de fraternal

    solidariedade, a fim de aplicar tudo ao ensinamento de uma arquitetura

    social, esforando-se por construir a felicidade humana, trabalhando para

    o aperfeioamento intelectual e moral dos indivduos.

    Elias Ashmole

    A Maonaria moderna respondia a uma necessidade sentida em

    toda Europa pelos mais nobres espritos. Ela devia, pois, difundir-se com

    uma rapidez que parecia dever-se a um prodgio. Tambm, quando mais

    tarde se quis remontar sua fonte, no foi possvel defender-se da idia

    de que, semelhante Minerva, surgindo inteiramente armada do crebro

    de Jpiter, a concepo manica devera ter sido amadurecida por algum

    pensador de gnio.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    A fim de descobrir o fundador de uma to maravilhosa

    instituio, os Maons ingleses do sculo XVII foram passados em

    revista. Descobriu-se que, a 16 de outubro de 1649, um sbio antiqurio,

    adepto do hermetismo e de conhecimentos secretos ento em voga, foi

    recebido Maom em Warrington, pequena cidade do condado de

    Lancastre. No foi preciso mais para erigir Elias Ashmole este nome

    do personagem em heri da lenda. -lhe atribudo todo o mrito da

    reforma realizada. Segundo o Ir Ragon e outros historiadores seria ele,

    o Rosacrucianista, quem teria imprimido um carter inicitico aos rituais

    obreiros primitivos21. Isso no verdade. A influncia que esse amador de

    cincias ocultas exerceu sobre a Franco-Maonaria permanece nula.

    Verdadeiramente decepcionado pela natureza dos mistrios que lhe

    foram revelados quando de sua iniciao, ele no reapareceu em loja

    seno ao cabo de 31 anos, em 11 de maro de 1682, pela segunda e ltima

    vez em sua vida, como testemunha seu dirio, que ele jamais deixou de

    manter, diariamente, com escrupulosa mincia.

    A Primeira Grande LojaContrariamente quilo que, em boa lgica, era permitido supor, os

    documentos positivos mostram-nos a organizao da Maonaria moderna

    nascendo inconscientemente. As maiores coisas podem, com efeito, ser

    chamadas existncia por individualidades que no tm nenhuma

    suspeita do alcance de seus atos.

    Esse foi o caso dos Maons londrinos que, a 24 de junho de 1717,

    se reuniram para celebrar a festa tradicional de So Joo Batista. Eles

    21 Essa assero temerria, reconhecida depois inexata, foi reproduzida na pgina 25 da

    primeira edio (1894) do Livro do Aprendiz.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    eram membros de quatro lojas to pouco prsperas que, para no se

    desagregarem inteiramente, decidiram permanecer unidas sob a

    autoridade de oficiais especiais. Ora, cada uma das lojas, sendo presidida

    por um Mestre22, deu-se o ttulo de Gro-Mestre ao presidente do novo

    agrupamento que, ele mesmo, se qualifica como Grande Loja. Ainda

    duvidoso que esses nomes hajam sido adotados desde 1717, a principal

    preocupao devendo muito bem ser, neste ano, reunir-se novamente em

    nmero suficiente no prximo solstcio de vero.

    O primeiro Gro-Mestre foi Antony Sayer, homem obscuro, de

    condio bastante modesta. Ele fora escolhido na falta de melhor; tambm

    se apressou em dar-se-lhe como sucessor George Payne, burgus bem

    colocado, que no havia assistido reunio precedente. O prximo eleito

    foi Jean-Thophile Dsaguliers23, doutor em filosofia e em direito,

    membro da Sociedade Real de Cincias de Londres. Depois de haver

    completado seu ano de gro-mestrado, esse fsico distinto restituiu o

    malhete ao Ir.. Payne, na falta de um mais ilustre personagem.

    Para consagrar o prestgio da Grande Loja, importava, alis,

    colocar sua testa um homem de qualidade. Igualmente os Maons de

    Londres chegaram ao auge de seus desejos, quando, em 1721, Sua Graa

    o Duque de Montagu condescendeu em aceitar a dignidade de Gro-

    Mestre. Esta eleio teve o melhor efeito sobre o mundo profano. Tornou-

    se da por diante de bom-tom pertencer Sociedade dos Franco-Maons,

    universalmente considerada como uma companhia distinta.

    22 Para distingui-lo de outros Mestres, davam-lhe o epteto de Venervel (Worshipful

    Master) ou designavam-no como Master en chaire (Meister vom Stuhl ou Stuhlmeister

    em alemo). 23 Nascido em La Rochelle, a 12 de maro de 1683, filho de um pastor calvinista que

    devera refugiar-se na Inglaterra aps a revogao do dito de Nantes (1685).

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    O Livro das Constituies

    As modificaes aportadas ao regime das antigas

    confraternidades construtivas deram lugar promulgao de um novo

    cdigo da lei manica. Sua redao foi confiada ao IrJames Anderson,

    cuja obra intitulada The Book of Constitutions of the Freemasons,

    containing the history, charges and regulations of that most ancient and

    right worshipful fraternity.

    Ali est dito, no que concerne a Deus e religio:

    Um Maom obrigado, por seu engajamento24, a obedecer lei

    moral; e, se ele compreende bem a Arte, no ser jamais um estpido ateu

    nem um libertino irreligioso.

    Ainda que em tempos passados, os Maons estivessem

    obrigados, em cada pas, a praticar a religio do dito pas, qualquer que

    ela fosse, estima-se doravante mais oportuno no lhes impor outra

    religio a no ser aquela sobre a qual todos os homens esto de acordo, e

    deixar-lhes toda liberdade quanto s suas opinies particulares.

    suficiente, pois, que eles sejam homens bons e leais, pessoas honradas e

    de probidade, quaisquer que sejam as confisses ou as convices que os

    distingam.

    Assim, a Maonaria tornar-se- o centro de unio e o meio de

    estabelecer uma sincera amizade entre pessoas que, fora dela,

    permaneceriam constantemente separadas umas das outras.

    Relativamente autoridade civil, suprema ou subordinada, lemos

    a seguir:24 Tenure no original, termo feudal que significa obrigao contrada pelo detentor de

    um feudo.

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    O Maom um indivduo pacfico sujeito aos poderes civis em

    qualquer lugar onde resida ou trabalhe; ele no deve jamais estar

    implicado em compls ou conspiraes contra a paz e a prosperidade da

    nao, nem se comportar incorretamente vista de magistrados

    subalternos, porque a guerra, o derramamento de sangue e as insurreies

    tm sido, em todos os tempos, funestas Maonaria.

    Se algum Irmo vier a insurgir-se contra o Estado, preciso

    evitar favorecer sua rebelio, e sempre t-lo em piedade, como a um

    infeliz. Se ele, alis, no for culpado de nenhum crime, a leal

    Confraternidade, ainda que obrigada a desmentir sua rebelio, a fim de

    no atrair sombras ao governo estabelecido nem lhe fornecer um motivo

    de desconfiana poltica, no saberia expuls-lo da Loja, uma vez que

    suas relaes com ele permanecem indissolveis.

    O artigo VI, que trata da conduta em Loja, recomenda enfim:

    Que vossas discrdias ou vossas querelas particulares no

    franqueiem jamais o umbral da Loja; evitai mais ainda as controvrsias

    sobre religies, nacionalidades ou a poltica, visto que, em nossa

    qualidade de Maons, ns no professamos seno a religio universal

    mencionada mais acima. Ns somos, alis, de todas as naes, de todas as

    lnguas, de todas as raas, e, se ns exclumos toda poltica, porque ela

    no contribuiu jamais no passado para a prosperidade das lojas e no

    contribuir mais amanh.

    Os Princpios Fundamentais da Franco-

    Maonaria

    Oswald Wirth

  • A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos

    luz dos extratos precedentes, a Franco-Maonaria moderna

    aparece-nos como uma associao de homens escolhidos, cuja moralidade

    pde ser aprovada, de sorte que, sentindo-se perfeitamente seguros uns

    dos outros, podiam praticar entre si uma fraternidade sincera e sem

    reserva.

    Esses homens, reconhecidos bons, leais e probos, so obrigados a

    evitar com o maior cuidado tudo aquilo que os arriscaria a dividirem-se.

    -lhes especialmente interdito ocasionar litgios quanto s suas

    convices ntimas, tanto religiosas quanto polticas, sua virtude

    caracterstica devendo ser, em todas as coisas, a TOLERNCIA.

    Ora, para ser tolerante, indispensvel adquirir idias amplas e

    elevar-se acima da estreiteza de todos os preconceitos. A Franco-

    Maonaria esfora-se, em conseqncia, por emancipar os espritos;

    aplica-se, em particular, a libert-los dos erros que sustentam a

    desconfiana e o dio entre os homens. Estes, a seus olhos, no devem ser

    considerados seno em razo do valor efetivo que obtm de suas

    qualidades intelectuais e morais, qualquer outra distino de crena, de

    raa, de nacionalidade, de fortuna, de classe ou de posio social devendo

    eclipsar-se no seio das reunies manicas.

    Extenso Rpida da Franco-Maonaria

    O cdigo manico redigido e impresso por ordem da Grande

    Loja da Inglaterra recebeu a aprovao solene desta a 17 de janeiro de

    1723. Desde ento, foi sempre considerado como o documento que

    determina as normas caractersticas da Franco-Maonaria moderna. Sua

    importncia , pois, capital, j que toda organizao que se afastasse dos

    Oswald Wirth

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    princpios dos quais ele foi inspirado deixaria, por este mesmo fato, de ser

    manica.

    O livro de Anderson permitiu, alis, fazer conhecer ao longe a

    nova confraternidade que respondia s aspiraes ao mesmo tempo as

    mais nobres e as mais generosas. Ela no tardou a exercer uma verdadeira

    fascinao sobre quantidade de espritos de elite. Viram-se para a afluir,

    em particular, os pensadores apaixonados pela doutrina do

    Humanitarismo. No era uma forma, uma organizao que se oferecia

    espontaneamente, para revestir de um corpo tangvel as concepes, at

    ento nebulosas, dos filsofos? Quando ento o sectarismo e a

    intolerncia vinham de colocar a Europa em fogo e sangue, devia-se

    altamente apreciar, alm do mais, a amplitude de vistas, das quais os

    franco-maons faziam prova em matria de religio e de dogmatismo, no

    menos que em relao s dissenses polticas. pureza de princpios e

    elevao de tendncias associavam-se, enfim, certos pendores de mistrio

    e de impenetrabilidade, cuja seduo no foi menos poderosa.

    Nessas condies, as Lojas multiplicaram-se muito rapidamente,

    primeiro na Inglaterra, na Esccia e na Irlanda, depois sobre o continente,

    para ganhar finalmente at os confins do mundo civilizado.

    No incio, verdade, as Lojas no se fundavam sempre em

    virtude de poderes formais emanados da primeira Grande Loja. Todo

    Mestre Maom regularmente iniciado na Inglaterra acreditava-se no

    direito de propagar no estrangeiro a luz manica. Para esse efeito,

    cercava-se, tanto quanto possvel, de alguns outros Maons e realizava

    com eles recepes segundo as formas ritualsticas. A rigor, ele iniciava,

    com sua autoridade privada, um profano que julgasse digno desse favor;

    em seguida, ambos procediam iniciao de um novo adepto, de maneira

    a constituir uma loja simples, destinada a tornar-se primeiro justa, pela

    Oswald Wirth

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    adjuno de dois novos membros, e, finalmente, perfeita, quando, por seu

    efetivo, ela atingia ou ultrapassava o nmero de sete.

    Uma Loja podia, alis, manter-se em no importa que local

    convenientemente fechado e ao abrigo de qualquer indiscrio. Certas

    figuras traadas com giz sobre o assoalho eram suficientes para

    transformar qualquer local em santurio.

    Concebe-se que Lojas to facilmente chamadas existncia

    houvessem podido desaparecer com igual facilidade sem deixar traos

    documentais de sua atividade. Tambm a histria da introduo da

    Franco-Maonaria em diferentes pases encontra-se, o mais

    freqentemente, envolvida numa profunda obscuridade. Est-se reduzido,

    muitas vezes, a narrativas equvocas, das quais impossvel controlar a

    exatido.

    A Maonaria Anglo-Saxnica

    Desde que um grande senhor ficou testa da Grande Loja da

    Inglaterra, a prosperidade da instituio encontrou-se imediatamente

    assegurada. Doze Lojas somente haviam tomado parte, em 24 de junho de

    1721, da eleio do Duque de Montagu. Ora, trs meses depois, havia

    dezesseis, depois, vinte ao final do ano; em 1725, quarenta e nove lojas

    estavam representadas na Grande Loja.

    O que fez, sobretudo, da em diante, procurar a iniciao

    manica que ela conferia, de qualquer sorte, um brev de

    respeitabilidade. O pblico ingls manifestava, todavia, alguma

    desconfiana vista de uma sociedade em muito indiferente em matria

    Oswald Wirth

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    de religio. A fim de tranqiliz-la, os Freemasons no tardaram a

    manifestar, em todas as coisas, uma escrupulosa ortodoxia anglicana.

    Todo um movimento se desenhou nesse pas aps 1723,

    numerosos espritos timoratos escandalizaram-se com as inovaes

    consagradas pelo Livro das Constituies. Este tinha, a seus olhos, o

    muito grave defeito de no tornar nenhuma crena obrigatria, quando

    ento, tradicionalmente, todo Maom tinha o imperioso dever de ser fiel

    a Deus e Santa Igreja.

    Ciumentas de sua autonomia, muitas lojas se recusaram, alm do

    mais, a reconhecer Grande Loja de Londres uma autoridade que elas

    pretendiam usurpada.

    Por motivos dessa ordem, e sob outros pretextos, produziram-se,

    no seio da Maonaria inglesa, uma srie de cises que tiveram por

    conseqncia, a partir de 1751, opor uma outra duas Grandes Lojas

    inimigas.

    A mais recente dessas Grandes Lojas no foi praticamente

    constituda seno em 1753. Como seus adeptos vangloriavam-se de

    permanecer ligados aos antigos usos, intitularam-se Maons Antigos, em

    oposio aos Maons Modernos, cuja Grande Loja era, todavia, a mais

    antiga, pois que remontava a 1717.

    Foi isso que os historiadores chamaram de o Grande Cisma. A

    Constituio dos Antigos tornava obrigatria a crena em Deus. Seu ritual

    transbordava de preces e multiplicava as citaes bblicas tanto quanto as

    frmulas piedosas. Ele comportava, alis, um grau suplementar, aquele do

    Real Arco.

    Nessas condies, sendo dado o esprito reinante entre os anglo-

    saxes, a concorrncia dos Antigos deveria afirmar-se desastrosa para os

    Modernos. A fim de no se desacreditarem inteiramente em seu prprio

    Oswald Wirth

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    pas, estes deveram ceder, capitulando pouco a pouco sobre a maior parte

    dos princpios que, no incio, haviam seduzido a elite dos pensadores de

    toda a Europa.

    De reao em reao, os Modernos chegaram, finalmente, a no

    mais se diferenciarem dos Antigos seno que por nuanas ritualsticas. A

    no havia mais do que fazer seriamente obstculo fuso das duas

    Grandes Lojas inglesas que, em 1813, se entenderam para constituir em

    conjunto a Grande Loja Unida da Inglaterra.

    O Incio da Maonaria na Frana

    possvel que refugiados ingleses se houvessem entregado, na

    Frana, a trabalhos manicos pouco depois de 1649, data da condenao

    morte e da execuo de Carlos I. Entre aqueles dentre eles que

    freqentavam a cor