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3. A Estratégia em Condições de Incerteza 3.1. O que é Estratégia? A disciplina de estratégia tem pouco mais de 40 anos (WHITTINGTON et al., 2003), o que mostra que a produção acadêmica na área não está ainda consolidada. Com efeito, a produção de conhecimento nessa área, para ser relevante, precisa de pesquisas, em larga escala, que sejam inovadoras, interdisciplinares e passíveis de comparações internacionais para que a investigação seja confrontada com a influência cultural sempre presente no estudo de gestão (PETTIGREW, 2005). No entanto, Pettigrew alega que a interdisciplinaridade e a internacionalidade dos estudos em gestão são ainda raras em todas as perspectivas, tanto na escola de negócios, quanto nos trabalhos acadêmicos voltados para o setor público e são, talvez, quase inexistentes em pesquisas que analisam a interface entre ambos. Por outro lado, apesar de sua pouca maturidade, o discurso de estratégia permeia uma variedade de disciplinas de gestão, incluindo recursos humanos, informação e contabilidade, e seus conceitos espraiam-se para outras disciplinas da ciência social, tais como geografia e sociologia (WHITTINGTON et al., 2003). Para Mintzberg et al. (2000), pode-se estudar estratégia por meio de uma vasta gama de conhecimentos, que vão da biologia à física quântica, do estudo das organizações às ações de militares e de religiosos, ou seja, a estratégia está em toda e qualquer parte da ação humana, ou mesmo dos sistemas coletivos de todas as espécies. Além disso, no seu próprio campo organizacional, o discurso de estratégia não só direciona as empresas, como também é internalizado pelos empregados, consistindo em uma forma de moldar identidades e comportamentos no ambiente de trabalho (KNIGHTS; MORGAN, 1991). Ao analisar a emergência do discurso de estratégia corporativa, Knights e Morgan (1991) detectam o seu surgimento efetivo no período pós-guerra nos

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estratégia

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  • 3. A Estratgia em Condies de Incerteza

    3.1. O que Estratgia?

    A disciplina de estratgia tem pouco mais de 40 anos (WHITTINGTON et

    al., 2003), o que mostra que a produo acadmica na rea no est ainda

    consolidada. Com efeito, a produo de conhecimento nessa rea, para ser

    relevante, precisa de pesquisas, em larga escala, que sejam inovadoras,

    interdisciplinares e passveis de comparaes internacionais para que a

    investigao seja confrontada com a influncia cultural sempre presente no estudo

    de gesto (PETTIGREW, 2005). No entanto, Pettigrew alega que a

    interdisciplinaridade e a internacionalidade dos estudos em gesto so ainda raras

    em todas as perspectivas, tanto na escola de negcios, quanto nos trabalhos

    acadmicos voltados para o setor pblico e so, talvez, quase inexistentes em

    pesquisas que analisam a interface entre ambos.

    Por outro lado, apesar de sua pouca maturidade, o discurso de estratgia

    permeia uma variedade de disciplinas de gesto, incluindo recursos humanos,

    informao e contabilidade, e seus conceitos espraiam-se para outras disciplinas

    da cincia social, tais como geografia e sociologia (WHITTINGTON et al.,

    2003). Para Mintzberg et al. (2000), pode-se estudar estratgia por meio de uma

    vasta gama de conhecimentos, que vo da biologia fsica quntica, do estudo das

    organizaes s aes de militares e de religiosos, ou seja, a estratgia est em

    toda e qualquer parte da ao humana, ou mesmo dos sistemas coletivos de todas

    as espcies. Alm disso, no seu prprio campo organizacional, o discurso de

    estratgia no s direciona as empresas, como tambm internalizado pelos

    empregados, consistindo em uma forma de moldar identidades e comportamentos

    no ambiente de trabalho (KNIGHTS; MORGAN, 1991).

    Ao analisar a emergncia do discurso de estratgia corporativa, Knights e

    Morgan (1991) detectam o seu surgimento efetivo no perodo ps-guerra nos

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  • 67

    Estados Unidos, para lidar, sobretudo, com alguns processos de mudana no

    contexto corporativo, tais como a reestruturao das relaes de propriedade das

    empresas, as condies de mudana dos mercados e as novas formas de estrutura

    e gerenciamento das organizaes.

    A reestruturao das relaes de propriedade abriu espao para o dilogo

    entre a direo das empresas e seus acionistas e investidores, antes desnecessrio

    por no haver distino entre essas pessoas. Desse modo, os executivos

    profissionais tinham que prestar contas aos proprietrios das empresas sobre as

    suas decises - o que faziam e porque faziam -, ou seja, estava aberto um canal

    para a estratgia corporativa. A ampliao dos mercados das grandes companhias

    americanas aps a 2 Guerra Mundial tambm trouxe complexidade no

    gerenciamento das empresas, e de suas filiais em outros pases, e gerou, mais uma

    vez, a necessidade de explicar como as companhias obteriam sucesso em

    condies de mercado muito mais competitivas. Ademais, o gerenciamento das

    empresas tornou-se ainda mais complexo com o crescimento das corporaes e o

    controle de grupos empresariais to dispersos geograficamente quanto

    diversificados (KNIGHTS; MORGAN, 1991).

    Claramente influenciada pelo uso como planos e estratagemas de guerra na

    rea militar e antes confinada s preocupaes internas de controle de produo

    sem, portanto, uma necessidade imperiosa de explicitao, a estratgia e o seu

    discurso afloraram e encontraram espao no meio acadmico por meio de autores

    como Igor Ansoff, que, em 1965, articulou a ideia de estratgia corporativa

    (KNIGHTS; MORGAN, 1991) ao utilizar um processo racional para analisar as

    capacidades internas da organizao luz das oportunidades e ameaas do

    ambiente externo (ANFOFF, 1965). Tambm foram pioneiros Philip Selznick, em

    1957, ao introduzir a noo de competncia distintiva no livro Leadership in

    Administration, e Alfred Chandler, que, em 1962, escreveu Strategy and

    Structure (SELZNICK, 1957; CHANDLER, 1962; MINTZBERG ET AL.,

    2000).

    Desde ento introduzido no discurso gerencial, inmeros autores tm

    buscado conceituar o termo estratgia e explorar as formas pelas quais ela

    formulada. Para Knights e Morgan (1991), as primeiras conceituaes geraram e

    suportaram a viso mais ortodoxa na qual a estratgia percebida como um

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    conjunto de tcnicas racionais para gerenciar negcios complexos em um

    ambiente em mutao (p. 251).

    Nessa perspectiva, Ansoff (1965; ANSOFF; MCDONNELL, 1993)

    conceitua estratgia como um conjunto de regras de tomada de deciso para a

    orientao do comportamento de uma organizao (ANSOFF; MCDONNELL,

    1993, p. 70), as quais esto relacionadas medio do desempenho presente e

    futuro da empresa, ao desenvolvimento da relao da empresa com o seu ambiente

    externo, ao estabelecimento dos seus processos internos e conduo de suas

    atividades dirias. Desse modo, para o autor, a estratgia tem um conceito

    sistmico que d coerncia e direo ao crescimento de uma organizao

    complexa.

    Para Porter (1991, 1996; 2007), essa direo deve indicar a criao de uma

    vantagem competitiva sustentvel e, consequentemente, a gerao de retornos

    crescentes ao longo do tempo. De acordo com o autor, a essncia da estratgia a

    criao de uma posio exclusiva e valiosa para a empresa, envolvendo um

    conjunto diferente de atividades. Desse modo, a estratgia deve conter uma

    proposio de valor nica em relao dos seus concorrentes, gerada pela sinergia

    entre atividades que se encaixam e se reforam umas s outras (strategic fit) em

    uma cadeia de valor diferente e bem moldada (modelo de negcio).

    Nesse sentido, estratgia uma escolha que tem implicitamente trade-offs

    claros entre o que fazer e o que no fazer. Segundo Porter, a verdadeira vantagem

    competitiva sustentvel deriva da integrao entre atividades, a qual permite

    empresa oferecer determinados valores aos seus clientes ao invs de outros. A

    chave do sucesso estaria em ter um foco bem definido, para o qual todas as

    pessoas na empresa estariam direcionadas e que, ao mesmo tempo, balizaria as

    decises nos nveis operacional e ttico. Aqui, no h muito espao para

    mudanas de rumo ou redirecionamentos significativos na implementao da

    estratgia, mesmo porque um modelo de negcios distintivo e exclusivo limitaria

    iniciativas divergentes.

    A abordagem de Porter inspirou, desde a dcada de 80, toda uma escola de

    pensamento estratgico, que Mintzberg et al. (2000) classificaram de Escola do

    Posicionamento. Trinta anos depois, boa parte das empresas ainda traa suas

    estratgias inspirada nos conceitos presentes nos textos de Porter, de Ansoff e de

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  • 69

    outros autores que contriburam para o surgimento e a ascenso do planejamento

    estratgico nas empresas desde os anos 60.

    De acordo com Collis e Rukstad (2008), o sucesso de uma empresa depende

    da sua capacidade de definir uma estratgia simples, clara e sucinta que toda

    pessoa possa internalizar e usar como uma bssola na hora de tomar decises

    difceis (p. 42). Segundo os autores, uma boa declarao de estratgia deve ter

    trs componentes o objetivo, o escopo e uma vantagem. Por objetivo, entende-se

    uma definio clara dos resultados que a estratgia se prope a produzir, atuando

    em uma determinada arena competitiva ou espao de atuao (escopo). J a

    vantagem competitiva constitui a essncia da estratgia: o que a empresa far de

    uma maneira distinta ou melhor do que as outras, definindo o meio pelo qual

    atingir o objetivo declarado. A vantagem teria componentes externos e internos

    complementares:

    uma proposta de valor que explique por que a clientela visada deveria optar por

    seu produto dentre todas as demais alternativas e a descrio de como as

    atividades internas deveriam estar alinhadas para que a empresa e somente ela

    seja capaz de garantir essa proposta de valor (p. 42).

    Professores da Harvard Business School, Collis e Rukstad sendo Collis

    tambm consultor em estratgia de grandes empresas americanas mostram como

    ainda esto presentes os conceitos de Porter na prtica estratgica empresarial

    contempornea.

    Para Knights e Morgan (1991), o conceito de estratgia deve ser visto sob

    uma perspectiva sociolgica. Assim, a estratgia seria entendida como um

    discurso que reflete as necessidades ideolgicas da classe gerencial profissional. O

    discurso de estratgia seria, ento, usado para disseminar e ampliar interesses

    especficos que passam a ser legitimados pela prtica social. Desse modo, os

    efeitos gerados pelo discurso da estratgia corporativa nos ltimos quarenta anos

    enfatizam a racionalizao como forma de explicar sucessos e fracassos do mundo

    corporativo, a rejeio de perspectivas alternativas, o senso de segurana

    organizacional (os gerentes sabem o que fazer em favor da organizao), o sentido

    de controle e agressividade, a demonstrao de racionalidade gerencial para o

    ambiente e a prpria legitimao do exerccio de poder.

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  • 70

    Desse modo, o discurso dominante do planejamento formal no modo

    clssico faz dele eficiente do ponto de vista sociolgico, quer seja

    economicamente efetivo ou no. Mesmo que seja feito por mera formalidade (e a

    realidade acabe por no refletir o que foi planejado), o planejamento formal tem

    seu valor porque assim que os elementos-chave do ambiente institucional

    esperam que os negcios sejam feitos (Whittington, 2006). No fosse assim, que

    investidor leigo aportaria suas economias em aes de empresas cujos executivos

    explicitassem que pouco podem fazer em face das incertezas e descontinuidades

    do ambiente e que, por isso, no tm uma viso de futuro clara e inspiradora?

    Por outro lado, o prprio conceito de estratgia influenciado pelo contexto

    econmico, poltico e cultural no qual ela definida. Pases com economias mais

    ou menos liberais, com culturas mais ou menos coletivistas, com crenas mais ou

    menos deterministas, certamente tero vises distintas de estratgia, influenciadas

    por suas ideologias. Segundo Shrivastava (1986), o estudo da administrao

    estratgica no uma disciplina neutra. Ao colocar interesses especficos como

    universais, uma determinada teoria legitima interesses de determinado grupo para

    uma ampla comunidade. De acordo com o autor, o conhecimento ortodoxo

    produzido sobre administrao estratgica tem servido a uma ideologia para

    normalizar as estruturas existentes da sociedade americana e universalizar as

    metas de sua elite dominante (Shrivastava, 1986, in Whittington, 2006, p. 35).

    No entanto, existem outros conceitos de estratgia no discurso gerencial. Ao

    fazerem uma reviso do campo da estratgia, discutirem seus conceitos e as

    formas pelas quais elas so formuladas ou formadas, Mintzberg e seus colegas

    descreveram cinco definies diferentes de estratgia (MINTZBERG, 1987a,

    1987b; MINTZBERG; LAMPEL, 1999; MINTZBERG et al., 2000). Para os

    autores,

    (1) estratgia um plano, uma direo, um guia ou curso de ao para o futuro;

    [....] (2) estratgia um padro: consistncia do comportamento ao longo do

    tempo; [....] (3) estratgia a escolha de uma posio: a localizao de

    determinados produtos em determinados mercados; [....] (4) estratgia uma

    perspectiva: a maneira fundamental de uma organizao fazer as coisas; e [....]

    (5) estratgia um truque: uma manobra especfica para enganar um oponente

    ou concorrente. (Mintzberg et al., 2000, p. 17-20).

    Mas, com exceo da segunda, essas definies esto associadas a um

    processo de formulao estratgica prescritivo, no qual as estratgias so

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  • 71

    concebidas ex-ante e implementadas ex-post. Nas definies de estratgia como

    um plano, uma posio ou uma manobra, as empresas formulam a priori o que

    fazer, que posio querem assumir em determinado mercado e como competir

    com outras empresas para, em seguida, colocar em ao os caminhos pretendidos.

    Na concepo de estratgia como uma perspectiva, o modo pelo qual uma

    organizao decide atuar pode ser traduzido pelo seu modelo de negcios e pela

    definio clara de que valores vai oferecer ou no para os seus clientes. Na viso

    dos autores, essa perspectiva pode ser exemplificada pela atuao do McDonalds

    (MINTZBERG et al., 2000). Tambm esse modelo de negcios definido a

    priori e implementado depois.

    J no conceito de estratgia como um padro, prevalece o carter descritivo

    do processo de formao de estratgia. A estratgia surge, ou se forma, como um

    padro reconhecido a partir de um conjunto de decises tomadas pela organizao

    no passado. Desse modo, a estratgia s pode ser vista de uma perspectiva

    histrica, fazendo uma leitura do comportamento da organizao aps um perodo

    de tempo.

    Considerando a prtica do processo estratgico nas empresas, Mintzberg et

    al. (2000) argumentam que a estratgia real contm estratgias tanto pretendidas,

    na medida em que o mundo real exige pensar frente (p. 18), quanto

    emergentes, frutos de decises tomadas uma a uma em um processo de tentativa e

    erro que se transformam em um padro de comportamento a posteriori (Figura

    14). As estratgias emergentes consideram a adaptao ao inesperado e o

    aprendizado na prtica diria da tomada de decises empresariais.

    Por outro lado, considerando uma viso mais abrangente e sistmica,

    Macedo-Soares (2002) tem uma definio de estratgia que alia a anlise da

    empresa e as suas relaes com o ambiente. De acordo com a autora, estratgia

    pode ser definida como

    o propsito unificador que traz coerncia e direo s decises e aes de uma

    organizao, especialmente no que se refere alavancagem e alocao dos

    recursos necessrios melhoria e sustentao de seu desempenho, de acordo com

    sua viso e considerando as condies de seus ambientes interno e externo (p.

    293).

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  • 72

    Estratgia no

    Realizada

    Figura 14 Estratgias Deliberadas e Emergentes

    Fonte: MINTZBERG et al., 2000, p. 19.

    Nesse conceito, agregada a anlise estratgica sob a tica relacional, que

    inclui conexes, de natureza colaborativa ou oportunista, da empresa focal em

    uma rede de parcerias, alianas e relacionamentos com clientes, fornecedores,

    concorrentes, substitutos, complementadores,1 governo, entidades de classe,

    fontes de financiamento etc.. Enfim, considera a empresa e sua relao com todos

    os seus stakeholders (ou partes interessadas). Nesse sentido, o conceito de

    estratgia extrapola as fronteiras de uma organizao para colocar nfase nas

    relaes dessa com outros atores no seu ambiente-tarefa.

    Sob outro ponto de vista, Beinhocker (2006) alega que no existe uma nica

    estratgia, pelo contrrio, elas devem ser mltiplas, representando opes as quais

    a empresa deve recorrer conforme os interesses da empresa ou as mudanas no

    ambiente.

    Para justificar sua afirmao, o autor comea por contestar a possibilidade

    de existncia de vantagens competitivas sustentveis a longo prazo no mundo

    corporativo atual. Buscando sustentar a hiptese de que toda vantagem

    competitiva temporria e que, medida que o mundo se torna mais dinmico, o

    prazo de validade de uma vantagem competitiva cada vez mais curto,

    Beinhocker (2006) baseou-se em estudos publicados em 2002 e 2005, por Robert

    1 Complementadores so parceiros cujos produtos so mais valorizados pelos clientes quando oferecidos

    conjuntamente, sob a forma de soluo, do que quando ofertados separadamente (Brandenburger e Nalebuff,

    1997).

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  • 73

    Wigguins e Tim Ruefli, que compararam a performance de 6.722 empresas em

    relao ao desempenho do setor ao qual elas pertenciam, no perodo de 1974 a

    1997. Nesses estudos, apenas 5% das empresas pesquisadas mantiveram uma alta

    performance por um perodo superior a dez anos. Dessas, apenas 32 (0,5% do

    total) mantiveram alta performance por 20 anos e apenas 3 (0,04% do total)

    confirmaram essa alta performance por 50 anos. Outra concluso: a durao

    mdia de perodos de vantagem competitiva declinou, empresas entraram e saram

    do extrato de performance superior cada vez mais rapidamente e as chances de

    perderem uma posio superior quase dobraram durante o perodo estudado.

    Na concepo de Beinhocker (2006), essas concluses alteram o conceito de

    empresa de excelncia, que deixa de ser

    aquela que obtm contnuas altas performances por perodos muito longos (o que

    quase impossvel de acontecer) para ser aquela que consegue tecer uma srie de

    vantagens temporrias ao longo do tempo (p. 332).

    Ademais, para ser capaz de gerar vantagens competitivas temporrias

    sucessivas, Beinhocker defende a ideia de inovao com base na experimentao,

    internalizando na empresa o mximo possvel de alternativas que reflitam as

    opes existentes no mercado. Desse modo, o autor conceitua estratgia da

    seguinte forma:

    Estratgia um portfolio de experimentos, um conjunto de planos de negcio,

    que competem entre si e evoluem ao longo do tempo (BEINHOCKER, 2006, p.

    334).

    Associada diversidade de meios para se atingir o objetivo, est a premissa

    defendida por Beinhocker de que a economia muito mais complexa, dinmica e

    no-linear para ser passvel de previses de longo prazo e que o futuro moldado

    por pequenos eventos fortuitos,2 difceis de serem previstos, que, em determinado

    momento, mudam o rumo da histria. So eventos pouco importantes quando

    vistos isoladamente, mas que tm o poder de influenciar, ou mesmo, configurar o

    futuro. No entanto, pela sua pouca importncia dificilmente so detectados a

    priori. Eles podem ser comparados aos cisnes negros, termo cunhado por

    Nassim Taleb (2009) para definir eventos impossveis de serem previstos que

    2 O autor usa o termo frozen accident (usado na biologia para identificar nos organismos vivos a herana de

    mutaes casuais ocorridas em um ancestral comum aos organismos atuais) para exemplificar a possvel

    ocorrncia de eventos ou acidentes aleatrios cujas conseqncias se espraiam para muito alm dele mesmo,

    criando inmeras ramificaes no sistema que mudam o rumo da histria.

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  • 74

    podem mudar o curso da histria, conforme mencionado no Captulo 2, ou podem

    no ser detectados simplesmente por estarem presentes nas interconexes do

    ambiente contextual - textura causal (EMERY; TRIST, 1965) e que, a princpio,

    no teriam efeitos sobre a organizao.

    Para exemplificar a ideia de portfolio de experimentos, o autor baseou-se

    na histria da Microsoft, descrita por ele e apresentada no Quadro I.

    Quadro I O Portfolio de Experimentos da Microsoft

    Em 1987, a ainda recente indstria dos PCs acabara de passar por um perodo de

    crescimento explosivo, em que a Microsoft se destacava como lder. Entretanto, o MS-DOS

    chegava ao fim de seu ciclo de vida natural e o mercado comeava a procurar por sistemas

    operacionais que aproveitassem melhor a nova gerao de computadores potentes e seus

    grficos. Uma mudana na curva S aproximava-se e o mercado no tinha certeza sobre como os

    novos padres de sistemas operacionais estabeleceriam-se. At esse ponto, a Microsoft ainda era

    uma empresa pequena (de apenas US$ 346 milhes) frente s gigantes multibilionrias, que

    buscavam sua fatia de mercado. Cada uma dessas gigantes vinha desenvolvendo solues

    alternativas ao MS-DOS, seja por meio de consrcios, seja individualmente.

    Era possvel imaginar as opes da Microsoft naquele momento: (1) fazer uma enorme

    aposta na empresa, investindo no desenvolvimento de um novo sistema operacional chamado

    Windows e tentar induzir a migrao dos usurios da base DOS para o novo padro,

    preferencialmente antes que seus concorrentes atingissem fatias crticas de usurios; (2) sair do

    segmento de sistemas operacionais e concentrar-se em aplicativos para os quais o pequeno porte

    da Microsoft seria uma grande vantagem; e (3) vender ou formar parceria com algum de seus

    concorrentes, o que aumentaria o poder do concorrente a quem a Microsoft se unisse.

    A opinio geral hoje diria que Gates escolheu a opo 1 e a aposta valeu a pena,

    mantendo a posio de liderana da Microsoft no mercado. Mas o que realmente aconteceu foi

    muito mais interessante. Gates e sua equipe investiram simultaneamente em 6 experimentos

    estratgicos diferentes.

    Em primeiro lugar, a Microsoft continuou a investir no MS-DOS. Mesmo com as previses

    de decadncia do ciclo de vida natural do sistema, ele ainda contava com uma base de clientes

    enorme, uma vez que muitos se mostravam receosos de substituir um sistema que, a cada

    verso, tornava-se melhor. Havia ainda a possibilidade de que o DOS continuasse a evoluir e

    atendesse ao que os clientes desejavam por algum tempo.

    Em segundo lugar, a Microsoft percebeu que a IBM era uma ameaa real, mostrando que

    queria retomar o controle do mercado de sistemas operacionais, com o desenvolvimento do OS/2.

    Por outro lado, a IBM percebia que investir sozinha em um sistema desse tipo seria arriscado.

    Dessa forma, a Microsoft e a IBM fizeram uma joint venture para desenvolver o OS/2.

    Em terceiro, a Microsoft percebeu que o Unix um sistema operacional j existente que

    vinha sendo aprimorado por um consrcio liderado pela AT&T representava uma ameaa, ainda

    que em escala bem menor do que o OS/2. Consequentemente, a Microsoft iniciou discusses com

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  • 75

    Quadro I (continuao)

    diversas empresas sobre sua possvel participao no desenvolvimento conjunto do Unix. Com

    essa ao, a Microsoft conseguiu no s saber o que acontecia, mas tambm alimentar as

    especulaes sobre sua estratgia quanto ao sistema, criando uma incerteza adicional no

    mercado e desacelerando o progresso do sistema.

    Em quarto lugar, a Microsoft comprou uma parcela majoritria da Santa Cruz, a maior

    empresa de venda do sistema Unix em PCs. Desta forma, caso o Unix de fato deslanchasse, a

    companhia ainda teria algum produto prprio no mercado.

    Em quinto lugar, Gates no desistiu de investir em aplicativos, mas sim continuou a

    construir esse negcio paralelamente aos passos anteriores. Em particular, com essa estratgia a

    Microsoft estabeleceu-se como a principal fornecedora de softwares da Apple.

    Por ltimo, foram feitos altos investimentos no Windows, que foi elaborado para ser o

    melhor dos mundos: tinha a facilidade de uso do Macintosh, era compatvel com o DOS e era

    multitarefa como o Unix e o OS/2. E, mais importante, ele manteria o controle do mercado de

    sistemas operacionais para PC nas mos da Microsoft. O sucesso do Windows era claramente a

    opo preferida pela empresa.

    Enfim, o que Gates criou no foi uma grande aposta focada, mas sim um portfolio de

    opes estratgicas. Uma forma de interpretar o que foi feito pensar que Gates tinha um objetivo

    de alto nvel e, por isso, criou um portfolio de estratgias que poderiam evoluir para aquele

    objetivo: tornar a Microsoft a lder em softwares para PCs. Como a Microsoft naquela poca ainda

    no tinha a posio que tem hoje, o sucesso do Windows no era nada certo. Ou seja, a escolha

    de Gates tornou-se ainda mais importante. Ele criou dentro da prpria empresa planos de

    negcios concorrentes que refletiam a competio que se desenvolvia no mercado. [....] ao utilizar

    a estratgia de portfolio, a empresa protegeu-se de possveis guinadas no curso da histria.

    Fonte: Beinhocker, 2006, p. 335-337.

    Com sua definio de estratgia, Beinhocker subverte o conceito clssico de

    Porter, que defende estratgia como uma escolha nica para gerar um valor

    exclusivo e valioso. Como se v, Beinhocker acredita na multiplicidade de

    experincias (que podem ser complementares ou alternativas como mostra o

    exemplo da Microsoft) para chegar a um objetivo maior.

    No entanto, a experincia prtica da autora em consultoria em estratgia em

    grandes empresas brasileiras em 15 anos de trabalho na empresa de consultoria

    Macroplan Prospectiva, Estratgia & Gesto traz uma reflexo acerca da

    viabilidade de se ter diversas estratgias conflitantes simultaneamente vigentes na

    organizao. Parece necessria, sobretudo considerando o nvel de maturidade do

    processo estratgico de grandes corporaes no Brasil, a identificao de uma

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  • 76

    estratgia principal, aquela que indicar o rumo a ser seguido e guiar as

    principais decises empresariais.

    Por outro lado, faz sentido considerar os argumentos de Beinhocker ao

    defender que, quando uma empresa capaz de internalizar e gerir uma diversidade

    de caminhos pelos quais ela possa atingir um objetivo, essa empresa tem maiores

    probabilidades de obter sucesso em comparao com aquela que aposta a priori

    em uma nica direo.

    Dessa forma, a autora prope integrar essas duas vises no conceito de

    estratgia, considerando tambm a abordagem sistmica de Macedo-Soares

    (2002), e incorporar tanto a necessidade de uma escolha principal quanto a

    possibilidade de agregar experimentos alternativos aos caminhos pelos quais se

    pretende alcanar a viso de futuro da organizao, respeitando as condies dos

    ambientes interno e externo. Assim, prope-se o seguinte entendimento de

    estratgia:

    Estratgia compreende um conjunto de grandes escolhas (Estratgia

    principal) e de um portfolio de experimentos de grande alcance potencial que

    orienta o gerenciamento do presente e a construo do futuro em um

    horizonte de longo prazo, sob condies de incerteza.

    A meno construo do futuro e s condies de incerteza3 remete

    tambm s questes iniciais apresentadas no Captulo 2: as empresas precisam

    definir minimamente um caminho (ou uns poucos caminhos) a serem seguidos,

    considerando a sua atuao em um ambiente econmico e social dinmico,

    altamente complexo e com elevada incerteza. Ou seja, precisam agir no presente

    incerto, complexo e dinmico de forma a se preparar para um futuro

    desconhecido e turbulento.

    com base nessa proposta para o entendimento de estratgia que se

    concebeu o Modelo Integrador, apresentado no Captulo 4, dedicado formulao

    de estratgias mltiplas a partir do uso dos cenrios (ver uso de cenrios para a

    escolha estratgica na seo 3.3). Contribuiu tambm para a concepo do Modelo

    3 O entendimento de Estratgia como uma grande escolha que orienta a construo do futuro em um horizonte

    de longo prazo e sob condies de incerteza j amplamente utilizado nos trabalhos de consultoria da

    Macroplan Prospectiva, Estratgia & Gesto desde o final da dcada de 80 em metodologias de

    planejamento estratgico baseado em cenrios.

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  • 77

    a reviso bibliogrfica sobre os processos de formulao e formao de estratgia,

    apresentados na prxima seo.

    3.2. Processos de Formulao e Formao de Estratgia

    Como visto na seo anterior, o conceito de estratgia confunde-se com o

    seu prprio contedo e com o processo pelo qual ela formulada ou formada.

    Para Mintzberg et al. (2000), a diferena entre a formulao e a formao da

    estratgia est no modo pelo qual ela surge. Se for deliberada, baseada em um

    processo de pensamento consciente, racional e analtico, a estratgia formulada,

    explicitada e, ento, implementada. Por outro lado, em outras situaes, as

    estratgias emergem, traduzindo padres que vo se formando a partir do

    reconhecimento de aes convergentes. Nesses casos, ela formada, pois no h

    uma estratgia definida a priori. A postura das empresas de reao ou adaptao

    de forma no estruturada, flexvel, oportunista ou mesmo acidental em face das

    mudanas. A estratgia tem, portanto, um carter descritivo. identificada como

    um padro desenvolvido na ausncia de intenes, ou a despeito destas

    (MINTZBERG,1987b, p.13).

    Mas, para Mintzberg, as estratgias tanto prescritivas quanto descritivas

    convivem no mundo real. Ao analisar diversas escolas de pensamento

    estratgico, Mintzberg e Lampel (1999) avaliam o processo de formao de

    estratgia da seguinte forma:

    A formao de estratgia planejamento racional, viso intuitiva e aprendizado

    emergente; sobre transformao e tambm perpetuao; deve envolver cognio

    individual e interao social, cooperao e conflito; tem que incluir anlise prvia

    e programao posterior, alm de negociao durante; e tudo isso em resposta

    demanda do ambiente. (p. 27)

    Na literatura, o processo de formulao de estratgia tem incio no final da

    dcada de 50 e no comeo dos anos 60, teve seu auge nos anos 70, com o

    Planejamento Estratgico, e evoluiu com diversas escolas e abordagens, ora mais

    especficas, ora mais integradoras (BELFORT-SANTOS, 2006). A evoluo do

    planejamento e das abordagens de pensamento estratgico ser detalhada nos

    prximos itens.

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  • 78

    3.2.1. As Origens do Planejamento

    At a metade do sculo passado, o planejamento encontrado nas empresas

    ocidentais seguia os princpios da Administrao Cientfica, fundada por Taylor

    nos Estados Unidos, juntamente com as tcnicas desenvolvidas por Ford para as

    operaes industriais, e da Teoria Clssica da Administrao, desenvolvida por

    Fayol na Frana (MAXIMIANO, 2000). Ao planejamento de operaes seguiu-se

    o planejamento oramentrio, que dominou o mundo empresarial at a dcada de

    50.

    Quando a primeira ideia de planejamento no oramentrio tornou-se

    difundida no mundo ocidental, nos anos 50, o ambiente empresarial era

    relativamente estvel e era possvel fazer previses acerca do futuro com certo

    grau de preciso. Na abordagem racional-compreensiva, a mudana era guiada por

    uma unidade central geradora de planos detalhados que deveriam ser rigidamente

    implementados pelas unidades executivas (MELO, 1987).

    Nesse tipo de planejamento, o estado futuro era presumidamente conhecido

    e controlvel, o sistema movia-se como um todo em equilbrio e seguia-se uma

    sequncia essencialmente racional de definio de objetivos, identificao dos

    meios alternativos para atingi-los e seleo de uma opo que maximizasse os fins

    predeterminados. A avaliao era feita a posteriori, quando o ciclo estivesse

    completo e, s ento, essa retroalimentaria um novo ciclo (MELO, 1987).

    Esses elementos so encontrados na Design School, cujos principais autores

    so Philip Selznick, Alfred Chandler, Kenneth Andrews e Christensen, citados em

    Mintzberg et al. (2000), e na sua evoluo, o Planejamento Racional, defendido

    por Igor Ansoff, na dcada de 60. Em ambas as abordagens, a concepo da

    estratgia entendida como um processo deliberado de pensamento consciente e

    as estratgias devem ser explicitadas e implementadas findo o seu processo de

    formulao. Ambos os modelos do nfase avaliao das situaes externas e

    internas companhia, analisando fatores tecnolgicos, econmicos, sociais e

    polticos do ambiente da empresa que podem ser previstos e fatores internos, suas

    dificuldades, seus valores, suas experincias e a forma como seus executivos

    interpretam a tica da sociedade na qual a empresa opera (MINTZBERG, 1990;

    ANSOFF, 1991; MINTZBERG et al., 2000).

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  • 79

    Mas a abordagem Racional-Compreensiva foi objeto de crtica por exigir

    informao abrangente e rigorosa, com altos custos para sua obteno, e por no

    considerar a limitao da capacidade intelectual do homem quando confrontado

    com problemas complexos. Alm disso, o planejamento racional compreensivo

    apresentava falhas na sua implementao. Considerando-o inadequado, Lindblom

    (1968), props no final dos anos 50 um novo mtodo de planejamento, intitulado

    Incrementalismo Disjunto.

    O Incrementalismo Disjunto baseava-se em medidas incrementais

    respeitando-se a estrutura existente. Escolhas marginais eram feitas dentre poucas

    alternativas, com os fins apropriados aos meios; as partes desenvolviam-se a

    diferentes taxas, pois o crescimento por si s gerava desequilbrio. Essa

    abordagem baseou-se na premissa de que toda mudana deve surgir de maneira

    espontnea, pois o planejamento artificial (MELO, 1987, p. 43). Portanto, a

    noo de ao e reao aos acontecimentos e da prpria adaptao ao ambiente

    tm seus embries no final dos anos 50. A partir da, seguiram-se abordagens de

    planejamento que ora enfatizavam a tica compreensiva ora privilegiavam a viso

    incremental ou abordagens que buscavam integrar essas caractersticas antitticas

    dentro de uma perspectiva de adaptao e de articulao do projeto do sistema

    como um todo.

    Em 1980, Pava (1980) agrupou as vises de planejamento adaptativo que

    atribuam um papel proeminente ao nvel normativo, mas defendiam uma

    adaptao ativa em duas principais linhas de sntese, denominadas pelo autor de

    Redesenho Normativo de Sistemas e Mudana no-Sinptica de Sistemas.

    A primeira linha rene o conjunto de abordagens mais influenciadas pelas

    caractersticas racionais-compreensivas, que tm o foco normativo aplicado ao

    sistema como um todo e esse reprojetado para se adequar aos novos valores

    explicitados por meio do planejamento em nvel estratgico e ttico. Os processos

    sinpticos caracterizam-se por adotarem procedimentos sistemticos explcitos e

    rigorosos e por serem analiticamente sequenciais e compreensivos. Nessa linha,

    so exemplos o Planejamento Normativo, proposto por Ozbekhan em 1971, e o

    Planejamento Interativo, proposto por Ackoff em 1969 (MELO, 1987).

    Ozbekhan (1973) definiu o planejamento como um ato de projetar as aes e

    modificar o objeto de uma forma previamente definida. Seu foco baseava-se nas

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  • 80

    ideias de problemtica, projeto e interveno na realidade, buscando o estado

    desejado. J o Planejamento Interativo baseava-se em trs princpios de operao:

    o princpio participativo, o princpio de continuidade e o princpio holstico.

    Ackoff (1979) acreditava no engajamento dos gerentes no processo de

    planejamento. O produto principal era exatamente o processo em si, o

    compromisso e a responsabilidade pelas estratgias definidas.

    A segunda linha de sntese, identificada por Pava, enfoca a adoo de

    procedimentos no sinpticos aliados necessidade de adaptao ativa, alm da

    preocupao normativa no nvel de valores. A Mudana no Sinptica dos

    Sistemas considera que mudanas incrementais tm a possibilidade de gerar

    transformaes globais no explcitas previamente e que a formulao aberta

    devido impossibilidade de definio de um estado final ntido a priori.

    Exemplificam essa linha o Planejamento Baseado em Interesse, proposto por

    Chevalier em 1969, a Abordagem da Escolha Estratgica, elaborada por Friend e

    Jessop em 1969, o Incrementalismo Articulado, proposto por Melo em 1977 e o

    Incrementalismo Normativo, advogado por Pava em 1980 (MELO, 1987). Pode-

    se acrescentar tambm a abordagem defendida por Quinn, denominada

    Incrementalismo Lgico (QUINN, 1978).

    No Planejamento Baseado em Interesse, Chevalier sintetizou teoricamente

    os elementos das abordagens compreensiva e incremental na tentativa de buscar a

    interao dos diferentes valores e interesses no contexto do processo de

    planejamento. O autor acentuou a necessidade de atuao em nvel normativo, por

    meio da participao dos vrios grupos de interesse atingidos pelas intervenes

    planejadas, redefinindo o problema original nas vrias fases do processo de

    formulao e implementao (MELO, 1987).

    O Incrementalismo Articulado (MELO, 1977), baseia-se em dois conceitos-

    chave:

    incremental, por advogar que mudanas devem ocorrer passo a passo,

    permitindo uma avaliao de cada ao realizada, a fim de identificar o prximo

    melhor passo. articulado, por requerer o estabelecimento de diretrizes que

    proporcionem os critrios sob os quais cada mudana incremental deva ser

    avaliada. Ele d uma direo geral que articula as aes realizadas (MELO,

    1979, p. 929).

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  • 81

    Para o desenvolvimento dessa abordagem, necessrio que haja uma tarefa

    articuladora, na qual os participantes se envolvam de maneira colaborativa, e um

    instrumento articulador, que fortalea e mantenha o grau de articulao atingido

    atravs da tarefa articuladora. Ela acentua a necessidade de desenvolver o

    processo de planejamento de forma integrada e coordenada (MELO, 1977; 1979).

    Quinn e Voyer (1994) advogam que os processos de mudana estratgica

    nas grandes organizaes bem administradas raramente lembram os sistemas

    racionais analticos descritos na literatura at ento. Na realidade, eles

    normalmente so fragmentados, evolucionrios e intuitivos. Segundo os autores,

    as decises estratgicas no podem ser agregadas em um nico modelo de

    deciso, com fatores tratados simultaneamente para alcanar uma soluo ideal.

    H limites cognitivos, mas tambm de processo. Analogamente ao

    Incrementalismo Articulado, o Incrementalismo Lgico, defendido por Quinn,

    pressupe que as mudanas tendem a se desenvolver de forma incremental, como

    subsistemas da atividade organizacional. Como no Incrementalismo Articulado, a

    cada mudana real do sistema, so feitas anlises lgicas que resultam em uma

    ao. A estrutura e a estratgia esto inter-relacionadas e impactam-se

    mutuamente, aperfeioando o processo (BELFORT-SANTOS, 1996).

    Desse modo, tanto a viso racional-compreensiva quanto a ideia de

    adaptao ativa permearam os conceitos de planejamento desde a sua origem. No

    entanto, ao longo do tempo, ntida a prevalncia do planejamento racional,

    analtico e formal, nos estudos de estratgia, sobretudo no campo terico

    (KNIGHTS; MORGAN, 1991; MINTZBERG, 1994), apesar das crescentes

    crticas a essa linha de pensamento (mesmo que ainda em magnitude menor do

    que a sua defesa). A esse respeito, Mintzberg et al. (2000) alegam que o campo da

    estratgia tornou-se mais ecltico nos anos 90, com outras escolas de pensamento

    ganhando relevncia tanto na academia quanto na prtica empresarial. No item

    seguinte apresentado um panorama das escolas de pensamento estratgico

    segundo o recorte dado por diversos autores.

    3.2.2. As Escolas de Pensamento Estratgico

    De todas as abordagens conceituais de estratgia, a que esteve mais em voga

    nos anos 70 foi o Planejamento Estratgico. Ele foi duramente criticado no incio

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  • 82

    dos anos 80, mas voltou a ser utilizado como ferramenta gerencial no final dessa

    mesma dcada (WILSON, 1994). Seguindo uma linha racional de definio de

    objetivos, sua metodologia diferencia-se do planejamento a longo prazo na sua

    viso em relao ao futuro. Enquanto no planejamento a longo prazo acreditava-se

    que o futuro poderia ser previsto a partir da extrapolao do comportamento

    passado, no planejamento estratgico admitia-se que o ambiente estava cada vez

    mais sujeito a acentuadas inconstncias e descontinuidades e que o futuro no

    seria necessariamente um prolongamento do passado (ANSOFF, 1993).

    No planejamento estratgico, era feita e ainda uma anlise das

    perspectivas da empresa, avaliando-se o ambiente contextual e nele as tendncias

    e as descontinuidades que poderiam alterar as seqncias histricas (ANSOFF,

    1993). Para lidar com as diversas hipteses de futuro, agregou-se ao planejamento

    estratgico a abordagem de construo de cenrios (GODET, 1993;

    MINTZBERG et al., 2000), vista no captulo anterior. No entanto, na literatura

    mais recente, o uso de cenrios frequentemente enquadrado nas abordagens que

    tratam do aprendizado organizacional e do planejamento como um instrumento

    para o aprendizado (DE GEUS, 1988; VAN DER HEIJDEN, 1996; 1997;

    RAMREZ; SELSKY; VAN DER HEIDEN, 2008).

    Segundo Taylor (1984), na dcada de 70, a prtica de planejamento

    estratgico amadureceu e desenvolveu-se em resposta s presses externas e

    internas sobre os negcios. O que comeou como um sistema nico baseado em

    um modelo simples de resoluo de problemas evoluiu posteriormente para um

    amplo espectro de filosofias e tcnicas desenvolvidas para ajudar os altos

    executivos a construrem organizaes que se adaptassem s rpidas mudanas no

    ambiente. Cada estilo de planejamento tem uma filosofia e seguidores prprios,

    alm de ferramentas que proveem administrao de condies para orientar seus

    negcios.

    De acordo com o autor, os principais estilos de planejamento estratgico,

    surgidos nos anos 70 e incio dos anos 80, so: (a) o Sistema de Controle Central,

    enfocando o planejamento como um sistema de aquisio e alocao de recursos;

    (b) a Estrutura para a Inovao, na qual o planejamento proporciona uma

    estrutura para a gerao de novos produtos e novos processos e a entrada em

    novos mercados e novos negcios; (c) a Administrao Estratgica, na qual o

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  • 83

    planejamento deve referir-se no apenas formulao de estratgia, mas tambm

    ao desenvolvimento de compromissos, habilidades e talentos requeridos para a

    implementao de estratgias; (d) o Planejamento Poltico, no qual o

    planejamento visto como um processo de resoluo de conflitos entre grupos de

    interesse e organizaes internas e externas aos negcios; e (e) a Investigao do

    Futuro (Futures Research), que considera o planejamento como a explorao e

    criao do futuro. Nesse caso, como o futuro no pode ser previsto, os tomadores

    de deciso deveriam avaliar conscientemente as incertezas e, ento, desenvolver e

    trabalhar uma viso do futuro (TAYLOR, 1984).

    Taylor advoga que pequenas e mdias empresas podem adotar apenas um

    estilo de planejamento em geral, um sistema de controle de alocao de recursos

    ou uma estrutura para gerao de inovao mas grandes empresas necessitaro

    adotar a maioria desses estilos, seno todos.

    Segundo Mintzberg (1994), h uma grande confuso entre planejamento

    estratgico e pensamento estratgico e poucas pessoas entendem a diferena

    fundamental. Para o autor, o primeiro significa anlise e o segundo sntese. Desse

    modo, o pensamento estratgico deve ser a sntese do aprendizado gerencial,

    incluindo tanto os insights pessoais dos gerentes da organizao quanto as

    informaes hard sobre produtos e mercados.

    Mintzberg e seus colegas advogam que o Planejamento Estratgico apenas

    uma entre dez escolas de pensamento estratgico, cujas partes formam o grande

    animal da formulao de estratgia (MINTZBERG et al., 2000). Os autores

    defendem a tese de que cada uma dessas partes constitui um novo olhar sobre a

    estratgia e sua forma de concepo.

    As dez escolas delineadas esto divididas em trs agrupamentos. O primeiro

    rene trs escolas de natureza prescritiva: (1) a Escola do Design, na qual a

    estratgia formulada como um processo de concepo; (2) a Escola do

    Planejamento, na qual a estratgia concebida a partir de um processo formal e

    racional; e (3) a Escola do Posicionamento, na qual um processo analtico

    realizado para moldar a estratgia.

    Segundo os autores, a Escola do Design, j citada, constituiu a base na qual

    as outras duas foram formadas, enfatizando um processo informal de formulao

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  • 84

    da estratgia; enquanto a Escola do Planejamento constitua um processo formal e

    sistemtico do planejamento, na qual os autores enquadram o termo Planejamento

    Estratgico, analisando-o na sua forma mais pura e admitindo alguns

    aprimoramentos mais recentes como o Planejamento sob Cenrios e o Controle

    Estratgico (MINTZBERG et al., 2000).

    Elemento comum dessas escolas, a anlise dos ambientes interno e externo

    ainda amplamente utilizada nos processos de planejamento estratgico, servindo

    de base para a formulao da estratgia. Por fazer parte dos mtodos de avaliao

    estratgica propostos no Modelo Integrador, a interao entre os elementos

    internos e externos organizao ser detalhada no subitem 3.2.3.1.

    A terceira escola prescritiva, chamada de Escola de Posicionamento, ganhou

    notoriedade nos anos 80, focalizando sua ateno na anlise e seleo de posies

    estratgicas no mercado. Alm da preocupao com o processo, muito se produziu

    sobre o contedo da estratgia, baseando-se na economia, na organizao

    industrial e nas estratgias de guerra. Mintzberg et al. (2000) agrupam nessa

    escola Sun Tzu, autor do tratado The Art of War escrito h aproximadamente

    dois mil e quinhentos anos (400 a. C) , os consultores do BCG (Boston

    Consulting Group) e o seu mais notvel defensor, Michael Porter.

    Porter , sem dvida, o autor mais conhecido no campo da anlise

    estratgica. Sua pesquisa gira em torno do conceito de vantagem competitiva e da

    anlise dos setores industriais nos quais a empresa est operando (BUJ, 2004). O

    modelo das cinco foras competitivas, criado pelo autor em 1980, no livro

    Competitive Strategy, at hoje, trs dcadas depois, amplamente utilizado na

    anlise do relacionamento das empresas com o seu ambiente competitivo. Esse

    modelo tambm ser incorporado na proposta de integrao da anlise prospectiva

    e da estratgia desenvolvida nesse trabalho. Por esse motivo, ele ser descrito

    brevemente no subitem 3.2.3.2.

    Analisando as trs escolas prescritivas, elas so geralmente retratadas em

    conjunto na literatura ou como uma evoluo de abordagens, compondo uma linha

    de planejamento classificada como estratgica (TAYLOR, 1984), racional

    (IDENBURG, 1993), ou clssica (WHITTINGTON, 2006).

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  • 85

    Na identificao das dez escolas de pensamento estratgico elencadas por

    Mintzberg et al. (2000), seis delas so classificadas como descritivas e esto

    reunidas em um segundo agrupamento: (1) a Escola Empreendedora, na qual a

    estratgia surge a partir de um processo visionrio do lder principal; (2) a Escola

    Cognitiva, na qual a estratgia advm do processo mental do estrategista; (3) a

    Escola de Aprendizado, que preconiza que a estratgia emerge em passos curtos,

    medida que a organizao se adapta; (4) a Escola do Poder, na qual a estratgia

    fruto de um processo de negociao; (5) a Escola Cultural, que enfoca um

    processo coletivo e cooperativo na formao da estratgia; e (6) a Escola

    Ambiental, na qual a organizao evolui em reao s mudanas no ambiente,

    fazendo as estratgias emergirem como um processo reativo (MINTZBERG et al.,

    2000).

    A Escola Empreendedora centraliza o processo de criao de estratgia no

    lder e incentiva processos mentais como a intuio, a sabedoria e a viso de

    futuro por ele concebida. Essa escola tem origem na economia e seus principais

    conceitos vm de Schumpeter na dcada de 50, que colocou o empreendedor em

    evidncia na teoria econmica. Mais recentemente, a literatura fala dos conceitos

    de liderana e de personalidade empreendedora nas autobiografias de grandes

    executivos. Mas se a estratgia pode ser uma viso pessoal, ela seria formulada na

    mente de um indivduo, dando margem aos princpios da Escola Cognitiva, que

    considera a psicologia cognitiva para compreender a mente do estrategista.

    Embora os autores considerem essa uma escola de pensamento, eles mesmos

    admitem que muitos outros a analisam junto com outras escolas, como a de

    posicionamento sobre cognio relacionada a grupos estratgicos (MINTZBERG

    et al., 2000).

    Para a Escola de Aprendizado, o mundo complexo demais para que as

    estratgias sejam desenvolvidas de uma s vez, como planos ou vises claros.

    Portanto, a estratgia deve emergir em passos curtos, medida que a organizao

    aprende ou se adapta. Mintzberg et al. (2000) sinalizam o incio dessa escola

    no final dos anos 50 e incio da dcada de 60, com o Incrementalismo Disjunto e o

    Incrementalismo Lgico, citados, e sua evoluo ficou a cargo de autores como o

    prprio Mintzberg, Cyert, March, Richard Normann, Chris Argyris, Donald

    Schn, Peter Senge, Hamel e Prahalad. Na escola de Aprendizado, podem ser

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  • 86

    includos ainda outros autores como Arie de Geus (1988), Pierre Wack (1985a,

    1985b), Peter Schwartz (1993, 1998), e Kees van der Heijden (1996), que

    discutem o planejamento sob cenrios em uma perspectiva de aprendizado.

    A Escola do Poder considera a negociao entre grupos de interesse dentro

    da organizao ou entre essa e seu contexto como fonte geradora da estratgia.

    Essas discusses surgiram no final dos anos 70, com MacMillan, Sarrazin,

    Pettigrew, Bower e Davis. Na sua evoluo, as estratgias que caminham alm das

    fronteiras das organizaes, dentro de redes, como parcerias, alianas e

    terceirizao estratgicas so consideradas pelos autores como ligados ao poder e

    negociao e tem em Astley um dos seus autores. J a Escola Cultural preconiza

    que a formulao de estratgia est enraizada na cultura da organizao e,

    portanto, um processo fundamentalmente coletivo e cooperativo; enquanto a

    Escola Ambiental enfatiza que a formulao de estratgia uma reao a uma

    iniciativa que est no seu contexto externo (MINTZBERG et al., 2000).

    Inserida na Escola do Poder, a anlise das partes interessadas na organizao

    os seus stakeholders constitui uma tentativa de mapear as foras polticas que

    interferem na estratgia da empresa por meio de uma abordagem racional

    (MINTZBERG et al., 2000). Essa anlise tambm ser incorporada no Modelo

    Integrador proposto neste trabalho. Portanto, cabe descrever brevemente, no

    subitem 3.2.3.3, o mtodo de anlise de stakeholders a ser utilizado.

    Finalizando o mapeamento das dez escolas de pensamento estratgico, os

    autores classificaram uma nica escola como de carter tanto descritivo quanto

    prescritivo a Escola de Configurao na qual o processo de formulao de

    estratgias, seu contedo, as estruturas organizacionais e seus contextos so

    agrupados para descrever um processo de transformao organizacional que

    comporta vrias abordagens ao longo do ciclo de vida das organizaes. Entre os

    autores dessa escola, esto Khandwalla, Miller e Mintzberg (final dos anos 70) e

    Miles e Snow.

    Todas essas escolas ou abordagens (algumas talvez no possam ser

    consideradas escolas de pensamento estratgico) podem ser encontradas na

    literatura e na prtica das organizaes. Por vezes, esto classificadas de outra

    forma ou, ento, algumas delas so encontradas incorporadas a outras. No entanto,

    constituem formas ou ngulos especficos sob os quais se pode analisar os

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  • 87

    distintos processos de gerao de estratgia desde o seu nascimento. Em uma

    escala temporal, algumas delas esto representadas na Figura 15 segundo os seus

    nveis de publicao acadmica.

    1. Design School

    1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000

    Ativid

    ad

    e (vo

    lum

    e d

    e p

    ub

    lica

    es e

    ate

    n

    o d

    en

    tro

    da

    ad

    min

    istr

    a

    o e

    str

    at

    gic

    a)

    2. Planejamento

    3. Posicionamento

    4. Empreendedora

    5. Aprendizado

    6. Configurao

    1

    3

    2

    4

    5

    6

    Figura 15 Evoluo de Escolas de Pensamento Estratgico.

    Fonte: Adaptado de MINTZBERG ET AL., 2000, p. 258.

    Em outro corte sobre o processo de formulao de estratgia, Idenburg

    (1993) identifica duas dimenses fundamentais que permeiam vrias escolas em

    graus variados de relevncia: a orientao para o resultado - produto, o que? - e a

    orientao para o processo - metodologia, como? -, como mostra a Figura 16.

    Incrementalismo

    Lgico

    Aprendizagem

    Estratgica

    Planejamento

    Racional

    Estratgias

    Emergentes

    Orientao para objetivos (o Que?)

    Ori

    en

    ta

    o

    pa

    ra P

    roc

    es

    so

    (C

    om

    o?

    )

    Forte

    Fo

    rte

    Fraca

    Fra

    ca

    Figura 16 Quatro Vises do Processo de Formulao de Estratgia

    Fonte: IDENBURG, 1993, p. 133.

    Na classificao de Idenburg (1993), a Escola de Aprendizado, identificada

    por Mintzberg et al. (2000), est dividida em trs: o Incrementalismo Lgico,

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  • 88

    defendido por Quinn, teria forte orientao tanto para o produto, em um horizonte

    de prazos mais curtos, quanto para o processo; enquanto que a Aprendizagem

    Estratgica, defendida por Chris Argyris, Pierre Wack, Arie de Geus, Peter

    Schwartz e Peter Senge, e o Modelo das Estratgias Emergentes, defendido por

    Mintzberg, tm ambas uma fraca orientao para o produto (objetivos) e

    diferenciam-se na orientao para o processo.

    Para discutir o processo de evoluo da estratgia, Whittington (2006) fez

    um corte ainda mais estreito, considerando o contedo dos resultados, se voltados

    para o lucro ou mais plurais, e a orientao dos processos, se deliberados ou

    emergentes. Nessa classificao, apresentada na Figura 17, so consideradas

    quatro abordagens genricas de estratgia: Clssica, Evolucionria, Processual e

    Sistmica.

    Maximizao dos Lucros

    Plurais

    Resultados

    De

    libe

    rad

    os

    Pro

    cesso

    s

    Em

    erg

    en

    tes

    Clssica

    Sistmica Processual

    Evolucionria

    Figura 17 Perspectivas Genricas de Estratgia.

    Fonte: Whittington, 2006, p. 3.

    Na abordagem Clssica, a permanncia e o sucesso das empresas so

    obtidos pela maximizao dos lucros e eles s podem ser alcanados por

    intermdio de aes planejadas e formuladas com base na aplicao de

    ferramentas analticas formais (Whittington, 2006). Para Chandler (1962), um dos

    precursores dessa abordagem, as decises estratgicas dizem respeito sade de

    longo prazo da empresa e so aquelas que influenciam a sua alocao de recursos.

    Essa abordagem aproxima-se tanto do Planejamento Racional, definido por

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  • 89

    Idenburg (2003), quanto abrange as trs escolas prescritivas classificadas por

    Mintzberg et al. (2000): o Design, o Planejamento e o Posicionamento.

    A abordagem Sistmica tem em comum com a abordagem clssica o carter

    deliberativo do processo de concepo de estratgia. No entanto, a perspectiva

    sistmica prope que os objetivos e as prticas da estratgia dependam do sistema

    social no qual o processo de desenvolvimento de estratgia est inserido. Os

    tericos sistmicos ressaltam que as razes por trs das estratgias so peculiares

    a determinados contextos sociolgicos (Whittington, 2006). Desse modo, esse

    atributo a aproxima da Escola Cultural, mencionada.

    Em contraponto abordagem clssica no tocante aos processos, mas

    tambm focalizando o lucro, a abordagem Evolucionria apia-se na metfora da

    evoluo biolgica. Para Makridakis e Hau (1987), a questo principal a

    competio em um ambiente adverso, na qual vencem os organismos que melhor

    se adaptam ao ambiente. Assim, uma organizao sobrevive apenas se obtiver

    sucesso na adaptao de seus recursos s mudanas no contexto, objetivando a

    maximizao do lucro. Os evolucionistas afirmam que a estratgia deliberada e

    orientada para o futuro freqentemente irrelevante, visto que o ambiente

    tipicamente implacvel e imprevisvel para se faam previses eficazes

    (Whittington, 2006). Essa abordagem, portanto, faz uso dos elementos essenciais

    da Escola Ambiental, citada.

    A quarta abordagem Processual aproxima-se da abordagem

    evolucionria no modo pelo qual as estratgias so desenvolvidas, mas ctica

    quanto ao princpio da sobrevivncia. Segundo Mintzberg (1987a, 1987b), as

    estratgias emergem a partir da tomada de deciso diria, traduzindo padres que

    vo se formando a partir do reconhecimento de aes convergentes. Para o autor,

    na prtica, a estratgia emerge mais de um processo pragmtico de aprendizado e

    comprometimento do que de uma srie racional de passos a serem seguidos

    (MINTZBERG, 1994), assemelhando-se com a classificao de Mintzberg et al.

    (2000) para a Escola de Aprendizado.

    Como visto, o estudo acadmico sobre a prtica da estratgia busca

    classific-la sob diferentes perspectivas por autores como Pava (1980), Taylor

    (1984), Mintzberg et al. (2000), Idenburg (1993) e Whittington, (2006). Com

    cortes extensos em amplitude porm agregados como o de Taylor, ou

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  • 90

    excessivamente detalhados, como definem Mintzberg et al., ou ainda mais

    estreitos como o de Idenburg e Whittington, possvel entender as diversas

    nuances no processo de desenvolvimento de estratgia nos ltimos 40-50 anos.

    Nesses processos, algumas das ferramentas de anlise estratgica bastante

    utilizadas nas empresas esto descritas a seguir.

    3.2.3. Ferramentas de Anlise Estratgica

    A formulao das estratgias geralmente precedida, nos processos de

    planejamento, pela utilizao de diversas ferramentas de anlise estratgica, que

    permitem no s avaliar o ambiente interno e externo organizao como tambm

    identificar oportunidades, desafios e ameaas para a organizao nesses

    ambientes. Essas anlises facilitam a definio de estratgias especficas

    focalizadas na captura de oportunidades, na superao de dificuldades ou na

    potencializao da interao da empresa com outras entidades presentes no seu

    ambiente transacional. Trs dessas ferramentas esto descritas nos subitens

    seguintes por serem sugeridas no Modelo Integrador proposto.

    3.2.3.1. Anlise SWOT Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threats

    A anlise SWOT consiste em um mtodo de avaliao sistmica que busca

    visualizar os efeitos do conjunto de interaes entre os fatores internos foras e

    fraquezas (strenghts and weaknesses, na sigla em ingls) e externos

    oportunidades e ameaas (opportunities and threats) organizao.

    A ampla utilizao do conceito presente na SWOT, inicialmente considerado

    apenas para a identificao e anlise qualitativa do conjunto de pontos fortes e

    fracos e de oportunidades e ameaas, possibilitou o desenvolvimento

    metodolgico de abordagens de interao entre esse elementos que pudessem

    levar formulao de estratgias. Nesse sentido, Weihrich props, no incio da

    dcada de 80, represent-los em forma de matriz, cujas possibilidades de

    combinao levariam a diferentes opes estratgicas. (WEIHRICH, 1982;

    KOONTZ; WEIHRICH; CANNICE, 2009).

    Para Weihrich, a anlise sistmica da Matriz SWOT pode levar a quatro

    diferentes tipos de estratgia, como mostra a Figura 18: estratgias maxi-maxi,

    que combina pontos fortes com oportunidades; estratgias mini-maxi, que

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  • 91

    considera pontos fracos com oportunidades; estratgias maxi-mini, que associa

    pontos fortes com ameaas; e estratgias mini-mini, que lidam com pontos fracos

    e ameaas.

    Uma outra abordagem bem mais sofisticada foi desenvolvida por Claudio

    Porto, fundador da Macroplan - Prospectiva, Estratgia e Gesto, em 1991, para

    utilizao no processo de planejamento estratgico do Servio de Engenharia da

    Petrobras (PETROBRAS/SEGEN, 1991).

    Embora desenvolvida h duas dcadas, essa abordagem, que busca

    quantificar a interao entre foras e fraquezas com oportunidades e ameaas foi

    formalizada em uma publicao cientfica apenas em 2010, descrita na

    monografia elaborada por Tostes (2010) e agora neste trabalho. Antes disso, os

    textos conceituais referentes Matriz de Avaliao Estratgica, assim denominada

    por Porto, compem o acervo de metodologias da Macroplan, elaboradas

    exclusivamente para utilizao em processos de planejamento estratgico dos seus

    clientes.

    Fatores Externos

    Fatores Internos

    Pontos fortes internos (S)

    Em administrao, operaes,

    finanas, marketing, P&D,

    engenharia

    Pontos fracos internos (W)

    Em administrao, operaes,

    finanas, marketing, P&D,

    engenharia

    Oportunidades externas (O)

    Condies econmicas atuais e

    futuras; mudanas polticas e sociais;

    novos produtos, servios e tecnologia

    Estratgia SO: maxi-maxi

    Potencialmente a estratgia mais

    bem sucedida, utilizando os pontos

    fortes da organizao para aproveitar oportunidades

    Estratgia WO: mini-maxi

    Como estratgia de desenvolvimento para superar

    pontos fracos para aproveitar oportunidades

    Ameaas externas (T)

    Falta de energia, concorrncia,

    condies econmicas, mudanas

    polticas e sociais, produtos, servios

    e tecnologia

    Estratgia ST: maxi-mini

    Uso de pontos fortes para enfrentar

    ou evitar ameas

    Estratgia WT: mini-mini

    Parada temporria das operaes,

    fechamento ou investimento

    conjunto para minimizar pontos fracos e ameaas

    Figura 18 Matriz SWOT para a Formulao de Estratgias segundo Weihrich.

    Fonte: KOONTZ; WEIHRICH; CANNICE, 2009, p. 139.

    A anlise SWOT desenvolvida por Porto localiza, nas linhas da matriz, as

    foras e fraquezas da organizao e, nas colunas, as oportunidades e ameaas

    identificadas para a organizao em um determinado cenrio (MACROPLAN,

    2007). Esse mtodo foi inspirado em outra tcnica de interao de variveis a

    Anlise Estrutural, apresentada no Anexo II.

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  • 92

    Elaborada a matriz, o prximo passo consiste na colocao de uma questo

    para cada combinao i,j formada, como segue:

    (a) Quadrante I: interao das Foras com Oportunidades (FO) - com

    que intensidade a Fora "Fi" auxilia a Companhia a capturar a

    Oportunidade "Oj"?;

    (b) Quadrante II: interao das Foras com Ameaas (FA) - com que

    intensidade a Fora "Fi" auxilia a Companhia a neutralizar ou

    minimizar o impacto da Ameaa "Aj"?;

    (c) Quadrante III: interao das Fraquezas com Oportunidades (fO) -

    com que intensidade a Fraqueza "fi" dificulta a Companhia a

    capturar a Oportunidade "Oj"?;

    (d) Quadrante IV: interao das Fraquezas com Ameaas (fA) - com que

    intensidade a Fraqueza "fi" acentua o impacto da Ameaa "Aj" sobre

    a Companhia?

    Para cada resposta, preciso estabelecer um peso (sistema de ponderao

    das interaes) que varia de 0 - nenhuma intensidade, 1 - intensidade mdia e 2 -

    intensidade alta4. Preenchida a matriz, a etapa seguinte constitui-se no clculo do

    somatrio das colunas e das linhas, conforme apresentado na Figura 19.

    Alm disso, possvel calcular a densidade de cada Quadrante, utilizando-se

    a seguinte frmula:

    d Q i = ( Pontos Obtidos Q i / Pontos Possveis5 em Qi) x 100

    Desse modo, so calculadas a:

    a) densidade de Q I (dQI), que representa as potencialidades de atuao

    ofensiva da organizao (FO);

    b) densidade de Q II (dQII), que contabiliza a capacidade defensiva

    (FA) da empresa;

    4 Escalas mais amplas j foram testadas no preenchimento da matriz com grupos diversos e em setores

    distintos: 0, 1, 2 e 3; 1, 2, 3 e 4. No entanto, os resultados obtidos foram muito semelhantes aos realizados

    com esta escala simplificada (0, 1 e 2), alm dessa ltima gerar menos dvidas e divergncias entre os

    membros do grupo.

    5 Os pontos possveis referem-se resposta mxima (intensidade 2) em todas as questes.

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  • 93

    c) densidade de Q III (dQIII), que demonstra as debilidades da

    organizao para atuar ofensivamente (fO); e

    d) densidade de Q IV (dQIV), que evidencia as vulnerabilidades

    empresariais (fA).

    Matriz de Avaliao

    Estratgica

    Instituio X

    Oportunidades Ameaas

    1.Amplia-o do mercado em funo da criao de blocos comerciais

    2.Aumen-to da preocu-pao com questes socioam-bientais

    3.Surgi-mento de polticas pblicas favor-veis indstria

    1.Acirra-mento da concor-rncia

    2.Vola-tilidade cambial

    3. Entraves sist-micos compe-titividade

    F

    Fora

    1.Excelente corpo gerencial

    1 2 1 1 2 2 9

    2.Alta capacidade de produo

    2 2 1 0 1 0 6

    3.Bom relacionamento com fontes de financiamento

    0 0 2 0 2 1 5

    F

    Fraq.

    1.Gesto financeira debilitada

    0 2 0 0 0 1 3

    2.Quadro de pessoal pouco ativo e desatualizado

    1 0 2 2 0 0 5

    3.Processo decisrio muito centralizado

    1 2 0 1 2 1 7

    Forcas - Fraquezas 1 0 2 -2 3 1

    Figura 19 Matriz de Avaliao Estratgica - Exemplo.

    Fonte: Macroplan, 2007, p. 3.

    Para o exemplo citado, a densidade de cada Quadrante totaliza: Q I = 61%,

    Q II = 50%, Q III = 44% e Q IV = 39%.

    Adicionalmente, tambm possvel calcular:

    (a) a capacidade ofensiva, que indica o potencial de captura de

    oportunidades, considerando as foras e fraquezas da organizao:

    dQI - dQIII;

    (b) a capacidade defensiva, que indica a capacidade de neutralizao

    de ameaas, em virtude das foras e fraquezas: dQII - dQIV); e

    (c) o posicionamento estratgico global, que resulta da interao

    conjunta dos quatro quadrantes dQI + dQII - dQIII - dQIV.

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  • 94

    Essas anlises permitem uma srie de interpretaes que podem auxiliar a

    formulao de estratgias, explorando os quatro fatores: oportunidades, ameaas,

    foras e fraquezas da organizao.

    As densidades dos Quadrantes, por exemplo, permitem avaliar as chances e

    os riscos da empresa em adotar uma atuao mais agressiva ou mostram a

    necessidade da organizao de realizar movimentos mais defensivos.

    semelhana de Weihrich, considerando a anlise qualitativa das interaes de

    foras e fraquezas versus oportunidades e ameaas, Allison e Kaye (2005),

    sugerem que a anlise dos quadrantes pode indicar reas nas quais se deve

    investir, acionar defesas, tomas decises em relao a captura ou no de

    oportunidades ou controlar os riscos e impactos das ameaas, conforme descrito

    na Figura 20.

    Oportunidades Ameaas

    Fo

    ra

    s INVESTIR

    Uma clara combinao de foras e oportunidades leva a uma vantagem comparativa da organizao sobre as

    demais

    DEFENDER

    reas de ameaas combinadas com reas de foras indicam a necessidade da organizao em mobilizar recursos

    para bloquear as ameaas

    Fra

    qu

    eza

    s

    DECIDIR

    reas de oportunidade combinadas com reas de fraqueza indicam a necessidade do

    uso de julgamento: investir ou no nas oportunidades; associar-se

    CONTROLE DE RISCOS/DESINVESTIR

    reas de ameaa combinadas com reas de fraqueza indicam a

    necessidade de controle de riscos ou de desinvestimentos

    Figura 20 Tipos de Estratgia por Quadrante.

    Fonte: Macroplan, 2007, p. 5, com base em Allison e Kaye (2005, p. 105).

    Mas talvez estejam nas anlises pontuais as maiores contribuies para a

    formulao de estratgias. Pelo modelo desenvolvido por Porto, possvel

    identificar, com os somatrios das linhas e das colunas, as foras e fraquezas mais

    importantes, as oportunidades com maior facilidade de captura pela organizao e

    as ameaas as quais a organizao est mais exposta.

    Nesse sentido, o somatrio das linhas da matriz d um indicador da

    motricidade de cada fora ou fraqueza, permitindo a identificao das foras

    mais atuantes e das fraquezas mais prejudiciais em face das oportunidades e das

    ameaas extradas do cenrio analisado. J o somatrio das colunas fornece

    indicadores que identificam as oportunidades mais (e menos) acessveis e as

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  • 95

    ameaas mais (e menos) impactantes nesse mesmo cenrio, considerando as

    foras e fraquezas atuais identificadas. Dessa forma, no campo das oportunidades,

    quanto mais positivo for o nmero associado a uma dada oportunidade, mais

    acessvel ela ser. No caso das ameaas, quanto mais positivo for o nmero

    associado a uma dada ameaa, mais a organizao encontra-se protegida, e quanto

    mais negativo, mais a organizao estar exposta (MACROPLAN, 2007).

    Desse modo, no exemplo da Figura 19, tem-se:

    a fora mais atuante: 1. Excelente corpo gerencial;

    a fraqueza mais prejudicial: 3.Processo decisrio muito centralizado;

    a oportunidade mais acessvel: 3.Surgimento de polticas pblicas

    favorveis indstria; e

    a ameaa mais impactante para a organizao: 1.Acirramento da

    concorrncia.

    Com a identificao desses pontos, a formulao de estratgias especficas

    para a captura de oportunidades ou para defender-se dos impactos das ameaas

    torna-se mais simples e imediata.

    No entanto, cabe a ressalva de que o preenchimento da Matriz de Avaliao

    Estratgica por um grupo de pessoas visa objetivar a percepo qualitativa desse

    grupo por meio da quantificao das interaes, uma a uma, dos elementos

    dispostos na matriz. Essa objetivao tem por finalidade, alm da identificao

    dos elementos mais relevantes da matriz, a facilitao da formulao estratgica,

    sem pretender, contudo, substituir o processo decisrio soberano do gestor

    (TOSTES, 2010). Adicionalmente, tal qual a utilizao de outras ferramentas

    dessa natureza, os resultados apresentados representam a avaliao de

    determinado grupo de profissionais sobre a interao dos ambientes interno e

    externo organizao no momento da avaliao. Esses resultados sero,

    provavelmente, distintos quando a avaliao for realizada por outro grupo de

    pessoas da mesma organizao ou em outro perodo de tempo.

    Desde a sua aplicao no incio da dcada de 90, esse mtodo de anlise

    SWOT tem sido aplicado no planejamento estratgico baseado em cenrios de

    inmeras organizaes brasileiras, em setores econmicos os mais diversos, desde

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  • 96

    o setor energtico (ex: Petrobras), passando por setores de formao profissional

    (ex: Sistema S) e superior (diversas universidades privadas brasileiras), e de

    instituies lidadas P&D (ex: FINEP, INPI, Embrapa).

    3.2.3.2. Anlise da Estrutura da Indstria

    Para Michael Porter (1991), a lucratividade obtida por determinada empresa

    est intimamente ligada estrutura da indstria na qual ela est inserida e dentro

    da indstria que se constroem as regras competitivas. O autor argumenta que o

    grau de concorrncia em uma indstria vai alm do comportamento dos atuais

    concorrentes; ele depende de cinco foras competitivas bsicas, apresentadas na

    Figura 21: (a) ameaa de entrantes potenciais, (b) poder de negociao dos

    fornecedores, (c) poder de negociao dos compradores, (d) ameaa de produtos

    substitutos e (d) rivalidade entre os concorrentes.

    ConcorrentesNa indstria

    Rivalidade entreEmpresas

    existentes

    Substitutos

    Ameaa de Servios ouProdutos Substitutos

    Compradores

    Poder de Negociao dosCompradores

    Fornecedores

    Entrantes

    Potenciais

    Ameaa de Novos Entrantes

    Poder de Negociao dos Fornecedores

    Figura 21 Modelo das Cinco Foras Competitivas

    Fonte: PORTER (1991, p. 23).

    De acordo com Porter, a compreenso das regras da concorrncia permite o

    posicionamento estratgico da empresa dentro da indstria de modo que os seus

    recursos ofeream defesa contra as foras competitivas e influenciem no

    equilbrio das demais foras. O desafio est em encontrar uma posio dentro da

    indstria onde a companhia possa melhor defender-se das foras ou influenci-las

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0611777/CA

  • 97

    a seu favor. Desse modo, para dimensionar a intensidade de cada uma dessas

    foras, preciso avaliar seus determinantes estruturais (PORTER, 1991).

    A ameaa de entrantes potenciais to mais forte quanto menor for a

    barreira entrada de novos players em determinada indstria e no mercado

    considerado. Novos entrantes trazem, geralmente, para a indstria novas

    capacidades, recursos e a pretenso de obter market share. Para tanto, constumam

    atuar mais agressivamente. Entre os determinantes do nvel de barreira entrada

    de novos players esto: economia de escala, diferenciao do produto e da marca,

    necessidade de capital, custos de mudana dos consumidores, acesso aos canais de

    distribuio, vantagens j obtidas pelas empresas estabelecidas, polticas

    governamentais restritivas entrada de novos atores e possibilidades de forte

    retaliao das empresas atuais.

    Os fornecedores mais poderosos da indstria em um mercado especfico

    exercem influncia sobre os demais atores por meio da ameaa de elevao dos

    preos ou de reduo na qualidade dos bens e servios oferecidos. Dentre os

    fatores que determinam o poder de negociao dos fornecedores esto o grau de

    concentrao destes, a inexistncia de insumos substitutos, a relevncia dos seus

    insumos para os clientes, os altos custos de mudana de fornecedor por parte dos

    clientes e a ameaa concreta de que o fornecedor faa uma integrao jusante na

    cadeia.

    J os compradores (clientes) detm o poder quando esto fortemente

    concentrados, realizam volumes elevados de compra, compram produtos

    padronizados que independem de fornecedores especficos, possuem informaes

    privilegiadas sobre o fornecedor e podem apresentar uma ameaa concreta de

    integrao montante. Quando boa parte dessas condies so satisfeitas, os

    clientes podem barganhar preos menores, mais qualidade ou servios adicionais,

    limitando a rentabilidade da indstria.

    Produtos substitutos so aqueles que desempenham a mesma funo do

    produto de determinada empresa. Eles reduzem os retornos potenciais de uma

    indstria ao fixar um teto para os preos, a partir do qual torna-se mais

    interessante substituir o produto. Quanto mais atrativa a alternativa preo-

    desempenho oferecida pelos produtos substitutos, maior ser a presso sobre os

    lucros da indstria. Entre os determinantes da possibilidade de substituio de

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0611777/CA

  • 98

    produtos esto o baixo custo ou a propenso mudana por parte do consumidor

    e a possibilidade de apresentar a melhor relao benefcio-preo.

    Por fim, os concorrentes alteram a estrutura industrial ao competirem por

    uma posio mais privilegiada no mercado. O grau de rivalidade da concorrncia

    depende de fatores tais como concorrentes numerosos e relativamente estveis,

    crescimento lento da indstria, ausncia de diferenciao ou de custos de

    mudana, custos fixos ou de armazenamento altos, necessidade de grandes

    aumentos de capacidade e barreiras de sada elevadas.

    Ao rediscutir seu modelo, em 2008, Porter reitera as cinco foras definidas e

    rebate crticas recorrentes ao modelo referentes necessidade do governo ser uma

    sexta fora. Para o autor, a melhor maneira de entender a influncia do governo

    sobre a competio analisar o efeito de polticas pblicas especficas sobre as

    cinco foras competitivas e argumenta que o envolvimento do governo no

    inerentemente bom nem mau para a rentabilidade do setor (PORTER, 2008).

    Outra crtica comum no modelo de anlise da estrutural da indstria est

    baseada no carter esttico dessa anlise. A esse respeito, Porter ressalta que a

    estrutura de um setor relativamente estvel e que, na prtica, mudanas

    significativas em sua rentabilidade so pouco frequentes ao longo do tempo. No

    entanto, o autor reconhece que a estrutura de um setor est constantemente

    passando por ajustes modestos e que, por vezes, pode mudar abruptamente. Desse

    modo, til investigar as possibilidades de mudana na estrutura do setor

    estudado e, se for o caso, nas intensidades das cinco foras, avaliando as

    implicaes para a estratgia.

    3.2.3.3. Anlise de Stakeholders

    O termo stakeholders foi introduzido na literatura por Freeman (1984) no

    livro Strategic Management: a Stakeholders Approach para caracterizar

    indivduos, grupos ou organizaes que podem afetar ou serem afetados pela

    realizao dos objetivos da empresa. Em funo dessa interao mtua, cada

    stakeholder possui interesse nas aes da organizao e essa, reciprocamente,

    demanda apoio desses atores para realizar com sucesso as suas intenes.

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  • 99

    De acordo com o autor, para considerar os stakeholders no processo de

    formulao de estratgia, alguns passos so fundamentais. Aps a identificao

    dos stakeholders, preciso analisar o comportamento de cada um deles em

    relao a cada questo estratgica, que pode variar de potencial cooperativo a

    ameaa competitiva, e buscar uma explicao lgica que fundamente esse

    comportamento. Em seguida, devem-se identificar as coalizes possveis entre os

    vrios stakeholders para que se possa, idealmente, agir sobre elas.

    De acordo com Guimares (2009), trs tipos de anlise de stakeholders so

    possveis, como mostra a Figura 22: a anlise centrada na organizao, quando o

    foco colocado exclusivamente nas relaes da organizao com seus

    stakeholders; a anlise centrada em um determinado stakeholder, quando se

    avaliam as relaes de um stakeholder especfico com a organizao e com os

    demais stakeholders pertinentes; e a anlise centrada nas relaes, quando o foco

    da anlise o conjunto de todas as relaes pertinentes entre organizao-

    stakeholders e entre stakeholders-stakeholders.

    S5

    O

    S1

    S2

    S3S4

    S5

    O

    S1

    S2

    S3S4

    S5

    O

    S1

    S2

    S3S4

    Anlise Centrada na

    Organizao Anlise Centrada no

    Conjunto das Relaes

    Anlise Centrada em um

    Stakeholder

    Figura 22 Tipos de Anlise de Stakeholders.

    Fonte: GUIMARES (2009, p. 6).

    Considerando a anlise centrada na organizao, Guimares a define como

    uma

    ferramenta de anlise estratgica que visa a obteno de um conhecimento

    exploratrio sobre os relacionamentos, o poder de influncia, os interesses e o

    potencial de cooperao e de ameaa dos stakeholders envolvidos com uma

    determinada organizao, poltica, questo estratgica ou deciso

    (GUIMARES, 2009, p. 7).

    O autor prope o processo de anlise apresentado na Figura 23. Esse processo,

    composto por seis etapas, tem incio com a definio do objeto de anlise, na qual

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  • 100

    delimitada a organizao pesquisada e, quando j definida, a poltica, questo ou

    deciso estratgica que suscitar a anlise. A etapa seguinte compreende a

    identificao e a seleo dos stakeholders a serem considerados, utilizando-se

    nessa atividade tcnicas como entrevistas internas e externas com especialistas e

    autoridades, discusses livres (brainstorming) com integrantes da organizao,

    pesquisa bibliogrfica e documental, e dilogos com alguns dos stakeholders

    inicialmente identificados de forma a permitir o esboo de um mapa dos

    stakeholders.

    Definio do

    Objeto da

    anlise

    Caracterizao

    das relaes

    atuais da

    Organizao

    com os

    Stakeholders

    Identificao e

    seleo dos

    Stakeholders

    atuais

    Ajustamento do

    Quadro das

    Relaes

    Possibilidades de

    estratgias

    CENRIO

    1 2

    3

    4

    6Avaliao das

    relaes dos

    stakeholders com

    a organizao:

    potencial de

    ameaa e

    cooperao

    5

    Figura 23 Processo de Anlise de Stakeholders Centrado na Organizao.

    Fonte: GUIMARES (2009, p. 8).

    Nesse mapa, so posicionados os principais atores de modo a formar um

    sistema ou rede, que indique as relaes bsicas existentes entre eles. Segundo,

    ROWE et al. (1986), o princpio o mesmo utilizado por ecologistas para

    descrever cadeias alimentares dentro do ambiente natural. A princpio, o mapa

    pode parecer um emaranhado confuso. No entanto, com a evoluo da anlise, os

    exemplos de interdependncia vo surgindo naturalmente. Como exemplo, na

    Figura 24 tem-se um mapa dos stakeholders da Chesf, considerando a atividade de

    transmisso de energia eltrica no incio dos anos 2000.

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  • 101

    Figura 24 Mapa dos Stakeholders da Atividade de Transmisso da Chesf

    Fonte: PINTO; OLIVEIRA, 2004, p. 143.

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  • Na terceira etapa da anlise, Guimares (2009) prope avaliar as relaes

    existentes da empresa foco com os stakeholders de modo a explicitar a sua

    natureza, bem como os aspectos crticos que caracterizam a interao entre os

    atores. Para o autor, a natureza das relaes stakeholder-organizao pode ser

    classificada em temas como superviso, definio de polticas setoriais,

    coordenao e articulao, regulao e normatizao, fiscalizao formal-legal,

    financiamento, consumo de produtos e servios, fornecimento de insumos e outros

    recursos, concorrncia, parceria, troca de informaes etc.

    J os aspectos crticos descrevem os pontos relevantes do relacionamento

    entre o stakeholder e a organizao capazes de gerar conflitos ou suscitar alianas

    em torno de um objetivo comum. Desse modo, a identificao dos pontos crticos

    do relacionamento entre a organizao e seus stakeholders visa melhorar a

    compreenso dos fatores positivos e negativos que predominam nas interaes

    entre esses atores. Como exemplo, considerando o relacionamento entre uma

    empresa pblica no Brasil e o stakeholder Tribunal de Contas da Unio, esse pode

    ser caracterizado pela sua natureza de fiscalizao formal-legal, cujo foco est

    centrado na fiscalizao do cumprimento de normas e procedimentos legais

    (burocracia administrativa) e no uso adequado dos recursos financeiros.

    Algumas dessas relaes existentes, no entanto, podem ser alteradas no

    futuro se forem considerados contextos macroeconmicos, sociais, polticos,

    tecnolgicos, legais etc. alternativos. Nesse caso, em cada contexto ou cenrio

    alternativo, devem ser analisados possveis ajustes no quadro de relaes

    existentes identificado. Esse o escopo da etapa 4 proposta na Figura 23. Os

    ajustes podem contemplar:

    alteraes na natureza e nos pontos crticos das relaes stakeholder-

    organizao existentes;

    surgimento de novos tipos de relaes entre os stakeholders e a

    organizao; e

    emergncia de um novo stakeholder relevante.

    As etapas 5 e 6 consistem no dimensionamento dos potenciais de ameaa e

    de cooperao dos stakeholders em relao organizao, decorrentes da natureza

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  • 103

    e dos pontos crticos das relaes identificadas entre eles e do mapeamento das

    estratgias da organizao para lidar com cada um deles.

    Savage et al. (1991) consideram variveis-chave na anlise dos stakeholders

    tanto a possibilidade de hostilidade ou ameaa de cada um deles em relao

    organizao, quanto o potencial de cooperao que pode existir ou ser construdo

    no relacionamento entre ambos. Para Guimares (2009, p. 28), o

    potencial de ameaa representa a possibilidade de impactos negativos sobre o

    desempenho organizacional que podem advir das relaes e interaes, atuais e

    potenciais, entre o stakeholder e a organizao e o potencial de cooperao

    consiste nas possibilidades e capacidade de colaborao e apoio entre o

    stakeholder e a organizao, em funo das interaes entre eles, que podem

    contribuir para o desempenho organizacional.

    A capacidade de ameaa de um stakeholder, contudo, depende do seu poder

    sobre a organizao e esse poder estabelece-se em funo da relevncia do

    stakeholder para o negcio da organizao. Por outro lado, o potencial de

    cooperao de um stakeholder pode ser parcialmente determinado por sua

    capacidade de expandir positivamente sua interdependncia com a organizao

    (SAVAGE et al.,1991). Entre os fatores, elencados por Savage et al., que afetam o

    potencial de ameaa e de cooperao de um stakeholder em relao organizao

    podem ser citados:

    o grau de controle do stakeholder sobre os recursos estratgicos da

    organizao;

    o poder legal, regulatrio e de fiscalizao-controle do stakeholder sobre

    decises, recursos e aes da organizao;

    o contexto do stakeholder: evoluo e jogos de poder e interesse vigente;

    os movimentos estratgicos e as estratgias relevantes do stakeholder;

    o histrico das relaes do stakeholder com a organizao;

    a capacidade e propenso de dirigentes, gestores e tcnicos do stakeholder

    para a formao de coalizes e para o enfrentamento d