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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E
PRÉ - ALAS BRASIL
04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina, Piauí.
Cultura, comunicação e desenvolvimento:
perspectivas políticas e econômicas - GT07
POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA CULTURA NO BRASIL -
UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DA LEI ROUANET EM 2011 NO CEARÁ
Rachel Gadelha Weyne
Universidade Estadual do Ceará - UECE.
POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA CULTURA NO BRASIL -
UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DA LEI ROUANET EM 2011 NO CEARÁ
Rachel Gadelha Weyne 1
Introdução
O presente artigo pretende se debruçar sobre o desempenho da Lei
Rouanet de Incentivo à Cultura no Ceará no ano de 2011, numa tentativa de
desvendar como esse mecanismo atua no campo da produção cultural do
Estado. Tomaremos como base os dados oficiais divulgados na home page do
Ministério da Cultura, através de seu programa de "Acompanhamento de
Projetos", disponíveis no sistema SalicWeb Os dados consultados têm como
base o mês de maio de 2011 e podem sofrer alterações, de acordo com o
processamento das informações no Ministério.2
Pretende-se com este trabalho identificar aspectos que possam
subsidiar o debate e a compreensão desse programa no Ceará, numa tentativa
de compreender algumas de suas consequências no âmbito da cultura do
Estado, assim como a percepção das relações que se estabelecem entre os
agentes participantes do processo. A pesquisa permitirá ainda a identificação
de aspectos que possam colaborar para a compreensão do campo da
produção cultural no Ceará, como também de sua configuração, potencial e
debilidades.
1 - Rachel Gadelha é graduada em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas - UNICAMP, possui
curso de Master en Gestion Cultural pela Universidade de Barcelona -UB virtual e é mestranda em Políticas Públicas e
Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. [email protected].
2 - A metodologia utilizada pelo Salic considera o projeto aprovado quando passa pela CNIC, independente
do ano que é apresentado. Quando aprovado, o projeto tem12 meses para captar, podendo ser prorrogado por mais 12
meses. Assim, um projeto aprovado em 2010 pode captar em 2011 e um projeto aprovado em 2011 pode ter captação
somente em 2012. Dentro dessa metodologia, um projeto pode aparecer como uma unidade em 2010 e 2011, caso
tenha captado recurso nos dois exercícios. É por essa razão que a criação de um índice de captação, não
representada fidedignamente a situação dos projetos aprovados em 2011.
As leis de incentivo à cultura no Brasil: atualizando o debate
No final de 1991, foi criada a Lei 8.313 que institui o Programa Nacional
de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos
para a cultura no Brasil. O programa se propunha a atender uma demanda
represada dos segmentos culturais brasileiros não só por mais recursos para o
setor, mas também para assegurar a implantação de uma política pública para
a cultura no país.
O Pronac foi criado com objetivos ambiciosos como: possibilitar os
meios para o livre acesso às fontes da cultura, permitir o pleno exercício dos
direitos culturais e estimular a regionalização da produção cultural e artística
brasileira, dentre outros. Para atender esses objetivos, o Programa prevê três
tipos de mecanismo. O Fundo Nacional de Cultura - FNC a ser administrado
pelo próprio Ministério da Cultura e que se destina a projetos artísticos e
culturais que atendam aos interesses da coletividade, priorizando aqueles que
tenham pouco atrativo mercadológico e portanto menos possibilidades de
desenvolvimento com recursos próprios. O segundo mecanismo previsto foi o
Fundo de Investimento Cultural e Artístico - FICART que se destina a projetos
com um potencial de lucratividade e que possam atrair possíveis investidores
na forma de condomínio, sem personalidade jurídica, caracterizando comunhão
de recursos destinados à aplicação em projetos culturais e artísticos.
O terceiro mecanismo trata do Incentivo a Projetos Culturais,
popularmente conhecido por Mecenato ou Lei Rouanet, em alusão ao
intelectual e diplomata Paulo Sérgio Rouanet, ministro da cultura da época e
criador da Lei. Este mecanismo tem como princípio a renúncia fiscal por parte
do Governo e foi concebido sob os preceitos da visão neoliberal do Estado,
como um instrumento de estímulo à participação da iniciativa privada no apoio
a projetos culturais, previamente aprovados pelo Ministério.
O Incentivo a Projetos Culturais prevê nove categorias culturais que
podem ser beneficiadas através da renúncia fiscal, distribuídos entre as
categorias de artes cênicas, audiovisual, literatura, música, artes plásticas,
folclore e artesanato, patrimônio cultural, humanidades e rádio e televisão.
Com uma proposta ancorada em uma ou mais dessas categorias,
qualquer pessoa física ou jurídica pode se constituir como proponente e
apresentar um projeto que será avaliado por técnicos do Ministério sofrendo
uma apreciação final na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura - CNIC.
Uma vez aprovado, o proponente recebe autorização para captar
recursos junto a pessoas físicas, pagadoras de imposto de renda (IR), que
podem repassar até 6% do imposto devido para o projeto; ou empresas
tributadas com base no lucro real que podem repassar até 4% do seu imposto
para o projeto que lhe convier, desde que previamente aprovado.
Projetos na área de artes cênicas, livros de valor artístico e cultural,
música instrumental e erudita, doação de acervos para bibliotecas públicas e
museus, construção de salas de cinema, produção de obras cinematográficas e
preservação do patrimônio cultural material e imaterial são algumas das
iniciativas que recebem um tratamento diferenciado por parte do Ministério e
gozam do direito de receber o benefício de 100% de isenção fiscal. As demais
categorias culturais tem autorização para deduzir 80% do apoio, obrigando que
o patrocinador desembolse 20% do valor do apoio com recursos próprios. A
possibilidade de isenção total ocasiona uma demanda maior, por parte de
proponentes e investidores, em projetos que gozem desse benefício.
Dos três mecanismos previstos na Lei 8.313, o que teve mais adesão
social foi o mecanismo de Incentivo a Projetos Culturais. A pequena oferta e
procura por projetos de interesse de retorno comercial fizeram que o FICART
não conseguisse se tornar uma realidade e o Fundo Nacional de Cultura - FNC
encontrou dificuldades de operar devido ao seu baixo orçamento.
O mecanismo de Incentivo a Projetos Culturais, hoje o mais utilizado,
inicialmente enfrentou uma resistência por parte dos empresários, que temiam
que a utilização da lei implicasse em acréscimo de burocracia na rotina da
empresa ou gerasse uma exposição fiscal desnecessária e inconveniente.
Superada essa fase de desconhecimento, parte do empresariado vislumbrou
na lei uma possibilidade de ampliação da visibilidade de sua marca, uma vez
que o mecanismo permite a exposição da logomarca dos apoiadores de cada
projeto.
A criação da Lei Rouanet inspirou o surgimento de leis estaduais e
municipais de incentivo à cultura, baseadas no princípio da renúncia fiscal
através de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS,
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e Imposto sobre
Serviços - ISS respectivamente. No Ceará, em 1995 foi criada uma Lei que
ficou conhecida como Lei Jereissati em alusão ao governador da época, Tasso
Jereissati e que adotava os mesmos princípios de renúncia fiscal do ICMS
devido.
Na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso foi feito um amplo
esforço de aproximação do empresariado brasileiro ao Programa Nacional de
Apoio à Cultura, com realização de encontros e publicação de material
demonstrando que o investimento em cultura "é um grande negócio".
Se por um lado a criação da lei de incentivo à cultura trouxe um
crescimento e profissionalização ao campo da produção e gestão cultural, a
recém-criada política de patrocínio cultural também gerou distorções. Em
âmbito nacional, o empoderamento da esfera privada no âmbito do
financiamento da cultura e visão da cultura entendida como negócio foram
algumas das heranças da gestão Fernando Henrique Cardoso, conforme
descreve Leonardo Brant (2009, p. 65):
Período em que o Estado, cada vez mais diminuto, atuava
como aparato burocrático para tramitação de projetos e
prestação de contas, cabendo à definição do que deveria ser
financiado quase que exclusivamente às empresas
patrocinadoras e o trabalho artístico tornando-se cada vez mais
dependente de uma adequação ao mercado.
A principal crítica que se fazia a política de incentivo à cultura na época
se referia ao processo de "privatização" da cultura, uma vez que a definição de
quais projetos seriam apoiados, e consequentemente realizados, se
concentrava na mão das grandes empresas, detentoras de impostos que
justificassem os aportes necessários. Estas, por sua vez, selecionavam os
projetos a serem apoiados, nem sempre por sua relevância cultural, mas na
grande maioria das vezes, como um instrumento auxiliar no marketing
corporativo, pelo retorno de mídia e por seu potencial de "agregar valor" à
imagem da empresa.
Por outro lado, a ênfase no mecanismo de financiamento, por meio de
incentivos fiscais, revela uma fragilidade como explicita Barbosa (2007, p.184) :
O entusiasmo com o aumento de recursos incentivados
esconde um problema grave: as instituições federais de cultura
foram penalizadas com a falta de investimentos e de recursos
orçamentários que lhes permitissem a ampliação de suas
capacidades de ação cultural.
Outro resultado dessa política foi a excessiva concentração de projetos
na região Sudeste do Brasil, uma vez que é lá onde se localizam as grandes
empresas, detentoras de parcelas expressivas de impostos que podem ser
revertidos em apoio cultural. A desigualdade se manifestou de diversas
maneiras e teve o efeito nefasto e imediato na pouca representatividade da
diversidade cultural brasileira.
Os mecanismos de renúncia fiscal instauraram também uma nova
relação entre o setor público e privado, envolvendo o Ministério da Cultura, as
empresas, os atores do campo da cultura e a sociedade. Relação de contornos
fluidos, onde nem sempre fica claramente delineado o papel de cada um e
onde não existe um consenso sobre a quem pertence os recursos utilizados na
cultura: ao governo que renuncia, à empresa que direciona os recursos ou, em
última instância, à sociedade que paga os impostos.
A ênfase nos aspectos de visibilidade e retorno institucional desejados
pelo patrocinador também interferiu na concepção dos projetos culturais que
passaram a ser criados e produzidos de forma a se tornarem mais atraentes
aos olhos das empresas, seja pela tentativa de se adequar às políticas culturais
das instituições financiadoras (quando existente), ou pela busca de recursos de
divulgação para o projeto e, consequentemente, para o patrocinador.
Esses fatores contribuíram para acentuar e destacar, no âmbito da
cultura, mais uma expressão da desigualdade regional no Brasil. Respostas a
essa questão começaram a se efetivar no governo do presidente Luis Inácio
Lula da Silva, que nomeou o artista Gilberto Gil para a chefia do Ministério da
Cultura, com o desafio de criar alternativas de democratização e inclusão
cultural.
Na nova gestão, o viés da política pública saiu do mercado para o social
e a cultura passou a ser entendida como importante instrumento de inclusão
social, cidadania e desenvolvimento. Em seu discurso de posse, Gilberto Gil
(2003) afirma que o Estado assumiria um papel ativo na formulação e
implementação de políticas culturais, adotando uma perspectiva
“intervencionista” e transversal de atuação e que a cultura seria entendida
como uma “usina de símbolos”. A ênfase sairia do mercado para o social com
programas e ações direcionados a todos os “cantos e recantos do Brasil”, o
que foi intitulado pelo ministro como “do-in antropológico”.
Nesse período, foi feito um esforço do poder público, tanto federal como
estadual para introduzir novas formas de financiamento à cultura, mediante o
aumento do orçamento, recursos para o Fundo Nacional de Cultura e uma
política de editais e premiações com a função de induzir a promoção de setores
culturais de interesse para as políticas públicas vigentes e também ampliar o
alcance dos mecanismos de financiamento utilizando instrumentos mais
democráticos e acessíveis. Nesse período também foram dados os primeiros
passos de reforma no sistema de financiamento da cultura, com debates
públicos nacionais visando a construção de uma Lei que desse conta das
novas demandas, conhecida como Procultura.
No governo Dilma Roussef, a política cultural mantém grande parte dos
programas iniciados na gestão anterior, tendo como uma das "heranças" o
desafio da construção de um Plano Nacional de Cultura e o aperfeiçoamento
do mecanismo de financiamento da cultura, em uma complexa e delicada
tessitura de (re)construção e diálogo com a sociedade.
Passados 21 anos da criação da Lei Rouanet, o mecanismo continua a
crescer e a ser utilizado como um dos mais importantes instrumentos de
captação de recursos para viabilizar a realização de projetos culturais em
diversos estados do Brasil, apesar das inúmeras fragilidades, conforme
explicitado por Rubim ( 2007, p.27) ao enumerá-las:
1. O poder de deliberação de políticas culturais passa do
Estado para as empresas e seus departamentos de marketing;
2. Uso exclusivo de recursos públicos; 3. Ausência de
contrapartidas; 4. Incapacidade de alavancar recursos privados
novos; 5. Concentração de recursos. Em 1995, por exemplo,
metade dos recursos, mais de 50 milhões, estavam
concentrados em 10 programas; 6. Projetos voltados para
institutos criados pelas próprias empresas (Fundação
Odebrecht, Itaú Cultural, Instituto Moreira Sales, Banco do
Brasil, etc.); 7. Apoio equivocado à cultura mercantil que tem
retorno comercial; 8. Concentração regional dos recursos. Um
estudo realizado, em 1998/99, pela Fundação João Pinheiro,
indicou que a imensa maioria dos recursos da Lei Rouanet e da
Lei do Audiovisual iam para regiões de São Paulo e Rio de
Janeiro.
Esses problemas continuam presentes como desafios a ser enfrentados
pelas políticas públicas de cultura. Segundo dados divulgados pelo Ministério
da Cultura, em 2011 a região Sudeste captou 79,9% dos recursos utilizados
pela Lei Rouanet em todo o país. O restante do recurso disponível foi
distribuído da seguinte forma: 11,2% na região Sul; 5,3% na região Nordeste;
3% na região Centro Oeste e apenas 0,7% para a região Norte.
A desigualdade dos números na captação de recursos para a cultura
reproduz a mesma lógica de desigualdade social presente no país. No entanto,
ela se dá de diversas formas.
Inicia-se já na quantidade de projetos apresentados. Em 2011 a região
Sudeste apresentou 5.190 projetos para serem submetidos à aprovação pela
Lei Rouanet, enquanto a região Norte apresentou somente 78. Esses números
deixam transparecer a necessidade de ações de divulgação do mecanismo de
incentivo, estímulo à participação e capacitação para o preenchimento dos
formulários e gestão de projetos. As demais regiões também se encontram
numa situação inferior aos números apresentados pela região Sudeste, mas
numa posição mais favorável do que o desempenho da região Norte. A região
Centro Oeste apresentou 421 projetos, a Nordeste 762 e a região Sul 1.252.
No entanto, mesmo que os desafios da etapa de submissão dos projetos
às leis de incentivo sejam superadas, os proponentes ainda têm à frente
enormes desafios como a conquista e adesão de incentivadores para projetos,
uma vez que os maiores incentivadores se concentram na região Sudeste do
país. Em 2011, as 10 maiores incentivadoras da cultura no Brasil foram a
Petrobrás, Companhia Vale do Rio Doce, Banco do Brasil, Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDS, União Bancos Brasileiros -
UNIBANCO, Banco Bradesco de Financiamento, Bradesco Vida e Previdência,
BFB Leasing S.A. Arrendamento mercantil, VIVO e Cielo.
Outro desafio a ser superado é o acesso a essas empresas, quase
sempre difícil para os proponentes de projetos culturais que não se localizam
na região Sudeste. E, uma vez superado esse desafio, outro se impõe. Os
projetos realizados nas grandes metrópoles (principalmente Rio de Janeiro e
São Paulo) apresentam maior potencial de interesse da mídia e
consequentemente, oferecem mais visibilidade aos patrocinadores, criando
uma situação de "concorrência" bastante desigual. Segundo dados do
Ministério da Cultura, o Nordeste contou com o incentivo de 224 pessoas
jurídicas para projetos culturais em 2011, enquanto a região Sudeste recebeu
recursos de 1.750 empresas.
Os dados acima explicitam alguns problemas da Lei Rouanet,
reconhecidos pelo próprio Ministério da Cultura, através de Henilton Menezes,
Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura em
palestra proferida no Seminário ProCultura na cidade de São Paulo em maio de
2012. Segundo ele, alguns dos principais problemas do mecanismo da Lei
Rouanet atualmente são a incapacidade da lei de traduzir o atual momento da
cultura brasileira no quesito diversidade e territorialidade; a indução ao
investimento em projetos e segmentos culturais que permitem 100% de
abatimento do imposto de renda; a promoção da concentração de recursos em
dois estados brasileiros; a ausência de estímulo ao investimento privado na
cultura; a exclusão de agentes culturais que não têm acesso aos
patrocinadores; o fato de tornar o produtor e seus projetos reféns dos recursos
incentivados e por fim, o mais importante: a não garantia ao acesso dos
brasileiros à cultura.
Apesar de todas essas fragilidades, é fundamental destacar e
reconhecer as importâncias contribuições que esse mecanismo de renúncia
fiscal trouxe ao campo da cultura no Brasil nos últimos vinte anos. A Lei
Rouanet foi, e continua sendo, um dos mais importantes mecanismos de
indução do profissionalismo no setor, de crescimento do campo artístico e de
geração de recursos para a cultura do Brasil. Mesmo com todas suas
imperfeições, a Lei Rouanet aprovou 7.920 projetos no Brasil no ano de 2011,
dos quais 3.667 obtiveram êxito na obtenção de recursos.
Em reconhecimento à importância da manutenção dessa conquista e à
necessidade urgente de correção das distorções existentes no mecanismo de
financiamento à cultura, o Ministério da Cultura propôs a substituição do antigo
PRONAC pelo Programa Nacional de Incentivo à Cultura - PROCULTURA que
está sendo apreciado pelo poder legislativo. No entanto, prevê-se ainda um
caminho a ser percorrido para que a mesma seja aprovada e entre em vigor,
trazendo novas configurações aos mecanismos de financiamento à cultura no
país.
A Lei Rouanet no Ceará - Uma análise do seu desempenho em 2011
Como mencionado, os mecanismos de financiamento por meio de
renúncia fiscal influenciaram na criação de um mercado produtor e consumidor
de arte e cultura no Brasil. Através deles, surgiram novas demandas que
exigiram uma maior organização do sistema cultural, crescente
profissionalismo e competência dos atores, o que favoreceu o surgimento de
produtores e gestores e a criação de projetos culturais e eventos artísticos com
bom nível de execução técnica e qualidade artística. O campo da produção
cultural se ampliou, empregando e formando outros profissionais no setor, com
o fortalecimento da cadeia produtiva da cultura e estabelecimento de projetos
locais com conexões nacionais e internacionais.
Tal realidade se deu também no Ceará. A possibilidade de
financiamento de projetos impactou no surgimento de um novo mercado
profissional, no amadurecimento dos atores, no fortalecimento do sistema
cultural e na realização de projetos ações mais estruturadas na capital e em
alguns de seus municípios, conforme depoimento da produtora cultural Maria
Amélia Mamede (2003, p. 5):
As leis (de incentivo à cultura) contribuíram para tornar o
sistema cultural mais ágil e mais profissional. O fato das
empresas associarem sua imagem aos produtos e eventos
culturais leva as mesmas a buscarem projetos bem elaborados
e bem realizados. A qualidade passa a ser requisito
fundamental para os mesmos. Esse aspecto influenciou a
ampliação e profissionalização deste mercado. Os profissionais
da esfera cultural sentiram a necessidade de aprimorar sua
qualificação, o que resultou em melhorias no processo de
organização do mercado cultural.
Neste contexto, se deu de forma mais estruturada a criação de uma
nova organização cultural no Estado. No esteio das leis de incentivo, surgiram
projetos de porte local, nacional e internacional que demandam, de acordo com
suas características singulares, reflexões e respostas imediatas num ambiente
de tensão e diálogo permanentes com os agentes envolvidos, artistas,
produtores, Estado e investidores.
As leis impactaram não só na quantidade e qualidade dos projetos
culturais, mas também na ampliação do número de pessoas e organizações
que passaram a apresentar projetos na categoria de proponentes. Inúmeras
iniciativas foram propostas por pessoas físicas, organizações não
governamentais, associações e fundações culturais, empresas de organização
de evento ou produção cultural, etc.
Para viabilizar a realização desses projetos, foi necessário um esforço
de aproximação dos atores da cultura junto às empresas com potencial de
patrocínio. Essa aproximação demandou tempo, empenho, ampliação da rede
de contatos, maior profissionalização do setor cultural para se enquadrar os
projetos culturais nos perfil do mundo dos negócios e um grande esforço para
despertar interesse junto às empresas, a despeito dos benefícios da renúncia
fiscal.
Dados da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura - SEFIC,
divulgados em fevereiro de 2012, apontam que o Ceará participou com apenas
1,3% dos recursos captados em todo o Brasil no ano de 2011 pela Lei
Rouanet. Em relação ao Nordeste, o volume de recursos captados no Ceará só
foi menor do que o de Pernambuco, que responde por 1,8% dos recursos da
região e igual ao da Bahia com 1,3%. Os demais estados respondem por
valores bem menores na seguinte ordem: Maranhão com 0,3%, Piauí com
0,2% e Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Paraíba com 0,1% cada um.
Nesse mesmo ano, São Paulo sozinho ficou com quase a metade do
dinheiro incentivado no Brasil, participando com 43,7% dos recursos captados,
num montante de R$ 555.748.073,00. O Ceará conseguiu captar R$
15.917.788,00 de incentivos que foram distribuídos entre seus 94 projetos que
obtiveram êxito na captação, dentre 168 aprovados pelo Ministério. A diferença
entre as cifras do Ceará e São Paulo falam por si, atestando o abismo que
separa essas duas realidades e deixando antever o prejuízo que essa
diferença causa para o desenvolvimento da cultura no Brasil, no sentido de sua
diversidade territorial e social.
Os recursos investidos no Ceará, através da Lei Rouanet, vem em sua
grande maioria de doadores na forma de pessoas jurídica, seguidos por um
número menor de pessoas físicas, que participam com menor aporte financeiro.
Observando a relação de incentivadores do Ceará, podem-se distinguir blocos
distintos formados por grandes empresas com sede no Ceará; estatais com
sede fora do Estado e empresas de menor porte, em sua maioria cearenses e,
por fim, os doadores do tipo pessoa física.
No primeiro bloco, encontramos empresas como o BNB, que possui
sede em Fortaleza e é um dos mais importantes patrocinadores da cultura no
Estado. Em 2011, a partir do seu investimento total de R$ 4.227.500,00 fez um
aporte de recursos no Ceará de R$ 2.855.500,00 distribuídos em 34 projetos
culturais através da Lei Rouanet.
A relação de projetos culturais apoiados pelo banco no Ceará é
bastante diversificada, o que representa uma característica positiva de
valorização a diversas linguagens e segmentos. São projetos distribuídos em
livros, filmes, CDs, apresentações artísticas, exposições, artesanato, sendo
que quase a metade desses apoios são destinados a festivais, feiras e outros
eventos de natureza artística.
Os valores apoiados também variam, oscilando entre R$ 25.000,00 a
R$ 200.000,00. Na relação dos projetos apoiados pela instituição, somente um
projeto tem relação direta com o banco, que é uma iniciativa que contempla
uma série de apresentações artísticas no clube social do BNB, intitulada "BNB
Clube de Cultura" no valor de R$ 100.000,00. A localização da sede em
Fortaleza favorece a aproximação com os proponentes e artistas cearenses,
fazendo com que o Banco do Nordeste se configure como um importante
financiador da cultura no estado.
Outro importante investidor no Ceará é a Companhia Energética do
Ceará - Coelce. Privatizada no governo de Tasso Jereissati (1998), por um
grupo multinacional, a empresa manteve um corpo gerencial local, com
inserção na cultura do estado, que desde o início da nova gestão investiu no
apoio à cultura cearense, utilizando-se desse recurso como uma importante
ferramenta de marketing social e cultural. Por meio dos mecanismos de
incentivo previstos na lei federal e estadual, a empresa se destaca como uma
das maiores apoiadoras de projetos culturais no Ceará. Tem seu foco de apoio
a iniciativas com um caráter de cunho educativo, priorizando projetos que
conciliem visibilidade a ações de responsabilidade ambiental, inclusão social,
formação e geração de renda.
Em 2011, a Coelce investiu somente através da Lei Rouanet um volume
de recursos um pouco maior do que o BNB, num total de R$ 2.750.000,00,
distribuídos em 17 projetos, sendo 09 festivais e eventos, que consigam, em
diferentes medidas, conciliar visibilidade com os critérios socioculturais
almejados pela empresa. Essa preferência da empresa por iniciativas que
atendam esses critérios e a importância da Coelce como investidora de cultura
no Ceará faz com que alguns projetos procurem incluir ações com esse cunho
em sua programações, visando a obtenção do recurso.
Na lista de projetos incentivados pela Coelce em 2011, observa-se a
existência de algumas ações que tem interesse direto para a empresa,
gestados em seus departamentos de comunicação e responsabilidade social e
ambiental. Os valores investidos pela empresa nos projetos através da Lei
Rouanet variam entre R$20.000,00 e R$ 450.000,00. Por ser também uma das
maiores financiadoras de projetos culturais pelos mecanismos de renúncia
fiscal do estado, a empresa se configura como uma importante mantenedora
da cultura no Ceará.
O terceiro investidor em aporte de recursos do Ceará é composto pelo
conjunto de empresas que fazem parte da holding do Grupo Edson Queiroz,
uma das maiores instituições privadas do Ceará. Através de 12 empresas, o
Grupo Edson Queiroz fez um aporte de R$ 1.170.000,00 em incentivo a
projetos culturais no estado em 2011. O que se destaca aqui, além do
expressivo volume em recursos utilizados na cultura, é que desse montante,
R$ 670.000,00 são investidos em projetos realizados pelo próprio grupo, sendo
R$ 490.000,00 para realização de grandes exposições e R$ 180.000,00 para
apresentação de espetáculos teatrais nacionais, realizados em instalações
educativas culturais próprias. O Grupo também investiu R$ 300.000,00 em
projetos realizados por outras organizações culturais, mas que levam
assinatura de empresas suas na promoção.
Percebe-se claramente que o Grupo Edson Queiroz é a empresa
cearense que mais se utiliza do mecanismo da Lei para financiar seus próprios
projetos ou de interesses corporativos, chamando a atenção para a grande
soma de recursos investidos. Destacamos também a concentração dos
investimentos em apenas 05 projetos que se caracterizam por sua dimensão,
visibilidade e suas qualidades técnicas e artísticas, comparáveis aos grandes
projetos artísticos nacionais.
Outra empresa de grande porte, localizada no Ceará, é o Grupo M. Dias
Branco, que investiu em 2011 o valor de R$ 899.000,00 em oito eventos
culturais e artísticos, sendo dois deles realizados em Pernambuco e o restante
no Ceará, onde incentivou R$ 499.000,00. Outro investidor que se destaca por
um volume intermediário de recursos é a Companhia de Água e Esgoto do
Ceará - Cagece, pertencente ao Governo do Estado, que investiu R$
370.000,00 em três projetos.
Todas as empresas citadas acima possuem sede no Ceará o que facilita
o contato direto dos proponentes com as instâncias decisórias, contribuindo
sobremaneira para à participação destas no incentivo às artes no estado.
Ao analisarmos a participação das estatais federais no Ceará, podemos
perceber a relevância que estas têm no investimento de projetos no Estado. A
Petrobrás, maior investidora em cultura através da Lei Rouanet no Brasil, com
um total de R$ 112.790.419,30, reafirma sua importância também no Ceará
onde investiu um montante de R$ 1.552.770,70 no ano de 2011. Sua
participação no estado foi distribuída em 10 projetos de diferentes segmentos
como memória, formação, reservas técnicas de museus, eventos, manutenção
de grupos e cultura popular, revelando um caráter amplo de interesse e
inserção.
A participação das estatais conta ainda com o Banco Nacional de
Desenvolvimento Social – BNDS, com 600.000,00 em 03 projetos; Centrais
Elétricas Brasileiras S.A - Eletrobrás com 01 projeto no valor de R$ 100.000,00;
Companhia Hidro Elétrica de São Francisco – CHESF, com 02 projetos no
valor de R$ 201.700,00 e os CORREIOS, com 02 projetos no valor de R$
92.000,00. A Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e o Banco da
Amazônia não apoiaram nenhum projeto no Ceará em 2011.
A participação conjunta das estatais no Ceará chama a atenção pela
reprodução da desigualdade territorial, onde deveria existir uma política de
desconcentração e de indução à cultura. No âmbito das estatais, dos 984
projetos incentivados em todo o país num total de R$ 255.929.150,29, somente
52 foram investidos no estado com um valor total de R$ 5.401.970,70, sendo
que destes 34 são recursos oriundo do BNB. Ou seja, observa-se uma
concentração do BNB e uma desconcentração das outras estatais que
participam, reunidas, com 18 projetos no Ceará. Algumas dessas empresas só
conseguem ser acessadas pelos produtores culturais por meio de uma
assessoria de captadores profissionais ou intermediação de políticos.
Grandes empresas também apoiaram projetos no Ceará como o Banco
Industrial e Comercial, que investiu R$ 920.280,00 em 06 projetos; a
Votorantim Cimentos, que investiu R$ 558.245,00 em dois projetos; a Central
Geradora Termelétrica Fortaleza – CGTF, que investiu R$ 383.340,00 em dois
projetos; assim como a Grendene, que investiu R$ 261.281,00 em um único
projeto. Essas empresas possuem unidades no Ceará, o que facilita os
contatos entre os produtores locais e staff corporativo, favorecendo o apoio de
projetos no Ceará.
Por fim, cabe destacar o apoio das empresas de bebidas alcoólicas
como a Norsa e a AMBEV, que investiram juntas R$ 570.000,00 em projetos
com perfil de grande consumo de bebida, assim como o apoio da Souza Cruz
para a realização de um Acampamento da Juventude.
Excluindo esses investidores de grande e médio porte, o Ceará conta
ainda com um espectro maior de empresas locais que incentivam projetos
variados na faixa média de R$ 17.000,00, apoiando iniciativas de diversas
naturezas e segmentos artísticos. Na forma de pessoa física, somente 30
investidores aportaram recursos em projetos no estado durante o ano de 2011
totalizando R$ 15.419,04, distribuídos em valores que variaram entre o mínimo
de R$ 50,00 e o máximo de R$ 1.443,45, segundo dados do SalicWeb.
No ano de 2011 foram apresentados no estado do Ceará 174 projetos
para apreciação junto ao Ministério da Cultura na modalidade do Mecenato. O
maior número de projetos se concentravam nas categorias de música, artes
integradas, artes cênicas, audiovisual, humanidades, patrimônio cultural e artes
visuais, em ordem decrescente. No mesmo ano, São Paulo apresentou 2.472
projetos.
Constata-se a ausência de projetos de ópera, capacitação em artes
cênicas, artes plásticas, produção cinematográfica de curta metragem e de
média metragem, produção radiofônica, produção videofonográfica, projetos
audiovisuais transmidiáticos, rádios e TVs educativas não comerciais, eventos
e ações de incentivo à leitura, livros de valor humanístico e livros de valor
literários; todas essas categorias previstas no mecanismo de incentivo.
Ao longo do ano, apenas um projeto foi apresentado por diferentes
linguagens de interesse cultural significativo como circo, exposições de arte,
rádios e TVs educativas, livros de valor artístico, acervo e acervo museológico,
formação e pesquisa em audiovisual, dentre outros. A baixa demanda por
esses projetos e a ausência de outros pode estar relacionada à dificuldade dos
proponentes em atrair investidores para projetos de pouca visibilidade e de
caráter eminentemente cultural, o que por si só já desencorajaria a participação
no mecanismo.
Essa realidade pode ser comprovada se analisarmos o perfil dos
projetos que conseguiram obter êxito na captação. Destaca-se, primeiramente,
que dos projetos aprovados, somente 94 conseguiram obter êxito na captação
de recursos, sendo que somente 50% deles conseguiu atingir o valor máximo
do projeto. Os outros 50% só obtiveram êxito parcial na captação, o que
requereu a busca de mais recursos a outras fontes para não inviabilizar a
execução do projeto.
A maioria dos projetos aprovados visa à realização de grandes eventos
artísticos como festivais de arte (dança, cinema, música e teatro), que contam
com expressivos orçamentos, qualidade técnica e artística, tradição na cidade,
exposição acentuada na mídia e, consequentemente, maiores custos e
potencial de visibilidade e retorno para o patrocinador.
Dentre a relação de projetos captados em 2011, se destacam 29
festivais, festas e eventos variados, numa média de mais de dois projetos por
mês. Iniciativas desse porte geralmente são onerosos e necessitam de maiores
aportes, o que os torna mais dependentes de patrocinadores, que, por sua vez,
se utilizam desses grandes eventos como recursos complementares de
marketing.
A maioria desses projetos possui oferta regular anual e são gratuitos ou
apresentam grande parte de sua programação gratuita. Esse aspecto, aliado
aos altos custos de sua realização fazem com que não sejam
autossustentáveis, tornando-os altamente dependentes de leis de incentivo
para seu financiamento. Cria-se assim um círculo vicioso onde as empresas
exigem qualidade, profissionalismo e retorno institucional. Atributos que
impactam diretamente no orçamento dos projetos, tornando os mais caros e
fazendo com que os projetos sejam cada vez mais dependentes das empresas
para garantir sua sustentabilidade. Situação agravada pela necessidade de
renegociação do apoio ininterrupta, "projeto por projeto", o que causa uma
situação de fragilidade que impossibilita um planejamento de médio prazo e a
realização desses ações em bases mais consistentes e duradouras.
É importante ressaltar também que esses tipos de eventos impulsionam
a cadeia produtiva da cultura, uma vez que utilizam diversos tipos de
fornecedores do mercado da cultura e cumprem importante função na
circulação e fruição da cultura, auxiliando no estímulo a formação de hábitos de
consumo cultural. Contribuem também para divulgar a produção artística
cearense, assim como colaboram na formação de artistas e de plateia.
São projetos como o Festival Ibero-americano de Cinema - Cine Ceará,
Festival Jazz & Blues e Bienal Internacional de Dança, que tem grande
importância para os segmentos de cinema e vídeo, música instrumental e
dança, respectivamente. Realizados há diversos anos, responderam juntos por
R$ R$ 3.257.397,40 dos recursos captados no Ceará em 2011.
Outros projetos que envolvem somas expressivas são o Espaço Cultural
Unifor - Circuito de Exposições e o Temporada de Grandes Espetáculos no
Teatro Celina Queiroz. Idealizados, realizados e financiados, em sua quase
totalidade, com recursos do próprio grupo Edson Queiroz, esses dois projetos
respondem por um valor de R$ 1.370.000,00.
Ao observarmos a natureza dos projetos que conseguiram captar
recursos no ano de 2011, podemos ter uma ideia do que foi realizado no Ceará
na área cultural. Muitos projetos se enquadram na categoria de artes
integradas, prevendo mais de uma linguagem artística no mesmo projeto, mais
para efeito de classificação, iremos levar em conta aqui a linguagem artística
predominante no projeto.
Os projetos que mais tiveram êxito na captação foram os grandes
eventos, seguidos de projetos relacionados à música, audiovisual e dança,
assim como a publicação de livros, todos numa proporção relativamente bem
distribuída de captação. Em um número menor de projetos captados
encontramos projetos de cunho educativo e cultural, teatro, exposições de arte
e circo.
Outro fator que merece destaque é a tendência à reprodução do
desequilíbrio territorial na captação e realização dos projetos. Pouco mais de
1/4 dos projetos apresentados se realizam no interior ou preveem ações
realizadas na capital e em municípios cearenses.
Percebe-se ainda uma predominância de projetos que se referem à
fruição e à circulação de linguagens artísticas e um número bem resumido de
projetos que invistam especificamente em formação para as artes, apesar de
algumas ações estarem contempladas em outros projetos de artes integradas.
Observamos a aprovação de sete projetos que tratam diretamente de ações
formativas e educacionais em arte e cultura. Constatou-se o incentivo à
manutenção de apenas um grupo teatral e três projetos de
recuperação/restauração de acervos de grande valor cultural, todos financiados
pela Petrobrás.
A análise da relação de proponentes do Ceará traz novas contribuições
à compreensão do funcionamento da Lei no Estado. Desde a sua criação, o
mecanismo de incentivo já foi acionado por 199 pessoas físicas e 345 pessoas
jurídicas, distribuídos, em sua maioria, entre associações, fundações, institutos,
empresas com atuação na área cultural, companhias, grupos e instituições
culturais e prefeituras do interior.
Destacamos a presença nessa lista de projetos propostos pelas próprias
empresas investidoras, através de fundações criadas com essa finalidade;
proponentes ligados a grandes grupos de comunicação do estado; proponentes
que representam a classe empresarial como Serviço Social do Comércio -
SESC, Serviço Social da Indústria - SESI e Câmara dos Dirigentes Lojistas -
CDL; e ainda proponentes relacionados aos grandes equipamentos culturais do
estado (Theatro José de Alencar, Instituto Dragão do Mar, Biblioteca Municipal,
Museu da Imagem e do Som, etc.) e a Fundação de Cultura, Esporte e Turismo
de Fortaleza, ligada à Prefeitura Municipal. Estes últimos solicitam recursos
para diversos projetos na área de eventos, apresentações artísticas,
programações permanentes, restauração de acervos, implantação de
equipamentos e até mesmo diagnósticos, para compensar a escassez de seus
orçamentos públicos.
Esse aspecto sugere uma desigualdade na busca pela obtenção de
patrocínio, uma vez que, em muitos desses projetos, a tarefa de captar cabe ao
próprio gestor das instituições, que mantém um relacionamento próximo com
outros investidores; ou a membros do staff do poder público que falam em
nome de projetos de interesse público e possuem acessos privilegiados. Em
outros casos, a necessidade da captação não existe, uma vez que o próprio
proponente é detentor do capital necessário para seu projeto. Acontece ainda
das modalidades se encontrarem imbricadas uma com as outras.
Ao nos aprofundarmos na relação geral dos proponentes do Ceará,
podemos observar que 181 deles apresentaram projetos apenas uma vez e 70
apresentaram somente duas vezes. Por outro lado, encontramos apenas 24
proponentes que utilizaram o mecanismo de renúncia fiscal mais do que dez
vezes, desde sua implantação.
Essa relação dos maiores proponentes tem a seguinte composição:
empresas especialistas em elaboração de projetos culturais (com 36 e 34
projetos aprovados); produtoras culturais e associações que executam seus
próprios projetos anuais (com 23, 21, 15,14, 13, 12 e 11 projetos aprovados);
instituições ligadas à grupos empresariais (com 34, 25, 22 e 20 projetos
aprovados) e proponentes relacionados aos equipamentos públicos (com 28,
14 e 12 projetos aprovados).
Considerações Finais
A Lei Rouanet é responsável pela obtenção de recursos que viabilizam a
realização de diversos projetos no Ceará. Projetos que tem uma importância no
exercício do direito à cultura e na criação e circulação de bens culturais, assim
como na divulgação da produção artística cearense e na formação de novas
vocações produtivas na área da cultura do estado.
Muitas iniciativas relevantes conseguiram ser viabilizadas em 2011,
utilizando os recursos previstos na Lei. A despeito da importância dessas
iniciativas, a estrutura da Lei traz em seu próprio bojo elementos que não
favorecem a criação de bases mais sólidas para a incorporação da cultura
como direito básico do povo cearense.
Um dos primeiros aspectos que se evidencia é a pouca diversidade dos
projetos apresentados para apreciação junto ao Ministério, assim como uma
tendência a um tipo específico de ações que apresentam maior potencial de
interesse junto à iniciativa privada.
Observa-se também um número pequeno de empresas cearenses de
grande porte, que investem em projetos culturais, o que gera uma sobrecarga
de demandas de apoio por parte dos proponentes, criando uma situação de
concorrência entre os projetos e a formação de um "poder paralelo" nas mãos
destas empresas, uma vez que acumulam o capital financeiro e a decisão
sobre o que merece ou não ser apoiado. O fato de grandes contribuintes
criarem suas próprias instituições e se tornarem proponentes e investidores ao
mesmo tempo, limita ainda mais as possibilidades de patrocínio no mercado do
Ceará. Outro agravante é disputa na captação entre pequenos projetos
demandados pela sociedade com outros de interesse do poder público, criando
uma concorrência igual entre desiguais.
A captação de recursos no Ceará se dá em um mercado de poucas
empresas com capital disponível e sede no estado; em um cenário de difícil
acesso às empresas estatais e/ou privadas que se situam fora do Ceará e em
competição com projetos realizados em outros estados, principalmente na
região Sudeste; muitas vezes restando a busca por patrocínio nas empresas
locais de menor porte que, além do desconhecimento dos mecanismos da Lei,
não possuem valores expressivos disponíveis para arcar com as despesas do
projetos apresentados.
Todas essas razões colaboram para que o índice de projetos aprovados
e captados tenha caído no Ceará nos últimos três anos, passando de 75,7%
em 2009 para 56 % em 2011.
É importante salientar que os obstáculos não se restringem a questões
concretas como acesso e volume de recursos, mas se configura também na
desinformação de inúmeros proponentes em potencial, incluindo aí pessoas
físicas, que ainda não utilizam o mecanismo e outro, maior ainda, que é de
ordem subjetiva, através de uma avaliação de qual projeto apoiar baseada na
reprodução de modelos e critérios concentradores, ancorados numa estética
"capitalista" da cultura que termina priorizando uma tipologia de eventos, em
detrimento de outras ações.
A configuração dos projetos realizados com apoio da Lei Rouanet no
Ceará, tende a reproduzir a cultura pensada e administrada numa sociedade
estruturada sobre valores de mercados, onde os projetos mais apoiados são
aqueles que mais benefícios podem trazer aos investidores, quer no retorno de
imagem direta, quer por "agregarem valor" às suas marcas, ao se identificarem
com projetos de prestígio artística e cultural.
Não que esses projetos não tenham significância e cumpram um
importante papel no sistema da cultura, mas, sob essa lógica, inúmeros outros
projetos de relevância cultural nas áreas de patrimônio, preservação, formação,
humanidades e culturas tradicionais, para citar alguns, ficam de fora desse
cenário de financiamento. Assim como também diversas expressões culturais
tradicionais relevantes para o Estado ficam excluídas desse processo, devido
às suas inaptidões para a gestão burocrática em que o mecanismo da lei exige
como o domínio a técnica de elaboração de projetos, a captação de recursos e
o acompanhamento financeiro dos mesmos.
Não bastassem essas dificuldades, outro aspecto se observa: a lei
garante a realização de inúmeras iniciativas, mas nem sempre assegura a
continuidade e manutenção delas, uma vez que os projetos apresentados ao
Ministério são formulados com previsão de início, meio e fim, enquadrados e
cronogramas e orçamentos finitos e previamente aprovados.
Essa situação tem se configurado no decorrer desses anos como um
dos maiores paradoxos das políticas culturais do Brasil. Através de diferentes
mecanismos, as políticas culturais têm sido responsáveis pelo surgimento e
proliferação de inúmeras iniciativas de pequeno, médio e grande porte em
diversas localidades do país. No entanto, a gestão e sustentabilidade desses
projetos ainda continuam a ser um desafio a ser superado.
Desde os grandes projetos e eventos, até as iniciativas mais tímidas,
mesmo que tenham conseguido alcançar seus objetivos na captação dos
recursos, se quiserem continuar a desenvolver seus projetos, terão que iniciar
todo o processo novamente. Isso cria uma espécie de regra no "jogo" da
cultura, onde, no final da partida, automaticamente, o jogador volta para a
primeira casa e inicia nova partida, praticamente do ponto zero. Como esses
projetos não são autossustentáveis, há a impressão de que tudo o que está
sendo feito no campo da produção cultural baseado na Lei Rouanet, são como
construções de castelos em bancos de areia.
Isso pode ser facilmente perceptível no simples exercício de conjectura
de extinção da Lei hoje no país. A eliminação desse mecanismo geraria um
efeito dominó de proporções significativas. Sem incentivo, poucas empresas se
disponibilizariam a investir recursos próprios em projetos culturais. Os poucos
recursos ofertados seriam alvos de disputas acirradas, que provavelmente
teriam entre os vencedores proponentes e projetos da região Sudeste.
Situação que poria em risco diversas iniciativas bem sucedidas em todo o
Brasil, provocando uma crise em um setor que vem passando por um período
de dinamização sem precedentes na história do país.
Podemos dizer que os agentes culturais trabalham num cenário rico de
possibilidades, mas de bases instáveis, gerando um ambiente de incertezas
permanente, conforme bem descrito por Rubim ( 2010) que denuncia um
ambiente de tensão que pode até mesmo dilacerar as políticas em processo.
Segundo ele, o predomínio das leis de incentivo não se configura como uma
modalidade adequada para garantir as políticas públicas, tornando o
financiamento à cultura no Brasil, emblemático dessa tensão.
Faz-se necessário que a política de financiamento baseada nos
incentivos seja revisada, de forma a garantir as conquistas já alcançadas pelos
agentes da cultura, estimulando e preservando as inúmeras iniciativas surgidas
na sociedade civil com o advento da Lei Rouanet, mas urge avançar no
processo de continuidade e sustentabilidade dessas iniciativas, pois como diz
Porto ( 2007) o incentivo fiscal é um recurso temporal que precisa apresentar
estratégias de desenvolvimento do setor e dos benefícios conquistados.
Algumas dessas estratégias já estão sendo contempladas no Procultura
que está tramitando no poder legislativo. Com ele, se busca criar condições
para o estímulo ao investimento fora do eixo Sudeste do Brasil; a ampliação do
universo de patrocinadores com políticas de incentivo à participação de
empresas de menor porte; o maior aporte de recursos para o Fundo de
Nacional de Cultura para assegurar recursos para projetos que não se
enquadrem no formato comercial de interesse dos investidores; e a
possibilidade de renúncia de 100% do investimento baseada em uma nova
avaliação dos projetos pautadas em critérios objetivos, são alguns exemplos
das melhorias que poderão ter efeito positivo em todo o país.
Busca-se um aperfeiçoamento. Uma vez garantida as conquistas
propostas no Procultura, precisamos pensar em outros parâmetros de política
de financiamento e do fazer cultural.
É chegada a hora de posicionarmos o debate do financiamento à cultura
no país sob novos pressupostos, tirando a ênfase nas políticas de renúncia
fiscal e diminuindo sua sujeição à iniciativa privada. Precisamos criar uma nova
percepção da cultura, onde essa seja entendida como direito do cidadão e
assegurar, junto às instâncias públicas, recursos para a execução de políticas
que contemplem a diversidade e a riqueza cultural do país, integrando grandes
projetos artísticos da cultura urbana com pequenas iniciativas que promovam a
riqueza e a diversidade cultural brasileira. Cultura só porque faz bem. Só
porque nos tornamos pessoas melhores. Cultura porque não existe vida sem
ela.
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