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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO II
ANA THEREZA MEIRELES ARAÚJO
EDNA RAQUEL RODRIGUES SANTOS HOGEMANN
Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem osmeios empregados sem prévia autorização dos editores.
Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie
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Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF
Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC
Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMGProfa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP
Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR
Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA
D597
Direito civil contemporâneo II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Ana Thereza Meireles Araújo; Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann – Florianópolis:
CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN:978-85-5505-514-0Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
CDU: 34
________________________________________________________________________________________________
Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Civil. 3. Contemporaniedade. XXVICongresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
Universidade Federal do Maranhão - UFMA
São Luís – Maranhão - Brasilwww.portais.ufma.br/PortalUfma/
index.jsf
XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO II
Apresentação
O XXVI Encontro Nacional do CONPEDI – SÃO LUIS – MARANHÃO foi promovido em
parceria com a Universidade Federal do Maranhão e a UNICEUMA. Sua temática central
teve como objeto “Direito, Democracia e Instituições de Justiça”. Esse assunto suscitou
intensos debates desde a abertura do evento no Convento das Mercês e inúmeros
desdobramentos ao longo da apresentação dos trabalhos previamente selecionados e da
realização das plenárias. Em especial, as questões relativas à função social do contrato, dos
direitos de personalidade e os reflexos do novo CPC no direito material mereceram um olhar
reflexivo crítico-analítico dos participantes do Grupo de Trabalho “Direito Civil
Contemporâneo II”.
Sob a coordenação das Profa. Pós-Dra. Edna Raquel Hogemann (UNESA/UNIRIO), e Profa.
Dra. Ana Thereza Meireles Araújo (UNEB/ UCSal/ Faculdade Baiana de Direito), o GT
“Direito Civil Contemporâneo II” realizou seu contributo, com exposições orais e bons
debates que se caracterizaram tanto pela atualidade quanto pela profundidade das temáticas
abordadas pelos expositores.
Eis um breve resumo dos trabalhos apresentados:
Tiago Martinez e Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann apresentaram o artigo intitulado
"A trivialização do dano: banalizado por quem? a desmistificação da indústria do dano moral
pela análise da cultura jurídica brasileira e norte-americana". Os autores refletem a respeito
da cultura jurídica brasileira e norte-americana sobre a fixação do valor de reparação dos
danos morais, a influência cultural na determinação dos modelos de fixação do quantum, bem
como da relação dos julgados vinculados ao tema com a banalização do instituto, e apontam
a inexistência de uma indústria do dano moral, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, a
partir das diferenças dos modelos jurídicos apresentados.
"O acesso à informação genética e a conformação dos novos direitos da personalidade: o
alcance da proteção à identidade genética sob a perspectiva do direito civil contemporâneo" é
o título do trabalho de Ana Thereza Meireles Araújo, no qual a autora analisa a conformação
do direito à identidade genética como uma espécie dentre os novos direitos da personalidade
considerando o direito civil contemporâneo, objetivando o alcance da proteção à identidade
genética a partir das diferentes situações que podem envolver a proteção ao bem jurídico em
destaque, a fim de identificar por meio de dedução a melhor interpretação no que tange à
construção da proteção do direito.
O artigo de Wellington Henrique Rocha de Lima e Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
intitulado "Funções do contrato e Ordem Pública" teve como proposta analisar as funções do
contrato referentes à criação, regulação e extinção de direitos, considerando a relevância da
funcionalização com vistas ao equilíbrio dos pactos e a contribuição daí decorrente em
relação ao contexto econômico e social.
Rainner Jeronimo Roweder e Hudson Franklin Felipetto Malta apresentaram o trabalho "O
contrato de compra e venda: semelhanças e diferenças entre o sistema legislativo brasileiro e
português de transferência imobiliária", em que analisaram a compra e venda de bens
imóveis, numa perspectiva de doutrina e legislação comparada, entre os ordenamentos
jurídicos brasileiro e português.
"Direito à filiação e multiparentalidade : uma abordagem à luz da lei de registros públicos",
da autoria de Josanne Cristina Ribeiro Ferreira Façanha, abordou a a ocorrência da
multiparentalidade no Registro Civil brasileiro, a partir da compreensão sistemática e
atualizada do ordenamento jurídico pátrio, especificamente quanto à família, aos
demarcadores do parentesco e aos direitos da filiação.
Felipe de Poli de Siqueira e Francieli Micheletto, autores do trabalho "O poder de
inadimplemento contratual e suas implicações jurídicas" propuseram avaliar a possibilidade
do contratante requerer a quebra ou inadimplemento contratual e as implicações jurídicas e
mecanismos de resolução do referido desligamento.
O artigo de Ivy Helene Lima Pagliusi e Yuri Amorim da Cunha intitulado "A des
(necessidade) de oitiva do genitor biológico no acréscimo do sobrenome do padrasto ao nome
do filho" enfocou uma nova leitura constitucional dos direitos de personalidade, em especial
face ao princípio da dignidade da pessoa humana, em especial quanto ao aferir na Lei de
Registros Públicos o procedimento correto para o acréscimo do sobrenome de padrasto
(madrasta) no do enteado(a) com base em uma interpretação conforme.
O artigo de Cleber Sanfecili Otero e Tamara Simão Arduini intitulado "Os danos decorrentes
da relação triangular estabelecida entre paciente, médico e hospital e as respectivas
modalidades de responsabilidade definidas em lei" partiu do fato de que, nas relações
hospitalares, o paciente é vulnerável por ser consumidor dos serviços e, perante o médico, é
igualmente vulnerável, pois confia sua vida e integridade aos cuidados do profissional.
Assim, o trabalho buscou partir da aferição das características da relação triangular
estabelecida entre paciente, médico e hospital para definir quem poderá ser responsabilizado
pelos danos causados.
Sob o título "A ata notarial como instrumento precípuo na condução da usucapião
extrajudicial", Tatiane Albuquerque de Oliveira Ferreira e Dênio Guilherme Dos Reis
fizeram uso do modelo argumentativo, para responder a seguinte indagação: a ata notarial
cumpre sua função no procedimento de usucapião extrajudicial? Analisaram os efeitos da ata
notarial no procedimento de usucapião fora do âmbito judiciário e concluíram necessidade da
eficiência da ata notarial, demonstrando que o tabelião, revestido de fé pública, é capaz de
certificar veracidade dos documentos comprobatórios de posse do imóvel a ser usucapido.
Camila Caixeta Cardoso apresentou o ensaio sob o título "A aquisição originária da
propriedade por meio da usucapião extrajudicial", cujo objetivo revelou-se a análise da nova
forma de processamento da usucapião pela via extrajudicial, ou seja, por meio de um
procedimento que ocorre internamente no ofício de registro de imóveis.
"Um ensaio sobre direito à privacidade e intimidade. você ainda os tem?" Eis um título de
indagação. Pois essa indagação foi tema da pesquisa materializada em ensaio da autoria de
Milena de Bonis Faria. Que considera que os operadores do direito necessitam de um
desdobramento “just in time”, para atender os anseios de uma sociedade que se transforma
constantemente.
Pastora do Socorro Teixeira Leal e Alexandre Pereira Bonna apresentaram o artigo sob o
título "Controle administrativo e preventivo de cláusulas abusivas em contratos de adesão
pelo Ministério Público", no qual buscam averiguar se o veto presidencial do art. 54,
parágrafo 3º e 5º da lei n. 8.078/90, que no uso da ideia da intenção do legislador configura a
impossibilidade de atuação preventiva e administrativa do Ministério Público das cláusulas
dos contratos de adesão.
"Dano hedônico: uma compensação civil diante da perda da felicidade em viver" revelou-se
um título interessante para o artigo apresentado por Maria Fernanda Miranda Lyra e
Marianna dos Santos Coelho Alves que abordaram ideia da dignidade como pressuposto para
a felicidade, no direito norte-americano, transportada para a reparação civil. Ali recebe a
denominação do dano hedônico e se apresenta como forma de compensação diante de lesão
grave ou morte que leve à perda do gozo pela vida, da felicidade em viver.
Por fim, Carlos Alexandre Moraes e Marta Beatriz Tanaka Ferdinandi encerraram as
apresentações com o trabalho intitulado "A aplicação da teoria do diálogo das fontes no
direito brasileiro", sobre a aplicabilidade da Teoria do Diálogo das Fontes no direito pátrio,
como método capaz de conciliar a aplicação de diferentes normas.
Profa. Dra. Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann - UNIRIO/UNESA
Profa. Dra. Ana Thereza Meireles Araújo - UNEB
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
Equipe Editorial Index Law Journal - [email protected].
O PODER DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
THE POWER OF CONTRACTUAL INADIMPLESS AND ITS LEGAL IMPLICATIONS
Felipe de Poli de SiqueiraFrancieli Micheletto
Resumo
O presente trabalho estuda a possibilidade do contratante requerer a quebra ou
inadimplemento contratual e as implicações jurídicas e mecanismos de resolução do referido
desligamento. Deste modo, a presente pesquisa destina-se não somente ao estudo do poder de
desligamento inerente às relações contratuais, como também o conhecimento dos seus efeitos
e da aplicação da tutela específica e tutela genérica. Para tanto, utilizou-se da doutrina a
respeito do tema, pesquisa jurisprudencial, no âmbito de tribunais brasileiros.
Palavras-chave: Inadimplemento, Contrato, Tutela específica, Indenização, Boa-fé
Abstract/Resumen/Résumé
The present article studies the possibility of the contractor requires the contractual breach or
default and the legal implications and mechanisms of resolution of said disconnection. Thus,
the present research is not only concerned with the study of the power of disconnection
inherent in contractual relations, but also with the knowledge of its effects and the
application of specific guardianship and generic protection. For that, it was used the doctrine
on the subject, research jurisprudential, in the scope of Brazilian courts.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Default, Contract agreement, Specific guardianship, Indemnity, Good faith
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1. Introdução
As transformações e modificações da sociedade, de modo geral, sempre trouxeram
modificações também ao ramo do direito, especialmente ao direito contratual, eis que o
próprio Código Civil de 2002 – CCB/2002 e o Código de Processo Civil de 2015 – CPC/2015
trouxeram inúmeras variações que acompanharam estas mudanças, impactando no direito dos
contratos, dentre eles, a questão do inadimplemento ou quebra contratual e sua resolução pela
tutela genérica ou específica.
Evidente que o estudo do direito contratual e processual tem sido focado nos novos
fenômenos apresentados atualmente, afastando o tradicional estudo teórico dos contratos.
Assim, a questão em estudo cinge-se no fato do devedor poder, ou seja, ter a
liberdade, de inadimplir um contrato, sendo que surge a indagação se tal fato será visto como
um ato de liberdade ou um ato ilícito que deve ser sancionado. Caberá, portanto, um esboço
acerca do inadimplemento contratual em nosso regime jurídico e a coexistência dos remédios
para este inadimplemento, ou seja, tutela genérica (indenizatória) e tutela específica.
O Artigo 499 do Código de Processo Civil de 2015 traz seu posicionamento acerca
da utilização da tutela específica no direito brasileiro. A execução específica tem prioridade
no nosso direito, sendo somente remetido para perdas e danos se impossível chegar à
prestação devida ou por opção do credor.
Por óbvio que o direito depende de uma conduta de fazer ou não fazer para que seja
efetivado e protegido. De tal modo, como nosso ordenamento pátrio proíbe a autotutela,
surgiu a necessidade de serem criados estruturas processuais que garantissem este direito,
dentre elas, a tutela específica.
Ocorre que, nossa legislação embora aduza que a obrigação somente será convertida
em perdas e danos se o autor almejar ou ainda que seja impossível a prestação da tutela
específica, deixou para a doutrina e jurisprudência a função de definir diversas questões
acerca do tema. Veja-se que obrigar a parte devedora a cumprir a tutela específica faria com
que aproximássemos a quebra contratual a um ato ilícito que deve ser sancionado, não
deixando liberdade de escolha ao contratante.
Neste diapasão, a presente pesquisa mostra-se imprescindível no que concerne a
possibilidade de quebra contratual e como será aplicada a tutela específica.
Frise-se que o presente estudo tem por base contratos empresariais, não se tratando
aqui em contratos consumeiristas ou de adesão.
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Primeiramente, será apresentado no tópico 2 uma breve síntese do processo de
formação do contrato como correspondência de atos humanos a um sistema legal. Diz-se que
a formação do contrato consiste em um processo, uma seqüência de atos humanos
coordenados entre si e fixados pelo Direito, sintetizado por regras que se propõem a satisfação
de determinados interesses. Desta forma, esta a ideia de contrato e sua formação para que se
siga para o estudo do inadimplemento contratual.
Enfrentado o modelo de formação contratual, o presente estudo irá enveredar para a
análise do inadimplemento contratual, explicando as categorias de inadimplemento. Cabe
enaltecer que neste estudo utiliza-se o conceito legalista e amplo de mora, e, desta forma,
vale-se da repartição biparte das categorias de inadimplemento.
No tópico 4 será analisado se o inadimplemento ou quebra contratual é visto como
um ato de liberdade da parte ou um ato ilícito que deva ser sancionado, analisa-se aqui o
Artigo 499 do Código de Processo Civil acerca da aplicação da tutela específica ou conversão
em perdas e danos.
E, por fim, são apresentadas as considerações finais do presente trabalho,
demonstrando a real necessidade de estudo do tema e chegando a conclusões acerca da
discussão travada neste artigo.
2. Do processo de formação do contrato como correspondência de atos humanos a
um Sistema Legal
Para a análise do poder de desligamento ou inadimplemento contratual é necessário
fazer uma breve análise do processo de formação do contrato.
Atualmente, não cabe mais pensar nos contratos em termos estritamente domésticos,
uma vez que esses contratos tornaram-se um instrumento eficaz das políticas de
regulamentação de mercado. De fato, pensar em contrato significa remeter-se para a ideia de
operação econômica e esta é a substância da relação contratual (ROPPO, 2006, p. 8).
Diante da complexa diversidade de relações contratuais e comerciais, tendo em vista
as mudanças econômicas, percebeu-se que o tradicional estudo do direito contratual deveria
ser suplantado, necessitando de uma reflexão mais apurada com o atual momento da
sociedade.
Um contrato não é um elemento da realidade fática, para ROPPO (2006, p. 84) a
formação do contrato consiste em um processo, ou seja, em uma seqüência de atos e
comportamentos humanos coordenados entre si e pré-fixado pelo Direito. Assim, o modelo de
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formação do contrato é resumido por regras que se propõem a satisfação de determinados
interesses.
Neste sentido, a proposta e aceitação de um contrato são declarações de vontade das
partes que devem ser tornadas socialmente conhecidas, ou seja, declaradas, de maneira mais
comumente na forma de contrato escrito, o qual consiste no conjunto de direitos e deveres, ou
regulamento contratual, que as partes assumem e que se consubstancia na operação
econômica almejada. Neste ínterim, determinar o regulamento contratual significa fixar e
demonstrar em compromissos jurídicos, os moldes da operação econômica desejada no
contrato, definindo as variáveis que em seu conjunto refletem a convivência econômica
contratual (ROPPO, 2006, p. 126-127).
Por certo, quando se faz menção ao instituto da relação jurídica contratual, se esta
diante de situações subjetivas correlatas, onde cada um dos sujeitos componentes da relação
obrigacional é titular de direitos e deveres, em forma de direitos subjetivos, potestativos,
faculdades, obrigações, ônus, sujeições, dever de garantia e demais (NALIM, 2008, p. 203).
Diante de tal assertiva quanto à determinação do regulamento contratual surge uma
questão que assume grande relevância: como e a quem compete o poder desta determinação
contratual.
Por óbvio que em um sistema capitalista, que reconhece como pedra angular o
princípio da liberdade da iniciativa privada, também é reconhecida e exaltada a liberdade de
determinação do regulamento contratual, quer dizer, a regra pela qual os contratantes privados
são livres para dar aos seus contratos os conteúdos concretos que considerarem cabíveis,
desde que nos limites impostos pela lei. Esta é a expressão mais significativa da autonomia
privada ou contratual (ROPPO, 2006, p. 128).
Roxana Borges (BORGES, 2007, p. 51) defende que é necessário enaltecer a
transição da autonomia privada para a autonomia da vontade, sendo que a segunda se “vincula
diretamente aos valores constitucionais, devendo estar orientada, assim, à valorização da
pessoa humana”.
Desta feita, o princípio da autonomia da vontade, alicerçado como princípio
fundamental do direito contratual, tem como base a liberdade contratual, o poder dos
contratantes de disciplinar interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos
tutelados pela ordem jurídica (GONÇALVES, 2009, p. 20).
Analisando o momento atual do direito contratual, GONÇALVES (2009, p. 22)
afirma que tem aumentado consideravelmente as limitações à liberdade de contratar:
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Assim, a faculdade de contratar e de não contratar (de contratar se quiser) mostra-se, atualmente, relativa, pois a vida em sociedade obriga as pessoas a realizar, freqüentemente, contratos de toda espécie, como o de transporte, de compra de alimentos, de aquisição de jornais, de fornecimento de bens e serviços públicos.
Diante da análise do processo de formação do contrato ante a vontade humana, bem
como da necessidade diária de uma sociedade que impõe a realização de contratos, cabível
analisar a possibilidade de desfazer ou inadimplir/quebrar um contrato e suas implicações
jurídicas, analisando em suma, a possibilidade de reversão da tutela específica em
indenização.
3. Do Inadimplemento ou Quebra Contratual
O Código Civil brasileiro regulamenta as formas de extinção contratual, e dentre
elas, o adimplemento da obrigação acordada é a forma de desligamento contratual por
excelência.
Destarte, o inadimplemento é o não cumprimento da obrigação, ou o cumprimento
insuficiente, que acarreta para o responsável o dever de indenizar a outra parte
(BEVILAQUA, 1958, p.171).
Veja como exemplifica FARIAS e ROSENVALD (2008, p.378) ao tratar acerca do
inadimplemento:
Portanto, surge o inadimplemento quando A promete a B a entrega de uma bicicleta em 15 dias, porém descumpre a obrigação de dar. Também quando A promete realizar um serviço de reparo em instalação hidráulica na residência de B, ma nunca comparece, descumprindo a prestação de fazer. Da mesma forma, se A e B que o primeiro manterá sigilo quanto a um determinado segredo industrial, haverá inadimplemento da obrigação de não fazer quando A viola a clausula de confidencialidade. Não se olvide, por fim, a possibilidade do inadimplemento involuntário, em casos que a pessoa obrigada não conseguirá satisfazer a prestação, em razão de um fato invencível e alheio a sua vontade.
Cabe enaltecer que, ao realizarem o contrato, as partes não determinam somente a
substância da obrigação principal, mas o modo de como irá realizar-se e as eventuais
penalidades. A violação de qualquer um desses aspectos caracteriza o inadimplemento, que
pode ser absoluto ou relativo, trazendo efeitos diversos para o credor.
Cabe aqui fazer um pequeno adendo explicando as categorias de inadimplemento.
Salienta-se que se utiliza neste trabalho o conceito legalista e amplo de mora, entendido como
retardamento no cumprimento da obrigação, e, portanto, utilizando-se a repartição biparte das
categorias de inadimplemento.
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O critério para distinguir as espécies de inadimplemento é a possibilidade da
prestação. O inadimplemento absoluto decorre da impossibilidade de realização da prestação
principal, não restando alternativa para as partes senão findar o contrato (PONTES DE
MIRANDA, 1959, p.9).
Se a causa da impossibilidade for atribuída ao devedor, o credor terá direito a
indenização, só ocorrendo tal fato quando a impossibilidade for superveniente à formação do
contrato. Caso contrário o contrato seria declarado nulo (SILVA PEREIRA, 2012, p.19).
O inadimplemento relativo, ou mora, é o atraso ou o cumprimento imperfeito, mas
que ainda pode ser realizado, propondo-se a indenizar o credor pelos prejuízos decorrentes. A
prestação ainda é possível, contudo, não se entende a possibilidade do devedor cumprir com a
obrigação, mas sim a satisfação do credor ser efetivamente realizada, ou seja, o credor ainda
ter interesse em recebê-la (ALVIM, 1980, p.41).
Em qualquer dos casos há inadimplemento, pois o credor terá direito a prestação
devida conforme asseverado no contrato, diante disto, cumprir em parte é o mesmo que não
cumprir. A doutrina recente traz outra hipótese em que não se verifica propriamente a
inexecução da obrigação, mas seu cumprimento de maneira defeituosa, violando deveres
instrumentais decorrentes da boa-fé, chamando-a de violação positiva do contrato. Diante de
tais casos, além da indenização, poderá a parte requerer exceção de contrato não cumprido ou
direito à resolução do contrato por inadimplemento (SILVA PEREIRA, 2016, p. 306).
Assim, nos casos de inadimplemento absoluto a prestação será convertida em perdas
e danos, e não existe mais a possibilidade de ser executada a prestação, pois inexiste interesse
que ela seja prestada. De outro vértice, o inadimplemento relativo ou mora admite que o
credor tome certas medidas para receber a prestação, pois ainda remanesce seu interesse em
receber a prestação.
Diante de tais assertivas, cabe o questionamento se a quebra ou desfazimento
contratual é um ato ilícito ou uma liberdade da parte. Além do mais, se questiona como e
quais requisitos determinarão a citada impossibilidade de prestação de execução deste
contrato. Por fim, irá se fazer uma análise, baseada na atual legislação, doutrina e
jurisprudência, acerca da utilização da tutela específica no direito brasileiro.
4. Inadimplemento Contratual: ato ilícito ou liberdade da parte.
Primeiramente, para que haja conclusões acerca das inquirições trazidas no capítulo
anterior é preciso uma análise do sistema jurídico pelo qual irá se estudar o Direito.
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Na “Common Law”, utiliza-se o preceito que a parte não pode e nem deve ficar
presa a um contrato e, portanto, não será punida legalmente por se recusar a adimplir uma
obrigação, desde que seja paga uma indenização. Já, na “Civil Law” a liberdade de descumprir
o contrato é muito menor, sendo que, o inadimplemento configura um comportamento
antijurídico caracterizado pela violação de um dever específico e preexistente. Assim, a
tendência do sistema Romano-Germânico será a de reforçar os mecanismos sancionatórios,
para que além da mera determinação dos riscos econômicos seja capaz de inibir o
inadimplemento (ROSENVALD, 2016, p. 1).
Em resumo, a tutela específica é o remédio jurídico para o inadimplemento
contratual em países da “Civil Law”, e a indenização torna-se o remédio tradicional nos países
da “Common Law” (COOTER; ULEN, 2010, p. 260).
A“Civil Law” é o sistema jurídico oficialmente utilizado no Brasil, significando que
a principal fonte do Direito é o texto legal.
Diante desta diferenciação, cabe um estudo acerca da possibilidade da quebra ou
inadimplemento contratual, seus remédios indenizatórios e a tutela específica.
Tutela específica considera-se, no entender de TALAMINI (2003, p. 230), como “a
que visa ao exato resultado jurídico que se teria, se não houvesse a necessidade do processo,
em todos aqueles casos em que esse resultado final não consista em mera satisfação de uma
dívida pecuniária”.
Paradigmático, neste caso, demonstra-se o Artigo 499 do Código de Processo Civil
de 2015 asseverando que: “A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o
autor requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção pelo resultado
equivalente”.
Nesta toada, o novo Código de Processo Civil enaltece a tutela específica no direito
brasileiro. A execução específica tem prioridade no nosso direito, sendo somente remetido
para perdas e danos se impossível chegar à prestação devida ou por opção do credor
(DANTAS et al., 2016, p. 499).
Diante de tal assertiva migra-se de um raciocínio simplista da indenização como a
salvaguarda para todos os problemas contratuais, para um embasamento complexo na qual a
doutrina e jurisprudência terão a responsabilidade de dimensionar os critérios objetivos em
quais condições as tutelas genéricas e específica coexistirão (ROSENVALD, 2016, p. 2).
Neste ínterim, o Artigo 475 do Código Civil preconiza que “A parte lesada pelo
inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o
cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”, remetendo
89
à discricionariedade do credor a melhor maneira de compatibilizar o impacto econômico da
inexecução com os efeitos jurídicos almejados, ou seja, o texto legal faz com que o credor
fique em posição de supremacia ante um inadimplemento contratual.
Enfim, analisando o referido texto da lei, compreende-se que caberia ao credor
analisar a necessidade ou não de manter-se em um contrato, a princípio, diga-se um contrato
frustrado.
Pois bem, na visão de ARENHART et al. (2016, p. 914), o credor não tem a
faculdade de optar pelo equivalente em pecúnia sem antes dar ao devedor a oportunidade de
cumprir a obrigação da maneira contratada, sob pena de estar-se aceitando uma novação
contratual, afirmando ainda os autores que a natureza da prestação não pode ser alterada
unilateralmente pelo credor.
Os doutrinadores utilizam o pensamento da “obrigação como processo”, mitigando o
Artigo 475 do Código Civil.
Em contrapartida, para DANTAS et al. (2016, p. 1415-1416), a posição adotada deve
ser outra, pois, não se duvida que, se estiver adimplente, a parte poderá cumprir com a
obrigação específica, mas se inadimplente não pode a parte se compelida a ver a obrigação
cumprida nos termos específicos, especialmente quando lhe cabe o direito a rescisão. Cabe
enaltecer que, diante da quebra da confiança ante o inadimplemento, não seria crivil fazer
com que o autor fosse obrigado a aceitar o cumprimento específico, uma vez que o réu já teve
a oportunidade de adimplir a obrigação e não o fez anteriormente.
Diante das posições divergentes acerca da aplicabilidade do Artigo 499 do Código de
Processo Civil e Artigo 475 do Código Civil, percebe-se uma tendência, ante a visão da
jurisprudência atual e parte da doutrina, na intenção de reavaliar o princípio da autonomia da
vontade, sendo mitigada a tutela da liberdade do devedor em descumprir ou quebrar o
contrato, e dando maior importância a questão da proteção da relação obrigacional, na qual se
espera o adimplemento contratual nos moldes propostos inicialmente no contrato, sob
qualquer custo.
Correta a visão de ROSENVALD (2016, p. 2) quando afirma que, deve haver um
respeito à posição clássica do direito privado na intenção de conferir liberdade ao devedor,
para que este avalie se é de seu interesse econômico cumprir a obrigação conforme entabulada
ou substituir pelo equivalente pecuniário. Ainda, em uma análise “macro” da ordem
econômica, um ambiente jurídico que traga ao credor a pluralidade de tutelas ressalta a livre
iniciativa.
90
COOTER e ULLEN (2010, p. 208-209) ao estudarem a Teoria Econômica do
Contrato indagam o fato de quais promessas devem ser executadas e qual seria o remédio
jurídico para quebra de promessas executáveis. Em linhas gerais, a eficiência econômica
exige que se cumpra uma obrigação se tanto o promitente quanto o promissário queriam a
executabilidade quando ela foi feita, ou seja, quando ambas as partes querem que a promessa
seja válida e eficaz quando acordada, sendo que o devedor possa se comprometer como
cumprimento da obrigação de maneira digna de crédito. Desta feita, entende-se que uma
obrigação digna de crédito de cumprir o acordado faz com que as partes cooperem, trazendo
eficiência. Quanto ao remédio jurídico para quebra de promessas executáveis, tem-se que
quanto maior for a indenização ou o preço deste inadimplemento contratual, maior será o
compromisso do devedor com o cumprimento da promessa.
Afirmar que ante o inadimplemento contratual o credor será obrigado ou “deverá”
exigir a tutela específica faz com que haja um início no processo de despersonalização da
relação obrigacional. Deve ser considerado o direito fundamental do credor em conseguir seu
crédito da melhor maneira ou como melhor lhe agradar contratualmente (ROSENVALD,
2016, p. 2).
A indenização por perdas e danos ocorrerá sem prejuízo de fixação de multa, de
modo a obrigar a parte devedora ao cumprimento da obrigação, tendo a referida multa aptidão
inibitória sobre a parte, no exato sentido do que afirmava LIMA (1979, p.869):
[...] enquanto o devedor tiver ânimo para suportar o ônus da incidência das astreintes, ele pagará a pena, inclusive, se houver obstinação irreversível. Não se pode deixar de reconhecer, como Josserand adverte, que 'não há fortuna que possa resistir a uma pressão contínua e incessantemente acentuada; a capitulação do devedor é fatal; vence-se a sua resistência, sem haver exercido violência sobre sua pessoa; procede-se contra seus bens, contra sua fortuna, contra seus recursos materiais.
Assim, percebe-se que multa além da inibição da quebra contratual, também traz
consigo a aptidão de persuadir a parte a adotar o comportamento que o texto legal espera.
O posicionamento atual está diametralmente oposto ao ambicionado por COUTO E
SILVA (1976, p. 211-212), o qual reconhece que é uma faculdade do credor escolher entre a
tutela específica e a indenização, sendo que esta possibilidade não se confunde com as
obrigações alternativas, pois nela existe apenas a escolha de substituir o objeto da prestação, e
não a própria prestação.
Ainda, na visão de MEDINA (2017, p. 502), nem sempre a utilização de medidas
sancionatórias é cabível à tutela do direito, pois existem atividades que somente podem ser
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adequadamente e corretamente adimplidas, sob o ponto de vista qualitativo, se o agente
estiver agindo com liberdade.
A exigência da tutela específica para obrigar o devedor ao cumprimento obrigacional
deve ser visto e estudado de maneira cautelosa pelo Direito, principalmente no que concerne
ao direito contratual, sendo que, é da natureza de um acordo econômico que cada parte
defenda seu negócio. Ou seja, as partes irão a todo custo defender seus interesses, portanto,
não seria crível fazer com que uma delas mantivesse a promessa contratual em detrimento de
seu interesse ou do interesse economicamente contratado.
Neste sentido, ROSENVALD (2016, p. 3) afirma que o princípio da boa-fé objetiva
não irá mudar a concepção de acordo econômico acima descrita, ela deverá ser entendida
como uma cláusula geral obrigacional que permite a entrada de outros princípios nas relações
obrigacionais, sendo que:
Por isso, ao invés de generalizar princípios abstratos, penso que os deveres oriundos da boa-fé devem ser cautelosamente identificados em casos particulares, sobremaneira em relações intercivis e interempresariais, nas quais a necessidade de certeza e segurança pede que o contrato não vá além dos termos convencionados por obra de uma instância externa, exceto quando isso seja necessário para que o próprio contrato faça sentido para as partes. Se quisermos respeitar verdadeiramente a ordem econômica constitucional, em toda a sua pluralidade, é hora de propormos diversos parâmetros objetivos de adequação desses interesses diversos, que possam harmonizar as tensões em cada caso e esclarecer quais serão as tutelas e técnicas processuais adequadas, de acordo com a qualidade das partes (relação empresarial/interprivada/ consumeirista), bem jurídico em jogo (bem essencial ou supérfluo), forma contratual (negócio paritário/adesão), superveniência de interesse ou não na prestação após o inadimplemento e etc.
Defende-se que, quando se analisa contratos de acordos econômicos deverá ser
analisada com cautela a exigência da tutela específica, pois, embora regida pelo princípio da
boa-fé objetiva, a certeza e segurança jurídica não deve ir além do que acordado no contrato,
salvo em casos que seja necessário ante as necessidades próprias do contrato.
Embora a necessidade de informação, cooperação e proteção recíproca visem o
adimplemento, quando existe uma crise de cooperação que se comprovada pelo próprio
inadimplemento, surge uma fase nova na formação da obrigação como processo, qual seja, a
etapa patológica do inadimplemento, que através das inúmeras tutelas será encarada pelo
Judiciário, não se afastando a possibilidade da prestação ser substituída pela pretensão
indenizatória, revelando-se uma boa-fé processual, que nada se relaciona com a “obrigação
como processo”. Desta feita, não há lugar para a ideia de que dentre os deveres cooperativos
possa estar a do juiz recusar a pretensão de um credor à compensação econômica ante o
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inadimplemento, uma vez que, isto excederia o âmbito de intervenção estatal na liberdade e
autonomia das partes, sendo que tais deveres não devem sacrificar a vontade das partes em
desfazer o vínculo contratual (ROSENVALD, 2016, p. 3).
Em recente julgado, datado de 12/07/2017, o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo – TJSP no voto do Desembargador Relator Décio Notarangeli entendeu que a obtenção
de tutela pelo resultado prática à tutela específica não é ilimitada, sob o seguinte fundamento: [...] Todavia, a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente à tutela específica não é ilimitada nem vai ao ponto de transformar a obrigação de fazer constituída no título judicial em obrigação de entregar dinheiro, de solver dívida, de restituir o que foi pago, vale dizer, obrigação pecuniária que constitui espécie particular de obrigação de dar, esta sim passível de ser convolada em perdas e danos (TJSP, AI 2094149-61.2017.8.26.0000, Des. Rel. Décio Notarangeli, 9.ª Câmara Cível, julgado em 12/07/2017, reg. em 19/07/2017).
Conforme parte do voto do Desembargador Relator Décio Notarangeli, a parte terá
direito a um montante que o coloque na posição que estaria se o contrato estivesse adimplido,
uma vez que a aplicação da tutela específica não é ilimitada, e deve ser analisada conforme o
caso concreto.
Todavia, em alguns casos é necessário examinar as conseqüências da inexecução do
contrato ante os tipos contratuais, sendo que no âmbito consumeirista e nos contratos de
adesão, compreensível o destaque da tutela específica, uma vez que o consumidor esta em
uma posição de dependência perante o contrato. Isto quer dizer que, requerer uma postura
específica da parte devedora somente será cabível quando a parte inadimplente possa cumprir
de maneira eficaz a obrigação e a indenização não seja interesse da outra parte
(ROSENVALD, 2016, p. 4).
A título de exemplo dos problemas que poderão surgir no curso da adoção sem
quaisquer análises da tutela específica e sem maiores cuidados com a questão econômica do
contrato, cabe exaltar o presente caso; um contrato para escavar um canteiro de obras, e que
no curso do serviço o empreiteiro queira desistir, pois, a escavadeira inesperadamente
encontra uma grande pedra no local onde deveria ser escavado. Pois bem, a tutela específica
conforme defendida por parte da doutrina deverá ser cumprida, obrigando a dar continuidade
a uma atividade economicamente ineficiente. Assim, ocorrendo tal fato, implicaria na
ampliação das despesas de produção que impactariam nos custos do contrato. A certeza de
que as partes deveriam prestar a tutela específica faria com que os contratantes negociassem
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cláusulas pré-estabelecidas para o caso de inadimplemento baseados em grandes quantias,
deixando os contratos cada vez mais onerosos (ROSENVALD, 2016, p. 4).
Pois bem, conforme demonstrado no exemplo acima se percebe que a utilização da
tutela específica de maneira irracional, sendo a “obrigação como processo”, fará com que os
contratos, principalmente os que envolvem grandes valores em dinheiro e os empresarias,
sofram um desencorajamento para serem realizados ou ainda, que aos seus valores de
contraprestação sejam somados os riscos e despesas de um possível inadimplemento, em face
de diversos fatores, onde o devedor se verá compelido a realizar a prestação contratual através
da tutela específica.
Tais questões poderão ser elididas ante a utilização equilibrada da tutela genérica e
da tutela específica.
É preciso cautela para entender e aplicar o Artigo 499 do Código Processo Civil
Brasileiro. O interesse do credor deve ser tutelado, porque não existe dúvida que é dever das
partes contratantes manterem suas promessas, contudo, a lei não tem por finalidade conceder
ao credor uma prerrogativa ilimitada, legitimando uma conversão arbitrária ou ainda que
obrigue a parte devedora a cumprir a tutela específica sobre qualquer hipótese.
Importante, salientar que, além do critério de equilíbrio que deverá ser utilizado
pelos magistrados ao julgarem a utilização de tutela genérica e específica ante a quebra do
contrato, outro importante norte para resolução de tal questão é a inclusão nas cláusulas
contratuais de remédios para inexecução ou quebra do contrato, sendo legítimo aos
contratantes definirem se o possível inadimplemento será resolvido por indenização ou tutela
específica. Contudo, esta última questão traz em seu bojo outro problema, qual seja, a
avaliação pelo Poder Judiciário da presente cláusula contratual, uma vez que, a mesma poderá
ser afastada em prol de princípios contratuais, dentre eles, a boa-fé objetiva. Assim, somente
haveria a certeza de cumprimento da referida cláusula se o litígio fosse resolvido através de
câmaras de mediação e arbitragem (ROSENVALD, 2016, p. 4).
Outra questão levantada por COOTER e ULEN (2010, p. 267) diz respeito acerca da
diferença, em termos de eficiência, no que concerne a tutela específica e a indenização, sob o
fundamento que:
O remédio jurídico da indenização dá ao promitente a opção de cumprir a promessa ou de descumpri-la e pagar indenização. O promitente pode escolher a alternativa mais barata. Em contraposição a isso, o remédio jurídico da execução específica dá ao promissário o direito ao cumprimento da promessa, independentemente de seu custo. Exercer esse direito nas circunstâncias erradas causa a ineficiência. Para evitar o exercício ineficiente do direito à execução específica, as partes precisam conseguir
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renegociar o contrato. A renegociação bem-sucedida pode restaurar a eficiência para a decisão de descumprir a promessa. Contanto que o principal e o agente consigam renegociar com sucesso, o remédio jurídico da indenização afeta a distribuição, mas não a eficiência.
Desta forma, outra questão relevante é possibilidade de renegociação ou
reformulação do contrato de modo que se restaure a eficiência desta relação contratual.
Enfim, quando se estuda a questão do inadimplemento ou quebra contratual
encontra-se um vasto campo de questões a serem dirimidas, dentre elas, a questão da
liberdade do devedor em inadimplir o contrato, e diante de tal fato, se este será ou não
compelido a realizar sob qualquer hipótese a tutela específica. Pois bem, quando a parte se vê
obrigada a prestar a tutela específica, percebe-se que não tem a liberdade de descumprir o
contrato, pois será sancionado com tal medida.
Analisando o tema sob óptica da análise econômica, quando os tribunais
regulamentam os contratos irão corrigir possíveis falhas de mercado, decorrentes de
externalidades, informações assimétricas e monopólios, reduzindo um possível
comportamento oportunista que atrapalha a possibilidade das pessoas de assumir
compromissos mútuos. Neste ínterim, o direito contratual terá um fomento às relações
obrigacionais duradouras, fazendo com que os contratantes atinjam suas finalidades tão
plenamente quanto possível (COOTER; ULEN, 2010, p. 247).
Veja-se, que conforme vastamente descrito acima, este trabalho trata de contratos
empresariais, que necessitam, serem vistos além da questão credor/devedor, e sim sob uma
análise econômica. Desta feita, a obrigação da tutela específica, fazendo com que a parte não
tenha a liberdade de quebrar o contrato pode trazer inúmeros problemas econômicos e
financeiros para estes tipos de contrato.
Diante disto, cabível a utilização da tutela específica e da genérica de maneira
equilibrada, visando sempre à destinação a qual o contrato se perfaz.
5. Considerações finais
O contrato é fonte constitutiva, modificativa ou extintiva de relações jurídicas, as
quais, na maioria das vezes, são obrigacionais. O inadimplemento ou quebra destes contratos
poderá ocorrer das mais diversas formas e por diversas razões.
Diante de tal assertiva o presente artigo fez um estudo acerca da questão da parte
contratante poder, ou seja, ter a liberdade, de inadimplir um contrato, sendo que surge a
indagação se tal fato será visto como um ato de liberdade ou um ato ilícito que deve ser
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sancionado. Fez-se um estudo acerca do inadimplemento contratual em nosso regime jurídico
e a coexistência dos remédios para este inadimplemento, ou seja, tutela genérica
(indenizatória) e tutela específica.
O Artigo 499 do Código de Processo Civil de 2015 afirma que em caso de
inadimplemento ou quebra contratual, a tutela específica deverá ser prestada como regra,
sendo somente convertida em perdas e danos se o autor requerer ou impossível de ser
prestada. Assim, o novo Código de Processo Civil enaltece a tutela específica no direito
brasileiro.
Ainda, nesta intenção, o Artigo 475 do Código Civil remete à discricionariedade do
credor a melhor maneira de compatibilizar o impacto econômico da inexecução com os
efeitos jurídicos almejados.
Analisando o texto legal, parte da doutrina e jurisprudência, entender-se-ia que o
credor não tem a faculdade de optar pelo equivalente em pecúnia sem antes dar ao devedor a
oportunidade de cumprir a obrigação da maneira contratada.
Diante de tal assertiva, percebe-se que o devedor não teria a liberdade de inadimplir
ou quebrar um contrato, pois o texto legal, parte da doutrina e jurisprudência, entendem que
isto configuraria de certa forma um ato ilícito, pois, o contratante será compelido ou
cumprimento da tutela específica sob pena de ser condenado em perdas e danos e uma vultosa
multa.
Todavia, parte da doutrina e da jurisprudência entende que a posição adotada deve
ser outra, pois, se inadimplente não pode a parte se compelida a ver a obrigação cumprida nos
da tutela específica, especialmente quando lhe cabe o direito a rescisão. Cabe enaltecer que,
diante da quebra da confiança, não seria crível fazer com que o autor fosse obrigado a aceitar
o cumprimento específico, mesmo porque o réu já teve a possibilidade de cumprir o contrato
em outra oportunidade e não o fez.
Ainda, há que se levar em conta que, deve-se conferir liberdade ao devedor, para
que este avalie se é de seu interesse econômico cumprir a obrigação conforme entabulada ou
substituir pelo equivalente pecuniário, com o pagamento da devida multa, tendo, portanto, um
ambiente jurídico que traga ao credor a pluralidade de tutelas ressaltando a livre iniciativa.
Então, quando se trabalha e analisa os contratos de acordos econômicos, deverá ser
analisada com cautela a exigência da tutela específica, pois, embora regida pelo princípio da
boa-fé objetiva, a certeza e segurança jurídica não deve ir além do que acordado no contrato,
pois, fará com que os contratos, sofram um desencorajamento para serem realizados ou ainda,
que aos seus valores de contraprestação sejam somados os riscos e despesas de um possível
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inadimplemento, pois de acordo com o texto legal o devedor se verá compelido a realizar a
prestação contratual através da tutela específica.
Os problemas pelo uso irracional da tutela específica poderão ser elididos ante a
utilização equilibrada da tutela genérica e da tutela específica. Veja-se que a obtenção de
tutela pelo resultado prático equivalente à tutela específica não é e nem deverá ser ilimitada.
Conclui-se, portanto, que a obrigação da obtenção da tutela específica, fazendo com
que a parte não tenha a liberdade de inadimplir um contrato traz problemas econômicos e
financeiros para os contratos, e diante disto cabe ao Poder Judiciário uma análise detalhada de
cada caso concreto no intuito de compatibilizar o impacto econômico do inadimplemento com
os efeitos jurídicos almejados no contrato.
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