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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
GÊNERO, SEXUALIDADES E DIREITO II
JONATHAN BARROS VITA
RENATO DURO DIAS
Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem osmeios empregados sem prévia autorização dos editores.
Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie
Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP
Conselho Fiscal:
Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE
Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente)
Secretarias: Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP
Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF
Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC
Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMGProfa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP
Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR
Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA
G326
Gênero, sexualidade e direito II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Jonathan Barros Vita, Renato Duro Dias – Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN:978-85-5505-544-7Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
CDU: 34
________________________________________________________________________________________________
Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Discriminação. 3. Exclusão de gênero.
4. Movimento feminista XXVI Congresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
Universidade Federal do Maranhão - UFMA
São Luís – Maranhão - Brasilwww.portais.ufma.br/PortalUfma/
index.jsf
XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
GÊNERO, SEXUALIDADES E DIREITO II
Apresentação
Este Grupo de Trabalho recentemente proposto pelas/o professor/as Silvana Beline Tavares
(UFG), Cecília Caballero Lois (UFRJ) e Renato Duro Dias (FURG) tem como objetivo
discutir gênero e sexualidades em uma perspectiva crítica e historicamente situada.
Em um momento em que a sociedade sofre com as opressões e os sistemas de desigualdade
de gênero é fundamental lançar mão de novos paradigmas epistemológicas, especialmente
dos estudos culturais, marxistas, decoloniais e foucaultianos, procurando estabelecer um
constante diálogo interdisciplinar no campo do direito.
O GT Gênero, Sexualidade e Direito II, do CONPEDI São Luís/MA, coordenado pelos
Professores Doutores Renato Duro Dias (FURG) e Jonathan Barros Vita (UNIMAR), foi
organizado em quatro blocos de modo a articular as temáticas pertinentes, aproveitando as
interfaces apresentadas nos trabalhos.
BLOCO 1 - Teoria feminista e gênero
CONEXÕES ENTRE FOUCAULT E GÊNERO: UM ENSAIO SOBRE ESTUDOS
FEMINISTAS - Gilda Diniz Dos Santos , Gabriela Maia Rebouças
TEORIA POLÍTICA FEMINISTA SUL-GLOBAL: PERSPECTIVAS DO FEMINISMO
TRANSNACIONAL PARA UMA TRANSPOSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA RUMO À
ALTERIDADE E À IGUALDADE SUBSTANCIAL. - Paula Camila Veiga Ferreira ,
Roberto Henrique Pôrto Nogueira
DESIGUALDADE DE GÊNERO ENTRE HOMENS E MULHERES: REFLEXÕES
SOBRE O FASCISMO E O GOLPE DE 2016.- Clarice Paiva Morais
MATERNIDADE E BIOPOLÍTICA: AS IMBRICAÇÕES ENTRE BIO
REGULAMENTAÇÃO DO ESTADO E DESIGUALDADE DE GÊNERO
MANIFESTADA NOS INSTITUTOS DAS LICENÇAS MATERNIDADE E
PATERNIDADE BRASILEIRA - Anna Caroline Ferreira Lisboa
BLOCO 2 - Gênero e relações de trabalho
OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO: PERSPECTIVAS A
PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO E AUTONOMIA DAS MULHERES.-
Jonathan Barros Vita , Patrícia Silva de Almeida
O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO FERRAMENTA PARA PROMOÇÃO
DA IGUALDADE ENTRE GÊNEROS NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO -
Sâmya Santana Santos , Liziane Paixao Silva Oliveira
AS MULHERES COMBATENTES E A INDIFERENÇA NO EXÉRCITO BRASILEIRO:
DO PATRIARCADO AO RECONHECIMENTO DAS DIFERENÇAS E DA IGUALDADE
DE OPORTUNIDADES - Janiquele Wilmsen , Josiane Petry Faria
BLOCO 3 - Gênero e violência
LIBERDADE DE EXPRESSÃO VERSUS DISCURSO DE ÓDIO: MARIAS, ALICES E A
VIOLÊNCIA DE GÊNERO – Raquel Fabiana Lopes Sparemberger , Vanessa Pedroso
Coelho
A TUTELA JURÍDICO-PENAL DA DIGNIDADE SEXUAL DA MULHER E O BEM
JURÍDICO CRÍTICO AO INTÉRPRETE – Bruna Marcelle Cancio Bomfim
A CLÍNICA DE ATENÇÃO À VIOLÊNCIA (CAV) COMO UM INSTRUMENTO PARA
A PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES - Josilene Barbosa Aboim
O HOMICÍDIO DO GÊNERO FEMININO NO ESTADO CONTEMPORÂNEO
BRASILEIRO - Kelly de Souza Barbosa , Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega
TRÁFICO DE DROGAS E MULHERES INVISÍVEIS: DISCUSSÕES DE GÊNERO A
PARTIR DO HC 118.533/MS DO STF - Taina Ferreira e Ferreira
ESTUPRO DE GUERRA: O SENTIDO DA VIOLAÇÃO DOS CORPOS PARA O
DIREITO PENAL INTERNACIONAL - Kennya Regyna Mesquita Passos , Federico
Losurdo
BLOCO 4 - Sexualidades
A ESCOLA COMO LOCUS DO DEBATE DAS QUESTÕES DE GÊNERO: UMA
ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI “ESCOLA SEM
PARTIDO" - Fabrício Veiga Costa , Mariel Rodrigues Pelet
O DISCURSO DA “IDEOLOGIA DE GÊNERO” E A CONSEQUENTE PERPETUAÇÃO
DA VIOLÊNCIA CONTRA POPULAÇÃO LGBT NO BRASIL - Thiago Hanney Medeiros
de Souza
“VIVER E NÃO TER A VERGONHA DE SER FELIZ” – IDENTIDADE TRANSEXUAL
FRENTE À PROTEÇÃO JURÍDICA DA FELICIDADE – Welington Oliveira de Souza dos
Anjos Costa , Vladmir Oliveira da Silveira
NOME SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE
HUMANA DAS TRAVESTIS - Leandra Chaves Tiago
PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE TRANSEXUAIS E A PROMOÇÃO
DA DIGNIDADE HUMANA - Eduarda Celino Rodrigues
Esperamos que estes estudos produzam potentes reflexões, capazes de transformar o contexto
acadêmico e social num espaço justo e solidário.
Coordenadores:
Prof. Dr. Renato Duro Dias - FURG
Prof. Dr. Jonathan Barros Vita - Unimar
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
Equipe Editorial Index Law Journal - [email protected].
1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA. Integrante do Centro de Estudos sobre Instituições e Dispositivos Punitivos. Bolsista na Clínica de Atenção à Violência. Advogada
1
A CLÍNICA DE ATENÇÃO À VIOLÊNCIA (CAV) COMO UM INSTRUMENTO PARA A PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
THE "CLÍNICA DE ATENÇÃO À VIOLÊNCIA (CAV)" AS AN INSTRUMENT FOR THE PROMOTION OF WOMEN'S HUMAN RIGHTS
Josilene Barbosa Aboim 1
Resumo
A violência permeia o cotidiano das mulheres, seja de forma simbólica ou física,
representando uma patente violação aos direitos humanos. Diante disso, diversos projetos se
propõem a combatê-la em todos os seus vieses, com o fito de dar cumprimento aos
instrumentos nacionais e internacionais de proteção dos direitos humanos das mulheres.
Nesse sentido, o presente trabalho se propõe a verificar em que medida as práticas da Clínica
de Atenção à Violência, projeto vinculado à Universidade Federal do Pará, têm garantido a
execução dos tratados, acordos e convenções internacionais firmados e ratificados pelo
Estado Brasileiro relativos ao enfrentamento da violência.
Palavras-chave: Violência, Direitos humanos, Clínica de atenção à violência, Gênero
Abstract/Resumen/Résumé
Violence permeates the daily lives of women, in a symbolic or physical way, representing a
patent of human rights. In this view, several projects aim to combat it in all its biases, in
order to comply with the international instruments and instruments for the protection of the
human rights of women. In this sense, the present work intends to verify to what extent as
practices of the Violence Attention Clinic, a project linked to the Federal University of Pará,
with guarantee of the execution of the treaties, international conventions and ratified by the
Brazilian State regarding the confrontation of violence.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Violence, Human rights, Clinic of attention of violence, Gender
1
101
1. INTRODUÇÃO
Recentemente, em junho de 2016, a UNESCO defendeu que educação em gênero,
dada a importância do tema, deve ser prevista em lei e debatido em escolas, sendo estas são
responsáveis por criar um ambiente de discussão contínuo tanto no conteúdo escolar e nas
relações entre alunos e alunas quanto na formação de cidadãos que respeitem a pluralidade
humana (SILVA JUNIOR, 2014; UNESCO, 2016).
A reprodução dos estereótipos de gênero, ensinados seja na escola, na família e na
sociedade em geral, possibilita que a "masculinidade", entendida como uma espécie de padrão
comportamental esperado socialmente pelos homens, a exemplo da brutalidade, inteligência
prática, insensibilidade, se sobreponha à "feminilidade", que por sua vez prevê que as
mulheres seriam gentis, dóceis, afetivas e delicadas.
O estudo acerca de gênero torna-se relevante uma vez que, quando as variadas
dimensões humanas não são debatidas e problematizadas, o androcentrismo e a
heteronormatividade podem ter consequências trágicas como o reforço da cultura do estupro,
feminicídio, LGBTTfobia, entre outros crimes e discriminações relativas ao que não é
considerado “padrão” (SILVA, 2011).
Isso posto e juntamente com inquietudes pessoais, escolheu-se como campo de
pesquisa a Clínica de Atenção à Violência (CAV), vinculada à Universidade Federal do Pará,
a qual a autora atua como advogada, para verificar em que medida as práticas da Clínica têm
garantido a execução dos tratados, acordos e convenções internacionais firmados e ratificados
pelo Estado Brasileiro relativos ao enfrentamento da violência.
No que tange aos aspectos metodológicos, a pesquisa em questão será pautada no
Estudo de Caso, por meio de uma abordagem qualitativa, escolhendo como campo de estudo a
Clínica de Atenção à Violência (CAV), localizada Rua Augusto Corrêa n.º 01 – Bloco Lp –
Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto – Bairro Guamá. Para a construção da
mesma, serão levantadas bibliografias específicas e coleta de dados.
Para tanto, inicialmente, serão abordados alguns documentos internacionais que se
propõem à garantia dos direitos humanos voltados às mulheres e os desafios na
implementação destes. Em um segundo momento, apresentar-se-ão dados referentes a
violências simbólicas (seja no trabalho ou na política) e físicas, que marcam a pele e eliminam
as mulheres. Por último, será exposta a experiência da Clínica de Atenção à Violência no
acolhimento e atendimento às pessoas vitima de violência.
2. A PROTEÇÃO LEGAL DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
102
Os Direitos Humanos garantidos às mulheres, grupo socialmente minoritário,
possuem, ao nosso ver, um cerne central: igualdade entre os gêneros, não obstante diversos
documentos internacionais trazem em seu bojo o referido princípio. Nesse sentido, para
Gomez (2014, p. 154), as Nações Unidas "ha liderado el proceso de protección de derechos de
las mujeres y ha fomentado la adopción de medidas de acción positiva para hacer efectivo el
contenido de estos derechos", não à toa traz no bojo da Carta das Nações Unidas, em seu
preâmbulo "el principio de igualdad entre hombres y mujeres y en su articulado menciona el
principio de igualdad de derechos, como uno de los propósitos de Naciones Unidas (arts.1.2)".
Nesse sentido, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os
Pactos Internacionais (de Direitos Civis e Políticos, bem como o de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, a vedação da discriminação em razão dos sexos reforçaram o coro em prol
da garantia do direito das mulheres. Veja-se os artigos 1 e 2 do primeiro documento citado:
Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade.
Artigo II 1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição.
Por sua vez, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos assim dispõe sobre
a igualdade entre os sexos:
Artigo 2.º 1. Cada Estado Parte no presente Pacto compromete-se a respeitar
e a garantir a todos os indivíduos que se encontrem nos seus territórios e
estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto,
sem qualquer distinção, derivada, nomeadamente, de raça, de cor, de sexo,
de língua, de religião, de opinião política, ou de qualquer outra opinião, de
origem nacional ou social, de propriedade ou de nascimento, ou de outra
situação.
Artigo 3.º Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar
o direito igual dos homens e das mulheres a usufruir de todos os direitos
civis e políticos enunciados no presente Pacto.
Não obstante, veja-se o que dispõe, em seu bojo, o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Econômicos:
ARTIGO 2º 2. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a
garantir que os direitos nele enunciados e exercerão em discriminação
alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento
ou qualquer outra situação.
ARTIGO 3º Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a
assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos
econômicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto.
103
Importante sublinhar que não se olvida da robusta relevância que os documentos
acima dispostos trouxeram para a garantia dos direitos humanos, em especial no que diz
respeito à igualdade, contudo, se concorda com Gomez (2014, p. 155) quando afirma que
"aunque ambos textos reconocen explícitamente el principio de igualdad y no discriminación
ante la ley, sin embargo carecen de una regulación específica sobre la situación de la mujer".
O reconhecimento das mulheres como população vulnerável vem desde 1974
quando proclamada a Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em estados de
emergência ou em conflito armado. Um ano depois, em 1975, a Assembléia Geral da ONU
declarou o decênio de 1975 a 1985 como a "Década da Mulher", organizando também no
mesmo ano a I Conferência Mundial sobre as Mulheres (FEITOSA E NOGUEIRA, 2013).
Nesta, se conclamou aos governos e organizações responsáveis o que segue, entre outros:
to promote and encourage, in the mass communication media of their
countries, the projection of a dignified and positive image of women,
divesting them of their role as vehicles for publicity and as targets for the
sale of consumer goods, with a view to bringing about changes in the
attitudes and ways of thinking of both men and women that will be
conducive to securing the equality and integrity of women and their full
participation in society;
Cinco anos depois, em 1979, adveio a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher, que firma no ordenamento internacional, de forma
específica a este grupo, as medidas que deverão ser adotadas pelo Estado, a fim de se garantir
a igualdade entre homens e mulheres. Para Gómez (2014, p. 157) considera-se este
instrumento "un hito en la lucha contra las normas y prácticas discriminatorias, en la medida
en que constituye un notable impulso a las iniciativas sobre la perspectiva de género a nivel
internacional".
Uma das justificativas apontadas para esse avanço nas garantias dos direitos
humanos às mulheres é que a década de 70 trouxe um leque de perspectivas. Nesta senda, no
intelecto de Zúñiga (2014, p. 184), em especial a partir da segunda metade do referido
decênio "las organizaciones feministas lograron introducir en los debates de la ONU la
necesidad de una protección especial para las mujeres y comenzaron a apuntar a la estructura
familiar como la fuente de la sujeción femenina".
Todavia, ainda muito se deveria avançar. Ana de Miguel Álvarez (2005, p. 323)
recorda que: "en todos los códigos penales españoles hasta el de 1983 se consideraba un
atenuante la relación conyugal en los malos tratos de los hombres a las mujeres".
Na década de 90, em 1993, a Assembléia Geral da ONU proclamou a Declaração
sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, por meio da resolução 48/104. No teor
104
desta, reconhecendo que a violência contras as mulheres "constitui uma manifestação de
relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres", conceitua em seus dois
primeiros o que se entende por violência contra as mulheres. Veja-se:
Artigo 1.º Para os fins da presente Declaração, a expressão “violência contra
as mulheres” significa qualquer acto de violência baseado no género do qual
resulte, ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico
para as mulheres, incluindo as ameaças de tais actos, a coacção ou a privação
arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida
privada.
Artigo 2.º A violência contra as mulheres abrange os seguintes actos, embora
não se limite aos mesmos:
a) violência física, sexual e psicológica ocorrida no seio da família, incluindo
os maus tratos, o abuso sexual das crianças do sexo feminino no lar, a
violência relacionada com o dote, a violação conjugal, a mutilação genital
feminina e outras práticas tradicionais nocivas para as mulheres, os actos de
violência praticados por outros membros da família e a violência relacionada
com a exploração;
b) violência física, sexual e psicológica praticada na comunidade em geral,
incluindo a violação, o abuso sexual, o assédio e a intimidação sexuais no
local de trabalho, nas instituições educativas e em outros locais, o tráfico de
mulheres e a prostituição forçada;
c) violência física, sexual e psicológica praticada ou tolerada pelo Estado,
onde quer que ocorra.
Nos mesmos moldes, em 1994, sobreveio a Convenção Interamericana Para
Prevenir, Punir e Erradicar A Violência Contra a Mulher, a “Convenção De Belém Do Pará”,
constituindo uma "positiva contribuição no sentido de proteger os direitos da mulher e
eliminar as situações de violência contra ela".
Diante desse abismo temporal, Zúñiga (2011) é categórica ao afirmar que as
dificuldades de constituição e garantia da cidadania feminina se justificam, em parte, porquê
somente muito recentemente foi introduzido o enfoque de gênero à teoria da cidadania, uma
vez que a noção de cidadania liberal moderna excluiu a cidadania feminina.
No Brasil, essa lógica se confirma. O código civil de 1916 elencava, no bojo de
seu artigo 5º, dentre os relativamente incapazes as "mulheres casadas, enquanto subsistir a
sociedade conjugal"1. Quase um século depois, em 2014, a Ordem dos Advogados do Brasil,
na subseção paraense, enumera, em um relação disponibilizado em seu endereço eletrônico2
1 A submissão da mulher ao esposo, inclusive, foi retratada por Foucault (2005) em História da Sexualidade III,
ao apresentar ao leitor um texto latino, que foi muito tempo considerado uma tradução da Econômica do Pseudo-
Aristóteles. De um lado, o autor prescreve igualmente os esposos devem evitar fazer algo de vil ou de desonesto
um para com o outro. Contudo, quanto às faltas do marido, o texto é claro ao indicar que a esposa deverá ter uma
atitude relativamente acomodatícia: "que ela também esqueça as faltas que seu marido, na desordem de sua alma,
pôde cometer contra ela"; "que ela não se queixe e não seja exigente em relação ao que ele faz, mas que atribua
tudo isso à doença, à inexperiência ou a erros acidentais". 2 Disponível em: <http://www.oabpa.org.br/index.php/setor-de-inscricao/file/86-relacao-de-documentos-
inscricao-principal-14>. Acesso em 20 mar 2017
105
quais documentos deveram ser apresentados pelos advogados para a inscrição definitiva no
quadro de advogados. Dentre eles, no item número oito, consta: "Certidão de casamento para
mulher (fotocópia autenticada)".
Nesse sentido, ainda no saber de Zúñiga (2011, p. 135), uma das explicações
possíveis diz respeito à cidadania moderna, em que o indivíduo se aparta do cidadão e "retrata
a un individuo ensimismado y despojado de todo atributo social, cuya única característica
relevante, a efectos de la asignación de derechos, es su pertenencia a la especie humana". O
individualismo, então, em uma espécie de pacto com o patriarcado, acabou por excluir metade
da humanidade na concepção de cidadania, resultado em uma democracia patriarcal, em que
"la subjetivación femenina representará una verdadera piedra en el zapato que va ser
inicialmente extirpada a través de la “racionalización” de la desigualdad natural y constitutiva
entre los dos sexos" (ZÚÑIGA, 2011, p. 137)
Por fim, atualmente as resistências Estatais ainda representam óbices na
salvaguarda dos direitos expostos neste trabalho, uma vez que "muchos Estados se rehúsan a
otorgar derechos a las mujeres con el argumento de que, al hacerlo, se atentaría contra la
cultura y la tradición, causando así conflictos sociales" (MERRY, 2011, p. 2).
3. AS DISCRIMINAÇÕES E VIOLÊNCIAS SIMBÓLICAS/FÍSICAS CONTRA AS
MULHERES NO BRASIL.
As mulheres lutam, ao longo dos anos, para desfazer alguns estereótipos que são
associados a elas: a maternidade como algo natural, o sexo frágil, a necessidade do
casamento heterossexual, entre outros. O feminismo, nesse sentido, além de permitir que
esses estereótipos sejam desconstruídos, enfrenta o machismo, seja por meio da luta pela
igualdade entre os sexos, do poder de decisão sobre seus corpos, da discriminação de todas as
ordens ou da liberdade de escolha sobre suas vidas.
Para Gómez Lugo (2014), a atual estrutura social se baseia no modelo patriarcal
em que permanecem os papéis e estereótipos que colocam a mulher em uma posição inferior a
do homem, o que gera uma discriminação contra as mulheres por conta de seu sexo. Esta
situação de discriminação afeta a vida das mulheres seja no cotidiano, seja ao longo de sua
vida, em diversos âmbitos.
Explica-se: de acordo com os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios, promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
106
fevereiro de 20163, indica que as mulheres correspondem a 63,4% (sessenta a três, quatro por
cento) da população não economicamente ativa, ainda que as mesmas correspondam a 54,3%
(cinquenta e quatro, três por cento) da população em idade ativa.
Nesse sentido, a mulher tradicionalmente é associada a profissões que demandam
um "cuidado com o outro", visto que a docilidade e a delicadeza no trato com os seres
humanos são atribuídas às mesmas quase que naturalmente, além dos serviços domésticos.
Assim, as atividades que demandam raciocínio lógico, força e inteligência matemática são
entendidas como eminentemente masculinas. É também o que aponta a última Pesquisa
Mensal de Emprego (PME), realizada em 2009 e publicizada em 2010, do IBGE, a qual traz,
à título exemplificativo, que 94,9% (noventa e quatro, nove por cento) dos homens ocupam o
ramo da Construção e 63,6% (sessenta e três, seis por cento) do ramo da Indústria são
ocupadas também pelos mesmos. Por sua vez, 94,5% (noventa e quatro, cinco por cento) das
mulheres desenvolvem os serviços domésticos no país. Veja-se a gráfico da pesquisa:
Antes que se desenvolva outra linha argumentativa, é necessário tecer uma crítica
às cores atribuídas aos sexos na pesquisa acima. É preciso desconstruir esses padrões fixos,
herméticos que só reforçam os estereótipos de gênero. A cor rosa, é corriqueiramente
associada às mulheres, visto que representante da fragilidade e mansidão. Em tese, seria o
comportamento que se espera do sexo feminino.
3 A abrangência da pesquisa engloba as seguintes Regiões Metropolitanas: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio
de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre
107
Isto posto, a diferença no rendimento médio também é outro ponto em que o
machismo se apresenta, bem como a desigualdade entre os sexos. Ainda que exercendo as
mesmas atribuições, homens e mulheres recebem remuneração diversa. Foi o que constatou,
no Brasil, a mesma pesquisa, conforme se pode observar:
Em uma apertada análise dos dados acima, verifica-se que mesmo as profissões
majoritariamente exercidas por mulheres, a exemplo dos serviços domésticos, o sexo
masculino aufere proventos superiores às mulheres.
Assim, uma das explicações, no saber de Maccise (2013, p. 61), citando Joan
Willians, seria que a sociedade se encontra regida atualmente por duas normas incompatíveis:
"la norma del cuidado familiar y la norma del trabajador ideal. Conforme a la primeira, las y
108
los niños deben ser cuidados por su familia, y no por personas extrañas". Essa função,
tradicionalmente encarregadas às mulheres, faz com que se gere a denominada "jornada
dupla", em que cabe ao homem somente "ajudar, cooperar", uma vez que este já seria o esteio
familiar. Continua a autora, apontando que: "Según la segunda, el mercado laboral en el
capitalismo presupone un trabajador ideal, que no tiene ninguna responsabilidad doméstica -
y no tiene necesidad, por tanto, de tomar tiempo libre para atender asuntos familiares",
restando para o outro genitor - no caso, a mulher- cuidar dos filhos. Ademais, não é difícil
concluir o porquê das mulheres serem preteridas no mercado de trabalho: possuem, em tese,
responsabilidades domésticas em demasia.
Isso remonta a partir da segunda metade do século passado, quando, no saber de
Feitosa e Nogueira (2013, p. 207), "as mulheres foram incluídas nas estratégias de atuação dos
Estados e dos organismos internacionais condutoras do desenvolvimento". Todavia, essa
inserção se deu por um viés discriminatório, o que gerou desigualdades sociais "decorrentes
da predominância dos papéis de gênero no modo de vida das pessoas". Como consequência
disto, houve uma divisão sexual do trabalho, existente até os dias atuais, resultando na
manutenção da "vinculação da mulher ao espaço doméstico, fato que demanda a urgente
aceitação de que tanto a reprodução social quanto a produção são trabalhos de
responsabilidades de ambos os sexos e essenciais para o desenvolvimento plural dos países".
Outro âmbito em que o patriarcado diminui a figura feminina é na esfera política.
Nesse sentido, para Zúñiga (2011, p. 279): "la separación entre la esfera pública de la
sociedad civil y política, y la esfera privada de la familia, sellarán un pacto entre democracia y
patriarcado, que tendrá por efecto la exclusión de la mitad de la humanidad de la ciudadanía".
No Brasil, a referida exclusão foi e continua institucionalizada, a exemplo das eleições de
2016, cujas as estatísticas4, disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, apontam que as
mulheres representavam 52% (cinquenta e dois por cento) do eleitorado, contudo, são apenas
32% (trinta e dois por cento) das candidaturas totais do mesmo ano. Como já esperado,
quanto aos resultados, apenas 13% (treze por cento) das representantes do sexo feminino
foram eleitas.
A demora no reconhecimento dos direitos civis às mulheres é clara desde a
década de 50, quando, em 1948, foi necessário editar a Convenção Interamericana sobre a
Concessão dos Direitos Civis à Mulher, uma vez que, conforme sua justificativa "a maioria
das Repúblicas Americanas, inspirada em elevados princípios de justiça, tem concedido os
4 Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/eleicoes-2016>. Acesso
em 05 mar 2017
109
direitos civis à mulher", um teor que soa como uma espécie de gentileza das Repúblicas para
com as mulheres.
Por sua vez, em 1953, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher foi mais
combativo no sentido de executar o princípio da igualdade de direitos dos homens e das
mulheres, seja nos direito de votar, seja no se ser eleito. Para tanto, afirma em seu artigo 3º:
"As mulheres terão, em condições de igualdade, o mesmo direito que os homens de ocupar
todos os postos públicos e de exercer todas as funções públicas estabelecidas em virtude da
legislação nacional, sem nenhuma restrição."
Dessa forma, além das violências simbólicas, há as violências física e até mesmo
mortais. De acordo com dados do último levantamento do Mapa da Violência (2015) sobre a
violência contra a mulher, em específico o feminicídio, no Brasil, de 2003 a 2013, houve
crescimento percentual de 8,8% da taxa de homicídio por 100 mil mulheres, enquanto que, no
Estado no Pará, o crescimento do referido percentual atingiu alarmantes 104,2% no mesmo
período. Nesse mesmo sentido, os dados divulgados em setembro de 2016 do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Datafolha, apontam que 42% dos
homens concordam com a afirmação de que “mulheres que se dão ao respeito não são
estupradas”, enquanto 63% das mulheres discordam. No contexto da região Norte, esses
dados tornam-se mais ameaçadores, uma vez que é a região do país com maior porcentagem
de quem concorda com a frase acima e corresponde a 43% da população paraense.
O Brasil, ainda de acordo com a pesquisa Mapa da Violência, ocupa a 5ª (quinta)
posição, em um total de 83 (oitenta e três) países pesquisados, dos países em que mais se
vitimam mortalmente mulheres. Os dados se tornam ainda mais assustadores quando se faz
um recorte de cor: no período de 2003 a 2013, os homicídios de negras aumentou 54,2%
(cinquenta e quatro, dois por cento), passando de 1.864 para 2.875 vítimas.
Em mulheres adultas, 57,1% (cinquenta e sete, um por cento) dos atendimentos do
Sistema Único de Saúde (SUS) são de violência física; 26,6% (vinte e seis, seis por cento)
corrrespondem à violência psicológica
Esses dados, infelizmente, não causam surpresa. A violência contra as mulheres é
sistemática e institucionalizada. Diante disso, diversas ferramentas, seja da iniciativa pública
ou privada, buscam formas de combatê-la e empoderar mulheres de seus direitos, a exemplo
da Clínica de Atenção à Violência (CAV), projeto vinculado à Universidade Federal do Pará
que será apresentado nas linhas subsequentes.
110
4. A ATUAÇÃO DA CLÍNICA DE ATENÇÃO À VIOLÊNCIA NA CIDADE DE
BELÉM.
Em 2016, na Universidade Federal do Pará, adveio o projeto intitulado "Clínica de
Atenção à Violência" (CAV), coordenador pela Professora Doutora Luanna Tomaz, que, em
parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisas “Direito Penal e Democracia” e o Núcleo
Interdisciplinar de Estudos da Violência na Amazônia, objetiva fornecer um atendimento
especializado às vítimas de violência, por meio dos seguintes propósitos: divulgar os
mecanismos de defesa dos direitos humanos, contribuindo para uma cultura de paz em Belém,
bem como capacitar alunos e professores para o atendimento a vítimas e para compreender a
realidade de certas formas de violência.
Por meio de um atendimento interdisciplinar, que envolve alunos bolsistas de
graduação em serviço social, odontologia, pedagogia, psicologia, enfermagem e direito, a
Clínica se propõe a tender vítimas de violência homofóbica, racial, policial, aquelas praticadas
contra idosos, crianças e adolescentes e mulheres.
No atendimento voltado às vítimas de violência, os assistidos são informados
sobre o que será realizado em cada etapa do acolhimento e a importância das condutas
jurídicas, odontológicas, psicológicas e de enfermagem, respeitando a sua opinião e possível
recusa em relação a algum procedimento.
Dessa forma, suas informações (nome completo, endereço, demanda, tipo de lesão
apresentada) são registradas em uma ficha personalizada, bem como outros dados necessários
para a compreensão integral da necessidade dos assistidos, a exemplo do nome do agressor,
local, data e como ocorreu a agressão.
Não obstante, a concepção de atendimento da CAV engloba os aspectos da
solidariedade, respeito, liberdade de escolha, sigilo profissional, empoderamento, agilidade e
eficiência na resolução dos casos, continuidade no atendimento, com suporte na humanização
do atendimento, na integralidade dos serviços oferecidos e na prevenção de revitimização.
A presente pesquisa compreende o período de 10.06.2016 até dia 10.03.2017 de
atendimento, e, inicialmente, verificou-se que, ainda que a CAV não seja especializada tão
somente no atendimento de vítimas do sexo feminino, a pesquisa permitiu verificar que dentre
os atendimentos, 100% dos assistidos são mulheres.5
Quanto às violências praticadas, no âmbito de da atuação da Clínica de Atenção à
Violência - CAV até a data da pesquisa, estão:
5 Há uma ressalva: houve a procura de um suposto agressor, contudo, o procedimento foi arquivado e o mesmo
foi aconselhado a procurar a Defensoria Pública do Estado do Pará.
111
TIPO DE VIOLÊNCIA QUANTIDADE DE CASOS
Assédio Sexual 2 casos
Assédio Moral 1 caso
Injúria Racial 1 caso
Violência Obstétrica 1 caso
Ameaça 4 casos
Violência doméstica 15 casos
Violência familiar 1 caso
Violência Psicológica/Moral 1 caso
Estupro e/ou Tentativa de
Estupro
2 caso
Tentativa de Homicídio 1 caso
Tabela: formulação própria, por meio dos dados obtidos na pesquisa.
Em análise dos dados, verifica-se que 60% (sessenta por cento) dos casos
atendidos pela CAV correspondem à violência doméstica, sendo em todos os casos praticados
pelos companheiros (ou ex-companheiros) das assistidas, o que encontra semelhança aos
resultados encontrados pelo Mapa da Violência (2015, p. 48): "No conjunto de todas as
faixas, vemos que prepondera largamente a violência doméstica. Parentes imediatos ou
parceiros e ex-parceiros (grafados em alaranjado, nas tabelas) são responsáveis por 67,2% do
total de atendimentos".
Esse cenário brasileiro, há muito conhecido, culminou em 2006 com o advento da
Lei n. 11.340, conhecida também como Lei Maria da Penha, a qual permitiu um aumento no
rigor penal para esse tipo de violência. O texto que apresenta a mencionada lei permite
verificar, de plano, a preocupação em combater esse tipo de crime, em especial no que tange
ao cumprimento dos instrumentos internacionais de proteção e garantia dos direitos humanos
das mulheres: "Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher".
112
Importante gizar que a violência doméstica sofrida pelas mulheres por muito
tempo foi considerada parte da vida privada dos sujeitos, de forma que o Estado não deveria
intervir. É o que assevera Zúñiga (2014, p. 184):
Aunque no es posible hablar del feminismo como un pensamiento
homogéneo, los análisis feministas comparten una orientación hacia la
politización de lo personal, es decir, se caracterizan por redefinir los
contornos de lo que, tradicionalmente, se han considerado asuntos
“privados” de la vida buena, tematizándolos como cuestiones “públicas” de
justicia. De esta manera, han facilitado que, por ejemplo, la violencia
intrafamiliar deje de ser considerada parte de la vida privada de los
sujetos (y, en consecuencia, un terreno en el que el Estado no debe
interferir) y sea vista, en cambio, como un grave problema de violación
de derechos humanos. (grifou-se)
Isso refletiu em uma espécie de aceite mundial da violência doméstica praticada
contra as mulheres. É o que traz a ONU MULHERES, por meio da pesquisa da Asociación de
la Encuesta Mundial de Valores 2010, ao abordar as percepções sobre a violência doméstica
ao redor do mundo. Verificou-se que " En 17 de un total de 41 países, una cuarta parte o más
de las personas opina que es justificable que un hombre golpee a su esposa". Observe-se o
quadro da pesquisa:
113
Nessa senda, uma importante contribuição da Clínica da Atenção à Violência diz
respeito ao empoderamento das mulheres vítimas de violência doméstica, trazendo uma nova
perspectiva sobre os relacionamentos para as mesmas. O machismo é tão incutido no dia a dia
que é comum, nos atendimentos, ouvir frases que justificam as agressões por conta de ciúmes
ou de amor excessivo. Ou ainda que os filhos precisam de uma figura paterna.
A imagem patriarcal da família pesa para as atendidas, uma vez que a própria
família das mesmas desapoia a denúncia, como foi o caso de Patrícia6, em que a mãe pediu
"pelo amor de Deus" que a filha não denunciasse seu companheiro de 20 (vinte) anos que há
cerca de 5 (cinco) anos deixou de praticar a violência física contra a esposa, contudo,
permanecem as violências psicológicas e ameaças.
Merry (2011, p. 2) traz que a necessidade de se manter a ordem nacional e
religiosa é um dos objetivos inclusive de muitos Estados, o que reforça a imagem do que seria
o ideal familiar, ao abordar que "muchos Estados dan por hecho que las mujeres deben estar
legal y socialmente subordinadas, deben tener menores derechos que los hombres para
contraer matrimonio o para divorciarse con el fin de conservar el orden nacional"
À título conclusivo, para Merry (2011), os direitos humanos funcionariam como
uma forma de resistência, ainda que alguns Estados oponham sua cultura e ordenamento
jurídico como sendo uma espécie de justificativa para a desigualdade de gênero, uma vez que
são estratégias de luta dos movimentos sociais ao abordar de forma mais ampla os direitos
civis e políticos, em especial quando se trata de violência de gênero.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A garantia dos direitos humanos voltados às mulheres, por serem de recente
aquisição (MERRY, 2011), conforme exposto no trabalho, ainda que garantindo em diversos
instrumentos nacionais ou internacionais, ainda tem que enfrentar muitos desafios para a sua
implementação.
Nessa senda, a violência física, na qualidade de violadora do direito humano à
integridade física, é um exemplo preciso desses desafios. O Brasil, como não é novidade,
possui pesquisas que aclaram a verdadeira situação de violência a que são submetidas às
mulheres, com mais variadas formas de violência: seja discriminatória, simbólica ou física.
A perpetuação dessas práticas, ainda que criminosas, é, por muitas vezes,
entendida como cultural, tendo em vista a manutenção da família constituída. A mulher, por
6 Nome alterado para preservar a identidade da vítima.
114
ainda viver em uma sociedade machista, acaba por acreditar em discursos misóginos que a
situam em posições inferiores que a dos homens, naturalizando o patriarcado, inclusive nas
escolas, em que há uma separação binária entre os gêneros.
Diante desse quadro, a Clínica de Atenção à Violência (CAV), projeto financiado
inicialmente pela Universidade Federal do Pará, na qualidade de instrumento promotor de
direitos humanos, assegura um atendimento interdisciplinar, humanizado e empoderador,
estando de acordo com o que preveem os instrumentos internacionais e nacionais. As práticas
da Clínica, inclusive, atendem, por exemplo, às primeiras partes do item b e d, ambas do
artigo 8º, da Convenção de Belém do Pará, ao "modificar os padrões sociais e culturais de
conduta de homens e mulheres" e "prestar serviços especializados apropriados à mulher
sujeitada a violência", colaborando primordialmente com o combate dessas violações de
direitos.
Por sua vez, a Declaração Sobre A Eliminação Da Violência Contra As Mulheres
também ressoa na atuação da Clínica quando ao item f, artigo 4ª, o qual pretende:
"Desenvolver, de forma abrangente, abordagens preventivas e todas as medidas de natureza
jurídica, política, administrativa e cultural que promovam a proteção das mulheres contra
qualquer forma de violência (...)". Não obstante, uma crítica é feita aos verbos utilizados pela
Convenção de Belém do Pará, numa espécie de caráter prescritivo, ou seja, prescrevem uma
realidade devida e exigível, acaba por se confrontar com a realidade factual e existente. No
artigo 8º, exemplifica muito bem, ao prever que "Artigo 8 - Os Estados Partes convêm em
adotar, progressivamente, medidas específicas (...)". O verbo "convir" não impõe nenhuma
atitude positiva de grande intensidade e ainda deixa margem para a conveniência Estatal. Ao
unir com o advérbio "progressivamente", a Declaração permite que os Estados aleguem um
rol de impossibildades para o cumprimento da mesma neste ponto.
Nesse sentido, além do acompanhamento dos procedimentos criminais, a Clínica
também atua no sentido de acionar o Poder Judiciário para processos cíveis, seja se guarda,
pensão alimentícia (quando há filhos do relacionamento abusivo) ou de danos morais, no caso
de violência psicológica e/ou moral, ou ainda em casos de grande repercurssão nas mídias,
como foi o caso da tentativa de homicício. O que encontra correspondência, à título de
exemplo, com o item g, do artigo 7º da Convenção de Belém do Pará que preceitua que os
Estado devem "estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar
que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e
outros meios de compensação justos e eficazes".
115
Por fim, foi possível verificar que Clínica está em consonância com os
instrumentos de salvaguarda de direitos humanos, ao empoderar mulheres de seus direitos,
por meio da quebra de diversos mitos que seriam tidos como culturais, ao promover um
atendimento humanizado e integrado com o meio jurídico, psicossocial e de saúde.
REFERÊNCIAS
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doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei
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