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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVIII, número 37 (2.481) Cidade do Vaticano quinta-feira 14 de setembro de 2017 y(7HB5G3*QLTKKS( +/!"!;!@!_! Durante a audiência geral o Papa falou da viagem à Colômbia A esperança e o futuro de um povo A viagem de Francisco à Colômbia Participação nas situações concretas LUCETTA SCARAFFIA NA PÁGINA 19 O povo colombiano «é jubiloso no meio de tantos sofrimentos, mas ale- gre; um povo com esperança»: fri- sou o Papa na audiência geral de 13 de setembro, na praça de São Pedro, recordando a recente viagem ao país latino-americano. «Uma das coisas que mais me ad- mirou em todas as cidades, entre a multidão — confidenciou improvi- sando as suas impressões — foram os pais e as mães», que «erguiam as crianças para que o Papa as aben- çoasse, e também mostravam com satisfação as suas crianças como que para dizer: “Este é o nosso orgulho! Esta é a nossa esperança”. Eu pen- sei: um povo capaz de ter filhos e de os mostrar com orgulho, como espe- rança: este povo tem um futuro. E gostei muito». De resto, reafirmou num segundo momento, «o testemu- nho deste povo é uma riqueza para toda a Igreja». Depois de ter recordado as visitas dos seus predecessores, Paulo VI em 1968 e João Paulo II em 1986, Fran- cisco comentou o lema da sua via- gem Demos el primer paso, isto é, “Demos o primeiro passo”, «referido ao processo de reconciliação que a Colômbia está a viver para sair de meio século de conflito interno, que semeou sofrimentos e inimizades, causando tantas feridas, difíceis de sarar. Aliás, prosseguiu, «a Colômbia — como a maior parte das nações lati- no-americanas — é um país no qual as raízes cristãs são muito fortes». E se isto «torna ainda mais agudo o sofrimento pela tragédia da guerra que a dilacerou, ao mesmo tempo constitui a garantia da paz, o funda- mento sólido da sua reconstrução, a linfa da sua invencível esperança». Por fim Francisco repercorreu as etapas da peregrinação em Bogotá, Villavicencio, Medellín e Cartagena. Publicamos nas páginas 2 a 19 os discursos proferidos pelo Pontífice durante esta viagem. PÁGINA 24 Não se deter no primeiro passo GIOVANNI MARIA VIAN Com uma grandiosa missa cele- brada no centro da enorme bacia portuária de Cartagena das Índias concluiu-se a visita do Papa à Co- lômbia. «Fizestes-me muito bem» disse com simplicidade Francisco, que deixou ao país uma recomen- dação além do lema, muito eficaz, escolhido para estes dias: não se deter no «primeiro passo», mas continuar dia após dia a «ir ao encontro do outro, em busca da harmonia e da fraternidade». Com o olhar dirigido a uma figu- ra exemplar de testemunha do evangelho, o jesuíta Pedro Claver, que no século XVII dedicou a sua vida aos pobres: quarenta anos de escravidão voluntária» ao lado dos numerosos escravos que che- gavam da África à grande cidade colonial em frente das Caraíbas. O exemplo deste santo «faz- nos sair de nós mesmos», aban- donando a autorreferencialidade, disse Bergoglio, repetindo um conceito central da sua vida na Argentina e como protagonista de um pontificado essencialmente missionário. Como se pôde ver também nesta viagem, percorren- do um país que procura sair de mais de meio século de guerra. «Colômbia, o teu irmão precisa de ti, vai ao seu encontro levando o abraço de paz, livre de qualquer violência, escravos da paz, para sempre» foram as últimas pala- CONTINUA NA PÁGINA 18 Motu proprio «Magnum principium» Continuar a renovação da vida litúrgica O Papa Francisco em Villavicencio diante da estátua do Cristo de Bocayá (8 de setembro) Livro realizado com o Pontífice Política e sociedade PÁGINA 20 Com o objetivo de favorecer a participação de todos na liturgia «de maneira consciente, ativa e proveitosa», co- mo recomendavam os padres do Vaticano II na consti- tuição Sancrosanctum concilium de 1963, o Papa Francis- co, com base no trabalho de uma comissão de bispos e peritos por ele instituída, modifica o cânone 838 do Co- dex iuris canonici relativo à publicação dos livros litúrgi- cos e às suas versões nas diversas línguas. Com o motu proprio Magnum principium, com data de 3 de setembro, que entrará em vigor a 1 de outubro próximo, o Pontífice coloca-se mais uma vez no sulco da «renovação de toda a vida litúrgica» empreendida pelo Vaticano II. E por isso indica a oportunidade de que «alguns princípios transmitidos desde a época do Concílio sejam reafirmados mais claramente e postos em prática» no campo da tradução dos livros litúrgicos. Matéria delicada e difícil, como demonstram o debate aceso destes decénios e os problemas específicos que surgiram do trabalho realizado sobre os textos. Ponto-chave do motu proprio é a relação entre Sé Apostólica e conferências episcopais na preparação e na tradução dos textos litúrgicos. E precisamente para «tor- nar mais fácil e frutuosa» a sua colaboração, através de um clima de «confiança recíproca, vigilante e criativa», o Papa reformula o cânone em questão, definindo em particular a distinção entre «revisão» (recognitio ) e «con- firmação» (confirmatio). Ambas as tarefas são de compe- tência da Sé Apostólica. A primeira tem por critério a verificação da fidelidade ao rito romano e à sua substancial unidade. E consiste numa obra de «revisão» e avaliação das adaptações que cada conferência episcopal pode fazer aos textos litúrgi- cos, a fim de valorizar as legítimas diversidades de po- vos e etnias no culto divino. A segunda é relativa às tra- duções preparadas e aprovadas pelos bispos para as re- giões de sua competência. Sobre estas a Sé Apostólica exerce unicamente um ato de «confirmação», ratificando em substância o trabalho dos episcopados e obviamente pressupondo a sua fidelidade e a correspondência das versões ao texto litúrgico original. Publicaremos na próxima edição a tradução do Motu Proprio.

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVIII, número 37 (2.481) Cidade do Vaticano quinta-feira 14 de setembro de 2017

y(7HB5G3*QLTKKS( +/!"!;!@!_!

Durante a audiência geral o Papa falou da viagem à Colômbia

A esperançae o futuro de um povo

A viagem de Francisco à Colômbia

Pa r t i c i p a ç ã onas situações concretas

LU C E T TA SCARAFFIA NA PÁGINA 19

O povo colombiano «é jubiloso nomeio de tantos sofrimentos, mas ale-gre; um povo com esperança»: fri-sou o Papa na audiência geral de 13de setembro, na praça de São Pedro,recordando a recente viagem ao paíslatino-americano.

«Uma das coisas que mais me ad-mirou em todas as cidades, entre amultidão — confidenciou improvi-sando as suas impressões — foram ospais e as mães», que «erguiam as

crianças para que o Papa as aben-çoasse, e também mostravam comsatisfação as suas crianças como quepara dizer: “Este é o nosso orgulho!

Esta é a nossa esperança”. Eu pen-sei: um povo capaz de ter filhos e deos mostrar com orgulho, como espe-rança: este povo tem um futuro. E

gostei muito». De resto, reafirmounum segundo momento, «o testemu-nho deste povo é uma riqueza paratoda a Igreja».

Depois de ter recordado as visitasdos seus predecessores, Paulo VI em1968 e João Paulo II em 1986, Fran-cisco comentou o lema da sua via-gem Demos el primer paso, isto é,“Demos o primeiro passo”, «referidoao processo de reconciliação que aColômbia está a viver para sair demeio século de conflito interno, quesemeou sofrimentos e inimizades,causando tantas feridas, difíceis des a r a r.

Aliás, prosseguiu, «a Colômbia —como a maior parte das nações lati-no-americanas — é um país no qualas raízes cristãs são muito fortes». Ese isto «torna ainda mais agudo osofrimento pela tragédia da guerraque a dilacerou, ao mesmo tempoconstitui a garantia da paz, o funda-mento sólido da sua reconstrução, alinfa da sua invencível esperança».

Por fim Francisco repercorreu asetapas da peregrinação em Bogotá,Villavicencio, Medellín e Cartagena.

Publicamos nas páginas 2 a 19 osdiscursos proferidos pelo Pontíficedurante esta viagem.

PÁGINA 24

Não se deterno primeiro passoGI O VA N N I MARIA VIAN

Com uma grandiosa missa cele-brada no centro da enorme baciaportuária de Cartagena das Índiasconcluiu-se a visita do Papa à Co-lômbia. «Fizestes-me muito bem»disse com simplicidade Francisco,que deixou ao país uma recomen-dação além do lema, muito eficaz,escolhido para estes dias: não sedeter no «primeiro passo», mascontinuar dia após dia a «ir aoencontro do outro, em busca daharmonia e da fraternidade».Com o olhar dirigido a uma figu-ra exemplar de testemunha doevangelho, o jesuíta Pedro Claver,que no século XVII dedicou a suavida aos pobres: quarenta anos deescravidão voluntária» ao ladodos numerosos escravos que che-gavam da África à grande cidadecolonial em frente das Caraíbas.

O exemplo deste santo «faz-nos sair de nós mesmos», aban-donando a autorreferencialidade,disse Bergoglio, repetindo umconceito central da sua vida naArgentina e como protagonista deum pontificado essencialmentemissionário. Como se pôde vertambém nesta viagem, percorren-do um país que procura sair demais de meio século de guerra.«Colômbia, o teu irmão precisade ti, vai ao seu encontro levandoo abraço de paz, livre de qualquerviolência, escravos da paz, parasempre» foram as últimas pala-

CO N T I N UA NA PÁGINA 18

Motu proprio «Magnum principium»

Continuar a renovação da vida litúrgica

O Papa Francisco em Villavicencio diante da estátua do Cristo de Bocayá (8 de s e t e m b ro )

Livro realizado com o Pontífice

Política e sociedade

PÁGINA 20

Com o objetivo de favorecer a participação de todos naliturgia «de maneira consciente, ativa e proveitosa», co-mo recomendavam os padres do Vaticano II na consti-tuição Sancrosanctum concilium de 1963, o Papa Francis-co, com base no trabalho de uma comissão de bispos eperitos por ele instituída, modifica o cânone 838 do Co-dex iuris canonici relativo à publicação dos livros litúrgi-cos e às suas versões nas diversas línguas.

Com o motu proprio Magnum principium, com datade 3 de setembro, que entrará em vigor a 1 de outubropróximo, o Pontífice coloca-se mais uma vez no sulcoda «renovação de toda a vida litúrgica» empreendidapelo Vaticano II. E por isso indica a oportunidade deque «alguns princípios transmitidos desde a época doConcílio sejam reafirmados mais claramente e postos emprática» no campo da tradução dos livros litúrgicos.Matéria delicada e difícil, como demonstram o debateaceso destes decénios e os problemas específicos quesurgiram do trabalho realizado sobre os textos.

Ponto-chave do motu proprio é a relação entre SéApostólica e conferências episcopais na preparação e na

tradução dos textos litúrgicos. E precisamente para «tor-nar mais fácil e frutuosa» a sua colaboração, através deum clima de «confiança recíproca, vigilante e criativa»,o Papa reformula o cânone em questão, definindo emparticular a distinção entre «revisão» (re c o g n i t i o ) e «con-firmação» (confirmatio). Ambas as tarefas são de compe-tência da Sé Apostólica.

A primeira tem por critério a verificação da fidelidadeao rito romano e à sua substancial unidade. E consistenuma obra de «revisão» e avaliação das adaptações quecada conferência episcopal pode fazer aos textos litúrgi-cos, a fim de valorizar as legítimas diversidades de po-vos e etnias no culto divino. A segunda é relativa às tra-duções preparadas e aprovadas pelos bispos para as re-giões de sua competência. Sobre estas a Sé Apostólicaexerce unicamente um ato de «confirmação», ratificandoem substância o trabalho dos episcopados e obviamentepressupondo a sua fidelidade e a correspondência dasversões ao texto litúrgico original.

Publicaremos na próxima edição a tradução do MotuP ro p r i o .

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

don Sergio Pellini S.D.B.d i re t o r - g e r a l

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No discurso às autoridades do país o convite a prosseguir na busca da unidade

Um futurosem ódio nem vingança

Na manhã de quinta-feira, 7 desetembro, o Papa fez o seupronunciamento oficial em terracolombiana, dirigindo às autoridadespolíticas do país no Paláciopresidencial de Bogotá o seguinted i s c u rs o .

Senhor Presidente,Membros do Governo da Repúblicae do Corpo Diplomático,Distintas Autoridades,Representantes da sociedade civil,Senhoras e senhores!Saúdo cordialmente o Senhor Presi-dente da Colômbia, Doutor JuanManuel Santos, e agradeço-lhe oamável convite para visitar esta Na-ção num momento particularmenteimportante da sua história; saúdo osmembros do Governo da Repúblicae do Corpo Diplomático. E em vós,Representantes da sociedade civil,quero saudar carinhosamente todo opovo colombiano, nestes primeirosmomentos da minha Viagem Apos-tólica.

Venho à Colômbia seguindo ospassos dos meus Predecessores — oBeato Paulo VI e São João Paulo II— e, como a eles, move-me o desejode partilhar com os meus irmãos co-lombianos o dom da fé, que ganhouraízes tão fortes nestas terras, e a es-perança que palpita no coração detodos. Só assim, com fé e esperança,é possível superar as numerosas difi-culdades do caminho e construir umpaís que seja pátria e casa para to-dos os colombianos.

A Colômbia é uma nação aben-çoada de muitas maneiras. A sua na-tureza generosa não só permite a ad-miração da sua beleza, mas convidatambém a respeitar cuidadosamentea sua biodiversidade. A Colômbia éo segundo país do mundo em biodi-versidade e, percorrendo-o, pode-sesaborear e ver como foi bom o Se-nhor (cf. Sl 33, 9) ao presentear-voscom uma variedade tão grande deflora e fauna nas vossas florestaspluviais, nos vossos páramos, noChocó, nos penhascos de Cali ounas montanhas como as da Macare-na e em tantos outros lugares. Igual-mente exuberante é a sua cultura; e,mais importante, a Colômbia é ricapela qualidade humana das suas po-pulações, homens e mulheres de es-pírito acolhedor e gentil; pessoas te-nazes e corajosas na superação dosobstáculos.

Este encontro dá-me oportunida-de de vos manifestar o meu apreçopelos esforços feitos, durante os últi-mos decénios, para pôr termo à vio-lência armada e encontrar caminhosde reconciliação. Sem dúvida, nesteúltimo ano, progrediu-se de modoparticular; e os passos dados fazem

de ouvir cantar: «Percorrer o cami-nho leva o seu tempo». Faz-se a lon-go prazo. Quanto mais difícil for ocaminho que conduz à paz e aobom entendimento, tanto mais esfor-ço havemos de fazer para reconhecero outro, sanar as feridas e construirpontes, para estreitar laços e nos aju-darmos uns aos outros (cf. Francis-co, Exort. ap. Evangelii gaudium,67).

Assim recita o lema deste país:«Liberdade e Ordem». Nestas duaspalavras, está compendiada todauma lição. Os cidadãos devem servalorizados na sua liberdade e prote-gidos por uma ordem estável. Não éa lei do mais forte, mas a força dalei (a lei que é aprovada por todos)que rege a convivência pacífica. Sãonecessárias leis justas que possamgarantir esta harmonia e ajudar a su-perar os conflitos que por decéniosdilaceraram esta nação; leis que nãonascem duma exigência pragmáticade ordenar a sociedade, mas do de-

tes. Como estas crianças que quise-ram, com a sua espontaneidade, tor-nar este momento protocolar muitomais humano. Todos somos impor-tantes. Na diversidade, está a rique-za. Penso naquela primeira viagemde São Pedro Claver desde Cartage-na até Bogotá sulcando o [rio] Mag-dalena: a sua maravilha é a nossa.Ontem e hoje, fixamos o olhar nasdiferentes etnias e nos habitantes dasáreas mais remotas, nos camponeses.Fixamos o olhar nos mais frágeis,naqueles que são explorados e mal-tratados, naqueles que não têm voz,porque foram privados dela, não lhaconcedendo ou não lha reconhecen-do. Fixamos o olhar também na mu-lher, na sua contribuição, no seu ta-lento, no seu ser «mãe» nas múlti-plas tarefas. A Colômbia precisa daparticipação de todos, para se abrirao futuro com esperança.

Fiel à sua missão, a Igreja estácomprometida com a paz, a justiça eo bem comum. Tem consciência de

que os princípios evangélicos consti-tuem uma dimensão significativa dotecido social colombiano e, conse-quentemente, podem contribuir mui-to para o crescimento do país; emparticular, o respeito sagrado pelavida humana, sobretudo a mais frá-gil e indefesa, é uma pedra angularna construção duma sociedade livreda violência. Além disso, não pode-mos deixar de destacar a importân-cia social da família, sonhada porDeus como o fruto do amor dos es-posos, «o espaço onde se aprende aconviver na diferença e a pertenceraos outros» (ibid., 66). E, por favor,peço-vos que escuteis os pobres, osque sofrem. Fixai-os olhos nos olhose deixai-vos interpelar incessante-mente pelos seus rostos sulcados desofrimento e pelas suas mãos supli-cantes. Deles se aprende autênticaslições de vida, de humanidade, dedignidade. Pois eles, que gememacorrentados, compreendem de ver-dade — como diz o texto do vossohino nacional — as palavras d’Aqueleque morreu na cruz.

Senhoras e senhores, tendes dian-te de vós uma bela e nobre missão,que é ao mesmo tempo uma tarefadifícil. Ressoa no coração de cadacolombiano o espírito do grandecompatriota Gabriel García Már-quez: «Contudo, perante a opressão,o saque e o abandono, a nossa res-posta é a vida. Nem os dilúvios nemas pestes, nem as carestias nem oscataclismos, nem mesmo as guerrassem fim durante séculos e séculosconseguiram reduzir a vantagem te-naz da vida sobre a morte. Umavantagem que cresce e progride».Então é possível — continua o escri-tor — «uma nova e arrebatadora uto-pia da vida, onde ninguém possa de-cidir pelos outros até a forma demorrer, onde seja verdadeiramentecerto o amor e seja possível a felici-dade, e onde as estirpes condenadasa cem anos de solidão tenham, porfim e para sempre, uma segundaoportunidade sobre a terra» (Discur-so por ocasião do Prémio Nobel, 1982).

O tempo gasto no ódio e na vin-gança é muito... A solidão de estarsempre uns contra os outros já seconta por decénios e aproxima-sedos cem anos; não queremos quequalquer tipo de violência restrinjaou suprima nem mais uma vida. Equis vir aqui para vos dizer que nãoestais sozinhos, que somos muitosaqueles que vos queremos acompa-nhar nesta etapa; esta viagem querser um incentivo para vós, uma con-tribuição que aplane de algum modoo caminho para a reconciliação e apaz.

Tenho-vos presente nas minhasorações. Rezo por vós, pelo presentee pelo futuro da Colômbia.

crescer a esperança, na convicção deque a busca da paz é uma obra sem-pre em aberto, uma tarefa que nãodá tréguas e exige o compromisso detodos. Uma obra que nos pede paranão esmorecermos no esforço porconstruir a unidade da nação e —apesar dos obstáculos, das diferençase das diversas abordagens sobre omodo como conseguir a convivênciapacífica — persistirmos na labuta porfavorecer a cultura do encontro queexige que, no centro de toda a açãopolítica, social e económica, se colo-que a pessoa humana, a sua sublimedignidade e o respeito pelo bem co-mum. Que este esforço nos faça es-quivar de toda a tentação de vingan-ça e busca de interesses apenas par-ticulares e a curto prazo. Acabamos

sejo de resolver as causas estruturaisda pobreza que geram exclusão eviolência. Só assim é possível curarduma mazela que torna frágil e in-digna a sociedade deixando-a sem-pre à mercê de novas crises. Não es-queçamos que a desigualdade é araiz dos males sociais (cf. ibid., 202).

Nesta perspetiva, encorajo-vos adeter o olhar em todos aqueles quehoje são excluídos e marginalizadospela sociedade, naqueles que nãocontam para a maioria, são despre-zados e postos de lado. Todos so-mos necessários para criar e formar asociedade. Esta não é feita apenascom alguns de «sangue puro», mascom todos. E aqui está a grandeza ebeleza dum país: no facto de todosterem lugar e todos serem importan-

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Aos jovens Francisco pediu que sejam a esperança da nação

Capazes de perdão para sanar os coraçõesNo final da visita à catedral deBogotá, que teve lugar a meio damanhã de 7 de setembro, o Papa foi aoPalácio cardinalício, onde da varandaabençoou os numerosíssimos fiéis,sobretudo jovens, que apinhavam apraça Simón Bolívar. A seguir, atradução da saudação.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!Com grande alegria, vos saúdo eagradeço a calorosa receção. «Emqualquer casa em que entrardes, di-zei primeiro: “A paz esteja nesta ca-sa!” E, se lá houver um homem depaz, sobre ele repousará a vossa paz;se não, voltará para vós» (Lc 10, 5-6).

Hoje entro nesta casa que é a Co-lômbia, dizendo-vos: «A paz estejaconvosco!» [resp ondem: «E contigotambém»] Tal era a forma de sauda-ção de todo o judeu e também deJesus. Com efeito, quis vir aqui co-mo peregrino de paz e de esperançae desejo viver estes momentos de en-contro com alegria, dando graças aDeus por todo o bem que realizounesta nação, na vida de cada pessoa.

Venho também para aprender;sim, aprender convosco, com a vossafé, com a vossa fortaleza perante aadversidade. Sabeis que o bispo, osacerdote devem aprender com o seupovo: por isso eu venho aprender,aprender convosco. Sou bispo, masvenho aprender. Vivestes momentosdifíceis e obscuros, mas o Senhor es-tá perto de vós, no coração de cadafilho e filha deste país. Ele não tempreferências, não exclui ninguém, oSenhor abraça a todos; e todos —ouvi bem! — todos somos importan-tes e necessários para Ele. Duranteestes dias, queria partilhar convoscoa verdade mais importante: Deusama-nos com amor de Pai e encora-ja-vos a continuar a procurar e dese-jar a paz, aquela paz que é autênticae duradoura. Deus ama-nos comamor de Pai. Repitamos juntos:«Deus ama-nos com amor de Pai».O brigado!

Neste ponto, eu tinha escrito:«Vejo aqui muitos jovens». Mas,mesmo com os olhos vendados, sa-beria que esta bela confusão, só apodem fazer os jovens! Pois bem!Vós, jovens — agora dirijo-me a vós— viestes de toda a parte do país:originários de Bogotá (cachacos), ha-bitantes da costa (costeños), da regiãode Antioquia, Caldas, Risaralda eQuindío (paisas), do Vale do Cauca(vallunos) e das planícies (l l a n e ro s ).Para mim é sempre motivo de ale-gria encontrar-me com os jovens. Eiso que vos digo neste dia: por favor,mantende viva a alegria, porque é si-nal do coração jovem, do coraçãoque encontrou o Senhor. E, se man-tendes viva esta alegria com Jesus,ninguém vo-la pode tirar, ninguém(cf. Jo 16, 22). Mas, na dúvida,aconselho-vos: não vo-la deixeis rou-bar, cuidai dessa alegria que tudounifica no facto de saber-se amadopelo Senhor. Porque, como dissemosatrás, Deus ama-nos… Como era?[resp ondem: «Deus ama-nos comamor de Pai»] Outra vez! [resp on-dem: Deus ama-nos com amor dePai»] E isto é o início da alegria. Ofogo do amor de Cristo faz trans-

bordar esta alegria e é suficiente pa-ra incendiar o mundo inteiro. Entãoque poderia impedir-vos de mudaresta sociedade, como tendes vontadede fazer? Não temais o futuro! Ou-sai sonhar grandes coisas! É a estesonhar em grande que hoje vos que-ro convidar. Por favor, não vos con-tenteis com fazer coisas «terra a ter-ra». Não; voai alto e sonhai coisasgrandes!

Vós, os jovens, tendes uma sensi-bilidade especial para re c o n h e c e r o so-frimento dos outros. É interessante!Imediatamente vos dais conta. O vo-luntariado do mundo inteiro nutre-se de milhares de jovens como vósque sois capazes de disponibilizar ovosso tempo, renunciar às vossas co-modidades, a projetos centrados emvós mesmos, para vos deixardes co-mover pelas necessidades dos maisfrágeis e dedicar-vos a eles. Mastambém pode acontecer que tenhaisnascido em ambientes onde a morte,o sofrimento, a divisão penetraramtão profundamente, que vos tenhamdeixado quase nauseados e comoque anestesiados quanto ao sofri-mento. Por isso quero dizer-vos: dei-xai que os sofrimentos dos vossos ir-mãos colombianos vos mobilizem! Ea nós, os mais velhos, ajudai-nos anão nos habituarmos ao sofrimentoe ao abandono. Precisamos de vós,ajudai-nos a não nos habituarmos aosofrimento e ao abandono.

Também vós, moços e moças queviveis em ambientes complexos, comdiferentes realidades e situações fa-miliares tão variadas, vos habituastesa ver que no mundo nem tudo ébranco ou preto, mas que a vida diá-ria se apresenta numa ampla gamade diferentes tonalidades de cinzen-to. É verdade! Mas isto pode expor-vos ao risco: ao risco de cair numaatmosfera de relativismo, deixandode lado esta potencialidade que têmos jovens de c o m p re e n d e r a dor da-queles que sofreram. Vós não tendesapenas a capacidade de julgar, assi-nalar erros, porque imediatamentevos dais conta deles, mas também acapacidade bela e construtiva dec o m p re e n d e r. Compreender que, mes-mo por detrás de um erro (porque —digamo-lo claramente — o erro é er-ro, e não se deve mascará-lo), vóssois capazes de compreender que,por detrás de um erro, há uma infi-nidade de razões, de atenuantes.Quanto precisa de vós a Colômbia,para se colocar na pele daquelesque, há muitas gerações, não pude-ram ou não souberam fazê-lo, ounão atinaram com o modo justo pa-ra chegar a compreender!

Para vós, jovens, é tão fácil encon-trar-vos. É fácil encontrar-vos. Eaqui tenho uma pergunta: Aqui en-contrastes-vos todos, mas desde quehora estais aqui? [resp ondem…] Ve-des como sois corajosos? Para vós, étão fácil encontrar-vos: é suficiente,para vos encontrardes, um aconteci-mento simples como este: um bomcafé, uma bebida ou qualquer outracoisa serve de pretexto para suscitaro encontro. Sim; qualquer coisa épretexto para um encontro. Os jo-vens encontram-se na música, na ar-te... Até uma final, uma partida en-tre o Atlético Nacional e o Américade Cali se torna ocasião para estarjuntos! Tendes esta facilidade de vosencontrar e, por conseguinte, podeisensinar-nos, a nós adultos, que acultura do encontro não significapensar, viver ou reagir todos domesmo modo. Não! Não é isto. Acultura do encontro significa saberque, independentemente das nossasdiferenças, todos somos parte de al-go de grande que nos une e trans-cende, somos parte deste país mara-vilhoso. Ajudai-nos, a nós adultos, a

entrar plenamente nesta cultura doencontro que praticais tão bem!

Além disso, a vossa juventudetambém vos torna capazes dumacoisa muito difícil na vida: p e rd o a r.Perdoar a quem nos feriu; é dignode nota ver como vós não vos dei-xais enredar por velhas histórias, co-mo olhais de modo estranho quandonós, adultos, repetimos histórias dedivisão simplesmente porque esta-mos presos a rancores. Vós ajudais-nos neste intento de deixar para trásaquilo que nos ofendeu, ajudais-nosa olhar para a frente sem o obstácu-lo do ódio, porque vós nos fazeisver toda a realidade que temos ànossa frente, toda a Colômbia quedeseja crescer e continuar a desen-volver-se; esta Colômbia que precisade todos e que nós, os mais velhos,devemos entregar a vós.

E, precisamente por esta capacida-de de perdoar, vós, jovens, enfrentaiso enorme desafio de nos ajudar a sa-nar o nosso coração. Ouvi o que vospeço: Ajudai-nos a curar o nosso co-ração. Podemos dizê-lo, todos jun-tos? [rep etem-no] É uma ajuda quevos peço: a de nos contagiar com aesperança juvenil, a esperança queestá sempre disposta a conceder aosoutros uma segunda oportunidade.Os ambientes de desespero e incre-dulidade fazem adoecer a alma: sãoambientes que não encontram saídapara os problemas; pior ainda, sãoambientes onde se boicotam aquelesque procuram encontrá-la, danificama esperança de que toda a comuni-dade necessita para avançar. Que asvossas aspirações e projetos oxige-nem a Colômbia e a encham de sa-lutares utopias! Jovens, sonhai, mo-bilizai-vos, sabei arriscar, olhai a vi-da com um sorriso novo, avançai!Não tenhais medo!

Só assim encontrareis a coragemde descobrir o país que se escondepor detrás das montanhas: aquelepaís que transcende os títulos dosjornais e não aparece nas preocupa-ções diárias por estar tão longe;aquele país que não se vê mas quefaz parte deste corpo social que pre-cisa de nós. Vós, jovens sois capazesde descobrir a Colômbia profunda!

CO N T I N UA NA PÁGINA 9Oração diante da Virgem de Chiquinquirá

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

Aos bispos da Colômbia o Papa pediu que apoiem o caminho da reconciliação

Não funcionários nem políticos mas pastoresO Papa concluiu a manhã de quinta-feira 7 de setembro encontrando-se comos bispos da Colômbia no Paláciocardinalício da capital. Publicamos aseguir uma tradução em português dodiscurso proferido em espanhol, depoisdas saudações que lhe foram dirigidaspelo cardeal arcebispo de Bogotá e pelovice-presidente da Conferênciaepiscopal.

A paz esteja convosco!

Assim o Ressuscitado saudou oseu pequeno rebanho depois de tervencido a morte; permiti que vossaúde do mesmo modo, no início daminha viagem.

Agradeço as palavras de boas-vin-das. Estou feliz porque os primeirospassos que dou neste país me levama encontrar-vos, Bispos da Colôm-bia, e, em vós, abraçar toda a Igrejacolombiana e estreitar o vosso povoao meu coração de Sucessor de Pe-dro. Agradeço-vos imenso pelo vos-so ministério episcopal, pedindo-vospara continuardes a exercê-lo comrenovada generosidade. Dirijo umasaudação particular aos Bispos emé-ritos, encorajando-os a continuarema apoiar, com a oração e a presençadiscreta, a Esposa de Cristo à qualgenerosamente se entregaram.

Venho anunciar Cristo e, em seunome, realizar um caminho de paz ereconciliação. Cristo é a nossa paz!Reconciliou-nos com Deus e entrenós!

Estou convencido de que a Co-lômbia possui algo de original, algomuito original, que chama fortemen-te a atenção: nunca foi uma metacompletamente realizada, um desti-no completamente alcançado, nemum tesouro totalmente possuído. Asua riqueza humana, os seus abun-dantes recursos naturais, a sua cultu-ra, a sua luminosa síntese cristã, opatrimónio da sua fé e a memóriados seus evangelizadores, a alegriaespontânea e sem reservas do seupovo, o sorriso impagável da sua ju-ventude, a sua original fidelidade aoEvangelho de Cristo e à sua Igreja esobretudo a sua coragem indómitade resistir à morte, não só anuncia-da, mas muitas vezes semeada. E tu-do isto se subtrai como a pudica florda mimosa no jardim — digamos quese esconde — àqueles que se apresen-tam como forasteiros ávidos de asubjugar, ao passo que se oferece ge-nerosamente a quem toca o seu co-ração com a mansidão do peregrino.A Colômbia é assim.

Por isso, como peregrino, me diri-jo à vossa Igreja. Sou vosso irmão,desejoso de partilhar Cristo ressusci-tado, para Quem nenhum muro éeterno, nenhum medo é indestrutí-vel, nenhuma chaga – nenhuma cha-ga – é incurável.

Não sou o primeiro Papa que vosfala aqui na vossa casa. Dois dosmeus maiores Predecessores foramhóspedes aqui: o Beato Paulo VI,que veio pouco depois da conclusãodo Concílio Vaticano II para encora-jar a realização colegial do mistérioda Igreja na América Latina; e SãoJoão Paulo II, na sua memorável vi-sita apostólica de 1986. As palavrasde ambos constituem um recurso

permanente: as indicações que deli-nearam e a síntese maravilhosa queofereceram sobre o nosso ministérioepiscopal constituem um patrimónioa preservar. Não estão antiquadas.Aquilo que eu vos disser, gostariaque fosse recebido em continuidadecom o que eles ensinaram.

Guardiões e sacramentodo primeiro passo

«Dar o primeiro passo» é o lemada minha visita e constitui também aminha primeira mensagem para vós.Bem sabeis que Deus é o Senhor doprimeiro passo. Ele sempre nos ante-cede. Toda a Sagrada Escritura falade Deus como exilado de Si mesmopor amor. Foi assim quando só haviatrevas, caos e, saindo de Si mesmo,fez com que tudo viesse à existência(cf. Gn 1, 1 — 2, 4); foi assim quando

so de Deus, uma bússola que não osdeixa perder-se.

Por isso guardai, com santo temore emoção, aquele primeiro passo deDeus rumo a vós e, pelo vosso mi-nistério, rumo ao povo que vos estáconfiado, na certeza de vós serdessacramento vivo daquela liberdadedivina que não tem medo de sair desi mesma por amor, que não temeempobrecer quando se dá, que nãoprecisa de outra força além do amor.

Deus precede-nos: somos ramos,não somos a videira. Portanto, nãosilencieis a voz d’Aquele que voschamou, nem vos iludais de que se-jam a soma das vossas pobres virtu-des — as vossas — ou os elogios dospoderosos de turno que asseguram oresultado da missão que Deus vosconfiou. Ao contrário, mendigai,mendigai na oração quando não pu-

podermos ser o que não éramos»(IDEM, Enarratio in Psalmos, 121, 12:PL 36).

Recomendo-vos que vigieis, indi-vidual e colegialmente, dóceis ao Es-pírito Santo, sobre este ponto departida permanente. Sem este nú-cleo, definham os traços do Mestreno rosto dos discípulos, a missãobloqueia-se e diminui a conversãopastoral, que mais não é do que darresposta à urgência do anúncio doEvangelho da alegria hoje, amanhã eno dia seguinte (cf. Lc 13, 33), solici-tude que devorou o coração de Je-sus, deixando-O sem ninho nem abri-go, entregue unicamente à realizaçãoaté ao fim da vontade do Pai (Lc 9,58.62). Que outro futuro podemosperseguir? A que outra dignidadepodemos aspirar?

Não vos meçais com o metro da-queles que quereriam que fósseisapenas uma casta de funcionáriossubmetidos à ditadura do presente.Ao contrário, mantende o olhar sem-pre fixo na eternidade d’Aquele quevos escolheu, prontos a receber ojulgamento decisivo dos seus lábios,que é aquele que vale.

Na complexidade do rosto destaIgreja colombiana, é muito impor-tante preservar a singularidade dassuas diferentes e legítimas forças, assensibilidades pastorais, as peculiari-dades regionais, as memórias históri-cas, as riquezas das peculiares expe-riências eclesiais. O Pentecostes per-mite que todos escutem na próprialíngua. Por isso, procurai com perse-verança a comunhão entre vós. Nun-ca vos canseis de a construir atravésdo diálogo franco e fraterno, conde-nando como uma peste os projetosescondidos, por favor. Sede solícitosa dar o primeiro passo, de um parao outro. Antecipai-vos na disponibi-lidade a compreender as razões dooutro. Deixai-vos enriquecer comaquilo que o outro vos pode oferecere construí uma Igreja que ofereça aeste país um testemunho eloquentede quanto se pode progredir quandose está disposto a não ficar nas mãosde poucos. O papel das ProvínciasEclesiásticas relativamente à própriamensagem evangelizadora é funda-mental, porque as vozes que a pro-clamam são diversas e harmoniza-das. Por isso não vos contenteis comum medíocre compromisso mínimo,que deixe os resignados na tranquilaquietude da sua impotência, enquan-to se domesticam aquelas esperançasque precisariam da coragem de serfundadas mais na força de Deus doque na própria debilidade.

Reservai uma sensibilidade parti-cular às raízes afro-colombianas dovosso povo, que tão generosamentetêm contribuído para desenhar orosto desta terra.

Tocar a carne do corpo de Cristo

Convido-vos a não ter medo detocar a carne ferida da vossa históriae da história do vosso povo. Fazei-ocom humildade, sem a vã pretensãode protagonismo mas com o coraçãoindiviso, livre de comprometimentosou servilismos. Só Deus é o Senhore, a nenhuma outra causa, se devesubmeter a nossa alma de Pastores.

Ele, ao passear no jardim das ori-gens, Se deu conta da nudez da suacriatura (cf. Gn 3, 8-9); foi assimquando Ele, peregrino, parou natenda de Abraão, deixando-lhe apromessa duma inesperada fecundi-dade (cf. Gn 18, 1-10); foi assimquando Se apresentou a Moisés fas-cinando-o, a ele que não tinha outrohorizonte além de pastorear as ove-lhas do seu sogro (cf. Êx 3, 1-2); foiassim quando não desviou o olharda sua amada Jerusalém, mesmo seela se prostituía no caminho da infi-delidade (cf. Ez 16, 15); foi assimquando emigrou com a sua glóriapara o meio do seu povo exilado naescravidão (cf. Ez 10, 18-19).

E, na plenitude do tempo, quis re-velar-nos o primeiro passo, o nomedo primeiro passo, do seu primeiropasso. Chama-se Jesus e é um passoirreversível. Provém da liberdade deum amor que precede tudo. Porqueo Filho, Ele mesmo, é expressão vivadesse amor. Aqueles que O reconhe-cem e acolhem, recebem em herançao dom de ser introduzidos na liber-dade de poderem realizar, sempren’Ele, esse primeiro passo, não têmmedo de se perder se saem de simesmos, porque possuem a garantiado amor que deriva do primeiro pas-

derdes dar nem dar-vos, para terdesalgo a oferecer àqueles que constan-temente se aproximam do vosso co-ração de Pastores. A oração na vidado Bispo é a seiva vital que passaatravés da videira, sem a qual o ra-mo murcha tornando-se infrutífero.Por isso, lutai com Deus — e maisainda na noite da sua ausência — atéque Ele vos abençoe (cf. Gn 32, 25-27). As feridas desta batalha diária eprioritária na oração serão fonte decura para vós; sereis feridos porDeus para vos tornardes capazes dec u r a r.

Tornar visível a vossa identidadede sacramentodo primeiro passo de Deus

Na verdade, tornar palpável aidentidade de sacramento do primei-ro passo de Deus exigirá um êxodointerior contínuo. «De facto não háconvite para amar mais eficaz doque ser os primeiros a amar» (SAN-TO AG O S T I N H O, De catechizandis ru-dibus, I, 4.7, 26: PL 40), pelo que ne-nhum campo da missão episcopalpode prescindir desta liberdade derealizar o primeiro passo. A condi-ção que torna possível o exercício doministério apostólico é a prontidãoem nos aproximarmos de Jesus, dei-xando para trás «o que fomos, para

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

A Colômbia precisa da vossa vi-são, própria de Bispos, a fim de aapoiar na coragem do primeiro pas-so para a paz definitiva, a reconcilia-ção, o repúdio da violência comométodo, a superação das desigualda-des que são a raiz de tantos sofri-mentos, a renúncia ao caminho fácilmas sem saída da corrução, a conso-lidação paciente e perseverante dares publica que requer a superação damiséria e da desigualdade.

Trata-se, supostamente, duma ta-refa árdua mas irrenunciável: os ca-minhos são íngremes e as soluçõesnão são óbvias. Da altura de Deus,que é a cruz do seu Filho, obtereis aforça; com a luzinha humilde dosolhos do Ressuscitado, percorrereiso caminho; escutando a voz do Es-poso que sussurra ao coração, rece-bereis os critérios para discernir denovo, em cada incerteza, a justa di-re ç ã o .

Um dos vossos ilustres literatosescreveu, referindo-se a um dos seuspersonagens míticos: «Não imagina-va que fosse mais fácil começar umaguerra do que terminá-la» (GABRIELGARCÍA MÁRQUEZ, Cem Anos de So-lidão, cap. 9). Todos sabemos que apaz exige dos homens uma coragemmoral peculiar. A guerra deriva dequanto há de mais baixo no nossocoração; ao contrário, a paz impele-nos a ser maiores do que nós mes-mos. Em seguida, o escritor acres-centava: «Não pensava que seriamprecisas tantas palavras para explicaro que se sentia na guerra; na realida-de, bastava uma só: medo» (Ibid.,cap. 15). Não é necessário que vosfale deste medo, raiz envenenada,fruto amargo e herança nefasta detodo o conflito. Desejo encorajar-vosa continuar a acreditar que se podeagir doutra maneira, lembrando quenão recebestes um espírito de escra-vos para recair no temor; o próprioEspírito atesta que sois filhos desti-nados à liberdade da glória que lhesestá reservada (cf. Rm 8, 15-16).

Com os vossos próprios olhos, ve-des e conheceis, como poucos, a de-formação do rosto deste país; soisguardiões dos elementos fundamen-tais que o tornam uno, apesar dassuas lacerações. Por isso mesmo, aColômbia precisa de vós para se re-conhecer no seu verdadeiro rostocheio de esperança não obstante assuas imperfeições, para se perdoaremuns aos outros não obstante as feri-das ainda não totalmente cicatriza-das, para acreditar que se pode per-correr outro caminho mesmo quan-do a inércia impele a repetir os mes-

mos erros, para ter a coragem de su-perar tudo aquilo que a pode fazermiserável não obstante os seus te-s o u ro s .

Confesso-vos que o sinto comoum dever; vem-me espontâneo enco-rajar-vos. Por isso, tenho que dizer-vos: Animai-vos! Sinto este dever:expressar-vos a ânsia que provo devos dar ânimo. Encorajo-vos, pois, aque não vos canseis de fazer de cadauma das vossas Igrejas um ventre deluz, capaz de gerar, mesmo sofrendoa pobreza, as novas criaturas de queesta terra necessita. Refugiai-vos nahumildade do vosso povo para vosdardes conta dos seus secretos recur-sos humanos e de fé, escutai quantoa sua espoliada humanidade bramapela dignidade que só o Ressuscita-do pode conferir. Não tenhais medode emigrar das vossas aparentes cer-tezas à procura da verdadeira glóriade Deus, que é o homem vivo. Co-ragem! Animo-vos neste caminho.

A palavra da reconciliação

Muitos podem dar a sua contri-buição para os desafios desta nação,mas a vossa missão é peculiar. Nãosois técnicos nem políticos; sois Pas-tores. Cristo é a palavra de reconci-liação escrita nos vossos corações etendes a força para a poder pronun-ciar nos púlpitos, nos documentoseclesiais ou nos artigos dos periódi-cos, e mais ainda no coração daspessoas, no santuário secreto dassuas consciências, na ardente espe-rança que os atrai quando escutam avoz do céu que proclama: «Glória aDeus nas alturas e paz na terra aoshomens do seu agrado» (Lc 2, 14).Deveis pronunciá-la com o recursofrágil, humilde mas invencível damisericórdia de Deus, a única capazde abater o orgulho cínico dos cora-ções autorreferenciais.

À Igreja, a única coisa que lhe in-teressa é a liberdade de pronunciaresta Palavra. Ser livre, para pronun-ciar esta Palavra. Não servem alian-ças com uma parte ou com a outra,mas a liberdade de falar ao coraçãode todos. É precisamente aqui quetendes a autonomia e o voo para de-sinquietar, a possibilidade de susten-tar uma inversão de rota.

O coração humano, muitas vezesiludido, concebe o projeto insensatode fazer da vida um aumento contí-nuo de espaços para depositar o queacumula. É uma ilusão. É precisa-mente aqui que é necessário que res-soe a pergunta: Que aproveita ga-nhar o mundo inteiro, se fica o vaziona alma (cf. Mt 16, 26)?

Pelos vossos lábios de legítimosPastores, que sois, a Colômbia tem odireito de ser interpelada pela verda-de de Deus, que repete continua-mente: «Onde está o teu irmão?»(Gn 4, 9). É um interrogativo quenão pode ser silenciado, mesmoquando o ouvinte nada mais podefazer que baixar o olhar, confundi-do, e balbuciar a sua própria vergo-nha por tê-lo vendido, quem sabe,pelo preço dalguma dose de estupe-faciente ou por alguma equívocaconceção de Estado, talvez pela

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A utopia da vidaGI O VA N N I MARIA VIAN

Em frente de um mar de gente deveras impressionanteo Papa celebrou a primeira missa da viagem à Colôm-bia, enquanto a noite de nuvens cinzentas e frias desciasobre Bogotá. O Papa Francisco falou a centenas demilhares de pessoas, talvez mais de um milhão, presen-tes no enorme parque dedicado a Simón Bolívar. Com-parando a realidade da metrópole e do país com a nar-ração do Evangelho: quando Jesus prega nas margensdo mar da Galileia a «multidões que ensaiavam poruma palavra de vida», diante das águas que englobama esperança dos pescadores, depois seus discípulos,mas também as trevas que ameaçam a existência huma-na.

Eis a imagem que sintetiza, juntamente com o abra-ço jubiloso e comovedor a um grupo de jovens porta-dores de deficiência, o início da visita à Colômbia.Apenas poucas horas, mas nas quais se concentraram oencontro com o presidente e com as autoridades, a sau-dação ao povo colombiano confiada a milhares de jo-vens, e dois importantes discursos: aos bispos do paíse, sucessivamente do Celam, o Conselho episcopal lati-no-americano, em continuidade com aquela conferênciaem Aparecida onde Bergoglio, como arcebispo de Bue-nos Aires, desempenhou um papel decisivo.

Francisco olha em perspetiva e as suas palavras,nunca autorreferenciais, são claras e transmitem espe-rança. Com a preocupação de que o Evangelho sejapregado de forma compreensível e «concretamente»,como recomendou ao Celam, porque a proximidade eo encontro «são os instrumentos de Deus». Eis então amissão da Igreja: ser sinal visível da proximidade deDeus e lugar permanente do encontro com ele.

Para «construir pontes, derrubar muros, integrar adiversidade, promover a cultura do encontro e do diá-

logo, educar ao perdão e à reconciliação, ao sentido dejustiça, à rejeição da violência e à coragem da paz».Olhando e abrindo-se aos jovens, às mulheres, aos lei-gos. «Sem as mulheres a Igreja do continente perderiaa força de renascer incessantemente» disse o Papa, re-comendando que elas não sejam reduzidas «a servasdo nosso clericalismo recalcitrante». Numa visão docatolicismo que vai além da América Latina e que Ber-goglio sintetizou pedindo aos bispos só paixão: paixãono anúncio do Evangelho.

Poucas horas antes o Pontífice tinham-se encontradocom os bispos da Colômbia, ensanguentada por umaguerra longa mais de meio século, louvando a coragemdo país de «resistir à morte, não só anunciada masmuitas vezes semeada», e agora a sua vontade de a su-perar. Dando aquele «primeiro passo» que é o lema davisita papal. Portanto, aos bispos o Papa falou da ur-gência da reconciliação e da missão, num contexto on-de a vida está ameaçada de vários modos: nos seus pri-mórdios e no seu final, pela violência e pela tentaçãosubversiva, pela droga e pelo narcotráfico , «metástasemoral que mercantiliza o inferno», que «semeia por to-dos os lados a corrupção e, ao mesmo tempo, faz pros-perar os paraísos fiscais».

Uma realidade dolorosa de ódio e de vingança queparece longa cem anos, sintetizou Bergoglio no discur-so às autoridades, pedindo a todos de a superem. Comuma alusão transparente ao mais célebre literato dopais, Gabriel García Márquez, logo a seguir citado demaneira sugestiva: «Diante da opressão, da depredaçãoe do abandono, a nossa resposta é a vida». Alias, épossível realizar «uma nova e arrebatadora utopia davida», na qual o amor é certo e a felicidade é possível,«e na qual as estirpes condenadas a cem anos de soli-dão tenham finalmente e para sempre uma segundaoportunidade na terra».

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

Ao Celam o Pontífice recordou a herança de Aparecida

O Evangelhoé sempre concreto

No início da tarde de quinta-feira 7 de setembro o Papa encontrou-se na sede danunciatura apostólica de Bogotá com o Comité diretivo do episcopado latino-americano (Celam). Depois da saudação que lhe foi dirigida pelo cardealpresidente, o Pontífice proferiu o discurso que publicamos a seguir. À noite, nopátio da nunciatura apostólica, o Papa encontrou-se com alguns grupos deportadores de deficiências. Como na noite anterior, também este encontro com omundo do sofrimento foi caraterizado por cantos e danças.

Queridos irmãos!Obrigado por este encontro e pelascalorosas palavras de boas-vindas doPresidente da Conferência do Epis-copado Latino-Americano. Se o pro-grama da viagem não fosse tão den-so, teria preferido encontrar-vos nasede do CELAM. Agradeço-vos a deli-cadeza de estardes aqui neste mo-mento.

Agradeço o esforço que fazeis pa-ra transformar esta ConferênciaEpiscopal Continental numa casa aoserviço da comunhão e da missão daIgreja na América Latina; num cen-tro propulsor da consciência de dis-cípulos e missionários; num pontode referência vital para a compreen-são e aprofundamento da catolicidadelatino-americana, delineada gradual-mente por este organismo de comu-nhão durante decénios de serviço. Econsidero propícia a ocasião paraencorajar os recentes esforços ten-dentes a expressar esta solicitude co-legial por meio do Fundo de Solida-riedade da Igreja Latino-Americana.

Há quatro anos, no Rio de Janei-ro, tive a oportunidade de vos falarsobre a herança pastoral de Apareci-da, último evento sinodal da Igrejada América Latina e do Caribe. En-tão destacara a necessidade perma-nente de aprender com o seu méto-do, baseado essencialmente na parti-cipação das Igrejas locais e em sin-tonia com os peregrinos que cami-nham em busca do rosto humilde deDeus, que quis manifestar-Se na Vir-gem pescada nas águas; método quese prolonga na missão continental quepretende ser, não a soma de iniciati-vas programáticas que enchem asagendas e também desperdiçam pre-ciosas energias, mas o esforço porcolocar a missão de Jesus no coraçãoda própria Igreja, transformando-aem critério para medir a eficácia dasestruturas, os resultados do trabalho,a fecundidade dos seus ministros e aalegria que são capazes de suscitar.Porque, sem alegria, não se atraininguém.

Ele, somos sempre filhos reencontra-dos.

Por isso, não se pode reduzir oEvangelho a um programa ao servi-ço de um gnosticismo na moda, aum projeto de promoção social nema uma visão da Igreja como burocra-cia que se autopromove; e a Igrejatambém não pode ser reduzida auma organização dirigida, com mo-dernos critérios empresariais, poruma casta clerical.

A Igreja é a comunidade dos dis-cípulos de Jesus; a Igreja é Mistérioe Povo (cf. Lumen gentium, 5; 9), oumelhor dito: nela realiza-se o Misté-rio através do Povo de Deus.

Por isso, insisti sobre o discipula-do missionário como uma chamadadivina para este tempo de hoje,complexo e carregado de tensões,um permanente sair com Jesus paraconhecer como e onde vive o Mes-tre. E, ao mesmo tempo que saímosna sua companhia, conhecemos avontade do Pai, que sempre nos ou-ve. Só uma Igreja Esposa, Mãe, Ser-va, que renunciou à pretensão decontrolar o que não é o b ra sua masde Deus, pode permanecer com Je-sus, mesmo quando o seu ninho erefúgio é a cruz.

Proximidade e encontro são osinstrumentos de Deus, que, em Cris-to, Se aproximou e sempre nos en-controu. O mistério da Igreja é reali-zar-se como sacramento desta proxi-midade divina e como lugar perma-nente deste encontro. Daqui a neces-sidade da proximidade do Bispo aDeus, porque n’Ele está a fonte da

contar com entusiasmo tudo o que fi-zemos (cf. Mc 6, 30).

Mas é necessário estar atentos. Asrealidades indispensáveis da vida hu-mana e da Igreja jamais são um mo-numento, mas um património vivo.É muito mais cómodo transformá-lasem recordações, de que se celebramos aniversários: 50 anos de Medellín,20 de Ecclesia in America, 10 de Apa-recida! Trata-se, porém, de algo di-verso: salvaguardar e fazer fluir a ri-queza desse património (pater mu-nus) constituem o munus da nossapaternidade episcopal para com aIgreja do nosso Continente.

Bem sabeis que a renovada cons-ciência, de que no início de tudo es-tá sempre o encontro com Cristo vi-vo, exige que os discípulos cultivema familiaridade com Ele; caso con-trário, ofusca-se o rosto do Senhor, amissão perde força, retrocede a con-versão pastoral. Assim, rezar e culti-var o relacionamento com Ele é aatividade mais improrrogável da nos-sa missão pastoral.

Aos seus discípulos, entusiasma-dos com a missão cumprida, Jesusdizia: «Vinde, retiremo-nos para umlugar deserto» (Mc 6, 31). Nós preci-samos ainda mais deste estar a sóscom o Senhor, para reencontrar o co-ração da missão da Igreja na Améri-ca Latina, nas circunstâncias atuais.Há tanta dispersão interior e tam-bém exterior! Os numerosos even-tos, a fragmentação da realidade, ainstantaneidade e a velocidade dopresente poderiam fazer-nos cair nadispersão e no vazio. Reencontrar aunidade é um imperativo.

como a um estranho, nem com umaconvocação impessoal como fariaum notário, nem mesmo com umadeclaração de preceitos para cumprircomo faz qualquer funcionário dosagrado. Deus fala com a voz incon-fundível do Pai que se dirige ao fi-lho, e respeita o seu mistério pois foiEle que o formou com as suas pró-prias mãos e destinou à plenitude. Onosso maior desafio como Igreja éfalar ao homem como porta-voz des-ta intimidade de Deus, que o consi-dera um filho, mesmo quando esterenega tal paternidade, porque, para

liberdade e da força do coração doPastor, bem como da proximidadeao Povo santo que lhe foi confiado.Nesta proximidade, a alma do após-tolo aprende a tornar palpável a pai-xão de Deus pelos seus filhos.

Ap a re c i d a é um tesouro, cuja des-coberta ainda está incompleta. Te-nho certeza de que cada um de vósdescobre quanto a sua riqueza se en-raizou nas Igrejas que trazeis no co-ração. Como os primeiros discípulosenviados por Jesus no seu projetomissionário, também nós podemos

Onde se encontra a unidade?Sempre em Jesus. O que torna per-manente a missão não é o entusias-mo que inflama o coração generosodo missionário, embora sempre ne-cessário; mas sim a companhia deJesus por meio do seu Espírito. Seem missão não sairmos com Ele, ra-pidamente perderemos o caminho,arriscando-nos a confundir as nossasvãs necessidades com a sua causa. Sea razão do nosso caminhar não forEle, será fácil desanimar no meio dafadiga do caminho, perante a resis-tência dos destinatários da missão,

Detive-me então nas tentações,ainda presentes, da ideologização damensagem evangélica, do funciona-lismo eclesial e do clericalismo, por-que em jogo está sempre a salvaçãoque Cristo nos traz. Esta deve che-gar ao coração do homem com aforça de interpelar a sua liberdade,convidando-o a um êxodo perma-nente da sua autorreferencialidadepara a comunhão com Deus e comos irmãos.

Deus, quando fala ao homem emJesus, não o faz com um apelo vago

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

face aos cenários mutáveis das cir-cunstâncias que marcam a história,ou pelo cansaço dos pés devido aodesgaste insidioso causado pelo ini-migo.

Não faz parte da missão ceder aodesânimo, quando porventura, pas-sado o entusiasmo do início, chega omomento em que tocar a carne deCristo se torna muito difícil. Numasituação como esta, Jesus não aca-lenta os nossos medos. E, como sa-bemos muito bem que não há maisninguém para quem possamos irporque só Ele tem palavras de vidaeterna (cf. Jo 6, 68), consequente-mente é necessário aprofundar anossa vocação.

Concretamente, que significa saircom Jesus em missão, hoje, na Amé-rica Latina? O advérbio «concreta-mente» não é um detalhe de estilo,mas pertence ao núcleo da pergunta.O Evangelho é sempre concreto,nunca um exercício de estéreis espe-culações. Conhecemos bem a tenta-ção frequente de perder-se em bizan-tinismos dos «doutores da lei», desaber até aonde se pode ir sem per-der o controle do próprio territóriodemarcado ou do suposto poder queos limites garantem.

Muito se falou sobre a Igreja emestado permanente de missão. Sair,partir com Jesus é a condição destarealidade. Sair, sim; mas com Jesus.O Evangelho fala de Jesus que, ten-do saído do Pai, percorre, com osseus, os campos e as povoações daGalileia. Não é inútil este percursodo Senhor. Enquanto caminha, en-contra; quando encontra, aproxima-Se; quando Se aproxima, fala; quan-do fala, toca com o seu poder;quando toca, cura e salva. Levar aoPai aqueles que encontra é o objeti-vo do seu permanente sair, sobre oqual devemos refletir continuamentee fazer um exame de consciência. AIgreja deve reapropriar-se dos verbosque o Verbo de Deus conjuga nasua missão divina. Sair para encon-trar, sem passar ao largo; reclinar-sesem desleixo; tocar sem medo. Tra-ta-se de ir dia após dia trabalhar nocampo, lá onde vive o Povo de Deusque vos foi confiado. Não é lícitodeixar-nos paralisar pelo ar condi-cionado dos escritórios, pelas estatís-ticas e pelas estratégias abstratas. Énecessário dirigir-se à pessoa na suasituação concreta; não podemosafastar o olhar dela. A missão reali-za-se sempre num corpo a corpo.

Uma Igreja capaz de sersacramento de unidade

Vê-se tanta dispersão ao nosso re-dor! E não me refiro apenas à ricadiversidade que sempre caraterizou oContinente, mas às dinâmicas de de-sagregação. É preciso ter cuidadopara não ficar preso nestas armadi-lhas. A Igreja não está na AméricaLatina como se tivesse as malas namão, pronta a partir depois de a tersaqueado, como muitos fizeram aolongo do tempo. Aqueles que assimse comportam, olham com um senti-do de superioridade e desprezo parao seu rosto mestiço; pretendem colo-nizar a sua alma com as mesmas fór-mulas, falidas e recicladas, sobre avisão do homem e da vida, repetemreceitas iguais matando o pacienteenquanto enriquecem os médicos queos mandam; ignoram as razões pro-fundas que habitam no coração doseu povo e que o tornam forte preci-samente nos seus sonhos, nos seusmitos, apesar dos numerosos desen-cantos e falimentos; manipulam po-liticamente e atraiçoam as suas espe-ranças, deixando atrás de si terraqueimada e o terreno pronto para oeterno retorno do mesmo, ainda quese reapresente com novas vestes. Ho-mens e utopias fortes prometeramsoluções mágicas, respostas instantâ-neas, efeitos imediatos. A Igreja, sempretensões humanas, respeitosa dorosto multiforme do Continente —que considera, não uma desvanta-gem, mas uma riqueza perene — de-ve continuar humildemente a prestaro seu serviço ao verdadeiro bem dohomem latino-americano. Deve tra-balhar incansavelmente por construirpontes, abater muros, integrar a di-versidade, promover a cultura do en-contro e do diálogo, educar para operdão e a reconciliação, para o sen-tido de justiça, a rejeição da violên-cia e a coragem da paz. Nenhumaconstrução duradoura na AméricaLatina pode prescindir desta baseinvisível, mas essencial.

A Igreja conhece, como poucos,aquela unidade sapiencial que ante-cede toda e qualquer realidade naAmérica Latina. Convive diariamen-te com aquele património moral so-bre o qual se baseia o edifício exis-tencial do Continente. Estou certode que, ao mesmo tempo que vosdigo isto, à vossa mente já veio onome a dar a esta realidade. Comela, devemos dialogar continuamen-te. Não podemos perder o contactocom este substrato moral, com estehumus vital que habita no coração

do nosso povo; nele se percebe amistura quase indistinta mas ao mes-mo tempo eloquente do seu rostomestiço: não apenas indígena, nemhispânico, nem lusitano nem afro-americano, mas mestiço, latino-ame-ricano!

Guadalupe e Ap a re c i d a são mani-festações programáticas desta criati-vidade divina. Bem sabemos que is-to faz parte do fundamento sobre oqual se apoia a religiosidade populardo nosso povo; faz parte da sua sin-gularidade antropológica; é um domcom que Deus Se quis dar a conhe-cer ao nosso povo. As páginas maisluminosas da história da nossa Igrejaforam escritas precisamente quandosoubemos nutrir-nos desta riqueza,falar a este recôndito coração quepalpita salvaguardando, como umpequeno tição aceso sob as cinzasaparentes, o sentido de Deus e dasua transcendência, a sacralidade davida, o respeito pela criação, os laçosde solidariedade, a alegria de viver, acapacidade de ser felizes sem condi-ções.

Para falar a esta alma que é pro-funda, para falar à América Latinaprofunda, a única estrada que resta àIgreja é aprender continuamentecom Jesus. O Evangelho diz que Elefalava só em parábolas (cf. Mc 4, 34).Imagens que integram e tornam par-ticipantes, que transformam os ou-vintes da sua Palavra em persona-gens das suas narrações divinas. Osanto Povo fiel de Deus na AméricaLatina não compreende outra lin-guagem sobre Ele. Somos convida-dos a ir em missão não com concei-tos frios que se contentam com opossível, mas com imagens que con-tinuamente multiplicam e desenvol-vem as suas forças no coração dohomem, transformando-o em grãosemeado em terreno bom, em fer-mento que aumenta a capacidade defazer pão da massa, em semente queesconde a força da árvore fecunda.

Uma Igreja capaz de sersacramento de esperança

Muitos se lamentam duma certafalta de esperança na América Latinade hoje. A nós, não é permitido serlamurientos, porque a esperança quetemos vem do Alto. Além disso, sa-bemos bem que o coração latino-americano foi treinado para a espe-rança. Como dizia um cantor e com-positor brasileiro, «a esperança éequilibrista; dança na corda bamba desombrinha» (cf. JOÃO BO S C O, O Bê-

bado e a Equilibrista). Quando sepensava que tinha acabado, eis queressurge onde menos a esperávamos.O nosso povo aprendeu que nenhu-ma deceção é capaz de o vencer. Se-gue Cristo flagelado e manso, sabeaguardar que se faça dia e permane-cer na esperança da sua vitória, por-que, no fundo, está ciente de nãopertencer totalmente a este mundo.

Não há dúvida de que a Igreja,nestas terras, é de modo particularum sacramento de esperança, mas énecessário vigiar sobre a concretiza-ção desta esperança. Quanto maistranscendente, tanto mais devetransformar o rosto imanente daque-les que a possuem. Peço-vos que vi-gieis sobre a concretização da espe-rança e permiti que vos lembre al-guns dos seus rostos já visíveis nestaIgreja latino-americana.

A esperança na América Latinatem um rosto jovem

Fala-se frequentemente dos jovens(proclamam-se estatísticas sobre oContinente do futuro); alguns refe-rem notícias sobre a sua alegada de-cadência e quanto estejam adormeci-dos, outros aproveitam-se do seu po-der de consumir, e não falta quemlhes proponha o papel de peões dotráfico de droga e da violência. Nãovos deixeis capturar por tais carica-turas sobre os jovens. Fixai-os nosolhos e procurai neles a coragem daesperança. Não é verdade que estãoprontos a repetir o passado. Abri-lhes espaços concretos nas Igrejasparticulares que vos estão confiadas,investi tempo e recursos na sua for-mação. Proponde programas educa-cionais incisivos e objetivos a reali-zar, pedindo-lhes — como os paispedem aos filhos — que ponham emato as suas potencialidades e edu-cando o seu coração para a alegriada profundidade, não da superficia-lidade. Não vos contenteis com retó-ricas ou opções escritas nos planospastorais mas jamais postas em prá-tica.

Escolhi o Panamá, o istmo desteContinente, para a Jornada Mundialda Juventude de 2019, que será cele-brada seguindo o exemplo da Vir-gem que proclama: «Eis aqui a ser-va» e «faça-se em mim» (Lc 1, 38).Tenho a certeza de que, em cada jo-vem, se esconde um «istmo»; no co-ração de todos os nossos moços emoças, há um pedaço estreito e com-prido de terreno que se pode percor-rer para os levar rumo a um futuroque só Deus conhece e a Ele perten-ce. Cabe a nós apresentar-lhes gran-des propostas, para despertar neles acoragem de arriscar juntamente comDeus e se tornar disponíveis como aVirgem Maria.

A esperança na América Latinatem um rosto feminino

Não há necessidade de me alon-gar sobre o papel da mulher no nos-so Continente e na nossa Igreja.Dos seus lábios, aprendemos a fé;quase com o leite do seu seio, adqui-rimos os traços da nossa alma mesti-ça e a imunidade contra qualquerdesespero. Penso nas mães indígenasou morenas, penso nas mulheres das

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consciência errada de que o fim jus-tifica os meios.

Peço-vos para manterdes o olharsempre fixo no homem concreto.Não sirvais um conceito de homem,mas a pessoa humana amada porDeus, feita de carne e osso, história,fé, esperança, sentimentos, deceções,frustrações, dores, feridas, e vereisque esta visão concreta do homemdesmascara as estatísticas frias, oscálculos manipulados, as estratégiascegas, as informações falseadas, lem-brando-vos de que, «na realidade, omistério do homem só no mistériodo Verbo encarnado se esclarece ver-dadeiramente» (Gaudium et spes,22).

Uma Igreja em missão

Tendo em conta o generoso traba-lho pastoral que já realizais, deixaique vos apresente alguns anseios quetrago no meu coração de Pastor, mo-vido pelo desejo de vos exortar a sercada vez mais uma Igreja em mis-são. Os meus Predecessores já insis-tiram sobre alguns destes desafios: afamília, a vida, os jovens, os sacerdo-tes, as vocações, os fiéis-leigos, a for-mação. Os decénios transcorridos,apesar do enorme trabalho realiza-do, talvez tenham tornado aindamais fadigosas as respostas para tor-nar a maternidade da Igreja eficazna geração, nutrição e acompanha-mento dos seus filhos.

Penso nas famílias colombianas,na defesa da vida desde o ventrematerno até ao seu termo natural, napraga da violência e do alcoolismodifundida tantas vezes nas famílias,na fragilidade do vínculo matrimo-nial e na ausência do pai de famíliacom as suas trágicas consequênciasde insegurança e orfandade. Pensoem tantos jovens ameaçados pelo va-zio da alma e arrastados pela evasãoda droga, pelo estilo de vida fácil oupela tentação subversiva. Penso nosnumerosos e generosos sacerdotes eno desafio de os apoiar na opção fiele diária por Cristo e pela Igreja, en-quanto alguns outros continuam aviver a cómoda neutralidade dequem não opta por nada para ficarna solidão de si mesmo. Penso nosfiéis-leigos espalhados por todas asIgrejas particulares, perseverando fa-digosamente para se deixar congre-gar por Deus, que é comunhão,mesmo quando não poucos procla-mam o novo dogma do egoísmo eda morte de toda a solidariedade(palavra esta, que querem cancelardo dicionário). Penso no esforçoimenso de todos por aprofundar a fée torná-la luz viva para os corações elâmpadas para dar o primeiro passo.

Não vos trago receitas nem querodeixar-vos uma lista de tarefas. Nofundo, gostaria de vos pedir que,realizando em comunhão a vossagravosa missão de Pastores na Co-lômbia, conserveis a serenidade. Nãosei se vo-lo deveria dizer (isto vem-me agora à mente), mas, se estiver aexagerar, perdoai-me. Ao falar queuma das virtudes que mais precisamé conservar a serenidade, não querodizer que não a tenham, mas que omomento presente vo-la exige mais.Bem sabeis que, de noite, o malignocontinua a semear o joio, mas tende

a paciência do Senhor do campo,confiando na boa qualidade das vos-sas sementes. Aprendei com a sualonganimidade e magnanimidade.Os seus tempos são longos, porqueé incomensurável o seu olhar deamor. Quando o amor é reduzido, ocoração torna-se impaciente, turbadopela ânsia de fazer coisas, devoradopelo medo de ter falido. Sobretudoacreditai na humildade da sementede Deus. Confiai na força oculta doseu fermento. Orientai o coração pa-ra aquele fascínio estupendo queatrai e leva a vender tudo para sepossuir este tesouro divino.

De facto, que podeis oferecer demais forte à família colombiana doque a força humilde do Evangelhodo amor generoso que une o homeme a mulher, constituindo-os imagemda união de Cristo e a sua Igreja,transmissores e guardiões da vida?As famílias precisam de saber que,em Cristo, podem tornar-se árvoresfrondosas capazes de oferecer som-bra, dar fruto em todas as estaçõesdo ano, abrigar a vida entre os seusramos. Hoje há muitos que prestamhomenagem a árvores sem sombra,infecundas, ramos desprovidos deninhos. Quanto a vós, o ponto departida seja o testemunho alegre deque a felicidade está noutro lugar.

cupação pela vida que levam os seussacerdotes. Vivem verdadeiramentesegundo Jesus? Ou improvisaramoutras seguranças, como a estabilida-de económica, a ambiguidade moral,a vida dupla ou a aspiração míopepor uma carreira? Os sacerdotes ca-recem, com vital e urgente necessi-dade, da proximidade física e afetivado seu Bispo. Os sacerdotes preci-sam de sentir que têm um pai.

Sobre as costas dos sacerdotes,pesa frequentemente a fadiga do tra-balho diário da Igreja. Encontram-sena vanguarda, continuamente cir-cundados de pessoas que, abatidas,procuram neles o rosto do Pastor. Aspessoas aproximam-se e batem àporta do seu coração. Eles devemdar de comer às multidões, e o ali-mento de Deus jamais é uma pro-priedade da qual se possa dispor in-condicionalmente. Pelo contrário,provém apenas da indigência postaem contacto com a bondade divina.Despedir a multidão e alimentar-secom o pouco que cada um possa in-devidamente apropriar-se é uma ten-tação permanente (cf. Lc 9, 12-13).

Por isso, vigiai sobre as raízes es-pirituais dos vossos sacerdotes. Con-duzi-los continuamente até àquelaCesareia de Filipe, onde possam, des-de as origens do J o rd ã o de cada um,

Bem-aventuranças vividas sine glosae no total abaixamento de si mesmosno serviço. Por favor, não os consi-dereis como «recursos úteis» para asobras apostólicas; antes, sabei reco-nhecer neles o grito do amor consa-grado da Esposa: «Vem, Senhor Je-sus!» (Ap 22, 20).

A mesma preocupação formadoradeve ser reservada aos fiéis-leigos, dequem depende não só a solidez dascomunidades de fé, mas tambémgrande parte da presença da Igrejanos campos da cultura, da política,da economia. Formar na Igreja sig-nifica pôr-se em contacto com a féardente da comunidade viva, pene-trar num património de experiênciase respostas suscitadas pelo EspíritoSanto, porque é Ele que ensina to-das as coisas (cf. Jo 14, 26).

E, antes de terminar (já me alon-guei um pouco!), gostaria de dedicarum pensamento aos desafios daIgreja na Amazónia, uma região daqual justamente vos sentis orgulho-sos, porque é parte essencial da ma-ravilhosa biodiversidade deste país.A Amazónia constitui, para todosnós, um teste decisivo para verificarse a nossa sociedade, quase sempreconfinada no materialismo e nopragmatismo, está em condições desalvaguardar o que recebeu gratuita-mente, não para o espoliar, mas parao fazer frutificar. Penso sobretudo naarcana sabedoria dos povos indíge-nas da Amazónia, interrogando-mese ainda somos capazes de aprenderdeles a sacralidade da vida, o respei-to pela natureza, a consciência deque a razão instrumental não é sufi-ciente para colmar a vida do homeme dar resposta às suas interrogaçõesmais inquietantes.

Por isso, convido-vos a não aban-donar a si mesma a Igreja na Ama-zónia. A consolidação dum rostoamazónico para a Igreja que peregri-na aqui é um desafio para todos vós,que depende do crescente e cons-ciencioso apoio missionário de todasas dioceses colombianas e de todo oseu clero. Ouvi dizer que, nalgumaslínguas nativas da Amazónia, parareferir a palavra «amigo», usa-se aexpressão «o meu outro braço». Se-de, pois, o outro braço da Amazó-nia. A Colômbia não a pode ampu-tar, sem ficar mutilada no seu rostoe na sua alma.

Queridos irmãos!Convido-vos agora a voltarmo-nos

espiritualmente para Nossa Senhorado Rosário de Chiquinquirá, cujaimagem tivestes a delicadeza de tra-zer do seu Santuário até à magníficaCatedral desta cidade para que tam-bém eu a pudesse contemplar.

Como bem sabeis, a Colômbianão pode conseguir por si mesma averdadeira Renovação por que aspira,mas é-lhe concedida do Alto. Entãosupliquemo-la ao Senhor, por inter-médio da Virgem Nossa Senhora.

Da mesma forma que, em Chi-quinquirá, Deus renovou o esplen-dor do rosto da sua Mãe, assim con-tinue a iluminar, com a sua luz ce-leste, o rosto deste país inteiro eabençoe a Igreja na Colômbia com asua benévola companhia e vos aben-çoe a vós, a quem agradeço tudo oque fazeis. Obrigado!

Não funcionários nem políticos mas pastores

Que podeis oferecer aos vossos jo-vens? Eles querem sentir-se amados,desconfiam de quem os desvaloriza,pedem coerência clara e esperamque os empenhem. Acolhei-os, pois,com o coração de Cristo e abri-lhesespaço na vida das vossas Igrejas.Não participeis em qualquer conluioque lese as suas esperanças. Não te-nhais medo de levantar serenamentea voz, para lembrar a todos que umasociedade, que se deixe seduzir pelamiragem do narcotráfico, arrastaaquela metástase moral que mercan-tiliza o inferno e semeia a corruçãopor toda a parte e, ao mesmo tem-po, engorda os paraísos fiscais.

Que podereis dar aos vossos sa-cerdotes? O primeiro dom é o dapaternidade, garantindo-lhes que amão que os gerou e ungiu não se re-tirou da sua vida. É verdade que vi-vemos na era da informática e nãovos será difícil alcançar os vossos sa-cerdotes em tempo real, através dealgum programa para envio de men-sagens. Mas o coração dum pai,dum Bispo, não se pode limitar auma comunicação precária, impes-soal e externa com o seu presbitério.Não pode desaparecer do coraçãodo Bispo a preocupação, a sã preo-

escutar de novo a pergunta de Jesus:«Para ti, Quem sou Eu?» E a razãodo gradual deterioramento, que mui-tas vezes leva à morte do discípulo,está sempre num coração que já nãopode responder: «Tu és o Messias, oFilho de Deus vivo» (cf. Mt 16, 13-16). A partir disso, esmorece a cora-gem da irreversibilidade do dom desi mesmo e deriva também a deso-rientação interior, o cansaço dum co-ração que já não sabe acompanhar oSenhor no seu caminho para Jerusa-lém.

De modo especial cuidai, por fa-vor, do itinerário de formação dosvossos sacerdotes, desde o nascimen-to da chamada de Deus nos seus co-rações. A nova Ratio FundamentalisInstitutionis Sacerdotalis, recentemen-te publicada, constitui um recursovalioso, à espera de aplicação, paraque a Igreja na Colômbia esteja à al-tura do dom de Deus que nuncacessou de chamar muitos dos seus fi-lhos ao sacerdócio.

Não transcureis, por favor, a vidados consagrados e consagradas.Constituem o safanão querigmáticoa todo o mundanismo, sendo cha-mados a queimar qualquer refluxode valores mundanos no fogo das

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

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Os corações dos jovens sentem-seestimulados perante os grandes de-safios. Quanta beleza natural paraser contemplada, sem necessidadede a espoliar! Quantos jovens co-mo vós precisam da vossa mão es-tendida, do vosso ombro para vis-lumbrar um futuro melhor!

Hoje quis viver estes momentosconvosco. Tenho a certeza de que,em vós, existe o potencial necessá-rio para construir — sim, construir —a nação que sempre sonhamos. Osjovens são a esperança da Colôm-bia e da Igreja; no seu caminhar enos seus passos, vislumbramos osde Jesus, Mensageiro da Paz,d’Aquele que sempre nos traz boasnotícias.

Dirijo-me agora a todos vós,queridos irmãos e irmãs deste ama-do país: crianças, jovens, adultos eidosos, vós que desejais ser porta-dores de esperança. Que as dificul-dades não vos oprimam, que a vio-lência não vos abata, que o malnão vos vença! Acreditamos queJesus, com o seu amor e a sua mi-sericórdia que permanecem parasempre, venceu o mal, venceu opecado e a morte. Repetimo-lo?

[repetem]. Basta apenas ir ao en-contro d’Ele. Ide ao encontro deJesus! Convido-vos ao compromis-so — não ao resultado alcançado —ao compromisso. A que é que vosconvido? [respondem: «ao compro-misso») E de que é que não deveisestar à espera? [respondem: «doresultado alcançado»] Acertastes;congratulações! Então, assumi estecompromisso em prol da renovaçãoda sociedade, para que seja justa,estável, fecunda. Daqui vos encora-jo a confiar no Senhor, que é oúnico que nos sustenta, o únicoque nos encoraja para podermoscontribuir para a reconciliação e apaz.

Abraço-vos a todos e cada um, aquantos estais aqui, aos doentes,aos mais pobres, aos marginaliza-dos, aos necessitados, aos idosos,aos que estão em casa... a todos;todos estais no meu coração. E pe-ço a Deus que vos abençoe. E, porfavor, não vos esqueçais de rezarpor mim. Muito obrigado!

Antes de partir, se quiserdes,dou-vos a Bênção. Rezemos todosjuntos à Virgem: «Ave Maria…».

[Bênção]Até à próxima!

Aos jovens

Compromissos indicados pelo Papa na missa de Bogotá

Defender a paz e cuidar da vidaUma multidão imensa de fiéisparticipou na tarde de quinta-feira, 7de setembro, na missa pela paz e ajustiça celebrada pelo Papa Franciscono parque Simón Bolívar de Bogotá. Aseguir, a tradução da homilia proferidapelo Pontífice.

“Construtores da pazpromotores da vida”

O evangelista recorda que a chama-da dos primeiros discípulos teve lu-gar nas margens do lago de Genesa-ré, onde as pessoas se reuniam paraouvir uma voz capaz de as orientar eiluminar; e é também o lugar ondeos pescadores concluem a sua jorna-da fatigante, durante a qual buscamo sustento para levar uma vida sempenúrias, uma vida digna e feliz. É aúnica vez, em todo o evangelho deLucas, que Jesus prega junto dochamado mar da Galileia. No maraberto, confundem-se a esperada fe-cundidade do trabalho com a frus-tração pela inutilidade dos esforçosvãos. E, segundo uma antiga inter-pretação cristã, o mar também repre-senta a vastidão onde convivem to-dos os povos. Finalmente, pela suaagitação e obscuridade, evoca tudoaquilo que ameaça a existência hu-mana e que tem o poder de a des-t ru i r.

Usamos expressões semelhantespara definir multidões: uma maréhumana, um mar de gente. Naqueledia, Jesus tem atrás d’Ele o mar e, àsua frente, uma multidão que O se-guiu ao ver como Ele Se comove pe-rante o sofrimento humano... e assuas palavras justas, profundas, se-guras. Todos vêm ouvi-Lo; a Palavrade Jesus tem algo de especial quenão deixa ninguém indiferente. A

sua Palavra tem o poder de conver-ter os corações, mudar planos e pro-jetos. É uma Palavra corroboradapela ação, não são conclusões redigi-das no escritório, expressões frias edistantes do sofrimento das pessoas;por isso, é uma Palavra que servetanto para a segurança da margemcomo para a fragilidade do mar.

Esta querida cidade, Bogotá, e es-te belo país, a Colômbia, têm muitodestes cenários humanos apresenta-dos pelo Evangelho. Aqui vivemmultidões que anseiam por uma pa-lavra de vida, que ilumine com a sualuz todos os esforços e mostre o sen-tido e a beleza da existência huma-na. Estas multidões de homens emulheres, crianças e idosos habitamuma terra de fertilidade inimaginá-vel, que poderia dar frutos para to-dos. Mas também aqui, como nou-

tras partes do mundo, há densas tre-vas que ameaçam e destroem a vida:as trevas da injustiça e da desigual-dade social; as trevas corrutoras dosinteresses pessoais ou de grupo, queconsomem, egoísta e desaforadamen-te, o que se destina para o bem-estarde todos; as trevas da falta de res-peito pela vida humana que diaria-mente ceifa a existência de tantosinocentes, cujo sangue brada ao céu;as trevas da sede de vingança e doódio que mancha com sangue huma-no as mãos de quem faz justiça porsua conta; as trevas de quem se tor-na insensível ao sofrimento de tantasvítimas. Todas estas trevas, as dissipae destrói Jesus com o seu mandatona barca de Pedro: «Faz-te ao largo»(Lc 5, 4).

Nós podemos enredar-nos em dis-cussões intermináveis, somar tentati-vas fracassadas e fazer um elenco deesforços que acabaram em nada;mas, como Pedro, sabemos o quesignifica a experiência de trabalharsem resultado algum. Esta naçãotambém sabe disso, quando nos iní-cios, durante um período de seisanos, teve dezasseis Presidentes epagou caro as suas divisões (a «pa-tria boba», pátria tonta); também aIgreja na Colômbia sabe de traba-lhos pastorais vãos e infrutuosos...,mas, como Pedro, também somoscapazes de confiar no Mestre, cujaPalavra suscita fecundidade mesmoonde a inospitalidade das trevas hu-manas torna infrutíferos muitos es-forços e fadigas. Pedro é o homemque acolhe, decidido, o convite deJesus, que deixa tudo e O segue pa-ra se transformar num novo pesca-dor, cuja missão é levar os seus ir-mãos ao Reino de Deus, onde a vidase torna plena e feliz.

Mas o mandato de lançar as redesnão é dirigido apenas a Simão Pe-dro; a ele, coube-lhe fazer-se ao lar-go, como aqueles que na vossa pá-tria foram os primeiros a ver o queera mais urgente fazer, aqueles quetomaram iniciativas de paz, de vida.Lançar as redes implica responsabili-dade. Em Bogotá e na Colômbia,peregrina uma comunidade imensa,que é chamada a tornar-se uma redevigorosa que congregue a todos naunidade, trabalhando na defesa ecuidado da vida humana, particular-mente quando é mais frágil e vulne-rável: no seio materno, na infância,

na velhice, nas condições de invali-dez, e nas situações de marginaliza-ção social. Também as multidõesque vivem em Bogotá e na Colôm-bia podem tornar-se verdadeiras co-munidades vivas, justas e fraternas,se escutarem e acolherem a Palavrade Deus. Nestas multidões evangeli-zadas, hão de surgir muitos homense mulheres tornados discípulos que,com um coração verdadeiramente li-vre, sigam a Jesus; homens e mulhe-res capazes de amar a vida em todasas suas fases, de a respeitar e promo-v e r.

E, como fizeram os apóstolos, énecessário chamar uns pelos outros,fazermos sinais como os pescadores,voltar a considerar-nos irmãos, com-panheiros de estrada, sócios destaempresa comum que é a pátria. Bo-gotá e a Colômbia são simultanea-mente margem, lago, mar aberto, ci-dade por onde Jesus passou e passapara oferecer a sua presença e a suapalavra fecunda, para nos fazer sairdas trevas e conduzir-nos para a luze a vida. Chamar os outros, chamara todos para que ninguém seja dei-xado ao arbítrio das tempestades; fa-zer entrar na barca todas as famílias— estas são santuários da vida; colo-car o bem comum acima dos interes-ses mesquinhos ou particulares, ocu-par-se dos mais frágeis promovendoos seus direitos.

Pedro experimenta a sua peque-nez, experimenta a grandeza da Pa-lavra e da ação de Jesus; Pedro sabedas suas fraquezas, das suas hesita-ções..., como o sabemos nós tam-bém, como o sabe a história de vio-lência e divisão do vosso povo quenem sempre nos encontrou disponí-veis para compartilhar a barca, astempestades, os infortúnios. Mas Je-sus, como a Simão, convida-nos afazer-nos ao largo, impele-nos acompartilhar o risco (não tenhaismedo de arriscar juntos!), convida-nos a deixar os nossos egoísmos e asegui-Lo; convida-nos a perder me-dos que não vêm de Deus, os temo-res que nos paralisam e atrasam aurgência de ser construtores da paz,promotores da vida.

«Fazei-vos ao largo»: disse Jesus.E os discípulos fizeram sinais aosoutros para se reunirem todos nabarca. Possa acontecer o mesmo aeste povo!

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Beatificação de um bispo e de um sacerdote

Fora do pântanoda violência e do rancor

O bispo Jesús Emilio JaramilloMonsalve e o sacerdote Pedro MaríaRamírez Ramos foram proclamadosbeatos pelo Papa Francisco durante amissa celebrada na sexta-feira 8 desetembro em Villavicencio. Publicanmosa seguir o texto em português dahomilia proferida pelo Pontífice emespanhol.

“Em Deus, reconciliar-se com oscolombianos e com a criação”O vosso nascimento, Virgem Mãe deDeus, é a nova aurora que anuncioua alegria ao mundo inteiro, porquede Vós nasceu o Sol de Justiça, Cris-to, nosso Deus (cf. Antífona do Be-nedictus). A festa da Natividade deMaria projeta a sua luz sobre nós,como se irradia a luz suave do ama-nhecer sobre a vasta planície colom-biana, esta paisagem lindíssima deque Villavicencio é a porta, bem co-mo na rica diversidade dos seus po-vos indígenas.

Maria é o primeiro esplendor queanuncia o fim da noite e, sobretudo,a proximidade do dia. O seu nasci-mento faz-nos intuir a iniciativaamorosa, terna e compassiva doamor com que Deus Se inclina sobrenós e nos chama para uma aliançamaravilhosa com Ele, que nada eninguém poderá romper.

Maria soube ser transparência daluz de Deus e refletiu os fulgoresdesta luz na sua casa, que partilhoucom José e Jesus, e também no seupovo, na sua nação e na casa co-mum de toda a humanidade que é acriação.

No Evangelho, ouvimos a genea-logia de Jesus (cf. Mt 1, 1-17), quenão é uma mera lista de nomes, mashistória viva, história dum povo como qual Deus caminhou e, ao fazer-Se

um de nós, quis anunciar que, noseu sangue, corre a história de justose pecadores, que a nossa salvaçãonão é uma salvação assética, de la-boratório, mas concreta, uma salva-ção de vida que caminha. Esta longalista diz-nos que somos uma peque-na parte duma longa história e aju-da-nos a não pretender protagonis-mos excessivos, ajuda-nos a fugir datentação de espiritualismos evasivos,a não abstrair das coordenadas his-tóricas concretas em que nos cabeviver. E também integra, na nossahistória de salvação, aquelas páginasmais obscuras ou tristes, os momen-tos de desolação e abandono compa-ráveis ao exílio.

A menção das mulheres – nenhu-ma das referidas na genealogia per-tence à hierarquia das grandes mu-lheres do Antigo Testamento – p er-mite-nos uma abordagem especial:na genealogia, são elas que anun-ciam que, pelas veias de Jesus, corresangue pagão, que recordam histó-rias de marginalização e sujeição.Em comunidades onde ainda se ar-rastam estilos patriarcais e machistas,é bom anunciar que o Evangelho co-meça por salientar mulheres quecriaram tendência e fizeram história.

E, no meio de tudo isto, Jesus,Maria e José. Maria, com o seu«sim» generoso, permitiu que Deuscuidasse desta história. José, homemjusto, não deixou que o orgulho, aspaixões e os ciúmes o lançassem foradesta luz. Pela forma como aparecenarrado, nós sabemos antes de Joséaquilo que aconteceu com Maria, eele toma decisões em que se mani-festam as suas qualidades humanasantes de ser ajudado pelo anjo echegar a entender tudo o que estavaa acontecer ao seu redor. A nobrezado seu coração fá-lo subordinar à

caridade aquilo que aprendera com alei; e hoje, neste mundo onde é pa-tente a violência psicológica, verbale física contra a mulher, José apre-senta-se como figura de homem res-peitoso, delicado que, mesmo nãodispondo de todas as informações,se decide pela honra, dignidade e vi-da de Maria. E, na sua dúvida sobreo melhor a fazer, Deus ajudou-o aescolher iluminando o seu discerni-mento.

Este povo da Colômbia é povo deDeus; também aqui podemos fazergenealogias cheias de histórias: mui-tas, cheias de amor e de luz; outras,de conflitos, ofensas, inclusive demorte... Quantos de vós poderíeisnarrar experiências de exílio e deso-lação! Quantas mulheres, em silên-cio, perseveraram sozinhas, e quan-tos homens de bem procuraram pôrde lado amarguras e rancores, que-rendo combinar justiça e bondade!Que havemos de fazer para deixarentrar a luz? Quais são os caminhosde reconciliação? Como Maria, dizer«sim» à história completa, e nãoapenas a uma parte; como José, pôrde lado paixões e orgulho; como Je-sus Cristo, cuidar, assumir, abraçaresta história, porque nela vos encon-trais vós, todos os colombianos, nela

está aquilo que somos... e o queDeus pode fazer connosco se disser-mos «sim» à verdade, à bondade, àreconciliação. E isto só é possível, seenchermos com a luz do Evangelhoas nossas histórias de pecado, vio-lência e conflito.

A reconciliação não é uma palavraque devemos considerar abstrata; seassim fosse, traria apenas esterilida-de, traria maior distância. Reconci-liar-se é abrir uma porta a todas ecada uma das pessoas que viveram arealidade dramática do conflito.Quando as vítimas vencem a tenta-ção compreensível da vingança,quando vencem esta tentação com-preensível da vingança, tornam-senos protagonistas mais credíveis dosprocessos de construção da paz. Épreciso que alguns tenham a cora-gem de dar o primeiro passo nestadireção, sem esperar que o façam osoutros. Basta uma pessoa boa, paraque haja esperança. Não esqueçaisisto: basta uma pessoa boa, para quehaja esperança. E cada um de nóspode ser esta pessoa! Isto não signi-fica ignorar ou dissimular as diferen-ças e os conflitos. Não é legitimar asinjustiças pessoais ou estruturais. Orecurso à reconciliação concreta nãopode servir para se acomodar em si-tuações de injustiça. Pelo contrário,como ensinou São João Paulo II, «éum encontro entre irmãos dispostosa vencer a tentação do egoísmo e arenunciar aos intentos duma pseudo-justiça; é fruto de sentimentos fortes,nobres e generosos, que levam a es-tabelecer uma convivência fundadasobre o respeito de cada indivíduo edos valores próprios de cada socie-dade civil» (Carta aos Bispos de ElS a l v a d o r, 6/VIII/1982). Por isso, a re-conciliação concretiza-se e consolida-se com a contribuição de todos, per-mite construir o futuro e faz crescera esperança. Qualquer esforço depaz sem um compromisso sincero dereconciliação será sempre um fracas-so.

O texto do Evangelho, que ouvi-mos, culmina chamando a Jesus oEmanuel, que significa Deus con-nosco. E como começa, assim termi-na Mateus o seu Evangelho: «Eu es-tarei sempre convosco até ao fim dostempos» (28, 20). Jesus é o Emanuelque nasce e o Emanuel que nosacompanha todos os dias, é o Deusconnosco que nasce e o Deus quecaminha connosco até ao fim domundo. Esta promessa realiza-setambém na Colômbia: D. Jesús Emi-

Saudação aos militares no aeroporto de Catam

Arriscar pela pazNa manhã de sexta-feira 8 de setembro o Papa Franciscochegou ao aeroporto militar de Catam em Bogotá de ondepartiu para Villavicencio. Antes do embarque encontrou-secom cerca de quatrocentos veteranos, militares e agentes depolícia, aos quais dirigiu uma saudação. O Pontíficesaudou pessoalmente vinte e cinco deles que lhe foramapresentados pelo ordinário militar. Eis as palavras doPapa.

Bom dia!Gostaria de vos agradecer pela vossa presença aqui.Agradecer-vos também por tudo o que fizestes, fazeis econtinuareis a fazer nestes dias, durante a minha visita.Trabalho a mais!... Mas sobretudo gostaria de vosagradecer pelo que fizestes e fazeis em prol da paz,pondo em risco a vossa vida. Foi o que fez Jesus: re-conciliou-nos com o Pai, pôs em risco a sua vida e do-ou-a. Isto torna-vos ainda mais irmãos de Jesus: arris-car [a vida] pela paz, a fim de obter a paz. Obrigadode coração por tudo isto. Obrigado! Desejo que pos-sais ver a paz consolidada neste país, porque a merece.

E agora, todos juntos, rezemos em silêncio por to-dos os mortos e feridos. Alguns dos feridos estão hojeaqui entre nós. Rezemos um instante em silêncio e de-pois uma Ave-Maria à Virgem.

[Ave Maria...][Bênção]E por favor, peço-vos que rezeis por mim, não vos

esqueçais! CO N T I N UA NA PÁGINA 14

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Ao povo colombiano o convite a romper as correntes do ódio e da morte

Reconciliaçãona verdade e na justiça

No parque Las Malocas deVillavicencio o Papa presidiu na sexta-feira, 8 de setembro, ao grandeencontro de reconciliação nacional.Publicamos a seguir o discursopronunciado pelo Santo Padre.

Queridos irmãos e irmãs!Desejava, desde o primeiro dia, quechegasse este momento do nosso en-contro. Trazeis marcas no vosso co-ração e na vossa carne, as marcas dahistória viva e recente do vosso po-vo, sulcada por acontecimentos trá-gicos, mas cheia também de gestosheroicos de grande humanidade e dealto valor espiritual de fé e esperan-ça. Acabamos de ouvi-los. Venhoaqui com respeito e bem ciente deme encontrar, como Moisés, pousan-do os pés numa terra sagrada (cf. Êx3, 5). Uma terra regada com o san-gue de milhares de vítimas inocentese a dor angustiante dos seus familia-res e conhecidos. Feridas que custama cicatrizar e que nos fazem sofrer atodos, porque cada ato de violênciacometido contra um ser humano éuma ferida na carne da humanidade;cada morte violenta «diminui-nos»como pessoas.

Estou aqui não tanto para falar,mas para estar perto de vós e fixar-vos nos olhos, para vos escutar eabrir o meu coração ao vosso teste-munho de vida e fé. E, se mo permi-tis, desejaria também abraçar-vos e,se Deus me der a graça (porque éuma graça!), quereria chorar convos-co, queria que rezássemos juntos enos perdoássemos — também eu de-vo pedir perdão — e que assim, to-dos juntos, pudéssemos olhar emfrente e avançar com fé e esperança.

Reunimo-nos aos pés do Crucifi-cado de Bojayá, que, no dia 2 demaio de 2002, presenciou e sofreu omassacre de dezenas de pessoas refu-giadas na sua igreja. Esta imagempossui um forte valor simbólico e es-piritual. Ao fixá-la, contemplamosnão só o que aconteceu naquele dia,mas também tanto sofrimento, tantamorte, tantas vidas destroçadas etanto sangue derramado na Colôm-bia nos últimos decénios. Ver Cristoassim, mutilado e ferido, interpela-nos. Não tem braços e o seu corpojá não está inteiro, mas conserva o

seu rosto e, com ele, olha-nos e ama-nos. Cristo partido e amputado, pa-ra nós, ainda é «mais Cristo», por-que mostra-nos uma vez mais queEle veio para sofrer pelo seu povo ecom o seu povo, e também para nosensinar que o ódio não tem a últimapalavra, que o amor é mais forte doque a morte e a violência. Ensina-nos a transformar o sofrimento emfonte de vida e ressurreição, paraque, unidos a Ele e com Ele, apren-damos a força do perdão, a grande-za do amor.

Obrigado a vós quatro, nossos ir-mãos, que quisestes, em nome demuitos e muitos outros, compartilharo vosso testemunho. Como nos fazbem — pode parecer egoísmo, masnão é — como nos faz bem ouvir osvossos casos, a vossa história! Dei-xam-me comovido. São histórias desofrimento e amargura, mas tam-bém, e sobretudo, são histórias deamor e perdão, que nos falam de vi-da e esperança, de não deixar que oódio, a vingança e a dor se apode-rem do nosso coração.

O oráculo final do Salmo 85 —«O amor e a fidelidade vão encon-trar-se. Vão beijar-se a justiça e apaz» (v. 11) — aparece depois daação de graças e da súplica onde sepede a Deus: Renovai-nos! Obriga-do, Senhor, pelo testemunho daque-les que infligiram dor e pedem per-dão; daqueles que sofreram injusta-mente e perdoam. Isto só é possívelcom a vossa ajuda e a vossa presen-ça. Isto já é um sinal enorme de quequereis reconstruir a paz e a concór-dia nesta terra colombiana.

Pastora Mira, disseste-lo muitobem: Queres colocar todo o sofri-mento, teu e o de milhares de víti-mas, aos pés de Jesus Crucificado,para que se una ao d’Ele e, assim, setransforme em bênção e capacidadede p e rd ã o para romper o ciclo deviolência que imperou na Colômbia.E tens razão: a violência gera maisviolência, o ódio gera mais ódio, e amorte mais morte. Temos de quebraresta corrente que aparece como ine-lutável, e isto é possível apenas como perdão e a reconciliação concreta.Tu, querida Pastora, e muitos outroscomo tu demonstraram que isto épossível. Com a ajuda de Cristo, deCristo vivo no meio da comunidade,

é possível vencer o ódio, é possívelvencer a morte, é possível começarde novo e dar vida a uma Colômbianova. Obrigado, Pastora! Como égrande o bem que hoje nos fazes atodos com o testemunho da tua vi-da. Foi o Crucificado de Bojayá quete deu a força de perdoar e amar, ete ajudou a ver, na camisa que a tuafilha Sandra Paula deu de prenda aoteu filho Jorge Aníbal, não só a re-cordação das suas mortes, mas tam-bém a esperança de que a paz triun-fe definitivamente na Colômbia.Obrigado! Obrigado!

Comoveu-nos também o que disseLuz Dary no seu testemunho: as fe-ridas do coração são mais profundase difíceis de sanar do que as do cor-po. É mesmo assim. E — o que émais importante — deste-te contaque não se pode viver no rancor,que só o amor liberta e constrói. Edeste modo começaste a curar tam-bém as feridas doutras vítimas, a re-construir a sua dignidade. O factode saíres de ti mesma enriqueceu-te,ajudou-te a olhar em frente, a en-contrar paz e serenidade e tambémum motivo para continuar a cami-nhar. Agradeço-te a muleta que ofe-reces. Embora permaneçam ainda fe-ridas, permanecem sequelas físicasdas tuas feridas, o teu caminhar es-piritual é desimpedido e firme. Estecaminhar espiritual não tem necessi-dade de muletas; e é rápido e firme,porque pensas nos outros — obriga-do! — e queres ajudá-los. Esta tuamuleta é símbolo doutra muletamais importante, de que todos nósprecisamos: o amor e o perdão. Como teu amor e o teu perdão, estás aajudar muitas pessoas a caminhar navida, e a caminhar rapidamente co-mo tu. Obrigado!

Desejo agradecer também o elo-quente testemunho de Deisy e JuanCarlos. Fizeram-nos compreenderque no fim de contas, duma formaou doutra, todos somos vítimas, ino-centes ou culpados, mas todos víti-mas (dum lado e do outro: todos ví-timas). Todos irmanados naquela

perda de humanidade que a violên-cia e a morte comportam. Disse-oclaramente Deisy: compreendesteque tu própria foste uma vítima eprecisavas que te fosse concedidauma oportunidade. Quando a pro-nunciaste, esta palavra retiniu nomeu coração. Começaste a estudar, eagora trabalhas para ajudar as víti-mas e para que os jovens não caiamnas malhas da violência e da droga,que é outra forma de violência. Háesperança também para quem fez omal; nem tudo está perdido. Foi pa-ra isto que Jesus veio: haver esperan-ça para quem fez o mal. É verdadeque, na regeneração moral e espiri-tual dos verdugos, tem que se cum-prir a justiça. Como disse Deisy, de-ve-se contribuir positivamente parasanar esta sociedade que foi laceradapela violência.

É difícil aceitar a mudança daque-les que fizeram apelo à violênciacruel para promover os seus fins,proteger tráficos ilícitos e enriquecer-se ou por acreditar, ilusoriamente,que estavam a defender a vida dosseus irmãos. É certamente um desa-fio para cada um de nós confiar quepossam dar um passo em frente aque-les que infligiram sofrimento a co-munidades inteiras e a todo o país.É claro que, neste campo enormeque é a Colômbia, ainda há espaçopara o joio... Não nos enganemos!Estai atentos aos frutos! Cuidai dotrigo e não percais a paz por causado joio. O semeador, quando vê de-sabrochar o joio no meio do trigo,não tem reações alarmistas. Encontrao modo para fazer com que a Pala-vra se encarne numa situação con-creta e dê frutos de vida nova, em-bora aparentemente sejam imperfei-tos ou defeituosos (cf. FR A N C I S C O,Exort. ap. Evangelii gaudium, 24).Mesmo se perdurarem conflitos, vio-lência ou sentimentos de vingança,não impeçamos que a justiça e a mi-sericórdia se unam num abraço queassuma a história de sofrimento daColômbia. Curemos aquele sofri-mento e acolhamos todo o ser hu-mano que cometeu delitos, reconhe-ce-os, arrepende-se e compromete-sea reparar, contribuindo para a cons-trução duma ordem nova onde bri-lhem a justiça e a paz.

Como Juan Carlos deixou vislum-brar no seu testemunho, em todo es-te processo — longo, difícil mas rico

No parque de Los Fundadores o Papa rezoupor alguns minutos diante da cruz

da reconciliação e plantou uma árvore em sinalde esperança para o futuro do país CO N T I N UA NA PÁGINA 16

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

Em Medellín Francisco recordou que a vida cristã é experiência viva do Senhor

Na Igreja há lugar para todosNa manhã de 9 de setembro, quarto dia da viagem à Colômbia, o Papatransferiu-se de avião de Bogotá para Rionegro, de onde partiu de carro paraMedellín a fim de celebrar a missa no aeroporto Enrique Olaya Herrera. Aviagem de helicóptero não foi possível por causa do mau tempo. Por isso, nasaudação litúrgica da missa, que teve início com atraso em relação ao horárioprevisto, o Papa agradeceu aos fiéis a longa espera. «Queridos irmãos — disse —gostaria de vos agradecer as horas passadas aqui, até debaixo de chuva.Infelizmente houve um atraso significativo na viagem e tivestes que esperar mais.Obrigado pela vossa paciência, pela vossa perseverança e pela vossa coragem. Eporque somos todos pecadores, peçamos perdão pelos nossos pecados». Em seguida,o texto da homilia pronunciada pelo Santo Padre.

sença amorosa, viva e operante doSenhor, uma aprendizagem perma-nente através da escuta da sua Pala-vra. E esta Palavra, como ouvimos,impõe-nos cuidar das necessidadesconcretas dos nossos irmãos: podeser a fome de quem vive ao nosso la-do (assim o vimos no texto procla-mado hoje: cf. Lc 6, 1-5), ou a doen-ça como se vê na narração que Lu-cas apresenta a seguir.

A segunda palavra: re n o v a r - s e . Co-mo Jesus «instava» com os doutoresda lei para que saíssem da sua rigi-dez, também agora a Igreja é «insta-da» pelo Espírito para que deixe assuas comodidades e amarras. A re-novação não nos deve meter medo.A Igreja está sempre em renovação(Ecclesia semper renovanda). Não serenova como lhe apetece, mas fá-lo«sólida e firme na fé, sem se deixarafastar da esperança do Evangelhoque ouviu» (cf. Cl 1, 23). A renova-ção implica sacrifício e coragem, nãopara nos considerarmos melhores ou

templo porque tinham fome e osdiscípulos de Jesus entraram na sea-ra e comeram as espigas, tambémhoje nos é pedido que cresçamos emousadia, numa coragem evangélicaque brota de saber que são muitosos que têm fome, têm fome de Deus(há tanta gente com fome de Deus!),fome de dignidade, porque dela fo-ram despojados. E pergunto-me amim mesmo se porventura a fomede Deus em tanta gente não derivedas nossas atitudes com que os des-pojamos. E, como cristãos, devemos

doentes, bons e maus, todos. Somosmeros «servidores» (cf. Cl 1, 23) enão podemos ser quem dificulta esseencontro. Pelo contrário, Jesus pede-nos como fez aos seus discípulos:«Dai-lhes vós mesmos de comer»(Mt 14, 16); tal é o nosso serviço.Dar-lhes a comer o pão de Deus, co-mer o amor de Deus, comer o pãoque nos ajuda a sobreviver. Bemcompreendeu isto Pedro Claver, quecelebramos hoje na Liturgia e, ama-nhã, venerarei em Cartagena. «Es-cravo dos negros para sempre»: foi oseu lema de vida, porque compreen-deu, como discípulo de Jesus, quenão podia ficar indiferente perante osofrimento dos mais abandonados eultrajados do seu tempo, mas tinhade fazer algo para o aliviar.

Irmãos e irmãs, a Igreja na Co-lômbia é chamada a comprometer-se, com mais ousadia, na formaçãode discípulos missionários, como foiindicado por nós, Bispos reunidosem Aparecida. Discípulos que sai-bam ver, julgar e agir, como propu-nha aquele documento latino-ameri-cano que nasceu precisamente aqui,nestas terras (cf. Me d e l l í n , 1968).Discípulos missionários que sabemver sem miopias hereditárias; queexaminam a realidade com os olhose o coração de Jesus, e a partir daíjulgam. E que arriscam, que atuam,que se comprometem.

Vim aqui precisamente para vosconfirmar na fé e na esperança doEvangelho: permanecei firmes e li-vres em Cristo — firmes e livres emCristo, porque toda a estabilidadeem Cristo nos dá liberdade — de talmodo que O espelheis em tudo oque fizerdes; abraçai com todas asvossas forças o seguimento de Jesus,conhecei-O, deixai-vos convocar einstruir por Ele, procurai-O na ora-ção e deixai-vos encontrar por Elena oração, anunciai-O com a maioralegria possível.

Peçamos por intercessão da nossaMãe, Nossa Senhora da Candelária,que nos acompanhe no nosso cami-nho de discípulos, para que, colo-cando a nossa vida em Cristo, seja-mos sempre missionários que levema luz e a alegria do Evangelho a to-dos os povos.

“A vida cristã como discipulado”

Queridos irmãos e irmãs!Na Missa de quinta-feira em Bogo-tá, ouvimos a chamada de Jesus aosseus primeiros discípulos; esta partedo evangelho de Lucas, que começacom aquela narração, culmina com achamada dos Doze. Entre estes doisacontecimentos, que nos recordamos evangelistas? Recordam que estecaminho de seguimento supôs nosprimeiros seguidores de Jesus muitoesforço de purificação. Alguns pre-ceitos, proibições e mandamentosdavam-lhes segurança; cumprir de-terminados ritos e práticas dispensa-va-os da preocupação de se interro-gar: Que agrada ao nosso Deus? Je-sus, o Senhor, indica-lhes que obe-decer é caminhar atrás d’Ele, o queos fazia deparar com leprosos, para-líticos, pecadores. Estas realidadesrequeriam muito mais do que umareceita, uma norma estabelecida.Aprenderam que ir atrás de Jesusimplica outras prioridades, outrasconsiderações para servir a Deus.Para o Senhor, como também para aprimitiva comunidade, é de sumaimportância que, se nos dizemos dis-cípulos, não estejamos agarrados aum certo estilo, a certas práticas quenos aproximam mais do modo deser dalguns fariseus de então que domodo de ser de Jesus. A liberdadede Jesus contrasta com a falta de li-berdade dos doutores da lei daqueletempo, que estavam paralisados poruma interpretação e prática rigoristasda lei. Jesus não Se limita a umaatuação aparentemente «correta»,mas leva a lei à sua plenitude; e, porisso, quer colocar-nos nessa direção,nesse estilo de seguimento que im-plica ir ao essencial, re n o v a r - s e e en-volver-se. São três atitudes que deve-mos plasmar na nossa vida de discí-pulos.

A primeira: ir ao essencial. Istonão significa «cortar com tudo»,cortar com o que não se nos adapta,pois Jesus também não veio revogara lei, mas levá-la à sua plenitude (cf.Mt 5, 17). Ir ao essencial é, antes, ca-minhar em profundidade rumo aoque conta e tem valor para a vida.Jesus ensina que a relação com Deusnão pode ser uma fria aderência anormas e leis, nem o cumprimentode certos atos exteriores que nãoconduzem a uma mudança real devida. O nosso discipulado não podeser motivado simplesmente por umcostume, porque dispomos dum cer-tificado de batismo, mas deve partirduma experiência viva de Deus e doseu amor. O discipulado não é algode estático, mas um caminho contí-nuo para Cristo; não é simplesmentea aderência à explicitação dumadoutrina, mas a experiência da pre-

impecáveis, mas para respondermosmelhor à chamada do Senhor. O Se-nhor do sábado, a razão de ser detodos os nossos mandamentos e pre-ceitos, convida-nos a ponderar asnormas quando está em jogo segui-Lo a Ele; quando as suas chagasabertas, o seu grito de fome e sedede justiça nos interpelam e impõemrespostas novas. E, na Colômbia, hátantas situações que reclamam, dosdiscípulos, o estilo de vida de Jesus,particularmente o amor traduzidoem atos de não-violência, de reconci-liação e de paz.

A terceira palavra: envolver-se, ain-da que, para alguns, isso equivalha asujar-se ou manchar-se. Como Davide os seus homens que entraram no

ajudá-los a saciar-se de Deus; nãolhes dificultar nem proibir o encon-tro. Irmãos, a Igreja não é uma al-fândega; precisa de portas abertas,porque o coração do seu Deus está,não apenas aberto, mas trespassadopelo amor que se fez dor. Não pode-mos ser cristãos que levantam conti-nuamente a bandeira de «PassagemProibida», nem considerar que estaparcela é minha, apoderando-me dealgo que absolutamente não é meu.A Igreja não é nossa, irmãos, é deDeus; Ele é o dono do templo e daseara; todos têm um lugar, todos sãoconvidados a encontrar, aqui e entrenós, o seu alimento. Todos. Ele, quepreparou as núpcias para o seu Fi-lho, manda chamar a todos: sãos e

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Com os hóspedes do lar de acolhimento Hogar San José

Um futurode esperança para as criançasNa parte da tarde, o Papa visitou oHogar San José, um lar deacolhimento de crianças em dificuldadeadministrado pela arquidiocese deMedellín. A seguir, a saudação que oPapa lhes dirigiu.

Caríssimos irmãos e irmãsQueridos meninos e meninas!Estou feliz por me encontrar convos-co neste «Lar de São José». Obriga-do pela receção que me preparastes.Agradeço as palavras do diretor,Mons. Armando Santamaría.

E obrigado a ti, Cláudia Yesenia,pelo teu corajoso testemunho, verda-deiramente corajoso. Enquanto ou-via todas as dificuldades por quepassaste, vinha-me à memória do co-ração o sofrimento injusto de tantosmeninos e meninas em todo o mun-do que foram e continuam a ser víti-mas inocentes da maldade de al-guns.

Também o Menino Jesus foi víti-ma do ódio e da perseguição; tam-bém Ele teve que fugir com a sua fa-mília, deixar a sua terra e a sua casapara escapar da morte. Ver as crian-ças sofrer faz doer a alma, porque ascrianças são os prediletos de Jesus.Não podemos aceitar que sejammaltratadas, que sejam privadas dodireito de viver a sua infância comserenidade e alegria, que lhes sejanegado um futuro de esperança.

Mas Jesus não abandona ninguémque sofre, e muito menos a vós, me-ninos e meninas, que sois os seuspreferidos. Cláudia Yesenia, a par detanto horror que aconteceu, Deuspresenteou-te com uma tia que cui-dou de ti, um hospital que te assis-tiu e, por fim, uma comunidade quete acolheu. Esta casa é uma provado amor que Jesus vos tem e do seudesejo de estar muito perto de vós.Fá-lo através dos cuidados amorososde todas as pessoas boas que vos

acompanham, que vos amam e edu-cam. Penso nos responsáveis destacasa, nas irmãs, no pessoal de servi-ço e em tantas outras pessoas que jáfazem parte da vossa família, porquevos interrelacionais e vos conhecem.Porque é isto que faz com que este

lugar seja um Lar: o calor duma fa-mília, onde nos sentimos amados,protegidos, aceites, cuidados e acom-panhados.

E dá-me muito prazer saber queeste Lar tem o nome de São José; eos outros, o nome de «Jesus Operá-rio» e de «Belém». Diria que estaisem boas mãos. Lembrai-vos do queescreve São Mateus, no seu Evange-lho, a propósito de Herodes que, nasua loucura, decidira matar Jesus re-cém-nascido? Deus falou em sonhoa São José, por meio dum anjo, econfiou à sua custódia e proteção osseus tesouros mais preciosos: Jesus eMaria. São Mateus diz-nos que José,recebida a palavra do anjo, obede-ceu imediatamente e fez aquilo queDeus lhe ordenara: «Levantou-se denoite, tomou o Menino e sua Mãe epartiu para o Egito» (Mt 2, 14). Te-nho a certeza de que, assim comoSão José protegeu e defendeu dosperigos a Sagrada Família, assimtambém vos defende, cuida e acom-panha. E com ele, também Jesus eMaria, porque São José não podeestar sem Jesus e Maria.

A vós, irmãos e irmãs, religiosos,religiosas e leigos, que neste e nosoutros Lares acolheis e cuidais amo-rosamente destas crianças, que desdepequenas experimentaram o sofri-mento e a amargura, gostaria de voslembrar duas realidades que nuncadevem faltar, porque fazem parte daidentidade cristã: o amor que sabever Jesus presente nos mais pequeni-nos e nos mais frágeis, e o dever sa-grado de levar as crianças a Jesus.Nesta tarefa, com as suas alegrias epenas, confio-vos também à prote-ção de São José. Aprendei com ele:o seu exemplo vos inspire e ajude nocuidado amoroso destes pequeninos,que são o futuro da sociedade co-lombiana, do mundo e da Igreja, pa-ra que possam, como o próprio Je-sus, crescer e robustecer-se em sabe-doria e graça diante de Deus e dosoutros (cf. Lc 2, 40.52). Que Jesus eMaria, juntamente com São José,vos acompanhem e protejam, vos en-cham de ternura, alegria e fortaleza.

Comprometo-me a rezar por vóspara que, neste ambiente de carinhofamiliar, cresçais em amor, paz e feli-cidade, podendo assim ir curando asferidas do corpo e do coração. Deusnão vos abandona, mas protege-vose assiste-vos. E o Papa leva-vos nocoração. E não vos esqueçais de re-zar por mim. E, com isto, vos agra-deço.

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Ao Celam o Pontífice recordou a herança de Aparecida

cidades com o seu triplo turno detrabalho, penso nas avós catequis-tas, penso nas consagradas e nas ar-tesãs tão discretas do bem. Sem asmulheres, a Igreja do Continenteperderia a força de renascer conti-nuamente. São as mulheres que,com meticulosa paciência, acendeme reacendem a chama da fé. É umaséria obrigação compreender, res-peitar, valorizar e promover a forçaeclesial e social do que as mulheresfazem. Acompanharam Jesus mis-sionário; não se retiraram do pé dacruz; na solidão, esperaram que anoite da morte devolvesse o Senhorda vida; inundaram o mundo como anúncio da sua presença ressusci-tada. Se quisermos uma fase nova evital da fé neste Continente, não aobteremos sem as mulheres. Por fa-vor, não as reduzamos a servas donosso clericalismo recalcitrante; massejam, ao invés, protagonistas naIgreja latino-americana: no seu saircom Jesus, no seu perseverar, mes-mo no meio do sofrimento do seupovo; no seu agarrar-se à esperançaque vence a morte; na sua maneirajubilosa de anunciar ao mundo queCristo está vivo, e ressuscitou.

A esperança na América Latinapassa através do coração,da mente e dos braços dos leigos

Gostaria de repetir o que disserecentemente à Pontifícia Comissãopara a América Latina. É indispen-sável superar o clericalismo que tor-na infantis os christifideles laici e em-pobrece a identidade dos ministroso rd e n a d o s .

Embora se tenha feito um notá-vel esforço e tenham sido dados al-guns passos, os grandes desafios doContinente permanecem sobre amesa e continuam à espera da reali-zação serena, responsável, compe-tente, clarividente, articulada e

consciente dum laicado cristão, queesteja disposto a contribuir, comocrente, nos processos dum desen-volvimento humano autêntico, naconsolidação da democracia políticae social, na superação estrutural dapobreza endémica, na construçãoduma prosperidade inclusiva funda-da em reformas duradouras e capa-zes de tutelar o bem social, na su-peração das desigualdades e na sal-vaguarda da estabilidade, no deli-neamento de modelos de desenvol-vimento económico sustentável querespeitem a natureza e o verdadeirofuturo do homem — que não passapor um consumismo ilimitado — etambém na rejeição da violência ena defesa da paz.

Mais ainda: neste sentido, a es-perança deve sempre fixar o mundocom os olhos dos pobres e a partirda situação dos pobres. Ela é pobrecomo o grão de trigo que morre(cf. Jo 12, 24), mas tem a força depromover os planos de Deus.

Com frequência, a riqueza autos-suficiente priva a mente humana da

capacidade de ver tanto a realidadedo deserto como os oásis lá escon-didos. Propõe respostas de manuale repete certezas de «talk-show»;balbucia a projeção de si mesma,vazia, sem aderir minimamente àrealidade. Tenho a certeza de que,neste momento difícil e confusomas provisório que vivemos, as so-luções para os problemas comple-xos que nos desafiam nascem dasimplicidade cristã que se escondeaos poderosos e manifesta aos hu-mildes: a pureza da fé no Ressusci-tado, o calor da comunhão comEle, a fraternidade, a generosidadee a solidariedade concreta que bro-tam também da amizade com Ele.

E gostaria de resumir tudo istonuma frase que vos deixo como sín-tese, síntese e recordação deste en-contro: se quisermos servir, como CE-LAM, a nossa América Latina, temosde o fazer com paixão. Hoje faz faltapaixão. Pôr o coração em tudo oque fazemos, paixão do jovem ena-morado e do idoso sábio, paixãoque transforma as ideias em utopiasviáveis, paixão no trabalho das nos-sas mãos, paixão que nos transfor-ma em incessantes peregrinos pelasnossas Igrejas como — deixai lem-brá-lo — São Toríbio de Mogrovejo,que não se instalou na sua sede: de24 anos de episcopado, 18 passou-os nas pequenas povoações da suadiocese. Por favor, irmãos, peço-vospaixão, paixão evangelizadora.

À proteção da Virgem, invocadacom os nomes de Guadalupe eAparecida, vos confio — vós, irmãosBispos do CELAM, as Igrejas locaisque representais e todo o povo daAmérica Latina e do Caribe — coma serena certeza de que Deus, quefalou a este Continente com o rostomestiço e moreno da sua Mãe, nãodeixará de fazer resplandecer a sualuz benigna na vida de todos.O brigado!

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

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Homilia da beatificação

lio Jaramillo Monsalve, Bispo deArauca, e o sacerdote Pedro MariaRamírez Ramos, mártir de Armero,são sinal disso, expressão dum po-vo que quer sair do pântano daviolência e do rancor.

Neste ambiente maravilhoso, ca-be a nós dizer «sim» à reconcilia-ção concreta; e, neste «sim», in-cluamos também a natureza. Não épor acaso que, inclusive sobre ela,se tenham desencadeado as nossaspaixões possessivas, a nossa ânsiade domínio. Um vosso compatriotacanta-o com primor: «As árvoresestão a chorar, são testemunhas detantos anos de violência. O maraparece acastanhado, mistura desangue com a terra» (JUA N E S , Mi-nhas Pedras). A violência que existeno coração humano, ferido pelopecado, manifesta-se também nossintomas de doença que notamosno solo, na água, no ar e nos seresvivos (cf. FR A N C I S C O, Carta enc.Laudato si’, 2). Cabe-nos dizer«sim» como Maria e cantar comEla as «maravilhas do Senhor»,porque, como prometeu aos nossospais, Ele ajuda todos os povos eajuda cada povo, e ajuda a Colôm-

bia que hoje quer reconciliar-se e àsua descendência para sempre.

No final da Celebração, o Paparecordou as vítimas do terremoto noMéxico e do furacão Irma,convidando os fiéis à oração.

Agradeço as palavras que D. OscarUrbina Ortega, Arcebispo de Villa-vicencio, me dirigiu em nome detodos vós.

Neste momento, desejo manifes-tar a minha solidariedade espirituala quantos sofrem as consequênciasdo terremoto desta noite que atin-giu o México, causando mortes eenormes danos materiais. Asseguroa minha oração por aqueles queperderam a vida e pelas suas famí-lias.

Além disso, acompanho de pertoa evolução do furacão Irma que es-tá fustigando a área do Caribe, dei-xando atrás dele numerosas vítimase imensos danos materiais, e cau-sando também milhares de desalo-jados. Trago-os no meu coração erezo por eles.

A vós, peço que vos unais comi-go nestas intenções; e, por favor,não vos esqueçais de rezar pormim.

Aos sacerdotes e aos religiosos Francisco recordou que todos precisam de mis e r i c ó rd i a

Reconciliados para reconciliarAntes de voltar para a capitalcolombiana, na tarde do dia 9 desetembro, o Papa encontrou-se emMedellín, no centro de eventos LaMacarena, com os sacerdotes, religiosos,consagrados, seminaristas e com assuas famílias. Eis o discursopronunciado pelo Pontífice.

Caríssimos irmãos BisposQueridos sacerdotes, consagrados,consagradas, seminaristasPrezadas famíliasqueridos amigos colombianos!A alegoria da videira verdadeira, queacabamos de ouvir no Evangelho deJoão, situa-nos no contexto da Últi-ma Ceia de Jesus. Naquele clima deintimidade, de uma certa tensão mascarregada de amor, o Senhor lavouos pés dos seus discípulos, quis per-petuar a sua memória no pão e novinho, e também abriu profunda-mente o seu coração àqueles quemais amava.

Naquela primeira noite «eucarísti-ca», naquele primeiro ocaso, Jesus,depois do gesto de serviço, abre-lheso seu coração; entrega-lhes o seu tes-tamento. E, como naquele Cenáculocontinuaram depois a reunir-se osApóstolos, com algumas mulheres eMaria, a Mãe de Jesus (cf. At 1, 13-14), assim aqui hoje, neste lugar, nosreunimos nós para O escutar e paranos escutarmos. A Irmã Leidy deSão José, Maria Isabel e o PadreJuan Felipe deram-nos o seu teste-munho... e cada um de nós que aquiestá poderia também contar a suahistória vocacional. E, em comum,todos temos a experiência de Jesusque veio ao nosso encontro, nos pre-cedeu e assim nos «cativou» o cora-ção. Como diz o Documento de Apa-

re c i d a , «conhecer a Jesus é o melhorpresente que qualquer pessoa podereceber; tê-Lo encontrado foi o me-lhor que ocorreu em nossas vidas, efazê-Lo conhecido com nossa pala-vra e obras é nossa alegria» (n. 29),a alegria de evangelizar.

Muitos de vós, jovens, descobris-tes este Jesus vivo nas vossas comu-nidades; comunidades com um ardorapostólico contagioso, que entusias-mam e fascinam. Onde há vida, fer-vor, paixão de levar Cristo aos ou-tros, surgem vocações genuínas; é avida fraterna e fervorosa da comuni-dade que desperta o desejo de seconsagrar inteiramente a a Deus e àevangelização (cf. FR A N C I S C O,Exort. ap. Evangelii gaudium, 107).Por natureza, os jovens vivem in-quietos, à procura. Ou estou errado?Aqui quero deter-me um momentopara vos referir uma recordação tris-te (é apenas um parêntese). É verda-de que os jovens vivem, naturalmen-te, inquietos; mas esta sua inquieta-

ção muitas vezes é desencaminhada,destruída pelos sicários da droga. EMedellín traz-me à mente esta recor-dação: muitas vidas jovens destroça-das, descartadas, destruídas. Convi-do-vos a lembrar, a acompanhar estecortejo lutuoso, a pedir perdão paraquem destruiu as aspirações de tan-tos jovens, pedir ao Senhor que con-verta os seus corações, para que aca-be esta derrota da humanidade jo-vem. Por natureza, os jovens viveminquietos, à procura, e, apesar de as-sistirmos a uma crise do compromis-so e dos laços comunitários, sãomuitos os jovens que, à vista dosmales do mundo, se mobilizam con-juntamente e se dedicam a diferentes

entra e trabalhará nos nossos cora-ções.

Numa das minhas viagens que melevou à Jornada da Juventude naPolónia [Cracóvia 2016], num almo-ço que tive com os jovens — com 15jovens e o Arcebispo — um pergun-tou-me: «Que posso dizer a um meucompanheiro, jovem, que é ateu, quenão crê? Que argumentos posso pro-por-lhe?» E veio-me espontanea-mente esta resposta: «Olha! A últi-ma coisa que deves fazer é dizer-lhequalquer coisa!» O jovem ficou sur-preendido! Começa a fazer, começaa comportar-te de maneira tal que ainquietação, que ele tem dentro desi, o torne curioso e te interrogue; e,quando te pede o teu testemunho,então podes começar a dizer qual-quer coisa. Como é importante esteser caminheiros, caminheiros da fé,caminheiros da vida!

A videira mencionada por Jesusno texto que foi proclamado é a vi-deira que é todo o «povo da alian-ça». Profetas como Jeremias, Isaías eEzequiel referem-se a ele comparan-do-o a uma videira; e o próprio Sal-mo 80 canta-o dizendo: «Arrancasteuma videira do Egito (...). Preparas-te-lhe o terreno; ela foi deitando raí-zes e acabou por encher toda a ter-ra» (vv. 9.10). Às vezes expressam aalegria de Deus pela sua videira; ou-tras, a sua cólera, desilusão e enfado;jamais, jamais Deus Se desinteressada sua videira, nunca deixa de sofrercom os seus extravios – se me extra-vio, Ele sofre no seu coração – nun-ca deixa de vir ao encontro destepovo que, quando se afasta d’Ele, fi-ca ressequido, arde e se destrói.

Como é a terra, o alimento, o su-porte onde cresce esta videira naColômbia? Em que contextos sãogerados os frutos das vocações deespecial consagração? Certamenteem ambientes cheios de contradi-ções, de luzes e sombras, de situa-ções relacionais complexas. Gostaría-mos de contar com um mundo defamílias e vínculos mais serenos, massomos parte desta mudança epocal,desta crise cultural; e é no meio de-la, contando com ela, que Deus con-tinua a chamar. E não comecem adizer: «É certo que não há muitasvocações de especial consagração,porque, claro, com esta crise que es-tamos a viver...» Sabeis o que é isto?É um conto de fadas! Claro? Mesmono meio desta crise, Deus continua achamar. Seria quase ilusório pensarque todos vós ouvistes a chamadado Senhor no seio de famílias sus-tentadas por um amor forte e cheiode valores como a generosidade, ocompromisso, a fidelidade e a pa-ciência (cf. FR A N C I S C O, Exort. ap.Amoris laetitia, 5). Alguns, sim! Masnão todos. Algumas famílias serãoassim; quisera Deus que fossem mui-tas! Mas, ter os pés por terra signifi-ca reconhecer que os nossos percur-sos vocacionais, o despertar da voca-ção de Deus, estão mais perto da-quilo que já aparece narrado na Pa-lavra de Deus e que a Colômbiabem conhece: «um rasto de sofri-mento e sangue (...). A violência fra-tricida de Caim contra Abel e os vá-rios litígios entre os filhos e entre asesposas dos patriarcas Abraão, Isaace Jacob, passando pelas tragédias

formas de militância e voluntariado.São muitos. E alguns, sim, são cató-licos praticantes, muitos, porém, sãocatólicos de «água de rosas» — comodizia a minha avó — outros não sa-bem se acreditam ou não... Mas estainquietação leva-os a fazerem algopelos outros, esta inquietação encheo voluntariado em todo o mundo derostos jovens. O que é preciso é en-caminhar bem a inquietação. Quan-do o fazem por amor de Jesus, sen-tindo-se parte da comunidade, tor-nam-se «caminheiros da fé», felizespor levar Jesus Cristo a cada esqui-na, a cada praça, a cada canto daterra (cf. ibid., 107). E quantos O le-vam, mesmo sem saber que O estãoa fazer! É esta riqueza de ir pelas es-tradas servindo, ser caminheiros du-ma fé que talvez nem eles próprioscompreendem completamente; é tes-temunho, um testemunho que nosabre à ação do Espírito Santo que

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que cobrem de sangue a família deDavid, até às numerosas dificuldadesfamiliares que regista a história deTobias ou a confissão amarga de Jobabandonado» (Ibid., 20). E, desde oinício, foi assim: não penseis na si-tuação ideal; esta é a situação real.Deus manifesta a sua proximidade ea sua eleição, onde quer, na terraque quer, na situação em que estánaquele momento, com as contradi-ções concretas, como Ele quer. Elemuda o curso dos acontecimentos,chamando homens e mulheres na

fragilidade da história pessoal e co-munitária. Não tenhamos medo des-ta terra complexa! Ontem à noite,uma menina portadora de deficiên-cia, no grupo que me deu as boas-vindas, que me acolheu na Nuncia-tura, disse que, no núcleo do huma-no, existe a vulnerabilidade, e expli-cava porquê. E veio-me à mente per-guntar-lhe: «Somos todos vulnerá-veis?» — «Sim, todos». «Mas existealguém que não seja vulnerável?» Eela respondeu: «Deus». Mas Deusquis fazer-Se vulnerável, quis sair a

caminhar connosco pela estrada, vi-ver a nossa história como era; quisfazer-Se homem no meio duma con-tradição, no meio de algo incompre-ensível, com o consentimento dumajovem que não compreendia masobedece e dum homem justo que se-guiu o que lhe fora mandado; mastudo isto no meio de tantas contra-dições. Não tenhais medo desta terracomplexa! Deus sempre fez o mila-gre de gerar cachos bons, e tambémboas torradas para o café da manhã.Que não faltem vocações em nenhu-ma comunidade, em nenhuma famí-lia de Medellín! E, quando no caféda manhã encontrardes uma destasbelas surpresas, dizei: «Ah, quebom! E Deus será capaz de fazer al-go de mim?» Interrogai-vos, antesde a comerdes! Interrogai-vos.

E esta videira — que é a de Jesus— tem a caraterística de ser a verda-deira. Ele já usara este adjetivo nou-tras ocasiões, segundo o Evangelhode João: a luz verdadeira, o verda-deiro pão do céu, o testemunho ver-dadeiro. Ora, a verdade não é algoque recebemos, como o pão ou aluz, mas algo que brota de dentro.Somos povo eleito para a verdade, ea nossa vocação deve acontecer naverdade. Se somos ramos desta vi-deira, se a nossa vocação está enxer-tada em Jesus, não há lugar para oengano, a hipocrisia, as opções mes-quinhas. Todos devemos estar aten-tos para que cada ramo sirva para oque se pretendia: para dar fruto. Euàestou pronto a dar fruto? Desde oinício, as pessoas a quem cabe a ta-refa de acompanhar os percursos vo-cacionais deverão motivar para a retaintenção, isto é, um desejo autênticode configurar-se com Jesus, o pastor,o amigo, o esposo. Quando os per-cursos não são alimentados pela sei-va verdadeira que é o Espírito de Je-sus, então experimentamos a securae Deus descobre, com tristeza, aque-les sarmentos já mortos. As vocaçõesde especial consagração morremquando querem nutrir-se de honra-rias, quando são impelidas pela bus-ca de tranquilidade pessoal e promo-ção social, quando a motivação é«subir de categoria», apegar-se a in-teresses materiais chegando mesmoao erro da avidez de lucro. Já dissenoutras ocasiões mas quero repeti-loaqui porque verdadeiro e certo (nãoo esqueçais!): o diabo entra pela car-teira. Sempre. Isto não diz respeitoapenas ao início, todos nós devemosestar atentos porque a corrução noshomens e mulheres que estão naIgreja começa assim, pouco a pouco,e depois — o próprio Jesus no-lo diz— lança raízes no coração e acabapor desalojar Deus da própria vida.«Não podeis servir a Deus e ao di-nheiro» (Mt 6, 24; cf. v. 21). Jesus

disse: «Não se pode servir a dois se-nhores». Dois senhoresà é como sehouvesse dois senhores no mundo.Não se pode servir a Deus e ao di-nheiro. Jesus dá o título de «se-nhor» ao dinheiro. Que significa is-to? Que, se te prende, não te deixair embora: será o teu senhor a come-çar do teu coração. Atenção! Nãopodemos aproveitar-nos da nossacondição religiosa e da bondade donosso povo para sermos servidos eobter benefícios materiais.

Há situações, estilos e opções quemanifestam os sinais da secura e damorte. E, quando isso acontece, re-tardam o fluxo da seiva que alimen-ta e dá vida. O veneno da mentira,da dissimulação, da manipulação edo abuso do povo de Deus, dosmais frágeis e especialmente dos ido-sos e das crianças não pode ter lugarna nossa comunidade. Quando umconsagrado, uma consagrada, umacomunidade ou uma instituição (sejaa paróquia ou outra qualquer) esco-lhe seguir este estilo, é um ramo se-co; é suficiente sentar-se e aguardarque Deus venha cortá-lo.

Mas Deus não se limita a cortar; aalegoria continua dizendo que Deuspoda a videira das imperfeições. Étão bela a poda! Faz doer, mas é be-la. A promessa é que daremos fruto,e fruto em abundância, como o grãode trigo, se formos capazes de nosentregar, de dar livremente a vida.Na Colômbia, temos exemplos deque isto é possível. Pensemos emSanta Laura Montoya, uma religiosaadmirável cujas relíquias se encon-tram aqui. Ela, a partir desta cidade,se prodigou numa grande obra mis-sionária a favor dos indígenas de to-do o país. Quanto nos ensina estamulher consagrada de entrega silen-ciosa, abnegada sem outro interessesenão manifestar o rosto materno deDeus! Da mesma forma, podemosrecordar o Beato Mariano de JesúsEuse Hoyos, um dos primeiros alu-nos do Seminário de Medellín, e ou-tros sacerdotes e religiosas colombia-nos, cujos processos de canonizaçãojá foram introduzidos; bem comomuitos outros, milhares de colom-bianos anónimos, que, na simplici-dade da sua vida diária, souberamentregar-se pelo Evangelho e queguardais com certeza na vossa me-mória servindo como estímulo deentrega. Todos nos mostram que épossível seguir fielmente a chamadado Senhor, que é possível dar muitofruto, mesmo agora, neste tempo eneste lugar.

A boa notícia é que Ele está dis-posto a limpar-nos; a boa notícia éque não somos ainda uma «obraacabada», estamos ainda no «pro-cesso de fabricação» e como bonsdiscípulos estamos a caminho. E co-mo é que Jesus corta os fatores demorte que se aninham na nossa vidae distorcem a vocação? Convidando-nos a permanecer n’Ele; permanecernão significa apenas estar, mas indi-ca manter uma relação vital, existen-cial, de absoluta necessidade; é vivere crescer em união fecunda com Je-sus, fonte de vida eterna. Permane-cer em Jesus não pode ser uma ati-tude meramente passiva ou um sim-ples abandono sem consequências na

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Para além das palavrasGI O VA N N I MARIA VIAN

Certamente sabia-se que o motivoda viagem papal à Colômbia era oapoio ao difícil e doloroso processode paz depois de mais de meio sé-culo de sangue. Mas já o lema es-colhido para a visita era uma indi-cação nada genérica: demos o pri-meiro passo. Num contexto cheiode obstáculos que o Pontífice sinte-tizou com eficácia no longo discur-so aos bispos graças a uma fraseque Gabriel García Márques pôsnos lábios de um personagem doseu romance mais famoso: «nãoimaginava que era mais fácil come-çar uma guerra que terminá-la».

Neste caminho contrastado rumoà paz «vim até aqui para vos dizerque não estais sozinhos» explicouo Pontífice, concluindo o primeirodiscurso diante das autoridades dopaís e do presidente. E aos bisposFrancisco, depois de ter recordadoque é Deus que dá o primeiro pas-so na direção do homem, reafir-mou ainda que «à Igreja interessaunicamente a liberdade de pronun-ciar» a palavra da reconciliação.«Não servem alianças com umaparte ou com outra, mas a liberda-de de falar aos corações de todos.Precisamente nisto tendes a auto-nomia e o impulso para inquietar,nisto tendes a possibilidade deapoiar uma mudança de rota» es-clareceu Bergoglio.

Palavras já claríssimas, como decostume, as que Francisco pronun-ciou em Bogotá, mas que foram se-guidas por um dia em Villavicenciodedicado inteiramente ao núcleoda viagem e ritmada por gestoseloquentes. Assim os colombianos,mas certamente não só eles, enten-deram que o Papa veio ao país pa-ra mostrar, inclusive para além daspalavras, que está da parte dequem procura com fadiga, dia apósdia, construir a paz. Num dia en-

cerrado por encontros comovedo-res: com os militares no aeroportopouco antes de embarcar e no finalda tarde, chegando à capital, comalgumas vítimas da guerra longamais de meio século.

Precisamente nesta cidade, nocoração da imensa região dos Lla-nos rumo à Amazónia, o Pontíficeproclamou beatos dois mártires, obispo Jesús Emilio Jaramillo Mon-salve e o sacerdote Pedro MaríaRamírez Ramos, sinal da presençado «Deus connosco», aquele quenão deixa o homem sozinho, mastambém «expressão de um povoque quer sair do pântano da vio-lência e do rancor». A este povoBergoglio, na festa da Natividadede Maria, explicou a genealogia deCristo que abre a narração doevangelista Mateus e, renovando acondenação do machismo e da vio-lência contra as mulheres, disse quea reconciliação é possível se abrir-mos à luz do Evangelho as «nossashistórias de pecado, violência econflitos».

E que esta reconciliação não sejauma palavra abstrata mas concreta,apesar de ser difícil, demonstraramnum segundo encontro as palavrasdo Papa, visivelmente comovidopelos testemunhos dolorosos dequem sofreu e perpetrou violência.Diante da imagem de um Cristomutilado, Francisco soube repetircom uma força nova a palavra doEvangelho, «que o amor é maisforte do que a morte». Olhandopara a realidade, que impõe um ca-minho deveras não fácil mas noqual é necessário que verdade, jus-tiça e misericórdia caminhem jun-tas: todas essenciais, porque cadauma «impede que as outras sejamalteradas». Portanto, uma via es-treita mas que o Papa tem a cora-gem e não se cansa de indicar. Nãosó à Colômbia.

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vida diária. Tem sempre consequên-cias, sempre. E deixai-me propor-vos— já está a ficar um pouco longo?[gritam: «Não!»] Naturalmente nun-ca me diríeis «sim» e por isso nãome fio de vós! — deixai-me propor-vos três modos de tornar efetivo estep e r m a n e c e r, que vos podem ajudar apermanecer em Jesus.

1. Permanecemos em Jesus tocando asua humanidade:

Com o olhar e os sentimentos de Je-sus, que contempla a realidade nãocomo juiz, mas como bom samarita-no; que reconhece os valores do po-vo com quem caminha, bem comoas suas feridas e pecados; que desco-bre o sofrimento silencioso e se co-move perante as necessidades daspessoas, sobretudo quando estas seencontram oprimidas pela injustiça,a pobreza indigna, a indiferença oupela ação perversa da corrução e daviolência.

Com os gestos e palavras de Jesus,que expressam amor aos vizinhos ebusca dos afastados; ternura e firme-za na denúncia do pecado e noanúncio do Evangelho; alegria e ge-nerosidade na entrega e no serviço,sobretudo aos mais pequeninos, re-jeitando vigorosamente a tentação dedar tudo por perdido, de nos aco-modarmos ou de nos tornarmos ape-nas administradores de desgraças.Quantas vezes ouvimos homens emulheres consagrados, parecendoque, em vez de administrar alegria,crescimento, vida, administram in-fortúnios e passam o tempo a la-mentar-se das desgraças deste mun-do. É a esterilidade; a esterilidade dequem é incapaz de tocar a carne so-fredora de Jesus.

2. Permanecemos contemplando asua divindade:

Suscitando e cultivando a estimapelo estudo, que aumenta o conheci-mento de Cristo, pois, como lembraSanto Agostinho, não se pode amar

a quem não se conhece (cf. A Trin-dade, Livro X, cap. I, 3).

Privilegiando, para tal conheci-mento, o encontro com a Sagrada Es-c r i t u ra , especialmente o Evangelho,onde Cristo nos fala, nos revela oseu amor incondicional ao Pai, noscontagia com a alegria que brota daobediência à sua vontade e do servi-ço aos irmãos. Quero fazer-vos umapergunta, mas não me deveis res-ponder; cada qual responde para simesmo. Quantos minutos ou quan-tas horas leio o Evangelho ou a Es-critura em cada dia? Respondei paravós mesmos. Quem não conhece asEscrituras, não conhece Jesus. Quemnão ama as Escrituras, não ama Je-sus (cf. SÃO JE R Ó N I M O, Prólogo aoComentário do profeta Isaías: PL 24,17). Gastemos tempo numa leituraorante da Palavra, ouvindo nela oque Deus quer para nós e para onosso povo.

Que todo o nosso estudo nos aju-de a ser capazes de interpretar a rea-lidade com os olhos de Deus; quenão seja um estudo alheado do quevive o nosso povo, nem siga as on-das das modas e das ideologias. Quenão viva de saudosismos, nem queiraenjaular o mistério; não procure res-ponder a perguntas que já ninguém

se põe, deixando no vazio existen-cial aqueles que nos interpelam apartir das coordenadas do seu mun-do e da sua cultura.

Permanecer e contemplar a sua di-vindade, fazendo da o ra ç ã o a partefundamental da nossa vida e do nos-so serviço apostólico. A oração liber-ta-nos das escórias do mundanismo,ensina-nos a viver com alegria, a es-colher a fuga do superficial, numexercício de liberdade autêntica. Naoração, crescemos em liberdade, naoração aprendemos a ser livres. Aoração arranca-nos da tendência aconcentrar-nos sobre nós mesmos,fechados numa experiência religiosavazia e leva a colocar-nos docilmen-te nas mãos de Deus para cumprir asua vontade e corresponder ao seuplano de salvação. E, na oração,quero também aconselhar-vos umacoisa: pedi, contemplai, agradecei,intercedei, mas habituai-vos tambéma a d o ra r. Não está muito na moda,adorar. Habituai-vos a adorar.Aprender a adorar em silêncio.Aprender a rezar assim.

Sejamos homens e mulheres reconci-liados, para reconciliar. O facto determos sido chamados não nos dáum certificado de boa conduta e im-pecabilidade; não estamos revestidos

duma aura de santidade. Ai do reli-gioso, do consagrado, do padre, dairmã que vivem com uma cara desantinho! Todos somos pecadores,todos. E precisamos do perdão e damisericórdia de Deus, para nos er-guer cada dia; Ele arranca o que nãoestá bem e o que fizemos de mal,deita-o fora da vinha e queima-o.Limpa-nos para podermos dar fruto.Assim é a fidelidade misericordiosade Deus para com o seu povo, doqual fazemos parte. Ele nunca nosabandonará na beira da estrada,nunca. Deus faz tudo para evitarque o pecado nos vença e feche asportas da nossa vida a um futuro deesperança e de alegria. Deus faz tu-do para o evitar. E, se não o conse-gue, fica ali ao pé de mim, até queme recorde de olhar para o alto porme ter dado conta que estou caído.Ele é assim.

3. Finalmente, devemos permanecerem Cristo para viver na alegria:

O terceiro: permanecer para viverna alegria. Se permanecermos n’Ele,a sua alegria habitará em nós. Nãoseremos discípulos tristes e apóstolosamargurados. Lede o final da [Exor-tação apostólica de Paulo VI] «Evan-gelium nuntiandi»: vo-lo aconselho.Pelo contrário, espelharemos e leva-remos a alegria verdadeira, aquelaalegria plena que ninguém poderátirar-nos, espalharemos a esperançade vida nova que Cristo nos trouxe.A chamada de Deus não é um fardopesado que nos rouba a alegria. Épesado? Às vezes sim; mas não nosrouba a alegria. Mesmo através destepeso, dá-nos a alegria. Deus não nosquer submersos na tristeza — um dosespíritos maus que se apoderam daalma, como já denunciavam os mon-ges do deserto — Deus não nos quersubmersos no cansaço, que provêmdas atividades mal vividas, sem umaespiritualidade que torne feliz a nos-sa vida e até mesmo as nossas fadi-gas. A nossa alegria contagiante de-ve ser o primeiro testemunho daproximidade e do amor de Deus.Somos verdadeiros dispensadores dagraça de Deus, quando deixamostransparecer a alegria do encontrocom Ele.

No Génesis, depois do dilúvio,Noé planta uma videira como sinaldo novo começo; ao terminar o Êxo-do, aqueles que Moisés enviou parainspecionar a Terra Prometida, vol-taram com um cacho de uvas grandeassim [indica a altura], sinal da terraonde mana leite e mel. Deus debru-çou-Se sobre nós, as nossas comuni-dades e as nossas famílias: estãoaqui presentes; acho muito bem queestejam os pais e as mães dos consa-grados, dos sacerdotes e dos semina-ristas. Deus pôs o seu olhar sobre aColômbia: vós sois sinal deste amorde predileção. Cabe-nos agora ofere-cer todo o nosso amor e serviço uni-dos a Jesus Cristo, que é a nossa vi-deira, e ser promessa dum novo iní-cio para a Colômbia, que deixa paratrás um dilúvio — como o de Noé —um dilúvio de conflitos e violências,que quer produzir muitos frutos dejustiça e paz, de encontro e solida-riedade. Que Deus vos abençoe!Deus abençoe a vida consagrada naColômbia. E não vos esqueçais derezar por mim, para que me abençoetambém a mim. Obrigado!

Com os sacerdotes e os religiosos

Depois da missa no aeroporto de Medellín, o Papa foi ao seminário conciliar onde almoçou com acomunidade à qual ofereceu um quadro que representa e episódio evangélico da pesca milagrosa

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de esperança de reconciliação — éindispensável também assumir av e rd a d e . É um desafio grande, masnecessário. A verdade é uma com-panheira inseparável da justiça e damisericórdia. Se, por um lado, sãoessenciais, as três todas juntas, paraconstruir a paz, por outro, cadauma delas impede que as restantessejam adulteradas e se transformemem instrumentos de vingança con-tra quem é mais frágil. De facto, averdade não deve levar à vingança,mas antes à reconciliação e ao per-dão. A verdade é contar às famíliasdilaceradas pela dor o que aconte-ceu aos seus parentes desapareci-dos. A verdade é confessar o queaconteceu aos menores recrutadospelos agentes de violência. A verda-de é reconhecer o sofrimento dasmulheres vítimas de violência e deabusos.

Por fim queria, como irmão e co-mo pai, dizer: Colômbia, abre o teucoração de povo de Deus e deixa-tereconciliar. Não tenhas medo da

verdade nem da justiça. Queridoscolombianos, não tenhais medo depedir e oferecer o perdão. Nãooponhais resistência à reconciliaçãoque vos faz aproximar uns dos ou-tros, reencontrar-vos como irmãos esuperar as inimizades. É hora desanar feridas, lançar pontes, limardiferenças. É hora de apagar osódios, renunciar às vinganças eabrir-se à convivência baseada najustiça, na verdade e na criação du-ma autêntica cultura do encontrofraterno. Oxalá possamos habitarem harmonia e fraternidade, comoo Senhor quer. Peçamos para serconstrutores de paz; que, onde hou-ver ódio e ressentimento, possamoscolocar amor e misericórdia (cf.Oração atribuída a São Francisco deAs s i s )!

E todas estas intenções, os teste-munhos ouvidos, as coisas que tra-zeis no coração e cada um de vósconhece, decénios de história dedor e sofrimento, quero depô-losdiante da imagem do Crucificado,o Cristo negro de Bojayá:

* * *

Ó Cristo negro de Bojayá, / quenos lembrais a vossa paixão e mor-te; / juntamente com os vossos bra-ços e pés / arrancaram-Vos os vos-sos filhos / que em Vós procuravamrefúgio. / Ó Cristo negro de Bo-jayá, / que nos olhais com ternura /e com rosto sereno; / que o vossocoração palpite também / para nosacolher no vosso amor. / Ó Cristonegro de Bojayá, / fazei que noscomprometamos / a restaurar o vos-so corpo. Que sejamos / os vossospés para ir ao encontro / do irmãonecessitado; / os vossos braços paraabraçar / quem perdeu a sua digni-dade; / as vossas mãos para aben-çoar e consolar / quem chora na so-lidão. / Fazei que sejamos testemu-nhas / do vosso amor e da vossamisericórdia infinita. / Amen.

[Depois da oração]Rezemos a Jesus, o Cristo, o

Cristo mutilado. Antes de vos dar abênção, convido-vos a rezar à nossaMãe, cujo coração foi trespassadopela dor: «Ave Maria...».

[Bênção]

Durante o encontro com o povo

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 17

A consagrados e casais diante da nunciatura de Bogotá

Jesus deu-nos um nome e um caminho

No Angelus o Pontífice falou também da Venezuela e invocou uma solução para a crise desse país

Pela dignidade dos pobres e dos descartadosA última etapa da viagem do PapaFrancisco à Colômbia foi, domingo 10de setembro, a cidade caraíbica deCartagena das Índias, no norte dopaís, onde ao meio-dia guiou arecitação do Angelus na igreja de SãoPedro Claver. A seguir a meditaçãoproferida antes da prece mariana.

Queridos irmãos e irmãs!Pouco antes de entrar nesta igreja,onde se conservam as relíquias deSão Pedro Claver, benzi as «primei-ras pedras» de duas instituições des-tinadas a cuidar de pessoas com gra-ves necessidades e visitei a casa dasenhora Lorenza, onde todos os diasrecebe muitos dos nossos irmãos eirmãs para lhes dar alimento e cari-nho. Estes encontros ajudaram-memuito, porque lá se pode palpar oamor de Deus que se torna concretoe diário.

Todos juntos, vamos rezar o An g e -lus, recordando a encarnação do Ver-bo. Pensamos em Maria que conce-beu Jesus e O trouxe ao mundo.Contemplamo-La, nesta manhã, soba invocação de Nossa Senhora deChiquinquirá. Como sabeis, duranteum longo período de tempo, estaimagem esteve abandonada, perdeua cor e encontrava-se rota e esbura-cada. Era tratada como um pedaçode saco velho, usada sem qualquerrespeito até que acabou entre as coi-sas descartadas.

Foi então que uma mulher simples(chamada, segundo a tradição, Ma-ria Ramos), a primeira devota daVirgem de Chiquinquirá, viu naque-la tela algo de diferente. Teve a co-ragem e a fé de colocar aquela ima-gem arruinada e rota num lugar dedestaque, devolvendo-lhe a sua dig-nidade perdida. Soube encontrar ehonrar Maria, segurando o Filhonos seus braços, precisamente naqui-lo que, para os outros, era desprezí-vel e inútil.

E, assim, fez-se paradigma de to-dos aqueles que, de várias maneiras,procuram recuperar a dignidade doirmão prostrado pelo sofrimento dasferidas da vida, daqueles que não seconformam e trabalham por lhesconstruir uma morada decente, assis-ti-los nas suas impelentes necessida-des e sobretudo rezam com perseve-rança para que possam recuperar oesplendor de filhos de Deus que lhesfora arrebatado.

O Senhor ensina-nos através doexemplo dos humildes e dos quenão contam. Se à Maria Ramos,uma mulher simples, concedeu agraça de acolher a imagem da Vir-gem na pobreza daquela tela rota, àIsabel, uma mulher indígena, e aoseu filho Miguel deu-lhes a capaci-dade de serem os primeiros a vertrasformado e renovado este quadroda Virgem. Foram os primeiros a vercom olhos simples este pedaço depano inteiramente novo e, nele, o es-plendor da luz divina, que transfor-ma e faz novas todas as coisas. Éaos pobres, aos humildes, aos quecontemplam a presença de Deus,que se revela com maior nitidez oMistério do amor de Deus. Eles, po-bres e simples, foram os primeiros aver a Virgem de Chinquinquirá e

tornaram-se seus missionários, arau-tos da beleza e santidade da Virgem.

E, nesta igreja, rezaremos a Maria,que de Si própria disse ser «a escra-va do Senhor», e a São Pedro Cla-ver, o «escravo dos negros para sem-pre», como a si mesmo se designoudesde o dia da sua profissão solene.Ele esperava os navios que chega-vam da África ao principal mercadode escravos no Novo Mundo. Mui-tas vezes recebia-os apenas com ges-tos evangelizadores, devido à impos-sibilidade de comunicar pela dife-rença das línguas. Mas Pedro Claversabia que a linguagem da caridade eda misericórdia era entendida portodos. Na verdade, a caridade ajudaa compreender a verdade, e a verda-de reclama gestos de caridade.Quando sentia repugnância deles,beijava-lhes as feridas.

Austero e caritativo até ao heroís-mo, depois de ter confortado a soli-dão de centenas de milhares de pes-soas, passou os últimos quatro anos

da sua vida doente e na sua celanum estado espantoso de abandono.

Realmente São Pedro Claver teste-munhou, de forma estupenda, a res-ponsabilidade e a solicitude que ca-da um de nós deve ter pelos irmãos.Apesar disso, este santo foi injusta-mente acusado, pelos outros, de serindiscreto no seu zelo e teve que en-frentar duras críticas e uma tenazoposição da parte de quantos te-miam que o seu ministério ameaças-se o lucrativo comércio dos escravos.

Ainda hoje, na Colômbia e nomundo, milhões de pessoas são ven-didas como escravos, ou então men-digam um pouco de humanidade,uma migalha de ternura, fazem-se aomar ou metem-se a caminho porqueperderam tudo, a começar pela suadignidade e os seus direitos.

Maria de Chiquinquirá e PedroClaver convidam-nos a trabalhar pe-la dignidade de todos os nossos ir-mãos, especialmente os pobres edescartados da sociedade, aqueles

que estão abandonados, os emigran-tes, as vítimas da violência e do trá-fico humano. Todos eles têm a suadignidade, e são imagem viva deDeus. Todos fomos criados à ima-gem e semelhança de Deus, e a to-dos nos sustenta a Virgem nos seusbraços como filhos amados.

Dirijamos agora a nossa oração àVirgem Mãe, para que nos faça des-cobrir em cada um dos homens emulheres do nosso tempo o rosto deD eus.

[Angelus Domini…]

No final do Angelus o Papa convidoua rezar por cada um dos países daAmérica Latina, de modo especial pelaVe n e z u e l a .

Queridos irmãos e irmãs!Daqui, quero assegurar a minha ora-ção por cada um dos países da Amé-rica Latina, em particular pela vizi-nha Venezuela. Expresso a minhaproximidade a cada um dos filhos efilhas desta amada nação, e tambémaos venezuelanos que encontraramguarida nesta terra colombiana. Da-qui, desta cidade sede dos direitoshumanos, faço apelo para que se re-jeite todo o tipo de violência na vidapolítica e se encontre uma soluçãopara a grave crise que se está a vivere afeta a todos, especialmente aosmais pobres e desfavorecidos da so-ciedade. A Santíssima Virgem inter-ceda por todas as necessidades domundo e de cada um dos seus fi-lhos.

Saúdo todos os presentes, vindosde diferentes lugares, e também aquantos acompanham esta visita pe-lo rádio e a televisão. A todos, dese-jo um domingo feliz. Por favor, nãose esqueçam de rezar por mim.

Francisco em oração diante das relíquias de São Pedro ClaverO Pontífice ofereceu ao santuário uma cruz de ferro e cristal, símbolos de humildade e clareza

Ao voltar de Medellín, na noite de sá-bado 9 de setembro, o Papa foi recebi-do diante da nunciatura de Bogotápor um grupo de consagrados, recém-casados e casais que festejavam bodasde prata e de ouro. Francisco saudou-os com palavras improvisadas que pu-blicamos a seguir.

Cada um de vós que viestes aquiouviu o que Jesus dizia, Jesus diziaqual era o seu nome e que o querianaquele caminho. E quando no iní-cio os sacerdotes cantaram o queJesus disse a Pedro, pensei com osmeus botões: como ficou contentePedro quando ouviu isto; e penso

que todos nós ficamos contentesquando Jesus nos diz: quero-te paratal lugar, para este, para aquele, pa-ra este caminho, que te tornes reli-giosa, que te cases e formes uma fa-mília, que cuides... e assim pordiante.

Imagino que quando Pedro ou-viu o que Jesus lhe disse: «Eis, tués a pedra», deu-lhe o nome, ele te-rá pensado: «Ele disse-me istoquando me conheceu, que eu eraPedro», e terá começado a dar-seconta que este mesmo nome tinhadiversas melodias, várias músicas.Como diferentes músicas tem ocanto que cantastes. E assim Pedrofoi em frente, todo contente e salti-tante, mas depois de quinze minu-tos Jesus disse-lhe o contrário: afas-ta-te que és um satanás para mim.[Pedro] Tinha cometido um erro.

Depois, penso nas vezes em quePedro terá recordado aquilo que Je-sus lhe dissera naquela noite dequinta-feira [santa], quando, tão se-

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página 18 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

Em Cartagena o Papa invocou uma nova cultura do encontro e condenou o narcotráfico que semeia morte

A pacificação começa pela baseA última celebração pública em terracolombiana foi a missa presidida peloPapa na área portuária de Cartagena,no domingo 10 de setembro. A seguir ahomilia pronunciada pelo Pontífice.

“Dignidade da pessoae direitos humanos”

Celebro a última Eucaristia da via-gem nesta cidade, que foi chamada«a heróica» pela sua tenácia — háduzentos anos — na defesa da liber-dade obtida. E, desde há trinta edois anos, Cartagena das Índias étambém a sede dos Direitos Huma-nos na Colômbia, porque aqui se va-loriza o facto de que, «graças aogrupo missionário formado pelos sa-cerdotes jesuítas Pedro Claver y Cor-beró, Alonso de Sandoval e o irmãoNicolás González, acompanhadospor muitos filhos da cidade de Car-tagena das Índias, no século XVII,nasceu a preocupação por aliviar asituação dos oprimidos de então, es-pecialmente a dos escravos, paraquem reclamaram bom tratamento e

a liberdade» (Congresso da Colôm-bia, 1985, Lei 95-art. 1).

Aqui, no Santuário de São PedroClaver, onde de forma contínua esistemática se procede à verificação,aprofundamento e promoção dosavanços na vigência dos direitos hu-manos na Colômbia, a Palavra deDeus hoje fala-nos de perdão, corre-ção, comunidade e oração.

No quarto discurso do Evangelhode Mateus, Jesus fala-nos a nós quedecidimos apostar na comunidade,que valorizamos a vida em comum esonhamos com um projeto que in-clua a todos. O texto anterior é o dobom pastor que deixa as noventa enove ovelhas para ir atrás da perdi-da, e este aroma perfuma todo o dis-curso que acabamos de ouvir: nãohá ninguém tão perdido que nãomereça a nossa solicitude, a nossaproximidade e o nosso perdão. En-tão, a partir desta perspetiva, com-preende-se que uma falta, um peca-do cometido por alguém nos inter-pele a todos, mas a primeira pessoaenvolvida é a vítima do pecado do

irmão; e ela é chamada a tomar ainiciativa para que não se percaquem lhe fez mal. Tomar a iniciati-va: quem toma a iniciativa é sempreo mais corajoso.

Nestes dias, ouvi muitos testemu-nhos de pessoas que saíram ao en-contro de quem lhes fizera mal. Feri-das terríveis que pude contemplarnos seus próprios corpos, perdas ir-reparáveis pelas quais se continua achorar, e contudo aquelas pessoassaíram, deram o primeiro passo numcaminho diferente daqueles já per-corridos. Porque, há decénios que aColômbia multiplica as tentativas àprocura da paz e, como ensina Je-sus, não foi suficiente que duas par-tes se encontrassem e dialogassem;foi necessário incorporar muitosmais atores neste diálogo reparadordos pecados. «Se [o teu irmão] nãote der ouvidos, toma contigo maisuma ou duas pessoas» (Mt 18, 16):diz-nos o Senhor no Evangelho.

Aprendemos que estes caminhosde pacificação, de primazia da razãosobre a vingança, de delicada har-monia entre a política e o direito,não podem prescindir das pessoasimplicadas nos processos. Não bastao desenho de quadros normativos eacordos institucionais entre grupospolíticos ou económicos de boa von-tade. Jesus encontra a solução parao dano causado no encontro pessoalentre as partes. Além disso, é sempreenriquecedor incorporar nos nossosprocessos de paz a experiência desetores que, em muitas ocasiões, fo-ram deixados de lado, para que se-jam precisamente as comunidades arevestir os processos de memória co-letiva. «O autor principal, o sujeitohistórico deste processo, é a gente ea sua cultura, não uma classe, umafracção, um grupo, uma elite — masa gente toda e a sua cultura. Nãoprecisamos de um projecto de pou-cos para poucos, ou de uma minoriaesclarecida ou testemunhal que seaproprie de um sentimento coletivo.Trata-se de um acordo para viverjuntos, de um pacto social e cultu-ral» (Exort. ap. Evangelii gaudium,239).

Podemos dar uma grande contri-buição para este novo passo quequer dar a Colômbia. Jesus indica-nos que este caminho de reinserçãona comunidade começa por um diá-logo a dois. Nada poderá substituireste encontro reparador; nenhumprocesso coletivo dispensa do desa-fio de nos encontrarmos, de esclare-cer, de perdoar. As feridas profundasda história precisam necessariamentede instâncias onde se faça justiça, sedê possibilidade às vítimas de co-nhecer a verdade, seja devidamentereparado o dano e se atue claramen-te para evitar que se repitam tais cri-mes. Mas tudo isto deixa-nos apenasno limiar das exigências cristãs. Anós, cristãos, é-nos exigido gerar «apartir de baixo» uma mudança cul-tural: à cultura da morte, da violên-cia, responder com a cultura da vidae do encontro. Já no-lo dizia aqueleescritor tão querido para vós e tãoquerido para todos: «Este desastrecultural não se remedeia com chum-bo nem com dinheiro, mas com umaeducação para a paz, construída com

amor sobre as ruínas dum país emchamas onde nos levantamos cedopara continuar a matar-nos uns aosoutros... uma revolução legítima depaz que canalize para a vida a imen-sa energia criativa que, durante qua-se dois séculos, usamos para nosdestruirmos e que reivindique e exal-te o predomínio da imaginação»(GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ, Me n s a -gem sobre a paz, 1998).

Quanto atuamos nós a favor doencontro, da paz? Quanta omissãohouve da nossa parte, permitindoque a barbárie se fizesse carne na vi-da do nosso povo? Jesus mandaconfrontar-nos com os modelos decomportamento, os estilos de vidaque fazem mal ao corpo social, quedestroem a comunidade. Quantasvezes se «normalizam» — se vivemcomo uma coisa normal — pro cessosde violência, exclusão social, semque a nossa voz se erga nem as nos-sas mãos acusem profeticamente! Aolado de São Pedro Claver, havia mi-lhares de cristãos, muitos deles con-sagrados; mas só um punhado ini-ciou a cultura contracorrente do en-contro. São Pedro soube restaurar adignidade e a esperança de centenasde milhares de negros e escravos quechegavam em condições absoluta-mente desumanas, cheios de pavor,com todas as suas esperanças perdi-das. Não possuía títulos académicosde renome; chegou-se mesmo a afir-mar que era «medíocre» de inteli-gência, mas teve o «génio» de vivercabalmente o Evangelho, de ir aoencontro daqueles que os outrosconsideravam apenas um desperdí-cio. Séculos mais tarde, a senda des-te missionário e apóstolo da Compa-nhia de Jesus foi seguida por SantaMaria Bernarda Bütler, que dedicoua sua vida ao serviço dos pobres emarginalizados nesta mesma cidadede Cartagena.1

No encontro entre nós, descobri-mos novamente os nossos direitos,recriamos a vida para voltar a serverdadeiramente humana. «A casacomum de todos os homens devecontinuar a erguer-se sobre uma retacompreensão da fraternidade univer-sal e sobre o respeito pela sacralida-de de cada vida humana, de cadahomem e de cada mulher; dos po-bres, dos idosos, das crianças, dosdoentes, dos nascituros, dos desem-pregados, dos abandonados, daque-les que são vistos como descartáveisporque considerados meramente co-mo números desta ou daquela esta-tística. A casa comum de todos oshomens deve edificar-se também so-bre a compreensão de uma certa sa-cralidade da natureza criada» (Dis-curso às Nações Unidas, 25 de setem-bro de 2015).

No Evangelho, Jesus prevê tam-bém a possibilidade de o outro sefechar, se negar a mudar, persistir noseu mal. Não podemos negar que hápessoas que persistem em pecadosque ferem a convivência e a comuni-dade: «Penso no drama dilaceranteda droga com a qual se lucra desa-fiando leis morais e civis». Este malameaça diretamente a dignidade dapessoa humana e, gradualmente,rompe a imagem que o Criador mol-dou em nós. Condeno firmemente

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vras do Pontífice no final da cele-bração na cidade que, precisamentedevido a Claver, foi escolhida peloCongresso colombiano como sím-bolo e sede institucional da defesados direitos humanos no país.

Nas pegadas do jesuíta e dosseus companheiros trabalhou noinício do século XX uma mulher,Maria Bernarda Bütler, religiosasuíça, também ela canonizada pelasua ação incansável e evangélicapara sanar enormes desequilíbrios econtrastes sociais. Uma injustiçaestrutural que o Papa evocou dolo-rosamente na conversa com os jor-nalistas durante o voo de regresso,falando das últimas horas passadasem Cartagena das Índias. Aqui co-mo primeiro gesto não foi ocasio-nal a visita a uma obra TalithaKum, a rede que a União interna-cional dos superiores-gerais cons-truiu em todo o mundo para con-trastar a vergonha do tráfico e daexploração sexual das mulheres.

E durante a última missa, ao co-mentar as palavras de Jesus acerca

da correção fraterna, o Pontíficefez ouvir a sua voz. Em apoio dodifícil processo de paz na Colôm-bia e depois da condenação firmedo narcotráfico, já antecipado nodiscurso aos bispos do país, e derealidades criminais mundiais dian-te das quais se arriscam omissão,habituação, indiferença: a devasta-ção do ambiente, a exploração dotrabalho, a lavagem de dinheiro, otráfico de seres humanos.

Assuntos que voltaram em partena conferência de imprensa duran-te a qual os temas da viagem se en-trelaçaram com os da atualidadeinternacional. O Papa falou maisuma vez da chaga da corrupção, damudança do clima e da questãomigratória, na América como noMediterrâneo: uma questão difícil,enfrentada com coragem e humani-dade em países como a Grécia e aItália aos quais o Pontífice agrade-ceu explicitamente. Em busca deum ponto de equilíbrio entre aco-lhimento, integração e superaçãodas causas que estão na raiz de umfenómeno mundial e epocal.

Não se deter no primeiro passo

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 19

esta praga que apagou tantas vidas eque é mantida e sustentada por pes-soas sem escrúpulos. Não se podejogar com a vida do nosso irmão,nem manipular a sua dignidade.Lanço um apelo para que se procu-rem as formas de pôr fim ao narco-tráfico, que para nada mais serve se-não para semear morte por todo olado, destroçando tantas esperançase destruindo tantas famílias. Pensotambém noutro drama: «na devasta-ção dos recursos naturais e na polui-ção em curso, na tragédia da explo-ração do trabalho; penso nos tráficosilícitos de dinheiro como também naespeculação financeira que, muitasvezes, assume carateres predadores enocivos para inteiros sistemas econó-micos e sociais, lançando na pobrezamilhões de homens e mulheres; pen-so na prostituição que diariamenteceifa vítimas inocentes, sobretudo

vemos estar preparados e solidamen-te fundados em princípios de justiçaque, em nada, diminuem a caridade.Não é possível conviver em paz, semfazer nada contra aquilo que cor-rompe a vida e atenta contra ela. Apropósito, lembramos todos aquelesque, ousada e incansavelmente, tra-balharam e até perderam a vida emdefesa e proteção dos direitos dapessoa humana e da sua dignidade.Como a eles, a história pede-nos pa-ra assumirmos um compromisso de-finitivo na defesa dos direitos huma-nos, aqui em Cartagena das Índias,lugar que escolhestes como sede na-cional da defesa deles.

Por fim, Jesus pede-nos para re-zarmos juntos; que a nossa oraçãoseja sinfónica, com matizes pessoais,acentuações diferentes, mas que seerga de maneira concorde num úni-co grito. Estou certo de que hoje re-

zamos juntos pelo resgate daquelesque erraram e não pela sua destrui-ção, pela justiça e não pela vingan-ça, pela reparação na verdade e nãono seu esquecimento. Rezamos paracumprir o lema desta visita: «Demoso primeiro passo», e que este primei-ro passo seja numa direção comum.

«Dar o primeiro passo» é sobretu-do ir ao encontro dos outros comCristo, o Senhor. Ele sempre nos pe-de para darmos um passo decidido eseguro rumo aos irmãos, renuncian-do à pretensão de sermos perdoadossem perdoar, de sermos amados semamar. Se a Colômbia quer uma pazestável e duradoura, deve dar urgen-temente um passo nesta direção, queé a do bem comum, da equidade, dajustiça, do respeito pela natureza hu-mana e as suas exigências. Só se aju-darmos a desatar os nós da violên-cia, é que desenredaremos a comple-xa teia dos conflitos: é-nos pedidopara darmos o passo do encontrocom os irmãos, tendo a coragem du-ma correção que não quer expulsarmas integrar; é-nos pedido para ser-mos caridosamente firmes naquiloque não é negociável; em suma, aexigência é construir a paz «falando,

não com a língua, mas com as mãose as obras» (São Pedro Claver), ejuntos erguermos os olhos ao céu:Jesus Cristo é capaz de desatar aqui-lo que nos parecia impossível; Eleprometeu acompanhar-nos até aofim dos tempos, e não deixará estérilum esforço tão grande.

1 Também ela teve a inteligência dacaridade e soube encontrar Deus nopróximo; nenhum dos dois se parali-sou diante da injustiça e das dificul-dades. Porque «face a um conflito,alguns simplesmente olham para elee seguem em frente como se nadafosse, lavam as mãos a fim de podercontinuar a própria vida. Outros en-tram no conflito de tal modo quepermanecem seus prisioneiros, per-dem o horizonte, projetam sobre asinstituições as próprias confusões einsatisfações e assim a unidade tor-na-se impossível. Há contudo umterceiro modo, o mais adequado, dese pôr diante do conflito. É aceitarsuportar o conflito, resolvê-lo etransformá-lo num elo de ligação deum novo processo» (Exort. ap.Evangelii gaudium, 227).

Viagem de Francisco à Colômbia

Participação nas situações concretas

Apelo final

Não devemos ficar paradosNo final da missa, antes de conceder a bênção, o Papa saudou e agradeceuaos presentes com as seguintes palavras.

LU C E T TA SCARAFFIA

Acontecem acidentes que adquirem imediatamente umvalor simbólico: a ferida no rosto do Papa, fruto de umbanal imprevisto no último dia da viagem à Colômbia,marcou contudo de sangue a sua face e o hábito brancopróprio precisamente quando visitava seres humanos fe-ridos pela dor, imersos numa realidade que pode pare-cer sem possibilidade de resgate. Foi uma forma simbó-lica de participação — se fosse um filme ter-se-ia pensa-do que era obra de um bom cineasta — para fazer com-preender totalmente o significado da viagem de Francis-co.

Significado que ele mesmo sintetizou numa frase cla-ra: «Nada poderá substituir o encontro reparador; ne-nhum processo coletivo nos exime do desafio de nosencontrarmos, de nos explicarmos, de perdoar». Alu-dindo assim claramente à importância do encontro con-creto, do contato humano, à importância da partilha deuma experiência — o cheio de água estagnada que seacumula nos bairros degradados — como única via paramudar algo para melhor, para remediar ao mal no mun-do.

Se todos os Papas da modernidade procuraram inter-vir com palavras dirigidas e destinadas aos poderososdo seu tempo acerca de vias de reconciliação e de res-peito em relação aos mais débeis, ou seja, pedindo-lhesque tivessem presente a mensagem evangélica nas suas

ações, Francisco prossegue esta tradição de maneira no-va. Com efeito, a justa preocupação de não ser envolvi-dos nos conflitos políticos diplomáticos manteve sempreos Pontífices fora de declarações de condenação especí-ficas — com algumas exceções, como em relação ao na-zismo e ao comunismo — e de facto obrigou-os a posi-ções necessariamente gerais, neutras.

Francisco evita o perigo de manipulação política dassuas palavras movendo-se na direção oposta, ou seja, nada participação na especificidade mais absoluta. Em vezde voar alto, voa baixo, ao lado das vítimas. No lugarde exortações gerais, enfrenta de cada vez casos especí-ficos, guerras que pode pacificar, pobres e infelizes quepode ajudar. O encontro pessoal, a visita às vítimas, aospobres, em si já constituem uma denúncia e uma con-denação, mas ao mesmo tempo a viragem rumo a umamudança.

Através da participação pessoal, da serena persuasãoda bondade, Francisco realiza tantas mudanças, peque-nas e grandes, desencadeia processos positivos que po-deriam mudar o mundo. Parece que o compreendemcom imediata clareza os humildes, os pobres e os deser-dados sempre muito presentes no seu coração, muitomais que os jornalistas, que não se cansam de lhe atri-buir simpatias ideológicas — mas afinal, este Papa é dedireita ou de esquerda? — e precisamente por isto osabraços são tão calorosos, as danças tão alegres, os ros-tos muito esplendorosos.

entre os mais jovens,roubando-lhes o futu-ro; penso no abomí-nio do tráfico de se-res humanos, nos cri-mes e abusos contramenores, na escravi-dão que ainda espa-lha o seu horror emmuitas partes domundo, na tragédiafrequentemente igno-rada dos emigrantessobre quem se espe-cula indignamente nailegalidade» (Me n s a -gem para o Dia Mun-dial da Paz de 2014);e especula-se até comuma «assética legali-dade» pacifista quenão tem em conta acarne do irmão, que éa carne de Cristo.Também para isto de-

Ao concluir esta celebração, desejoagradecer a D. Jorge Enrique Jimé-nez Carvajal, Arcebispo de Carta-gena, as amáveis palavras que medirigiu em nome dos seus irmãos

no episcopado e de todo o povode Deus.

Agradeço ao Senhor PresidenteJuan Manuel Santos o seu convitepara visitar o país; e agradeço àsautoridades civis e a todos os quequiseram unir-se connosco nestacelebração eucarística, aqui ou atra-vés dos meios de comunicação.

Agradeço o esforço e colabora-ção que tornaram possível esta visi-ta. Há tantos que colaboraram ofe-recendo o seu tempo e disponibili-dade. Foram dias intensos e belos,durante os quais pude encontrartantas pessoas e conhecer tantasrealidades que me tocaram o cora-ção. Vós ajudastes-me imenso.

Queridos irmãos, gostaria de vosdeixar uma última palavra: não noscontentemos com “dar o primeiropasso”, mas continuemos diaria-mente a caminhar juntos, procu-rando ir ao encontro do outro, embusca da harmonia e da fraternida-de. Não podemos ficar parados.Aqui mesmo, a 8 de setembro de1654, morria São Pedro Claver, de-pois de quarenta anos de escravi-dão voluntária, de trabalho incan-sável a favor dos mais pobres. Elenão ficou parado; depois do pri-meiro passo, seguiram-se muitosoutros. O seu exemplo nos leve asair de nós mesmos para ir ao en-contro do próximo. Colômbia, oteu irmão precisa de ti! Vai ao seuencontro, levando o abraço da paz,livre de toda a violência, “escravosda paz para sempre”.

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página 20 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

Política e sociedadeFoi publicado um livro de Dominique Wolton realizado com o Papa

Encontros com um leigo

Mike Brennan, «Cold Water (Hope)»

CO N T I N UA NA PÁGINA 21

GI O VA N N I MARIA VIAN

É muito interessante o livroque Dominique Wolton reali-zou com o Papa e que foi pu-blicado no dia 6 de setembrocom um título simples e apro-priado (Politique et société, Pa-ris, Éditions de L’O bservatoire,2017, 421 páginas, 21 euros). Se-ria redutivo defini-lo um livro-entrevista, e de facto no fron-tispício lê-se que se trata de«encontros», mesmo se obvia-mente dois terços do longotexto, muito bem escrito, sãoconstituídos pelas perguntas doestudioso francês e sobretudopelas repostas do Pontífice,acompanhadas por uma eficazintrodução e por longos excer-tos de discursos papais.

Por conseguinte, é um livroimportante que se distingue dogénero das entrevistas papais,mesmo sendo notáveis e obri-gatórias, com frequência reco-lhidas em volumes que se tor-naram best-sellers, segundouma linha que remonta já hámeio século e que Bergogliopraticou com amplitude e pers-picácia desde os tempos emque era arcebispo de BuenosAires, período do qual o livrofundamental se ocupa com Ser-

gio Rubín e Francesca Ambro-getti.

Com efeito, o texto de Wol-ton evoca sobretudo os prece-dentes de Jean Guitton e deAndré Frossard, que dialoga-ram com Paulo VI e com JoãoPaulo II: por conseguinte, doisinterlocutores não principal-mente jornalistas e tambémeles franceses, como Wolton. Etalvez não seja ocasional o fac-to de se terem encontrado comestes três Pontífices três ho-mens de cultura, certamentemuito diferentes entre si, comodiferentes são os Papas queconversaram com eles, todosinterlocutores provenientes deum país de grande tradiçãocristã — tradição que permane-ce vivaz e inteligente — masque ao mesmo tempo é profun-damente laico e secularizado.

Como laico é também Wol-ton, influente sociólogo espe-cialista em comunicação, quese encontrou e escreveu livrosanálogos com figuras de relevo(entre as quais Raymond Aron,Jean-Marie Lustiger, JacquesDelors). «Porquê um diálogo?Porque permite uma aberturaao outro, um argumentar e apresença do leitor. O diálogodá o seu sentido à comunica-

ção humana além da realizaçãoe dos limites das técnicas», es-creve o estudioso na introdu-ção a Politique et société. E aproposta deste diálogo em 2015interessou Francisco.

Eis portanto a origem do li-vro, que se foi construindo,graças também a um intérpretequalificado como Louis de Ro-manet, em doze encontros defevereiro de 2016 a fevereiro de2017, com o acréscimo de ou-tros dois encontros de trabalhopara a organização do texto.Apresentado ao Pontífice a 28de agosto passado, o volumesubdivide-se em oito capítulos— paz e guerra; religiões e polí-ticas; Europa e diversidade cul-tural; cultura e comunicação; aalteridade, o tempo e a alegria;a misericórdia; a tradição; umdestino — e termina tratando afigura de Bergoglio. Temas en-frentados com atenção não ba-nal às questões políticas e so-ciais da contemporaneidade.Publicado pela editora pari-siense dirigida por MurielBeyer, o livro foi antecipado erecenseado em «Le Figaro» de1 de setembro por Jean-MarieGuénois. Graças também auma entrevista a Wolton quepublicamos integralmente.

JEAN-MARIE GUÉNOIS

Da génese e da elaboração do livro e dos seusconteúdos fala Dominique Wolton numa entrevis-ta exclusiva a «Le Figaro» que publicamos inte-gralmente.

Como surgiu a ideia deste livro?

Sou um pesquisador de comunicação política.Por conseguinte, surpreendeu-me o impacto dacomunicação do Papa Francisco desde a sua pri-meira aparição pública. Suscitou imediatamente asimpatia geral, com um vocabulário simples e aomesmo tempo comprometido, e inspirou umaadesão imediata. Eu via uma pessoa desconheci-da, que saiu do nada, que encontrava as palavrasjustas e demonstrava assim uma capacidade incrí-vel de comunicação. São raras no mundo as pes-soas que o conseguem fazer. Se João Paulo II foium Papa mundial, Francisco tornou-se em poucossegundos o Papa da globalização. Encantaram-metambém a sua alegria e a sua simplicidade: nadatinha do «tradicionalista» de uma Igreja católicasentida como oficial, séria, trágica ou inacessível.Estava próximo do povo. Ao ver um líder mun-dial como ele, capaz de falar com poucas palavrasao mundo inteiro e sobretudo de se fazer compre-ender, tive a ideia de lhe propor um livro-entre-vista para conhecer melhor a sua personalidade.

Como convenceu Francisco?

Eu não sou um perito em religião. Tinha feitoapenas a experiência do livro-entrevista com ocardeal Lustiger. Decidi atravessar o Rubicão en-viando-lhe um e-mail com o projeto do livro emtrês páginas, o índice e o meu currículo. Foi comolançar uma garrafa no oceano... três meses depoisrecebi um e-mail enviado ao Conseil national dela recherche scientifique no qual se lia que o San-

to Padre estava disposto a receber-me. Para mimainda é incrível!

O primeiro encontro?

Quando entrou naquele ambiente anónimo daCasa Santa Marta foi como um flash... Primeirofiquei admirado ao ver a sua túnica branca, de-pois pela gentileza e bondade do seu olhar. Eu

mantive a minha distância de pesquisador mas es-tava perturbado com a sua humanidade. Não co-nhecia a praxe do Vaticano e não sabia que rece-ber-me já significava ter aceite a ideia do livro.Imaginava que teríamos falado da viabilidade doprojeto. Por conseguinte apresentei-me imediata-mente pensando que o Papa me teria submetido aum exame. Pouco depois o tradutor disse-me aoouvido: «Penso que o Papa deseja começar...».Não tinha nada comigo, o meu gravador, os meusapontamentos, as minhas perguntas! Os casos davida prevalecem deveras sobre qualquer metodo-logia nossa! Peguei no meu smartphone para gra-var e começámos. A simpatia fez o resto...

O que mais o surpreendeu do Papa?

Não vivemos no mesmo espaço-tempo. Umcientista tem quatro ou cinco séculos de profundi-dade, o Papa navega, à-vontade, em três milénios.Impressionaram-me imediatamente a sua fé, a suaalegria, a sua bondade, a sua modéstia, a sua luci-dez. Mas acerca da natureza humana não se deixalevar. E muito menos acerca dos mecanismos depoder e de domínio... Não é ingénuo e com fre-quência diz que «a Igreja viu tantas», não é umproblema. Ao contrário, faz pouca referência aDeus. É muito parcimonioso no uso do vocabulá-rio religioso. Neste aspeto é um leigo. Há muitosprelados que se comprazem numa marmelada teo-lógico-conceitual, o que coloca a nós, leigos, nu-ma posição de inferioridade ou de rebelião. Ele éuma pessoa normal, nisto consiste o seu génio.Muitos pensam que quanto mais se é enigmático,tanto mais se é inteligente. Pois bem, não é assim:não há pensamento sem clareza de exposição.Quanto mais se é inteligente, tanto mais se é cla-ro. E o Papa Francisco é com frequência límpido.

Ficou fascinado, não é?

Somos muito diversos mas ao mesmo tempopróximos. Eu sou laico, um laico francês, lei de1905, universitário, pesquisa pública... Sou de cul-tura cristã, católica, mas sou agnóstico. Franciscotem uma dimensão espiritual que se vê da sua ale-gria, da sua fé, mas é também totalmente laico noseu modo de agir. Pode dialogar tranquilamentecom qualquer pessoa. É um político. Fascinou-menele esta mistura constante de homem de fé e lai-co.

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 21

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 20

Dominique Wolton durante um dos encontros na Casa Santa Marta

Livro realizado com o Pontífice

Um Papa laico?

É uma pessoa que distingue espontaneamenteentre Igreja e Estado. Claro, há influências recí-procas mas para ele não existe ligação alguma en-tre poder político e poder religioso. O poder po-lítico não se deve apoiar no religioso. O religiosodeve permanecer no seu lugar. E isto não diz res-peito só à lei de 1905, que já tem um século, masé a questão central do próximo século, sobretudocom o islão. Desta separação dos poderes depen-derão a paz ou a guerra de amanhã.

O mundo laico nada espera da Igreja católica, mes-mo quando ela fica no seu lugar...

Não existe laicidade 100% pura. Há uma inco-municabilidade entre um leigo e um religioso. Eexperimentámos isto durante estas entrevistas.Ambos, leigo e religioso, têm razão. Francisco é afavor de uma laicidade aberta às questões espiri-tuais. E o laico só pode existir se houver a reli-gião. Inspira-se nela mesmo se nem sempre o re-conhece... Podemos ser ateus mas seríamos ingé-nuos se pensássemos que é possível suprimir ostemas da espiritualidade, pois o da espiritualidadeé o tema da metafísica. Nenhum ser humano apode evitar. Ninguém pode dizer que não se faz apergunta acerca de quem é, para onde vai e sobreo facto de que um dia morrerá. Alguns ateus po-dem dizer que a religião é absurda mas nenhumescapará às questões que ela levanta. A soluçãoconsiste numa coabitação na qual um respeita oo u t ro .

No campo das ideias, surpreendeu-o mais algumacoisa?

A sua visão mundial da pobreza: tem umagrande preocupação pelas desigualdades entrenorte e sul. Diria até que se sente indignado mes-mo se se controla.

Há quem diga que este Papa é de esquerda...

O critério direita-esquerda não se aplica emmatéria religiosa. Ou pelo menos só parcialmente.Contudo, não é suficiente. Esquerda, direita, exis-tem; há quem domina e quem é dominado, mas aforça da espiritualidade e da religião consiste em

mostrar que há outras dimensões. Reduzir as reli-giões a uma abordagem esquerda-direita é umempobrecimento perigoso para todo o mundo.

Tudo o que diz no livro sobre o plano social e políticocorresponde a uma agenda social-democrática?

Diria que é bastante de direita em virtude dasua formação nos jesuítas argentinos. Não temuma formação de esquerda mas compreendeu de-pressa a sociedade latino-americana. Estando tãopróximo dos pobres, olhou para a esquerda. Eis omotivo da sua obsessão pelos pobres, pelos ex-cluídos, pelos oprimidos. Mas não é marxista. Ecair nisto é, a seu parecer, um erro para a Igreja.Eis o motivo do debate complexo entre a teologiada libertação e a teologia do povo. Ele não gosta-va da expressão teologia do povo, mas procuravauma frase que tivesse em consideração a inevitávelrevolta popular na América Latina, sem cair nomarxismo.

Em síntese, qual pensa que seja a posição dele?

Penso que é indisciplinado! Não pode ser inse-rido num compartimento. Este Papa sente-se bemno meio dos pobres, dos oprimidos. Ama o povo.Sente-se bem só no meio do povo. É feliz apenasem contato com as pessoas. A maior lição queaprendi daqueles encontros é que este Papa segueos evangelhos. Diz unicamente o que está nosevangelhos. O que dá sentido à vida dos homenssão os pobres, os excluídos, os oprimidos. Os ri-cos, de certa forma, desenrascam-se sempre, masnunca serão felizes. E é de uma força incrível...

Na Europa as suas posições sobre a abertura à imi-gração não agradam...

Daqui a vinte anos diremos “ainda bem que odisse”, de outra maneira, nós, democracias, en-frentaremos a guerra. Estamos num mundo trans-parente. Os países pobres veem os mortos do Me-diterrâneo e a indiferença dos países ricos. Se nãodissermos nada, se não fizermos nada, a violênciaserá terrível. Por conseguinte, ele tem muita ra-zão. Pensa que é um dos maiores escândalos daglobalização. Os países ricos criaram esta situaçãocom as guerras e o capitalismo selvagem aceleroutudo isto nos últimos trinta anos. Hoje as vítimas

económicas e políticas desta situação chegam aospaíses ricos democráticos que lhes dizem parairem embora! A ira e a cólera que o Papa Francis-co suscita significa que acertou no alvo. Há ódiopelo que diz acerca dos migrantes. Mas ele nãoproporá a política do avestruz. Por conseguintepresta um imenso serviço à humanidade dizendo-lhe o que ninguém quer ouvir.

Francisco está ciente de ter também uma oposiçãodentro da Igreja católica?

Não me quis explicar mais porque o objetivodo livro não era entrar nas desavenças da Igrejacatólica. Ao contrário, Francisco está obcecadocom a comunhão entre todos na Igreja. Prestagrande atenção ao povo cristão para que não hajaruturas. Não é um homem de conflito, um ho-mem de rutura. Pretende unir, unir continuamen-te. Em relação às hostilidades, aos ajustes de con-tas e às relações de força dentro da Igreja, surpre-endeu-me ver que não considera que a sua vidadependa destas questões. Vê as coisas a longoprazo, confia no tempo, com uma paciência infi-nita, sem se zangar, com uma espécie de confian-ça impressionante. Nunca o encontrei belicoso ouzangado. Fiquei bastante surpreendido, como ag-nóstico, ao ver o seu nível de confiança. E comoagnóstico posso dizer: sim, a fé existe. E isto con-tinua a surpreender-me. Em relação à Cúria Ro-mana, por exemplo, há humorismo mas não cóle-ra. É raro, porque logo que se obtém o poder, háviolência. E quando se está em Roma, trata-se deum poder mundial.

O Papa fez uma censura?

Nenhuma censura. Há sem dúvida coisas quenão disse na conversa mas em relação ao manus-crito nada foi tirado, nem sequer coisas que mepareciam demasiado pessoais. Preocupou-se ape-nas de que ninguém se reconhecesse nos exem-plos que citei.

Nenhum tema tabu?

Nenhum! Quando lhe disse que tinha esqueci-do de lhe fazer perguntas sobre as mulheres riu ecomeçámos!

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página 22 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

Fa l e c e uo cardeal Carlo Caffarra

A 9 de setembro, na catedral de Bolo-nha, foram celebradas as exéquias doarcebispo emérito, cardeal Carlo Caf-farra, falecido no dia 6 na Villa Reve-din dentro do complexo do seminário,onde vivia depois da renúncia ao go-verno pastoral da arquidiocese em ou-tubro de 2015.

“Sola misericordia tua” era o lemaque o saudoso Cardeal escolhera pa-ra o próprio serviço episcopal. E àluz destas palavras o seu sucessor nacátedra de São Petrónio, o arcebispoMatteo Maria Zuppi, delineou o seuperfil espiritual e pastoral ao dar oanúncio do seu falecimento «com ocoração cheio de tristeza». «Fielàquele lema — recordou D. Zuppi —manifestou-me desde o início até aofim profundo afeto e encorajamento,respeito delicado e acolhimento sin-cero. Encontrámo-nos com continui-dade até ao sábado passado, quandopreparámos demoradamente a próxi-ma visita do Papa Francisco e ele ex-pressou a sua alegria em poder cele-brar com o Pontífice. Contei-lhe co-mo, por ocasião da minha recenteaudiência, o Papa, retribuindo àssaudações que lhe transmiti, dissecom comoção, quase com solenida-de: “Gosto muito do cardeal Caffar-ra. Diga-lhe”». De resto, ser consi-derado um cardeal em desacordocom o Pontífice — tinha dito recen-temente o cardeal Caffarra — «amar-gurou-me profundamente: nasci pa-pista, vivi como papista e desejomorrer papista». Como testemunha,aliás, o abraço com o Papa Franciscoem Carpi a 2 de abril passado.

Sempre na recordação do suces-sor, foram três os «grandes amores»do purpurado: «Sacerdotes, famíliase jovens: motivos de estudo inteli-gente e de serviço apaixonado àIgreja». Os bolonheses experimenta-ram isto diretamente, como testemu-nham as condolências unânimes dacidade que Caffarra «amou com pai-xão e dedicação, diria até ao esgota-mento». Certamente não se esque-ceu do povo da arquidiocese de Fer-rara-Comacchio que guiou anterior-mente por oito anos. O seu atual ar-cebispo, Gian Carlo Perego, recor-dando-o, afirmou que ele desenvol-veu uma «mistura singular de féapaixonada, de cultura teológica, fi-losófica, literária e de cordialidadehumana que o tornava capaz de co-municar com todos». Entre os temascentrais do magistério de Caffarraem Ferrara estava certamente a«educação dos jovens» e «nas cate-queses dedicadas a eles, assim comonas aulas aos estudantes das escolasmunicipais, não deixava de frisar onexo entre escolha cristã e verdadei-ra liberdade». Entre os momentosmais intensos como arcebispo deFerrara-Comacchio permanece a«grande missão da cidade, funda-mentada no anúncio da misericórdiade Deus». Uma missa de sufrágioserá celebrada em Ferrara no dia 16de setembro.

Carlo Caffarra nasceu a 1 de ju-nho de 1938 em Samboseto di Bus-seto, na província de Parma e dioce-se de Fidenza. Tinha três irmãs. De-pois de ter frequentado o seminárioepiscopal de Fidenza, foi ordenadosacerdote a 2 de julho de 1961 na suacidade natal. Em seguida prosseguiu

os estudos em Roma, como alunodo Pontifício seminário lombardo,obtendo o doutoramento em direitocanónico na Pontifícia universidadeGregoriana com uma tese sobre a fi-nalidade do matrimónio. Obtevetambém o diploma de especializaçãoem teologia moral na Pontifícia aca-demia Alfonsiana, apresentando umatese sobre a relação religião-moral nafilosofia.

Ao regressar à sua diocese, foi vi-ce-pároco da catedral de Fidenza,tendo iniciado também o ensina-mento da teologia moral nos semi-nários de Parma e de Fidenza. Aconvite do teólogo monsenhor CarloColombo, tornou-se professor deteologia moral fundamental na Fa-culdade teológica da Itália setentrio-nal de Milão e no Departamento deciências religiosas da UniversidadeCatólica do Sagrado Coração, tam-bém em Milão, instituído naquelesanos pelo reitor Giuseppe Lazzati.Teve assim a oportunidade de co-nhecer monsenhor Luigi Giussani:um encontro fundamental para a suavida. Nasceu uma amizade profundae em seguida também com o padreDivo Barsotti, figura eminente demístico e teólogo. Nos anos Setenta,Caffarra iniciou a aprofundar os te-mas do matrimónio, da família e daprocriação humana, impelido por

solicitações de numerosos casais denoivos e namorados, que lhe pediamindicações e esclarecimentos a partirda visão cristã do matrimónio. Fo-ram os anos do debate suscitado pe-la publicação da encíclica Humanaevitae de Paulo VI.

Depois, ensinou ética médica naFaculdade de medicina e cirurgia daUniversidade Católica do SagradoCoração em Roma e em agosto de1974 o Papa Montini nomeou-omembro da Comissão teológica in-ternacional, cargo que desempenhoupor dois quinquénios sucessivos.Continuou o aprofundamento teoló-gico, antropológico e ético do temada procriação humana, que se tor-nou de urgente atualidade quando, a25 de julho de 1978 nasceu a primei-ra pessoa concebida in vitro. Comorepresentante da Santa Sé partici-pou, em setembro do mesmo ano,no primeiro congresso mundial so-bre a esterilidade humana e a pro-criação artificial, realizado em Vene-za na fundação Cini.

Em 1980 o Papa Wojtyła nomeou-o perito no Sínodo dos bispos sobreo matrimónio e a família. Em janeirode 1981, atribuiu-lhe o mandato defundar e presidir o Pontifício Insti-tuto João Paulo II para estudos so-bre matrimónio e família, no qualrealizou o curso de ética da procria-

ção e os seminários de ética geral ede bioética. Em 1983, durante umquinquénio, foi consultor da Con-gregação para a doutrina da fé. Fezparte também da comissão de estu-do para a engenharia genética insti-tuída ad actum junto do ministérioda Saúde na Itália. Contemporanea-mente deu cursos e aulas em presti-giosos ateneus internacionais: a Uni-versidade Mistral e a UniversidadeCatólica de Santiago do Chile; Uni-versidade de Sidney; Universidadede Navarra (Pamplona) e a Complu-tense de Madrid. Em 1988 fundouem Washington, nos Estados Unidosda América, a primeira seção urbanado Pontifício Instituto João Paulo IIpara estudos sobre matrimónio e fa-mília. Sucessivamente realizou tam-bém as seções mexicana e espanhola.Além disso, recebeu o título de dou-tor honoris causa em letras cristãs pe-la Franciscan University de Steuben-ville no Ohio.

No dia 8 de setembro de 1995 foinomeado arcebispo de Ferrara-Co-macchio, tendo recebido a ordena-ção episcopal na catedral de Fidenzaa 21 de outubro do mesmo ano pelasmãos do cardeal Giacomo Biffi. E a4 de novembro iniciou a atividadepastoral. No dia 16 de dezembro de2003 João Paulo II transferiu-o paraa sede metropolitana de Bolonha, àqual chegou a 15 de fevereiro de2004. Presidente da Conferênciaepiscopal da Emilia-Romagna, foimoderador do Tribunal eclesiásticoregional Flamínio para as causas ma-trimoniais e grão-chanceler da Facul-dade teológica regional.

Foram sempre vigorosas as suastomadas de posição contra as tenta-tivas de comparar a família fundadano matrimónio com outras formasde união e contra a teoria do gender(que definiu «uma catarata que im-pede que se veja o esplendor da di-ferença sexual»). Em 2011 denunciouque no ocidente a família foi reduzi-da a uma «hegemonia do desejo» eem 2015 advertiu que «o grande de-safio lançado hoje à família consisteem contrastar a mentalidade domundo que a considera inútil». Po-sitivamente, relançou os fundamen-tos da missão da família que «se en-raíza na Providência de Deus»: ouseja, «gerar» e «educar» cada «novapessoa humana».

Autor de obras de teologia moralfundamental e de numerosos artigos,traduzidos em muitas línguas, cui-dou da edição comentada de todasas catequeses que João Paulo II de-dicou ao amor humano e — em coo-peração com a Universidade de Na-varra — o Enchiridion Familiae emcinco volumes. Foi membro honorá-rio da Real Academia de los Docto-res de Madrid.

Bento XVI criou-o e publicou-ocardeal no consistório de 24 de mar-ço de 2006, atribuindo-lhe o títulode São João Batista dos Florentinos.Na Cúria romana foi membro daCongregação para a evangelizaçãodos povos, do Supremo tribunal daAssinatura apostólica, do Pontifícioconselho para a família e da Pontifí-cia academia para a vida. Participounos dois Sínodos sobre a família em2014 e 2015 como membro de no-meação pontifícia.

Pesar do Santo PadrePublicamos a seguir o telegrama de pêsames pelo falecimento do CardealCarlo Caffarra que o Santo Padre enviou ao arcebispo de Bolonha, D.Matteo Maria Zuppi.

Recebi com tristeza a notícia do falecimento do Cardeal Carlo Caffar-ra. Desejo exprimir a Vossa Excelência, à inteira comunidade diocesa-na de Bolonha e aos familiares do saudoso purpurado a minha sentidaparticipação na sua dor. Penso com afeto neste querido irmão no epis-copado, que serviu com alegria o Evangelho e amou intensamente aIgreja e recordo com gratidão a generosa obra pastoral por ele difun-dida primeiramente como fundador e docente do Pontifício InstitutoJoão Paulo II para estudos sobre matrimónio e família, depois comozeloso pastor da arquidiocese de Ferrara-Comacchio e em seguida co-mo guia solícito e sábio dessa arquidiocese. Elevo fervorosas oraçõesao Senhor a fim de que, por intercessão da Bem-Aventurada VirgemMaria e de São Petrónio, acolha este seu fiel servo e insigne pastor naJerusalém celeste, e de coração concedo a Vossa Excelência, à queridaIgreja bolonhesa e a quantos o conheceram e estimaram a BênçãoAp ostólica.

FRANCISCUS P P.

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número 37, quinta-feira 14 de setembro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 23

INFORMAÇÕES

Novo embaixador do Méxicoapresentou credenciais

Sua Excelência o Senhor Jaime Manuel del Arenal Fenochio, embaixadordo México junto da Santa Sé, nasceus a 8 de agosto de 1953 na Cidade doMéxico. É casado e tem três filhas. Formado em direito na Escola Livre dedireito, onde foi também professor e pesquisador full time de 1978 a 2007,sucessivamente frequentou um master e um doutoramento em direito, em1998, na Universidade de Navarra na Espanha. De 1982 a 1985 e depois de1989 a 2007 foi professor part-time na faculdade de direito da Universidadepan-americana. De 1985 a 1989 foi pesquisador associado part-time noCentro de estudos universitários da Universidade autónoma do México(CESU). Sucessivamente, de 2007 a 2013 desempenhou o cargo de diretordo instituto de cultura mexicana na Espanha e de conselheiro cultural naEmbaixada mexicana em Madrid. Desde 2013 era embaixador no Equador.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 9 de setembro

De D. Norbert Trelle, ao cargo deBispo de Hildesheim (Alemanha).

De D. José Guadalupe Galván Ga-lindo, ao governo pastoral da Dioce-se de Torreón (México).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 8 de setembro

Núncio Apostólico na Indonésia, D.Piero Pioppo, Arcebispo Titular deTorcello, até esta data Núncio Apos-tólico nos Camarões e na GuinéEquatorial.

A 9 de setembro

Enviado Especial à celebração do600º aniversário do Concílio deConstância (Arquidiocese de Frei-burg im Breisgau, Alemanha), queterá lugar a 11 de novembro próxi-mo, o Senhor Cardeal Kurt Koch,Presidente do Pontifício Conselhopara a Promoção da Unidade dosCristãos.

Bispo da Diocese de Torreón (Méxi-co), o Rev.do Pe. Luis Martín Barra-za Beltrán, até agora Reitor do Se-minário maior da Arquidiocese deChihuahua.

D. Luis Martín Barraza Beltránnasceu a 22 de novembro de 1963 naCiudad Camargo (México). Foi orde-nado Sacerdote no dia 17 de junho de1988.

A 12 de setembroNúncio Apostólico na Itália e naRepública de San Marino, D. EmilPaul Tscherrig, Arcebispo Titular deVoli, até esta data Núncio Apostóli-co na Argentina.Núncio Apostólico nas Filipinas, D.Gabriele Giordano Caccia, Arcebis-po Titular de Sepino, até à presentedata Núncio Apostólico no Líbano.Núncio Apostólico na Bolívia, oR e v. mo Mons. Angelo Accattino, atéagora Conselheiro de Nunciatura, si-multaneamente eleito Arcebispo Ti-tular de Sabiona.

D. Angelo Accattino nasceu em Asti(Itália), no dia 31 de julho de 1966.Recebeu a Ordenação sacerdotal a 25de junho de 1994.

Subsecretário da Congregação parao Clero, o Rev.do Pe. Andrea Ripa,Oficial do mesmo Dicastério.

Bispo de Saskatoon (Canadá), D.Mark Hagemoen, até hoje Bispo deMacKenzie — Fort Smith.

A 13 de setembroNúncio Apostólico em Israel e Dele-gado Apostólico em Jerusalém e naPalestina, D. Leopoldo Girelli, atéhoje Núncio Apostólico em Singa-pura, Delegado Apostólico na Malá-sia e Brunei, e Representante Ponti-fício não residente para o Vietname.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 4 de setembroD. José Trinidad Sepúlveda Ruiz-Velasco, Bispo Emérito de San Juande los Lagos (México).

O venerando Prelado nasceu a 30de março de 1921 em Atotonilco El Al-to (México). Recebeu a Ordenação sa-cerdotal no dia 27 de março de 1948.Foi ordenado Bispo em 25 de julho de1965.

No dia 11 de setembroD. António Francisco dos Santos,Bispo do Porto (Portugal).

O ilustre Prelado nasceu a 29 deagosto de 1948 em Tendais (Portu-

gal). Foi ordenado Sacerdote no dia 8de dezembro de 1972. Recebeu a Orde-nação episcopal em 19 de março de2005. No dia 21 de fevereiro de 2014foi transferido para a sede residencialdo Porto.

D. José Trinidad Medel Pérez, Arce-bispo Emérito de Durango (Méxi-co).

O venerando Prelado nasceu emSanta Cruz Aquiáhuac (México), nodia 3 de junho de 1928. Recebeu aOrdenação sacerdotal a 15 de janeirode 1955. Foi ordenado Bispo em 12 dejulho de 1986.

Igrejas CatólicasO rientais

O Santo Padre deu o seu consenti-mento à decisão do Sínodo dos Bis-pos da Igreja greco-católica ucrania-na de erigir a Eparquia de Chernivt-si, com sede na mesma cidade, comterritório desmembrado da Eparquiade Kolomyia-Chernivtsi e sufragâneada Metropolia de Ivano-Frankivsk.O Sínodo dos Bispos da Igreja gre-co-católica ucraniana elegeu o pri-meiro Bispo da Eparquia de Cher-nivtsi, D. Yosafat Moshchych, atéhoje Bispo Titular de Pulcheriopolise Auxiliar de Ivano-Frankivsk.

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guro de si, declarou: «Não conheçoeste homem». Como terá pensadonaquilo que lhe tinha dito. E comoterá recordado o que lhe tinha ditoJesus, quando o viu sair da cela, eolhando para ele pôs-se a chorar.

Ou seja, vivemos na nossa vida oque Jesus nos diz. A mesma pala-vra, a mesma vocação, de diversasmaneiras. A vida leva-nos a vivê-lana alegria, na dor, no pecado, numagraça maior... O que terá feito Pe-dro naquela noite de quinta-feira,enquanto chorava, ter-se-á escondi-do pela vergonha, ou ido encontrar-se com a mãe de Jesus para lhe pe-dir um conselho, não sabemos.

E depois estava ali, fechado e as-sustado, e assim Jesus pergunta-lhetrês vezes se o ama; ele recorda e

responde: não compreendo nada, éoutra melodia do seu mesmo nome.Gostaria que cada um de nós se re-cordasse da primeira chamada,quando Jesus nos deu um nome, aprimeira vocação, o primeiro amor,e que o conjugasse com as diferen-tes músicas da vida. Na que nos dáa vida, momentos bons, cheios, mo-mentos de erros, de pecado, obscu-ros, momentos de querer quebrartudo e recomeçar outra coisa... Masnão perder o nome. Jesus deu umnome a cada um de nós e pôs-nosnum caminho, numa estrada deconsagração: na vereda da família ena família consagrada. Um caminhode doação a Ele e aos irmãos emSeu nome. Por isso, é preciso con-jugar sempre de novo aquele nomecom as diversas situações que nos éconcedido viver. Quando Jesus noschama e nos dá o nome, não nos dáum seguro de vida, temos nós que adefender com a humildade, a ora-ção e mendigá-la do Senhor. Dá-nos força, Senhor, para que possa-mos ir em frente cada um pelo ca-minho ao qual nos chamaste. Masninguém possui a certeza da perse-verança naquele nome, é preciso pe-di-la. E Ele concede-a, porque nosama muito, e deseja que permane-çamos, contudo é preciso mendigá-la. Não o esqueçais. Se quereistriunfar na vida como Jesus deseja,mendigai, porque o protagonista dahistória é o mendigo, o protagonistada história da salvação é o mendi-go, aquilo que cada um de nós temdentro de si. Obrigado por isto! Eque possais levar por diante estetestemunho que dais e que sejamuito frutuoso. Obrigado!

Jesus deu-nos um nome

Na manhã de sexta-feira, 1 de setembro, o Papa recebeu Sua Excelência o senhorJaime Manuel del Arenal Fenochio, embaixador do México

para a apresentação das cartas com as quais é acreditado junto da Santa Sé

Page 24: y(7HB5G3*QLTKKS( +/!!;!@! ! Preço € 1,00. Número atrasado ... · crianças para que o Papa as aben-çoasse, e também mostravam com satisfação as suas crianças como que

página 24 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de setembro de 2017, número 37

Na audiência geral o Pontífice falou da viagem à Colômbia

A esperançae o futuro de um povo

Os votos para que «cada colombianopossa dar o primeiro passo em direçãoao irmão e à irmã, e deste modoconstruir juntos, dia após dia, a paz»foram formulados pelo Papa naquarta-feira 13 de setembro na praçade São Pedro, durante a audiênciageral dedicada à recente viagem aopaís latino-americano.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!Como sabeis, nos dias passados rea-lizei a viagem apostólica à Colôm-bia. De todo o coração dou graçasao Senhor por este grande dom; edesejo renovar a expressão do meureconhecimento ao Senhor Presiden-te da República, que me recebeucom tanta cortesia, aos Bispos co-lombianos que muito trabalharam —para preparar esta visita, assim comoàs Autoridades do país, e a quantoscolaboraram com a realização destavisita. Transmito um agradecimentoespecial ao povo colombiano que meacolheu com muito afeto e tanta ale-gria! Um povo jubiloso entre osmuitos sofrimentos, mas alegre; umpovo com esperança. Um dos aspe-tos que mais me impressionaram emtodas as cidades, no meio da multi-dão, foram os pais e as mães com osfilhos, que os erguiam para que oPapa os abençoasse, mas tambémcom orgulho mostravam os própriosfilhos como se dissessem: “Este é onosso orgulho! Esta é a nossa espe-rança”. Pensei: um povo capaz deter filhos e de os mostrar com orgu-lho, como esperança: este povo temfuturo. Gostei muito disto.

De modo particular nesta viagemsenti a continuidade com os dois Pa-pas que antes de mim visitaram aColômbia: o beato Paulo VI, em1968, e São João Paulo II, em 1986.Uma continuidade fortemente ani-mada pelo Espírito, que guia os pas-sos do povo de Deus nos caminhosda história.

O lema da viagem foi “Demos elprimer paso”, isto é, “Demos o pri-meiro passo”, referido ao processode reconciliação que a Colômbia vi-ve para sair de meio século de con-flito interno, que semeou sofrimen-tos e inimizades, causando tantas fe-ridas, difíceis de cicatrizar. Mas coma ajuda de Deus o caminho já come-çou. Com a minha visita quis aben-çoar o esforço daquele povo, confir-má-lo na fé e na esperança, e recebero seu testemunho, que é uma rique-za para o meu ministério e para todaa Igreja. O testemunho deste povo éuma riqueza para toda a Igreja.

A Colômbia — como a maior par-te das nações latino-americanas — éum país no qual as raízes cristãs sãofortíssimas. E se este facto torna ain-da mais aguda a dor pela tragédiada guerra que o dilacerou, ao mes-

mo tempo constitui a garantia dapaz, o firme fundamento da sua re-construção, a linfa da sua esperançainvencível. É evidente que o malignoquis dividir o povo para destruir aobra de Deus, mas também é evi-dente que o amor de Cristo, a suainfinita Misericórdia é mais forte doque o pecado e a morte.

Esta viagem levou a bênção deCristo, a bênção da Igreja ao desejode vida e de paz que transborda docoração daquela nação: pude obser-var isto nos olhos dos milhares e mi-lhares de crianças, adolescentes e jo-vens que encheram a praça de Bogo-tá e que encontrei em toda parte;aquela força de vida que também aprópria natureza proclama com asua exuberância e a sua biodiversi-dade. A Colômbia é o segundo paísdo mundo pela biodiversidade. EmBogotá pude encontrar-me com osBispos do país e também com o Co-mité Diretivo da Conferência Epis-copal Latino-americana. Dou graçasa Deus por os ter podido abraçar e

amor, da verdade, da justiça, e demártires verdadeiros, assassinadospela fé, como os dois que acabei decitar. Ouvir as suas biografias foi co-movedor até às lágrimas: lágrimas dedor e de alegria ao mesmo tempo.Diante das relíquias e das suas ima-gens, o santo povo fiel de Deus sen-tiu com força a própria identidade,com dor, pensando nas muitas, de-masiadas vítimas, e com alegria, pelamisericórdia de Deus que se estendesobre os que o temem (cf. Lc 1, 50).

«Misericórdia e verdade encon-trar-se-ão, / justiça e paz beijar-se-ão» (Sl 85, 11), escutámos no início.

dantes. Um destes frutos são os Ho-g a re s , isto é as casas onde crianças eadolescentes feridos pela vida po-dem encontrar uma nova família naqual são amados, acolhidos, protegi-dos e acompanhados. Outros frutos,abundantes como cachos, são as vo-cações à vida sacerdotal e consagra-da, que pude abençoar e encorajarcom alegria num encontro inesquecí-vel com os consagrados e os seus fa-m i l i a re s .

Por fim, em Cartagena, a cidadede São Pedro Claver, apóstolo dosescravos, o “fo cus” foi sobre a p ro -moção da pessoa humana e dos seusdireitos fundamentais. São Pedro Cla-ver, e também mais recentementesanta Maria Bernarda Bütler, derama vida pelos mais pobres e margina-lizados, mostrando assim a via daverdadeira revolução, a evangélica,não ideológica, que liberta deverasas pessoas e as sociedades das escra-vidões de ontem e, infelizmente,também de hoje. Neste sentido, “daro primeiro passo” — o lema da via-gem — significa aproximar-se, incli-nar-se, tocar a carne do irmão feridoe abandonado. E fazê-lo com Cristo,o Senhor que se tornou escravo pornós. Graças a Ele há esperança, por-que Ele é a misericórdia e a paz.

Novamente confio a Colômbia e oseu amado povo à Mãe, Nossa Se-nhora de Chiquinquirá, que pudevenerar na catedral de Bogotá. Coma ajuda de Maria, cada colombianotodos os dias possa dar o primeiropasso em direção do irmão e da ir-mã, e assim construir juntos, diaapós dia, a paz no amor, na justiça ena verdade.

No final da audiência geral, ao saudaros grupos presentes, o Pontífice disseem português as seguintes palavras.

Queridos peregrinos de língua por-tuguesa, em particular os numerososgrupos de fiéis vindos do Brasil e dePortugal

Faço votos de que esta romariapossa reforçar em vós a fé em JesusCristo, que nos chama a dar o pri-meiro passo na direção dos nossosirmãos e irmãs necessitados. Retor-nai a casa certos de que, quando so-mos generosos, nunca faltam as bên-çãos de Deus. Obrigado pelas vossasorações.

lhes ter dado o meu encorajamentopastoral, para a sua missão ao servi-ço da Igreja, sacramento de Cristonossa paz e nossa esperança.

O dia dedicado de modo particu-lar ao tema da re c o n c i l i a ç ã o , momen-to culminante de toda a viagem, foirealizado em Villavicencio. Na parteda manhã houve a grande celebra-ção eucarística, com a beatificaçãodos mártires Jesús Emilio JaramilloMonsalve, bispo, e Pedro María Ra-mírez Ramos, sacerdote; à tarde, aespecial Liturgia de Reconciliação,simbolicamente orientada para oCristo de Bocayá, sem braços nempernas, mutilado como o seu povo.

A beatificação dos dois mártiresrecordou plasticamente que a paz sefunda também e talvez sobretudo,no sangue de tantas testemunhas do

Este versículo do salmo contém aprofecia do que aconteceu deverasna última sexta-feira na Colômbia; aprofecia e a graça de Deus por aque-le povo ferido, a fim de que possaressurgir e caminhar numa vida no-va. Vimos estas palavras proféticascheias de graça encarnadas nas his-tórias das testemunhas, que falaramem nome de muitos e muitos que, apartir das suas feridas, com a graçade Cristo, saíram de si mesmos eabriram-se ao encontro, ao perdão, àre c o n c i l i a ç ã o .

Em Medellín a perspetiva foi a davida cristã como discipulado: a voca-ção e a missão. Quando os cristãosse esforçam até ao fim no caminhodo seguimento de Jesus Cristo, tor-nam-se deveras sal, luz e fermentono mundo, e veem-se frutos abun-

Acolhimento do Papa no aeroportode Cartagena (10 de setembro)