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ACERVO ESCOLAR: LUGAR DE MEMÓRIA Vilma da Silva Mesquita Oliveira Graduada em Pedagogia (2011), pela UFPI; Especialista em Pedagogia e Docência Universitária: Gestão de Processos Acadêmicos (2013) pelo CEFOP - do Rio Grande do Norte; e Mestra em Educação (2014) pela UFPI. Endereço: Avenida Duque de Caxias, 4292, Bairro: Água Mineral. Teresina- Piauí. E-mail: [email protected] Telefone: (86)99827-2316/ 98854-7968. RESUMO A aceleração do processo histórico e o risco da perda da identidade dos grupos sociais têm tornado necessária a proliferação dos lugares de memória com a intenção de guardar as lembranças das comunidades visando assim à continuidade da história através de seus escritos históricos. Os historiadores, ao dirigir o olhar à escola enquanto lugar de memória, encontraram grandes contribuições para a recuperação das lembranças do passado de grupos sociais que podem colaborar para reconstruir a história da educação. Muitos pesquisadores da história da educação têm se preocupado com a conservação das fontes que podem lhe auxiliar no ofício de reconstruir o seu passado. Diante dessa situação, é possível verificar a necessidade de procurar subsídios que possibilitem a preservação das fontes documentais e materiais que contribuam para tal fim. Palavras-Chaves: Acervo escolar. História. Memória. ABSTRACT The development of the historical process and the risk of social groups loss of identity have made the proliferation of historical places necessary in order to keep the memories of the communities, thus providing conservation of memories through their historical writings. Historians, when turning their outlook to the school as a place of memory, find great contributions to the recovery of past memories of social groups that can collaborate to reconstruct the history of

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ACERVO ESCOLAR: LUGAR DE MEMÓRIA

Vilma da Silva Mesquita Oliveira Graduada em Pedagogia (2011), pela UFPI; Especialista em Pedagogia e Docência Universitária: Gestão de

Processos Acadêmicos (2013) pelo CEFOP - do Rio Grande do Norte; e Mestra em Educação (2014) pela UFPI.Endereço: Avenida Duque de Caxias, 4292, Bairro: Água Mineral. Teresina- Piauí.

E-mail: [email protected]: (86)99827-2316/ 98854-7968.

RESUMO

A aceleração do processo histórico e o risco da perda da identidade dos grupos sociais têm tornado necessária a proliferação dos lugares de memória com a intenção de guardar as lembranças das comunidades visando assim à continuidade da história através de seus escritos históricos. Os historiadores, ao dirigir o olhar à escola enquanto lugar de memória, encontraram grandes contribuições para a recuperação das lembranças do passado de grupos sociais que podem colaborar para reconstruir a história da educação. Muitos pesquisadores da história da educação têm se preocupado com a conservação das fontes que podem lhe auxiliar no ofício de reconstruir o seu passado. Diante dessa situação, é possível verificar a necessidade de procurar subsídios que possibilitem a preservação das fontes documentais e materiais que contribuam para tal fim.

Palavras-Chaves: Acervo escolar. História. Memória.

ABSTRACT

The development of the historical process and the risk of social groups loss of identity have made the proliferation of historical places necessary in order to keep the memories of the communities, thus providing conservation of memories through their historical writings. Historians, when turning their outlook to the school as a place of memory, find great contributions to the recovery of past memories of social groups that can collaborate to reconstruct the history of education. Many researchers of the history of education have been concerned about the conservation of sources that may help the work of reconstructing the past. In the face of this situation, we can see the need to search for subsidies that make possible the conservation of documentary sources and materials to contribute to this purpose. 

Key-words: School heritage. History. Memory.

O Acervo Escolar e a Memória da Escola

O acervo escolar é o conjunto de registros e documentos de diferentes naturezas que

guardam as informações sobre a memória educativa e apresentam características particulares

da instituição escolar a qual faz parte, contando através deles a história e a memória da escola.

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A memória é formada pelos laços de semelhança, o que dá suporte ao grupo sobre o

que deve ser lembrado e como pode ser lembrado, calcada no campo das representações e

símbolos, de um passado comum. Quando as lembranças do grupo sobre alguma memória

estão falidas de interesse, a memória acaba dando lugar à história que tem a função de salvar

as lembranças por escrito.

Quando a memória de uma seqüência de acontecimentos não tem mais por suporte um grupo, aquele mesmo em que esteve engajada ou que dela suportou as conseqüências, que lhe assistiu ou dela recebeu um relato vivo dos primeiros atores e espectadores, quando ela se dispersa por entre alguns espíritos individuais, perdidos em nossa sociedade para as quais esses fatos não interessam mais porque lhes são decisivamente exteriores, então o único meio de salvar tais lembranças é fixá-la por escrito em uma narrativa seguida uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos permanecem (HALBWACHS, 1990, p. 80-81).

Para o teórico citado as memórias quando falidas de interesse pelo grupo, resta-lhes a

história como meio de guardar essas lembranças do passado. Mas, para que todo esse

arcabouço fosse salvo, seriam necessários lugares específicos para guardar todos esses

acervos, e Pierre Nora (1993) assim os definiu de lugares de memória.

Para este autor ao perceber a necessidade de salvar as memórias tradicionais, uma

vez que o mundo moderno tem valorizado mais o presente se distanciando dessas vivências

tradicionais, consideradas obsoletas, concebeu aos lugares de memória – arquivos, cemitérios,

festas, monumentos, comemorações, museus, etc. – a função de guardar, amparar e preservar

a memória social do esquecimento.

Os arquivos escolares enquanto lugares de memórias e depositários dos acervos

escolares são para Nora (1993, p. 21), simultaneamente lugares materiais, funcionais e

simbólicos, pois um “mesmo lugar de aparência puramente material, como um depósito de

arquivos, só é lugar de memória se sua imaginação o investe de uma aura simbólica”.

Nessa perspectiva, o referido autor concebe os lugares materiais como lugares onde a

memória social se encontra abrigada, investida de um sentido simbólico; os lugares

funcionais, em que os objetos são considerados como parte de um ritual e servem para

alicerçar as memórias coletivas; e os lugares simbólicos, que se caracterizam por uma vontade

de memória, portanto, os três se comunicam permanentemente.

A preocupação dos historiadores em bloquear a ação de esquecimento da memória

tradicional tem os levado a se sentirem obrigados a registrar todos aqueles materiais dos quais

necessitariam para apoiar nossas lembranças. Para Félix (1998, p. 54) “[...] constata-se, cada

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vez mais, a ruptura da memória via tradição e a conseqüente necessidade de registros, na

história-conhecimento, dos suportes da história-processo”.

Nesse sentido, a Nova História Cultural tem contribuído de forma significativa no

sentido de promover um alargamento de abordagens, objetos e fontes de investigação. De

acordo com Burke (1992, p. 11) “a Nova História começou a se interessar por virtualmente

toda atividade humana”. Assim, muitos objetos e fontes que antes eram postos em segundo

plano pela historiografia tradicional, passaram a compor um lugar privilegiado entre os

pesquisadores adeptos da Nova História Cultural. Sob esse novo olhar, o acervo escolar tem

despertado, cada vez mais, a atenção de pesquisadores interessados em preservar a memória

das escolas a partir de sua cultura material.

Com a aceleração do processo histórico e o risco da perda da identidade dos grupos

sociais têm tornado necessária a proliferação dos lugares de memória com a intenção de

guardar as lembranças dessas comunidades visando assim à continuidade da história através

de seus escritos históricos. De acordo com Le Goff (1994, p. 545):

O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa.

Nesse contexto, os historiadores, ao dirigirem o olhar à escola enquanto lugares de

memória, encontraram grandes contribuições para a recuperação das lembranças do passado

educacional. A análise do acervo escolar pelo cruzamento das recordações dos tempos

escolares por alunos, professores e demais sujeitos tendo como fontes escritas não oficiais

agendas, fotografias, depoimentos, etc., tem sido motivo de estudo para diversos

pesquisadores.

Desse modo, verifica-se que a memória tem recebido especial atenção por parte dos

pesquisadores interessados em reconstruir a memória da escola sob outro prisma,

privilegiando vozes e sentimentos dos sujeitos que vivenciaram o cotidiano escolar e

educativo de determinadas épocas.

A memória pode ser utilizada como um lugar privilegiado e fundamental para a

construção do entendimento a respeito de experiências escolares vivenciadas no passado e

para a compreensão da própria trajetória da educação. Entretanto, verifica-se ausência de

preservação de documentos e objetos que podem colaborar para a compreensão do passado.

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A falta de conscientização do valor da memória e a desvalorização do passado fazem com que pessoas desavisadas de forma insensível lancem nas chamas da fogueira tudo o que cheira a velho, impedindo a sobrevivência do passado no presente, dificultando o trabalho dos pesquisadores e empobrecendo nossa história. (REIS e FERRO, 2009, p.48).

Assim, refletir sobre memória como instrumento de investigação e reconstrução do

passado é uma necessidade emergente. Escolas, alunos, professores, pais carregam

lembranças de seus tempos escolares grafadas em suas mentes, ou mesmo em arquivos

pessoais através de fotos, livros, cartas e outros objetos que carregam sentimentos e

significados capazes, silenciados pelos escritos e interpretações limitadas aos documentos

oficiais.

As recordações são responsáveis pela construção da imagem da instituição escolar e

de seus sujeitos onde, a partir delas, é possível usá-las como uma fonte para buscar entender

um fato, compreender uma situação, preencher lacunas e provocar interpretações que as

fontes escritas podem não oferecer respostas satisfatórias ao pesquisador.

Fica claro, então, que os acervos escolares e o uso da memória como possibilidade

de investigação têm possibilitado reescrever a história das instituições escolares e a trajetória

daqueles que a constituem, ou seja, professores, alunos, funcionários, família, etc., até as

relações sócio-culturais que tais grupos construíram ao longo do tempo, contribuem para a

formação da própria identidade de escolas e seus sujeitos.

Pollak (1992, p.8) argumenta que “se a memória é socialmente construída, é óbvio

que toda documentação também o é. Para mim não há diferença fundamental entre fonte

escrita e fonte oral. A crítica da fonte, tal como todo historiador aprende a fazer, deve, a meu

ver, ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo”.

Portanto, os materiais escolares aliados à memória podem ser utilizados como fonte

de investigação para a construção do entendimento a respeito de experiências escolares

vivenciadas no passado e para a compreensão da própria trajetória da educação.

O arquivo escolar: documentos – fontes de pesquisa em educação

Os arquivos escolares se constituem como espaço onde são depositados documentos e

registros referentes aos processos escolares administrativos e formativos (dados de matrícula,

diários de classe, boletins, etc.), e aos personagens do corpo escolar (alunos, professores,

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funcionários e família, etc.) que fizeram e fazem parte da história e da memória individual e

coletiva da instituição educativa.

Conforme Vidal (2005a, p. 24) o arquivo escolar “pode oferecer elementos para a

reflexão sobre o passado da instituição, das pessoas que freqüentaram ou freqüentam, das

práticas que nela se produziram e, mesmo, sobre as relações que estabelecem e estabeleceu

em seu entorno [...]”. Os diversos conjuntos de documentos do arquivo escolar são fontes base

de informação para a pesquisa que pelo cruzamento de outros dados externos a esse meio, o

pesquisador tenta reconstruir por meio de análise das informações referentes aos objetos de

investigação da pesquisa educativa.

Esses documentos produzidos e/ou referentes à escola, arquivados nessas instituições,

apresentam uma gama de diversidade da natureza de temáticas de possíveis investigações,

constituintes das atividades práticas administrativas e pedagógicas do cotidiano das

instituições escolares. A riqueza desses documentos sugere uma pluralidade de temas

suscitados por estes, que são bem melhor demonstradas no quadro a seguir:

Desenvolvimento de investigações a partir de documentos de arquivo

Documentos Possíveis investigações

1. Actas do Conselho Escolar Actas diversas

Tensões entre professores: debates, conflitos, estratégias de coordenação, reflexão interna sobre a instituição, tomadas de posição individuais;• Opções pedagógicas e curriculares;• Formas de abordagem dos problemas disciplinares dos alunos;• Orientações internas da vida da escola;• Actividades extra-curriculares etc.

2. Livros de cadastro de professores;Processos de professores

• Caracterização e evolução do corpo docente da instituição escolar: origem geográfica, formação académica e profissional, percurso e valorização profissional, anos de ligação à instituição.

3. Livros de Cadastro e de Matrícula dos alunos; Processos de alunos

• Definição do perfil dos alunos que, ao longo dos anos, freqüentaram [sic] a escola: origem geográfica, articulação com a comunidade e a região, idade de entrada e saída da instituição, relação quantitativa de géneros, estudo da formação das elites locais, sociais e económicas etc.

4. Livros de Termos e Colecção de Pautas do Aproveitamento Escolar;Actas de Júris de Exame

• Avaliação dos resultados alcançados pelos alunos e estabelecimento das taxas do seu sucesso/insucesso.

5. Regulamentos internos; Ordens de serviço; Avisos e Convocatórias; Actas do Conselho Escolar

• Apreensão da vida quotidiana escolar, dos valores, normas e regras, das questões disciplinares, das actividades extracurriculares;• Conhecimento do trabalho docente (através dos registos institucionais e pessoais que o permitem) e das relações (de cumplicidade e/ou de conflito) entre professores.

6. Listas de professores, alunos, turmas;

Caracterização do trabalho de gestão e de organização pedagógica da instituição escolar;

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Divisão de turmas e de turnos;Horários;

Documentos sobre estágios, avaliação e outros elementos curriculares

• Identificação de modalidades de governo interno dos agentes e sujeitos educativos, assim como da organização do tempo e do espaço escolares;• Análise da interpretação institucional relativamente aos planos de estudo, aos saberes disciplinares e às práticas escolares, na perspectiva de apreensão dos sentidos que a escola atribuía à sua actividade formativa.

7. Folhetos; Brochuras;Convites;Anúncios.

• Identificação de festas, espectáculos, exposições, manifestações e outras realizações muito diversificadas que marcaram o calendário escolar.

8. Colecções de correspondência expedida e recebida;Circulares emanadas dos serviços centrais.

• Caracterização das relações institucionais com os organismos da tutela e avaliação do grau de autonomia das instituições escolares face ao poder central.

9. Relatórios (geralmente anuais)

• Compreensão da imagem que a escola construiu sobre a sua actividade e funcionamento, na perspectiva da direcção da instituição;• Conhecimento e análise das categorias utilizadas nesses documentos.

10.Livros de Sumários, Materiais escolares (manuais, inventários etc.);Inventário e ficheiros da biblioteca escolar

• Sistematização dos traços da história do currículo, das disciplinas escolares e das relações pedagógicas, permitindo a apreensão e identificação;• Apreensão dos elementos do quotidiano na sala de aula e da natureza dos processos educativos que nela se desenvolve(ra)m;• Identificação do sentido que marcou a evolução dos saberes e dos modelos culturais e pedagógicos presentes na escola.

11.Trabalhos de Alunos.

• Análise dos mecanismos em que assentam os processos de ensino aprendizagem e do significado dos rendimentos exigidos pelas diversas disciplinas aos escolares;• Compreensão, do ponto de vista dos alunos (uma perspectiva só muito recentemente valorizada), das evoluções e as mudanças profundas que ocorreram no campo da educação;• Valorização desse tipo de fontes de informação, que raramente têm sido conservadas pelo arquivo da própria instituição escolar e que têm despertado um interesse renovado nos novos caminhos da investigação em educação.

12.Documentos relativos à gestão financeira e contabilidade da escola;Documentos relativos ao pessoal auxiliar.

• Avaliação da gestão e dos critérios de aplicação do orçamento das escolas, remetendo para questões de economia da educação.

13. Jornais e revistas da instituição escolar;Livros de curso e livros de finalistas;Outras publicações de professores e alunos.

• Identificação das vozes (individuais e de grupo) de professores e alunos, a partir da análise dessas publicações, em que os autores expressam a sua visão do mundo, da profissão e da escola;• Levantamento destas obras, que também raramente são guardadas no arquivo da instituição.

14.Fotografias e imagens

• Observação e análise de um variado leque de documentos iconográficos da/sobre a escola, que permite apreender a riqueza dos espaços, dos ambientes, dos objectos e das pessoas. Também essta documentação raramente se mantém no arquivo da instituição escolar a que diz respeito.

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Fonte: MOGARRO, Maria João. Arquivos e educação: a Construção da Memória Educativa. Sísifo 1. Revista de Ciências da educação (2006, p. 75-76)

O quadro acima demonstra o leque de possibilidades de investigação referente a cada

tipo de documento e a diversidade de informações que se pode obter dos fenômenos

educativos. Embora esses documentos tenham sido pouco privilegiados pelas análises das

pesquisas em educação, seja pela abordagem teórico-metodológica, seja pela dificuldade de

serem encontrados no arquivo escolar, se analisados confrontando com diversas fontes, é

possível encontrar vários significados para o estudo pelos diferentes e múltiplos olhares do

pesquisador, pertinentes à ampliação da diversidade de dados, bem como de objetos e de

temas para a pesquisa em educação.

Acervo escolar: contribuições para as pesquisas em história da educação

No dizer de Lopes e Galvão (2010, p. 65) “o passado nunca será plenamente conhecido

e compreendido. No limite, podemos apenas entender seus fragmentos, suas incertezas”. A

afirmação das pesquisadoras nos chama a atenção para a necessidade de refletirmos sobre a

importância das fontes que o pesquisador utiliza para a compreensão do passado.

Diante do alargamento do campo de investigação ocorrido na história da educação em

decorrência da ampliação de objetos e fontes elucidados pela Nova História Cultural, o acervo

escolar passou a fazer parte dos estudos desenvolvidos por pesquisadores preocupados em

preservar a memória e recuperar a história das instituições escolares e de seus sujeitos.

Sendo assim, muitos pesquisadores têm buscado nos arquivos e na cultura material das

escolas evidências que possam fornecer informações para a compreensão das relações

ocorridas no cotidiano dessas instituições e a partir daí produzir novas interpretações que

possam colaborar para uma releitura da história da educação. Assim “os arquivos escolares

têm emergido nos últimos dez anos como temática recorrente no campo da história da

educação” (VIDAL, 2005b, p. 71).

Desse modo, as informações contidas nesses acervos são fontes primorosas para a

preservação da memória da educação. Na perspectiva de Nora (1981, p. 9), “a memória se

enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”. Através deles é possível

compreender as relações estabelecidas na escola e perceber as transformações ocorridas ao

longo do tempo.

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Os documentos arquivados na escola depositam um conjunto de lembranças do

passado educativo. Portanto, os arquivos documentais da escola têm se revelado elementos

fundamentais para que a memória da instituição se mantenha viva. Para isso, a necessidade de

preservar o acervo documental e material é evidente. Menezes (2011) defende esta mesma

visão. Segundo a pesquisadora:

O acervo histórico, documental e bibliográfico, que se encontrava depositado sobre o cimento dos porões da instituição, em péssimas condições, e avançado estado de deterioração, carecia de cuidados que possibilitassem a sua recuperação, com trabalhos de conservação e organização, mas também de pesquisa (MENEZES, 2011, p. 97).

À medida que a escola toma consciência da importância da preservação do acervo

escolar como lócus de memória, esse acervo torna-se uma fonte de grande significado para os

pesquisadores que garimpam evidências desses lugares carregados de lembranças,

significados e simbologias, cujas informações ali guardadas são fragmentos utilizados pelos

estudiosos para buscar respostas sobre inquietações a respeito das vivências ocorridas no

passado.

Enfileirados em estantes ou engavetados em armários, os arquivos escolares são locais

de memória os quais dispõem de um rico banco de informações que permanecem silenciadas,

esperando a execução de operações de pesquisa que busca estabelecer uma releitura da

história da educação a partir de fontes, objetos e abordagens que, por muito tempo, foram

pouco exploradas pelos pesquisadores engajados em pesquisas voltadas para esse campo.

Seguindo esse mesmo enfoque Vidal (2005b) chama a atenção para a importância do

arquivo escolar como ferramenta fornecedora de pistas sobre o passado das instituições

escolares, dos seus sujeitos e das relações estabelecidas nesses espaços e no meio em que está

inserido.

Integrada à vida da escola, o arquivo pode fornecer-lhe elementos para a reflexão sobre o passado da instituição, das pessoas que a freqüentam ou freqüentaram, das práticas que nela se produziram e, mesmo, sobre as relações que estabeleceu e estabelece com o seu entorno (a cidade e a região a que se insere). (VIDAL, 2005b, p. 24).

Diante das reflexões até agora apresentadas, não se pode negar o avanço que os

acervos escolares têm ganhado entre os pesquisadores da história da educação, seja como

fonte de pesquisa, seja como objeto de estudo, essa temática tem despertado cada vez mais o

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interesse de estudiosos preocupados com a reconstrução do passado da educação com a

preservação das fontes que guardam suas memórias.

Sobre esse aspecto Nunes (2003, p. 15) considera que “as escolas também são

‘celeiros’ de memórias, espaços nos quais se tece parte da memória social. As reminiscências

desse espaço são possíveis pela estrutura das suas rotinas e sua continuidade no tempo”. Mas

para que o acervo escolar seja utilizado como fonte de recordação do passado escolar e

guardião da memória da escola é necessário – antes de tudo – que exista preocupação com a

conservação desses depositários de memória.

A preservação dos acervos escolares é uma necessidade emergente. Alertamos para

essa questão porque percebemos que existe uma falta de preocupação diante do processo de

conservação de arquivos, objetos e documentos que merecem um cuidado especial em seu

manejo, alojamento e organização.

Seja por falta de conhecimento técnico, seja por falta de recursos financeiros, seja pela

falta de preocupação dos seus guardiões responsáveis, notamos que é fundamental que esse

conjunto de informações seja adequadamente conservado a fim de que as memórias da

educação possam permanecer vivas e conservadas para que a sociedade, através de estudos e

pesquisas, tenha o direito de conhecer as relações sociais, normas, cotidiano e a cultura

escolar existente no processo educativo em determinados tempos e lugares.

Sobre essa preocupação com esses lugares de memória, Pinheiro (2006) alerta os

historiadores acerca da sua importância no processo de conservação dessas fontes.

Ao historiador cabe não somente garimpar as fontes, debruçar-se sobre elas, fazendo a sua hermenêutica, mas engajar-se na luta, no sentido de pressionar o poder público e procurar parceiros que tenham interesse em preservar o patrimônio histórico e cultural de suas localidades, bem como buscar sensibilizar os pesquisadores que desejem ver futuros trabalhos de reconstrução da memória histórica publicados (PINHEIRO, 2006, p. 55).

Os acervos salvaguardos são importantes porque eles serão depositários de fragmentos

de memória para os quais os pesquisadores se debruçarão, garimpando evidências que possam

preencher lacunas do passado da educação ou mesmo estabelecer um novo olhar sobre

questões cuja versão construída teria partido de uma abordagem que não privilegiava as

evidências mantidas nesses locais, porque “os lugares de memória são, antes de tudo, restos”

(NORA, 1993, p. 12).

Nesse sentido Diana Vidal (2005b) chama a atenção para a necessidade de

alargamento do sentido de documento e de lugares preservar as fontes classificadas como tal.

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É imprescindível a constituição de museus que acolham a gama de móveis e materiais escolares utilizados nos vários períodos históricos, criando condições de confrontar o pesquisador em história da educação com possibilidades e limites que a materialidade impôs ao ensino e investigar o questionamento acerca das rebeldias com que foram tomados os objetos culturais pelos sujeitos da escola (VIDAL, 2005b, p. 25).

Contudo, esses poucos fragmentos que escaparam da destruição provocada pela ação

de sujeitos pouco esclarecidos são peças fundamentais para a reconstrução do cotidiano e da

cultura escolar, promovendo uma melhor compreensão da história da educação.

Considerações Finais

Nessa discussão procuramos refletir sobre a importância do acervo escolar como fonte

de pesquisa para estudiosos que se aventuram em reconstruir a história da educação a partir de

fragmentos deixados em escolas em determinados momentos do passado.

O estudo demonstra que o acervo escolar tem despertado, gradativamente, o interesse

de pesquisadores interessados em desvendar o passado da educação. Tal interesse é produto

da ampliação de possibilidades de investigação propostas pela Nova História Cultural, que

tem proposto a reconstrução do passado a partir da investigação de temas e fontes até então

pouco valorizadas pela perspectiva tradicional.

Contudo, para que tais fontes sejam exploradas é necessário que elas estejam

conservadas, alojadas em locais adequadas, onde possam estar protegidas de danos

provocados pela ação humana ou das condições naturais dos locais em que estão alojadas,

culminando assim na preservação desses lugares de memória.

Estudiosos, pesquisadores, gestores e comunidade escolar têm importância

imprescindível na luta pela preservação dessas fontes. Cabe a esses, promover políticas de

conscientização e preservação dos referidos acervos. Do mesmo modo, cabe a esses sujeitos

cobrar do poder público ações que possibilitem a salvaguarda do acervo documental e

material das escolas, seja através de recursos financeiros, materiais ou humanos.

Essa é uma necessidade emergente, porque preocupação com a preservação dessas

fontes ainda não está entre as prioridades dos membros e responsáveis dos locais que abrigam

esses materiais.

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Portanto, os acervos escolares são lugares de memória que guardam um conjunto de

informações de valor inestimável. Esses depositários de lembranças do passado podem ser

comparados a uma espécie de túnel do tempo que pode nos transportar a épocas anteriores,

nos levando a compreender a dinâmica educacional de escolas, sujeitos e sociedades cujas

trajetórias e vivências estão ligadas aos ambientes escolares.

Assim a preservação das fontes materiais existentes nas escolas é fundamental para a

conservação de suas memórias e para a possibilidade de se lançar um novo olhar e se produzir

uma reescrita da história da educação.

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