8/22/2019 27-ari-oro
1/15
One
opente
ostalism
o
m
a umbeiro
A
IPED
OORO
pr
oessorde
Antr
opologia
a
Unive
rsid
adeFe
dera
o
RioGrand
eoSul.
ARI
PED
ROORO
8/22/2019 27-ari-oro
2/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006320
Este texto versa sobre duas ca-
ractersticas da Igreja Universal
do Reino de Deus (Iurd) que
contribuem para torn-la, em
certo sentido, uma igreja neopen-
tecostal macumbeira. So elas:
sua religiofagia, em que ela se apropria
e reelabora elementos de crenas de outras
igrejas e religies, mormente das afro-
brasileiras (candombl, umbanda, quim-
banda, macumba); e sua exacerbao
desses elementos de crenas e das prticas
ritualsticas tomadas dessas organizaes
religiosas. Juntas, ambas vo revelar a face
macumbeira da Iurd, que aparece sobretudo
em determinados rituais, como nas Sesses
Espirituais de Descarrego, em que se obser-va que, quanto mais ela constri um discurso
e procede a uma ritualstica de oposio s
religies afro-brasileiras, paradoxalmente
mais delas se aproxima e se assemelha.
O FENMENO IGREJA UNIVERSAL
DO REINO DE DEUSA Igreja Universal do Reino de Deus,
ou simplesmente Universal, ou Iurd, como
tambm conhecida, consiste num dos mais
impressionantes fenmenos religiosos do
Brasil dos ltimos anos. Fundada em 1977
por Edir Macedo1, essa igreja neopentecostal
brasileira2 alcanou um crescimento espan-
toso na ltima dcada. De 269.000 adeptos
em 1991, atingiu 2 milhes em 2000, um
crescimento anual de 25,7%. Est presente
em 80 pases de todos os continentes, tendo
cerca de 600 mil fiis no exterior. Implantou
7.000 templos e possui 14.000 pastores,
17 catedrais esto sendo construdas no
Brasil por grandes construtoras como a
Queiroz Galvo e a Odebrecht (Folha de
S. Paulo, 7/12/2003, seo Dinheiro). Sua
visibilidade enorme, por ser detentora da
terceira maior rede de televiso do pas, a
Rede Record, mas tambm pela sua diver-sidade administrativo-econmica, pela sua
presena na poltica, pelos seus mtodos ar-
rojados de evangelizao, pelo uso explcito
do dinheiro, entre outras caractersticas,
como veremos mais frente.
A Iurd, segundo pesquisa recente reali-
zada pelo Instituto DataFolha e publicada
no jornal Folha de S. Paulo (4/1/2004),
percebida pela populao brasileira como
a instituio que mais ganhou poder de
influncia no Brasil entre os anos 1995 e
20033.
uma igreja que tem suscitado grande
interesse no somente no meio religioso
mas tambm jornalstico e acadmico do
Brasil e do exterior.
De fato, quantas vezes ela no esteve
presente nas pginas das revistas Veja,
poca,Isto , ou outras importantes revis-
tas brasileiras? No meio universitrio umindcio de sua importncia pode ser visto
no alto nmero de teses e dissertaes
produzidas sobre ela nos ltimos anos.
Segundo o Banco de Teses constante no
site da Capes, somente no perodo que
compreende os anos 1995 a 2001, foram
defendidas 11 teses e 40 dissertaes em
diferentes programas de ps-graduao
do pas, tais como sociologia, antropolo-
gia, comunicao, letras e administrao.No exterior, um levantamento provisrio
mostrou que j foram defendidas trs teses
sobre a Universal nos Estados Unidos, uma
na Frana e uma na Sucia4. Ao menos cinco
livros dedicados exclusivamente Igreja
Universal j foram publicados no Brasil5 e
quatro no exterior6.
Como se v, a Igreja Universal no
uma igreja como outra qualquer, e o seu
surgimento at certo ponto contribuiu, ao
lado de outras instituies religiosas, para
recompor o campo religioso brasileiro. Ou
seja, se at algumas dcadas atrs todas as
igrejas e religies at certo ponto sabiam
qual era o seu lugar, dentro de um mode-
lo religioso sincrtico hierrquico o
qual combina a relao no-exclusiva com
a aceitao da hegemonia institucional
catlica (Freston, 1993, p. 20) , sobretudo
aps 1977 houve um relativo rompimento
desse modelo, posto que a Iurd em certosentido se insurgiu contra o lugar ocupado
pelo pentecostalismo no campo religioso
brasileiro.
Parte substancial deste texto foiapresentada na XXIV ReunioBrasileira de Antropologia, rea-lizada em Recife, de 12 a 15de junho de 2004, no SimpsioIntolerncia Religiosa: Conflitosentre Pentecostalismo e ReligiesAfro-brasileiras, coordenado porVagner Gonalves da Silva.
1 Edir Macedo nasceu em 1945,numa famlia de migrantesnordestinos. Converteu-se aopentecostalismo, mais especifi-camente Igreja Nova Vida, em1963, aos 18 anos de idade.Antes disso, freqentou a igrejacatlica e a umbanda.
2 De fato, a Universal do Reino deDeus uma igreja da terceiraonda pentecostal surgida no
Brasil, denominada de neo-pentecostal, ao lado de igrejascomo Renascer em Cristo, SaraNossa Terra, Internacional daGraa de Deus. Cada umadas ondas contm suas prpriasmarcas teolgicas, eclesiais,sociais e culturais, embora nohaja fronteiras claras entre elasj que elas no se sobrepemno tempo (Freston, 1993). osegmento religioso pentecostalque est fazendo aumentar acada novo censo as cifras dosevanglicos no pas. Atingiam1% da populao em 1900 ede acordo com o Censo de
2000 alcanam 15,4%, ouseja, 26 milhes de pessoas.Os pentecostais somavamcerca de 50% do conjunto dosevanglicos em 1980 e hojealcanam exatos 67,6% douniverso evanglico. A maiorigreja pentecostal no Brasil a Assemblia de Deus, comcerca de 8 milhes de fiis,seguida da Igreja CongregaoCrist, com cerca de 3 milhes,da Igreja Universal, com maisde 2 milhes, e da Quadran-gular, com quase 2 milhesde seguidores. Alm delas hcentenas de diferentes igrejaspentecostais de pequeno porteque compem o que MarionAubre (1998) chamou de umaconstellation pentectiste.
3 A pesquisa ouviu 2.950 pessoasem cinco capitais (So Paulo,Rio de Janeiro, Belo Horizonte,Salvador e Porto Alegre) entreos dias 8 e 12 e no dia 15 dedezembro de 2003.
4 A lista completa das teses edissertaes se encontra em:Oro et al., 2003.
5 So eles: Justino, 1995; Oliva,
1997; Campos, 1999; Bonfa-tti, 2000; e Oro et al., 2003.
6 So eles: Ruuth, 1995; Rosa& Martins, 1996; Ruuth & Ro-drigues, 1999; Mafra, 2002;Corten et al., 2003;
8/22/2019 27-ari-oro
3/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006 321
Uma importante caracterstica dessa
igreja, que em certo sentido constitui um
marco na histria das religies no Brasil, o
fato de ela construir seu sistema doutrinrio
e ritualstico mediante a apropriao e
reelaborao de elementos simblicos to-
mados de outras igrejas e religies, como
veremos a seguir.
UMA IGREJA RELIGIOFGICA
A Igreja Universal se autoproclama pen-
tecostal. No entanto, e de forma semelhante,
embora com mais nfase, a outras igrejas
da terceira onda pentecostal, ela se colocanuma relativa situao de fronteira inter-
religiosa, que explicitada de formas dife-
rentes por alguns autores. Por exemplo, para
P. Freston (1993), ela a mais catlica das
igrejas evanglicas; para R. Valle e I. Sarti
(1994, p. 11), ela uma reedio urbana
do catolicismo popular tradicional; para P.
Sanchis (1994, p. 63), um fenmeno que,
alm de desafiar uma tradio cultural (a da
cultura catlico-brasileira), sabe reencon-trar algumas das suas linhas mestras; para
R. Mariano (1995, p. 127), uma igreja que
rearticula sincreticamente no seu prprio
interior crenas e prticas rituais dos ad-
versrios7; para R. de Almeida (2003, p.
340), uma igreja que se situa a um meio
caminho entre os evanglicos e as religies
afro-brasileiras; e, enfim, para P. Birman
(2001), uma igreja da bricolagem.
De minha parte, considero-a, sem ne-
nhuma conotao pejorativa, uma igreja
religiofgica; literalmente, comedora de
religio, ou, como diz R. de Almeida (2003,
p. 341), uma igreja que procedeu a uma
fagocitose religiosa8. Isto , uma igreja
que construiu seu repertrio simblico, suas
crenas e ritualstica, incorporando e res-
semantizando9 pedaos de crenas de outras
religies, mesmo de seus adversrios.
Esta idia no nova. Por exemplo, P.
Sanchis (1994, p. 52) se indagava acercado pentecostalismo em geral: Quem, do
Brasil ou do pentecostalismo, vai comer
o outro?. E respondia que o Brasil seria
deglutido; e R. de Almeida (2003, p. 341),
referindo-se especificamente Universal,
dizia que essa igreja, no seu processo de
constituio, elaborou, pela guerra, uma
antropofagia da f inimiga.
Vejamos alguns exemplos do processo
religiofgico iurdiano.
A Iurd prega a Teologia da Prosperi-
dade, que foi desenvolvida nos Estados
Unidos, sobretudo por Kenneth Hagin, e
implementada no Brasil pela igreja Vida
Nova (Freston, 1993; Mariano, 1995).
Mas alm de enfatizar tal teologia a Iurd
vai dedicar todos os cultos das segundas-
feiras a express-la, no que chama hoje de
Congresso Empresarial10.
Alm disso, a Iurd faz uso extensivode smbolos e objetos mediadores com o
sagrado, que so prticas correntes nas
religies medinicas e no catolicismo. Os
fiis iurdianos so mesmo aconselhados
pelos pastores a levarem tais smbolos para
casa, que, dependendo de sua natureza, sero
dispostos em certos locais da mesma, ou
misturados comida, ou, ento, carregados
na carteira, na bolsa, no corpo. A prpria
Bblia entra nessa mesma lgica j que,segundo Bittencourt Filho (1994, p. 32),
ela pouco lida e mais usada como recurso
mgico nos atos de exorcismo e outros ri-
tuais, algo impensvel em qualquer igreja
de tradio protestante.
Na Iurd tambm importante a rea-
lizao de correntes e o pagamento do
dzimo. Ora, isso tambm preexiste ao
neopentecostalismo e Iurd (Mariano,
1995, p. 31). O dzimo consiste numa marca
evanglica, retornando agora tambm em
muitas dioceses catlicas. As correntes e
sesses tambm fazem parte das religies
medinicas, assim como do repertrio do
catolicismo popular e seu regime de promes-
sas e novenas.
Do catolicismo, alm disso, a Iurd
incorporou as noes de milagre, inferno,
pecado e demnio. Assumiu, tambm, a sua
forma organizacional episcopal, igualmente
presente na igreja anglicana, consagrando-se Edir Macedo o seu primeiro bispo em
1981. Da catlica, ainda, sugere Mariano,
em razo do crescimento do nmero de
7 Sanchis (1994, p. 43) recordaque qualquer religio, ao seimplantar num espao social,adquire alguma propriedadesincrtica.
8 Segundo o Dicionrio Aurlio,
fagocitosesignifica a ingestoe destruio de uma partculaslida ou de um microorganismopor uma clula.
9 Ressemantizao ocorre quan-do contedos das religies deorigem, vindas de fora, soalterados por contedos daslocalidades e dos grupos que osadotam; ressimbolizao ocorrequando contedos tradicionaisde um grupo adquirem novaexpresso atravs de formassimblicas importadas, vindasde fora (Segato, 1997).
10 Nesses cultos, denominados decongressos, os participantesrecebem uma pasta (comoocorre nos congressos) conten-do folhas internas destinadas aoregistro de desejos e graas quepretendem alcanar.
8/22/2019 27-ari-oro
4/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006322
empresas, patrimnio imobilirio e volume
de recursos, a Iurd, [] talvez tendo por
referncia o Vaticano, resolveu ingressar
no mercado financeiro11.
Tambm da catlica, para justificar
o prprio uso e eficcia da Teologia da
Prosperidade, Edir Macedo assumiu aber-
tamente o alto padro de vida que leva e a
preferncia por carros luxuosos como Mer-
cedes e BMW, comparando-se ao Papa que
mora e utiliza um palcio em representao
da sua igreja (Mariano, 1995, p. 58).
Do catolicismo/cristianismo, ainda, a
Iurd defende abertamente o adgio francis-
cano dando que se recebe, e reconhece
os feriados nacionais da Sexta-Feira Santa e
de Nossa Senhora Aparecida, promovendo,nessas datas, grandes concentraes de f.
No Dia de Finados, tambm comum os
obreiros evangelizarem nos cemitrios.
Tambm reconhece o dia de So Cosme
e So Damio, ocasio em que costuma
oferecer balas ungidas para as crianas
que vo aos cultos, lembrando, nesse caso,
a prtica de dar doces aos ers na umbanda
(Mariano, 1995, p. 127).
Alm disso, como sublinha P. Birman(2001, p. 60), a prpria forma de operar da
Iurd catlica, isto , buscando alianas
e mediadores religiosos para reforar um
projeto de integrao social e poltica de
seus adeptos [].
Mas, especialmente, como se sabe, a
Iurd uma igreja em que o exorcismo e a
demonizao das entidades afro-brasileiras
ocupam um lugar central no seu discurso e
em sua ritualstica quotidiana. Ora, como
observa Mariano (1995, p. 98),
[] h muito tempo os rituais, as crenas,
os deuses e guias dos cultos afro-brasileiros
e espritas so percebidos e classificados
como demonacos pelos evanglicos e at
por alguns expoentes da Igreja Catlica.
Os rituais de exorcismo tambm no so
novidade nos meios pentecostais.
Porm, enquanto outras igrejas semostram relativamente discretas na ex-
presso das prticas exorcistas, a Iurd faz
disso o centro de suas atividades ritualsti-
cas, e mesmo consagrou as teras-feiras
libertao dos demnios, nas concorridas
Sesses Espirituais de Descarrego, sempre
embasada na Teologia da Guerra Espiritual,
tambm desenvolvida nos Estados Unidos
e por ela adaptada realidade cultural e
religiosa brasileira.
Alm disso, um importante elemento do
exorcismo iurdiano a entrevista com os
demnios12. Nesse caso, segundo Mariano
(1995, pp. 30-1), a Iurd tambm no inova,
pois d continuidade a uma prtica iniciada
pela igreja pentecostal Nova Vida.
A Iurd tambm realiza hoje em dia
rituais de fechamento de corpo e a cor-
rente da mesa branca13, prticas especficas
do campo religioso medinico brasileiro.Ainda do campo religioso medinico os
pregadores da Universal usam todo um con-
junto de termos prprios quele segmento
religioso. Por exemplo: Esta pessoa est
com a vida amarrada; o demnio amarrou
os negcios dele; est tudo amarrado; T
amarrado, em nome de Jesus; O problema
financeiro se deve a um trabalho; Foi feito
um trabalho de bruxaria; Foi pago no
cemitrio, na cachoeira; Este leo santo para fechar o corpo; Fazer a corrente
da sade, da libertao.
Evidentemente que a lista da fagocitose
iurdiana no est completa; mas ela su-
ficiente para reforar a hiptese de que a
Iurd alimenta-se dos elementos de crenas
existentes no pluralismo religioso brasileiro.
Importa tambm frisar que toda essa apro-
priao intencional, estudada, encerra
claro propsito proselitista. A liderana tem
plena conscincia da eficcia desta estra-
tgia (Mariano, 1995, p. 127). Exemplo
disso esta frase, escrita pelo prprio Edir
Macedo: Aconselha-se no uso na prtica do
exorcismo, de linguagem e aes familiares
ao indivduo da ao. Isto funciona como
um cdigo de comunicao com a pessoa
(Macedo, 1995, p. 55 grifos meus).
de se perguntar at que ponto todo
esse carter mimtico da Iurd no tem a
ver com a prpria trajetria pessoal de seufundador, que conheceu e transitou por
diferentes igrejas e religies antes de fundar
a sua prpria igreja.
11 [] adquiriu por trs milhesde dlares o Banco Dime, emnovembro de 1991, que setransformou em Banco de Cr-dito Metropolitano, dirigido por
um pastor (Mariano, 1995, p.53).
12 As entrevistas com os demniosconstam, fundamentalmente detrs questes: Qual o teunome, O que voc tem feitona vida dela [da pessoa] ecomo voc entrou na vida dela[da pessoa] (Almeida, 2003,pp. 323-5).
13 Nesse ltimo caso, coloca-seuma mesa branca em frente aoplpito com um copo de guabenzida em seu centro. Em filaindiana, os fiis caminham epassam as mos sobre a mesauntada de leo e depois em suascabeas, ou sobre a parte docorpo enferma, para retirar osmaus fluidos ou libertar-se deseus males (Mariano, 1995,p. 126).
8/22/2019 27-ari-oro
5/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006 323
Mas, claro, a Iurd no somente se apro-
pria de elementos simblicos preexistentes
na relao com o sobrenatural (Soares,
1990). Ou, ento, segundo a metfora que
venho empregando, ela no somente en-
gole as crenas apreendidas de outros seg-
mentos religiosos. Ela tambm as digere
e transforma de acordo com o seu prprio
aparelho digestivo. Ou seja, alm de
reencontra[r] linhas do universo simblico
brasileiro tradicional [] (Sanchis, 1994,
p. 53), a Iurd vai proceder a sua resseman-
tizao, sobretudo daquelas concernentes
s religies afro-brasileiras14.
Assim, por exemplo, no que tange s
entidades afro-brasileiras, a Iurd no as
nega, mas muda o seu significado. Comolembra M. C. Soares (1990, p. 87), seria
bastante ineficaz chegar para uma pessoa
que durante anos recebeu um determinado
guia dizendo que tais coisas no existem. O
que o pastor faz mostrar que elas existem,
mas que ele tem poder sobre elas. Assim
procedendo, recorda L. E. Soares (1993,
p. 50), a Iurd segue semelhante prtica do
catolicismo medieval que, relativamente
apario de entidades espirituais aosacusados de feitiaria, no as colocava em
dvida mas as renomeava e submetia a
outro crivo valorativo, a partir da aplicao
do cdigo catlico.
Tambm o exorcismo ressemantizado.
Ao invs de ser concebido como ponto cul-
minante de extrema sacralizao do ritual,
como ocorre no candombl, ele passa a ser
o plo negativo extremo da manifestao
do sagrado por tratar-se da irrupo do
mal (Almeida, 1996, p. 76-7)15. Da mesma
forma, ele no ser mais visto somente como
o momento de expulso de uma entidade
maligna do corpo de uma pessoa, como
ocorre na concepo catlica, mas tam-
bm como um mecanismo para bloquear
a circulao do Mal [] (Birman, 1997,
p. 55), revelando, em primeiro lugar, que
o mdium possudo, de respeitado agente
nos terreiros, torna-se uma marionete nas
mos dos pastores nos templos (Boyer,1996)16, e, em segundo lugar, que o cenrio
do culto afro-brasileiro trazido para den-
tro do culto pentecostal (leia-se Iurd) para
ento ser expurgado, mas sempre de forma
provisria (Segato, 1997).
Por essas reelaboraes nota-se que na
Iurd no ocorre a negao do afro-brasileiro
terreiro, rituais, poder das entidades mas
uma alterao do sentido imbudo a sua
prtica religiosa pelos atuais adeptos pen-
tecostais e antigos freqentadores do seu
terreiro (Birman, 1997, p. 107 grifos
meus).
Porm, a Iurd no vai somente se apro-
priar e ressemantizar pedaos de crenas e
de concepes procedentes de outras igrejas
e religies que, com ela, esto em disputa
no campo religioso pela conquista de fiis.
Como veremos a seguir, ela vai tambm
efetuar um movimento contrrio de grandeenvergadura, a saber: exacerbar a presena
do religioso no espao pblico (templos e
catedrais, na mdia, na poltica, grandes
espaos pblicos); superdimensionar o
poder do demnio; hipertrofiar os rituais
de exorcismo; redimensionar o significado
do dinheiro, etc.
UMA IGREJA DA EXACERBAOUm olhar panormico e retrospectivo
sobre o campo religioso brasileiro dos l-
timos anos permite perceber a importncia
nele detida principalmente, embora no
exclusivamente, pela Igreja Universal.
Vejamos alguns exemplos:
Relativamente aos templos. Sobretudo
at a dcada de 70, as igrejas catlicas
ocupavam os lugares centrais das cidades,
com suas matrizes e catedrais, sendo esses
os espaos sagrados de maior presena e
visibilidade pblica. Os templos evangli-
cos, sobretudo os de igrejas pentecostais,
eram geralmente acanhados e se situavam
nas periferias das cidades, tendo pouco
destaque. No era muito diferente a situa-
o dos espaos sagrados das religies
medinicas. Ora, a Iurd surgiu e impsoutra lgica nesse processo. Primeiramente,
nessa igreja a implantao de um templo
obedece a um estudo prvio de mercado de
14 A importncia desse fenmeno tal que h autores que atribuema ele o sucesso e promoo deconverses da Iurd em particulare do neopentecostalismo emgeral em regies onde asreligies afro-brasileiras estoimplantadas (Corten, 1997).
15 Por isso mesmo diz, acertada-mente, esse autor que o cultode libertao pode ser lidocomo uma inverso simblicados rituais encontrados nos ter-reiros (Almeida, 1996, p. 77).
16 Essa autora efetua uma boaanlise dos elementos que apro-ximam entre si os dois sistemasreligiosos, neopentecostais ecultos de possesso (Boyer,1996).
8/22/2019 27-ari-oro
6/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006324
possveis consumidores de bens religiosos,
contrariamente ao procedimento usual das
igrejas em que a instalao de um templo
ocorre em razo da demanda de fiis. Em
segundo lugar, ao invs de espaos reli-
giosos modestos e retirados dos espaos
nobres das cidades, a Iurd vai alugar grandes
espaos fsicos cinemas, garagens ou
fbricas desativadas ou erguer templos
e, ultimamente, catedrais, de dimenses
impressionantes, que se situam em locais es-
tratgicos das cidades, geralmente ao longo
de grandes avenidas e vias movimentadas.
Alm disso, os templos oferecem conforto
para os freqentadores, contendo estacio-
namento, ar-condicionado, sonorizao,
recreacionistas para crianas17.
A presena na mdia. Historicamente
as igrejas catlica e evanglica se faziam
presentes na mdia radiofnica, impressa e
mesmo televisiva. Mas hoje, olhando para
trs, e tomando como ponto de comparao a
Iurd, pode-se afirmar que tudo ocorria dentro
de padres relativamente modestos.
De fato, a Universal surgiu como uma
igreja miditica, e hoje seus nmeros nessedomnio impressionam: detentora de
duas redes de televiso: a Record, com 63
emissoras, sendo 21 de sua propriedade,
e a Mulher, presente em 85% das capitais
brasileiras e em cerca de 300 municpios.
Exporta seus programas para vrios pases
(especialmente Mxico, Chile, Panam,
Equador, Venezuela, Colmbia e Porto
Rico). tambm proprietria de 62 emis-
soras de rdio no pas. No exterior, possui
emissoras de rdio e TV em vrios pases,
entre os quais Portugal, Argentina, Moam-
bique e frica do Sul. No que tange mdia
impressa, difunde o jornal Folha Universal
(cuja tiragem semanal supera a cifra de 1,5
milho de exemplares)18; edita as revistas
Ester,Mo AmigaePlenitude; proprietria
de uma grfica (Editora Grfica Universal)
e de uma editora (Universal Produes,
pela qual Edir Macedo publicou seus 34
livros). No exterior, proprietria dosjornais: Tribuna Universal, em Portugal;
Universal News e Pare de Sufrir (destinado
aos hispnicos), nos Estados Unidos; Faith
in Action e City News, na Inglaterra; Stop
Suffering, na frica do Sul; Pare de Sufrir,
no Chile e na Bolvia; Tribune Universelle,
na Frana. Alm disso, proprietria de
uma gravadora (Line Records, que, com
dez anos de existncia, vendeu cerca de
900 mil CDs somente no ano de 2000) e
uma produtora de vdeos (Frame) (Mariano,
2003; Fonseca, 2003)19.
Alm disso, na Iurd a mdia no so-
mente um elemento de evangelizao, mas,
tambm, e sobretudo, um instrumento de
marketinge de propaganda, visando a atrair
as pessoas para seus templos, diferente-
mente de outras igrejas, mesmo as eletrni-
cas norte-americanas, nas quais, segundo
Edir Macedo, o pastor fica no vdeo e aspessoas o assistem em casa, distraindo-se
com a campainha da porta que toca ou com
o gato que mia (Veja, 14/11/1990).
A presena na poltica. A Igreja Catlica
teve historicamente uma importante partici-
pao na vida poltica nacional. Durante o
Imprio, entre os anos 1835 e 1837, o padre
Diogo Feij tornou-se regente do Imprio;
por ocasio da Constituinte de 1823, 15entre os 93 eleitos eram sacerdotes. Mas,
a partir da separao oficial entre igreja
catlica e Estado, instituda na primeira
constituio republicana de 1891, a igreja
foi se afastando do poltico propriamente
dito sendo hoje a insero de sacerdotes na
poltica um tema bastante controvertido e
polmico no mbito dessa instituio.
Os evanglicos, por seu turno, detm
tambm uma histrica, embora modesta,
presena na vida poltica brasileira. Fres-
ton (1993) divide essa presena em quatro
fases: a primeira a metodista (de 1946 a
1951), seguida da presbiteriana (de 1951 a
1975), da batista (de 1975 a 1987) e, aps
1987, pela primeira vez, o predomnio de
uma igreja pentecostal, a Assemblia de
Deus. Porm, segundo Flvio C. dos Santos
Conrado (2000), a partir de 1990 a Igreja
Universal d incio quinta fase20.
A Iurd debutou na poltica em 1986 ele-gendo um deputado federal. A partir da sua
progresso foi constante: elegeu trs depu-
tados federais e seis deputados estaduais
17 Como j disse, a Iurd deten-tora hoje, somente no Brasil, decerca de sete mil templos.
18 No siteda Universal consta quea Folha Universal o maiorsemanrio da Amrica Latina,com mais de 1,7 milho deexemplares.
19 Todo esse complexo midi ticoreveste-se de mltiplos sentidos,entre os quais: o de marketing,propaganda da igreja; mostrar-se, expor publicamente os seusprodutos e resultados (da olugar fundamental ocupadopelos exorcismos e sobretudopelos testemunhos, depoimen-tos, que so a prova da eficciada igreja, os resultados, comodizem, uma igreja de resulta-dos; o povo est cansadode blablabl); e de apelo aosfuturos consumidores de benssimblicos para freqentar ostemplos da igreja (endereos,
horrios de reunies).20 Para uma anlise histrica e
atual da insero evanglica napoltica brasileira ver: Freston,1993; Campos, 2002; e Oro,2003.
8/22/2019 27-ari-oro
7/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006 325
em 1990; seis deputados para o Congresso
Nacional e oito nas Assemblias Legisla-
tivas dos estados em 1994; 17 deputados
federais (sendo 14 pastores egressos da
prpria igreja de vrias unidades federativas
e trs deputados apoiados pela igreja), e 26
deputados estaduais em 1998; dezenas de
vereadores em 2000; nas ltimas eleies
de 2002 elegeu 16 deputados federais e 19
deputados estaduais todos egressos da
prpria igreja , representantes de 10 esta-
dos da federao, alm do bispo Marcelo
Crivella, eleito senador da Repblica pelo
Rio de Janeiro, com mais de 3 milhes de
votos, que nas eleies de outubro de 2004
concorreu prefeitura do Rio de Janeiro,
obtendo o segundo lugar.
O empreendimentismo econmico. At o
advento da Iurd, o investimento financeiro
das igrejas catlica e evanglicas circunscre-
via-se sobretudo ao campo da educao, das
mdias e da assistncia social. A Iurd vai dar
continuidade a esses investimentos, menos
no educacional formal, e, alm disso, ampli-
ar e diversificar as reas de empreendimento
econmico. Por isso, hoje ela proprietriada Ediminas S/A (que edita o jornal secular
Hoje em Dia, de Belo Horizonte); de uma
empresa de processamento de dados (Uni
Line), de uma construtora (Unitec), de uma
seguradora (Uni Corretora), de uma agn-
cia de viagens (New Tour) e das empresas
Unimetro, Cremo Empreendimentos, LM
Consultoria Empresarial, alm de duas
instituies financeiras, Invest Holding e
Cable Invest, com sedes em parasos fiscais
do Reino Unido: Ilhas Cayman e Jersey
(Channel Islands) (Mariano, 2003).
A mediao do dinheiro e outros bens.Tradicionalmente, as igrejas e religies
instaladas no Brasil procediam, de forma
variada segundo elas, a coletas financeiras,
realizavam campanhas de arrecadao,
recebiam doaes, efetuavam cobranas em
troca de servios religiosos e arrecadavam
o dzimo. Porm, sobretudo a Universal,mas no s, introduziu no Brasil a noo de
religio paga (Pierucci & Prandi, 1996) e
procedeu a uma ressemantizao do dinheiro.
Ou seja, contrariamente a uma mentalidade
laica, assumida por certas igrejas e religies,
em seu processo de secularizao interna,
segundo a qual possvel contribuir com as
finanas das instituies religiosas sem pagar
pelos servios religiosos, a Iurd introduziu a
monetarizao na relao com o sagrado e
escolheu o dinheiro como a principal medida
da f e mediao com o sagrado, dentro de
uma lgica sacrificial, inserindo-o, tambm,
na perspectiva da Teologia da Prosperidade
(Oro & Semn, 1999)21.
Por outro lado, como j vimos, o uso de
bens e objetos na mediao com o sagrado
tambm recorrente no catolicismo, nas
religies medinicas e nos grupos e movi-
mentos esotricos. No entanto, a Universalextrapolou o uso dos tradicionais e reco-
nhecidos smbolos religiosos, como velas,
imagens, clices, sal, flores, gua, leo,
arruda, enxofre, ervas, mel, giz, retratos,
roupas, etc., e introduziu em seus rituais
novos mediadores com o sagrado, retirados
do quotidiano das pessoas, tais como sham-
poo, sabonete, brinquedos, garrafas, sabo
em p, saco de lixo, travesseiro, etc., reve-
lando, assim, o alto grau de imaginaodetido por essa igreja. Isso porque, segundo
Patrcia Birman (2001, p. 69),
[] a Universal parte do princpio de
que todos os artefatos humanos e todos os
elementos da natureza podem servir para se
conectar com o mundo divino: podem ser
utilizados como mediadores eficazes com a
esfera extramundana, desde que consagra-
dos, ungidos por seus pastores.
Assim sendo, acrescenta essa autora, o
efeito desse procedimento aponta para uma
desqualificao dos mediadores religiosos
tradicionais e para o estabelecimento de no-
vas conexes com o sagrado, geralmente
retiradas ou associadas com passagens bbli-
cas, realizadas por pastores bricoleurs,
em seu processo de banalizao e de exac-
erbao dos mediadores do contato com o
invisvel (Birman, 2001, pp. 70-1).
O diabo e o exorcismo. O que mais nos
interessa aqui, porm, discorrer sobre as
21 Evidentemente que esse fato pro-duz debates e questionamentosticos, sobretudo em relaoao abuso econmico dasigrejas. Mas, como j escrevi
em outro lugar, por um lado,A monetarizao da relaocom o sagrado no deveriasurpreender se levarmos emconta duas situaes conver-gentes: a permanncia dalgica sacrificial (prpria damentalidade cosmolgica) ea generalizao da moeda,ambas podendo conduzir logi-camente oferta em dinheiro(Oro & Semn, 1999, p. 43);e, por outro lado, os embatesticos ocorrem em razo de lgi-cas culturais diferenciadas quese encontram, se contrapem ese combatem: uma, cosmolgi-ca, que utiliza o dinheiro comooferta na lgica do sacrifcio, eoutra, secularizada e laica, queinterpreta a oferta financeira sigrejas como subsistncia dopoder opressor das igrejas.
8/22/2019 27-ari-oro
8/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006326
representaes acerca do demnio nessa
igreja e o ritual do exorcismo. Novamente,
como j indicamos acima, a Iurd no est
inovando mas exacerbando um sistema
preexistente.
De fato, a representao de uma figura
invisvel associada ao mal o demnio
ocupou um lugar importante no imaginrio
cristo medieval, como o mal absoluto,
bem como nos tempos modernos e atuais.
No Brasil, a imagem do diabo cristo tra-
zida pelos portugueses se encontrou com
noes prximas de entidades cultuadas
pelas religies no-europias, no se re-
cobrindo, porm. Mesmo assim, deu-se
um compartilhamento de crenas segundo
o qual o mundo se encontra em constantetenso entre foras invisveis: de um lado,
os demnios causadores do mal e da desor-
dem, e, de outro lado, os deuses associados
ao bem e ordem22. A teologia catlica, no
entanto, desde o sculo XVIII,
[] tornou-se cada vez mais econmica
nas questes demonolgicas, as quais
foram, por sua vez, apropriadas pelas foras
perifricas: ocultistas, satanistas, amadores,grupos sectrios marginais, algumas perso-
nalidades []. A teologia liberal, catlica
e protestante, simplesmente evita o mundo
demonaco, ou menciona-o apenas como
uma metfora, um smbolo tradicional, uma
abstrao (Kolakowski, 1985, p. 20).
Ainda no mbito catlico, principal-
mente aps o Conclio Vaticano II,
[] no existe mais uniformidade na
doutrina sobre satans e os demnios. Mui-
tos telogos colocam em dvida a existncia
do diabo ou se manifestam positivamente
contra ela. Outros procuram interpretar de
maneira nova a tradio demonolgica da
Igreja Catlica []. Parte dos telogos ain-
da mantm a doutrina tradicional e muitos
catlicos ainda esto sob sua influncia ou
se confessam abertamente adeptos dela
(Wenisch, 1992, p. 41).
No catolicismo popular, porm, segundo
E. D. B. de Menezes (1981, p. 4), o diabo,
22 Sobre a noo de forasinvisveis, a partir do contextoreligioso africano e latino-ame-ricano, ver: Corten & Mary,2000.
8/22/2019 27-ari-oro
9/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006 327
implcita ou declaradamente, constitui um
dos personagens centrais e o mvel fun-
damental na explicao dos eventos, das
situaes e dos comportamentos.
Relativamente aos evanglicos, porm,
no dizer de Wenisch (1992, pp. 42 e segs.),
se, por um lado, os telogos liberais distan-
ciaram-se da tradicional demonologia crist
bem mais cedo do que os telogos catlicos,
de outro lado os fundamentalistas sempre
mantiveram a crena de que os espritos
demonacos se imiscuem diretamente na
histria do mundo.
este ltimo, tambm, o posiciona-
mento doutrinrio do pentecostalismo e do
neopentecostalismo brasileiros. De fato,
para eles,
[] tanto o diabo que causa as doenas,
conflitos, desempregos, alcoolismo, leva ao
roubo ou a qualquer crime, como Jesus e
o Esprito Santo que cura, acalma, d sade,
d prosperidade material e liberta do vcio
e do pecado. Nesta viso se nega assim por
um lado a ao de outros seres espirituais
como se nega a responsabilidade humana e
conseqentemente as origens histricas domal e do bem (Mariz, 1997, p. 231).
Ora, a Universal tambm reconhece a
importncia dos demnios como causadores
dos males e problemas de toda ordem que
afetam as pessoas e a sociedade. Eles so
tidos como os perturbadores da ordem
natural das coisas (natural no sentido
daquilo que est conforme a vontade divina),
cujo objetivo distrair Deus (Gomes,
1994, pp. 233-4). A esse respeito escreveu
Edir Macedo, em seu livro Orixs, Caboclos
e Guias: Deuses ou Demnios23: Tudo o
que existe de ruim neste mundo tem sua
origem em satans e seus demnios. So eles
os causadores de todos os infortnios que
atingem o homem direta ou indiretamente
(Macedo, 1987, p. 103). Em outro livro ele
se questiona e responde: Qual a origem
de todos os males que afligem a humani-
dade? Doenas, misrias, desastres e todosos problemas que tm afligido o homem
desde que este iniciou sua vida na terra, tm
uma origem: o diabo (Macedo, 1995, p.
23 Trata-se de um livro escrito em1987, dedicado a todos ospais-de-santo e mes-de-santode nossa ptria, e que jvendeu mais de dois milhesde exemplares. Esse mesmo livrofoi tambm editado em CD-Rom,pela Universal Produes. EdirMacedo escreveu, em 1995,mais um livro sobre o temados demnios: O Diabo eSeus Anjos. Nele sustenta amesma acusao demonacaem relao ao panteo religiosoafro-brasileiro.
8/22/2019 27-ari-oro
10/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006328
43)24. Portanto, para a Universal, o diabo
no somente a anttese (o arquiinimigo)
de Deus. Ele a encarnao do Mal; uma
presena constante (e ameaadora) na vida e
no cotidiano das pessoas (Barros, 1995, p.
146). Disso resulta que as representaes do
diabo constituem o eixo a partir do qual o
universo simblico desta igreja construdo
[] (Barros, 1995, p. 1).
Porm, e como nos itens acima referidos,
a Iurd, alm de assumir essa representao
relativamente generalizada do poder do
demnio, vai exacerbar uma concepo j
presente nas igrejas catlica, evanglicas
e pentecostais, embora ali ocorra de forma
mais branda25, qual seja, a identificao
demonaca das entidades das religiesafro-brasileiras. No dizer de Edir Macedo
(1987, p. 113), a Umbanda, Quimbanda,
Candombl e o espiritismo de um modo
geral, so os principais canais de atuao
dos demnios, principalmente em nossa
ptria. No por outra razo, segundo seu
dizer, que essa religio (afro-brasileira) que
est to popular no Brasil uma fbrica de
loucos e uma agncia onde se tira o pas-
saporte para a morte e uma viagem para oinferno (Macedo, 1987, p. 86).
Alm disso, acrescenta, seus centros se-
riam moradas de demnios; seus deuses,
espritos malignos; seus cultos, rituais do
demnio; seus lderes religiosos, serviais
do diabo; seus fiis e clientes, pessoas
ignorantes que caram na armadilha de
satans. Em outro momento do livro men-
cionado, o fundador da Iurd acrescenta:
Com nomes bonitos e cheios de aparatos,
os demnios vm enganando as pessoas com
doutrinas diablicas. Chamam-se orixs,
caboclos, pretos-velhos, guias, espritos de
luz, etc. Dizem-se ser exus, ers, espritos de
crianas, mdicos famosos, poetas famosos,
etc., mas na verdade so anjos decados
(Macedo, 1987, p. 32).
Como j frisei, a demonizao iurdiana
das religies afro-brasileiras se inscreve nachamada Teologia da Guerra Espiritual,
surgida na dcada de 80 no meio evan-
glico norte-americano, que, por sua vez,
procedeu demonizao sobretudo das
religies no-crists (Wynarczyk, 1995)26.
Esse procedimento tambm no novo
pois, ao longo da Idade Mdia e da Idade
Moderna crist europia, bem como na
Judia vetero-testamental, j ocorria a iden-
tificao dos deuses dos pagos, ou seja,
das religies dos outros, com os demnios.
Nesse caso, porm, como destaca Mariz
(1997, pp. 35-6), a acusao demonaca
consistia num instrumento dos poderosos
para desqualificar a cultura oprimida, o que
no o caso nos dias atuais.
Identificados os demnios e seus ter-
ritrios, a Iurd vai se atribuir a misso de
combat-los para libertar as pessoas27.
novamente Edir Macedo (1987, p. 16) quemescreve: [] nossa igreja foi levantada
para um trabalho especial [] a libertao
de pessoas endemoninhadas. E completa:
Lidamos com esse tipo de coisa h alguns
anos e trs ou quatro vezes por dia, de se-
gunda a segunda, estamos preocupados em
libertar as pessoas de toda a obra do diabo
(Macedo, 1987, p. 46). Em outras palavras, o
fundador da Iurd est dizendo que sua igreja
nasceu para a guerra espiritual28
. E mais,a sua estratgia no ficar na defensiva, na
retaguarda, esperando que os inimigos, os
demnios ataquem, mas agir na ofensiva,
na vanguarda, antecipando-se ao dos
inimigos. Escreve Macedo (s/d, p. 114):
Muitos cristos vivem pedindo orao
porque esto sendo perseguidos pelo diabo.
de estarrecer, porque a realidade deveria
ser outra. Os cristos que devem perseguir
os demnios. Nossa luta muito mais de
combate do que de defesa; devemos nos ar-
mar de toda a armadura de Deus para libertar
os oprimidos. A igreja deve ser triunfante
e estar sempre na ofensiva.
justamente a ausncia da luta contra
os demnios que E. Macedo vai recriminar
s outras denominaes evanglicas que,
segundo ele, pregam apenas o evangelho
chocolate, ou gua com acar, e nolibertam verdadeiramente as pessoas da
influncia dos demnios (Macedo, 1987,
p. 113). Por isso, continua o fundador da
24 Por isso mesmo so recorrentesnos templos universais afirma-es como estas por parte dospastores: tu, demnio queamarrou os negcios; demnioque atua no trabalho dele; de-mnio que amarrou a empresa;demnio da dvida; demnio dafalncia; demnio da doena;
demnio que vem atuandosobre esta pessoa causandotoda espcie de problema;demnio que est destruindo asade, a finana, a famlia; odemnio que est alojado nestapessoa; nenhum mdico resolveo problema dele, s a libertaoem nome do Senhor Jesus.
25 Como recorda R. Mariano(1995, p. 98), h muito tempoos rituais, as crenas, os deusese guias dos cultos afro-brasileirose espritas so percebidos eclassificados como demonacospelos evanglicos e at por
alguns expoentes da IgrejaCatlica. Tambm C. Mariz(1999, p. 34) escreve que[] a crena de que existemreligies demonacas e de queas religies espritas e afro-brasi-leiras so demonacas, alm deser geral no universo evanglicobrasileiro, est tambm presenteno catolicismo, especialmenteentre os grupos carismticos.
26 Para Wynarczyk (1995, p.120), o principal protagonistada guerra espiritual o pastornorte-americano Peter Wag-ner, da igreja congregacional.
Segundo este, bem como ospastores Sehrman e Danson,no se pode separar a guerraespiritual da evangelizaomundial. Necessitamos entrarno territrio do inimigo e paraisso precisamos expuls-lo.O raciocnio embutido nessateologia que ela conduz li-bertao que por sua vez conduz sade, cura e prosperidade.Ainda segundo Wynarczyk, aguerra espiritual uma moda queatravessa boa parte dos gruposneopentecostais argentinos ese constitui numa estratgia deevangelizao. A difuso dessa
corrente teolgica na Argentinaocorre desde 1989, a partir decampanhas de evangelizaoe seminrios liderados porpastores estrangeiros, sobretudonorte-americanos e de umimportante material bibliogrficode apoio.
27 O termo libertar, ou liberta-o, fundamental, mas amb-guo, na Universal. D. Lehmann(1996, p. 139) assinala queele tem um duplo significado:libertar os indivduos dos diabosque os possuem mas tambmlibertar o mau esprito que est
dentro do indivduo cujo corpoem certo sentido o aprisiona.Por seu turno, as denominaesevanglicas histricas e mesmoalgumas pentecostais criticama Universal, no somente pela
8/22/2019 27-ari-oro
11/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006 329
Universal: temos de sair da mera pregao
pentecostal, que est na moda, para a prega-
o plena (Macedo, 1987, p. 131).
Na prtica isso significa que a Iurd,
desde a sua fundao, conduz um ataque
sem trgua, contumaz, radical, contra
as religies afro-brasileiras, a tal ponto
que esse combate tornou-se um de seus
principais pilares doutrinrios (Mariano,
1995, p. 103).
De fato, os vilipndios contra os afro-
brasileiros aparecem desde a fundao
da igreja. Menciono, por exemplo, essa
declarao que ouvi num templo em Porto
Alegre, no incio dos anos 80:
Tu, esprito imundo, que foi pago nocemitrio, na cachoeira. Isto obra de ma-
cumbaria, feitiaria. Omolu est aqui de
joelho []. Voc que vai consultar Maria
Mulambo, olha ela aqui de joelhos na Igreja
Universal []. A Macumba uma porcaria
e ns vamos lutar contra esta porcaria at
o fim []. Na Macumba tem uma legio
de demnios; estes demnios da macumba
s querem roubar, matar, destruir []. Ele
um exu em forma de caboclo.
Ronaldo de Almeida (1996, p. 55) tam-
bm recorda que
A primeira publicao da Igreja Univer-
sal foi a revista Plenitude, criada pouco
tempo depois da sua fundao e, desde o
seu primeiro nmero, o ataque Umbanda
e ao Candombl imperaram como matrias
principais. A Folha Universal, que substi-
tuiu posteriormente a revista, traz todas as
semanas diversas reportagens a respeito dos
males causados por estas religies.
Com o passar dos anos, porm, tais
acusaes diretas diminuram na mdia
iurdiana em razo de presses exercidas
por setores da sociedade contra essa igreja,
mas continuam nos templos, mediante o
ritual performtico do exorcismo, em que
as entidades das religies afro-brasileirasso invocadas a se manifestarem para,
ento, serem humilhadas e, posteriormente,
exorcizadas. Isso ocorre, como j disse,
mediante um processo de entrevista com
os demnios, que obedece, basicamente,
a trs perguntas-chave, que revelam a
origem, os males causados e a maneira
pela qual o demnio entrou no corpo do
endemoninhado (Almeida, 2003, p. 326).
Esse ritual, reconhece Edir Macedo (1995,
p. 36), constitui o lugar central no culto.
Nele, os demnios so humilhados e at
mesmo achincalhados (Macedo, 1987, p.
134). Deus, continua o fundador da Iurd,
que permite que os demnios se mani-
festem para que sejam envergonhados e,
principalmente, desmascarados (Macedo,
1987, p. 136). A ridicularizao ocorre de
vrias formas. A mais usual o ordenamento
para que a entidade se ajoelhe diante dopastor. Outra que ela bata cabea para o
pastor, ou bispo. Mas pode, tambm, quem
preside o ritual convocar toda a assemblia
para repetir com ele um refro comum nos
jogos infantis, como este: O Exu Caveira
um bobo, olha a cara dele.
Embora manifestaes demonacas
ocorram quase que diariamente nos templos
iurdianos, especialmente nas teras-feiras,
nas Sesses Espirituais de Descarrego, e nassextas-feiras, nas Reunies, ou correntes,
de Libertao, que os rituais de exorcismo
so fartamente reproduzidos. Nesses casos,
como lembra Ronaldo de Almeida (2003,
p. 332), a libertao acaba assumindo na
Iurd estruturalmente o papel de um con-
trafeitio diante do feitio das religies
afro-brasileiras, que ela reconhece e aceita
a veracidade.
Nessas situaes, porm, como veremos
a seguir, a Iurd revela a sua face que mais
nos interessa explorar neste texto.
UMA IGREJA NEOPENTECOSTAL
MACUMBEIRA
Ricardo Mariano (1995, p. 117) in-
daga:
Ao combater a umbanda, o candombl, o
espiritismo e o catolicismo at que ponto
demonizao das religies afro-brasileiras como tambm pelaprpria nfase no demnio,que deixa Jesus em segundoplano.
28 Segundo R. Mariano (1995,pp. 103-4), a Iurd no a nicaigreja evanglica implicadana guerra santa. Alm dela,pode-se citar a Igreja Internacio-nal da Graa de Deus, Igrejado Esprito Santo (dissidnciada Iurd no Nordeste), CristoVive, Comunidade Evanglica,Casa da Bno e Igreja Deus Amor.
8/22/2019 27-ari-oro
12/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006330
29 Encosto, pai-de-encosto,ex-pai-de-encosto so termosincorporados h pouco tempona Iurd, juntamente com aimplantao das sesses dedescarrego. Encosto umtermo utilizado no espiritismopara se referir aos espritosobsessores de desencarnadosque se recusam a abandonareste mundo. Para tanto, ne-cessita da energia dos vivos.A umbanda tambm assumeessa concepo mas tambmacrescenta a concepo docampo afro, segundo o qual oencosto associado ao egun,
esprito de um morto que,sentindo-se s, procura levarconsigo outras pessoas. Tudoindica que a Iurd incorpora osdois sentidos mencionados dotermo encosto.
as igrejas neopentecostais, sobretudo a Iurd
[] no so influenciadas e trazem para o
interior de seus cultos e doutrinas elementos
da crena, da lgica e da viso de mundo
das religies inimigas? No necessria
a realizao de observaes sistemticas
anos a fio para perceber que significativa
a influncia que sofrem. Isto pode ser visto,
desde logo, no fato de que a eficcia da
experincia religiosa do adversrio acaba
sendo legitimada, assumida como real.
Tambm Ronaldo de Almeida (2003,
p. 340) sublinha que paradoxalmente,
a Igreja Universal ficou parecida com
sua inimiga (isto , as religies afro-
brasileiras).Mas no so somente os iurdlogos
que percebem uma face macumbeira
na Iurd. O seu prprio fundador o admite
quando escreve: Se uma pessoa chegar
Igreja no momento em que as pessoas esto
sendo libertas,poder pensar que esto em
um centro de macumba, e parece mesmo
(Macedo, 1987, p. 135 grifos meus).
Vejamos como isso ocorre.
Em certas Sesses Espirituais de Des-carrego, os que j pisaram nas casas dos
encostos esse termo genrico sendo
hoje usado para se referir ao conjunto das
entidades das religies afro-brasileiras29
so convidados a formarem um grande
crculo na igreja, chamado de crculo
da divindade, reproduzindo, assim, as
correntes dos terreiros. Em tais rituais,
alm dos pastores, participam ativamente
os, assim chamados na Iurd, ex-pais e
mes-de-encosto. Antes do incio do culto
das mencionadas Sesses Espirituais de
Descarrego um certo nmero daqueles
ex, vestidos de branco e sentados diante
de uma pequena mesa, coberta com uma
toalha branca, tal como ocorre nos ter-
reiros, do consultas s pessoas que os
procuram, evidentemente, agora demoni-
zando as entidades que defenderam durante
anos e colocando-se do lado das foras e
poderes divinos. Posteriormente, duranteos cultos, por ocasio das manifestaes
dos encostos, comum algum ex-pai-
ou-me-de-encosto ser chamado pelo
pastor ou bispo para interpretar e explicar
os seus comportamentos e termos usados.
Isso revela que os ex-pais/mes-de-santo
detm um status especial e cumprem um
papel importante nos cultos que ocorrem
nas teras-feiras nos templos da Iurd.
importante frisar que em tais Sesses
Espirituais de Descarrego tanto os pastores
quanto os ditos ex-pais-de-encosto se
vestem totalmente de branco, como ocorre
nos rituais da umbanda. Algumas vezes
os prprios fiis so tambm solicitados a
comparecerem vestidos de branco. Alm
disso, da mesma forma como nos terreiros
pode ocorrer a chamada coletiva das enti-
dades, na balana do Xang (no batuque
gacho), tambm nas sesses de descarregogeralmente ocorre a invocao coletiva para
os demnios se manifestarem.
Igualmente, pode tambm o pastor ou
bispo que preside o culto/sesso, quando
pretende acelerar os trabalhos, proceder
libertao conjunta dos fiis exorcizando
coletivamente os demnios, tambm de
forma semelhante ao que s vezes ocorre
nos terreiros quando as entidades so des-
pachadas juntas.Nas mencionadas sesses, as entidades
que ali se manifestam reproduzem uma
performance similar ao que ocorre nos
terreiros, em termos de comportamento
corporal. Por exemplo, exus e pombagiras
ficam com o corpo retorcido e mos nos
quadris em forma de garras.
Tambm nessas sesses os pastores
podem fazer uso de galhos de arruda, de
uso comum nos terreiros, com os quais
aspergem seus fiis. Nesse caso so ga-
lhos de arruda, molhados em bacias com
gua benzida e sal, para que manifestem os
demnios e deles sejam libertos (Mariano,
1995, p. 126).
Alm disso, em tais sesses, mas no
s nelas, so utilizados vrios termos em-
pregados nas religies afro-brasileiras, e nas
medinicas em geral, como trabalho, en-
costo, carrego, descarrego, amarrar,
amarrado, despacho, despachar, etc.Mas, principalmente, nessas sesses, e
em outras, de tal importncia a presena
de entidades do panteo religioso afro-
8/22/2019 27-ari-oro
13/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006 331
brasileiro, embora com sentido resseman-
tizado, que elas passam a integrar o prprio
sistema de crenas da Iurd. O que significa,
como lembra R. de Almeida (2003, p. 337),
que no s os ex-praticantes das religies
afro-brasileiras comparecem aos cultos da
Universal, mas tambm suas antigas divin-dades, ainda que transformadas30.
Disso decorre que ser bispo, pastor,
obreiro e mesmo freqentador da Univer-
sal, ao menos aqui no Brasil, implica no
somente conhecer a Bblia e a doutrina pen-
tecostal, mas tambm dominar os cdigos
simblicos, as crenas e o discurso das re-
ligies afro-brasileiras, embora no s delas.
CONCLUSOProcurei mostrar neste texto que a Igreja
Universal do Reino de Deus procedeu
fixao de determinadas entidades das
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Ronaldo de. A Universalizao do Reino de Deus. Dissertao de mestrado em Antropologia Social. Campinas,Unicamp, 1996.
________. A Guerra das Possesses, in A. P. Oro; A. Corten & J. P. Dozon. Igreja Universal do Reino de Deus. OsNovos Conquistadores da F. So Paulo, Paulinas, 2003, pp. 321-42.
AUBRE, Marion. La Vision de la Femme dans la Constellation Pentectiste, in Cahiers du Brsil Contemporain. n.35-36. Paris, 1998, pp. 231-46.
BARROS, Mnica do Nascimento. A Batalha do Armagedom. Uma Anlise do Repertrio Mgico-religioso Propostopela Igreja Universal do Reino de Deus. Dissertao de mestrado. Belo Horizonte, UFMG, 1995.
BIRMAN, Patrcia. Mdiation Fminine et Identits Pentectistes au Brsil, in Problmes dAmrique Latine. n. 24.Paris, jan.-maro, 1997, pp. 49-60.
________. Conexes Polticas e Bricolagens Religiosas: Questes sobre o Pentecostalismo a Partir de AlgunsContrapontos, in Pierre Sanchis (org). Fiis & Cidados. Percursos de Sincretismo no Brasil. Rio de Janeiro, Ed.UERJ, 2001, pp. 59-86.
BITTENCOURT FILHO, Jos. Remdio Amargo, in Ceclia Loreto Mariz & Alberto Antoniazzi (orgs.). Nem Anjos nemDemnios. Petrpolis, Vozes, 1994, pp. 24-33.
BOMFATI, Paulo. X Satans. So Paulo, Paulinas, 2000.BOYER, Vronique. Possession et Exorcisme dans une glise Pentectiste au Brsil, in Cahiers des Sciences Humaines.
32(2). Orstom, 1996, pp. 243-64.CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, Templo e Mercado. Petrpolis, Vozes/Umesp, 1999.
CONRADO, Flvio Csar dos Santos. Cidados do Reino de Deus (um Estudo da Folha Universal nas Eleies de1998). Dissertao de mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2000.
CORTEN, Andr. Pentectisme et Politique en Amrique Latine, inProblmes dAmrique Latine. n. 24, jan.-maro,1997, pp. 17-32.
religies afro-brasileiras ultimamente
denominadas pelo termo genrico de en-
costos em seu panteo simblico e no seu
corpo doutrinrio, no sem atribuir a elas
significaes especficas, relacionadas a
males concretos da vida (Almeida, 2003,
p. 39). Embora este no seja um fenmenoexclusivo dessa igreja, nela tais entidades
so de tal maneira e com tal intensidade
referidas, invocadas e exorcizadas em seus
rituais, sobretudo nas performticas Ses-
ses Espirituais do Descarrego, que estaria
a revelar uma importante caracterstica da
Universal, a sua semelhana com as religies
afro-brasileiras, das quais paradoxalmente
procura se opor e se distanciar.
Esse fato mostra o alto grau de brico-lagem religiosa e de abrasileiramento
cultural procedido por uma igreja que se
quer pentecostal em nosso pas. Ela resulta
como uma igreja multifacetada, uma das
suas faces sendo a macumbeira.
30 Por exemplo, Ronaldo de Almei-da (2003, pp. 339-40) lembraque, segundo os pregadores(da Iurd), a Pombagira, por
representar uma prostituta e porlevar as pessoas ao homossexua-lismo, a causadora da Aids; oPreto-Velho, por andar curvado,causa as dores da coluna; oExu Tranca-Rua gera a misria;os ers atingem fisicamente ascrianas; o Exu da Morte, porsua vez, motiva o suicdio.
8/22/2019 27-ari-oro
14/15
REVISTA USP, So Paulo, n.68, p. 319-332, dezembro/fevereiro 2005-2006332
CORTEN, Andr & MARY, Andr. Introduction, in Imaginaires Politiques et Pentectismes. Paris, Karthala, 2000, pp. 11-33.
CORTEN, Andr; DOZON, Jean-Pierre & ORO, Ari Pedro. Les Nouveaux Conquerants de la Foi. Paris, Karthala, 2003.
FONSECA, Alexandre Brasil. Igreja Universal: um Imprio Miditico, in A. P. Oro, A. Corten & J. P. Dozon. Igreja
Universal do Reino de Deus. Os Novos Conquistadores da F. So Paulo, Paulinas, 2003, pp. 259-80.
FRESTON, Paul. Protestantismo e Poltica no Brasil: da Constituinte ao Impeachment. Tese de doutorado. Campinas,
Unicamp, 1993.
GIUMBELLI, Emerson. O Fim da Religio. Dilemas da Liberdade Religiosa no Brasil e na Frana. So Paulo, AttarEditorial/CNPq/Pronex, 2002.
GOMES, Wilson. Nem Anjos nem Demnios, in Ceclia Loreto Mariz & Alberto Antoniazzi (orgs.). Nem Anjos nem
Demnios. Petrpolis, Vozes, 1994, pp. 225-70.
JUSTINO, Mario. Nos Bastidores do Reino a Vida Secreta da Igreja Universal do Reino de Deus. So Paulo,
Gerao Editorial, 1995.
KOLAKOWSKI, L. O Diabo, in Religio e Sociedade. n. 12/2, 1985.
LEHMANN, David. Struggle for the Spirit. Religious Transformation and Popular Culture in Brazil and Latin America.
Cambridge, Polity Press, 1996.
MACEDO, Edir. Orixs, Caboclos e Guias: Deuses ou Demnios?. Rio de Janeiro, Universal Produes, 1987.
________. O Diabo e seus Anjos. Rio de Janeiro, Grfica Universal, 1995.________. A Libertao da Teologia. Rio de Janeiro, Universal Produes, s/d.
MAFRA, Clara. Na Posse da Palavra. Lisboa, Universidade de Lisboa, 2002.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo: os Pentecostais Esto Mudando. Dissertao de mestrado. So Paulo,
FFLCH-USP, 1995.
________. O Reino de Prosperidade da Igreja Universal, in A. P. Oro, A. Corten & J. P. Dozon. Igreja Universal
do Reino de Deus. Os Novos Conquistadores da F. So Paulo, Paulinas, 2003, pp. 237-58.
MARIZ, Cecilia. Reflexes sobre a Reao Afro-brasileira Guerra Santa, in Debates do NER. n. 1, 1997, pp. 95-102.
MENEZES, Eduardo Diatahy. A Quotidianidade do Demnio na Cultura Popular. Paperapresentado no V Encontro
Anual da Anpocs, 1981.
OLIVA, Margarida. O Diabo no Reino de Deus. Por que Proliferam as Seitas?. So Paulo, Musa, 1997.ORO, Ari Pedro & SEMN, Pablo. Neopentecostalismo e Conflitos ticos, in Religio e Sociedade. v. 20, n. 1,
1999, pp. 39-54.
ORO, Ari Pedro; CORTEN, Andr & DOZON, Jean-Pierre. Igreja Universal do Reino de Deus, os Novos Conquistadores
da F.So Paulo, Paulinas, 2003.PIERUCCI, Antnio Flvio & PRANDI, Reginaldo. A Realidade Social das Religies no Brasil. So Paulo, Hucitec, 1996.
ROSA, G. & MARTINS, J. Igreja Universal do Reino de Deus Tentculos de um Polvo Monstruoso para a Tomada do
Poder. Lisboa, Hugin, 1996.
RUUTH, Anders. Igreja Universal do Reino de Deus. Uppsala, 1995.
RUUTH, Anders & RODRIGUES, Donizete. Deus, o Demnio e o Homem. O Fenmeno Igreja Universal do Reino de
Deus. Lisboa, Colibri, 1999.SANCHIS, Pierre. O Repto Pentecostal Cultura Catlico-brasileira, in Ceclia Loreto Mariz & Alberto Antoniazzi
(orgs.). Nem Anjos nem Demnios. Petrpolis, Vozes, 1994, pp. 34-66.
SEGATO, Rita. Formaes de Diversidade: Nao e Opes Religiosas no Contexto da Globalizao, in Ari Pedro
Oro & Carlos Alberto Steil.Globalizao e Religio. Petrpolis, Vozes, 1997, p. 219-48.SOARES, Mariza de Carvalho. Guerra Santa no Pas do Sincretismo, in Sinais dos Tempos. Diversidade Religiosa no
Brasil. Rio de Janeiro, Iser, 1990, pp. 75-104.
SOARES, Luiz Eduardo. A Guerra dos Pentecostais contra o Afro-brasileiro: Dimenses Democrticas do Conflito
Religioso no Brasil, in Comunicaes do Iser. n. 44, 1993, pp. 43-50.
VALLE, Rogrio & SARTI, Ingrid. Introduo, in Ceclia Loreto Mariz & Alberto Antoniazzi (orgs.). Nem Anjos nem
Demnios. Petrpolis, Vozes, 1994, pp. 7-13.WENISCH, Bernhard. Satanismo. Petrpolis, Vozes, 1992.
WYNARCZYK, Hilario. La Guerra Espiritual en el Campo Evanglico, inSociedad y Religin. Buenos Aires, n. 13,maro 1995, pp. 111-26.
8/22/2019 27-ari-oro
15/15
333l
iv
ro
s