A CiropediAde XenofonteUm romance de formaona antigUidadeEMERSON CERDAS
A ciropediA de xenofonte
CONSELHO EDITORIAL ACADMICO
Responsvel pela publicao desta obra
Adalberto Luis Vicente
Maria Clia de Moraes Leonel
Mrcia Valria Zamboni Gobbi
Karin Volobuef
EMERSON CERDAS
A ciropediA de xenofonte
UM ROMANCE DE fORMAO NA ANtigUiDADE
2011 Editora UNESP
Cultura AcadmicaPraa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) [email protected]
Editora filiada:
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C392c
Cerdas, Emerson
A Ciropedia de Xenofonte : um romance de formao na Antiguidade / Emerson Cerdas. So Paulo : Cultura Acadmica, 2011.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7983-175-1
1. Xenofonte. Ciropedia - Critica e interpretao. I. Ttulo.
11-6216. CDD: 888
CDU: 821.1402
Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr- -Reitoria de Ps-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)
A meus pais, Cludio e Filomena.
AgrAdecimentos
profa. dra. Maria Celeste Consolin Dezotti, pela formao helenista e humana, pela confiana e apoio, e, sobretudo, pela amizade.
profa. dra. Mrcia V. Zamboni Gobbi, profa. dra. Wilma Patrcia M. Dinardo Maas e ao prof. dr. Cludio Aquati, pelas valiosssimas leituras que renderam grandes contribuies, e pela generosidade de seus comentrios. Ao prof. dr. Henrique Cairus e profa. dra. Maria Aparecida de Oliveira Silva, pelas contribuies precisas.
Aos professores Fernando, Edvanda, Anise e, em especial, professora Cludia, pela formao e encaminhamento nesta via sem volta que a paixo pela Hlade.
minha me, Filomena, pela eterna dedicao famlia e aos cuidados prestimosos. Ao meu pai, Cludio, que primeiro me apresentou o mgico mundo da leitura com seu exemplo de lei-tor saudades eternas.
Aos meus irmos Viviane, Anderson e Eliane, principalmen-te pela compreenso da ausncia, e em especial, minha irm Luciene e ao Brunno, pela hospedagem intelectual nos meus anos de graduao.
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Patrcia, presente e auxiliante nos momentos mais difceis, e pelo incentivo seguro e sincero, agradeo profundamente.
Fapesp, cujo financiamento deste trabalho possibilitou que ele se desenvolvesse tal qual o desejado.
Aos amigos Csar Augusto, Csar Henrique, Itamar, Joo, Daniele, Csar, Erasmo, Priscila, Marco Aurlio... sempre presentes.
O historiador e o artista, ao relatarem uma poca, tm finalidades completamente diferentes [...]. A diferena torna-se mais sensvel e essencial quando se trata de descrever acontecimentos.
O historiador considera os resultados de um acontecimento; o artista
o prprio acontecimento.Leon Tolstoi
A nica coisa que devemos histria a tarefa
de reescrev-la.
Oscar Wilde
sumrio
Introduo 13
1 Introduo Ciropedia 232 Reescrevendo o passado: ficcionalizando a histria 613 Ciropedia: um Romance de Formao na Antiguidade 1154 Imagem e evoluo do heri da Ciropedia 181
Consideraes finais 215
Traduo 221
Referncias bibliogrficas 267
introduo
Redescobrir uma obra literria que tem sido desvalorizada pela crtica uma tarefa rdua a que o estudioso est sujeito, porm uma tarefa intensamente gratificante. O presente livro trata da Ciropedia de Xenofonte que, se na Antiguidade e no Renascimento foi muito apreciada, nos dois ltimos sculos tem sido rotulada de obra tediosa, graas, principalmente, ao seu carter idealista.
O interesse pela Ciropedia de Xenofonte nasceu em virtude das relaes da obra com a origem do gnero do romance. Pare-ceu-me que a Ciropedia apresentava importantes inovaes no campo da narrativa ficcional do Ocidente. Alm disso, alguns crticos, como Lesky (1986) e Bakhtin (2010), a classificam como um romance de formao, um dos principais subgneros do ro-mance moderno. Apesar disso, a obra no tem recebido ateno dos estudiosos do romance e, mesmo no mbito da literatura an-tiga, a obra no tem dispertado o interesse dos pesquisadores. Observa-se que, em lngua portuguesa, no h estudos a respei-to de Xenofonte.
A crtica norte-americana, no entanto, a partir do estudo de Higgins (1977) mostrou uma nova postura em relao s obras
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de Xenofonte como um todo. Sobre a Ciropedia podemos citar os importantes trabalhos de Tatum (1989), Due (1989) e Gera (1993). Os trabalhos destes trs autores so relevantes, pois to-mam a Ciropedia como objeto de estudo literrio, nem histrico nem filosfico. Por esse vis, os trabalhos revelam um escritor muito superior quele que a crtica da Histria do incio do s-culo XX quis apresentar. Pretende-se, portanto, analisar a Ciro-pedia como uma obra literria, mais especificamente, como uma narrativa ficcional. Ressalto que, a meu ver, um estudo aprofun-dado desta obra pode ajudar a compreender melhor as origens do romance moderno.
Xenofonte viveu e produziu suas obras na Grcia do scu - lo IV, perodo de profundas mudanas sociais, polticas e cul-turais, que assistiu tanto decadncia do Sculo de Ouro de Pricles quanto pavimentao de um solo frtil para o surgi-mento do helenismo (Glotz, 1980, p.240). No helenismo, os ideais cvicos e coletivos do sculo V a.C. foram substitudos por um individualismo novo, cuja preocupao maior era com a vida particular do indivduo. Xenofonte foi um precursor do helenis-mo tanto por suas posturas na vida pblica, quanto pela sua pro-duo literria. Pode-se dizer que foi um homem de vanguarda, que se distanciou das ideias do sculo anterior e, pelas novidades que apresentou, foi muito admirado pelos escritores do helenis-mo. No Captulo 2, Introduo Ciropedia, sero apresentadas algumas informaes biogrficas a respeito de Xenofonte e a respeito do contexto histrico em que ele viveu e produziu suas obras. Alm disso, ser mostrada a questo da prosa ficcional na Grcia clssica e como a Ciropedia se insere nesta tradio.
Uma das principais dificuldades que se pe ao estudioso da Ciropedia classificar a obra quanto ao gnero. A intensa po-lmica sobre o enquadramento genrico da Ciropedia deve-se, principalmente, ao fato de a obra tratar de um tema histrico (a vida de Ciro, o Velho) com liberdade, manipulando ficcional-mente o material histrico conhecido. A partir disso, a obra tem
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sido designada de diversas maneiras: historiografia, biografia, histria romanceada, biografia romanceada, romance filosfico, romance didtico, tratado de educao e obra socrtica. Neste livro, fez-se uma anlise literria da Ciropedia, no que tange seus aspectos romanescos, procurando argumentar que, por meio de tais aspectos, a obra de Xenofonte pode ser lida como um ro-mance, ou um protorromance.1
Classificar a obra por um determinado vis significa, ne-cessariamente, rejeitar as outras classificaes propostas pe-los crticos. Porm, no significa que na tessitura narrativa da obra os elementos discursivos daqueles outros gneros no estejam presentes. Todavia, a presena, por exemplo, de ele-mentos historiogrficos no o fator determinante de caracte-rizao da obra, uma vez que eles esto romancizados nela, ou seja, esto a servio de uma proposta ficcional, que difere dos objetivos do texto historiogrfico. Constituem, portanto, como traos estilsticos que adornam a narrativa, mas que no a enformam, no a determinam.
A argumentao de que a Ciropedia pode ser lida como um romance deve, ento, levar em conta a anacronia do uso termi-nolgico do romance. A palavra romance data do sculo XII d.C. e referiu-se, primeiramente, s produes literrias em ln-guas romnicas, em oposio s obras literrias produzidas em lnguas clssicas. Nesse contexto, o termo romance designava tanto narrativas em prosa quanto narrativas em verso. Apenas no sculo XV o termo passa a designar narrativas de fico em prosa. Nesse sentido, o romance tem sido teorizado como um fenmeno estritamente moderno, prprio das sociedades bur-guesas. Para Lukcs (1999), a forma do romance estabelece uma
1 A falta de uma terminologia entre os antigos para definir as obras de fic-o em prosa torna necessrio o uso anacrnico do termo romance. Ressalta-se que tal uso deve levar em conta determinadas ressalvas, para que no pareamos ingnuos ao efetuar tal classificao anacrnica.
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oposio entre indivduo e sociedade, entre os impulsos daquele diante das imposies desta. O heri romanesco, portanto, o heri problemtico, que, contestando os valores impostos pela sociedade, inicia uma querela interna ou externa contra essa opresso. Estes aspectos, segundo Lukcs (1999), so prprios da sociedade burguesa e, portanto, o romance um fenmeno artstico dessa sociedade.
A teoria do romance proposta por Bakhtin tem o mrito, en-tre muitos outros, de ampliar essa viso lukacseana do romance. Bakhtin no nega o carter moderno da forma do romance, po-rm observa em seus trabalhos de potica histrica que o discurso romanesco fruto de um desenvolvimento longo, provindo mes-mo da Antiguidade e que se desenvolveu plenamente na Moder-nidade. Isso significa que, alm do romance moderno, h outras formas romanescas antes desse romance que so essenciais para a formao do gnero. O surgimento de uma obra e a sua perma-nncia estabelecem novos critrios literrios que so imitados ou negados pelos novos escritores. Nesse sentido, o desenvolvimen-to discursivo do romance pode, e deve, ser pesquisado em outros mbitos para alm do romance moderno, para que o compreen-damos da forma mais ampla possvel. Desse modo, a teoria de Bakhtin, cujo conceito de romance foi adotado aqui, estabelece critrios de anlise e