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A escala dos venenos
Artigo original de K. Strey, Die Gifte‐Skala,
publicado em Chemie In Unserer Zeit 2019, 53, 2-15.
Traduzido e ampliado por Armin Franz Isenmann, CEFET-MG Timóteo, Brasil.
Introdução ..................................................................................................................... 2
O que é toxicidade? ...................................................................................................... 2
O ar pode ser veneno? .................................................................................................. 4
Água – uma competição mortal .................................................................................... 5
Sacarose - em excesso um veneno doce ....................................................................... 7
Etanol - prazer e dose letal próximos uns dos outros ................................................... 9
Sal comum - um pudim salgado fatal ......................................................................... 11
Diazepam – „Mother's little helper― ou „mother's hell―? ........................................... 12
Cafeína – nossa droga preferida ................................................................................. 15
Nicotina - pena de morte para fumantes ..................................................................... 18
Fentanyl - coquetel da morte para o príncipe pop ...................................................... 20
Remédio, droga ou veneno? ....................................................................................... 22
A tabela periódica é venenosa! ................................................................................... 23
Antimônio ............................................................................................................... 23
Chumbo .................................................................................................................. 24
Arsênio.................................................................................................................... 25
Tálio ........................................................................................................................ 27
Mercúrio ................................................................................................................. 28
Ácido cianídrico - o crime capital da humanidade do Holocausto ............................. 30
Venenos do reino vegetal ........................................................................................... 31
Amanitina – a morte espera na floresta .................................................................. 31
Aflatoxinas.............................................................................................................. 33
Curare – o veneno nas flechas das indígenas ......................................................... 34
Ricina – o perigo que cresce no quintal .................................................................. 35
Toxinas do reino animal ............................................................................................. 38
Armas químicas – as supertoxinas do mal.................................................................. 48
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Dioxinas – Representante famoso dos venenos ambientais ....................................... 51
Botox - Rei na escala dos venenos ............................................................................. 53
Sumário ....................................................................................................................... 54
Literatura .................................................................................................................... 55
Introdução O termo veneno é carregado principalmente de forma negativa. A maioria das pessoas
não percebe que a dose determina se uma substância tem quase nenhum efeito, é
terapeuticamente eficaz ou é extremamente tóxica. Portanto, o teorema de quase 500
anos de Paracelso (1493-1541) [1] ainda é válido: "A dose faz o veneno". A toxina
botulina, a substância mais tóxica que conhecemos, é cerca de um trilhão de vezes mais
tóxica que a substância de menor toxicidade - a água. Para obtermos uma vista geral
sobre as toxinas mais interessantes, este artigo as apresenta suas doses letais em uma
escala logarítmica.
Paracelso em 1540. Gravura em cobre de Augustin Hirschvogel. Fonte: Fig 1
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=330847
O que é toxicidade? Embora a grande maioria das intoxicações seja causada por apenas algumas milhares de
substâncias, não é fácil classificar as toxinas. Provavelmente, o valor toxicológico
experimental mais importante, baseado em testes com animais, é a dose letal LD50
introduzida por John W. Trevan em 1927 [2]. Para criar comparabilidade com os seres
humanos, o valor é dado em quantidade de substância por quilograma de peso corporal.
Embora o valor de LD50 possa variar amplamente em diferentes animais, o LD50 é o
indicador mais usado para estimar a toxicidade aguda em humanos. Ainda, a dose letal
depende largamente da forma de exposição ao veneno, quer o contato com a pele, a
ingestão, a injeção na corrente sanguínea ou a inalação dos vapores. Portanto, as
informações toxicológicas por meio da LD50 requerem da indicação do tipo de animal e
da especificação da forma de exposição. A toxicidade aguda, quer dizer, o contato que
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leva à morte imediata, muitas vezes não é suficiente para informar sobre o perigo de
uma substância. É de interesse, também, quais os efeitos de uma exposição prolongada
e observar os efeitos patogênicos a longo prazo. Sendo assim, a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômica, OECD, especificou os efeitos sobre os
humanos e padronizou as formas da sua determinação [3]:
Tab. 1 Testes toxicológicos.
Efeito tóxico Significado e as Normas vigentes
Toxicidade aguda Efeitos deletérios que ocorrem dentro de certo período de tempo
(geralmente 14 dias) após a administração de uma dose única da substância.
OECD 420: Toxicidade aguda oral de uma dose fixa.
OECD 423: Toxicidade aguda oral de doses crescentes.
OECD 403: Toxicidade aguda por inalação.
OECD 402: Toxicidade aguda dermal.
OECD 404: Toxicidade aguda em forma de irritação ou causticação da pele.
OECD 405: Toxicidade aguda em forma de irritação dos olhos.
Toxicidade crônica Efeitos deletérios que ocorrem em animais experimentais como resultado
de administração diária repetida de uma substância química. A duração do
tratamento se estende por um curto período de tempo, em relação ao tempo
de vida da espécie.
OECD 407: toxicidade oral de 28 dias.
OECD 408: toxicidade oral de 90 dias em roedores.
OECD 409: toxicidade oral de 90 dias em não roedores.
Mutagenicidade
(genotoxicidade)
Indução de alterações hereditárias permanentes, na quantidade e estrutura
do material genético. Essas mudanças (mutações) podem envolver um
único segmento de gene, um bloco de genes ou cromossomos inteiros.
OECD 471: Teste de mutação reversa usando bactérias.
OECD 473: Teste in vitro para aberrações cromossômicas em células de
mamíferos.
OECD 476: Teste in vitro para mutações genéticas em células de
mamíferos.
OECD 475: Teste in vivo para aberrações cromossômicas em células da
medula óssea de mamíferos.
OECD 474: Teste do micronúcleo de eritrócitos in vivo em mamíferos.
Toxicidade
reprodutiva
Efeitos de uma substância sobre a integridade e desempenho dos sistemas
reprodutivos masculino e feminino.
OECD 416: Estudo em duas gerações.
OECD 451: Desenvolvimento de tumores ao longo da vida do animal
(carcinogenicidade).
OECD 414: Desenvolvimento infantil prejudicado (teratogenicidade).
Tab. 2 Critérios da toxicidade
Sigla Efeito toxicológico específico
EC50 Concentração Efetiva de 50%: dose que desencadeia um efeito definido, a não ser
a morte, em 50% de uma população submetida ao estudo.
LC50 Concentração letal mediana: Concentração letal de uma substância contida na
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água, no solo ou no ar, pela qual 50% dos organismos do estudo morrem dentro de
um determinado período de observação.
LD50 Dose letal mediana: quantidade de uma substância pela qual 50% de todos os
animais experimentais que a receberam morrem em determinado período de
observação.
TD50 Dose Tóxica Mediana: quantidade pela qual 50% dos organismos experimentais
apresentam sinais de intoxicação dentro de um determinado período de
observação.
LOAEL Lowest Observed Adverse Effect Level: Menor dose de substância química
administrada que causa danos em experimentos com animais.
LOEL Lowest Observed Effect Level: Menor dose de uma substância química
administrada que demonstrou ter efeito qualquer nos animais do teste.
NOAEL No Observed Adverse Effect Level: Maior dose de uma substância que ainda não
deixou danos mensuráveis numa população, mesmo na admissão contínua.
NOEL No Observed Effect Level: Maior dose de uma substância que não deixa efeitos
mensuráveis, mesmo com a exposição contínua.
Como já dito, entre todas essas grandezas toxicológicas a LD50 é a mais referida na
literatura que indica os potenciais perigos de substâncias químicas. Seus valores se
estendem, desde nano gramas, até alguns gramas de substância por quilograma corporal.
Para representar 10 casas de grandeza se oferece uma escala logarítmica, e como todas
as quantidades pesam menos do que nosso corpo nós invertemos o sinal para tratar com
valores positivos, enfim: -logLD50. Este procedimento é bem comparável com outras
escalas que abrangem muitas casas decimais, a serem mencionados o pH para a
concentração do íon H+ na solução, a escala de Richter para terremotos ou o
comprimento de ondas da radiação eletromagnética.
Ainda importante, especialmente sob aspectos jurídicos, é a concentração máxima no
local de trabalho. O valor limite de exposição (VLE) indica a concentração máxima
admissível de uma substância como gás, vapor ou matéria suspensa no ar, no local de
trabalho. É considerada a concentração média diária para um dia de trabalho de 8 horas
e uma semana de 40 horas, ponderada em função do tempo de exposição. Os valores
determinados em cada caso indicam um caminho viável, entre possíveis danos à saúde
(incluindo o trabalho por turnos) e os riscos de um lado, e custos da produção no outro
lado.
Em seguida vamos discutir os efeitos tóxicos das diversas substâncias químicas,
começando com as menos perigosas – até tão triviais que você nunca iria pensar em
veneno!
O ar pode ser veneno? A nossa atmosfera é uma mistura de gases, contendo aproximadamente 78% de
nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de argônio. Destes, N2 e Ar não mostram efeitos
adversos sobre os organismos, pois são inertes. É claro que suas altas concentrações
implicam baixa concentração de oxigênio – que por sua vez é vital para qualquer vida
animal. Então somente indiretamente podem ter efeitos tóxicos.
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Mas que tal o próprio oxigênio? Existe uma concentração crítica acima da qual O2 se
torna perigoso? A resposta é sim. Se aumentarmos aos poucos a pressão parcial do O2,
de 212 mbar (ar normal), então percebemos mudanças desagradáveis. A uma pressão de
1 bar, ou seja, oxigênio puro e pressão normal, o organismo pode ainda perdurar por
várias horas sem nenhum dano. Mas sob pressão aumentada ou durante um longo
período de tempo, é tóxico.
Se o oxigênio é inalado a uma pressão parcial elevada durante um longo período de
tempo, isso é chamado de oxidose lenta (envenenamento por oxigênio subagudo).
Normalmente, os primeiros sintomas aparecerem entre 24 e 48 horas. Os sinais de
intoxicação são manifestados por uma sensação de secura na boca, tosse, sensação de
pressão no peito e, posteriormente, dispneia e convulsões (epilépticas).
Além disso, o dano pulmonar (efeito de Lorrain - Smitz) se espera a partir de uma
pressão parcial de 0,6 bar. Este também é o limite superior para ventilação durante um
período de tempo mais longo. Sob o efeito do oxigênio ocorre espessamento e,
subsequentemente, o colapso dos alvéolos. As paredes dos vasos pulmonares também
ficam espessas e alteradas. Isso torna a passagem de oxigênio durante a respiração tão
difícil que leva a uma deficiência de oxigênio no corpo. A causa é considerada como
sendo o efeito destrutivo no filme de superfície (surfactante) nos alvéolos.
Até mesmo o oxigênio pode causar intoxicação aguda. A partir de pressões parciais de
oxigênio entre 2 e 3 bar, as convulsões iniciam-se após um curto período de tempo, que
são semelhantes às convulsões epilépticas. O aumento da pressão de O2 de uma oxidose
aguda desencadeia uma série de impulsos nervosos descoordenados. A náusea é
geralmente precedida por tontura e visão turva. Dificuldade respiratória é acompanhada
por tensão e contrações fortes, primeiro das mãos, dos braços e das pernas. Seguem
inconsciência e cãibras, entrando em convulsões persistentes e curtas em todo o corpo.
Com o esgotamento das células cerebrais, as cãibras diminuirão e a consciência voltará
lentamente. Este período varia entre 15 minutos a 1 hora. Se o ar normal puder ser
inalado novamente após esta crise, uma segunda crise não ocorrerá. Por outro lado, se a
pressão parcial aumentada de oxigênio persistir, uma segunda crise ocorrerá após um
intervalo de alguns minutos - o que geralmente resulta em morte.
A pressão parcial crítica do oxigênio, especialmente importante para mergulhadores
profissionais, é de 1,7 bar e não deve ser ultrapassada. Os sintomas da intoxicação, ao
usar equipamentos de circulação e regeneração com oxigênio puro, começam em
profundidades muito rasas (cerca de 7 m).
Água – uma competição mortal Na parte inferior da escala de envenenamento (Figura 1) está a água. A ideia de que a
água pode ser tóxica parece absurda à primeira vista. E não falamos em água pesada,
onde o hidrogênio 1H foi substituído pelo hidrogênio pesado
2H (deutério, D). De fato,
no caso do óxido de deutério D2O, as propriedades químicas da água mudam. Quando
os ratos são alimentados com alimentos deuterados, eles morrem quando
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aproximadamente 30% do hidrogênio do corpo é substituído por deutério. A água
pesada reage mais lentamente e as solubilidades das substâncias são alteradas. No
entanto, não existem valores de VLE ou LD50 de óxido de deutério.
A escala dos venenos: os valores de LD50 (em geral a ingestão por ratos) Fig 2
estão logaritmicamente dispostos. Os valores entre colchetes indicam a dose
letal projetada para um ser humano de 70 kg.
Até a água normal pode ser venenosa! Claro, isso só se aplica a quantidades que estão
bem acima da dose diária recomendada. Em 1956, houve um estudo em que uma
quantidade de 90g/Kg de peso corporal em ratos levou a uma condição miserável, mas
não à morte. Aplicado a um humano, isso corresponderia à rápida absorção de cerca de
6 litros de água.
De fato, esta quantidade parece ser uma dose potencialmente letal, uma vez que há
sempre casos em que o consumo rápido e excessivo desta quantidade de água conduz a
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problemas de saúde significativos e até à morte. Um caso particularmente trágico
ocorreu em 2007, quando a estação de rádio californiana KDND organizou uma corrida
de apostas com 20 participantes. A caminhada até o banheiro levou à partida. Jennifer
Strange, de 28 anos, bebeu seis litros de água e terminou em segundo. A recompensa foi
dois ingressos para um show de Justin Timberlake. Já durante o programa, a
participante se queixou de dor de cabeça. Seis horas depois, ela morreu em casa. Devido
à quantidade excessiva de água resultou um inchaço do cérebro que continuou alto
(talvez por causa do estresse da competição) e levou à morte depois de algumas horas.
A ingestão de tanta água evidentemente diminui da concentração de íons de sódio por
diluição e, portanto, aumenta a osmose, fazendo com que as células inchem. Isso é
especialmente comum em células cerebrais, de modo que os distúrbios do sistema
nervoso central (SNC), como dor de cabeça e confusão, são os primeiros sintomas de
hiponatremia. Isto é seguido por tremores musculares e convulsões. Uma diminuição do
valor normal de sódio plasmático de 144 mmol/L em apenas 12% já pode ser fatal [4].
Além disso, as pessoas que querem perder peso através de uma dieta extrema e suprimir
a sensação de fome, durante um longo período de tempo, por grandes quantidades de
água, estão em perigo, pois a longo prazo o próprio sódio do corpo é eliminado na urina.
O caso da mulher britânica de 49 anos, Jaqueline Henson, que queria passar por uma
dieta de 12 semanas e 500 kcal, ficou conhecido. Os volumes excessivos de água que
ela tomou em frente da televisão se tornaram fatais. Depois de uma semana, ela perdeu
5 kg. Na segunda semana ela teve uma forte dor de cabeça, desmaiou e morreu no
hospital [5].
Como a falta de íons de sódio é a causa do envenenamento por água, a terapia óbvia é a
administração de cloreto de sódio.
Sacarose - em excesso um veneno doce Como a água, os carboidratos são substâncias vitais. No entanto, em uma sociedade
afluente com excesso de oferta de alimentos a baixo preço, facilmente acessíveis e
excessivamente adocicados, o açúcar se torna um veneno doce. O termo refere-se
quimicamente à sacarose (Figura 2), -glucosido--frutosídeo, que na hidrólise ácida
produz uma mistura de glicose e frutose. As doses letais para açúcar encontradas em
experimentos com animais são muito altas. O valor de LD50 para a sacarose é de 32,5
g/Kg, para a glicose de 25,8 g/Kg e para a lactose de 21,6 g/Kg.
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A sacarose, nosso açúcar comum, pode causar excesso de peso e Fig 3
diabetes.
Um excesso de açúcar provoca aumento de peso e diabetes. Para determinar o grau de
obesidade, o índice de massa corporal (IMC) prevaleceu. Um IMC maior que 25 já é
considerado sendo sobrepeso, acima de 30 se considera obesidade.
Estudo publicado recentemente na revista científica The Lancet mostrou que a
população acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
cresceu consideravelmente nas últimas décadas. De acordo com a pesquisa Global
Burden of Disease, o sobrepeso e a obesidade foram responsáveis pela morte de 3,4
milhões de pessoas, em 2010, além de terem causado a redução de 3,9% da expectativa
de vida dos indivíduos. O levantamento indica que, de 1980 a 2013, a proporção
mundial de adultos com IMC (índice de massa corporal) acima de 25 kg/m², subiu de
28,8% para 36,9%, entre os homens, e de 29,8% para 38%, entre as mulheres. Confira
na Tab. 3 quais são os países que concentram a maior quantidade de pessoas acima do
peso no mundo. O Brasil aparece em 5º lugar! [6]
Tab. 3 Sobrepeso é um problema mundial – aqui os recordistas.
Ranking País
Número de pessoas
com sobrepeso (IMC
acima de 25 kg/m²)
% de pessoas com
sobrepeso em relação
à população adulta
1 Estados Unidos 78 milhões 33%
2 China 46 milhões 4,4%
3 Índia 30 milhões 3,8%
4 Rússia 28 milhões 24,1%
5 Brasil 22 milhões 16,2%
6 México 20 milhões 26,9%
7 Egito 18 milhões 35,9%
8 Alemanha 16 milhões 24,3%
9 Paquistão 14 milhões 13,6%
10 Indonésia 11 milhões 6,8%
Em considerações mais recentes entra no cálculo do IMC também a idade da pessoa. O
limite de excesso de peso para uma pessoa de 24 anos é de IMC = 24 e muda com a
idade para um IMC = 28, para uma pessoa de 64 anos.
Manuel Uribe, que já foi o homem mais gordo do mundo, pesava 592 kg em 2007, com
uma altura de 196 cm. Isso dá um IMC de 154 kg/m2! Seu recorde mundial trouxe
muitas aparições na mídia, recebimentos em dinheiro e artigos da Wikipedia em 26
idiomas (pesquisado em 07/2019). Por causa de seu peso extremo, no entanto, ele foi
amarrado à cama desde 2002. Em 2008, ele se casou e fez uma dieta, chegou assim a
394 kg. Em 2014, ele morreu com a idade de apenas 48 anos.
Pode ser considerado como um progresso duvidoso na civilização, que enquanto 930
milhões de pessoas estão desnutridas, mas 1,5 bilhão de pessoas estão agora
excessivamente nutridas. O mundo tem cerca de 387 milhões de diabéticos (13 milhões
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no Brasil; no ranking No 4 do mundo). Os especialistas consideram que o Diabetes tipo
2 será a próxima epidemia global, pelo número de novos casos e a dificuldade no
controle da doença em uma parcela dos pacientes. Ao longo do século 21, espera-se que
o número de mortes devido a uma nutrição excessiva em açúcar (e carboidratos)
continue aumentando. A alimentação excessiva representa, portanto, um
envenenamento rasteiro, com uma substância que normalmente é indispensável.
Etanol - prazer e dose letal próximos uns dos outros Nenhuma substância comumente reconhecida como substância tóxica é consumida tanto
e tão frequentemente quanto o álcool, mais especificamente: o etanol. Ao mesmo
tempo, é o álcool com menor toxicidade (Tab. 4) e causa mais danos à saúde e,
presumivelmente, causa mais mortes do que todas as outras toxinas conhecidas juntas
(exceto o tabaco).
Tab. 4 Dados físicos e toxicidade de alguns álcoois.
Álcool Tfus (°C) Teb (°C)
LD50
(mg/Kg;
rato, oral)
VLE
(mL/m3)
Solubil. em
água (g/L)
Metanol -97,8 65 5630 200 infinito
Etanol -115 78,5 7060 500 infinito
Etilenoglicol -16 197 4700 10 infinito
1-Propanol -127 97,4 1870 infinito
2-Propanol -89,5 82,4 5050 200 infinito
1-Butanol -89,5 117 790 310 80
1-Pentanol -79 138 4590 22
Álcool amílico -117 131 1300 30
O etanol já é absorvido em partes pela mucosa oral e vai diretamente para o sangue.
Logo, chega ao cérebro onde faz os efeitos largamente conhecidos. O etanol absorvido
pelo intestino entra primeiro no fígado, onde é parcialmente degradado. Calor (quentão),
açúcar (licor) ou dióxido de carbono (vinho espumante) podem acelerar a absorção do
álcool, mesmo que a concentração no sangue não seja aumentada.
Tab. 5 Efeitos do álcool, em função da sua concentração no sangue.
Concentração do
álcool no sangue
(‰)
Estado físico
/ psíquico
Sintomas, efeitos, comportamento
0,1 a 1,0 Leveza, bem-
estar
A partir de 0,3‰:
ligeira redução no desempenho visual; diminuição da
atenção, concentração, capacidade de criticar / julgar,
capacidade de resposta; elevada coragem (subestimando
riscos).
A partir de 0,8‰:
pronunciada falta de concentração; limitação do campo
visual em 25% (visão de túnel) e visão reduzida; tempo
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de reação aumentado em 30 a 50%; euforia; desinibição
aumentada, o excesso de confiança; descoordenação.
1,0 a 2,0 Embriaguez
deterioração da visão espacial e nitidez; maior desinibição
e perda de capacidade crítica; reatividade
significativamente perturbada; descoordenação; confusão,
distúrbios da fala; desorientação.
2,0 a 3,0 Sedação
fortes distúrbios de equilíbrio e concentração; distúrbios
da memória e da consciência; quase nenhuma reatividade,
relaxamento muscular; confusão; vômito.
3,0 a 5,0 Paralisia
A partir de 3‰:
inconsciência; perda de memória; respiração fraca;
hipotermia; sem reflexos.
A partir de 4‰:
paralisia; coma sem reflexos; excreções descontroladas;
parada respiratória; morte.
No fígado o etanol é oxidado, primeiro para acetaldeído sob catálise da desidrogenase
ADH, depois para o ácido acético pela enzima desidrogenase de aldeído. O acetaldeído
(etanal) é responsável por sintomas de "ressaca", como náuseas, vômitos e cefaleia.
Como a segunda etapa, a degradação do acetaldeído, é inibida pelo açúcar, a "ressaca"
de bebidas alcoólicas doces como licor, boliche ou vinhos doces pode ser visivelmente
mais forte.
A degradação no corpo ocorre por oxidação ao acetaldeído e finalmente Fig 4
ao ácido acético.
A degradação do álcool pelo ADH é constante e fica entre 0,1 e 0,3‰ de álcool no
sangue por hora. Em altas concentrações e em alcoólatras, o etanol é adicionalmente
degradado através do sistema enzimático MEOS (sistema oxidativo de etanol
microssômico), resultando em uma maior resistência ao álcool em pessoas que bebem
com hábito. 3 a 8% do etanol são oxidados para o ácido acético, por meio do sistema
enzimático das mono-oxigenases dependente de P-450. O ácido acético, finalmente, é
usado em parte com a coenzima A no metabolismo, mas principalmente convertido no
ciclo do ácido tricarboxílico em CO2 e H2O.
O produto da decomposição do etanol, o acetaldeído, ataca as células do fígado e
danifica o pâncreas. Espera-se que os ingredientes fenólicos no vinho tinto reduzam o
risco em 30%. Desvantagem: A longo prazo, o álcool danifica o músculo cardíaco e a
pressão arterial aumenta. Também conhecida é a perda de células cerebrais, que
aparentemente nunca serão substituídas. Álcool durante a gravidez prejudica a vida em
formação. O feto ainda não possui mecanismos de desintoxicação. Há risco de
11
distúrbios mentais do desenvolvimento e maior probabilidade de se tornarem
dependentes de álcool [7].
3,3 milhões de pessoas morrem todos os anos pelas consequências do álcool no mundo,
diz a OMS (Organização Mundial de Saúde) - número que representa 5,9% das mortes.
45% destes são vítimas da cirrose hepática. O consumo regular de álcool aumenta o
risco de câncer na garganta, laringe, esôfago e cólon. O etanol ataca diretamente as
células da mucosa, fazendo as células se inflamarem ou morrerem – um processo
chamado de erosão celular. No Brasil, o consumo do álcool por pessoa foi de 8,9 litros
em 2016, maior do que a média internacional, que chegou a 6,4 litros.
Todas as tentativas de proibir o consumo de álcool falharam – com exceção de alguns
países árabes. Por exemplo, a proibição nos EUA nos anos 20 apenas promoveu o crime
organizado (como sabemos dos limes acerca do líder mafioso Al Capone) e nunca tantos
americanos morreram de envenenamento por metanol [8] devido à baixa qualidade das
bebidas ilegais.
Em uma noite particularmente festiva o nível de álcool no sangue facilmente chega a
1‰, que na verdade já é um quarto da concentração letal (Tab. 5). Talvez o desejo
humano de fugir das inconveniências e cargas da vida cotidiana seja maior do que
qualquer consciência de saúde. Isso certamente não se aplica apenas ao consumo de
álcool...
Sal comum - um pudim salgado fatal O sal comum consiste em mais de 90% de cloreto de sódio. É essencial para o
organismo humano, pois os íons Na+ e Cl
- desempenham um papel central no equilíbrio
da água, nas células do sistema nervoso, na digestão e na formação óssea. O corpo de
um adulto contém cerca de 200 g de cloreto de sódio (~0,3% da massa corporal); sua
concentração é controlada por hormônios. Mas, existem condições sob as quais o nível
deste sal não pode ser mantido constante. Ao beber água do mar, por exemplo, o
aumento da concentração de sal causa uma pressão osmótica que provoca o fluxo de
água para fora das células. Além disso, o excesso de sal é excretado por expulsão
demasiada de líquido e a sede aumenta - um círculo vicioso que já matou tantos
náufragos.
Devido ao consumo excessivo de sal há casos cardíacos e 2,3 milhões de pessoas
morrem em todo o mundo por ano [9]. No entanto, a causalidade entre o sal e a falha
cardíaca não é direta, como mostrou o projeto Mars-500, sendo que a pressão sanguínea
caiu apenas por 2 mm Hg ao administrar a metade do sal, de 12 para 6 g diariamente
[10].
O que é certo, no entanto, é que uma dose espontânea de NaCl pode ser fatal. Houve o
caso de uma menina de quatro anos que morreu em 2005 porque foi obrigada, pela
madrasta, a comer pudim altamente salgado por razões educacionais. Para a menina de
15 kg, 30 g de cloreto de sódio se tornaram uma dose letal. Apesar do tratamento de
12
emergência no hospital, a criança morreu após 35 horas. A madrasta pegou uma pena
condicional de 14 meses, porque não foi reconhecida a intenção de matar.
A LD50 quando ingerido em ratos é de 3 g/Kg. A dose letal para uma pessoa adulta varia
entre 0,5 a 5 g por kg de peso corporal. Para bebês, o valor é significativamente menor:
apenas 12 mg/Kg.
Além do ―sal comum‖, basicamente o cloreto de sódio, não podemos esquecer o cloreto
de potássio que também desempenha um papel importante no organismo. É pouco
divulgado que os níveis do potássio até superam os do sódio, com 225 g verso 90 g,
respectivamente. Sendo assim, a concentração de potássio fica especialmente elevada no
líquido intracelular (155 mmol/L), enquanto no plasma se encontram apenas cerca de 4
mmol/L. A LD50 para o KCl em ratos fica em 2,6 g/Kg quando administrado pela
comida, mas apenas de 142 mg/Kg quando injetado intravenoso. Sendo assim, a
administração pela última via é significativamente mais baixa para o KCl do que o NaCl
(LD50, intravenoso = 645 mg/Kg). A injeção de soluções de cloreto de potássio elevado
pode levar à parada cardíaca. Este é um método tomado na eutanásia e nas execuções
nos EUA.
A concentração em potássio interfere na transmissão dos sinais nervosos, o que leva à
paralisia muscular. No músculo cardíaco, isso significa tempo de inatividade e morte.
Pérfido no cloreto de potássio é sua detetabilidade, já que um envenenamento proposital
dificilmente pode ser comprovado. O nível natural de potássio geralmente aumenta logo
após a morte. Sendo assim, um caso de morte por parada cardíaca, em uma pessoa com
coração obviamente íntegro, deve causar suspeitas.
Diazepam – „Mother's little helper“ ou „mother's hell“? Os distúrbios do sono estão entre as queixas mais comuns. Insônia no Brasil atinge 73
milhões de pessoas, segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS), então o uso de
pílulas para dormir é muito difundido e o risco de abuso destes medicamentos é muito
alto. Estima-se que um terço de todos os casos de intoxicações são causados por
remédios para dormir – incluídos os suicídios e overdoses propositais.
Os auxiliares de sono mais conhecidos são barbitúricos, benzodiazepínicos e agonistas
de benzodiazepínicos. Kurt Tucholsky, Stefan Zweig, Marilyn Monroe e Judy Garland -
todos morreram de uma overdose de barbitúricos.
13
O
O
O
O+
NH2
NH2
OC2H5O
- Na+ NH
NH
O
O
O + 2 C2H
5OH
NH
NH
O
O
OH
H
- H+
+ H+
NH
NH
O
O
OH
NH
NH
O–
O
OH
NH
NH
O
O–
OH_
Em cima: Síntese do ácido barbitúrico, substância mãe dos Fig 5
tranquilizantes mais consumidos. Em baixo: equilíbrio ácido-base.
O ácido barbitúrico é evidentemente o produto de condensação, entre um diácido (ácido
malônico, por exemplo) e ureia. O valor pKa deste composto é 4.01, pois seu ânion
(barbiturato) é estabilizado pela deslocalização da carga negativa (Fig 5 em baixo).
Não só as mortes das pessoas famosas mencionadas acima exigiram alternativas aos
barbitúricos, até que uma nova classe de substância entrou no cenário farmacêutico. Em
1961 o grupo de pesquisa liderado por Leo Sternbach produziu pela primeira vez um
benzodiazepínico chamado de diazepam [11], que foi lançado em 1963 pela Hoffmann-
La Roche (Fig 6) – seu nome comercial: Valium®.
O sonífero diazepam e seu antídoto. Fig 6
O alvo das benzodiazepinas são os receptores GABAA, responsáveis por reduzir a
excitabilidade das células-alvo no sistema nervoso central. O ligante natural para os
receptores GABAA é o neurotransmissor ácido γ-aminobutírico (GABA). As
benzodiazepinas aumentam o efeito do GABA por ligação às subunidades α e γ,
14
aumentando assim a afinidade entre GABA e o receptor. Isso implica que os
benzodiazepínicos somente podem aumentar o efeito, do GABA já existente.
Ao contrário das benzodiazepinas, os barbitúricos (Fig 5) ativam os receptores GABAA
por conta própria, portanto são narcóticos em altas doses, incluindo paralisia respiratória
e morte.
Todas as benzodiazepinas se caracterizam por um anel de sete membros, com dois
heteroátomos de nitrogênio e a condensação com um anel benzênico. As substâncias
têm nomes tais como clorodiazepóxido, diazepam ou lorazepam e tornaram-se
conhecidos sob os nomes comerciais, tais como Librium®, Valium
® ou Tavor
®. Uma
dose típica é de 5 mg, no caso do lorazepam até menos. Isto representa mais uma
vantagem sobre os barbitúricos, que agem em dosagem típica de 100 mg.
O derivado da imidazo-benzodiazepina conhecido como ―flumazenil‖ (Fig 6) é um
antagonista e pode ser usado como antídoto das benzodiazepinas. Ele se liga com alta
afinidade aos sítios de ligação das benzodiazepinas, de modo que o receptor fica
ocupado, mas não tem efeito de ativação sobre o receptor GABAA. O flumazenil anula
assim os efeitos das benzodiazepinas.
Quando é indicada a administração de tranquilizantes? Certamente em casos de reações
nervosas pronunciadas patológicas, mas também para severa insônia, bem como
ansiedade e irritabilidade - sintomas que aumentaram muito como resultado da rápida
mudança nas condições de vida da civilização moderna. Na sala de parto, no leito de
morte ou antes de uma cirurgia, os benzodiazepínicos tornaram-se padrão. Os Rolling
Stones chegaram a debater os benzodiazepínicos em 1966 na sua música "Mother's little
helper".
Tranquilizantes não podem ser uma solução a longo prazo, pois não resolvem as causas
dos disturbios nervosos, ao invez disso, causam dependência mental e física, então
criam mais problemas para o paciente [12]. A expectativa à eficácia das
benzodiazepinas também foi alimentada com slogans publicitários pelas empresas
farmacêuticas. Na década de 1980, por exemplo, com frases tais como:
"O medo está na mesa de conferência",
"Todo lugar é o medo na agenda" ou
"Óculos de sol para a psique".
Para muitos dependentes da benzodiazepina sua carreira de dependência começou como
paciente no hospital, onde foram acalmados regularmente por esta droga. Após sua
baixa do hospital não queriam mais desistir dos produtos que proporcionavam-lhes um
descanso tão confortável, então pedem mais receitas de benzodiazepínicos ao seu
médico particular. A retirada é demorada e às vezes mais difícil do que a abstinência
dos opiáceos (ver abaixo). Sendo assim, o pequeno ajudante se transformou em pequeno
diabo.
15
Cafeína – nossa droga preferida Tanto a substância ativa do café, como a do fumo são representantes da família dos
alcaloides. Entendemos por alcaloides todos os compostos de baixa massa molecular
contendo nitrogênio que são de origem vegetal e mostram atividade fisiológica.
A cafeína é um alcalóide, especificamente um alcalóide de purina, do grupo das
xantinas. Pertence às substâncias psicoativas com efeito estimulante. Ela pode ser
extraída de diversas plantas e entra em nossa casa em forma de chá, cola, mate, guaraná,
bebidas energéticas e (em menor quantidade) cacau. A cafeína é a substância
farmacologicamente ativa mais consumida pelo homem.
Na forma quimicamente pura, a cafeína é um pó branco, inodoro e cristalino (agulhas
finas), com sabor amargo.
Os dados físicos e toxicológicos da cafeína. Fig 7
A cafeína substitui a acetilcolina nos receptores e faz com que estes continuem
transmitindo o sinal.
Sua descoberta data na primeira metade do século 19 e contribuíram personalidades, tais
como F. Runge, P.S. Sabatier, J. von Liebig, E. Fischer – até o poeta J.W. von Goethe
aparece na sua história...
A cafeína é o principal ingrediente ativo do café. Além das sementes do cafeeiro, como
hoje sabemos, também ocorre em mais de 60 outras plantas, como o arbusto do chá, o
guaraná, o arbusto mate e a noz de cola. Os compostos quimicamente relacionados à
cafeína, teofilina e teobromina, também são encontrados em numerosas espécies de
plantas. Os grãos de café não torrados contêm cerca de 0,9 a 2,6% de cafeína,
dependendo da variedade; após a torrefação permanecem 1,3 a 2,0%. Folhas de chá
fermentadas e secas, o chamado ―chá preto‖, contêm - assim como o chá verde não
fermentado - cerca de 3 a 3,5% de cafeína. Por muito tempo se acreditou em diferentes
substâncias ativas, no café e no chá. Na verdade, trata-se apenas de diferente liberação
do alcalóide no organismo humano: cafeína do café é ligada a um complexo de
potássio-ácido clorogênico, liberada depois de torrado e em contato com o ácido
gástrico, o que causa efeitos psicoativos imediatos. A cafeína do chá, no entanto, está
ligada aos polifenóis, o alcalóide é liberado apenas no intestino. O efeito ocorre depois e
dura mais tempo.
16
Em plantas (especialmente nos brotos desprotegidos), ela age como um inseticida
anestesiando ou matando certos insetos. [13].
A cafeína pode ser obtida por extração de folhas de chá ou grãos de café, por exemplo,
com um acessório Soxhlet. É produzido em grandes quantidades na descafeinação
industrial do café, usando como extratante diclorometano, acetato de etila ou dióxido de
carbono supercrítico. Além disso, a cafeína é produzida industrialmente, principalmente
pela síntese de purinas segundo Traube. O processo se estende sobre várias etapas
partindo de ácido cianoacético e ureia. As etapas-chaves desta síntese são mostradas na
Fig 8.
Etapas-chaves da síntese da cafeína segundo Traube [Fonte: Fig 8
https://de.wikipedia.org/wiki/Traubesche_Synthese]
As primeiras aplicações médicas foram: estimulante, diurético e tratamento de
problemas respiratórios em asma brônquica.
Embora a cafeína tenha um espectro relativamente amplo de atividade, ela é
principalmente um estimulante em baixas doses. De acordo com um novo estudo, a
cafeína não deve apenas aumentar a capacidade de concentração, melhorar a vigilância
e atenção e aumentar a velocidade dos processos de pensamento, mas também melhorar
a memória de longo prazo. [14] O efeito da cafeína se explica ao nível celular da
seguinte forma:
No estado de vigília, as células nervosas trocam substâncias mensageiras e consomem
energia (ATP). Isso cria adenosina (ADP) como um subproduto. Uma das tarefas da
adenosina é ser regulador, com finalidade de proteger o cérebro de "esforço excessivo".
Ela se liga a certos receptores nas vias nervosas. Se a adenosina estiver ligada, é um
sinal para a célula trabalhar um pouco menos. Quanto mais ativas as células nervosas,
mais adenosina é formada, mais receptores ficam ocupados e então maior o efeito
17
retardador. As células nervosas funcionam mais devagar. A cafeína é semelhante à
adenosina na sua estrutura química e ocupa os mesmos receptores, mas não os ativa. A
adenosina não pode mais atracar, e os nervos não recebem sinal - então continuam a
trabalhar em alto nível, mesmo com o aumento da concentração de adenosina. Os
receptores de adenosina são competitivamente inibidos pela cafeína.
A cafeína é metabolizada no fígado em três metabolitos primários. Fig 9
Quando uma pessoa toma altas doses de cafeína por um longo período de tempo, as
células nervosas mudam. Eles respondem ao sinal de adenosina ausente e formam mais
receptores, de modo que novamente as moléculas de adenosina podem se ligar aos
receptores. As células nervosas funcionam mais devagar. O efeito estimulante da
cafeína é, portanto, muito limitado. Depois de apenas 6 a 15 dias de forte consumo de
cafeína, essa tolerância se desenvolve.
A administração de uma overdose de cafeína (doses de mais de 1 g em seres humanos
adultos) causa sintomas de ansiedade e agravamento, pulso extremamente acelerado e
extrassístoles; como tratamento de emergência pode ser dado carvão, verapamil ou
diazepam.
O LD50 oral para um rato é 381 miligramas por quilograma. Nos seres humanos, a dose
letal é de cerca de 10 gramas de cafeína (5-30 g), o que equivale a cerca de 100 xícaras
de café.
18
Nicotina - pena de morte para fumantes No século XVI, o café e o tabaco conquistaram a Europa. Em 1560, S. Nicot, médico
francês e embaixador na corte portuguesa, levou a planta de fumo para a França, onde
recebeu o nome de Nicotiana tabacum. Em 1586, colonos ingleses trouxeram tabaco
para o cachimbo da Virgínia para a Inglaterra. Nos anos seguintes, o tabaco foi
cultivado em muitos países da Europa ocidental e da Turquia. Em parte, o consumo de
tabaco foi fortemente perseguido; o sultão turco Murad IV, por exemplo, colocou o
fumo sob pena de morte, derrubou as casas de fumaça e foi dito ter viajado incógnito
para rastrear os fumantes [15]. Até hoje existem casos extremos contra os
consumidores: o atual presidente filipino, Rodrigo Duterte, quando era prefeito de
Davao supostamente forçou turistas ocidentais a comerem seu cigarro por desobedecer a
lei anti fumante.
Os dados físicos e toxicológicos da nicotina. Fig 10
A nicotina ativa o parassimpático e inibe os nervos simpáticos em sua
atividade; Isso aumenta a pressão arterial e desempenho psicomotor, reduzindo
o apetite.
O tabagismo se espalhou mais e mais depois da Primeira Guerra Mundial na Europa
ocidental, uma vez que a produção por máquinas reduziu significativamente o preço do
cigarro.
A China tem agora cerca de 300 milhões de fumantes que consomem mais de dois
trilhões de cigarros por ano, o que equivale a cerca de 18 cigarros por dia e por fumante.
A China detém assim o recorde mundial.
Enquanto no passado o cigarro simbolizava o cheiro de liberdade e aventura, os
fumantes do mundo ocidental hoje caíram na defensiva. O número de fumantes caiu
40% no Brasil nos últimos 12 anos. Uma pesquisa do Ministério da Saúde mostra que as
pessoas com o hábito de fumar passaram de 15,6% da população em 2006, para 9,3%
em 2018. Mesmo assim, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil
ainda ocupa o oitavo lugar no ranking de número absoluto de fumantes, com cerca de 11
milhões de homens sete milhões de mulheres.
19
Tab. 6 Tabagismo na população acima de 18 anos no Brasil entre 1989 e 2013
(Fonte: https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-
do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo)
Percentual de tabagismo na população acima de 18 anos no Brasil
Pesquisa Ano Total Homens Mulheres
Pesquisa Nacional sobre Saúde e
Nutrição
1989 34,8% 43,3% 27,0%
Pesquisa Mundial de saúde 2003 22,4% 27,1% 18,4%
Pesquisa Especial de Tabagismo 2008 18,5% 22,9% 13,9%
Pesquisa Nacional de Saúde 2013 14,3% 18,8% 11,0%
O tabaco pronto ao consumo contém 20% de cinzas, 11% de celulose, 9,5% de pectinas,
9% de ácido oxálico, além de ácido málico, resinas, ácido cítrico e gordura. Para tornar
o sabor ainda mais agradável ao consumidor, são adicionados cloreto de amônio (que
aumenta a liberação de nicotina), açúcar, alcaçuz, café, chá, cacau e amido. A nicotina
realmente viciante ocorre apenas em 1 a 2%. Quando a planta amadurece, a substância
migra para as folhas como inseticida natural. Um cigarro contém cerca de 65 mg de
nicotina pura. Quando o fumo queima (500 a 900 °C na zona de combustão), muitas
substâncias do tabaco são convertidas em até 10.000 substâncias diferentes, às vezes
perigosas (polifenóis e aromáticos policíclicos).
Ao inalar o fumo do tabaco, a nicotina entra no cérebro dentro de 10 a 20 segundos. Ali,
estimula os receptores nicotínicos da acetilcolina. Esta nicotina ativa os nervos
parassimpáticos e inibe os nervos simpáticos em sua atividade. A nicotina, portanto,
promove a liberação de adrenalina, dopamina e serotonina, aumenta a pressão arterial,
acelera o batimento cardíaco e o desempenho psicomotor, ao mesmo tempo reduz o
apetite. Como antídotos servem sulfito de sódio, mas também carvão ativado e atropina.
A retirada da nicotina, no entanto, leva à irritabilidade, inquietação e mau humor. No
entanto, após três semanas de abstinência, nenhuma alteração mensurável nos receptores
de acetilcolina pode ser detectada. Quando a retirada do cigarro bem sucedida, o
comportamento de fumar aprendido, a rotina de fumar em certos momentos e/ou
ocasiões, deve ser abandonada – o que não é fácil. A administração de nicotina por meio
de adesivos ou chiclete, contendo a dose de 2 a 4 mg de nicotina, pode reduzir os
sintomas de abstinência, mas infelizmente não melhora a probabilidade da abstinência
permanente bem-sucedida [16].
Até recentemente, o consenso geral era de que a nicotina seja mais tóxica que o cianeto
de arsênico ou de potássio [17]. A dose tóxica de 60 mg para os seres humanos foi posta
pela primeira vez no mundo profissional por R. Kobert em 1906 e usada sem
controvérsia em todas as outras fontes especializadas. Isto corresponde a um valor de
LD50 para humanos de 0,85 mg/Kg. O próprio Kobert referiu-se a uma experiência
própria, mencionada em 1856 em um livro de farmácia. O fato de uma dose de 4 g de
nicotina ter sobrevivido em 1931 não incomodou tanto a opinião toxicológica geral
quanto o valor de LD50 para ratos, que é de pelo menos 50 mg/Kg. Enfim, 108 anos se
20
passaram antes que a toxicidade dos seres humanos em 2006 fosse questionada pelo
toxicologista austríaco Bernd Mayer. Uma dose letal de cerca de 500 mg para humanos
(correspondendo a um valor de LD50 de cerca de 7 mg/Kg) parece ser verdadeira [18].
A toxicidade obviamente menor da nicotina não é motivo para os fumantes ficarem
tranquilos. Os aromáticos policíclicos e as nitrosaminas na fumaça do tabaco
representam um risco carcinogênico tão elevado que o fumo é o ponto inicial de estudos
em pelo menos 270.000 novos cânceres por ano na Itália, Espanha, Reino Unido,
Holanda, Alemanha, Suécia e Dinamarca [19].
Fentanyl - coquetel da morte para o príncipe pop Paracelso havia introduzido, pouco depois de 1500, o ópio analgésico na Farmacopéia
Européia e chamava-o de Laudanum (= remédio recomendável). F. Sertürner conseguiu
isolar a morfina a partir do ópio natural em 1806. O nome ―mofina‖ foi escolhido de
acordo com o deus grego dos sonhos.
Além dos opiáceos, que podem ser obtidos diretamente do ópio (natural), há também o
termo opióide, que abrange tanto substâncias naturais como sintéticas que podem
atracar aos receptores opióides e assim mostram efeito analgésico, como metadona,
tramadol ou fentanil (Fig 11).
Opióides em comparação. Fig 11
a) Opioides têm efeito analgésico, alguns também são usados como anestésicos.
b) Similaridade estrutural dos opióides morfina e fentanil.
21
A aplicação medicinal da morfina é para sedação de dores muito severas. A ocupação
dos receptores opióides reduz a transmissão da dor, da medula espinhal ao cérebro. Isso
afeta assiduidade e concentração do paciente. Especialmente a elevação rápida do nível
da droga através da administração intravenosa causa um delírio, que por sua vez
representa uma entrada ideal para uma carreira viciosa: o desejo de reviver a euforia da
primeira vez é acompanhada pelo desenvolvimento de maior tolerância frente à droga
são os dois fatores que levam ao consumo cada vez mais alto.
Uma dose de morfina não retardada faz efeito por cerca de 4 horas. Observem-se
sintomas de abstinência em consumidores habituados com a ingestão crônica e
excessiva de morfina, que não são nada agradável: grande ansiedade, insônia, grande
agitação, em seguida náusea, indigestão severa, tremores e calafrios. Tudo o que foi
retido com morfina volta com violência, visualizado por exemplo, no filme
―Trainspotting‖ de 1996. Depois de alguns dias, o fantasma acabou.
A morfina é a substância de referência para determinar a potência analgésica de uma
substância e recebe o valor 1. Hoje existe uma variedade de derivados da morfina. A
tendência em geral é quanto mais potente como analgésico, maior a toxicidade e a
dependência física e psicológica. Todavia, o uso apropriado dos opióides é uma bênção
para o homem.
De acordo com OMS um paciente com cancro deve receber os analgésicos por via oral,
de acordo com um calendário de tempo fixo, a uma escala fixa (não-opióide de opióides
fortes), mas em doses adaptadas às necessidades. Assim, um paciente com tumor
experimenta a eliminação da dor pelos analgésicos opióides como um grande alívio,
mas não como uma mudança no estado mental. Pacientes com dor crônica, portanto,
mesmo após prolongado tratamento desta forma, raramente desenvolvem dependência
psicológica [20].
Os opióides sintéticos, tal como a metadona, compartilham um elemento estrutural
comum com a morfina: o segmento N'N'-dimetilbutilamina (destacado na Fig 11). A
naloxona é um antagonista opiáceo que elimina os efeitos dos opióides.
Uma nova dimensão de potência analgésica foi alcançada em 1960 com a síntese de
fentanil, pelo químico belga P.A. Janssen (1926-2003; o fundador da Janssen AG). A
potência analgésica é cerca de 125 vezes maior que na morfina. Por conseguinte, os
benefícios (alívio da dor) e desvantagens (depressão respiratória, sedação, dependência)
em comparação com a morfina são mais fortes, de modo que a dosagem requer muito
cuidado. Muitas vezes, a substância é administrada por via transdermal, usando
adesivos.
O efeito do fentanil, que também tem um efeito calmante, começa dois a cinco minutos
após a administração intravenosa e dura por 30 a 60 minutos. A dose eficaz para
administração intravenosa é de 1 a 5 μg/Kg, a dose letal é de 3 mg/Kg. Uma
sobredosagem causa a morte devido a paralisia respiratória. O problema do fentanil: ele
22
é lipossolúvel, então pode ser acomodado no tecido adiposo e liberado de lá de forma
descontrolada.
A síntese do fentanil requer considerável perícia, equipamentos e produtos químicos
especiais que são inacessíveis para o fabricante ilícito de drogas. Portanto, o fentanil
desempenha apenas um papel menor no cenário das drogas. Devido ao forte efeito
opióide do fentanil, sua dosagem correta é de suma importância – difícil de realizar com
um produto do mercado negro, de pureza duvidosa. Em janeiro de 2014, houve pelo
menos 22 mortes relacionadas a esta droga em Pittsburgh.
O famoso cantor Prince teve que lutar com sequelas no joelho e no quadril,
remanescentes das suas danças artísticas. Durante anos foi tratado opióides. Uma
overdose acidental de fentanil causou sua morte em abril de 2016 – um choque para os
fans. Mais tarde, pacotes de drogas foram encontrados na sua propriedade, rotulados
como hidrocodona. De fato, os comprimidos continham o fentanil, quase 1.000 vezes
mais forte.
Carfentanil é um derivado do fentanil e tem até 5.000 vezes a potência analgésica da
morfina. Na medicina humana, portanto, o carfentanil não é usado, mas apenas para o
atordoamento de animais de grande porte. Com uma injeção intramuscular de cerca de
20 μg/Kg, um urso polar é anestesiado após cinco minutos. Os anestésicos quase sempre
usam um adjuvante para reduzir a dose e evitar uma depressão respiratória. Em outubro
de 2002, um aerossol de Halothan e Carfentanyl foi provavelmente usado para resgatar
800 reféns no Teatro Dubrovka, em Moscou. Nesta ação 129 reféns foram mortos.
Parece que a exposição dos reféns à droga foi descontrolada; ao mesmo tempo, os
hospitais estavam preparados para ferimentos a bala, mas não para envenenamento.
Remédio, droga ou veneno? Neste lugar, tentamos resumir os efeitos das substâncias psicoativas, sob a luz da sua
toxicidade. Especialmente interessante é olhar na dose que causa efeito (LOEL; ver Tab.
2), em relação à dose letal (LD50). É evidente que quanto maior este valor, mais
perigoso é o uso da droga por leigos. Outro aspecto é o efeito de memória que a droga
causa no organismo humano, ou seja, com que facilidade causa vício. A Fig 12 mostra
as duas qualidades; podemos afirmar que o potencial de perigo aumenta para cima e
para a direita.
23
Comparação do potencial de dependência e razão entre a dose usual e Fig 12
letal de várias substâncias psicoativas. [Fonte:
https://de.wikipedia.org/wiki/Coffein]
A tabela periódica é venenosa! No seu livro ―The Elements of Murder — A History of Poison‖ (―Os Elementos do
Assassinato — Uma História do Veneno‖; inédito no Brasil), John Emsley mostra um
lado mais negro da tabela periódica e elege os 5 elementos químicos mais perversos:
mercúrio, arsênio, chumbo, antimônio e tálio. Por que esses 5? Porque, além de serem
mortais, não fazem parte da seleta lista de 25 elementos essenciais à manutenção da
vida. A única possível exceção é o arsênio: o júri ainda está indeciso quanto a ele. Por
outro lado, também há elementos que são tanto essenciais quanto altamente tóxicos em
dose elevada, tais como o flúor, o selênio e o cromo.
Embora as propriedades maléficas de algumas substâncias sejam conhecidas há
milênios, foi somente com o avanço da química que se estabeleceu uma distância segura
de determinados venenos. Em alguns casos, isso só aconteceu no final do século 20. Até
lá, todo mundo passava soluções de mercúrio em feridas abertas na pele. Um pouco
antes, latas de alimentos em conserva eram soldadas com chumbo. E médicos
receitavam loções de arsênio para tratar dores lombares.
Antimônio
O antimônio (Sb) é um semi-metal do grupo V. Existem tanto modificações metálicas
como não metálicas. O composto de antimônio mais usado em envenenamentos é o
tártaro emético — ou tartarato duplo de antimônio e potássio —, que vem em forma de
cristais hidrossolúveis.
O antimônio é usado em eletrodos de baterias de automóveis, compõe ligas metálicas e
ainda pode servir como matéria-prima de determinados tipos de vidro.
Compostos de antimônio sempre foram usados na indústria farmacêutica. E ainda são: o
tratamento da leishmaniose (doença parasitária que causa úlceras na pele) depende de
24
remédios antimoniais. Na Idade Média, era muito popular o uso de uma certa ―pílula
eterna‖ de antimônio metálico para combater a prisão de ventre. Uma bola de antimônio
era engolida e irritava as paredes intestinais da pessoa, acabando com qualquer
constipação. Em seguida era recolhida, lavada e guardada para problemas futuros - e
passada para as gerações seguintes.
Dose letal: Uma pessoa pode morrer com 120 mg, desde que tudo isso seja absorvido
pelo corpo - algo muito improvável. Dificilmente alguém morre por tomar uma única
grande dose de antimônio, pois o organismo a expele antes de o efeito ser fatal. São
mais comuns as mortes por muitas doses pequenas.
Réquiem para Mozart: A morte do compositor W.A. Mozart, ocorrida em 1791, nunca
foi plenamente esclarecida. Há teorias conspiratórias sobre um suposto envenenamento
criminoso — o também músico Antonio Salieri, seu rival na corte de Viena, chegou a
confessar o assassinato, mas sofria de demência senil e poucos acreditam nessa hipótese
hoje. Segundo o farmacêutico Ian James, Mozart morreu por envenenamento acidental.
Culpa do pó de antimônio que lhe receitaram para tratar o que fora diagnosticado como
―melancolia‖. Ian diz que todos os sintomas dos últimos dias de Mozart condizem com
essa teoria: febre alta, vômitos violentos, inchaço dos membros, hálito pestilento e
erupções cutâneas. Ironicamente, um quadro como esse era tratado na época com
remédios à base de antimônio.
Chumbo
O chumbo (Pb) é um dos metais mais úteis para a humanidade - é maleável, abundante,
resistente à corrosão. Mas também é um veneno poderoso. O envenenamento ocorre
pela água transportada em canos de chumbo, por tintas à base desse metal e outros
compostos plúmbeos.
Como mata: O chumbo é um veneno que se acumula no organismo humano -
especialmente nos ossos. Ele interfere na produção de sangue, no sistema nervoso e no
funcionamento dos rins. Os sintomas da intoxicação incluem insônia, alucinações,
cegueira, obstrução intestinal e coma.
O chumbo serve para uma infinidade de coisas: da produção de baterias a soldas, de
munição a pesos para pescaria, somente para mencionar as mais triviais.
Na medicina: Loções contendo chumbo eram tratamento para males como tuberculose,
sangramentos genitais e lesões na pele. Por serem de uso externo, não ofereciam grande
risco. Até hoje, algumas tinturas capilares contêm chumbo - nada funciona tão bem
contra cabelos grisalhos.
Dose letal: A tolerância ao chumbo varia de acordo com o indivíduo - e são raros os
casos de morte por dose única. É consenso que uma pessoa com mais de 80 mg do
metal por 100 ml de sangue está gravemente envenenada.
Embriaguez venenosa: O chumbo tem envenenado a humanidade desde a invenção de
duas coisas complementares: a cerâmica e o vinho. Potes de cerâmica costumavam ser
25
envernizados com produtos à base de chumbo. Esse verniz reage com o vinho,
resultando numa substância chamada acetato de chumbo. Também chamado de ―açúcar
de chumbo‖, esse produto é - como seria de se esperar - doce. Por isso e por ajudar a
conservar o vinho, o acetato de chumbo era adicionado de propósito à bebida no
Império Romano. E a elite de Roma tomava vinho como se fosse água. Isso, segundo
John Emsley, provavelmente era a causa do comportamento alucinado de imperadores
como Calígula e Nero. Nos séculos posteriores, esse tipo de envenenamento continuou a
atacar os bebedores de vinho - porém de forma acidental. Ou pela má fé de gente que
usava o produto para disfarçar vinho de má qualidade.
Arsênio
Quando se fala popularmente do arsênio, muitas vezes não se trata do elemento semi-
metálico, mas do seu óxido, As2O3. Então é melhor falar em arsênico ou até arsênico
branco. É o clássico dos venenos (Fig 13). Foi usado na antiguidade para eliminar
príncipes, parentes ricos ou inimigos, sem deixar rastro. A maioria dos famosos
assassinatos de envenenamento da história, seja pelos príncipes renascentistas da Itália
ou pela corte imperial de Bizâncio, foram cometidos com arsênico. Enquanto no início
do século 19, provavelmente, mais de 90% do envenenamento foi feito por arsênico, a
introdução da prova de arsênio segundo James Marsh, em 1836, tornou a vida cada vez
mais difícil para os envenenadores.
A detecção deste elemento é baseada na facilidade de reduzir o arsênico na presença de
agentes redutores fortes. Para este efeito, uma amostra da substância a analisar num
tubo de ensaio com ácido clorídrico e um pedaço de zinco adicionado. Um pouco de
sulfato de cobre acelera a reação formando um elemento local nas partículas de zinco. O
hidrogênio nascente provoca a seguinte reação:
As2O3 + 6 Zn + 12 H+ → 2 AsH3 + 6 Zn
2+ + 3 H2O
O hidreto AsH3, também conhecido como arsina, se decompõe no calor. É, portanto,
descarregado por meio de um bujão e um tubo de vidro esticado até a ponta fina e
queimado junto com o hidrogênio que escapa. Por cima desta chama se coloca uma
porcelana resfriada, então qualquer arsênio contido na amostra se precipitará como um
espelho de metal distinto. Embora o antimônio e o raro germânio também formem este
espelho, eles não se dissolvem como o arsênico, ao tratá-lo com uma solução de
peróxido de hidrogênio amoniacal.
O arsênio, elemento do grupo V, é encontrado em minérios de cobre e de chumbo.
Apesar de ser obtido exclusivamente como subproduto na extração de outras
substâncias, existe uma superprodução global de arsênio.
26
Arsênico (branco) e seu antídoto, dimercaprol, também conhecido como Fig 13
BAL
O valor de LD50 para ratazanas é de 14,6 mg/Kg. Contudo, 100 mg é considerado letal
para humanos, o que corresponde a um valor de LD50 de 1,4 mg/Kg (para o arsénio
elementar, o valor de LD50 para ratazanas é somente de 763 mg/Kg).
O arsênico age no corpo em competição com o fósforo, que também está no 5º grupo
principal da tabela periódica. O arsênico intervém na glicólise, na degradação da
glicose, e interrompe a extração do mais importante transportador de energia orgânica
ATP. Além disso, o arsênico pode bloquear uma variedade de enzimas e proteínas que
contêm grupos tiol.
O envenenamento agudo manifesta-se dentro de 2-3 horas em distúrbios
gastrointestinais maciços e dor severa. Após uma recuperação aparente, a dor muda para
as extremidades e a fraqueza física aumenta constantemente. A morte ocorre dentro de 1
a 3 dias. A terapia utilizada é o 2,3-dimercaptopropanol (BAL = British Anti Lewisite).
Pode desintoxicar 20 vezes a dose letal. Foi desenvolvido por químicos britânicos em
1940 como antídoto / antídoto para o agente Lewisite de arsénio. A dose é de 3 mg/Kg.
Mais moderno e melhor compatível é o sulfonato DMPS (ácido dimercaptossuccínico).
Outras medidas incluem a lavagem gástrica, o uso de carvão ativado e a compensação
da perda de água e eletrólitos causada pela intoxicação aguda por arsênico.
Além de seus efeitos tóxicos, o arsênico era realmente usado como um tônico nos
tempos antigos. Especialmente nos Alpes, no século 19, havia mais comedores de
arsênico entre os guardiões da floresta, guias turísticos e lenhadores que estavam
acostumados a polvilhar pequenas doses de 2 mg em seu pão ou bacon. Curiosamente, a
dose foi aumentada ao longo do tempo até 500 mg, o que é várias vezes a dose
normalmente letal. A retirada do arsênico levou a sintomas de abstinência, como
cansaço.
Até a década de 1940, o arsênico estavam disponível na farmácia contendo 1 mg de
arsênico por comprimido. Os comerciantes de cavalos também usavam arsênico - para
dar aos animais magros uma aparência saudável e viva.
Hoje, o arsênico é considerado cancerígeno. Existem três teorias principais de
carcinogênese induzida por arsênico: mutação cromossômica, formação de radicais
livres durante a absorção de arsênico e promoção da carcinogênese.
27
Um estudo mostrou que o arsênio pode causar câncer mesmo depois de mais de 40
anos. Na cidade de baixa precipitação de Antofagasta, no norte do Chile, dois rios com
alta poluição por arsênico foram usados para o abastecimento de água potável. O litro
continha uma média de 0,6 mg de arsênico. Embora o arsênico tenha sido removido da
água desde 1971, a incidência de câncer de bexiga foi cerca de cinco vezes a do câncer
de pulmão e cerca de três vezes maior do que o normal entre 2001 e 2010 [21].
E ainda uma curiosidade: No século 19, a Inglaterra desenvolveu uma compulsão por
decorar suas casas com papéis de parede. Esses papéis eram coloridos com arsênio —
em especial os padrões florais, em que um pigmento chamado ―Verde de Scheele‖
reinava onde quer que se desenhassem folhas. Quando expostos à umidade, esses papéis
de parede viravam culturas de um bolor que exalava trimetilarsina — um gás fatal.
Embora não haja números exatos sobre mortes e doenças, uma nação inteira foi
envenenada: estima-se que, por volta de 1860, os lares britânicos somavam 250 km2 de
papéis de parede com arsênio [22].
Tálio
A descoberta do tálio (Tl) é relativamente recente: o químico inglês William Crookes o
batizou assim em 1861 porque, ao ser queimado na chama do bico de Bunsen, o
elemento produz uma chama de verde vivo como o de um broto verde. ―Thallos‖ em
grego ou, em português vulgar, talo.
O tálio geralmente é encontrado na forma de sais. Os mais comuns são o sulfato de
tálio, pesticida muito usado em outras épocas contra ratos e baratas; outro é o acetato de
tálio, que compunha alguns cremes e loções para eliminar pêlos corporais indesejados.
Dentro do nosso corpo, os íons de tálio ―se fazem passar‖ por potássio - elemento
essencial para o organismo. Eles se instalam nas células, cujo funcionamento é
prejudicado. Isso ocorre principalmente no sistema nervoso: o resultado é insônia,
depressão profunda e desejo de morrer. O tálio também ataca os testículos e o coração, e
causa paralisia muscular.
O uso dos compostos de tálio é restrito à produção de objetos muito específicos, como
lentes especiais e células fotoelétricas. Na medicina era usado como agente
―descabelante‖; o tálio fez muito sucesso no século 19 no tratamento da tinea, um tipo
de micose cutânea. Ainda hoje, isótopos radioativos de tálio são empregados no
diagnóstico de doenças cardíacas.
Dose mortal para humanos: 800 mg.
O livro da salvação: Como o envenenamento por tálio é muito raro e seus sintomas se
confundem com os de outras doenças, é comum que os médicos façam ―n‖ exames e
não consigam identificá-lo. Foi isso o que ocorreu com uma menina de 19 meses
atendida, em 1977, no hospital Hammersmith de Londres. Por sorte, havia na equipe
uma enfermeira que lera o romance ―O Cavalo Amarelo‖, de Agatha Christie. O livro
menciona que o tálio causa queda de cabelos e a enfermeira, ao notar esse sintoma na
28
criança, que já havia tentado todos os recursos médicos disponíveis no seu Catar natal,
chamou a atenção dos médicos. Não deu outra: a menina vinha atacando a ração de tálio
que a família usava para acabar com ratos e baratas da casa.
Mercúrio
O mercúrio (Hg) é o único metal que é sempre líquido em temperatura ambiente, ele
congela a 39 graus negativos. A principal fonte do metal é um minério chamado
cinabre, de cor vermelha escura e, portanto, usado como pigmento, com fórmula
idealizada HgS.
O mercúrio líquido tem um ponto de ebulição de 356,6 °C e alta pressão de vapor. O ar
saturado com mercúrio contém 15 mg/m3, que é trezentos vezes maior do que o valor de
VLE (0,05 mg/m3). Essa concentração é suficiente para causar intoxicação crônica,
cujos sintomas são dor de cabeça, sangramento nas gengivas e distúrbios nervosos. A
situação é diferente quando engolido mercúrio líquido. Devido à alta tensão superficial,
o mercúrio líquido tende a coalescer em gotículas maiores, de modo que a superfície é
muito pequena em comparação com a quantidade. Em ratos, portanto, apenas 0,01% do
mercúrio líquido foi absorvido pelo organismo. Isso reduz a toxicidade do mercúrio
ingerido.
Termômetros e restaurações dentárias são aplicações bem conhecidas para o mercúrio.
Um impacto do amálgama dentário, uma liga principalmente de Ag e Hg, na função
cognitiva não foi demonstrado em estudos epidemiológicos [23], mas os níveis urinários
de mercúrio mostraram aumentar com o amálgamas na boca. Enquanto o termômetro
clínico costumava ser a fonte clássica de mercúrio em casa, hoje é acima de tudo a
lâmpada fluorescente. Nas lâmpadas LED não há mais mercúrio.
Na medicina o uso de sais de mercúrio era amplo. A partir do século 16, remédios à
base de mercúrio eram usados contra a sífilis; como o metal se acumula no cabelo do
paciente, até hoje é possível examinar os fios e especular se o seu dono era ou não
sifilítico (entre os suspeitos, estão Napoleão e o rei Henrique VIII da Inglaterra). No
Brasil, antissépticos com mercúrio na fórmula (por exemplo, ―Mercuriocromo‖, um
composto de fluoresceína e mercúrio que age contra herpes) só foram banidos na década
de 1990.
O caráter nobre do mercúrio torna seus compostos solúveis sendo oxidantes fortes e
corrosivos. Além disso, o mercúrio tem uma afinidade extrema pelo enxofre. No corpo,
os íons de mercúrio reagem muito facilmente com ligações livres de proteínas e atuam
como bloqueadores de enzimas.
É preciso distinguir o envenenamento por mercúrio, quer agudo ou crônico. O
envenenamento agudo é principalmente causado por compostos de mercúrio
inorgânicos. O cloreto de mercúrio (I), da fórmula Hg2Cl2, também chamado de
calomelano (livre tradução: belo preto), é pouco solúvel em água (2,3 mg/L) e era usado
anteriormente como laxante ou para o tratamento da inflamação na garganta. Devido à
baixa solubilidade, o valor de LD50 é de 210 mg/Kg. Na luz, o calomelano, que por si é
29
branco, se torna rapidamente preto, já que mercúrio metálico se separa com o tempo
(desproporcionamento).
O cloreto de mercúrio (II) é prontamente solúvel (74 g/L de água), o chamado
―sublimado‖, é altamente tóxico e corrosivo. A LD50 é de apenas 1 mg/Kg, e 200 mg é
considerada uma dose letal para adultos. O curso do envenenamento agudo é dramático,
pois há um efeito cáustico imediato na boca e na região da garganta. Além disso, há um
rápido início de gastroenterite grave com horas de cólica persistente. Os microtúbulos
são polímeros de tubulina. Eles são parte do citoesqueleto que mantém a forma
tridimensional das células e fornece transporte intracelular. Um monômero de tubulina
nos rins contém pelo menos 13 grupos SH livres, um excelente alvo para os íons de
mercúrio. Há, portanto, a despolimerização dos microtúbulos e a necrose das células
renais. Na verdade, isso pode levar à insuficiência renal dentro de 24 horas após a
ingestão de cloreto de mercúrio (II).
No decorrer de um envenenamento crônico o metal sai cada vez mais pela mucosa do
cólon. A morte pode ocorrer apenas um mês após o envenenamento! O sublimado não
ressorvido pode ser absorvido por carvão animal, também o óxido de magnésio inativa
o mercúrio divalente. O sublimado ingerido pode ser captado pelo antídoto BAL (Fig
13). Mas o tratamento somente faz sentido enquanto os rins ainda estão funcionando.
Por causa da insuficiência renal, a diálise pode ser necessária. Os opiáceos podem
aliviar a dor e a perda de eletrólitos deve ser compensada. Mesmo assim, a medicina
intensiva de hoje não pode salvar todas as vítimas sublimadas.
O envenenamento crônico por mercúrio é causado por compostos organomercúrio, e o
corpo humano ainda contribui na sua síntese. Os vapores de mercúrio do ar são
facilmente absorvidos pelos pulmões e o organismo produz o composto orgânico
dimetil mercúrio, através das metiltransferases. Também o metil mercúrio tem uma alta
afinidade pelos grupos tiol das proteínas. Ao mesmo tempo, no entanto, há também uma
troca rápida do metil mercúrio entre os grupos tiol. Isso leva a uma rápida redistribuição
e acúmulo de mercúrio no corpo.
A fase de latência após a ingestão de organo-mercúrio tem sido intrigante até agora.
Pode demorar algumas semanas. Na década de 1950, uma fábrica de produtos químicos
na fabricação de acetaldeído soltou efluentes contendo compostos organo-mercúrio na
baía de Minamata, no Japão. Através do peixe, os moradores locais se intoxicaram
cronicamente. Problemas neurológicos, como deficiência auditiva, distúrbios da fala e
até distúrbios psiquiátricos, aumentaram cada vez mais. No entanto, problemas com os
rins e o trato gastrointestinal, sintomas típicos de envenenamento agudo com sais de
mercúrio inorgânicos, não ocorreram. Foram registrados 3.000 casos de óbito e estima-
se que 17.000 pessoas tiveram sequelas, em consequência da intoxicação [24].
Há também relatos de envenenamento com dimetil mercúrio no laboratório. Os vapores
do composto concentrado têm um cheiro muito doce e passam a barreira
hematoencefálica suavemente. A química americana Karen Wetterhahn recebeu em
agosto de 1996 apenas uma gota (que corresponde a 0,1 ml ou 300 mg) desse composto
30
em suas luvas de trabalho, que facil e imediatamente se difundiu através do látex. A
concentração de mercúrio era 80 vezes o limiar tóxico de 0,2 μg/mL. Nenhum sintoma
imediato, mas tonturas e dores de cabeça se manifestaram vários meses depois. O
tratamento com agentes quelantes não podia ajudá-la mais, e assim ela morreu em junho
de 1997, 10 meses depois do seu acidente de trabalho tão sucinto [25]. Desde 1998, o
Prêmio Memorial Wetterhahn foi concedido a jovens cientistas do sexo feminino em
sua memória.
Ácido cianídrico - o crime capital da humanidade do Holocausto Um dos venenos mais bem conhecidos é a nitrila do ácido fórmico, o ácido cianídrico
(HCN). Sua síntese histórica foi a partir do Azul da Prússia, Fe4[Fe(CN)6]3, portanto até
hoje o nome deste composto em alemão é ―Blausäure‖ – ácido azul. Com um ponto de
ebulição de 25,7 ° C, tem uma pressão de vapor muito alta à temperatura ambiente.
Também são conhecidos os sais do ácido cianídrico, em primeira linha o cianeto de
potássio. Uma vez que o ânion cianeto tem uma alta afinidade complexa para certos
metais pesados, o ferro trivalente é bloqueado no animal de sangue quente. Assim, a
cadeia respiratória é interrompida ao nível da citocromo oxidase Fe3+
, o oxigênio não
pode, portanto, ser ativado e disponibilizado para processos de oxidação. O resultado é
uma sufocação interna ao nível celular. Cerca de 3 mg/Kg de peso corporal são
considerados fatais se forem tomados de uma vez [26].
O envenenamento agudo se manifesta com uma respiração profunda, desencadeada pelo
ataque aos quimiorreceptores do canal carotídeo, cujas células são particularmente
sensíveis e têm alta demanda de oxigênio. Isto é seguido por mal-estar, vômitos,
convulsões e paralisia respiratória. Quando inalado em altas concentrações, a morte
ocorre em poucos segundos. O avermelhamento leve da pele é um sinal típico de
intoxicação por cianeto. O sangue venoso ainda que enriquecido com oxigênio, não
pode ser usado pelas células. O cheiro de amêndoa amarga também é um indicador
importante.
O valor de VLE do cianeto de hidrogênio é de 2 ppm. Os valores de LD50 para HCN
inalado são de 3.000 ppm em um minuto e 135 ppm em 30 minutos. Para captação oral
em camundongos, foi encontrado um valor de LD50 de 3,7 mg/Kg. Se sobreviver a
exposição, a recuperação ocorre sem tratamento devido à rápida desintoxicação do
corpo. No fígado, o cianeto de hidrogênio é acoplado ao enxofre pela enzima rodanase;
isso produz o rodaneto (= SCN- ou tiocianato; por sua vez não mais tóxico, mas sim, até
com efeitos terapêuticos). A dose letal mínima pode ser desintoxicada pelo corpo dentro
de uma hora.
O bloqueio da citocromooxidase pelos ânions de cianeto é muito rápido. Se o vapor do
ácido cianídrico é inalado, os primeiros sintomas podem ocorrer em poucos segundos.
Após a ingestão de sais de cianeto, o ácido é liberado apenas pelo ácido gástrico, e ao
tomar nitrilas, nome para os compostos orgânicos de cianeto, a latência pode ser de
algumas horas.
31
Derivados de cianeto são encontrados em grãos de amêndoas, amêndoas amargas,
damascos e outras drupas em várias quantidades e servem como proteção contra a
semeadura. Também a semente da maçã contém amigladina que no corpo é transvertida
em HCN. Mas não tenha medo de comer a fruta inteira: para chegar na dose letal seria
necessário comer e mascar mais de 200 sementes de uma só vez. Por outro lado, o
perigo é muito maior com sementes do damasco: uma única semente contém 0,5 mg de
ácido cianídrico. Por isso, seria melhor não consumir mais do que uma ou duas dessas
sementes por dia.
O tratamento do envenenamento por ácido cianídrico visa acelerar a desintoxicação do
organismo e a ligação complexa do ânion cianeto. Assim, o tiossulfato de sódio
(Na2S2O3) pode ser utilizado para fornecer o enxofre para a formação enzimática de
rodanida, ou o dimetilaminofenol pode ser adicionado. Isso converte Fe2+
em Fe3+
. O
cobalto forma complexos muito estáveis com o cianeto. Isso explica a ação dos
medicamentos à base de hidroxocobalamina (= vitamina B12b) que estão disponíveis no
mercado há vários anos.
O ―Zyklon B‖ consistia de gesso, ácido cianídrico e uma substância de advertência e
tinha como objetivo garantir o uso do ácido cianídrico no controle de pragas. Durante a
Segunda Guerra Mundial, os nazistas usaram o ―Zyklon B‖ nos campos de extermínio
alemães de Auschwitz, Majdanek, Sobibor e Treblinka, para cometer os crimes
singulares do Holocausto nos judeus e ciganos. Concentrações de pelo menos 300 ppm
de ácido cianídrico foram encontradas nas câmaras de gás, resultando em morte em
poucos minutos.
Venenos do reino vegetal Com a nicotina e a cafeína já apresentamos dois venenos feitos por plantas. Na verdade,
o reino vegetal está cheio de substâncias tóxicas e nem todos os mecanismos de ação
dentro do corpo humano são conhecidos. Não devemos calar sobre o mundo
diversificado das proteínas, isto são macromoléculas que acionam através da sua
definida estrutura terciária. Aqui queremos apresentar somente dois exemplos destas
toxinas, a amanitina e a ricina.
Amanitina – a morte espera na floresta
Muitos cogumelos (Ascomycetes) produzem substâncias tóxicas, chamadas de
micotoxinas, provavelmente para se defenderem da competição de outros organismos.
De longe as toxinas fúngicas mais perigosos são os amatoxinas, que também estão
contidos na cicuta verde (Amanita phalloides), causando 80-90% dos fatais
envenenamentos por cogumelos. As amatoxinas são oligopeptídeos de oito aminoácidos
que bloqueiam a transcrição do mRNA. A α-amanitina inibe a RNA-polimerase II
mesmo em uma concentração de 10-8
mol/L e retarda a síntese do RNA de milhares de
vezes, a alguns nucleotídeos por minuto (Fig 14). A mudança estrutural precisa da α-
amanitina, que inibe a RNA-polimerase II, foi primeiramente elucidada em 2002 por
difração de raio X [27]. Isso afeta a princípio todas as células, mas acima de tudo, afeta
32
os tecidos com alta atividade metabólica, como o fígado. Além disso, as amatoxinas
passam através do fígado, intestino e vesícula biliar várias vezes através da circulação
enterohepática e, portanto, permanecem no corpo por mais tempo. A síntese de
proteínas nas células falha e as células morrem.
Amanitin pertence aos Amatoxinen, de longe os venenos de cogumelos Fig 14
mais perigosos.
O percurso do envenenamento é característico: os primeiros sinais da doença aparecem
somente após 8 a 24 horas. Trata-se de diarreia intensa e vômito, que é desencadeada
pelos danos às células epiteliais do intestino. Após esta fase segue um descanso, uma
melhora enganosa por um dia. Mas, neste período a destruição das células do fígado
progride, até que se torne perceptível uma necrose hepática que leva ao coma hepático.
Durante a latência longa, uma lavagem gástrica ainda é útil, e isso deve ser feito em um
centro de desintoxicação.
Existem oito amatoxinas, α-amanitina, β-amanitina e γ-amanitina são as mais
conhecidas. A dose letal para humanos é de 0,1 mg/Kg. 100 g de cogumelos frescos
contêm até 17 mg de amatoxinas. Por isso, mesmo um único cogumelo do tipo cicuta
verde (Amanita phalloides) pode causar o envenenamento fatal. O que agrava a
situação: as amatoxinas são estáveis no cozimento e não são decompostas por proteases
no estômago, porque essas enzimas se ligam às extremidades carboxila ou amino. De
fato, as amatoxinas são peptídeos de estrutura anelar fechada [28].
Como terapia para intoxicação por amatoxinas, é utilizada a silibinina, obtida a partir
dos frutos do cardo de leite (Silybum marianum). Estabiliza a membrana dos hepatócitos
e dificulta a absorção das amatoxinas. De fato, a introdução de silibinina diminuiu a
mortalidade por intoxicação por cogumelo em 70%. Como terapia são administradas
diariamente cerca de 1,5 g de silibinina, dividida em quatro doses. É usado o sal de
sódio solúvel em água de um éster da silibinina. Apesar dos cuidados intensivos, a taxa
de mortalidade é de pelo menos 25%.
Dizem que o imperador romano Cláudio foi envenenado por sua esposa Agrípina com
cogumelos do tipo cicuta verde. O trono em seguida foi ocupado pelo filho de Agrípina:
Nero.
33
Aflatoxinas
Ficamos mais um pouco no mundo dos fungos. A aflatoxina é uma micotoxina
produzida por espécies de fungos do gênero Aspergillus. É um dos principais tipos de
micotoxinas, presente em diversos alimentos, sendo considerada uma contaminação que
representa risco para a saúde de humanos e animais domésticos. A sua presença, assim
como de outras micotoxinas em alimentos é um problema para saúde pública e para a
qualidade dos alimentos. Todos conhecem sua aparência: é o fungo preto que aparece às
vezes no pão velho ou em cima de frutas estragadas. Aflatoxinas em quantidades
perigosas são mais comumente encontradas em produtos secos, como pistache,
amendoim, avelãs, castanha do Brasil, figos secos e especiarias.
É feita uma distinção entre pelo menos 20 aflatoxinas que ocorrem naturalmente, das
quais a aflatoxina B1 (Fig 15 à esquerda) é a mais perigosa para os seres humanos.
Era conhecida a capacidade dos fungos em produzir metabólitos tóxicos, porém os seus
efeitos foram negligenciados, aumentando os casos de micotoxicoses. Esta situação foi
alterada drasticamente após o conhecimento da real gravidade das intoxicações por
micotoxinas. A rapidez na identificação e caracterização das aflatoxinas e a
demonstração experimental da aflatoxina tipo B1 como sendo um carcinógeno
extremamente potente ao seres humanos e animais, promoveram esta mudança.[29]
Fórmulas estruturais de dois representantes das aflatoxinas. Fig 15
Dentro da sua família a aflatoxina B1 é a que apresenta maior poder toxigênico. Em
saúde pública, as aflatoxinas têm sido identificadas como fatores envolvidos na
etiologia do câncer hepático no homem, em resposta à ingestão de alimentos
contaminados. São encontradas geralmente, nos amendoins, espigas de milho, outros
cereais e seus derivados. Os animais também podem acumular aflatoxinas no seu
organismo através da ingestão de alimentos contaminados e por isso, podem passá-las
para a carne e o leite. E como são resistentes a altas temperaturas e umidade, não são
eliminadas durante o cozimento dos alimentos.
As aflatoxinas são suspeitas de serem armazenadas como agente de guerra, por causa de
seu método de produção relativamente simples e baixa dose letal. Por exemplo, entre
1985 e 1991, cerca de 2200 litros de aflatoxina foram produzidos no Iraque como uma
arma, a ser usada como carga dos mísseis R-17.
34
Apesar de algumas controvérsias, desde a descoberta das aflatoxinas, em 1960, diversos
países adotaram limites de tolerância para essas toxinas em produtos destinados ao
consumo humano. Na última década, intensas pesquisas contribuíram para melhor
caracterizar os possíveis efeitos das aflatoxinas sobre a saúde humana, destacando os
experimentos sobre a atividade biológica da aflatoxina B1 nas células hepáticas, no
âmbito molecular e sua aplicação em estudos populacionais. A importância das
micotoxinas se deve aos danos provocados à saúde humana e animal, e também aos
prejuízos econômicos na agricultura [30].
Curare – o veneno nas flechas das indígenas
Curare é um nome comum para vários venenos de flecha alcalóides de extrato vegetal,
provenientes de plantas trepadeiras originárias da América Central e do Sul. Esses
venenos atuam inibindo de forma competitiva e reversível o receptor nicotínico de
acetilcolina (nAChR), que é um subtipo de receptor de acetilcolina encontrado na
junção neuromuscular. Isso provoca fraqueza dos músculos esqueléticos e, quando
administrado em dose suficiente, eventual morte por asfixia devido à paralisia do
diafragma.
Curare foi usado como veneno paralisante pelos indígenas sul-americanos. O veneno foi
disparado por flechas ou dardos de zarabatana mergulhados no curare, levando à asfixia
devido à incapacidade dos músculos respiratórios da vítima se contraírem. A palavra
"curare" é derivada de wurari, da língua carib dos índios Macusi da Guiana. Curare
também é conhecido entre os povos indígenas como Ampi, Woorari, Woorara, Wourali,
Wourali, Wouralia, Ourare, Ourari, Urare, Urari e Uirary.
Os vários componentes do curare são compostos orgânicos classificados como
isoquinolina ou alcalóides indólicos. A tubocurarina é o principal componente ativo do
veneno de dardo da América do Sul. [31] Como alcalóide, a tubocurarina é um
composto natural que consiste de bases nitrogenadas - embora a estrutura química dos
alcalóides seja altamente variável. Em meados de 1900, foi usado em conjunto com um
anestésico para proporcionar relaxamento muscular esquelético durante a cirurgia ou
ventilação mecânica. Agora é raramente usado como um complemento para a anestesia
clínica, porque alternativas mais seguras, como o cisatracúrio e o rocurônio, estão
disponíveis.
35
Hidrocloreto de tubocurarine, componente principal do veneno de flecha Fig 16
“curare”.
Como a maioria dos alcalóides, a tubocurarina consiste em um sistema cíclico com um
átomo de nitrogênio em um grupo amina. Por causa dessa estrutura, a tubocurarina pode
se ligar prontamente aos receptores de acetilcolina (ACh) na junção neuromuscular.
Com isso há bloqueio dos impulsos nervosos a serem enviados para os músculos
esqueléticos, efetivamente paralisando os músculos do corpo. Como a tubocurarina se
liga reversivelmente aos receptores de ACh, o tratamento para o envenenamento por
curare envolve a adição de um inibidor da acetilcolin-esterase (AChE). Este
interromperá a destruição da acetilcolina de modo que possa competir com o curare.
LD50 para humanos: 0,735mg/Kg (estimado; forma e método de administração não
indicado).
Ricina – o perigo que cresce no quintal
A ricina é uma proteína extremamente tóxica das sementes da mamona (Ricinus
communis). O conteúdo de rizina nas sementes é de cerca de 1 a 5% do conteúdo de
proteína. No óleo de mamona, também obtido das sementes, a ricina é removida por
extração e inativação térmica. [32]
Quimicamente, a ricina é uma lectina que consiste em um componente de ligação
celular e mediador da toxina. Sua toxicidade é atribuída a uma inibição da biossíntese
de proteínas eucarióticas.
Se o veneno entra no organismo humano, faz com que as células contaminadas morram.
Para um envenenamento letal de um humano basta (quando ingerido) 0,3-20 miligramas
de ricina isolada por quilograma de peso corporal, correspondendo a cerca de oito
sementes. [33] Em crianças, dependendo da idade e constituição, metade de uma
semente já pode ser fatal. No entanto, também é relatado casos onde a vítima mesmo
depois de 40 a 60 sementes sobreviveu. Depende principalmente de quando o vômito
começa. Uma administração intravenosa, inalada ou subcutânea, no entanto, requer
níveis significativamente mais baixos. Por exemplo, a introdução subcutânea de 43
g/Kg de peso corporal é letal.
Ricina consta na lista 1 da Lei de Controle de Armas de Guerra (CWC; ver p. 49) como
arma de guerra mais severa.
A estrutura da ricina foi resolvida por E. Rutenber e colegas em 1991 [34] e tem o
número de PDB 2AAI no banco de dados de proteínas.
36
Provavelmente o cristal mais mortífero de todos os tempos: em azul: Fig 17
cadeia A (32 kDa), em vermelho: cadeia B (34 kDa) da ricina. Fonte:
https://crystallography365.wordpress.com/
Normalmente, a extração da ricina ocorre a partir dos resíduos de extração de óleo, após
prensagem a frio e separação do óleo. Como descrito em uma patente do Exército dos
EUA, a ricina pode ser extraída do resíduo na faixa de pH fracamente ácida e
precipitada em pH 7 com uma solução saturada de solução salina ou sulfato de sódio. A
partir do precipitado, o produto final pode ser separado do precipitante por meio de
tetracloreto de carbono. No entanto, pode-se supor que, na melhor das hipóteses, uma
mistura de proteínas e não ricina pura será obtida com a ajuda deste processo de
produção.
Alternativamente, a ricina recombinante totalmente biologicamente ativa pode ser
obtida usando células de tabaco geneticamente manipuladas. [35]
A ricina é uma proteína repelente à gordura e sensível ao calor. Estruturalmente, é uma
glicoproteína globular heterodimérica com uma massa molar de 60 a 65 kDa. É
constituído por duas cadeias polipeptídicas diferentes, a cadeia A e a cadeia B, com
pesos moleculares de cerca de 32 e 34 kDa, respectivamente, ligados por uma ponte
dissulfeto. A cadeia A tem estruturas características de hélice α e β e funciona como N-
glicosidase. A cadeia B é uma unidade de lectina sem estruturas secundárias
pronunciadas.
Ricina pertence ao grupo de proteínas inativadoras de ribossomos do tipo 2 (RIP-II).
Seu efeito tóxico é devido a um processo de várias etapas envolvendo a ligação celular,
37
transporte através da célula, ativação no retículo endoplasmático e, finalmente, uma
inibição fatal da biossíntese de proteínas.
A cadeia B da ricina, que possui a função lectina, permite a ligação à superfície da
célula. A ligação ocorre inespecificamente aos resíduos terminais de N-
acetilgalactosamina ou unidades de galactose de 1,4-glicoproteínas e glicolipídios.
Além disso, a ricina pode se ligar através de suas cadeias de glicano às células que
transportam o receptor de manose. Sob condições experimentais, até 100 milhões de
moléculas de ricina alcançam a superfície de uma célula. A ricina ligada à superfície
celular é absorvida pela endocitose na célula. Via endossomos, nos quais não é
degradada devido à sua resistência ao pH e à sua resistência enzimática, a unidade das
cadeias A e B retorna através do complexo de Golgi para o retículo endoplasmático. A
cadeia A, que é inicialmente bloqueada pela cadeia B, é liberada no retículo
endoplasmático por clivagem da ponte de dissulfeto entre as duas cadeias com o auxílio
de uma dissulfeto isomerase. Com a ajuda de acompanhantes, a cadeia A finalmente
alcança o citosol.
A cadeia A invadida no citoplasma, ou ricina A, é uma glicosidase que inativa os
ribossomos. O efeito exato consiste na clivagem da adenina 4324 do RNA 28S dos
ribossomos. Essa depurinação, por um lado, faz com que a formação do complexo de
iniciação seja prejudicada durante o início da tradução - há uma forte desaceleração
desse processo de tradução para um sexto da taxa usual. Por conseguinte, o passo de
translocação é inibido durante o alongamento.
Devido às suas propriedades citostáticas, ou seja, um efeito inibidor do crescimento nas
células, as toxinas do tipo da ricina são, entretanto, cada vez mais examinadas quanto à
sua adequação como terapêutica em tumores malignos. [36]
Como a ricina é geralmente ingerida sem querer pela ingestão de sementes da mamona,
especialmente as células do trato digestivo são afetadas (estômago, intestino, fígado,
rins). Após um período de latência de várias horas a dias, podem ocorrer os seguintes
sintomas: náuseas, vômitos, diarreia, fraqueza, taquicardia, dor abdominal e perda
aguda de líquidos.
Finalmente, um envenenamento com ricina leva à destruição dos glóbulos vermelhos.
Até hoje não há antídoto eficaz conhecido. As medidas de pronto-socorro são a lavagem
gástrica imediata e a administração de pó de carbono ativado. Sem tratamento, a morte
geralmente ocorre devido à insuficiência circulatória, cerca de 48 horas após a
intoxicação.
Uma pequena luz no horizonte: de acordo com Challoner e McCarron, a literatura
contém 424 casos de intoxicação, dos quais 8% dos não tratados acabaram letais, dos
tratados apenas 0,4%. [37]
38
Toxinas do reino animal
Abelhas
Especialmente a abelha africanizada pode ser um perigo para o humano - um perigo que
foi criado pelo homem mesmo [38]: em 1957 houve um experimento de cruzamento,
em Rio Claro – SP, liderado pelo biólogo e geneticista brasileiro Warwick Estevam
Kerr. Com a intenção de criar uma linhagem mais produtiva para o Brasil, eles
cruzaram a abelha europeia que produz mel de alta quantidade, com a abelha africana
que é mais adaptada ao clima tropical. Infelizmente, a última espécie, assim como o
resultado do experimento, eram criaturas bastante agressivas e tóxicas. Acidentalmente
alguns enxames da nova espécie escaparam e se proliferaram livremente – até que virou
uma praga em algumas regiões. Hoje essa abelha africanizada se espalhou ao longo do
continente inteiro e chegou até aos EUA – onde ela é temida como ―Killer bee‖.
A abelha assassina se reproduz em grande número na floresta amazônica, formando
enxames agressivos que são responsáveis por quase 1.000 mortes registrados.
Uma picada de abelha causa inflamação local e um inchaço mais ou menos
pronunciado. A dor pode ser aliviada pelo resfriamento. Um perigo para a saúde só
existe depois de muitas picadas, na ordem de várias centenas. Isso pode levar à
rabdomiólise, hemólise, distúrbios de coagulação e deficiência de plaquetas, bem como
insuficiência hepática e renal aguda. [39] Na ausência de reação alérgica, são
necessários cerca de mil ferroadas, para injetar uma dose letal de veneno em um adulto
de porte médio. Em pessoas alérgicas, no entanto, uma única picada pode levar a
reações potencialmente fatais. Pode-se estimar que cerca de 0,4 a 0,8% das crianças e
cerca de 3% dos adultos experimentam uma reação alérgica global significativa, que
pode potencialmente ser fatal.
Também fatal pode ser uma única picada na garganta, porque o inchaço pode causar o
sufocamento da vítima. (As picadas na garganta são mais prováveis de serem causadas
por vespas, pois podem ser atraídas pelos alimentos e inadvertidamente consumidas.)
O veneno de abelha é uma mistura complexa de diferentes proteínas (a maioria) e
pequenas moléculas. [40] O principal constituinte, com cerca de 52%, é a melitina, uma
proteína que também é o principal alérgeno do veneno. A fosfolipase A2 (cerca de 12%)
é uma enzima que catalisa a clivagem hidrolítica dos fosfolipídios e ataca as membranas
celulares. A apamina (2%), um péptido neurotóxico feito de 18 aminoácidos, é outro
componente. A hialuronidase (2%) é uma proteína que tem o papel de ―suco gástrico‖:
são enzimas que degradam o hialuronano, um componente importante da matriz
extracelular no tecido conjuntivo. Por esta ação dilata os vasos sanguíneos e aumenta
sua permeabilidade, assim promove a disseminação da inflamação.
Outras proteínas incluem o peptídeo de degranulação de mastócitos (2%) e tertiapina,
dois neuropeptídeos, bem como secamina, que não tem efeitos patológicos. Além da
melitina (Api m 3), os alérgenos são fosfolipase (Api m 1), hialuronidase (Api m 2) e
outras proteínas.
39
Moléculas pequenas no veneno de abelha são histamina (0,1 a 1%), dopamina e
norepinefrina. Feromônios de alarme (4 a 8%) sinalizam para outras abelhas que um
membro foi atacada e devem se preparar para a defesa.
Na medicina o tratamento com o veneno da abelha é conhecido como apiterapia. Serve,
além da hipossensibilização a uma alergia a veneno de insetos, para tratar reumatismo,
ciática, lombalgia, lesões esportivas e danos por frio. Além destes, é relatado uma forma
de cura, por crescimento muscular local por injeção subcutânea (hoje substituída
principalmente por drogas sintéticas).
A apitoxina foi recentemente utilizada com destaque na indústria anti-envelhecimento
como uma alternativa ao Botox (ver p. 53). Nesta aplicação, supõe-se que a apitoxina
promove a produção da principal proteína, o colágeno VII, que promove a função de
suporte da pele e, assim, suaviza o enrugamento. [41]
Todavia, mais perigoso do que a abelha para o homem, é o homem para a abelha. Só um
exemplo: o inseticida sintético Fipronil foi responsabilizado pela morte de milhares de
enxames na Europa. Ativistas dizem que o Fipronil é altamente tóxico para insetos, e
seu uso foi restrito na Europa em 2013...
Rãs e sapos
São lindas, coloridas, minúsculas, e não se encontram no cardápio dos carníferos.
Falamos dos sapos venenosos. [42]
Sapos do gênero Dendrobates tinctorius (em cima) e Dendrobates Fig 18
leucomelas (em baixo) são altamente tóxicos.
Muitos sapos venenosos secretam toxinas alcalóides lipofílicas, como a
alopumiliotoxina 267A, a batracotoxina, a epibatidina, a histriónico-toxina e a
pumiliotoxina 251D (Fig 18) através da pele. Alcalóides nas glândulas da pele de sapos
venenosos servem como uma defesa química contra a predação, e eles são, portanto,
40
capazes de serem ativos ao lado de potenciais predadores durante o dia. Cerca de 28
classes estruturais de alcalóides são conhecidas em sapos venenosos. [43] [44] A mais
tóxica das espécies de rãs venenosas é a Phyllobates terribilis –como o nome já indica.
Ela tem em média toxina suficiente para matar de dez a vinte homens ou cerca de dez
mil camundongos. A maioria dos outros dendrobatídeos, embora coloridos e tóxicos o
suficiente para desencorajar a predação, apresentam muito menos risco para os seres
humanos ou outros animais grandes.
Argumenta-se que as rãs-de-dardos não sintetizam seus venenos, mas sequestram as
substâncias químicas de presas de artrópodes, como formigas, centopéias e ácaros, ou
seja, sua toxicidade tem origem na dieta. [45] Por causa disso, os animais criados em
cativeiro não possuem níveis significativos de toxinas, pois são criados com dietas que
não contêm os alcalóides sequestrados por populações selvagens. De fato, novos
estudos sugerem que as rãs maternas de algumas espécies colocam ovos não
fertilizados, que são misturados com traços de alcalóides, para alimentar os girinos. [46]
Esse comportamento mostra que os venenos são introduzidos desde uma idade muito
jovem. No entanto, as rãs criadas em cativeiro mantêm a capacidade de acumular
alcalóides quando recebem novamente uma dieta contendo alcaloides. Apesar das
toxinas usadas por alguns sapos venenosos, alguns predadores desenvolveram a
capacidade de resistir a eles. Uma é a cobra Erythrolamprus epinephalus, que
desenvolveu imunidade ao veneno.
Os produtos químicos extraídos da pele de Epipedobates tricolor podem ter valor
medicinal. Os cientistas usam esse veneno para fazer um analgésico. [47] Um desses
produtos químicos, chamado de epibatidina, é um analgésico 200 vezes mais potente
que a morfina (Fig 11), entretanto, a dose terapêutica fica muito próxima da dose fatal.
Um derivado ABT-594 desenvolvido pela Abbott Laboratories, denominado
―Tebanicline‖, chegou aos testes de Fase II em humanos, mas foi retirado de
desenvolvimento devido à incidência inaceitável de efeitos colaterais gastrointestinais.
As secreções dos dendrobatídeos também são promissoras como relaxantes musculares,
estimulantes cardíacos e inibidores de apetite. [48].
Cobras
Das mais de 3400 serpentes conhecidas em todo o mundo, significativamente mais do
que os 10% (~340 espécies) são venenosas. Devido ao largo espalhamento no Brasil
será apresentado aqui um dos representantes mais temidos nas Américas - a cascavel
(inglês: rattlesnake, devido ao chocalho na sua extremidade inferior; ver Fig 19).
41
Marca inconfundível da cascavel: o chocalho na extremidade inferior. Fig 19
[49]
O veneno é hemotóxico, destruindo o tecido, causando necrose e coagulopatia (ruptura
da coagulação sanguínea). Nos EUA, a cascavel do tigre e algumas variedades da
cascavel de Mojave (C. scutulatus) também têm um componente pré-sináptico de
veneno neurotóxico, conhecido como toxina Mojave tipo A, que pode causar paralisia
grave. Embora tenha um rendimento de veneno comparativamente baixo, a toxicidade
do veneno das espécies C. tigris e C. scutulatus é considerada entre os mais altos de
todos os venenos de cascavel, e entre as mais altas de todas as serpentes no Hemisfério
Ocidental com base nos estudos toxicológicos realizados em ratos de laboratório.
O veneno de cascavel é uma mistura de cinco a 15 enzimas, vários íons metálicos,
aminas biogênicas, lipídios, aminoácidos livres, proteínas e polipeptídeos. Ele contém
componentes desenvolvidos para imobilizar e desabilitar a presa, bem como enzimas
digestivas que quebram o tecido para preparar a ingestão posterior. O veneno é muito
estável e retém sua toxicidade por muitos anos no armazenamento. [50]
As cobras mais velhas possuem veneno mais potente, e as cobras maiores
frequentemente são capazes de armazenar volumes maiores.
Estima-se que 7.000 a 8.000 pessoas são picadas por cobras venenosas, somente nos
EUA a cada ano, com cerca de cinco mortes. O fator mais importante na sobrevivência
após um grave envenenamento é o tempo decorrido entre a mordida e o tratamento. A
maioria das mortes ocorre entre 6 e 48 horas após a picada. Se o tratamento com
antiveneno for dado dentro de duas horas após a picada, a probabilidade de recuperação
é maior que 99%.
Os sintomas mais comuns incluem inchaço, dor intensa, formigamento, fraqueza,
ansiedade, náusea e vômito, hemorragia, transpiração e, eventualmente, insuficiência
cardíaca. A dor local após o envenenamento é frequentemente intensa, aumentando com
o edema subsequente.
42
O tratamento padrão de vitimas picadas é a administração intravenosa do soro
antiofídico 1. O primeiro passo na produção de soro crotálico é coletar ("ordenha") o
veneno de uma cascavel viva. O veneno extraído é então diluído e injetado em cavalos,
cabras ou ovelhas, cujos sistemas imunológicos produzem anticorpos que protegem
contra os efeitos tóxicos do veneno. Esses anticorpos se acumulam no sangue, que é
então extraído e centrifugado para separar os glóbulos vermelhos. O soro resultante é
purificado e secado por liofilização. O pó é empacotado para distribuição nos postos de
primeiro socorro. Como o soro é derivado de anticorpos animais, as pessoas geralmente
exibem uma resposta alérgica durante a infusão, conhecida como doença do soro.
Aranhas
Existem aproximadamente 40.000 espécies de aranha em todo o mundo. São tantos
tipos que fica difícil descobrir quais devem causar preocupação e quais são inofensivas.
O Brasil, junto com a Austrália, é o país onde se encontra mais tipos de aranhas
venenosas, sendo que a mais venenosa do mundo é uma espécie brasileira.
Apresentamos, em ordem crescente da sua toxicidade, as cinco mais perigosas no
território [51].
Conheça as 5 aranhas mais venenosas do Brasil (do esquerdo à direita): Fig 20
Armadeira (Phoneutria), Aranha-marrom (Loxosceles), Viúva-negra
(Latrodectus mactans), Aranha-de-Jardim (Lycosa erythrognatha) e
Caranguejeira ou tarântula (Theraphosidae).
5° Lugar: Caranguejeira ou tarântula (Theraphosidae). No Brasil, temos duas
caranguejeiras que estão entre as maiores do mundo, chegando a um diâmetro de até 30
cm. Apesar dessa espécie ser bastante agressiva, seu veneno não é mortal para os
humanos. Porém, ela possui uma mordida bastante dolorida e os pêlos em suas pernas e
abdômen podem gerar lesões, coceira e irritação, em contato com a pele humana. Essas
aranhas podem ser encontradas em matas e florestas em todo o país, e ainda não é
produzido soro para o seu veneno.
4° lugar: a aranha-de-jardim (Lycosa erythrognatha). Essa espécie, também é conhecida
como aranha-de-grama ou aranha-lobo, costuma ser encontrada na grama de
residências. A aranha-de-jardim possui cerca de 5 cm de comprimento, e apresenta uma
coloração marrom-clara ou cinzenta, com um desenho negro em forma de seta em seu
abdômen e pêlos avermelhados perto das quelíceras. Seu veneno causa dor intensa, com
sensação de queimadura e formigamento, provocando também reações alérgicas.
1 Antiofídico é a denominação dos soros de cobras em geral; já o soro crotálico é específico da cascavel.
Outros antídotos são: soro botrópico da jararaca, jararacuçu e urutu; soro laquéstico da surucuru e pico-
de-jaca; soro elapídico da coral verdadeira.
43
3° lugar: Viúva-negra (Latrodectus mactans). A viúva negra é uma das aranhas mais
conhecidas do planeta. A espécie vive no Brasil e em outros países na América,
principalmente na parte costeira dos continentes. Sua cor negra brilhante e a marcante
mancha vermelha em seu abdômen tornam essa aranha fácil de se reconhecer. E as
fêmeas dessa espécie costumam ser 3 a 4 vezes maiores que os machos. Os efeitos de
seu veneno variam desde dor ardente, inchaço na área afetada, cólicas abdominais à
náuseas.
2° lugar: Aranha-marrom (Loxosceles). A aranha-marrom é famosa no Brasil, e pode ser
encontrada em regiões de clima quente em todo o mundo. Sua picada é extremamente
dolorosa e necrosante, e se não for tratada rapidamente pode trazer problemas
irreversíveis. Sua aparência não é particularmente espetacular, ela possui cerca de 4 a 6
centímetros e não costuma atacar, geralmente picando apenas se entrarmos em contato
direto com elas. Apesar disso, ela é a maior causadora de acidentes com aranhas no
Brasil. Nos casos mais graves, a área ao redor da picada começa a necrosar e é formada
uma ferida aberta. Pode-se levar meses para a pele ser curada, necessitando enxertos de
pele e em alguns casos, os membros precisam ser amputados. Ajuda promete o soro
laxoscélico – desde que for aplicado logo após a picada.
Campeã é a Armadeira (Phoneutria). De acordo com Guinness World Records, a
armadeira é a aranha mais venenosa do mundo. E não é à toa que seu nome científico
deriva da palavra grega para assassina. Essa espécie, comum em todo o território
brasileiro, é capaz de injetar uma neurotoxina poderosa que é quase 20 vezes mais
mortal do que a da aranha viúva-negra (ver acima), caso entre na corrente sanguínea.
Seu veneno é tão potente quanto o das cobras venenosas mais mortais, e os efeitos
também são semelhantes. Os sintomas do envenenamento incluem a perda de controle
muscular, levando a problemas respiratórios, e que podem resultar em paralisia
respiratória completa e asfixia. Além disso, existem dois outros efeitos secundários
importantes na mordida da aranha armadeira. Em primeiro lugar, há uma dor intensa e,
em segundo lugar, se você for homem, a picada dessa aranha pode causar uma ereção de
até 4 horas, que infelizmente também é extremamente dolorosa.
O comportamento desta espécie é particularmente perigoso para os seres humanos, pois
essas aranhas gostam de se esconder em botas, pilhas de roupas e dentro de carros. Isso
faz com que essa aranha seja a segunda maior causadora de acidentes no Brasil, com
mais de 7 mil casos já registrados no país. E ao contrário da aranha-marrom, as
armadeiras são agressivas, atacando mesmo sem serem incomodadas.
Felizmente, o número de mortes devido ao ataque dessas aranhas têm reduzido bastante,
devido ao antídoto que hoje já é facilmente encontrado. O soro antiloxoscélico [52], por
exemplo, é uma solução injetável de fração F(ab’)2 de imunoglobulinas específicas
purificadas, a ser administrada por via intravenosa, que conferem imunidade passiva.
São derivadas de plasmas de equinos hiperimunizados com venenos de aranhas das
espécies Loxosceles laeta, Loxosceles gaucho e Loxosceles intermedia.
44
Escorpiões
No Brasil, todas as espécies de escorpiões peçonhentos pertencem ao gênero Tityus.
Esses animais podem causar desde acidentes leves até levar à morte. [53]
Esses animais utilizam o ferrão, localizado na sua cauda, para injetar o veneno. De
hábitos noturnos, os escorpiões geralmente são encontrados durante o dia escondidos
embaixo de pedras, entulhos e cascas de árvores. São animais carnívoros que se
alimentam principalmente de insetos e apresentam a grande capacidade de ficarem
meses sem comida e água.
De uma maneira geral, a grande maioria não apresenta nenhum risco para o homem,
uma vez que o veneno só é capaz de matar pequenos animais. Existem
aproximadamente 25 espécies ao redor do mundo que apresentam veneno capaz de nos
causar problemas. No Brasil, apenas espécies pertencentes ao gênero Tityus estão
relacionadas com acidentes, dentre elas, três destacam-se como de maior importância
toxicológica: Tityus serrulatus, Tityus bahiensis e Tityus stigmurus. A espécie T.
serrulatus (Fig 21) é a maior causadora de acidentes, sendo considerada o escorpião
mais venenoso da América do Sul. Geralmente é encontrado solitário embaixo de cascas
de árvores e em cupinzeiros. Caracteriza-se por apresentar coloração amarelo- clara,
com manchas escuras sobre o tronco e no fim da cauda.
Tityus serrulatus, mais conhecido como escorpião amarelo, é difundido Fig 21
na parte central e no sul do Brasil. [54]
Os acidentes podem ser classificados em leves, moderados e graves. Os acidentes leves
causam praticamente dor e inchaço. Os acidentes moderados, apresentam dor local
intensa associada a sintomas como sudorese, agitação, náusea, hipertensão, vômitos e
taquicardia. Já os graves apresentam vômitos frequentes, náusea, sudorese profunda,
agitação, hipertensão, tremores, espasmos, paralisias, convulsões, edema pulmonar
agudo, coma, entre outros sintomas.
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Caso seja picado por um escorpião, procure imediatamente um médico e, se possível,
leve o animal, para que seja feita a identificação. O tratamento geralmente consiste no
alívio da dor (anestésico) e na administração de soro antiescorpiônico, nos casos
moderados e graves.
Lagartas de fogo
Embora pareçam inofensivas, as lonomias, mais conhecidas como taturanas, provocam
graves queimaduras e até mesmo a morte em animais e seres humanos. Conhecidas
popularmente como ―lagartas de fogo‖, ―mandruvás‖ ou ―mondrovás‖, elas se
transformam, na fase adulta, em mariposas.
Devido à supressão do Cedro e da Aroeira, seu habitat natural, onde costumava se alojar
nos pontos mais altos, as lonomias migraram para as árvores frutíferas, mais baixas,
onde passaram a desovar e desenvolver suas colônias, de forma exponencial. Nas
cidades, a ausência de uma determinada espécie de mosca e a redução das vespas (que
depositam os ovos no corpo da lagarta, matando-a), bem como a ocorrência rara de um
determinado tipo de vírus, de percevejos e vermes, predadores naturais das taturanas,
permitiu que elas se expandissem no meio urbano, aproximando-as do contato humano.
Tendo migrado (talvez por conta do transporte de madeira) do Amapá (região natural
desse tipo de lagarta) para todo o Brasil, a partir da década de 80, elas passaram a ser
facilmente encontradas em regiões de matas e mesmos em parques nas áreas urbanas, no
sul e sudeste, principalmente nas épocas mais quentes do ano.
Na região sul do Brasil, mais de mil ocorrências de contato com risco à saúde humana
ocorreram nos últimos dez anos, com alguns óbitos registrados.
A identificação de lonomias é dificultada quando elas formam colônias pois, para se
defenderem dos predadores, ficam juntas, grudadas nos troncos das árvores, formando
desenhos como se fossem um nó no tronco ou parte da folhagem. A pessoa que
inadvertidamente tocá-las, recebe alta dose de toxinas, que dão a sensação de
queimadura, podendo levar á morte se a pessoa for alérgica.
O risco é muito grande se a espécie for a lonomia oblíqua, a mais temível e mortífera de
todas.
46
A lagarta lanomia, comum no sul do Brasil, é uma das mais perigosas do Fig 22
mundo, ela causa diversas mortes a cada ano. [55]
A toxina da lonomia oblíqua reduz, no organismo da vítima, a formação de fibrina,
substância responsável pela coagulação do sangue. A diminuição da fibrina pode causar
graves hemorragias. A pessoa sangra pelo nariz, pelas gengivas e por vários órgãos do
corpo. Além de hemorragias, os casos graves provocam insuficiência renal. A taturana é
pequenina: mede entre 5 e 7 centímetros; mas tem o corpo coberto de pêlos espinhosos,
de onde sai o veneno, que matou nove pessoas no Brasil, entre 1989 e 1995, ano em que
o Instituto Butantan desenvolveu o soro antilonômico.
Todo cuidado é pouco a entrar numa região de mata ou, subir numa árvore sem olhar,
minunciosamente, seu tronco e seus galhos e folhas. [56]
Medusas
As criaturas mais venenosas no mundo aquático são as medusas, dentre elas a cubozoa
(melhor conhecida e temida como ―vespa do mar‖; inglês: box jelly fish). Um indivíduo
totalmente crescido pode medir até 30 cm de diâmetro e os tentáculos podem crescer até
3 m de comprimento. Existem cerca de 15 tentáculos em sua borda e cada tentáculo tem
cerca de 500.000 células explosivas (cnidoplastos ou nematocistos), contendo
nematocistos, um mecanismo microscópico em forma de arpão que injeta veneno na
vítima. Muitos tipos diferentes de nematocistos são encontrados em cubozoários.
A vespa do mar é considerada sendo a criatura marítima mais venenosa. Fig 23
As espécies mais perigosas de águas-vivas (ainda) vivem numa região restrita do Indo-
Pacífico (Austrália, Indonésia, Malásia), mas várias espécies de medusas podem ser
encontradas amplamente em oceanos tropicais e subtropicais ao redor do mundo; a
tendência é sua disseminação. Um grande problema é que as águas-vivas gostam das
águas rasas, mornas e iluminadas das praias - igual os nadadores.
Uma vez que um tentáculo adere à pele da vitima, um sinal químico deixa os
nematocistos disparar. O veneno que penetra a pele causa uma dor aguda e agonizante,
tão intensa que em casos relatados a vitima sofreu um choque e se afogou.
Primeiro socorro e antídotos possíveis em humanos:
A lavagem imediata com vinagre é o método mais largamente aplicado, para desativar
nematocistos não descarregados para evitar a liberação de veneno adicional. A remoção
de tentáculos adicionais geralmente é feita com uma toalha ou uma mão enluvada, para
47
evitar picadas secundárias. Tentáculos ainda podem liberar nematocistos quando
separados do tronco, ou depois que a criatura estiver morta. Maior cuidado é pedido,
pois a remoção de tentáculos pode permitir nematocistos não expostos a entrar em
contato com a pele, resultando em um maior grau de envenenamento.
Embora comumente recomendado, não há evidências científicas de que urina, amônia,
amaciante de carnes, bicarbonato de sódio, ácido bórico, suco de limão, água fresca,
creme esteróide, álcool, compressas frias, mamão ou o peróxido de hidrogênio aliviará o
ardor, sendo que essas substâncias podem até acelerar a liberação do veneno.
Pesquisadores do Departamento de Medicina Tropical da Universidade do Havaí
descobriram que o veneno faz com que as células da vítima se tornem porosas o
suficiente para permitir o vazamento de potássio, causando hipercalemia, que pode levar
ao colapso cardiovascular e morte por parada cardíaca, dentro de 2 a 5 minutos. Foi
postulado que um composto de zinco pode ser desenvolvido como um antídoto.
Em 2011, pesquisadores da Universidade do Havaí anunciaram que haviam
desenvolvido um tratamento eficaz, "desconstruindo" o veneno contido em seus
tentáculos. Sua pesquisa descobriu que o gluconato de zinco impedia a interrupção dos
glóbulos vermelhos e reduzia os efeitos tóxicos sobre a atividade cardíaca de ratos em
pesquisa.
Em abril de 2019, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Sydney anunciou
que haviam descoberto um possível antídoto que interromperia a dor e a necrose da pele
se administrado dentro de 15 minutos após ser envenenado. A pesquisa foi resultado de
um trabalho feito com a edição do genoma completo CRISPR, no qual os pesquisadores
desativaram seletivamente os genes da célula da pele até que pudessem identificar
ATP2B1, um transportador de cálcio ATPase, como um fator hospedeiro de suporte à
citotoxicidade. A pesquisa mostrou o uso terapêutico de drogas existentes visando o
controle de colesterol em camundongos, embora a eficácia da abordagem ainda não
tenha sido comprovada em humanos. [57]
O baiacu - um dos peixes mais tóxicos
Uma substância interessante é a tetrodotoxina, também chamada de TTX [58], uma
neurotoxina encontrada principalmente nos ovários e fígado do baiacu, mas também no
peixe-ouriço, no monge aquático e em alguns caranguejos, caracóis e estrelas-do-mar
(Fig 24). Foi isolado pela primeira vez em 1950 em ovários de baiacu. Em 1963, a
estrutura foi elucidada por pesquisadores japoneses e sintetizada quimicamente em
1987. A tetrodotoxina é um antídoto para a batracotoxina de veneno de rã altamente
tóxica; também é usada em pesquisas neurológicas para bloquear os canais de sódio.
48
Tetrodotoxina, o veneno do baiacu. Fig 24
O consumo de baiacu, um sashimi especial no Japão conhecido como ―Fugu‖, custa a
cada ano em torno de 75 vidas humanas. Sua preparação em restaurante requer de uma
licença especial. Provavelmente não o próprio peixe, mas as bactérias associadas a ele
produzem o veneno. A tetrodotoxina bloqueia os canais de sódio em neurônios que são
acionados por um potencial elétrico. Os potenciais de ação não são mais desencadeados
e a excitação nervosa e muscular é eliminada. A vítima nota primeiro uma sensação de
formigamento nos lábios, depois na garganta, e finalmente segue uma paralisia, que
começa cerca de 45 minutos após o consumo do peixe. Ventilação e administração oral
de carvão são as terapias. Se sobreviver as primeiras 24 horas, o prognóstico é bom.
Quando administrado por via intravenosa, o veneno se espalha por todo o corpo e a
vítima está rapidamente morrendo de paralisia respiratória. A tetrodotoxina é
extremamente tóxica, a dose letal para humanos fica em 1 mg.
A vítima mais famosa de Fugu é provavelmente Bando Mitsugoro, uma estrela do
tradicional teatro japonês Kabuki. Em um restaurante de Kyoto, ele comeu fígado de
baiacu e pouco tempo depois comentou: "Eu me sinto ótimo como se estivesse
flutuando". Ele morreu sete horas depois. O chef responsável, posteriormente, declarou
que não poderia recusar o pedido de miudezas a um "tesouro cultural nacional", um
título que Bando havia recebido do governo alguns anos antes. O cozinheiro, claro,
perdeu sua licença e foi preso por oito meses por negligência [59].
Armas químicas – as supertoxinas do mal O desenvolvimento do éster de ácido fosfórico orgânico tóxico está ligado à vida do
químico Gerhard Schrader (1903-1990). Desde 1934, Schrader examinou na I.G.
Farben estes compostos sistematicamente. Em virtude desses estudos ele sintetizou os
agentes de guerra Tabun (1936) e Sarin (1938). Em 1944 ele produziu o Paration. Esta
substância tinha o número de desenvolvimento 605, portanto o nome notório E 605 do
produto posteriormente comercializado como inseticida. Ainda bem que não há aditivo
alimentar com a sigla ―E 605‖, para evitar qualquer confusão letal.
Sarin, Tabun, Soman e VX são quimicamente similares (Fig 26). Sarin foi o primeiro
agente de guerra descoberto por Schrader, Amros, Rüdiger e Linde em 1939 como um
resíduo na pesquisa de inseticidas. As letras de seus nomes deram o nome trivial de
Sarin. Em ratazanas, o LD50 para sarin é de 0,55 mg/Kg para ingestão oral. Sarin técnico
é ligeiramente acastanhado e prontamente solúvel em água.
49
Até 1944, cerca de 30 toneladas de sarin foram produzidas na Alemanha. A
―Wehrmacht‖ alemã acreditou ter com o sarin uma arma secreta na manga, enquanto o
químico russo A. Arbuzov (1877-1968), especialista em ésteres fosfóricos, já era capaz
de produzir essa substância na escala de toneladas, desde 1943 [60].
Sarin também foi conhecido por um ataque ao metrô em Tóquio em março de 1995.
Houve 12 pessoas mortas e centenas ficaram feridas. O líder da seita responsável,
Asahara Shoko, esperou anos no corredor da morte até ser executado em julho de 2018.
Sarin também foi usado na atual Guerra Civil Síria. Os dois lados da guerra civil
acusaram-se mutuamente. Isso demonstra que em uma guerra, a primeira vítima
geralmente é a verdade. A comissão de investigação da ONU agora tem certeza de que o
exército sírio está por trás dos ataques com Sarin. Pelo menos 83 pessoas, incluindo 28
crianças, morreram apenas em Chan Sheikhun [61].
Também proveniente da pesquisa para agrodefensivos (1952) é a amitona ou tetrame,
melhor conhecida sob a sigla VG. A partir deste composto sólido foi desenvolvido o
VX, um líquido com alto ponto de ebulição que, portanto, dificilmente evapora após a
aplicação e permanece no local por um longo tempo. Com VX, a ingestão de 0,3 mg por
via oral ou 7 mg percutâneo, é suficiente para matar uma pessoa. Em ratos, o LD50 para
VX é de 0,0077 mg/Kg para ingestão intravenosa. O VX é, portanto, muito mais tóxico
que o sarin. Até 1997, o VX ainda era fabricado pelos EUA, até chegar a convenção
sobre armas químicas.
A Chemical Weapons Convention (CWC) é um tratado de controle de armas que proíbe
a produção, o armazenamento e o uso de armas químicas e seus precursores. As
substâncias perigosas são organizadas em três categorias, enquanto a primeira
(―Schedule 1‖) contém as mais severas. Aqui se encontram produtos químicos que
podem ser usados como armas químicas ou usados na fabricação de armas químicas e
que não têm usos fora da guerra química. Eis são [62]:
O-alquil-fosfonofluoridatos (fórmula a na Fig 25; entre estes: Sarin; Soman);
O-alquil-N,N-dialquil-fosforamidocianidatos (fórmula b na Fig 25; entre estes:
Tabun);
O-alquil-S-2-dialquil-aminoetil alquil fosfonotiolatos (fórmula c na Fig 25; entre
estes: VX);
Gás mostarda e semelhantes (fórmula d na Fig 25);
Lewisitas (fórmula e na Fig 25);
Mostardas contendo nitrogênio (fórmula f na Fig 25);
Saxitoxina;
Ricina (ver p. 35).
Além destes, constam os precursores para armas químicas:
Alquil fosfonil difluoretos (DF);
O-alquil-O-2-dialquil-aminoetil alquil fosfonitas (QL);
50
Clorosarin;
Clorossoman.
OP
R2
F
O
R1
(a)
O
PO N
R2
R3
R1
N
(b) (c)
(d)
R3 N
SP
O
R2
OR
1
R4
ClS
Cl
Cl
As
Cl
Cl(e)
ClN
Cl
R
(f)
Fórmulas gerais das famílias de substâncias, listadas e banidas como Fig 25
armas químicas.
Ésteres orgânicos do fósforo de alta toxicidade. E 605 é um inseticida, Fig 26
sarin e VX são usados exclusivamente como armas químicas.
Como funcionam essas neurotoxinas?
Normalmente, o mensageiro acetilcolina e a enzima acetilcolinesterase reguladam a
transmissão dos sinais entre as células nervosas. A acetilcolina é ancorada como um
receptor em uma célula-alvo e faz com que a célula execute sua tarefa específica, seja
como célula muscular ou célula glandular. O processo é interrompido pela
acetilcolinesterase degradando a acetilcolina. Os ésteres fosfóricos atuam como
inibidores da acetilcolinesterase. Devido à falha da acetilcolinesterase, a acetilcolina
permanece na célula, que continua a trabalhar incessantemente. Se compararmos nosso
corpo com um carro, os ésteres de fósforo tais como E 605 ou VX, seriam igual um
tijolo colocado no acelerador.
A ingestão de 2 a 5 mg de atropina ajuda contra o envenenamento com um éster de
fósforo orgânico. A atropina compete com a acetilcolina pelos locais receptores e,
51
assim, inibe a transmissão do sinal permanente. Cloreto de obidoxima pode ser usado
para reativar a acetilcolinesterase. Os soldados da OTAN são equipados com auto-
injectores, a serem aplicados na coxa; seu conteúdo é uma mistura de 2 mg de atropina e
220 mg de cloreto de obidoxima [63]. Ainda em fase de pesquisas estão as ß-
ciclodextrinas, que podem ser usadas no corpo para converter ésteres de fósforo tóxicos
em compostos não-tóxicos. Calix[4]arenos poderiam ajudar contra VX [64].
O mensageiro neuronal acetilcolina e seus possíveis antídotos. Fig 27
Em 13 de fevereiro de 2017, o aerossol VX foi evidentemente usado para matar o
renegado meio-irmão Kim Jong-nam do governante norte-coreano Kim Jong-un. Doan
Thi Huong, uma ex-participante de um show dos talentos na TV vietnamita, borrifou
Kim Jong-nam com um líquido no rosto no aeroporto de Kuala Lumpur. A vítima
surpresa morreu cerca de 20 minutos depois, ao caminho do hospital. Suas últimas
palavras foram "Dor, dor, dor". A assassina de 28 anos afirmou após sua prisão que
achava que estava fazendo uma brincadeira inofensiva em um programa de piadas de
câmera escondida. Especulou-se que o serviço de inteligência norte-coreano estava por
trás do assassinato, já que Kim Jong-un temia o meio-irmão exilado como um
concorrente.
Dioxinas – Representante famoso dos venenos ambientais A 2,3,7,8-tetracloro-dibenzodioxina altamente simétrica, também conhecida como
TCDD, é produzida em pequenas quantidades durante a combustão de compostos
organoclorados (Fig 28). Foi sintetizado pela primeira vez por W. Sandermann em 1957
[65]. As dioxinas são produzidas especificamente apenas para fins de pesquisa. Eles não
têm importância econômica prática e positiva.
52
2,3,7,8‐Tetracloro‐dibenzodioxina Fig 28
A ingestão de dioxinas é inevitável, pois ocorre em quase toda parte, embora em
quantidades muito pequenas. Na Suécia, por exemplo, a carga é de 0,1 ng por dia por
pessoa, principalmente devido ao consumo de peixe. As dioxinas são metabolizadas no
fígado por desalogenação redutiva pelo citocromo P-450. Através de intermediários
com função de epóxido, os átomos de cloro são clivados e substituídos por hidroxilas.
O veneno de Seveso, 2,3,7,8-tetraclorodibenzodioxina, é particularmente estável, de
modo que a meia-vida biológica em humanos é de 6 a 10 anos. Em concentrações
superiores a 800 ng/Kg no soro sanguíneo, aparecem sintomas da cloracne.
Uma maneira rápida de desintoxicação não é conhecida. Uma abordagem possível é a
inclusão de substitutos de gordura, como a ―olestra‖. Olestra, uma gordura artificial não
calórica, não é absorvida no intestino, mas dissolve na passagem intestinal partes da
dioxina contida na gordura corporal, que é então excretada.
A dioxina tornou-se mundialmente famosa após o acidente de Seveso, no norte da Itália,
em julho de 1976, quando a produção de triclorofenol saiu de controle em uma fábrica.
A dioxina existente matou animais de estimação, plantas murcharam, uma área de 115
hectares foi evacuada, muitas casas tiveram que ser demolidas posteriormente, e 190
pessoas sofreram de cloracne. Aumento da incidência de câncer na região de Seveso foi
relatado. A expectativa de vida fica 15 anos abaixo da média.
Interessante é que a substância-mãe, a dioxina (Fig 28 à esquerda) é de baixa toxicidade
(o valor de LD50 para ratazanas é de 1,22 g/Kg para ingestão oral), o TCDD é cerca de
60.000 vezes mais tóxico (o valor LD50 para ratazanas é de 0,02 mg/Kg para ingestão
oral).
Outras incidências com dioxinas:
As dioxinas ocorrem como impurezas no "Agente Laranja", que foi usado pelas tropas
americanas para desfolhar a selva na Guerra do Vietnã. Isto levou a danos crônicos na
população e nos soldados americanos. O então presidente ucraniano, Yushchenko, foi
aparentemente envenenado com TCDD em 2004 e sofria de cloracne, reconhecível na
face da vítima pelo público mundial. Em seu tecido foi encontrada uma dose aumentada
de 50.000 vezes de dioxinas.
53
Botox - Rei na escala dos venenos A toxina botulínica é uma neurotoxina, produzida por bactérias anaeróbias, que em
condições apropriadas à sua reprodução, crescem e produzem sete sorotipos diferentes
de toxina. Dentre esses, o sorotipo A é o mais potente.
Sob o nome comercial de Botox, esse veneno é um termo coletivo para sete proteínas
neurotóxicas similares. São secretados como exotoxinas de Clostridium botulinum,
Clostridium butyricum ou Clostridium baratii. O efeito venenoso é baseado na inibição
da sinalização das células nervosas, que além da fraqueza muscular também leva à
paralisia respiratória.
O botulismo de intoxicação alimentar foi reconhecido pela primeira vez em 1817 por J.
Kerner. Em 1822, ele assumiu uma toxina como causa e até mesmo sugeriu o uso dessa
substância sinistra em pequenas quantidades como droga contra distúrbios nervosos. Em
1868, o envenenamento por toxina botulínica foi chamado de botulismo e as bactérias
responsáveis foram isoladas em 1897 por van Ermengem. Os micróbios foram
denominados Bacillus botulinus. Em 1946, a toxina do tipo A foi isolada pela primeira
vez. A toxina botulínica do tipo A, também conhecida como BoNT A, consiste numa
cadeia pesada e leve, com 447 e 848 aminoácidos respectivamente; ela tem uma massa
de 146.000 daltons.
A cadeia pesada é uma proteína de revestimento que protege a neurotoxina real da
degradação do ácido gástrico. Aquecimento a 100 °C por 5 minutos leva à
decomposição da toxina, a 121 °C bastam 3 minutos. A proteína de revestimento
também se liga com alta afinidade aos receptores da membrana celular. A endocitose
faz com que a toxina entre em uma vesícula. A ponte dissulfureto da toxina é rompida e
as duas cadeias da toxina são separadas. A cadeia leve contém um átomo de zinco e atua
como uma endopeptidase de zinco e destrói, entre outros, a proteína de acoplamento
SNAP-25, que se destina a garantir que as vesículas de acetilcolina possam alcançar o
local alvo. A falha das vesículas de acetilcolina impede a transmissão neuromuscular e
leva à paralisia [66
].
Botulismo é uma doença bacteriana rara, porém grave. No Brasil ela ocorre na ordem de
100 casos por ano, destes cerca de 5 são fatais. A bactéria causadora dessa condição
pode entrar no organismo por meio de machucados ou pela ingestão de alimentos
contaminados, principalmente enlatados e os que são preservados de maneira
inadequada. Em relação ao tipo de alimento os cinco mais apresentados foram
respectivamente: Mortadela, carne de lata, salsicha, torta de frango e palmito.
Especialmente afetadas são as conservas de carne (não por coincidência a palavra latina
"botulus" significa salsicha), porque a bactéria Clostridium botulinum é bastante
disseminada como esporo; para germinar o esporo requer de um ambiente pobre em
oxigênio, somente em seguida pode produzir a toxina. Para produtos cárneos altamente
curados, parece diferente: o nitrito inibe o crescimento de clostrídios. O que deve
54
sempre chamar a nossa atenção são latas de conserva onde a tampa indica a produção de
gases.
Depois de ser exposto ao veneno, dor de cabeça, dor de estômago, náusea, problemas na
fala e na visão ocorrem depois de 12 a 40 horas. Existem sintomas de paralisia. A
paralisia dos músculos do pescoço é característica e, neste momento, a terapia com uma
antitoxina pode ainda ser bem sucedida. Em 50% dos casos não tratados, a morte ocorre
após 3 a 6 dias devido a paralisia respiratória. [67]
A toxicidade da toxina botulínica é quebra de recordes: o valor de LD50 é de 4.000
pg/Kg (rato, subcutano) e para administração intravenosa é até de 30 pg/Kg. A dose
letal para um adulto é de 0,000003 mg, ou seja, 3 nanogramas ou cerca de 40 pg/Kg. A
toxina botulínica é quase 100 milhões de vezes mais tóxica que o ácido cianídrico.
Nenhuma substância é mais tóxica, assim como a toxina botulínica no topo da nossa
escala da Fig 2.
Também foi classificado como uma arma biológica. Vantagens do ponto de vista da
tecnologia de armas são a toxicidade extremamente alta e a propriedade da substância
de se decompor em substâncias inofensivas, de modo que uma área contaminada seria
rapidamente acessível novamente. No entanto, a produção segura é muito difícil e,
felizmente, não é prática para potenciais terroristas.
BoNT A é realmente usado na medicina. Foi usado pela primeira vez em 1980 como
uma alternativa à cirurgia para estrabismo e para o tratamento de blefaroespasmo
(cãibras nas pálpebras) [68]. Outras indicações incluíam bexiga irritável, espasmo na
boca, espasmo das cordas vocais ou aumento da transpiração [69]. No público em geral,
a BoNT A tornou-se conhecida principalmente como ―Botox‖ para suavizar as rugas
faciais. Ao injetar a toxina no músculo, o neurotransmissor acetilcolina é bloqueado
enquanto a sensação e o toque continuam funcionando. O efeito é máximo cerca de 10
dias após a injeção e passa após 2-6 meses.
Em 2015, um estudo mostrou que uma única injeção de BoNT A na testa pode até
aliviar a depressões [70]. O efeito é explicado pelo fato de que expressões faciais menos
preocupadas têm efeito positivo sobre o humor. Não menos importante, este exemplo
mostra que o Botox não se tornou um puro produto de estilo de vida no arsenal de
médicos antienvelhecimento, mas uma neurotoxina versátil com uma notável carreira
médica.
Sumário Existem bem mais de 154 milhões de compostos químicos [71]. Todas as substâncias
podem, teoricamente, ser tóxicas. Como Paracelso afirmou há quase 500 anos, a dose
produz o veneno. De fato, os potenciais venenosos da água, a substância de menor
toxicidade, e a toxina botulínica, a substância conhecida mais tóxica, diferem em escala
astronômica. Uma apresentação logarítmica simples unifica e ilustra várias toxicidades
agudas e designa a água 1 e a toxina botulínica 13,5.
55
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