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1 Caracterizac;ao da imagem

Varias vezes escutamos dizer que uma imagem vale mil palavras. Ela seria infinitamente mais expressiva, mais fiel aos fatos do que nosso discurso. Entretanto, a superio­ridade do visual precisa de argumentos, algo mais do que uma frase. Afinal, 0 que sustenta 0 valor da imagem diante das palavras que se proliferam, descrevendo sem eficacia?

A imagem e basicamente uma sintese que oferece tra­~'OS, cores e outros elementos visuais em simultaneidade. Ap(~S contemplar a sintese e possivel explora-Ia aos pou­I'OS; s6 entao emerge novamente a totalidade da imagem. 1\ cl't.:n<;a no poder da imagem deriva-se desta experiencia: " vcrossfmil que 0 todo valha mais do que as partes, ou !'"lflll que 0 todo seja maior do que suas partes. Nikhil IIhllllll(:hnrya fala das vantagens da representac;ao: visual illlllltlo Ill) caso de objetos simultaneos:

1\0 I'upro:>entarmos uma formula qufmica como

C~C /CI

C~ \I H

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isso nao significa que uma estrutura como essa nao possa ser representada POl' uma sequencia de frases. Acontece que uma representac,:ao assim nos possibilita vel' os ele­mentos diferentes da estrutura em relac,:6es uns com os outros. No sentido cognitivo, nestas circunstancias, po­demos dizer com propriedade que uma imagem vale mil

palavras. 1

Pobres palavras que, apesar de equivalentes a imagem, se sucedem no tempo, multiplicando-se em serie.

Tudo 6bvio e indiscutivel, mas as coisas nao sao tao simples assim: a prodw;;:ao e a compreensao de uma imagem tambem acontecem segundo restri\;oes temporais; a imagem tern sempre uma hist6ria.

A historia de uma imagem

Podemos verificar a hist6ria das imagens a partir das amllises feitas pela iconologia, que e "urn ramo da his­t6ria da arte preocupado em estabelecer 0 conteudo tema­tico ou 0 significado das obras de arte enquanto algo distinto da sua forma". 2 A identifica\;ao desse conteudo e, por vezes, uma mistura de erudi\;ao e quebra-cabe\;a, uma especie de trabalho hist6rico de dedu\;ao, como nos contos de detetive, diz E. H. Gombrich em Symbolic images (Imagens simb6Iicas).

Urn born exemplo da hist6ria dos conteudos tematicos das representa\;oes esta exposto numa conferencia de Fritz Saxl sobre "A continuidade e a varia\;ao dos significados das imagens", cujo objetivo e recompor a trajet6ria de var~as imagens; estas, de seu poder inicial, passam a atrair

1 A picture and a thousand words. Semiotica, 52(3-4), 1984. ~'I'AN@fSKY, Erwin. Estudios sobre iconologia. Madrid, Alianza. 1972. p. 13.

outras representa\;oes, sendo ate capazes de ressuscitar ap6s terem sido esquecidas.

A trajet6ria de uma das imagens inicia-se na Meso­potamia, no terceiro milenio antes de Cristo. SaxI seleciona, como referencia, uma imagem de urn homem, em pe sobre dois leoes que se viram, com resigna\;ao, para olha-lo; suas maos seguram duas serpentes. A representa\;ao e de poder absoluto.

Saxl reconhece uma varia\;ao dessa figura mil anos depois, na imagem da deusa sfria Kadesh, transposta para urn mural egfpcio, segurando duas serpentes que nao a encaram.

Numa estatueta da ilha de Creta e possivel ver uma deusa novamente segurando duas serpentes. 0 mesmo acontece na Grecia, quando se representa a loucura divina das menades. Segurar serpentes passa a ser expressao de uma loucura profunda que nos aterroriza e amea\;a de destrui\;ao. No seculo XII, as serpentes evocarao os pode­res e os perigos do Mal. SaxI concluira que:

Apos exatamente 0 final do seculo XII, a imagem perde seu poder e e apenas raramente revivida. Um escultor em Reims usou a formula logo apos 1200. Toda a vida da imagem esvaiu-se. 0 homem segura, na mao esquerda, uma serpente, mas na mao direita esta um ralo de per­gaminho; isto e um jogo decorativo com algo que expressou o problema essencial da cristandade para as gerac,:6es mtecedentes. Testemunhamos aqui a morte de uma ima­{lorn. II

<)lIando tiravamos 0 chapeu para cumprimentar al­1l1'1lI lIa rua, reproduzfamos, sem saber, 0 gesto de cava­

h'lIl1~ Illcdirvais. Nosso presente nunca esta sozinho; os tUlilIPUlIlI:- do passado acompanham nossa ignorancia.

I /"., /t/ll/I' ,./ /"'''Ht'S. I1armondsworth. Penguin Books, 1970. I' I

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Panofsky, companheiro de Saxl desde a Universidade de Hamburgo ate 0 Instituto Warburg de Historia da Arte, em Londres, daria mais urn outro exemplo da continuidade historica: A alegoria da prudencia, de Ticiano (aproxima­damente 1487-1576), 0 pintor que, segundo Saxl, mais influenciou, juntamente com Rafael, as concep~6es con­temporaneas sobre mitologia classica.

Essa pintura de Ticiano e emblematica: representa uma ideia etica em termos visuais. Uma inscri~ao paira sobre as imagens: "Ex praeterito / praesens prvdenter agit / ni fvtvra actione detvrpet", traduzida do latim, por Panofsky, como: "Do (da experiencia do) passado, 0

presente age prudentemente para nao estragar a a~ao fu­tura".

Normalmente, uma inscri~ao num quadro age como urn acrescimo; funciona como urn nome proprio. No qua­dro de Ticiano, 0 discurso infiltra-se pela inscri~ao, pren­dendo a imagem as etiquetas praeterito (passado) prae­sens (presente) e fvtvra (futuro).

Na camada superior do quadro, a esquerda, esta pin­tado 0 perfil de urn velho com urn barrete verrnelho: urn auto-retrato de Ticiano; no centro, a representa~ao frontal de urn homem de meia-idade, com barba; a direita, 0

perfil de urn jovem louro. Estao sincronizados, no eixo central do quadro, a frase "0 presente a.ge prudentemente" e 0 olhar do homem maduro que nos encara: lembran~a

surda e tema.

Para Panofsky, a imagem e a inscri~ao relacionam as tres etapas do tempo com as faculdades psicologicas que definem a virtude da prudencia, ou seja, a "memoria, que lembra e aprende do passado; a inteligencia, que julga e age no presente; e a prudencia, que antecipa e preve contra o futuro". 4

·1 SiKfliji'cado nas arIes visuais, p. 196. V. "Bibliografia comentada".

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A tradi~ao classica autoriza essa equivalencia. Por obra e gra~a da teologia, a prudencia passaria a ser central, tanto etica como espacialmente. A continuidade e neces­saria: Panofsky reconhece uma outra A legoria da prudencia do inicio do seculo XV, mostrando urn frade exibindo tres livros. A representa~ao da prudencia, em tres etapas tem­porais, tambem esta numa enciclopedia medieval muito popular, Repertorium morale (Repertorio moral), de Petrus Berchorius.

A parte inferior do quadro de Ticiano reline uma ima­gem zoomorfica: as cabe~as de urn lobo, de urn leao e de urn cachorro. A representa~ao da parte inferior da pintura segue uma tradi~ao oriental, que vern das religi6es egipcias, mais especificamente de urn deus egipcio-helenis­tico, Serapis, sempre acompanhado de urn monstro ima­ginario, com as cabe~as de cachorro, leao e lobo. A cabe­~a de leao representa 0 proprio presente; a de lobo, 0

passado; a de cachorro, 0 futuro. Eis uma ideia que esta numa cita~ao em versos de Petrarca (1304-74), 0 poeta renascentista. Panofsky admite ver, nos tres animais, as transforma~6es do tempo que, fluindo, nos ensina a pru­dencia. Ticiano se valeu desses emblemas registrados num livro da epoca - Hieroglyphica (Hieroglffica), 1556, de Piero Valeriano -, em que, aproximadamente, sua A le­Roria foi pintada. Na imagem esta 0 passado, junto com [) presente.

Nao e do meu interesse recompor 0 quebra-cabe~a

hist6rico; interessa-me apenas mostrar a a~ao do passado nas representa~6es que se apresentam sob nosso olhar.

Vcrticalmente, os elementos se correspondem por equi­vall-I\(;ia: passado-velho-lobo; presente-homem maduro­kiln; fUluro-jovem-cachorro. Horizontalmente, a rela~ao e

lit oposi<;ao: passado/presente/futuro; velho/homem ma­tlllIlI/ jllvclII; lobo/leao/cachorro.

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Experimentamos, a maneira da linguagem, a equivalen­cia e a oposil;ao, a identidade e a diferenl;a. Disse it ma­neira da linguagem, pois e assim que, no sistema lingiiistico, se produz a significal;aO pelo conhecimento dos antonim0s de urn termo.

De que maneira 0 discurso e sua seqiiencia se compa­tibilizam com a imagem e sua configural;ao? Ainda e cedo para uma resposta definitiva. Mesmo correndo 0 risco de ser 6bvio, prefiro dizer que imagem e discurso tern em comum a uniao indissoluvel de expressao e conteudo.

Numa obra de arte nao se pode divorciar forma de con­

terJdo: a distribui9ao de cores e Iinhas, luzes e sombras, volumes e pianos, por apraz[vel que seja como espetaculo visual, precisa ser tambem compreendida como carregada de um significado mais que visual. 5

Agora e possivel considerar a imagem e sua forma.

A forma da imagem

A primeira vista, a forma de uma imagem e feita por semelhanl;a com 0 objeto representado, mas e dificil dis­cordar do fil6sofo americano Nelson Goodman, que ve urn grave erro nessa concepl;ao. A semelhanl;a nao garante a representatividade:

uma menina nao e uma representa9ao de sua irma gemea; uma palavra impressa nao e imagem de outra palavra impressa com 0 mesmo tipo; duas fotografias da mesma cena, mesmo que as capias tenham sido feitas a partir do mesmo negativo, nao sao imagens uma da outra. 6

5 Id., ibid., p. 225. (; Seven strictures on similarity. In: Problems and project.I, p. 437. V. "Bibliografia comentada".

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Vma fila de carros e somente efeito da linha de montagem. Ninguem, em sa consciencia, diria que esta assistindo a urn desfile de imagens.

A imagem, enquanto tal, dispensa a semelhanl;a. 0 que se chama semelhanl;a talvez seja mera familiaridade. As replicas nao surgem naturalmente, pois dependem de convenl;oes de tal maneira interiorizadas que acreditamos na sua naturalidade inevitavel. Gral;as as convenl;oes, e apesar de sua inexistencia enquanto coisas, podemos repre­sentar 0 que inexiste materialmente - por exemplo, dra­?oes, unic6rnios, fantasmas -, mas que se apresenta como Imagem.

Se a imagem nao se estrutura enquanto represental;ao apenas por ser semelhante ao objeto, 0 que a constitui? Vma resposta possivel estaria em afirmar que a imagem representa, pois tern a capacidade de referencia. Mas a referencia e uma propriedade lingiiistica. Quando entende­remos a imagem como ela de fa to e, sem recorrermos as propriedades dos atos da fala? Se a imagem e 0 discurso sao totalmente assimilaveis, para que falar nela?

Ao comparar a linguagem com outros sistemas de comunical;ao, 0 lingiiista Roman lakobson afirma que, por serem autonomos, os signos visuais e auditivos podem tanto atrair-se como repelir-se.

A evidencia, tipificada pela maxima "ver para crer", caracteriza os signos visuais, enquanto os tral;os auditivos I;ao menos discriminaveis; logo, exigem urn grau maior de 'onvencionalidade, 0 que nao quer dizer que a imagem ;steja livre de regras de constituil;ao. E por exemplo do­lIlinante, na pintura ocidental, a regra de que os estimulos visuuis devem ser entendidos atraves de sua relal;ao com liS objctos representados. Se nao reconhel;o a ref~rencia, a t11Iblra«ao e a indiferenl;a estragam a minha contemplal;ao. IJial11e de urn vacuo cultural, rejeito 0 que e percebido.

omo se distingue a percepl;ao visual da percepl;ao Illditiva? Qual a relal;ao que existe entre tral;os auditivos

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c visuais? Nenhuma? Quando falo, os signos se dirigem para as coisas; e correto exigir a mesma rela<;ao designativa para a imagem? Nao parece justo, mas quando se entrega ao espectador a experiencia de uma imagem nao-repre­sentativa, a primeira rea<;ao e abolir a experiencia.

lakobson 1 pergunta-se por que e tao obrigatoria a imita<;ao nas artes visuais, enquanto a musica esta livre dessa conven<;ao.

Signos visuais, como gestos e express6es faciais, ocupam urn lugar secundario e suplementar em rela<;ao a linguagem, que de fato predomina como modelo comuni­cacional. 0 imperialismo da lingua transfere para a ima­gem a obrigatoriedade da referencia, que e uma fun<;ao essencial dos signos linglilsticos - apesar de nao ser a unica.

Eis mais urn motivo para 0 primado da referencia: em si mesmos e transpostos para urn espa<;o de representa<;ao, os elementos nao produzem sentido se nao forem reconhe­cidos como referentes. lakobson cita uma experiencia de radio feita por M. Aronson, que resolve transferir direta­mente os ruldos naturais de uma chegada de trem para a transmissao radiofonica; 0 resultado e urn desastre: 0 valor informativo do rUldo natural e minima; nao ha como dis­crimina-lo com clareza; nao se pode reconhece-lo.

A representa<;ao simbolica e os objetos aos quais os signos se associam nao tern uma conexao necessaria. Pa­recem ser relacionados porque uma nomenclatura antecede a produ<;ao da imagem.

"Tanto 0 artista como 0 escritor precisam de urn 'vocabulario' antes de se arriscarem a 'copiar' a realidade." 8

Para representar 0 mundo e preciso urn repertorio de csquemas que elaborem e interpretem a realidade. Obriga­

7 Visual and auditory signs. In: -. Selected critings; word and language. Hague/Paris, Mouton, 1971. v. 2. M (;OMORICIl, E. H. Vart et l'j[[usion. p. 118. V. "Bibliografia l:olllcntada".

toriamente, urn modelo organiza a experiencia perceptiva. o esquema fixa a instabilidade flutuante que caracteriza 0

mundo. So assim as coisas sao reconhecidas. As coisas representadas nao explicam a imagem; esta e aquilo que a invoca.

A logica da imagem exige que sua representa<;ao seja feita a partir desse esquema que reformula a experiencia visual. Se a nomenclatura antecede a representa<;ao, a imagem e, por natureza, autonoma; sua autonomia e res­trita e contrabalan<;ada pela necessidade de assimila-la ao objeto. "Quem quer que deseje desenhar uma arvore de seu jardim deveria, antes de tudo, conhecer a estrutura e as propor<;6es genericas dela." 9 A imagem adquire, entao, a faculdade possivel de apontar para as coisas.

Por ter em comum com a Ifngua essa propriedade de referencia, dizemos que a imagem elida, mas os elementos da Jeitura visual nao sao os mesmos que os dos atos da fala. As formas que se oferecern visualmente para nossa descoberta e sutileza sao bern outras.

Entre a imagem e a lingua verifica-se uma diferen<;a basica: 0 numero de elementos disponfveis para os atos linglilsticos e finito. Mais cedo ou mais tarde 0 ciclo estara completo e 0 falante repetira os sons ja emitidos. A imagem caracteriza-se por proliferar sem que haja urn horizonte que limite sua ocorrencia. 10

A visualidade

A visualidade e 0 que permite a imagem, que, por :.;ua vez, recebe do rnundo visual as caracterfsticas de sua

" Id., ibid., p. 204. III Cf. DAVIDSON, Donald. Inquires into truth and interpretation. (l}(ford, Clarendon Press, 1984. p. 263. "Uma imagem nao vale IIlil palavras, ou outro numero qualquer. As palavras sao a moeda .'11 ada para a troca por uma imagem."

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figurar;ao. A imagem s6 poderia ser mesmo densa e com­plexa: as propriedades que adquire do mundo visual sao muitas. James J. Gibson, em La percepci6n del mundo visual (A percep<;ao do mundo visual) - v. "Bibliografia comentada"-, afirma que 0 mundo visual tern as seguin­

tes propriedades:

• extensao na distancia; • modela<;ao em profundidade; • verticalidade; • estabilidade; • ilimitabilidade;

• cor; • sombra; • textura;• integra<;ao por superflcie, bordas, formas e interespar;os; • pluralidade de coisas que possuem significado.

Consideremos essas dez propriedades e teremos que admitir urn paradoxo: a enumera<;ao delas sugere uma complexidade que, apenas aparentemente, nao existe. 0 que veremos e sempre unificado e simples, como se fosse apenas evidente. Qual a razao disso?

A percep<;ao do mundo visfvel depende de urn pro­cesso seletivo e relacional. A representar;ao e construfda de tal forma que, quando percebo, represento imediata­mente. A imagem nos parece autonoma porque se con­funde com 0 real e nao h3. nada ao qual se subordine.

Representar e relacionar. "Uma imagem retiniana con­tern dois tipos fundamentais de variar;ao de estfmulo: urn, o carater da luz enfocada; outro, a rela<;ao dos pontos de luz entre si." 11 Como conseqtiencia fisio16gica, a ima­gem nao poderia ser uma duplica<;ao do mundo. Entre 0

mundo e a percep<;ao acontecem os cones de luz, as deformar;oes que fazem da imagem alguma coisa auto­

11 GIllSON, James 1. Op. cit., p. 80.

noma. A veracidade da imagem e ela mesma, ja que as modifica<;oes constantes de luz e sombra impossibilitam a replica do fato a ser representado : no maximo, uma trans­posi<;ao, nunca uma cOpia.

A luz agrupa-se em representar;oes bidimensionais. Conhecemos 0 mundo atraves da sua tradu<;ao em s6lidos, luzes e cores que ocupam uma superflcie. As extensoes da superflcie se dao por meio de urn processo que se apre­senta como estritamente natural. Cada extensao e 0 que e; pelo menos, e 0 que acreditamos. A imagem nos parece pura e evidente, mesmo que, de fato, as luzes e as sombras sejam 0 que deterrnina a aparencia dos objetos. Para que uma imagem seja visfvel e preciso que tres etapas sejam cumpridas:

• a luz espalha-se diferencialmente pelas superficies a serem percebidas;

• a luz e transmitida para 0 olho; • a luz constitui-se num foeo, formando-se, entao, a ima­

gem. 0 mundo e uma imagem.

As dez propriedades do mundo visual se reduzem a urn processo complexo de sfntese que as relaciona; outros sentidos entram no processo. Seria tolice pensar que a mera contempla<;ao da luz nos leva, por exemplo, a re­presenta<;ao da distancia. Tal representa<;ao define-se pela compara<;ao entre a luz recebida e a possibilidade de tocar o objeto.

A distancia, os objetos parecem menores. Como nao confundir a representar;ao da distancia com a pequenez I'l:al do objeto? Toco 0 objeto e s6 assim sei que ele e fl'ulrnente pequeno. Caso nao consiga toca-lo e porque

Ull pequenez significa afastamento na distancia. A neces­itllldc de toque nao e sempre exigida porque estamos cer­

'lId()~ de objetos que, por serem familiares, ja conhecemos (Ill" propriedades.

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A imagem feita por perspcctiva presume 0 espectador frontal mente diante do quadro. Estar em frente da repre­senta~ao garante e, portanto, dispen:\i 0 toque no objeto. Gombrich ]2 sugeriria que essa frontalidade e urn padrao de verdade derivado do principio da testemunha ocular. S6 aparece na representa~ao 0 que puder ser percebido por uma testemunha em potencial.

A presen\;a distingue a imagem e, ao mesmo tempo, autoriza que 0 mundo sensivel seja representado na maior diversidade, devido a pluralidade de pontos de vista.

Os manuais de psicologia da percep~ao mostram de­senhos de dois perfis em preto que, ao serem contempla­dos segundo un", outro padrao, transformam-se num vaso. o olhar do espectador ocupa posi~6es diversas e duas re­presenta~6es apresentam-se alternadas. A imagem e de­terminada pela posi~ao do olhar; a cada instante este cris­taliza urn novo padrao e uma nova ordem.

Por ser essencialmente presen~a, a imagem nunca e impossivel, mesmo quando 0 objeto representado nao tern como ser construido materialmente. Para a imagem, pouco importa a verdade do referente exterior. A imita~ao certa­mente nao e 0 tra~o primeiro da imagem. Nesta nao h3 contradi~ao; apenas a presen~a de formas visuais unifica­das pela aten~ao de quem a contempla.

]2 Standards of truth: the arrested image and the moving eyes. In: MITCHELL, W. J. T., ed. The language of images, p. 181-218. V. "Bibliografia comentada".

2 A imitaQao

A fotografia ~ as figuras movendo-se no cinema cris­talizaram as concep~6es cbissicas de representa~ao e tam­bern nos acostumaram de tal forma a urn tipo de imagem que achamos a imita~ao uma exigencia quase que neces­saria do espectador.

Recebemos com tranqiiilidade a recomenda~ao de que vejamos figuras e rostos humanos nos troncos das arvores, nos veios das encostas, nas manchas dos muros. A su­~cstao esta num texto do pintor, arquiteto e te6rico da arte renascentista Leon Battista Alberti (1404-72) sobre ;scultura. Alberti, segundo 0 critico e biografo Giorgio Vasari (1511-74) \ era mais notavel pelo que escreveu do que pelo que fez como artista.

Alguma coisa acontece a tradi~ao imitativa da pintura ~"lIindo, em 1936, 0 artista e professor hungaro Lazlo Mllholy-Nagy 2 (1885-1946) afirma nao haver oposi~ao de 1" indpios entre a arte imitativa e a nao-representacional.

I II,· .. ~ til II/(· arliSIS. Harmondsworth, Penguin Books, 1971. I' .'(1')

"""'11 WIrIUIIII IIrl. In: KOSTELANETZ, Richard, ed. Moho/y­"'I' 1IIIIIInll, Allen !.lIlle, 1970. p. 43-4. __I