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A NEGAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO MUSICAL Resumo O texto a seguir pretende discutir a imagem que o brasileiro faz de si mesmo e o
comportamento que ele adota frente aos valores culturais e humanos de seu próprio
país, quando se pensa em estratégia de musicalização infantil direcionada à rede
pública local. Dada a complexidade do assunto será necessária a abordagem de
temas como formação do povo brasileiro, educação, metodologia Kodály, identidade
nacional, mundialização, globalização, ambiente escolar, preconceito linguístico,
preconceito social e preconceito étnico. Do entrecruzamento desses parâmetros
veremos se são possíveis obter respostas conclusivas – ou pelo menos coerentes –
quando se queira tornar a cultura musical acessível à base de nossa pirâmide social.
Palavras-chave: Identidade nacional. Música. Kodály. Preconceito.Educação. Introdução
– Um negro parado é suspeito; correndo é culpado. – Por que preto não erra? Porque errar é humano. – Negro só vai à escola quando a está construindo. – A situação está preta! – Preto de alma branca. – É negro, mas é inteligente. – É negra, mas é bonita. – Apesar de negro, ele é legal, é gente boa. – Tinha que ser preto! – Não faça serviço de preto – Cabelo duro; cabelo ruim – Macaco,Gorila, Saci, Demônio. (COQUEIRO, p. 15, online).
O conteúdo subliminar dessas frases foi tão naturalizado no discurso nacional,
em forma de piadas e anedotas, que muitas pessoas não percebem (ou não querem
perceber) o racismo que tais frases encerram (Id.). As hostilidades sobre os “não
brancos” tem raízes históricas que remontam à gênese do povo brasileiro, como
podemos conferir nos relatos de Maurílio Pereira Barcellos e Darcy Ribeiro:
A outra metade da humanidade, que já vivia aqui, por uma série de circunstâncias, foi parcialmente aniquilada. Uma outra parcela mesclou-se biologicamente com os provenientes da outra metade do mundo, e uma terceira
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parcela, ainda que menor, conseguiu de alguma forma resistir, sobreviver e manter, mesmo que com diferentes graus de alterações, suas formas próprias de ser, e assim permanecem até hoje. (BARCELLOS, 1999, p. 75).
Desde a chegada do primeiro negro, até hoje, eles estão na luta para fugir da inferioridade que lhes foi imposta originalmente, e que é mantida através de toda a sorte de opressões, dificultando extremamente sua integração na condição de trabalhadores comuns, iguais aos outros, ou de cidadãos com os mesmos direitos. (RIBEIRO, 2010, p. 157).
As atrocidades praticadas contra negros e índios, portanto, ainda não cessaram
e, assim, considerando-se que as matrizes afroameríndias são parcelas constituintes
do que se chama indivíduo brasileiro, então como abordar tais temas numa sociedade
que aparentemente despreza suas matrizes históricas?
A resposta não é simples e, por esse motivo, serão tratados no corpo do
trabalho diversos tópicos. Um deles merece, aqui, uma explicação mais detalhada, que
é a musicalização infantil através da metodologia kodaliana. Este método foi escolhido
como eixo de raciocínio, no decorrer dos parágrafos que se seguem, por dois motivos:
em primeiro lugar por ser um sistema de ensino de comprovada eficácia, tendo sido
adotado com excelentes resultados em países como Ucrânia subcarpática, Estônia,
Letônia, Argentina, Estados Unidos, Canadá, Japão, Brasil e, claro, Hungria, seu país
de origem (ISZONYI, 1996); em segundo lugar, porque não foi possível obter
informações detalhadas sobre a metodologia de Gazzi de Sá, braço direito de Villa-
Lobos na implantação do “Canto Orfeônico” e representante brasileiro, em termos de
musicalização de crianças. Poucos dados estão disponíveis sobre Gazzi na Internet;
mesmo um contato direto com Luceni Caetano da Silva, doutora na universidade
federal da Paraíba (e que teve acesso à metodologia referida), não rendeu maiores
referências do que as que se encontram pouco detalhadas no livro de Ermelinda Paz, a
respeito de metodologias de ensino. (PAZ, 2000).
Os contornos do problema
Segundo Zoltan Kodály, “o processo de ensinar o público em geral a apreciar
sua própria música tradicional e artística só pode ser iniciado na escola (…)”.
(ISZONYI, 1996, p. 76). Mas isso requer, no contexto atual, o entrelaçamento de vários
fatores, para que possamos elaborar um esboço da situação em que se encontra tanto
nossa maturidade social quanto nossa rede de ensino e, daí, decidir o que deve ou
não ser feito ao se pensar a musicalização de maneira consistente. Isso é relevante
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quando se sabe que a partir de 2012 efetivamente começa a vigorar a lei 11.769, que
estipula a obrigatoriedade de ensino musical na rede pública. Marcos Bagno sugere:
“A distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos [mas] a ela se soma, porém, a discriminação que pesa sobre negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros”. (...) Os preconceitos mais vigorosos da nossa sociedade pesam justamente sobre negros, nordestinos, pobres e analfabetos. (BAGNO, 1999, p. 202).
Os ditames do mundo dito globalizado em que vivemos afetam diretamente a
maneira como estabelecemos nossa conduta e nossas estratégias, enquanto nação.
(ZAOUAL, 2003). Mas, por outro lado, as decisões que tomamos estão também
estreitamente ligadas aos valores que recebemos de nossos antepassados, sejam
esses valores os de ordem genética ou de ordem social. Assim, os fatos acontecidos
desde a chegada das caravelas até a atualidade, sovaram a argamassa social sobre a
qual o tempo moldou o brasileiro contemporâneo, esse que carrega em seus traços
amadurecidos ao longo de cinco séculos, as decorrências somadas da exploração, do
racismo, do preconceito, das violências, das lutas, das vitórias e dos fracassos,
sofrendo as consequências de apropriações indébitas que a História, por tradicional
eufemismo, prefere chamar de Conquista ou de Colonização. (RIBEIRO, 2010). (HALL,
2006). (NICOLAU NETTO, 2009).
Nossa ascendência euroafroameríndia legou-nos três ingredientes genéticos
que, por coerência, deveriam ser respeitados de maneira equânime; isso porém não
ocorre, havendo, ao contrário, uma valorização exacerbada da matriz europeia. Ao
mesmo tempo tem-se desvalorização acentuada do não menos importante componente
negro, como poderemos inferir ao final dessa leitura. O componente indígena, talvez
menos fácil de distinguir num rosto miscigenado, não sofre tanto esse tipo de
segregação; no caso destes a discriminação acontece por outra via: o desprezo
distanciado. De qualquer maneira, o “ser branco” é defendido socialmente como “ser
melhor” e tal estado de coisas, num país marcado pela miscigenação e pelo
sincretismo, gera consequência desastrosa: a intolerância, “maior inimiga da
humanidade em todos os tempos, e hoje mais que nunca”. (BARCELLOS,
1999).(BAGNO, 1999, p. 10). Traumas e recalques são comuns em sala de aula, com
um preço alto para alunos e alunas. (COQUEIRO, online).
Tudo isso nos conduz a um ponto de reflexão: a metodologia Kodály para
musicalização defende os valores folclóricos – também conhecidos por valores de
cultura popular – como os pilares de uma aprendizagem inicial. Mas se os valores
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indígenas e africanos, que representam pelo menos 2/3 de nossa bagagem cultural são
menosprezados, como lidar com o impasse? Como convencer os alunos a aprender
ijexás, praiás, cabulas, barraventos, etc., se, apesar de constituintes da música
brasileira, essas manifestações todas são de origem afroameríndias? E, por fim, como
acomodar o aprendizado musical entre os tentáculos onipresentes da globalização que
tende fortemente a uma norteamericanização do planeta? (ALVES,1988). Nas páginas
a seguir serão levantadas tentativas de respostas para tais interrogativas, com a
finalidade de fomentar a discussão desses parâmetros que tendem a se inter-relacionar
no próximo ano, em virtude do retorno da música à escola pública, de maneira geral.
Mas existe uma identidade nacional?
Não somos uma cultura, mas sim todas as culturas. (NICOLAU NETTO, 2009, p. 166).
Apesar de constantemente atacada, sim, existe uma identidade nacional. (Alves,
1988; 2004). (BAGNO, 1999). Diversos autores são unânimes em afirmar que as
particularidades dos muitos povos do mundo continuam não apenas os diferenciando
como também agregando-lhes valor. “Cada população parece ter seus lugares
bastante delimitados no imaginário coletivo.” (MENEZES, online, p. 10). A
idiossincrasia de uma cultura é representada por um conjunto específico de
significados. Ou seja, a nação extrapola o sentido meramente político, consolidando-se
como algo que produz sentidos, como “um sistema de representação cultural.” (HALL,
2006, p. 49). Darcy Ribeiro talvez esclareça melhor, com sua oportuna confissão de
pertencimento: “Pude sentir, no exílio, como é difícil para um brasileiro viver fora do
Brasil. Nosso país tem tanta seiva de singularidade que torna extremamente difícil
aceitar e desfrutar do convívio com outros povos. (RIBEIRO, 2010, p. 233).”
Numa linha de pensamento moderna, que se norteia pelos parâmetros da
globalização capitalista, há autores que preferem definir a identidade cultural como algo
que se situa no imaginário popular de cada nação. É o que se pode verificar nessa
afirmação de Hassan Zaoual: “(...) torna-se primordial o sentido que os atores atribuem
a seu próprio mundo. Na maioria das vezes, isto está implícito em seu sítio de
pertencimento, que, agindo como bússola, orienta os comportamentos individuais e
coletivos. (ZAOUAL, 2003, p. 30-31).”
Renato Ortiz defende que “o processo de construção da identidade nacional se
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fundamenta sempre numa interpretação.” (2006, p.139). De qualquer maneira, seja
qual for o viés, esses autores sempre falam de uma identidade. Esta não é posta em
dúvida, mas sua definição é ocasionalmente variável. Podemos dizer que a prova
contundente da existência de uma cultura tipicamente nacional é a consolidação de
uma língua vernácula (a princípio o nheengatu e depois o “português brasileiro”), além
de uma cultura homogênea traduzida por instituições culturais como, por exemplo, o
sistema educacional de nosso país. (RIBEIRO, 2010). (HALL, 2006). As identidades,
então, no contexto contemporâneo, seriam construídas dentro de um conceito de
globalização. (NICOLAU NETTO, 2009).
Stuart Hall, citando Ernest Renan, contribui com mais uma afirmação: “(…) três
coisas constituem o princípio espiritual da unidade de uma nação: “… a posse em
comum de um rico legado de memórias…, o desejo de viver em conjunto e a vontade
de perpetuar, de uma forma indivisiva, a herança que recebeu. “ (HALL, 2006, p. 58).
A linguagem de um povo é parte desse legado, e nos apresenta um bom recurso
de identificação. A influência africana no Brasil (e mesmo em Portugal), deixou suas
marcas no idioma, principalmente pela presença da ama negra na Casa Grande. É por
essa razão que desenvolvemos um vocabulário específico, a colorir as frases com
sílabas repetidas, quase poéticas, que permeiam o cotidiano nacional, especialmente
nas regiões do norte: “cacá, pipi, bumbum, tentém, neném, tatá, papá, papato, lili, mimi,
au-au, bambanho, cocô”. (FREYRE, 1992, p. 387). São termos coloquiais,
perfeitamente compreensíveis em qualquer parte do país, configurando uma unidade
vernácula.
Hoje pode-se dizer que o Brasil compõe-se de uma multietnia. Às matrizes
euroafroameríndias somaram-se outras como, por exemplo, as comunidades árabe e
oriental, que apresentam um contingente bastante representativo entre nós. (ARAÚJO,
internet). O grande sucesso, no exterior, das manifestações culturais com marcantes
elementos de nosso país, fornece-nos mais uma pista para compreensão do “ser
brasileiro”. (ALVES, 1988). Uma dessas “marcas nacionais é a música”, que passou a
símbolo identitário do país, enquanto nação, em meados dos século XX. (NICOLAU
NETTO, 2009). Mais especificamente:
A identidade nacional se traduz imediatamente no nacional-popular, que, segundo Marco Napolitano, se refere, no Brasil, àqueles tipos musicais formados entre os anos de 1920 e 1970 e que se ligam a uma idéia consagrada de brasilidade. A identidade mundial vai se realizar no campo cultural naquilo que Renato Ortiz chamou de internacional-popular. (Idem, p. 163).
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Zaoual sugere que atualmente são tantas as premissas a se considerar, que não
é possível definir esse ou aquele grupo de maneira simples. O ser humano é
historicamente uma entidade plural; no contexto contemporâneo tal pluralidade tem se
intensificado, por causa da formação de diversos grupos que, pertencendo a
comunidades com finalidades e características díspares, acabam dando origem a seres
de interesses múltiplos e não raras vezes conflitantes (2003). Tal parecer é
corroborado por Stuart Hall:
As realidades humanas são demasiado complexas para serem entendidas e, mais ainda, monitoradas a partir de um só e único modelo de pensamento e de conduta, daí os princípios e os conceitos sobre os quais está se construindo o paradigma dos sítios simbólicos de pertencimento(...). (HALL, 2006, p. 13).
A identidade nacional tem estreita ligação com a ressignificação da cultura,
realizada pelo próprio povo, bem como com a imagem que o Estado procura construir
(desse mesmo povo), divulgando-a em âmbito nacional ou internacional. (ORTIZ,
2006). Podemos dizer que “nenhum conhecimento do social pode ser totalmente
separado dos valores e das crenças que animam os fatos e gestos dos atores de um
dado lugar.” (ZAOUAL, 2003, p. 58).
Em resumo, todas essas opiniões, por vezes contraditórias, quando cruzadas,
atuam como um prisma, traduzindo as diversas nuanças desse primeiro tema proposto.
“É como a história dos sete sábios cegos com um elefante: para um, o elefante é uma
corda; para outro, uma árvore. “(CONNELLAN, 1998, p. 79). Mas, no fim das contas,
tem-se o elefante ou, no nosso caso, a constatação da identidade nacional. Para
finalizar esse primeiro tópico, pensando-se nos termos da irrefreável evolução humana,
frente às novas comunidades de pertencimento, poderíamos dizer o seguinte: “em vez
de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e
vê-la como um processo em andamento.” (HALL, 2006, p. 39).
A formação do povo brasileiro Para falar de identidade nacional, precisamos analisar a história de nosso povo
e assim compreender o que nos fez chegar ao que somos. Afinal, nosso modo de ser e
de agir é decorrência direta de nossas heranças genéticas e sociológicas. Diversos
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livros falam do brasileiro e de sua visão de mundo. Um deles, porém, chamou-me a
atenção, tanto pelo caráter de concisão quando de precisão, ao fornecer, em não
muitas palavras, um retrato que me pareceu bastante fiel ao que somos, ou melhor, ao
que nos tornamos. A autora é Júlia Falivene Alves e são para ela, agora, as aspas:
Como qualquer outro povo, o brasileiro também tem sua maneira característica de ser e viver, seu modo original de resolver problemas, estabelecer regras de convivência, transmitir valores, exprimir desejos, etc. Tem, enfim, sua própria cultura: a cultura brasileira. É ela que faz com que reconheçamos um outro brasileiro em qualquer lugar e brasileiros nos sintamos, mesmo entre pessoas ou em locais que não o são. Da mesma forma, por causa dessa cultura, constatamos facilmente quem é estrangeiro em nosso meio. Em outras palavras, temos uma identidade cultural. A cultura não é, porém, uma coisa imóvel, acabada, Como ela se faz na prática coletiva, está eternamente se transformando e criando novas possibilidades de ser. Quando falamos em cultura brasileira, não estamos nos limitando a pensar em coisas como samba, carnaval, feijoada, caipirinha e “jeitinho” para resolver problemas, pois são aspectos usados muito mais para compor sua caricatura, ou seja, a cultura brasileiro “tipo exportação”, para consumo dos turistas. Não estamos nos referindo também a algum modelo cristalizado, produzido pela síntese do encontro do português, africano e índio em nosso passado, mesmo porque esse encontro se produziu em momentos, espaços e situações diferentes durante o processo em que se formou nossa nação. Além disso, nesses dois últimos séculos, recebemos influências dos franceses e ingleses, dos imigrantes europeus, árabes e japoneses e mais recentemente dos “enlatados” norte-americanos. É natural que desses encontros e das convivências, resistências e dominações deles decorrentes tenham surgido formas de expressão cultural que interferiram no significado e no sentimento de brasilidade. Por ser o Brasil também uma “terra de contrastes” não temos igualmente, uma cultura homogênea em todo o território nacional. Por isso, como diz Renato Silveira, “não devemos, com o objetivo de nos defender da cultura enlatada estrangeira, levar a nossa própria cultura a um enlatamento geral, partindo de uma visão conservadora e de um modelo-padrão de nossa nacionalidade. (1988, p. 135-136).
Analisemos um pouco de nossa história. Cronologicamente, podemos pensar
que o primeiro mameluco nascido por aqui , filho de português com índia, não
encontrando afinidade nem nos parentes de sua mãe nem nos de seu pai, acabou se
transformando num novo substrato social: o sujeito brasileiro. Por sinal, 800 mil desses
mamelucos compuseram, organizaram e conduziram à independência a Argentina e,
de maneira semelhante ao que ocorre em nosso país, são até hoje discriminados, por
lá, pelo pejorativo cabecitas negras. No Brasil os mamelucos proliferaram “porque
passaram a constituir o cerne mesmo da nação e, somando uns 14 milhões juntamente
com os negros abrasileirados, puderam suportar a invasão gringa mantendo sua cara e
sua identidade.” (RIBEIRO, 2010, p. 99). (...) Nós surgimos, efetivamente, do
cruzamento de uns poucos brancos com multidões de mulheres índias e negras. (Idem,
p. 207). Estes passaram a ser o que Stuart Hall chama de pessoas pertencentes; ou
seja, por estarem simultaneamente ligados a dois (ou três) mundos, esses indivíduos
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não eram uma coisa nem outra, eram pessoas “traduzidas”, que perderam a “pureza”.
(2006).
Mas não foi um processo tranquilo. As marcas da colonização (e da
neocolonização) são evidentes até hoje. Por exemplo, a intolerância e o fanatismo da
Igreja que, para cá trouxe os tribunais da Inquisição, juntamente com a imposição dos
valores e princípios europeus criaram a ilusão de que sejamos, no Novo Mundo, “uma
extensão da história da Europa.” (BARCELLOS, 199, p. 7). E da Europa é que veio a
mão da ferocidade, alicerçada sobre os preceitos do catolicismo: é obra da Inquisição a
destruição de mais de mil tesouros incas. (Idem). Infelizmente “a história de nosso país
foi sempre analisada apenas sob o ponto de vista do dominador”. (ALVES, 1988, p.17).
Assim será necessária uma releitura de nosso passado, apesar dos poucos e esparsos
registros, a fim de procurar um ponto de vista menos parcial de análise. Afinal, segundo
a concepção europocêntrica, tudo se passou como se a dominação do branco fosse
essencialmente natural e todo legado índigena ou africano tivesse permanecido entre
nós devido a algum processo de “descuido” da história ou algo como um “vazamento
cultural acidental”. (ALVES, 1988, p.17).
E esse etnocentrismo europeu nos ensinou a arte de desprezar os índios,
classificando-os como “os outros”, “os primitivos” ou “o atraso ao desenvolvimento”,
justificando-se, assim, o etnocídio que, nesse caso, significou a morte de pelo menos
alguns milhões de indivíduos. (RIBEIRO, 2010).(ROCHA, 2006). Apesar disso e da
“invasão branca” no final do século XIX não se conseguiu eliminar nossa singularidade,
que tem como principais ingredientes, a criatividade do negro e a adaptabilidade do
indígena aos rigores da selva. (RIBEIRO, 2010). E muita coisa ruiu, enquanto a nação
brasileira ia se formando. Os resquícios das diversas nações indígenas se perderam
irremediavelmente. A cultura negra, no entanto, foi parcialmente preservada. Isso
talvez tenha acontecido porque os negros tinham seu aprendizado a partir dos
companheiros de senzala mais experientes e os indígenas a partir dos jesuítas, que
conseguiram, assim, “europeizar” mais estes que aqueles. (PINTO, 1999).
No final do século XIX alguns escritores se propuseram a descrever o que seria
a identidade nacional. Na busca por essa identidade acabaram criando personagens
míticos, destoantes da realidade, como é o caso no romance O Guarani, que ignora
completamente o elemento negro de nossa constituição, enquanto brasileiros. (ORTIZ,
2006).
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O romantismo de Gonçalves Dias e José de Alencar se preocupa mais em fabricar um modelo de índio civilizado, despido de suas características reais, do que apreendê-lo em sua concretude. Por outro lado, nada se tem a respeito das populações africanas; o período escravocrata é um longo silêncio sobre as etnias negras que povoam o Brasil (Id., 2006, p. 19).
Posteriormente, já no século XX, muitos intelectuais condenavam publicamente
o “empobrecimento” da raça por causa da miscigenação e pregavam a necessidade de
purificação pelos métodos mais esdrúxulos. Monteiro Lobato, apesar de seu
brilhantismo, literário, foi um dos que compraram esse tipo de ideia, chegando mesmo
a elogiar a seita norteamericana e racista denominada Ku-Klux-Klan. (NIGRI, 2011).
Gilberto Freyre surge, então, para oferecer não apenas um contraponto à
eugenia defendida por essa linha de raciocínio, mas também uma nova carteira de
identidade ao brasileiro, esta agora não apenas incluindo como também enaltecendo o
elementos díspares da miscigenação. (FREYRE, 1992).
O Brasil ainda é um grande desconhecido do povo brasileiro, mas essa é a
parcela do preço que pagamos por termos uma educação e comunicação dominadas.
Sofremos até hoje as consequências da colonização e da repressiva ditadura, nos
adaptando aos valores estrangeiros enquanto enterramos nossas raízes culturais no
ostracismo do esquecimento. (ALVES, 1988). (BAGNO, 1999).
Esse breve olhar sobre nosso passado histórico pode nos ajudar a compreender
certos comportamentos que adotamos em nosso cotidiano pátrio, além de revelar
detalhes interessantes do nosso próprio presente como, por exemplo, descobrir que
onde hoje é a praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, é o mesmo local onde se
assentava a aldeia de Uruçumirim, liderada pelo cacique Aimberê, exilada do futuro
pela voracidade colonialista. (BARCELLOS, 1999).
Apesar de estarmos no século XXI ainda nos vemos pelo filtro de olhos
estrangeiros. Para exemplificar o nível de neocolonialismo em que nos encontramos,
outorgando ao Uncle Sam o direcionamento de nossa cultura, de forma geral, Júlia
Falivene Alves criou um personagem representativo da classe média brasileira,
mantendo o vocabulário americanizado do cotidiano desse rapaz em sua grafia original
estrangeira. Aliás, no livro “A invasão cultural norteamericana” tal procedimento é
realizado de capa à capa. Então conheçamos Rogério, esse brasileiro moderno, “que
bebe coca-cola, fuma Hollywood, gosta de surf, rock, jeans, cybercafes, come no
McDonald’s, sonha com uma viagem ao Havaí.” Sua infância foi repleta de cartoons:
Tom e Jerry, Scoooby-Doo, o Pica-pau, os Flintstones e He-man. Lia gibis do Donald,
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do Mickey e, claro, dos X-man. Atualmente cursa Webdesign, assiste os clips da MTV.
Não gosta de piercing nem de tatuagem, pois ouviu dizer que num aproach com um
headhunter pode acabar perdendo uma oportunidade por causa desse tipo de look...
(ALVES, 2004).
Sim, nosso vocabulário está cada vez mais americanizado. E cada vez mais
imitamos o dominador, por não acreditarmos no nosso próprio valor. (ALVES, 1988).
Mas estamos nos descobrindo aos poucos, num movimento de resistência cultural que
vem acontecendo tanto aqui quanto também em outros lugares do mundo. (HALL,
2006). (GOLDBERG, 2002). Essa resistência tem modificado algumas manifestações
culturais. É o que relata Ribeiro, falando, entre feliz e indignado, do culto à Iemanjá,
que, no Rio de Janeiro, teve sua realização transferida paulatinamente para o fim de
ano, precisamente para 31 de dezembro:
Com isso aposentamos o velho e ridículo Papai Noel, barbado, comendo frutas europeias secas, arrastado num carro puxado por veados. Em seu lugar, surge, depois da Grécia, a primeira santa que fode. À Iemanjá não se vai pedir a cura do câncer ou da AIDS, pede-se um amante carinhoso e que o marido não bata tanto. (RIBEIRO, 2010. p. 241).
Para encerrar (e mesmo sintetizar) esse tópico, vejamos o que Ribeiro propõe, em termos de definição do povo brasileiro:
É certo que a colonização do Brasil se fez como esforço persistente, teimoso, de implantar aqui uma europeidade adaptada nesses trópicos e encarnada nessas mestiçagens. Mas esbarrou, sempre, com a resistência birrenta da natureza e com os caprichos da história, que nos fez a nós mesmos, apesar daqueles desígnios, tal qual somos, tão opostos a branquitudes e civilidades, tão interiorizadamente deseuropeus como desíndios e desafros. (RIBEIRO, 2010, p. 63).
A música como valor cultural
A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar. (Fernando Pessoa apud Fonseca, 1986, p. 87).
Diversas são as contribuições da música para um povo, sejam as de ordem
social, artística e mesmo neurológicas. Quanto maior a prática musical, menos chances
de se desenvolver problemas cognitivos comuns à chamada “terceira idade”. (FOLHA,
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online). A educação musical também ajuda a desenvolver “a capacidade de
concentração, os reflexos condicionados, o horizonte emocional e a cultura física.”
(ISZONYI, 1996, p. 18). Pelas palavras de Poliana Carvalho de Almeida “(…) um povo
educado musicalmente é capaz de julgar a obra de arte musical que lhe é apresentada
baseando-se em conceitos independentes de interesses mercadológicos. (ALMEIDA,
online, p. 63).”
A música também é ferramenta que auxilia o autoconhecimento de uma nação.
As canções tradicionais, por exemplo, carregam intrinsecamente o retrato de um povo,
localizando-o no tempo e no espaço, ou seja, essas canções revelam comportamentos
e características de determinados grupos sociais em locais e em épocas específicas.
“A arte traduz a visão de mundo de um povo numa determinada época.” (PINTO,
1999). É por essa razão que Zóltan Kodály citava frequentemente uma frase de Robert
Schumann para definir a música tradicional: “Somente os que estão acostumados a
cantar canções folclóricas podem de fato apreciar a forma de ser de outros povos.”
(ISZONYI, 1996, p. 36). Essas músicas carregam um sólido valor artístico que lhes
permitem resistir à erosão do tempo; é por essa razão que, segundo o pensamento
vigotskiano, não é recomendável (apesar da atual ditadura do “politicamente correto”)
“reformar” as letras de canções como Atirei o pau no gato e Boi da cara preta, porque
isso retira o valor independente das obras, restando, ao aluno, apenas o aspecto moral
do texto. (ALMEIDA, online, p. 80). Para dizer de outra forma, não é a adulteração de
uma obra artística que vai ajudar a eliminar o preconceito vigente; o preconceito só
pode ser vencido pela atitude e não pelo discurso. (FREIRE, 1999).
Temos outros problemas para gastarmos nosso tempo, como, por exemplo, no
combate à proliferação da música de massa, pulverizada pela mídia, pois “a falta de
acesso ao conhecimento musical, que possa permitir um fazer musical embasado na
reflexão, fazem com que a idéia (sic) de que música é para ser sentida, ouvida e
cantada, por conseguinte mais uma forma de diversão apenas, seja cada vez mais
difundida em nossa sociedade.”. (ALMEIDA, online, p. 62). A música, como veremos ao
longo de todo esse trabalho, é bem mais do que isso. Inclusive, a título de ilustração, e
para compreendermos quanto pode significar a música para uma nação, segundo
pesquisas do SEBRAE (Serviço brasileiro de apoio às micro e pequenas empresas), “a
grande visibilidade do Brasil no mundo é veiculada pela música”. (NICOLAU NETTO,
2009, p. 44).
Para resumir, frisando aqui a questão da cultura popular, podemos dizer que “as
canções tradicionais constituem uma verdadeira e completa unidade em si mesmas;
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uma união harmoniosa de palavras e música, e uma expressão espontânea do espírito
nacional”. (ISZONIY, 1996, p. 36).
Identidade nacional & globalização
O Brasil, quem USA sou EEUU”. (ALVES, 1988, p. 15).
O capitalismo tem fomentado o fracasso do desenvolvimento econômico nos
países do sul e a multiplicação das anomalias sociais e ambientais nos países
globalmente ricos. (ZAOUAL, 2003, p. 35). “No mundo capitalista, o lucro é o projeto e
o motor; o que é lucrativo é codificado e definido para crescer e o que resiste à
dominação é destruído.” (Idem, p. 38). Da mesma maneira que aconteceu aos índios,
passamos a nos adaptar ao estrangeiro, falando sua língua, adotando seus costumes,
“a fim de produzir e consumir, em primeiro lugar, o que lhes era mais favorável.”
(ALVES, 1988 p. 22). Para completar o quadro, existe no Brasil uma censura velada
que obstrui a divulgação de obras que não se alinhem “à ideologia e ao gosto médio do
público dominante.” (...) E o fato de sabermos dessa invasão cultural não diminui a sua
força. (Idem, 1988).
Enaltecemos o gigantismo dos norteamericanos e procuramos mesmo imitá-los,
até com certa ingenuidade. Vejamos como Carl Jung descrevia o percurso desse tipo
de comportamento:
(...) nossa admiração pelas grandes organizações diminui, no entanto, “quando tomamos consciência da outra face do prodígio: a tremenda acumulação e exacerbamento de tudo quanto é primitivo no homem, e a inevitável destruição da sua individualidade pelos interesses do monstro que toda a organização verdadeiramente é.” (CARVALHO, 1986, p. 72).
A invasão cultural que ainda permeia nosso cotidiano, historicamente, já dava
mostras de sua força no ano de 1853, pois “no final do século percebe-se o declínio
acentuado do nível dos folhetins com a invasão de histórias estrangeiras traduzidas, de
cunho melodramático e alienante.” (PINTO, 1999, p. 29). E ainda:
Como os Estados Unidos se tornam o maior comprador de café do Brasil, atrás da influência econômica verifica-se a influência cultural. Escolas norte-americanas começam a ser fundadas e o uso do inglês passou também a se difundir entre as elites brasileiras. (Id., p. 41).
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Alguns artistas mais atentos identificaram esses primórdios invasivos. É o que
se pode notar, já no século XX, nas músicas Não tem tradução e Chiclete com banana,
interpretadas por Noel Rosa e Jackson do Pandeiro, respectivamente, que são
exemplos de alerta da invasão cultural norte-americana. (ALVES, 1988).
Mesmo assim o projeto de dominação, devidamente articulado já em 1901,
continuou seu curso. É por isso que a partir de 1934, “profundamente influenciado pelo
cinema, o adolescente brasileiro passou também a absorver o American way of life
através dos mitos transmitidos pelas histórias em quadrinhos.” (PINTO, 1999, p. 52).
Além disso, o analfabetismo dominante (56,4% em 1940), viabilizou o grande sucesso
do rádio, iniciando-se assim nossa “padronização cultural”, via ondas eletromagnéticas,
com auxílio de uma artifício tipicamente capitalista: a venda de espaço para
propaganda. As transmissões se intensificaram, no Brasil, essencialmente a partir do
momento em que o rádio passou a ser financiado pela publicidade e não pelos ouvintes
(diretamente), tornando a música gratuita para estes. (NICOLAU NETTO, 2009, p. 13).
(PINTO, 1999).
Como se isso não bastasse, a rede Globo de televisão foi criada em 1962,
financiada pela empresa norteamericana Time-Warner, com verba irregular de 5
milhões de dólares e auxílio conivente tanto do governo Castelo Branco quanto do
Costa e Silva. (ALVES, 1988). O resultado alienante não tardou: “a TV nos
transformava em ‘dois Brasis’. E aquele em que a gente vivia não era igual àquele que
a gente televia. (Idem, p. 116). Passamos a sofrer quase o mesmo processo de
invasão, dominação e colonialismo cultural experimentado pelos índios de 1500. (Idem,
p. 21). Essa sequência de eventos colocou-nos exatamente na posição em que nos
encontramos agora: uma maioria de trabalhadores mal remunerados valorizando o
capitalismo do primeiro mundo que justamente nos conduziu a tal situação. (Idem). E a
ausência física desse novo colonizador nos dá uma falsa ideia de liberdade, uma vez
que a dominação é exercida pelo consumismo direcionado e não pela escravidão.
(ALVES, 2004).
Continuando essa análise cronológica, notamos que em 1964, com o golpe
militar, a situação piorou, principalmente para os artistas. Quando, algum tempo depois,
Gilberto Gil gravou Aquele abraço, fez questão de esclarecer sua postura, frente às
determinações racistas e neocolonizadas do governo, num desabafo de cidadão
excluído e exilado:
14
E que fique bem claro para os que cortaram minha onda e minha barba que Aquele Abraço não significa que eu tenha me ‘regenerado’, que eu tenha me tornado ‘bom crioulo puxador de samba’, como eles querem que sejam todos os negros que realmente ‘sabem qual é o seu lugar’. Eu não sei qual é o meu e não estou em lugar nenhum”. (GÓES, 1982, p. 6).
Como se pode notar, a depreciação de nossa matriz afrodescendente mantinha
seu viço discriminatório. Do final do século XX até os dias atuais, a valorização do que
é estrangeiro intensificou-se. Com o grande sucesso das novelas da rede Globo,
verifica-se, no Brasil uma homogeneização comportamental, com os brasileiros
passando a imitar a classe média norteamericana, representada pelos personagens
das “tramas televisivas”. (ALVES, 2004). A escolha da programação é baseada em
termos de audiência e isso tem causado depauperação dos argumentos, sendo que a
cultura popular, em geral, acompanha tal trajetória. (ARAÚJO, online).
Vivemos um retrocesso cultural que não perdoa qualquer instância que seja. No
campo da linguística, por exemplo, a discriminação é bem clara, como relata Marcos
Bagno, em diversos trechos de seu livro Preconceito linguístico: “As (multi) mídias
gastam energia para aniquilar a auto-estima linguística dos brasileiros.” (1999, p. 98).
Napoleão Mendes de Almeida foi o maior divulgador do preconceito linguístico no
Brasil, de maneira intransigente e intolerante, com uma postura de sólido preconceito
social. Tal postura se alinha à de Luiz Antonio Sacconi, que chama qualquer brasileiro
(morto ou vivo) de asno, com exceção dele próprio. (Id., p. 104).
São atitudes que reforçam a cultura do chamado “primeiro mundo”, ao mesmo
tempo que denigrem os valores nacionais, pois se valem do discurso tendencioso de
dizer que a língua portuguesa do Brasil é inferior à de Portugal. Mas nem todos
trabalham contra o povo. Para exemplificar citarei aqui, novamente , Gilberto Gil, por
sua atitude cidadã em fins do século XX:
Numa de suas apresentações para a periferia, da música I Just called to say I love you, o cantor, preocupado com a marginalização cultural brasileira, diante da língua inglesa, fez uma versão em português, para “aquela maioria que não entende a letra dessa música maravilhosa”. (ALVES, 1988, p. 110).
Gil é representante daquela classe de artistas que assume as próprias raízes
mas sem o ranço da xenofobia. Para se compreender um pouco melhor a preocupação
cantor, algumas informações podem ser interessantes a respeito dos diversos artifícios
15
utilizados pelos norte-americanos com a finalidade de consolidar a dominação.
Vejamos alguns exemplos:
Quando há confrontos entre países (mesmo imaginários), os norte-americanos (ou persoagens com eles identificados) sempre são os mais idealistas, humanitários e honestos e, portanto “os que têm razão”. (Alves, 1988,p. 126);
As multinacionais adotam nomes tão brasileiros que, às vezes, nem nos damos conta de sua origem. É o caso das Refinações de Milho Brasil, da Vidraria Santa Maria, da Rio Negro etc., que estão inclusive entre as cem maiores múltis com subsidiárias no Brasil. (Id., p. 56);
A indústria cultural brasileira está em grande parte nas mãos de multinacionais norte-americanas que atuam nessa área. Só para citar algumas daremos como exemplos a CBS, o grupo Time-Life, o Reader’s Digest, a Metro, a 20 th Century Fox, a McCan Erickson, a UPI e a ANSA, a RCA, a Walt Disney’s Productions e a Hanna Barbera. (Id., p. 19).
O processo libertário propalado pelo mercado mundial é, na verdade, bastante
concentrador de poder. (NICOLAU NETTO, 2009). No campo musical os números
comprovam essa afirmação: as majors detinham, em 2007, 71,6% do mercado
fonográfico, caracterizando, segundo os parâmetros de J. S. Brain, o oligopólio das
gravadoras. (Id.). E o iTunes, segundo declarações da própria Apple, chegou a
assumir o controle de 80% do mercado musical, via internet. Assim “é possível, então,
pensar em produtos musicais diferenciados, mas controlados por grandes empresas.”
(Id., p. 141). Par ser mais claro, “a internet é um espaço de acesso condicionado, e não
livre, como se propõe.” (Id., p. 155). É evidente então que, ao invés de se pensar em
uma fragmentação de poder, devemos pensar em uma nova forma de sua organização
e controle, na qual todas as mediações entre a criação da música e o público são
concentradas em poucos grupos empresariais. (Id., p. 161).
Por essas e tantas outras coisas é que qualquer estrangeiro recém-chegado ao
Brasil, por exemplo, identificaria claramente nossa condição de colônia cultural dos
Estados Unidos. (ALVES, 1988). Assim, percebemos por um lado a dominação cultural
norte-americana e, por outro (tomando aqui emprestado o discurso de Joel Zito Araújo),
que “o país na televisão, não só na telenovela, mas também no cinema, está preso a
uma estética que é uma estética do branqueamento. O Brasil tem muita vergonha do
seu componente racial, não branco, especialmente dos negros e dos índios; ou seja, o
Brasil tem dificuldade de se ver como uma sociedade multirracial. A única vez que
apareceu uma família negra de classe média numa novela, foi em “A próxima vítima”. E
teve boa aceitação, sinal que o espectador está se conscientizando.
16
Mas muitas mudanças ainda são necessárias: um menino na favela que vê
apenas louras em programas infantis acaba imaginando que sucesso é estar ao lado
de uma delas. Quando cresce adota justamente essa linha de pensamento e passa a
negar seu vínculo com suas origens, ao invés de tentar melhorar o ambiente de onde
veio. Isso por causa da mídia que divulga conceitos que inferiorizam o cidadão; a mídia
deveria começar a pensar em agregar valor a seus consumidores; deveria seguir o
exemplo do filme “Tainá, uma aventura na selva”, cuja trama circula em torno de uma
heroína indígena que ajuda um colega (branco) a sair de uma enrascada. O filme
proporciona esperanças a crianças indígenas de Belém ou Manaus, que passam a
sentir orgulho da própria etnia. (ARAÚJO, online).
Segundo o mesmo Joel Zito:
(...) a maior parte dos apresentadores de telejornal são brancos. (…) nós estamos negando aquilo que devia ser o nosso objeto de maior orgulho, que é exatamente o fato de a gente ser um país multirracial. (Id., online, p. 2). “No dia das mães: não se vê, na publicidade, nenhuma mãe negra recebendo presentes de filhos negros”. (Id., p. 4).
Ainda hoje, apesar de todo o discurso em contrário, o que se percebe é uma
profunda discriminação de nossas matrizes étnicas; um observador mais atento pode
notar que
a televisão é profundamente desrespeitosa com um componente racial não branco da população brasileira, em especial da maioria negra e indígena, porque ela não promove nada… Não mostra coisas positivas sobre índios e negros. (ARAÚJO, online, p. 4).
O etnocentrismo midiático se alinha ao capitalismo, consagrando uma sociedade
que não tolera a diferença. (ROCHA, 2006). Pode-se dizer que “a globalização propõe
o extermínio da diversidade cultural.” (ZAOUAL, 2003, p. 97). Mas acontece que o
mundo é a somatória de várias realidades e de vários pontos de vista, sendo o
capitalismo apenas um deles. Esse capitalismo consegue ser pródigo em algumas
áreas e desastroso em outras; talvez esteja chegando o momento de ele se
transformar em algo mais eficiente para a humanidade, algo que contemple a
diversidade cultural do planeta, afinal “quem poderá ignorar que o mundo é um grande
mestiço, a não ser aquele que nunca saiu de seu lugar, ainda que tenha viajado e
visitado outras regiões?” (ZAOUAL, 2003, p. 61).
17
E, falando em mestiço, qual seria a perspectiva do Brasil dentro desse campo
movediço que é o quadro atual das relações internacionais? Como bem podemos
observar, não existe consenso entre os grandes pensadores, com relação ao futuro (ou
presente) das questões identitárias. Talvez a resposta, então, seja cuidar da que
temos. Sempre haverá conquistadores dispostos a apropriar-se do que é nosso sem
maiores mesuras, como já aconteceu outrora e como continua acontecendo agora.
(ALVES, 2004). (RIBEIRO, 2010). Nossa dependência externa ainda é excessiva,
por isso todo o trabalho de resgate da nossa identidade cultural, assumindo, preservando e valorizando nossas características brasileiras, repercutirá positivamente em nossa luta para conduzir o país a um estágio de maior independência. (ALVES, 1988, p.8).
Curiosamente, algumas (e inusitadas) pessoas parecem já adaptadas a esse
mundo moderno e conseguem, por méritos próprios, tirar proveito simultâneo de
cultura autóctone, tecnologia e mundialização. É o caso por exemplo de um índio
entrevistado por David Mcloughlin, em Cruzeiro do Sul, no Acre. Ele informou à
Mcloughlin que as índias de sua aldeia costumavam ir até a floresta para ouvir o canto
dos ancestrais. Quando voltavam, ensinavam esses cantos a todos da aldeia que então
registravam a música num laptop McIntosh. Por esse motivo é que, para espanto de
Mcloughlin, o índio estava lhe oferecendo um CD da tribo, com encarte bilíngue e mais
uma versão remix dos cantos sagrados. (NICOLAU NETTO, 2009, p. 119).
Essa história pode nos ensinar duas coisas: que é possível usar os mecanismos
do primeiro mundo a favor dos valores locais e que a cultura local pode ter mais valor
do que muitos de nós imaginam, uma vez que desperta vivo interesse do “Primeiro
Mundo”. Isso é particularmente verdadeiro quando analisamos a seguinte história: Um
acadêmico de uma universidade do Texas, nos Estados Unidos aborda uma
pesquisadora que, durante 10 anos, recolheu material folclórico por todo o Brasil. O
acadêmico norteamericano justifica da seguinte maneira: “Eu quero ter acesso ao seu
trabalho, porque a música folclórica brasileira para crianças apresenta todos os
elementos musicais possíveis. Ou seja, quem toca essas músicas, tem subsídios pra
tocar qualquer coisa.” A pesquisadora (e professora) que, por sinal, se chama Lucilene
Silva negou o pedido. E ainda completou: “eu só disponibilizo material para quem
vivencia cada uma das manifestações culturais que registrei, além do que é material
que deve ser publicado por brasileiros, que conhecem o assunto com propriedade.”
18
O norteamericano, em poucas palavras, descreveu o que a maioria dos
brasileiros ainda não sabe: o relicário que Lucilene tinha em mãos. Por sinal, quando a
pesquisadora efetua seus registros, deixa espantados os informantes, geralmente de
pequenas comunidades no interior do Brasil: eles não imaginam que as canções
folclóricas, os cantos responsoriais, as cantigas de roda, os cantos de trabalho, etc.
possuam algum valor ou que alguém se interesse em registrá-los. Mas Lucilene, sim,
sabia de antemão o valor daquilo que reunira e assim, infelizmente (para o
estrangeiro), não liberou nem mesmo uma parlenda para ele. (SILVA, 2011).
Algo que também se pode dizer em relação às culturas frente a mundialização é
a questão do empréstimo de legitimidade. Dois exemplos disso são o maracatu e a
bossa nova, ao se vincularem à música eletrônica. Nesse caso o particular se mistura
ao universal, mundializando um fenômeno local. Ou seja, a popularidade consagrada
da música eletrônica é utilizada como estofo para legitimar dois valores artísticos
nacionais. (NICOLAU NETTO, 2009).
E aqui fechamos mais esse tópico, desta vez com uma pequena fantasia de
Jorge Kaszás, a respeito da hegemonia dos USA.: “(...) ofereço aos leitores o seguinte
exercício cerebral: imaginem o mundo sem feijoada carioca, gulach húngaro, pizza
napolitana; toda a população comendo no McDonald’s, de boné com a pala virada para
trás. (ISZONYI, 1999, p.8).”
A metodologia Kodály
Nós (como cientistas) devemos contentar-nos em ser os artífices menos dignos que descobrem e extraem das pedreiras aquele mármore em que, mais tarde, escultores habilidosos fazem aparecer figuras maravilhosas, escondidas sob os exteriores rudes e informes. (GALILEU apud MARICONDA, 1987, p 70.).
Kodály foi um educador musical húngaro e criador de um criterioso sistema de
ensino para musicalização de crianças. Seu método propõe que os especialistas
melhor qualificados é que devem ministrar as primeiras aulas para crianças; sua
filosofia de trabalho pode ser resumida numa frase: “Para os pequenos somente o
melhor”, seja em termos de pessoas, seja em termos de material pedagógico. Kodály
também defendia que qualquer indivíduo pode cantar, que cantar não é um privilégio
para poucos, sendo a voz o recurso mais acessível e recomendável para a
musicalização. A seguir alguns itens da proposta de musicalização desse educador :
19
• A canção e o movimento devem estar juntos nos jogos tradicionais;
• O exercício musical desenvolve outras habilidades que não
musicais, como as aptidões intelectuais e físicas, fazendo o
indivíduo mais útil dentro da sociedade;
• Só se deve acrescentar material estrangeiro ao ensino musical
depois que as crianças dominarem o repertório autóctone;
• A aprendizagem deve começar com jogos e brincadeiras e só
depois deve-se passar ao ensino musical formal, de maneira
gradativa. (ISZONYI, 1996);
• O temperamento, ou melhor, o semi-temperamento do piano não é
adequado para acompanhar precisa e corretamente o canto coral;
não deveria ser utilizado nem para dar o tom, nem como
acompanhamento. (Id., p. 16);
• A cultura musical deve ser iniciada nos jardins de infância, e tão
logo seja possível, em lugar de ser feita tardiamente na escola
secundária, como costuma acontecer. (Id., p. 22);
• A verdadeira base da cultura musical não consiste de modo algum
no aprendizado obrigatório de um instrumento, mas na prática do
canto. (Id., p. 17);
• A canção popular é a língua materna musical da criança; da
mesma forma que esta aprende a falar, deve aprender música
ainda pequena. (Id., p. 31);
• O tesouro de nossa música popular e da de outros países é o
material de estudo mais fácil e mais simples para o ensino da
melodia e do ritmo. (Id., p. 36).
A metodologia Kodály recomenda ainda que, ao contrário de se proceder a
musicalização por meio de instrumentos, como é comum na Alemanha, por exemplo, é
preferível fazê-lo por meio de melodias e canções. E caso se queira um bom músico
(quando é o caso) ao final, deve-se, durante o ensino, procurar o equilíbrio de forças
entre: percepção acurada, sensibilidade artística, cultura e destreza motora. Os
ensinamentos devem ser estruturados a partir da audição e não do intelecto, porque
20
dessa maneira os conhecimentos são absorvidos quase sem esforço, até o ponto que
seja possível ao aluno uma leitura à primeira vista.
A Hungria é um país que possui vasto repertório pentatônico, em sua cultura
popular; esse fator é determinante na metodologia kodaliana: as crianças iniciam o
aprendizado por esse tipo de canção e, só depois, são apresentadas à escala
diatônica. Tal procedimento sequencial é também uma recomendação da metodologia,
porque, caso contrário, “se as crianças aprendem primeiramente os modos maiores e
menores, acham depois a escala pentatônica estranha e incomum e, portanto, difícil de
ler.” (Id., p. 49).
Eis uma breve referência, bastante resumida, de qual deve ser o percurso musical
de um aluno, segundo a visão de mundo de Zóltan Kodály:
O aprendizado começa com os elementos rítmicos, depois o solfejo
relativo e, a seguir, escala pentatônica, tríade maior, tríade menor, pentacordes maiores e menores, hexacordes, escalas de sete graus com tônicas DÓ e LÁ (modos maiores e menores), intervalos justos, intervalos maiores e menores, modulações baseadas no solfejo, transição ao uso de nome de letras (sons absolutos), clave de SOL na segunda linha, escalas menores, intervalos aumentados e diminuídos, clave de FÁ na quarta linha, tríades diminuídas, tríades aumentadas, modos Dórico, Frígio, Mixolídio, Eólio e Lídio, inversões dos acordes, respostas tonais e reais, sequências, diferentes claves de Dó, acordes de sétima em posição fundamental e invertida. (Idem, p. 38).
A improvisação, limitada por um número fixo de pulsações (subdivididas ou não) e por uma tonalidade, cadência e ritmos dados, proporciona um modelo adequado para a imaginação do aluno e evita as melodias confusas. Se não se mantém a crianças nessa disciplina mental estrita desde muito pequena, é bem mais difícil explicar-lhe mais tarde a ordem correta das notas dentro de uma melodia e a lógica de uma estrutura formal. (Idem, p. 59)
Acreditamos que a música só adquire verdadeira importância acadêmica quando é estudada sob um ângulo intelectual e emotivo, e o material educativo/musical empregado na escola deve ser de fato consistente. Isso é aplicável não apenas no trabalho com os excepcionalmente dotados, mas também no das crianças em geral. (Idem, p. 82).
As implicações Segundo Jorge Kaszás,
a maior parcela da juventude, independente de seu patamar social, não pode levar a culpa pelo vazio cultural em que vive. Os milhões que formam essa massa exaltada não são obrigatoriamente devassos ou doidos, mas apenas vítimas de uma situação em que a mídia tem todas as facilidades de enfiar-lhes goela abaixo qualquer produto. (ISZONYI, p. 6).
Uma mulher, na cidade de Barueri, São Paulo, chega à escola com o filho.
Dirigindo-se à professora Maria Salete da Costa, ela diz: “Olha, se precisar pode bater,
21
ele não aprende, ele é burro; e eu também sou burra, eu também não aprendo”. A
professora, que me relatou pessoalmente essa história, ficou abismada com tal
comportamento. Mas não é um comportamento atípico. (SILVA, 2011). (BAGNO,
1999); Bagno apresenta uma explicação para, pelo menos, parte deste tipo de
problema: a negação do que somos é de tal modo naturalizada pelos meios de
comunicação que acaba chegando, como vimos anteriormente, a ridicularizar nosso
discurso cotidiano: as palavras e os recursos linguísticos que foram sendo consagrados
(por traduzirem nossas preferências comunicacionais), ao longo de meio milênio, são
simplesmente motivo de chacota por parte de pseudo-intelectuais da classe dominante.
(Id.). Antes de retornarmos aos quesitos estritamente musicais, vamos tentar
compreender como chegamos a esse estado de coisas em que a língua passou a ser
um instrumento de poder e de controle social, de exclusão cultural.
Bagno faz uma interessante comparação: para ele a língua é um rio caudaloso,
em movimento constante e irrefreável; já a gramática é um igarapé que, por sua
limitada capacidade de movimento, vez por outra precisa ser revolvido a fim de se
eliminar vícios parasitários. Para dizer de outro modo, os arcadismos gramaticais,
defendidos por uma elite que se proclama letrada, são usados como espinhos para ferir
o cerne de nossa autoestima, enquanto parcela iletrada da população. Mas o problema
é que essa parcela que, segundo eles, apresenta uma incompetência linguística inata,
representa a maioria absoluta dos brasileiros. (Idem). A elite preconceituosa é
composta pelas pessoas que detém o poder no Brasil e
não são (quando são) apenas falantes de variedades urbanas de prestígio, mas são sobretudo, em sua grande maioria, homens, brancos, heterossexuais, nascidos/criados na porção Sul-Sudeste do país ou oriundos das oligarquias feudais do Nordeste. (Id., p. 91).
Entre esses “ampliadores de preconceitos” podemos incluir Arnaldo Niskier (ex-
presidente da Academia Brasileira de Letras), André Gustavo Stumpf, Pasquale Cipro
Neto (o carismático “Professor Pasquale”), Josué Machado e Ulisses Infante, para
mencionar apenas alguns. Stumpf chegou mesmo ao disparate de afirmar que o
português é falado melhor em Portugal que no Brasil; Niskier, por sua vez , prefere
dizer que o português daqui é “um arremedo tosco da língua de Camões. Mas o que
talvez ele não saiba ainda é que muitíssimas realizações fonéticas perfeitamente
coerentes para os lusitanos, são completamente estranhas ao português brasileiro.
Pelo veredito desses “juízes linguísticos”, escritores como Rubem Braga, Carlos
22
Drummond de Andrade e Machado de Assis simplesmente não sabem escrever(!).
(Idem).
É o nosso eterno trauma de inferioridade, nosso desejo de nos aproximarmos, o máximo possível, do cultuado padrão “ideal”, que é a Europa. Todo santo dia tenho de ouvir alguém me dizer que prefere o inglês britânico, porque acha o inglês americano “muito feio”. (Id., p. 47).
O preconceito linguístico é decorrência de um preconceito social. (BAGNO,
1999). E esse preconceito social não fez apenas vítimas anônimas, ao longo da
história. É o que podemos constatar nesse pequeno fragmento sobre a vida do escritor
Lima Barreto:
Inteligente e esforçado, Lima Barreto tinha tudo para ser um excelente aluno, não fosse o preconceito racial que imperava na escola. Isolado, retraído, excluído da companhia dos colegas, seu único consolo eram as longas tardes de leitura na Biblioteca Nacional (…) Lima Barreto era perseguido pelo professor Licínio Cardoso, sofria constantes reprovações injustas e experimentava frontalmente a discriminação racial. Seu sentimento de revolta, suas atitudes pessimistas e seu complexo de inferioridade aumentavam. (1881-1922). (PRADO, 1988, p. 15).
Isso aconteceu em fins do século XIX, época em que se tentava o
“branqueamento do povo brasileiro”. Apesar de ter havido estímulo, por parte da elite,
para a importação de “peles mais claras”, a prodigiosa expansão dos brancos a partir
de 1880 no Brasil pode se dever à tendência de classificar como brancos aos bem-
sucedidos. (RIBEIRO, 2010). Ou seja, mestiços (ou negros) que quisessem ser
reconhecidos como cidadãos deviam negar veementemente sua matriz genética que
não fosse branca. Um exemplo típico disso é a declaração de Santa Rosa, artista
negro, a outro negro que tentava galgar melhores condições sociais: “Compreendo
perfeitamente o seu caso, meu caro. Eu também já fui negro”. (RIBEIRO, 2010, p. 207).
Lima Barreto, inafortunadamente, sofreu, durante seu período escolar, as
consequências dessa ditadura social. Para compreender a “lógica” dessa linha de
pensamento, vejamos o que diz Everardo Rocha: “Aqueles que são diferentes do grupo
do eu – os diversos “outros” deste mundo - por não poderem dizer algo de si mesmos,
acabam representados pela ótica etnocêntrica e segundo as dinâmicas ideológicas de
determinados momentos.” (ROCHA, 2006, p. 15). Ao que Waléria Menezes
complementa: “O estereótipo leva a uma ‘comodidade cognitiva’, pois não é preciso
pensar sobre a questão racial de modo crítico, uma vez que já existe um (pré) conceito
formado.” (MENEZES, online, p. 4). Nesse caso, o sujeito estigmatizado passa a ser
23
reconhecido não mais por sua individualidade, mas pela marca que lhe é particular, no
caso dos negros, a cor da pele que, obviamente, é evidente aos olhos de quem olha.
(Id., online).
Acompanhando o curso de nossa “história discriminatória” podemos observar
que em 1930 a grande maioria das gravações de músicas populares era realizada por
“não negros”. (NICOLAU NETTO, 2009, p. 68). A “negação da brasilidade” era tão
comum que mesmo um intelectual do nível de Monteiro Lobato foi contaminado pelo
conceito, como se pode notar na descrição a seguir, que se refere ao povo de
Salvador, ainda na primeira metade do século XX: “Mas que feio material humano
formiga entre tanta pedra velha! A massa popular é positivamente um resíduo, um
detrito biológico. Já a elite que brota como flor desse esterco tem todas as finuras
cortesãs das raças bem amadurecidas.” (NIGRI, 2011, p. 30). Contudo,
é tarde demais para condenar Lobato pelo crime intelectualmente imperdoável –
e hoje inafiançável juridicamente – do racismo. Ler suas cartas com a distância
dos anos proporciona uma reflexão: mesmo as mentes mais sólidas podem, em
determinados momentos, sofrer um amolecimento radical. (Idem, p.33).
Pensemos em mais um problema: São Paulo, atualmente, é a maior cidade
brasileira, em termos econômicos e populacionais. Por consequência, é o local de
maior produção acadêmica do país. Então surgem duas perguntas: serão os
paulistanos os mais indicados para estudar e analisar nossa história, em termos de
miscigenação? E haverá distanciamento crítico suficiente para tanto? Por exemplo,
segundo Leila Kiyomura, a Edusp (editora da Universidade de São Paulo) acabou de
lançar três livros com a pretensão de “traçar um perfil da população brasileira através
da trajetória dos imigrantes”. (KIYOMURA, 2011, p. 13). Os coordenadores das
publicações são Maria Luiza Tucci Carneiro, que é da USP, e Frederico Croci, da
Universidade de Gênova, na Itália. Os dois, a se notar pelos sobrenomes, tem
ascendência italiana, ou seja, de alguma maneira possuem ligação com aquele país. E
os três livros tratam da formação do povo brasileiro a partir do imigrante europeu.
Kiyomura ainda propõe: “A fábula das três raças, segundo a qual os três elementos
sociais – branco, negro e indígena – se fundiram para dar vida à identidade brasileira,
faz parte do imaginário coletivo e ainda precisa de muito investimento para ser
erradicada.” (Idem). Ora, não será esse novamente o ponto de vista europeizado,
analisando o que somos? Vejamos o que Ribeiro diz a esse respeito:
24
O que não aconteceu com o Brasil aconteceu em São Paulo, que se viu avassalado pela massa desproporcional de gringos que caiu sobre os paulistanos. Em 1950, os estrangeiros, principalmente italianos e seus descendentes, eram mais numerosos do que os paulistas antigos. A esse soterramento demográfico corresponde uma europeização da mentalidade e dos hábitos. (RIBEIRO, 2010, p. 367).
A informação é pertinente, porque a própria Maria Luiza Tucci Carneiro
questiona: “Quem não sabe que nos confins do Estado de São Paulo vivem cerca de 1
milhão de filhos da Itália?”. (KIYOMURA, 2011, p. 13). A pergunta que fica é a seguinte:
serão os descendentes desses imigrantes, nascidos em São Paulo, os mais indicados
para definir os contornos do que somos?
Não se pode negligenciar a importância desses estrangeiros, nas diversas áreas
do conhecimento humano, isso é verdade. Mas também não se pode esquecer que já
havia, por aqui, em meados do século XIX, o que então se conhecia como “indivíduo
brasileiro”: “Apenas 500 mil europeus ingressaram no Brasil, antes de 1850. ‘De seus
bagos viemos.”’ (RIBEIRO, 2010, p. 209). Além disso, segundo a mesma Kiyomura,
existe, ainda hoje, forte discriminação em relação aos descendentes desses imigrantes,
que também ajudaram a formar a nação brasileira. Nesse caso não estaríamos falando
novamente da negação do que somos?
A escola no Brasil do século XXI
O quilombo contemporâneo é a escola pública, para o bem e para o mal. Onde você pode ter a grande reação negra de autonomia de liberdade? É na escola pública! (DIMENSTEIN apud PESTANA, 2001, p. 65).
Apesar de nossa comprovada origem multiétnica ainda não conseguimos carpir
o joio de racismo que insiste em proliferar em campo pátrio, erva daninha que se
espalha também pelo ambiente escolar. Como agravante, podemos acrescentar nossa
já tradicional xenofilia e o ponto de vista freudiano, segundo o qual a educação, em
geral, sempre foi muito repressora, em decorrência de sermos uma civilização
exageradamente severa, repressora e neurótica. (ALVES, 2004). (COSTA, 2011).
(KUPFER, 1995). Mas há uma boa notícia para os oprimidos, porque sabe-se hoje,
cientificamente, que “a diferença genética – o último refúgio das ideologias racistas –
não pode ser usada para distinguir um povo do outro.” (HALL, 2006, p. 63).
Geralmente as manifestações do racismo e do preconceito, em nosso país,
ocorrem de maneira implícita, raramente aparecem em formas diretas, através de
25
hostilidades ou de defesa radical da idéia de inferioridade “natural” do negro. Esse
comportamento é fruto de um processo de construção ideológica camuflada pelo mito
da democracia racial que nega a existência de desigualdades raciais no Brasil.
(COQUEIRO, online). A mídia, em geral, é preconceituosa e discriminatória, e oferece
clichês comportamentais a seus espectadores. (ALVES, 2004). (ARAÚJO, online).
Somando-se a isso temos nossos próprios preconceitos herdados das gerações
anteriores. Não é difícil averiguar os resultados. Em Salvador, por exemplo, a partir das
informações da ANPPOM (Associação nacional de pós-graduação e pesquisa em
música), a respeito de musicalização nas escolas soteropolitanas, somos informados
que
os professores aprovam e mesmo estimulam a imitação dos gestos e requebros dos artistas televisivos. O repertório mistura canções ligadas às datas comemorativas e rotinas escolares, com forte apelo prescritivo, moralista e cívico, sinalizando um consumo acrítico da arte musical. (ANPPOM, online, p.11).
Como agravante
a criança negra poderá ser submetida a uma violência simbólica, manifestada pela ausência da figura do negro no contexto escolar, ou pela linguagem verbal – insultos e piadas – proveniente do seu grupo social, demonstrando de modo explícito o desrespeito dirigido a essa população, aprendido muito cedo pelas crianças brancas. (MENEZES, online, p. 10).
A doutrinação midiática, trabalhando juntamente com o comportamento
discriminatório dos professores e dos colegas na escola, tende a gerar uma angústia
paralisante que impedirá o desenvolvimento dos talentos e das habilidades do aluno
“não branco”, condenando esse futuro cidadão a uma posição social de segunda
categoria, quando muito. (MENEZES, online, p. 9).
Podemos pensar, então, que essas crianças são vítimas de uma força
manipuladora, da qual não tem consciência e nem como se desvencilhar, pois são
constantemente forçadas em direção à alienação. Isso é lamentável justamente
porque, como nos informa Gilberto Dimenstein:
a educação é o grande movimento abolicionista contemporâneo. É ela que garante a autonomia das pessoas, não existe forma mais grave de escravidão que a da ignorância. E quanto mais vulnerável é o grupo – e os negros têm uma vulnerabilidade histórica – mais essa questão se torna vital. (MAIO, 2011, p. 62).
Mas existe outra complicação: o comportamento segregacionista do Estado,
que, pela força do exemplo, tende a contaminar todo o composto hierárquico do
ambiente escolar, nas relações entre alunos e professores, entre professores e
26
professores, entre professores e direção, etc., reforçando a negação das nossas
matrizes culturais, por suposta inferioridade. (COSTA, 2011). O Brasil, por exemplo,
colocou apenas duas perguntas voltadas aos indígenas no censo de 2010.
(AMENDOLA, 2011, p. 6).
Essa ideia disseminada pelos colonizadores de inferioridade intelectual do negro
e do índio é um conceito tão absurdo quanto naturalizado. A História mostra justamente
o contrário. Por exemplo, durante a colonização, as técnicas de adobe, taipa, urupema
são de origem africana, bem como as técnicas de produção de açúcar, utilizadas desde
o século XVI pelos colonizadores; os teares usados até hoje no Nordeste brasileiro são
idênticos aos antigos teares africanos. Outro pormenor: o poema Navio Negreiro, de
Castro Alves, por exemplo, há um equívoco, pois: para cá não vieram homens nus; a
manufatura têxtil, no século XVI, já era velha conhecida da África. (CUNHA JUNIOR,
2010). Mas as classes dominantes, e aqui pode-se incluir a classe média, reforçam
esses preconceito, eis que não agem coerentemente com o discurso que adotam.
(ALVES, 2004). Assim, de novo vemos que bom é justamente o que se afasta de
nossas matrizes indígenas e negras, particularmente dessa segunda. O peso das
consequências psicológicas se apresenta, e principalmente sobre as crianças:
Para Vigotsky (1984), o psiquismo humano existe por uma apropriação dos modos e códigos sociais. Com a internalização, a criança vai tornando sua o que é compartilhado pela cultura; o discurso social passa a ter um sentido individual. Mas os referenciais externos dos negros são dilacerantes. A mensagem transmitida é que, para o negro existir, ele tem de ser branco, ou seja, para se afirmar como pessoa precisa negar o seu corpo e sua cultura, enfim, sua etnicidade. O resultado dessa penalização é o desvirtuamento da identidade individual e coletiva, havendo um silenciamento do preconceito por parte da criança e do cidadão ao longo da vida. (MENEZES, online, p. 9).
Na vida adulta esse “não branco” encontra outras barreiras:
“quanto maior o nível hierárquico, menor é a presença de negros; em cargos de diretoria, são só 5,3%.” A educação qualifica o negro, mas ainda é preciso vencer preconceitos. “Ainda tem muita gente de recursos humanos que contrata pela boa aparência, o que, para eles, quer dizer ‘branco de cabelo liso’”, diz Rodrigues. A gente vê isso aqui. Fechamos essas parcerias com os presidentes. Mas, quando vem alguém de RH fazer a seleção, à vezes a pessoa faz perguntas estranhas. Você vê que ela não sabe nem como abordar os alunos negros. (BARBOSA, 2011, p. B9).
Além disso, a situação (raramente justa) para estes desprestigiados cidadãos de
segunda categoria, piora de região para região, como relata Maurício Pestana: “No
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mapa da violência, a região mais perigosa para um negro viver é o Nordeste, e o
estado mais perigoso é a Paraíba, onde para cada jovem branco morto morrem 20
negros.” (PESTANA, 2011, p.8).
Eis, aproximadamente, a situação de negro, atualmente, no Brasil. É a ele que é
direcionada uma grande parte do segregacionismo que a mídia demagogicamente
afirma inexistir. Juntando-se isso ao preconceito linguístico do qual a maioria dos
brasileiros é vítima, e teremos os dois primeiros pilares para sustentar a negação de
nós mesmos. O terceiro pilar é a xenofilia. E pronto: são três bons motivos para não
sermos brasileiros. (BAGNO, 1999) . (ALVES, 2004) . (COQUEIRO, online) .
(RIBEIRO, 2010) . Nesse ambiente social inóspito, “(...) muitos se adaptam,
incapacitados de reagir, amordaçados pela internalização maciça dos padrões
dominantes.” É um jogo de forças, no qual o negro sempre está em desvantagem.
(MENEZES, online, p. 10). E para desequilibrar ainda mais os pratos da balança,
podemos contar com a iniciativa internacional que, para abrir seu mercado, cobra uma
“adaptação identitária” daquele que não se alinhe a conceitos estéticos pré-
determinados. É o que relata Michel Nicolau Netto (2009, p.195):
a cultura internacional-popular é dominada por criadores europeus e norte-americanos, como se percebe facilmente. (…) quando falamos do jazz nos Estados Unidos, a indústria cultural estabelecida inclui os negros no processo de criação e produção, mas os condiciona a espaços específicos, geralmente relacionados ao que consideram os espaços para a música negra. Assim, ainda hoje, o negro não possui, na mesma proporção dos brancos, condições de circulação identitária no mercado mundial de música. Agora, a alguns outros povos, o estigma é maior, o que leva a uma grande dificuldade de inserção neste mercado por suas identidades. É por isso, por exemplo, que vemos tantos cantores de rock japoneses que mudam a cor do cabelo, buscam diminuir a base de lápis a curvatura dos olhos, etc., buscando parecerem mais ocidentais. (NICOLAU NETTO, 2009, p. 195).
Esse é o cenário que temos à disposição, em 2012, para implantar, na rede
educacional pública, a musicalização. Não será um caminho suave, porque diversos
mecanismos trabalham contra a aprendizagem inclusiva, como é o caso, por exemplo
dos programas televisivos: devido ao grande sucesso da série Vila Sésamo, na década
de 1970, muitos programas para crianças adotam, ainda hoje, aquele formato, com
enredos “sempre centrados nos adultos, em detrimento das crianças, que “tanto no
vídeo como em casa, permanecem passivas, na maior parte do tempo, como simples
espectadoras”. (ALVES, 1988, p. 125). Nossas garotinhas brincam com bonecas loiras
dos olhos azuis, representando as baby-faces norteamericanas, sendo, dessas, Barbie
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a mais popular. (Idem). A imprensa, por sua vez, de forma geral, além de publicar
monumentais besteiras linguísticas, ainda deixa à mostra sua inspiração
neocolonialista, repleta de incoerências. (BAGNO, 1999).
E já que, como diz Gilberto Dimenstein, “o grande papel da educação” é gerar
seres autônomos e não indivíduos que saibam matemática, química e física, pessoas
que saibam o que querem da vida (MAIO, 2011, p. 65), não seria má ideia discutir
essas implicações que afetam diretamente o ensino e, particularmente a música que,
apesar da fragilidade inerente ao seu retorno incipiente, pode, talvez, operar como uma
ferramenta para proceder a diminuição do “complexo de inferioridade, o sentimento de
sermos até hoje uma colônia dependente de um país mais antigo e mais ‘civilizado’.”
(BAGNO, 1999, p.36).
Para finalizar mais esse tópico, abro espaço para dois pensadores brasileiros,
num convite à reflexão. O primeiro é Darcy Ribeiro, oferecendo uma definição do que
nos tornamos, enquanto sociedade. O segundo é de Marcos Bagno, em carta que
dirigiu à Folha de São Paulo, falando especificamente de preconceito linguístico. Com
eles, a palavra:
Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria. A mais temível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. (RIBEIRO, 2010, p. 108).
É uma pena que não possamos contar com a ajuda dos meios de comunicação para dissipar todos esses mitos e preconceitos, que impedem a formação, no Brasil em particular, de uma auto-estima linguística, uma vez que tudo o que os brasileiros ouvem e lêem são os mesmos chavões, repetidos há séculos, de que “brasileiro não sabe português” e que a língua que falamos é “português estropiado”. (O pesquisador canadense Christophe Hopper localizou lamúrias e queixas sobre a “ruína” e a “decadência” do francês em textos publicados em 1933, 1905, 1730 e 1689, o que prova a antiguidade desse discurso alarmista e preconceituoso sobre o fenômeno da mudança das línguas ao longo do tempo!). (BAGNO, 1999, p. 197-198).
Como ocorre com muitos outros fenômenos sociais, é impossível oferecer
afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros(…). (HALL, 2006, p. 8).
29
Precisamos ir tateando, confrontando informações e reavaliando-nos constantemente.
“É como a história dos sete sábios cegos com um elefante: para um, o elefante é uma
corda; para outro, uma árvore. (CONNELLAN, 1998, p. 79). .” Ou seja, diversos pontos
de vista, quando organizados, esclarecem mais eficientemente um enigma. Também é
interessante observar que o homem do século XXI vive em “sociedades de mudança
constante, rápida e permanente.” (HALL, 2006, p. 14). De qualquer maneira uma coisa
parece certa: não se pode simplesmente aceitar o que nos é imposto sem uma
reflexão. Talvez precisemos praticar a indignação ativa, como exemplifica Bagno,
mencionando um conceito infeliz levado ao ar pela rede Globo: “Se o Nordeste é pobre,
a língua de lá também é pobre”. Ora, faça-me o favor, Rede Globo! (BAGNO, 1999, p.
61). E o mesmo Bagno completa:
É preciso sempre desconfiar da “psicologização” dos problemas pedagógicos, evitar atribuir ao indivíduo algum tipo de “deficiência” particular, quando a deficiência se encontra, de fato, nos pressupostos teóricos e metodológicos da pedagogia tradicional, profundamente impregnados de seculares preconceitos sociais. (p. 33).
. Aproveitando o ensejo, falemos um pouco mais da língua, essa nossa principal
fonte de comunicação e, exatamente por isso, de vital importância para o
funcionamento da nação.
A língua, historicamente, serviu de instrumento de dominação a diversas
instâncias: aos interesses religiosos da Índia, à Igreja católica (até a reforma
protestante) e aos burocratas da China (até o século XX). Então não é difícil imaginar
que os resquícios desse tipo de estratégia, cristalizada, aqui, por colonizadores e neo-
colonizadores, ainda se encontram no linguajar que usamos. Isso também é um
problema a se considerar, já que no espaço popular a letra, ou seja, o texto verbal é de
vital importância para as canções. Assim, vale a pena nos determos um pouco mais
nessa questão, amparados pela ótica de Bagno.
Segundo ele, a discriminação social começa já no texto da Constituição, cujo
linguajar não é compreensível pela maior parte da população. Há, por outro lado, na
sociedade, uma valorização inaceitável da norma culta (que ninguém consegue usar,
dada sua desvinculação da realidade), de onde se infere que tal norma não é culta mas
sim cultuada, porque, no fim das contas, gramática normativa é um instrumento de
dominação por parte dos letrados sobre os iletrados. Uma criança de 5-6 anos já
domina a gramática de sua língua-mãe e não pronunciará, por exemplo, “Uma meninos
chegou aqui amanhã”, o que poderia ocorrer a um estrangeiro adulto que estivesse
30
aprendendo nosso idioma. (BAGNO, 1999 p. 52). Além disso o “enaltecido” (por muita
gente da mídia) português falado em Portugal é de difícil compreensão para brasileiros;
por isso os filmes lusitanos são bem desconhecidos, por aqui. Quando surge algum,
precisa estar devidamente legendado. E, por fim, condenar a linguagem oral do
brasileiro é o mais encardido preconceito, porque, afinal de contas, erro comum não é
erro, ele já ficou comum. Se o certo é incomum, então o certo está mal adaptado ao
idioma. (Id., 1999).
Assim vamos compreendendo que são muitos os elementos que compõem
nossa discriminação histórica, direcionada a negros, mamelucos, cafuzos, indígenas e
a tudo que não representa o mítico e pouco científico conceito de “eugenia”. Toda essa
carga social pesa sobre os ombros daqueles que tem uma tonalidade um pouco mais
trigueira ou um cabelo, digamos, ruim. Diante disso, no ambiente escolar, conflitos
internos ao aluno são, consequentemente inevitáveis e nem sempre fáceis de
solucionar. (MENEZES, online). (ALMEIDA, online). A esse respeito podemos pensar
numa linha de ação como a seguinte:
o que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando a coragem. (FREIRE, 1999, p. 51).
Em outras palavras, “só pode ser pedagogo aquele que se encontrar capacitado
para penetrar na alma infantil.” (KUPFER, 1995, p. 48). No caso específico da música
temos sido bombardeados por tudo que represente lucratividade aos interesses
estrangeiros, particularmente dos norteamericanos. Precisamos, por isso, estar atentos
porque às vezes eles nos oferecem ouro mas muitas vezes o que vem é pirita. (ALVES,
2004). (BAGNO, 1999).
Villa-Lobos, nosso maior expoente musical, já defendia que “o ensino de música
nas escolas fazia parte de uma educação cidadã de crianças e jovens. Era necessário
que os jovens soubessem cantar e conhecer a música e o folclore de seu país. Era
uma questão de cidadania e identidade.” (TAVARES, online). De maneira similar,
Zoltán Kodály dizia que “o processo de ensinar o público em geral a apreciar sua
própria música tradicional e artística só pode ser iniciado na escola.” (ISZONYI,1996, p.
76). No entanto, não adianta falar em educar para os meios e referir-se somente às
crianças, os professores precisam também ser educados para e com a mídia (...).
(ANPPOM, online, p.13).
Kodály dizia que a primeira coisa que elas (as crianças) tinham de aprender
31
eram as canções tradicionais de sua própria região, da mesma maneira que
aprendiam o seu idioma antes de qualquer outro. Só depois de haver assimilado
realmente essas canções (e de poder ler e escrever música) elas deveriam se voltar
para a música de outros países. (ISZONYI, 1996).
Mas que canções tradicionais? Que valores culturais de nós mesmos nós
conhecemos? O cuidado com que, durante algumas décadas, a “História Oficial”
tratou de nos ocultar o processo de invasão do país pelas empresas multinacionais, e,
mais tarde, pelas transnacionais, sobretudo norteamericanas, atesta a identificação da
classe dominante com os interesses internacionais e a sua responsabilidade pelo
atrofiamento de nossa própria identidade cultural. (ALVES, 2004, p. 13). Então, o que
fazer? Henrique Suguri, um garoto de 17 anos, arriscou uma sugestão, na virada do
milênio:
O Brasil hoje não é europeu, africano, asiático, indígena. Nós somos a mistura
exata de tudo isso, completamente diferentes das nossas origens, únicos. E
apesar disso estamos indiscutivelmente atrelados aos princípios da nossa
matriz. Talvez o ano 2000 possa servir para abrirmos os olhos e, em vez de
comemorarmos os nossos cinco séculos coloniais, enterrarmos o que sobrou
deles. (BAGNO, 1999, p. 44).
O que acontecerá com a cultura brasileira, se até agora ainda estamos
construindo nossa própria identidade cultural? (ALVES, 1988, p. 11). Além do que
temos preferido, e não apenas no campo musical, o que é estrangeiro, em detrimento
do que é nacional. Há exceções, é claro, mas a regra tem sido essa, desde que o
primeiro mameluco foi ensinado a enxergar o branco como forma única de
grandiosidade. (RIBEIRO, 2004; ALVES, 1988). Não se trata, aqui, de xenofobia, mas
sim de critério: muita coisa importada é de excelente qualidade, e mesmo
imprescindível mas, por outro lado, não se pode adotar a xenofilia e a alienação como
parâmetros de ensino. Nem se pode ignorar o fenômeno da globalização e as suas
várias crias (empresas multinacionais, redes sociais virtuais, computadores, filmes,
animações, etc.), mas também abrir mão dos valores culturais brasileiros não parece
um bom negócio nesse mundo capitalista porque, afinal de contas, tais valores são
geradores de divisas, para dizer o mínimo.
32
Considerações finais “Docendo discimus…”, ensinando aprendemos, ou aprendemos ensinando… (ISZONYI,1996, p. 73).
Como vimos, um povo é tanto mais valorizado quanto mais impõe suas marcas
nos produtos que oferece ao mundo. Kodály sempre insistiu na construção simbólica
do cidadão a partir dos elementos folclóricos, ou seja a partir de elementos culturais
autóctones. O norteamericano Tom Connellan afirma justamente que é preciso estar
atento para “a importância daquilo que não enxergamos”. (Connelan, 1998, p. 60). Os
costumes dos U.S.A. andam bem próximos de nós e isso nos tem levado a um
fenômeno de paralaxe que, enquanto distorce a visão que temos de nós mesmos, nos
fornece, simultaneamente, um reflexo de nossa identidade pela ótica do invasor
cultural. Talvez fosse bom quebrar esse espelho social ou, pelo menos, entender que
ali o que existe é um reflexo e não necessariamente o “ser brasileiro”... Os
estrangeirismos instalaram-se tão estreitamente que muitas vezes não nos
apercebemos de sua existência, seja nas roupas que vestimos, nos carros que
compramos, no comportamento “classe-mediano americanizado” que as novelas nos
passam, no vocabulário que usamos, etc. (ALVES, 1988).
O processo de dominação pode despertar um sentimento de inferioridade e
autodesprezo e, consequentemente, o desejo de ser diferente do que somos, porque
ser bom é macaquear o invasor. Mas o povo que resiste ao domínio, contrapondo a
própria identidade cultural ao invasor, pode acabar usufruindo da junção das
qualidades externas somadas às internas. (Id.).
O comportamento alienado soa como uma negação dos valores que
construímos nos últimos 511 anos, valores estes frutos diretos da somatória das
diversas culturas que aqui se amalgamaram. Negros, ameríndios, europeus, asiáticos e
árabes imprimiram suas particularidades no seio do Brasil, cristalizando tradições e
enriquecendo culturalmente a antiga “Ilha de Vera Cruz”. A diversidade cultural
resultante é gigantesca. Aqui, então, cabe uma pergunta: será mais vantajoso trocar
todo esse relicário cultural pelos valores apenas norteamericanos? Será que ainda
precisaremos de mais 511 anos para reforçar os contornos da nossa identidade, para
conseguir enxergar e compreender aquilo que somos? A resposta, que me parece um
misto de esperança e bom senso, talvez seja a que me forneceu o percussionista e
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professor Ari Colares, em entrevista através de interessante produto norteamericano,
que é a rede social virtual Facebook. Eis o que Colares tem a dizer:
Eu acho que não é preciso brigar, acho que de todas as correntes, uma é a que defende os valores nacionais; e não para ser purista, mas sim para que haja equilíbrio de influências. As coisas mudam de significado: um ijexá num candomblé tem função diferente de um tocado numa banda de MPB. Não tem que ser igual, não precisa, digo. O importante é que faça sentido pra você, pela expressão musical se ressignificando: cada pessoa buscando sua identidade, a partir de todas as influências tanto de dentro quanto de fora. Nesse particular, a do candomblé também pode ser considerada “de fora”, se vem de um contexto que não é o da pessoa. (SILVA, 2011).
Ou seja, o que Colares propõe se alinha perfeitamente ao que se buscou
levantar nesse texto: o consumo dos valores internacionais, sim, mas sempre
passando pelo senso crítico, ou seja, um consumo consciente que não relegue os
valores nacionais e nossas matrizes afro-ameríndias já suficientemente maltratadas, a
um plano secundário. Porque é a partir dessa somatória (do melhor de fora com o
melhor de dentro) que deveríamos nortear o ensino de nossas crianças em todas as
áreas do saber, mas mais particularmente na musicalização, uma vez que essa já se
aproximava do “jubileu de ouro do esquecimento” na rede pública de nosso país.
É um percurso incipiente, uma vez que essa lacuna na educação só vai começar
a ser preenchida, efetivamente, a partir de 2012, já que a lei mencionado no início
desse texto só passa a vigorar em agosto do ano corrente. Assim, por enquanto, o que
se pode fazer é uma projeção da consequências de determinada linha de
comportamento para o ensino, orientando-nos pelo que já acontece nas outras
disciplinas, principalmente a de Artes. Mas uma coisa se pode depreender claramente
do cruzamento de informações que vimos até aqui: não faz sentido construir cidadãos
que menosprezem sua argamassa cultural e genética. Ou para usar as palavras de
Joel Zito Araújo, “você não pode discutir cidadania se o país não tiver orgulho da sua
composição multiétnica.” (ARAÚJO, ONLINE, p. 1). É sabido que nesse tipo de
situação a auto-estima atrofia-se perigosamente, neutralizando o aprendizado. Então,
sobre este particular, parece haver bom senso no discurso de Waléria Menezes,
quando ela diz que “ a escola tanto pode ser um espaço de disseminação quanto um
meio eficaz de prevenção e diminuição do preconceito.” (online, p. 2).
O ambiente musical público precisa se tornar um espaço acolhedor porque
34
em todos os lugares, cada vez mais, as pessoas sentem a necessidade de crer e de se inserir em locais de pertencimento. (ZAOUAL, 2003, p. 21). Toda cidade ou qualquer localidade, apesar de uma identidade coletiva própria, contêm uma diversidade endógena de sítios cujas caracaterísticas decorrem do fato de pertencer a classes, grupos, redes, bairros, situações sociais, microculturas, religiões, etc. (Idem, p. 16).
E aqui cabe um pequeno alerta:
O cotidiano escolar pode demonstrar a (re)apresentação de imagens caricatas de crianças negras em cartazes ou textos didáticos, assim como os métodos e currículos aplicados, que parecem em parte atender ao padrão dominante, já que neles percebemos a falta de visibilidade e reconhecimento dos conteúdos que envolvem a questão negra. (MENEZES, online, p. 2).
Para combater tal anomalia vai ser preciso reconstruir alguns paradigmas. Além
de referenciais positivos afrodescendentes, “nós precisamos de histórias, de famílias
de garotos indígenas que tenham um herói indígena”. (ARAÚJO, online, p. 6).
Mas isso só será possível quando todos os envolvidos no processo de ensino
adotarem uma postura de respeito à diversidade, viabilizando a livre expressão
daqueles que ainda se sentem inseguros numa sociedade historicamente
discriminatória como a nossa. Afinal de contas, “isso é que é educar: dar voz ao outro,
reconhecer seu direito à palavra, encorajá-lo a manifestar-se...” (BAGNO, 1999, p.
163). Ou então “a população negra [bem como a indígena] poderá acabar por
negligenciar a sua tradição cultural em prol de uma postura de embranquecimento que
lhe foi imposta como ideal de realização”. (MENEZES, online, p. 11). Isso seria
lamentável, pois é patente a riqueza cultural e tecnológica que herdamos dos africanos
e dos ameríndios. (CUNHA JUNIOR,2010). (BARCELLOS, 1999).
Por outro lado poderíamos deixar as coisas como estão e colher os frutos cada
vez mais atrofiados nesses hectares educacionais brasileiros. Afinal “A maneira mais
garantida de evitar erros é essa: nunca tentar coisas novas.” (CONNELLAN, 1998, p.
95). Mas isto seria um destino medíocre para cinco séculos de história sofrida. Parece
mais coerente começar a conhecer essa figura ímpar no planeta que ainda não se
descobriu, enquanto valor identitário: o brasileiro em formação. E para ajudá-lo nessa
tarefa, cabe ao professor despertar-lhe o senso crítico para que ele mesmo decida
quem pretenda ser, nesse mundo globalizado.
A música está ressurgindo no horizonte didático como uma excelente
possibilidade para tal propósito. Já dizia Karl Marx: “os homens fazem a história, mas
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apenas sob as condições que lhes são dadas.” (HALL 2006, p. 34). Então por que não
começar por conhecer a nossa cultura musical popular, esse excelente caminho em
direção a nós mesmos?
Mais do que uma “linguagem universal”, a Música é um “dado de cultura” (Humberto Eco) que, embora se origine e se desenvolva na esfera dos sentimentos, das emoções, do gosto pessoal, das sensibilidades particularizadas e das subjetividades (Fenomenologia), tem também uma objetividade, uma concretude cujas raízes se fecundam no ambiente natural, histórico e social de um povo. Procuramos mostrar como a música popular brasileira, bem ou menos bem, é um dado de cultura do qual a escola se deve valer, se se pode entender que a Educação não deve pretender operacionalizar ou manipular conteúdos “não-significativos” para os alunos, em Iniciação Musical; isso porque ela, a Educação se sente intimada a responder às exigências de uma “civilização musical historicamente determinada”. (BRESSAN, 1989, p. 9).
A negligência em relação às nossas matrizes históricas viceja há um longo
tempo. Os conflitos sociais resultantes podem ser apreciados diariamente nas diversas
mídias disponíveis atualmente. Somando-se a isso temos a invasão estrangeira
oferecendo-nos o fogo cruzado que por um lado enfraquece o que somos e que, por
outro, procura impor o que é lucrativo que sejamos. São premissas sociológicas que
tendem a afetar diretamente o ambiente do ensino musical, inclusive em termos de
repertório. Assim caberá a professores e professoras encontrar um meio termo que
valorize nosso arcabouço cultural sem que, no entanto, gere estranhamento aos
alunos, uma vez que esses estão devidamente doutrinados, em termos de xenofilia.
(ALVES, 2004). É claro,
relativizar é sempre mais complicado, pois nos leva a abrir mão das “certezas” etnocêntricas em nome de dúvidas e questões que obrigam a pensar novos sentidos para a compreensão da sociedade do “eu” e da sociedade do “outro”. (ROCHA, 2006, p. 54).
Mas caso se pretenda uma alfabetização musical no país, isso é um pré-
requisito. Não se sabe ainda o melhor caminho a tomar, por isso o confrontamento de
opiniões é útil e necessário. A questão do consumo acrítico dos “enlatados” por parte
das crianças é um dos maiores (senão principal) agentes alienantes. A mediação desse
comportamento é de difícil realização, dadas as facilidades de acesso a conteúdo
atuais, como o rádio, a televisão, as lan-houses, os celulares multifuncionais, e a
própria Internet, para citar alguns exemplos.
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Antes de arrematar nossas reflexões, vejamos o que Wilson José Bressan tem
a dizer a respeito do método Kodály. Bressan defende que o método não seria uma
boa opção para musicalização, dadas as condições brasileiras, e também que pensar
em “repertório folclórico” é uma ingenuidade, que o melhor repertório para
musicalização é a canção popular. (BRESSAN, 1989). Pode ser que ele esteja certo
mas também pode ser que ele tenha conhecido parcialmente os conceitos do pensador
musical húngaro. Isso traz à discussão um velho ditado chinês: “Quando o homem
errado utiliza o método certo, o método certo opera errado.” (CARVALHO, 1986, p. 82).
Kodály não representa apenas uma metodologia de ensino, mas também uma visão de
mundo. Tentar aplicar tal metodologia sem profundo conhecimento e sem as devidas
adaptações realmente pode não ser uma boa coisa, ou, pelas palavras de Erzsébet
Iszonyi,
não é nada aconselhável forçar as crianças a aprenderem a amar a música utilizando para isso canções populares totalmente alheias a elas, só porque fica mais fácil utilizar um material já existente e sistemas inseridos nas estruturas gerais dos métodos. Essas tendências distorcem inclusive o trabalho de alguns pedagogos bem intencionados, chegando a dar uma falsa idéia (sic) a outros observadores que intentam conhecer o método Kodály. (1996, p. 78).
Por outro lado, caso se pesquise ou se desenvolva repertório e estratégia
específicos, a metologia Kodály pode ser excelente ferramenta para os primeiros
passos rumo à alfabetização musical de crianças. (ISZONIY, 1996). Outra opção
adaptativa talvez seja a regravação de temas folclóricos com roupagens modernas,
alinhados às sonoridades do século XXI. As possibilidades são muitas e, por isso,
merecem reflexão mais aprofundada. Contudo, seja qual for o método escolhido, será
sempre muito importante não descuidar de combater ativamente o preconceito e a
xenofilia, caso se queira resultados consistentes de longo prazo. Como Connellan
exemplifica muito bem em qualquer processo que se vise o crescimento qualitativo,
“todas as pxssoas são importantxs.” (1998, p. 98). Valendo-nos da metáfora de
Connelan, podemos dizer que quando sx nxgligxncia uma partx, ainda qux pxquxna (ou
aparxntxmxnte dispxnsávxl) dx um contxxto, os rxsultados são gritantxs: um projxto
xstropiado. Xm suma, na composição do mosaico da xducação musical brasilxira, todas
as pxquxnas partxs dxssx mosaico são rxlxvantxs x prxcisam sxr considxradas,
xspxcialmente a parcxla “não-branca.”
Connellan, numa das muitas lições de seu livro, relata um problema imaginário
com sua máquina de escrever que, em lugar da letra “e” tem a letra “x. Com isso a
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importância dos detalhes ganha um discurso auto-explicativo, o que inspirou o uso de
tal recurso nesse último tópico.
Para finalizar essa (espero) pequena contribuição textual à discussão
pedagógico-musical brasileira, abro aqui espaço para o pensamento de Zoltán Kodály:
Já que a música popular é uma herança que todos os povos têm – seja pela própria tradição ou em função das imigrações –, o princípio fundamental do Método Kodály, que diz que a formação musical deve começar com a canção vernácula, pode ser realizado em qualquer parte. (ISZONIY, 1996, p. 77).
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Conceito de criação
A princípio a ideia era formar pequenos grupos musicais para ensaiar repertório
nacional, com a finalidade de apresentações em escolas da rede pública. Mas isso foi
mudando com o andamento do processo, dada a força integrativa da música. Assim,
com o interesse crescente por parte de alunos dos diversos cursos do campus, o
projeto direcionou-se, essencialmente, para a função socializadora, gerando um canal
comunicacional intercursos. Desde o início pensou-se na sigla MOMUA, ou seja,
Movimento Musical Acadêmico, para resumir num substantivo a finalidade da proposta.
Processo de criação
A gênese do projeto ocorreu por iniciativa do autor do presente trabalho, até o
momento em que Karen Ávila, Leandro Roverso e Luciana Parelho, estudantes da
Anhembi Morumbi passaram a fazer parte das decisões. Desde então o número de
participantes foi crescendo até o momento em que se pensou na estruturação de um
repertório. Paralelamente, com a autorização da coordenadora do curso de Música
brasileira e de Produção musical, tem sido realizados ensaios e aulas de percepção e
técnica vocal com vistas a constituir um coro de alunos, a partir do próximo semestre,
além de outras diversas atividades que ainda se encontram em fase embrionária.
Produto final
O produto final não é necessariamente de natureza física, uma vez que a finalidade do
projeto é a integração das diversas escolas na universidade. A intenção é antes
socializadora que artística, apesar de essa última não ser negligenciada. A inclusão de
elementos da cultura nacional também não foram esquecidos.Assim, a título de
exemplo do que foi realizado, nestes termos, ao final do semestre, serão apresentadas,
à banca de avaliação, duas peças musicais relativamente simples, ensaiadas por
parcela significativa das pessoas ligadas ao MOMUA.