Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
A Noiva da FronteiraCheryl St. John
1996digitalizado por Edna Fiquer
Ela não procurava um marido...Atirar em um bandido foi a introdução da repórter Helene Wainwright ao Oeste
Selvagem, para onde viajara com um grupo de noivas por correspondência.Porém foi um mais íntimo "olá", nos braços de Cooper DeWitt, o que fez seucoração disparar e tornou ainda mais difícil a tarefa de explicar ao desbravador
que não era a mulher que ele havia mandado buscar...Quando ela pulou da diligência, exalando verdadeira bravura e contando muitashistórias, Cooper DeWitt pensou que talvez houvesse encontrado ouro. Criadopelos índios sioux, Cooper precisava de uma esposa capaz de enfrentar a vida
dura da fronteira e domar seu coração inquieto. O problema era que essa noivanão tinha nenhuma intenção de se casar com ele!
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
CAPÍTULO I
Ignorando o intenso movimento da rua atrás de si e as palavras The
Daily pintadas, em letras douradas e pretas, no vidro impecavelmente
limpo, Helene Claire Wainwright observou a própria imagem refletida
na fachada do jornal do pai. Num gesto delicado, ajeitou a jaqueta do
vestido, que escolhera com cuidado para a ocasião, e passou a mão
pelos cabelos escuros, presos num coque severo. Aliás, algo que não
lhe era característico.
- Acho que fiz por merecer a responsabilidade de cobrir o
campeonato de boxe - ela falou para si mesma.
O evento esportivo iria ocupar a primeira pagina do jornal durante
várias semanas e não podia pensar em nada mais excitante do que ver
o próprio nome estampado sob as manchetes diárias.
- Tenho certeza de que conseguiria entrevistar todos os participantes -
continuou convicta. - Talvez eles me revelem coisas que não diriam a
um homem. - Embora não enxergasse nada do lado de dentro, devido
às cortinas verde-escuras, podia imaginar o irmão mais velho, Turner
e o pai, às voltas com as máquinas de impressão. - Tenho cumprido
as tarefas mais simples sem reclamar. Está na hora de me darem uma
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chance. - Helene inspirou fundo e, armando-se de coragem, abriu a
porta.
Aquela mistura de odores, tinta, papel e graxa, com a qual crescera,
sempre a tranqüilizara de certa forma. Turner não se dignou a lhe
lançar um olhar ao vê-Ia atravessar a sala e se dirigir ao escritório do
pai. Helene bateu duas vezes na porta antes de entrar.
Samuel Wainwright fitou-a brevemente e logo voltou a atenção para
os papéis sobre a escrivaninha.
- Pai, eu ...
- Não.
- Como pode saber o que eu ia lhe dizer?
- Por causa dessa sua expressão determinada no rosto.
- Quero cobrir o campeonato de boxe. Evan - ela pronunciou o nome
do novo aprendiz com irritação - sempre fica com as boas matérias.
Ajeitando-se na cadeira de couro, Samuel mudou o charuto de um
canto para o outro da boca, visivelmente impaciente.
- Vamos, Helene. Não fique mal-humorada. Você sabe que não seria
aceitável, ou seguro, meter-se no meio daquela multidão de
arruaceiros na região de Piedmont. Qualquer mulher de Boston, com
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metade de um cérebro dentro do crânio, não poria os pés nem sequer
a um quilômetro do lugar.
Ela revirou os olhos.
- Metade de um cérebro é tudo o que você dá crédito às mulheres de
possuir.
O pai resmungou qualquer coisa e voltou a atenção para a pilha de
papéis. Ao encontrar o que procurava, entregou-se à leitura,
ignorando-a.
- Olá, Preciosa - Turner falou entrando, as mangas da camisa branca
arregaçadas até os cotovelos. Era ele o encarregado de supervisionar a
revisão final dos textos e o trabalho das prensas. - Quero confirmar
alguns detalhes com você, pai.
Os dois homens puseram-se a discutir a qualidade da cópia antes da
impressão, absorvidos inteiramente na tarefa. Acostumada a ser
ignorada, Helene sentou-se na beirada da escrivaninha de carvalho e
cruzou os braços sobre o peito, esforçando-se para não aceitar a
colocação sensata do pai. Que diferença fazia se ele estava certo desta
vez? Seu pai e irmãos, Charles e Turner, sempre apareciam com
alegações ridículas para impedi-Ia de cobrir uma matéria. Entretanto,
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em noventa e nove por cento dos casos, o verdadeiro motivo
resumia-se ao fato de ser mulher. Era ultrajante!
Turner tocou-a de leve nos cabelos, sendo imediatamente repelido.
- Por que está amuada, agora, Preciosa?
- Não estou amuada.
Ele riu com gosto.
- Está tão irritada quanto uma velha rabugenta.
Ainda implicando com Evan? O coitado diz que não consegue dormir
à noite, os ouvidos latejando depois de escutar suas reclamações o dia
inteiro.
Helene descruzou os braços e lançou um olhar fulminante na direção
do pai.
- Eu só queria que alguém percebesse que Evan não é mais
capacitado do que eu.
- Como já lhe dissemos centenas de vezes, nosso pai precisava de
Evan.
Com esforço, ela tentou engolir o ressentimento que o comentário do
irmão, dito num tom de superioridade, lhe causava. Sim, seu pai
necessitava de ajuda; porém, não fora capaz de perceber o valor
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profissional da filha. Samuel contratara o rapaz para auxiliar Charles
nas reportagens, ficando livre, então, para se dedicar à edição e ao
lançamento de livros. Magoava-lhe profundamente que ninguém dá
família a tivesse considerado para o cargo. E frustrava-lhe, além do
suportável, que todos se recusassem a ouvir suas considerações.
Uma coisa era ser sempre preterida em favor dos irmãos, outra bem
diferente era ser substituída por um intruso.
- Talvez, se eu vestir calça comprida, os homens daqui acabarão
notando que tenho um cérebro inteiro dentro da cabeça.
- Se você vestir calça comprida, os homens daqui acabarão notando
muito mais do que isso. Desse modo, serei obrigado a colocá-la sobre
meus joelhos e a disciplinar o objeto de tanta atenção.
Ela resistiu à vontade de mostrar a língua. Só porque a tratavam como
criança, não deveria ceder ao impulso de se comportar feito uma.
- Você terminou a matéria sobre a Associação das Senhoras
Crocheteiras?'
- Isso sim é que foi um desafio inigualável! - Helene retrucou irônica.
- Será que meu artigo irá ganhar a primeira página da edição de
amanhã?
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- Lembra-se daqueles classificados que publicamos meses atrás? - o
pai a interrompeu. - Recebemos outros semelhantes.
- "Procura-se Noiva" - Turner leu alto. - "Precisa-se de Esposa para
Cozinhar, Lavar e Cuidar de Crianças."
- Que tipo de mulher digna responderia um anúncio assim? - A voz
de Helene soou enojada.
- O tipo de mulher que procura um marido. Diferentemente de você,
Preciosa.
- É coisa de gente incivilizada, de selvagens.
- Mas digno de nota. - Samuel soltou uma longa baforada do charuto,
pensativo. - Algumas das moças do Instituto da srta. Abernathy
responderam aos últimos anúncios... Por que não faz uma reportagem
com elas?
- Sério? - Helene levantou-se.
- Não vi nada sobre o assunto nos outros jornais. Talvez possamos
imprimir uma boa história antes' que os concorrentes tenham a idéia.
A perspectiva encheu-a de animação e deu-lhe um novo sentido de
importância. O The Daily estava sempre tentando superar a
vendagem dos grandes jornais locais e embora ainda não tivesse sido
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capaz de fazê-lo, os Wainwright haviam conseguido aumentar a circu-
lação de maneira significativa, no último ano. Qualquer notícia
interessante, dada em primeira mão, significava uma conquista.
- Vou começar a trabalhar na história agora mesmo. - Helene beijou o
pai e ergueu o queixo, desafiadora, ao passar pelo irmão, antes de sair.
Samuel e Turner trocaram um olhar cúmplice e sorriram com toda a
arrogância masculina.
- Quanto tempo você acha que irá mantê-la longe dos nossos
calcanhares, pai?
- Vamos torcer para que essa matéria renda até que Evan tenha se
firmado no cargo. Já é difícil ser novato, quanto mais vendo-se
obrigado a lidar com o mau-humor de Helene.
- Bem, então temos apenas que deixá-la ocupada.
- Não é a coisa mais romântica que você jamais ouviu? - A jovem de
cabelos dourados e pele de porcelana ignorou a bandeja com chá e
bolinhos sobre a mesa, parecendo perdida num mundo de sonhos,
muito além de uma das mais chiques casas de chá de Boston, onde as
damas da sociedade costumavam se reunir no final da tarde.
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Pois Helene achava que viajar Deus-sabia-para-onde, com a finalidade
de casar-se com um homem desconhecido, era a maior asneira que já
ouvira. Entretanto, educadamente, calou-se.
- De qualquer maneira, onde fica Dakota? - Tess Cordell perguntou,
saindo, do transe sonhador. Uma das moças disse que é perto do
Pólo Norte.
- Não creio que seja tão longe assim. - Helene tentou se recordar das
lições de geografia. - Extremo oeste, um pouco para o norte. Bem
longe daqui, estou certa.
Tess retirou um envelope da pequena bolsa e desdobrou a carta com
cuidado.
- O nome dele é Cooper DeWitt. Dono de uma linha de diligências e
de uma transportadora de cargas. Portanto, deve ser muito rico. A
única coisa que ele faz questão numa esposa, é que saiba ler e
escrever. Acho que isso é bom, não é? Não me parece um tipo
exigente.
- Ou discriminador.
- Certo - Tess concordou, o significado do comentário lhe escapando.
- Não se trata de um homem superficial como a maioria, que se
importa apenas com o fato de a mulher vir de uma família de posses.
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Não passou despercebido a Helene o ressentimento na voz feminina.
Obviamente Tess não vinha de uma família de posses, ou não teria
respondido a um anúncio colocado por um desbravador do oeste.
- Ele mencionou a idade?
- Não. - Depois de um instante de dúvida, o rosto de Tess se
iluminou. - Porém mencionou nunca ter se casado antes. Portanto,
deve ser jovem.
Ou mais feio do que uni bode desdentado, Helene pensou realista.
Em que encrenca estava essa pobre moça se metendo? Sentia-se
quase tentada a lhe oferecer ajuda financeira, para evitar que
cometesse essa loucura. Por outro lado, sua família sempre dizia que
suas atitudes impetuosas não eram típicas de uma mulher de vinte
anos. Claro que Tess estava deslumbrada com o plano.
- Que mais ele diz?
- Apenas que a região é linda e que vou ter tudo aquilo de que
precisar.
- Que romântico. - Helene fez algumas notas no bloco de papel. -
Não se sente um pouco preocupada por ficar tão distante de todos os
amigos?
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- Bem ... Não tenho família, mas outras duas moças responderam a
anúncios semelhantes, vindos da mesma comunidade, e viajaremos
juntas. Tenho certeza de que o Sr. DeWitt me permitirá visitá-las de
vez em quando.
- As outras estão tão excitadas quanto você?
- Oh, sim! É uma aventura única!
- Vou querer conversar com as outras moças também. Pode me dar o
nome delas? - Helene anotou e agradeceu a Tess pela entrevista.
Depois de falar com as jovens, correu para casa, ansiosa para começar
a escrever o artigo. A casa enorme, com mobiliário tipicamente
masculino, estava silenciosa, como de costume. Sozinha no escritório
do pai, sentou-se à escrivaninha e preparou-se para iniciar a tarefa.
Quase três horas se passaram antes que Helene terminasse. Não tinha
dúvida de que o pai, ao editar a matéria, iria cortar grande parte,
porém estava satisfeita com cada palavra que escrevera. Feliz, partiu
para o jornal.
- É exatamente o que queríamos, Preciosa! - Samuel comentou, após
um longo instante de silêncio.
Satisfeita com o elogio, ela ignorou o apelido condescendente.
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- Siga em frente.
- Quer dizer que ...
- Continue – o pai a instruiu - Acompanhe as moças quando forem
fazer compras para a viagem, observe-as arrumar as bagagens... coisas
assim. Publicaremos uma série de artigos sobre as noivas até o
momento de embarcarem na diligência.
Surpresa, e entusiasmada, Helene concordou no mesmo instante.
Era um prazer ler os artigos todos os dias no jornal, principalmente
porque seu pai não cortara mais do que uma, ou duas frases. Sentia-se
tão exaltada, que não se permitia irritar-se com o fato de Evan estar
cobrindo o campeonato de boxe e escrevendo quase todas as man-
chetes. Bem, não se permitia ficar muito irritada.
Na véspera do dia em que as moças deveriam embarcar, resolveu
passar pelo jornal mais cedo. A porta do escritório estava entreaberta
e o som de várias vozes masculinas a fez ficar imóvel.
- Eu me encarregarei de cobrir o final do julgamento - Charles falou. -
Irei para o tribunal daqui a pouco.
- Certo - Samuel concordou. - Evan?
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- Ainda preciso entrevistar o advogado e, claro, assistirei às lutas hoje
à noite. Tentarei não levar um soco desta vez.
Risadas masculinas encheram o ar.
- Bela cobertura você está fazendo, filho. Qualquer sacrifício para se
obter o melhor ângulo. É assim que agem os verdadeiros repórteres. -
Helene engoliu em seco, enciumada ao escutar o pai elogiar Evan
Hunter. - Quanto tempo até o término do campeonato?
- Uma semana.
- O que vamos fazer com Helene? - A preocupação de Turner era
evidente. - As noivas partem amanhã. - A série de artigos acabou se
revelando um excelente trabalho - Charles comentou. - Tivemos
ótima reação dos leitores.
- É verdade. A tiragem do jornal até aumentou. - Samuel acendeu o
charuto, o cheiro penetrante espalhando-se rapidamente.
- Quem teria imaginado que ao inventar algo para manter Helene
longe de Evan durante a cobertura do campeonato de boxe,
acabaríamos com uma bela mostra de jornalismo? - Era Turner quem
falava.
Os três riram outra vez.
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Helene sufocou um gemido, o coração pesado de angústia. Fora
manipulada, enganada. Eles tinham lhe dado aquela história com a
única intenção de tirá-la do caminho. Agora se vangloriavam,
convencidos de sua superioridade. Nunca se sentira tão arrasada... tão
sem importância.
- Temos algum correspondente em Dakota? Charles perguntou.
- Por quê?
- A verdadeira história começará quando a diligência chegar ao seu
destino.
Um momento de silêncio se seguiu, até que Samuel concordou.
- De fato. Quando os homens encontrarem as noivas que mandaram
buscar, será o início de tudo. Mas não. Não temos nenhum
correspondente tão longe. - É uma pena. Pois poderíamos dar
continuação à história. Os leitores iriam gostar de saber o que acon-
teceu às moças.
- Vamos esperar que o Journal não tenha essa idéia - Samuel encerrou
o assunto.
Desiludida, Helene deu meia-volta e saiu. A última coisa que queria
era voltar para casa. A mãe apenas diria, como sempre, que seu pai e
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irmãos agiam daquela maneira para seu próprio bem. Clarisse
Wainwright nascera e fora criada para ser esposa gentil e mãe dos
filhos varões de Samuel. O fato de ela haver surgido acabara sendo
uma inconveniência para todos. Pelo menos era essa sua impressão.
Por causa de seu sexo, não podia ocupar o lugar que devia lhe
pertencer por direito dentro do jornal, embora corresse em suas veias
o mesmo tanto de tinta que corria nas veias dos irmãos.
A verdade era cruel, porém precisava ser enfrentada. Nunca seria boa
o bastante, ou valiosa, ou necessária. Mesmo Clarisse tinha sido
necessária somente para trazer Charles e Turner ao mundo. Agora sua
mãe vivia a vida de uma ociosa dama da alta sociedade de Boston,
passando os dias às voltas com o clube de jardinagem, freqüentando
salões de chá e se dedicando ao jogo do momento, bridge.
Mas jamais se contentaria com essa vida de invalidez mental. Deveria
haver uma maneira de provar seu valor diante dos olhos do pai. Se lhe
dessem uma chance, mostraria ser tão capaz quanto Charles e Turner,
além de muitíssimo mais competente que Evan Hunter, simplesmente
porque era uma jornalista nata.
Se ao menos tivesse nascido homem.
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Sua mãe sempre a forçara a vestir-se de acordo com a última moda
feminina, ameaçando-a mandá-la para o Instituto Srta. Abernathy se
não mostrasse interesse em roupas e penteados. Não tivera outra
alternativa a não ser ceder às exigências sociais impostas ao seu sexo.
Entretanto recusava-se a aceitar o papel que insistiam em fazê-la
representar. Queria muito mais.
Ao passar diante do salão de chá, onde se encontrara com Tess
Cordell, lembrou-se do que Charles dissera, sobre a verdadeira
história das noivas estar apenas começando. Devia existir uma
maneira de manter contato com as moças. Apesar de a troca de
correspondência levar semanas, era bem possível que conseguisse
convencer Tess a lhe escrever, dando-lhe chance de continuar os
artigos. Não era uma situação perfeita, todavia não lhe restava outra
alternativa.
Decidida, tomou o rumo do Instituto Srta. Abernathy. Não, não
desistiria de exercer a profissão para a qual nascera, não se limitaria a
uma existência fútil e superficial.
Encontrou Tess Cordell às voltas com a arrumação da bagagem,
tentando escolher o que colocar dentro de duas malas. Helene
surpreendeu-se com a confusão do pequeno quarto.
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- O que você está fazendo? Ontem mesmo sua bagagem estava toda
arrumada, à exceção da valise de mão.
- Mudei de planos. - Com o rosto corado e os cabelos soltos, Tess era
a própria imagem do entusiasmo. - Vou para Filadélfia.
- Filadélfia? Mas e a viagem para Dakota?
Tess desviou o olhar, pondo-se a dobrar as roupas para disfarçar o
embaraço.
- Eu era noiva até alguns meses atrás. Eric, meu noivo, bem... a
família dele o pressionou para romper o noivado. Fiquei arrasada.
Atordoada, Helene sentou-se numa cadeira junto à cama.
- O anúncio do Sr. DeWitt me pareceu a única saída. Porém, ontem à
noite, Eric veio me ver. Ele vai assumir uma posição importante
numa banca de advocacia na Filadélfia e percebeu que não pode viver
sem mim. Além de inteligente, é muito rico. E me ama. Assim, não há
outra coisa que eu possa fazer senão acompanhá-lo.
- E quanto a DeWitt...
Tess retirou dois envelopes de uma gaveta e os atirou sobre a cama.
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- Eric me deu dinheiro para repor aquilo que eu já havia gasto. Claro
que devolverei tudo ao Sr. DeWitt ... Será que você faria o favor de
cuidar disso para mim? .
Helene fitou os envelopes, seus planos indo por água abaixo.
- Depois mandarei buscar o resto de minha bagagem. - Tess prendeu
os cabelos e colocou o chapéu rapidamente, terminando de aprontar-
se. - Espero não ter arruinado sua história. Mas entenda, essa é a
melhor oportunidade da minha vida.
Estarrecida, Helene viu a moça sair do quarto, levando consigo as
duas maletas.
Durante vários minutos, permaneceu imóvel, absorvendo mais uma
desilusão. Outras três noivas estariam embarcando para Dakota
amanhã. Talvez uma delas concordasse em lhe fornecer informações
para os artigos. Claro que nenhuma era tão jovem, ou apresentável,
quanto Tess, contudo era só com o que podia contar.
Desanimada, levantou-se da cadeira e apanhou os envelopes. Um
deles continha a carta que Tess mencionara no primeiro encontro.
Cara srta. Cordell,
Minha futura esposa deve ser capaz de ler e escrever.
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Estou incluindo um cheque para quaisquer despesas iniciais. Não
existem lojas de roupas femininas aqui. O território é bem diferente
da vida a qual você está acostumada, porém é a região é bela e não lhe
faltará nada. Nunca me casei antes. Sou dono de uma linha de
diligências e de uma empresa de transportes. Um juiz de paz deverá
encontrar conosco na estação de Stone Creek, no próximo mês, para
realizar o casamento . . Sinceramente,
Cooper DeWitt
Helene colocou a carta de volta no envelope e abriu o outro,
retirando uma passagem e duzentos dólares. Não era à toa que Tess
se impressionara.
A verdadeira história está apenas começando... Estremecendo de
excitação, ela se deu conta do que acabara de lhe passar pela cabeça.
Não. Era perigoso demais. Trataria de colocar aquele dinheiro no
correio, de volta para o dono, o mais rápido possível.
Mas e se tivesse coragem de enfrentar o desafio? E se usasse a
passagem para embarcar para Dakota? Poderia entrevistar os homens
que haviam colocado anúncios em busca de esposas. Também teria
informações diretas obtidas das verdadeiras noivas.
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E quanto a esse tal DeWitt? Certamente estaria à espera da futura
esposa. Como solucionar a questão? Podia simplesmente explicar-lhe
a situação, devolver-lhe o dinheiro e dar o assunto por encerrado. No
final, teria sua história e ele mandaria buscar outra esposa, agora que
Tess desistira.
Entusiasmada, Helene planejou a partida. Não diria nada à família,
pois jamais lhe dariam permissão. Sua mãe teria um ataque de nervos,
se soubesse. Provavelmente levariam um dia inteiro para notar sua
ausência, e então seria tarde demais. Estaria longe. Daria um jeito de
lhes mandar um telegrama na primeira parada.
Satisfeita com o modo como resolvera as dúvidas, Helene guardou os
envelopes na bolsa e saiu. Tinha muito o que fazer, se pretendia
tomar a diligência na manhã seguinte.
Cooper observou o horizonte com atenção, ignorando por um
momento a beleza extrema da paisagem. Não havia nada nos
arredores da estação, nem pessoas, nem construções, apenas uma
vastidão infinita de terras. Fizera questão de falar sobre isso na carta,
mas era preciso ver para crer. E, por agora, onde quer que a diligência
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estivesse, sua noiva tivera tempo suficiente de constatar a veracidade
do que dissera.
A diligência devia ter chegado pela manhã. Já estavam no início da
tarde e nada. A explicação para o fato só podia ser uma: problemas.
- O céu está claro - Stuart Waring, um dos noivos impacientes,
comentou. - Entretanto isso não significa que não tenham pegado
chuva, ou lama.
Por um instante, Cooper voltou a atenção para os outros dois
fazendeiros sentados num caixote encostado junto à parede de
madeira da pequena estação. Stuart usava uma camisa desbotada com
uma gravata fininha ao redor do pescoço magrelo. As botas tinham
sido limpas e engraxadas.
- Um cavalo pode ter ficado manco - Vernon Forbes sugeriu,
segurando firme um embrulho nas mãos. Presente para a noiva?
Cooper não pensara nisso.
Angus Hallstrom, operador da estação e empregado de Cooper,
debruçou-se sobre a única janela, mordiscando um pedaço de palha.
- A verdade é que a diligência foi roubada três vezes nos últimos
meses e essa demora não me agrada.
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Cooper estivera pensando a mesma coisa. Não gostava da sensação
desconfortável que. o afligia. Ter o dinheiro roubado, ou perder a
correspondência do mês era uma coisa... Que a mulher com quem
pretendia se casar fosse ferida, era outra bem diferente.
George Gaston, o corpulento juiz, ocupava a única cadeira disponível
e bebericava café, a xícara lascada longe de causar boa impressão.
Observando aquele grupo de homens, Cooper se perguntou o que as
mulheres da cidade iriam achar deles.
Uma insegurança estranha irrompeu em seu peito, fazendo-o olhar
para a calça de couro e a camisa com franjas. O que Tess Cordell
pensaria quando o visse?
Quinze anos atrás, mesmo dez, vivendo entre os oglala, nunca
imaginara que um dia se relacionaria com uma mulher branca. O
tempo se encarregara de mudar isso, assim como mudara a existência
de seu povo, isto é, do povo que o acolhera, a maioria agora vivendo
em reservas.
Búfalos já não pastavam nas pradarias em grandes rebanhos, como
ondas negras gigantescas. Os oglala, santee, yankton e outros sioux
haviam sido forçados a assinar tratados em troca de comida.
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Inquieto, Cooper saiu da pequena construção e caminhou para onde
tinha deixado a charrete, sob a sombra de uma árvore. Ao acariciar a
crina sedosa dos cavalos negros, notou a cor da própria pele,
bronzeada por causa do sol excessivo, fazendo-o parecer quase um
irmão de sangue dos índios com os quais fora criado.
O fato de ser branco lhe dera uma vantagem sobre o povo com quem
vivera. Pudera se tornar dono de terras. Trabalhara duro durante
anos, comerciando peles e ferramentas, domara seus próprios cavalos
e começara um negócio.
Por enquanto, tinha condições apenas de doar comida e suprimentos
para a reserva, porém, dentro em breve, esperava estar em posição de
realmente ajudar seu povo. E Tess Cordell iria auxiliá-lo.
Cobrindo a boca e o nariz com o lenço úmido, Helene tentava não
ficar sufocada com a poeira espessa. As rodas bateram numa pedra e
seu gemido foi sufocado pelos gritos das outras mulheres.
Zinnia Blake segurava o chapéu de penas verdes na cabeça com a
mão enluvada e Helene se esforçou para não rir da maneira como a
pele flácida sob o queixo da coitada balançava a cada solavanco. Ao
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baterem num novo obstáculo, Zinnia levou a mão ao peito amplo, o
rosto brilhante e vermelho como um tomate.
- Não está horrivelmente quente para esse final de outono?
- Não podemos estar muito longe - Olívia Mason sentenciou. Ela
bateu no teto da diligência antes de colocar a cabeça para fora da
janela e gritar: - Sr. Tubbs, ainda falta muito? - O som monótono dos
cascos dos cavalos e o barulho do vento foi a única resposta. - Ele
tinha prometido que estaríamos lá pela manhã.
- O Sr. Tubbs está fazendo o melhor que pode Evelyn Reed saiu em
defesa do condutor.
Helene não a escutara dizer mais do que uma dúzia de palavras
durante os dez dias de viagem e imaginava que Evelyn estivesse tão
cansada das reclamações das outras quanto ela própria. Zinnia ficara
enjoada durante a travessia do rio, reclamando que o barco a vapor
balançava muito. Olívia insistira em trocar de roupas duas vezes ao
dia, para depois lamentar a falta de uma peça limpa para vestir.
Depois de atravessarem o Missouri e abordarem a diligência do Sr.
Tubbs, as coisas haviam ido de mal a pior. Zinnia tivera uma erupção
na pele, por causa do calor, que a levara às lágrimas. Olívia pensara
encontrar uma lavanderia a cada parada. As refeições eram horríveis e
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os locais destinados a atender os chamados da natureza podiam ser
descritos apenas como primitivos, ou não-existentes.
Apesar de ter um torcicolo, de tanto dormir sentada, Helene estava
vivendo uma gloriosa aventura. Tomava notas freqüentemente,
descrevendo as condições do tempo, a vegetação, a beleza estupenda
da paisagem. Quando voltasse para casa, teria uma história incrível
para contar aos leitores. Talvez até escrevesse um artigo para uma
revista... ou, talvez, um livro!
Ao sentirem que a diligência diminuía a velocidade, as mulheres
suspiraram, aliviadas.
- Graças a Deus! - Zinnia exclamou, ofegante. - Acho que chegamos.
Oh, devo estar com uma aparência terrível.
Olívia se apressou a ajeitar os cabelos ruivos sob o chapéu.
A diligência ganhou velocidade outra vez, o Sr. Tubbs gritando coisas
ininteligíveis para os cavalos. Helene ergueu a cortina da janela e
espiou lá fora, tentando enxergar através da nuvem alta de pó.
Um grupo de cavaleiros vinha a galope, com a firme intenção de se
emparelhar com a diligência. De repente, som de tiros.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Estamos sendo assaltados! - Helene gritou. Passara muitas e muitas
noites em claro, lendo romances de ação. Agora, aqui estava ela,
Helene Claire Wainwright, participando de uma aventura como as
descritas nos livros. Apesar do medo, sentia-se excitada e procurava
olhar tudo ao redor para guardar cada detalhe na memória.
Finalmente, depois do que pareceu horas, a diligência parou. A porta
foi aberta com um arranco e o cano de uma arma apontado para o
interior.
- Saiam!
Procurando manter a calma, Helene fitou as companheiras de viagem,
inteiramente dominadas pelo pânico. Deveria tirar o melhor partido
da situação, pensou. Seu pai adoraria uma história, em primeira mão,
sobre um assalto à diligência; Que Evan Hunter tentasse supera-la!
- Vamos fazer, o que eles estão mandando. - Ela fez sinal para que as
outras a seguissem. Então segurou a barra da saia e saiu para a
claridade.
CAPÍTULO II
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Três homens mascarados, vestindo camisas e calças manchadas de
suor, apontaram as armas para as mulheres que desciam da diligência.
Com os chapéus puxados sobre os olhos, era praticamente impossível
lhes enxergar o rosto, o que os tornava ainda mais ameaçadores. Ou-
tros dois permaneciam montados, enquanto o último do bando
mantinha o cano de um rifle encostado no peito do Sr. Tubbs.
- Mulheres brancas - um dos bandidos falou num tom que expressava
admiração.
O mais alto de todos, parado junto a Helene, apontou com o revólver
para a bagagem amarrada sobre o teto da diligência. Em questão de
minutos, malas e baús estavam no chão. Como os cadeados resistiam,
não tiveram dúvidas em abri-Ias à bala.
O som dos tiros assustou Zinnia. Histérica, ela ergueu os braços para
o alto e gritou desesperada.
- Quieta! - O bandido de cabelos negros deu um passo à frente e a
esbofeteou com força no rosto, fazendo-a cair, inconsciente, no chão.
- Peguem o que quiserem e vão embora - Olívia falou irada. - Não há
necessidade de machucar mulheres.
Imediatamente ele a segurou pelos cabelos com força, arrastando-a
para perto de si.
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- Abra a bolsa. - O homem diante de Helene, que parecia o líder do
bando, ordenou.
Fitando aqueles olhos escuros e frios, sentindo a agressividade que
emanava do corpo rígido, ela precisou se esforçar para não ceder ao
medo. Nunca antes vira mulheres serem tratadas de forma
desrespeitosa. Então era isso o que os jornais chamavam de "Oeste
Bravio." Não havia lei. Ninguém nem sequer ouviria os tiros.
Poderiam morrer ali e seus corpos só seriam descobertos dentro de
semanas.
Sensata, Helene abriu a bolsa e retirou todo o conteúdo, sufocando
uma objeção quando o bandido apanhou seu dinheiro e.guardou-o no
bolso. Era apenas dinheiro, afinal. Sua vida tinha muito mais
importância.
- Você não chora.
Ela fitou os olhos negros, o coração batendo desesperado.
- Você fala, mulher?
Sem responder, Helene apenas ergueu o queixo, desafiadora.
Mantendo-a sob a mira do revólver, o homem a examinou de alto a
baixo, vagarosamente, como se a despisse. Enojada, ela desviou o
olhar.
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- Levante a saia.
- Como?!
- Então você fala, mulher. Levante a saia, ou eu mesmo o farei.
Nervosa, Helene olhou ao redor. Os outros bandidos estavam
revistando os corpos de Olívia e Evelyn de maneira rude e
indecorosa. Não, não teria as mãos desses canalhas sobre si. Sabendo
não lhe restar alternativa, ergueu a saia até a cintura, estremecendo
quando mãos enluvadas deslizaram sobre a anágua de algodão que lhe
cobria as pernas e os quadris.
- Ei, esperem um momento! - o Sr. Tubbs objetou, porém o cano do
rifle o manteve imóvel.
O bandido que segurara Olívia pelos cabelos a tinha feito deitar-se no
chão, suas intenções bastante claras. Helene sabia que não levaria
muito tempo até que os outros rufiões deixassem de ser meros
espectadores e decidissem imitar o comparsa. Quando o líder se aga-
chou para examiná-la nos tornozelos, Helene, com uma força nascida
do pavor, o atingiu no rosto com uma joelhada, obrigando-o a soltá-
la.
Ele gritou e deixou cair a arma, levando. a mão ao nariz que sangrava.
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Antes de lhe dar chance de se levantar, Helene apanhou a arma e o
ameaçou, os dedos trêmulos pousados sobre o gatilho.
A bandana ainda lhe cobria o rosto, porém o chapéu escorregara da
cabeça, revelando as sobrancelhas negras e olhos escuros, gélidos.
Apressado, o homem recolocou o chapéu e se levantou, o sangue do
nariz ensopando o lenço que lhe cobria a face.
- Ela não vai atirar - um dos outros falou, vendo líder dar um passo
para trás.
Se não atirasse, logo um deles iria subjugá-la e estaria numa encrenca
ainda maior. Sem pensar duas vezes, apontou a arma para o homem
que tentava violentar Olívia e atirou.
- Matem-na! - o bandido gritou, segurando o braço em que fora
atingido e soltando a presa.
Helene sentiu as pernas vacilarem sob o peso do corpo enquanto
aguardava a bala que poria fim à sua vida. Aquele tiro fora um
milagre. E nunca seria capaz de repetir o gesto antes que matassem.
Por um instante arrependeu-se da vergonha e tristeza que causaria aos
pais .
- Não. - O líder, com o nariz sangrando, ergueu o braço, impedindo
que os comparsas tomassem qualquer atitude pela simples força de
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seu comando. Então fez sinal para que juntassem o produto do roubo
e montassem.
Depois de examiná-la de cima a.baixo pela última vez, insolente,
montou também e partiu em disparada, seguido pelo bando. Até o
último momento, Helene o manteve sob a mira do revólver, embora
soubesse que se a ordem tivesse sido dada, não teria nem sequer tido
chance de puxar o gatilho novamente.
Estavam todas vivas ainda. Helene tremia tanto, que a arma lhe caiu
das mãos sobre o chão poeirento. Abalada, sentou-se no pequeno
degrau diligência.
De repente, um grito vibrante ecoou no ar. Era o Sr. Tubbs, que a
fitava sem esconder o assombro.
- O sujeito que mandou buscá-la terá muito trabalho pela frente.
Porém Helene tinha toda a atenção voltada para Olívia.
- Você está bem?
- Graças... graças a você - ela murmurou alisando as roupas, para logo
depois explodir em lágrimas. - Imaginei que nos aconteceria o
mesmo.
- Eu preferiria ser morta - Evelyn falou baixinho.
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Gemendo, Zinnia recuperou a consciência e sentou-se, piscando sem
parar como uma coruja.
- Que aconteceu? Onde estão eles?
- A srta. Wainwright os afugentou - Olívia explicou, o rosto sujo de
pó marcado pelas lágrimas.
- Foi exatamente o que ela fez! - Novamente o Sr. Tubbs gritou para
expressar satisfação. - Exatamente o que ela fez!
Helene observou a bagagem jogada no chão, as peças de roupas
sendo espalhadas pelo vento. O que poderia acontecer além disso,
meu Deus? Então, depois de alguns segundos, sorriu, radiante.
"Garota de Boston Impede Ataque à Mulheres." Que história!
Cooper olhou a posição do sol. Já estava decidido a soltar o cavalo
negro da parelha e ir ao encontro da diligência, quando notou uma
nuvem de pó no horizonte.
Antecipação o pressionou no peito. Não era necessário gostar dela.
Não importava a aparência. Ou quantos anos tinha, ou se já enviuvara
dez vezes. Importava apenas que soubesse ler e escrever, como
afirmara na carta que recebera.
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Provavelmente seria mais fácil se não a apreciasse, afinal, tratava-se de
uma mulher branca que, com certeza, iria desaprová-lo. Não, não
esperava que sua futura esposa o achasse interessante. Mulheres da
cidade eram vaidosas e superficiais. E sem dúvida só fora parar ali
movida pelo desespero. Assim como ele só mandara buscá-la porque
se tratava de um caso de extrema necessidade.
O que faria uma mulher se mudar para Dakota? O amor de um
homem? Não no seu caso. Falta de dinheiro? Provavelmente.
Ausência de outras propostas de casamento?
- Elas estão chegando! - Stu gritou. Lentamente, Cooper se
aproximou do grupo que aguardava diante da pequena estação. Já era
possível ver a figura magricela de Ferlie Tubbs agora.
Enfim a diligência parou, levantando uma nuvem de pó.
- Problemas? - Cooper indagou a Tubbs.
O condutor cuspiu um pouco do tabaco mascado no chão antes de
responder.
- Sim. Um bando de desgraçados nos parou perto de Big Stone Lake.
- Estão todas bem?
- Vivas.
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- Feridas?
- Não. A gorda quase morreu de susto e a de cabelos vermelhos
chorou durante todo o resto da viagem.
Cooper se pergunto-se logo estaria casado com a gorda, ou com a
ruiva chorona.
- A gata selvagem está tão furiosa quanto um urso acossado.
A porta da diligência foi aberta com um arranco e, sem esperar
assistência, uma jovem mulher, vestida de verde, ergueu a saia e pulou
para o chão. Como não era gorda e seus cabelos, quase totalmente
escondidos sob o chapéu elegante, tão negros quanto os de um sioux,
só podia se tratar da gata selvagem.
Os olhos, escuros àquela distância, observaram os arredores com
atenção antes de se fixarem no grupo formado pelos homens. Cooper
devolveu o olhar com igual firmeza. Tratava-se de uma mulher
deslumbrante. Definitivamente, não o tipo incapaz de receber me-
lhores propostas de casamento na cidade.
Um gemido abafado ecoou de dentro da diligência.
A bela criatura lançou um olhar por sobre o ombro e afastou-se
depressa, dizendo:
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- Mais um quilômetro fechada ali dentro e eu teria me esquecido de
que sou uma lady.
Os gemidos vinham de uma mulher baixa e gorda, cujo vestido
amarfanhado parecia aprisioná-la. Uma outra jovem, de cabelos cor
de cenoura, a amparava pelo cotovelo, os rostos de ambas marcados
pelas lágrimas.
Ferlie desceu e se espreguiçou devagar.
- Que aconteceu? - Vernon quis saber. Stu e Angus também ansiosos
por obter esclarecimentos.
- Eram seis deles - o condutor explicou. - Emboscaram-nos em Big
Stone. Roubaram as mulheres. Deixaram-nas apavoradas. E teriam
feito pior.
Vernon cerrou os punhos.
- Essa jovem corajosa tomou a arma de um daqueles rufiões e nos·
salvou - a ruiva esclareceu, apontando para a gata selvagem. A dama
gorducha caiu em prantos outra vez.
Os homens trocaram olhares céticos. Finalmente Vernon tomou a
iniciativa.
- Qual de vocês é a srta. Blake?
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A gorducha sufocou as lágrimas.
- Sou eu.
Vernon segurou-lhe a mão.
- Prazer em conhecê-la. Poderia chamá-la de Zinnia? Um sorriso
trêmulo iluminou o rosto redondo. Ela fitou o fazendeiro como se,
enfim, tivesse encontrado água para aplacar a sede.
A gata selvagem aproximou-se de Cooper, ou teria apenas desejado se
afastar das damas chorosas?
- Você está segura agora. - Vernon ofereceu o braço a Zinnia. Tudo
de que precisa é de uma refeição quente e uma boa noite de sono.
- Srta. Mason? - Stu aproximou-se da ruiva.
- Sim. Chame-me de Olívia.
- Você não vai sair, Evelyn? - a gata selvagem indagou, espiando
dentro da diligência.
Cooper deu um passo à frente e ajudou a jovem a descer. Tratava-se
de uma criatura tímida e de feições comuns.
- Evelyn? Evelyn Reed? - Angus tomou o lugar de Cooper, sorrindo
nervoso. - Sou Angus Hallstrom. Você deve ter ficado muito
assustada...
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Bem, a mulher ao seu lado era a única noiva restante, Cooper pensou.
Devagar, virou-se para contemplá-la.
- Alguém deve ser notificado. Fomos assaltadas ela falou, fitando-o de
frente.
Os olhos extraordinários pareciam uma mistura de três cores: cinza,
verde e dourado. Cílios negros e espessos, além de sobrancelhas
delicadamente delineadas enfatizavam a beleza refinada.
- Você está em segurança.
- Ela quase quebrou o nariz de um, arrancou-lhe a arma da mão e
atirou no que estava em cima da srta. Mason - Ferlie detalhou, rindo
com prazer. Você devia ter visto, Cooper. Foi uma cena quente!
Essa criatura delicada fizera aquilo tudo?
- Posso estar em segurança - a mulher continuou, como se Ferlie não
a tivesse interrompido, - entretanto estou mais pobre do que Jó.
Aqueles bandidos me roubaram até o último centavo. Além de
minhas jóias. Alguém terá que pegá-las de volta!
- Sinto muito. - Novamente suas palavras lhe soaram inadequadas,
porém não havia para quem apelar num território sem lei.
Tess Cordell acabara de chegar e já estava infeliz.
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- Sr. DeWitt?
- Sim. Srta. Cordell?
- Sr. DeWitt, receio que Tess não tenha vindo.
- Como assim? Não estou entendendo.
- Aparentemente o noivo dela havia desfeito o noivado logo antes de
Tess responder ao seu anúncio. Porém os dois reataram e Tess o
seguiu até Filadélfia.
Cooper a fitou em silêncio. Haviam aguardado a vinda de quatro
mulheres e quatro mulheres tinham chegado.
- Se você não é Tess Cordell, quem é então?
- Helene Wainwright.
- E? - Impossível evitar uma pontada de dúvida.
- E... uma repórter.
Ele esperou pelo resto das explicações sem demonstrar impaciência.
- Estive trabalhando numa matéria sobre as noivas para o The Daily.
Imaginei que Tess seria meu contato quando chegasse aqui, para que
eu pudesse continuar série de artigos. Quando ela mudou de idéia,
simplesmente fiquei sem saber o que fazer. Assim, resolvi usar o
dinheiro e a passagem disponível.
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Os oglala não tinham uma palavra para mentira.
Em todos os seus anos de vida, Cooper descobrira que os brancos
eram os únicos capazes de enganar, de iludir. E essa falta de
experiência em relação à própria raça o fazia sentir-se vulnerável, uma
sensação que lhe era completamente estranha. Qual o propósito da
mentira naquele momento?
Cooper não sabia o que mais o desapontava: se o fato de ela não ser
sua noiva, ou a desculpa arranjada de última hora, bastante plausível
aliás, para se livrar de um acordo. De qualquer maneira, faltava-lhe
noiva.
- Você veio no lugar da srta. Cordell?
- Bem, eu... - Helene enrubesceu. - Eu... ah, usei a passagem sim. E
planejava reembolsá-lo quando chegasse aqui. Além de lhe devolver o
dinheiro que você mandou para Tess. Mas não! Não vim "assumir" o
lugar dela!
O horror estampado no rosto feminino, diante da possibilidade de ser
considerada noiva-substituta, não contribuiu em nada para a
autoconfiança de Cooper, principalmente ao notar que os outros
casais já estavam conversando com o juiz.
- Certo. Onde está então?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- O quê?
- Meu dinheiro.
- Os bandidos o roubaram! Aqueles homens levaram tudo de valor
que os cavalos podiam carregar.
- Quer dizer que você não pode me pagar?
- Não.
- Bela tentativa, srta. Cordell.
Sem fala, Helene fitou o homem à sua frente. Sob o chapéu de couro
desbotado, os olhos dele eram tão azuis quanto o céu. Nariz reto,
maxilares bem delineados. Uma expressão de extrema autoridade no
rosto.
- O que está querendo dizer, Sr. DeWitt?
Ele a fitou por um longo instante antes de responder.
- Entendo que não queira ficar aqui.
- Está bem. Por que não quero ficar aqui?
- Você é uma mulher da cidade. Teve chance de dar uma boa olhada
nesse território... nos homens... em mim. E agora está pronta para
voltar para o conforto de seu lar.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Não é absolutamente assim. Você não pode presumir que seja
possível ler meus pensamentos. Nunca planejei morar aqui. Nunca
tive intenção de me casar com você.
Cooper permaneceu impassível.
- Não é nada pessoal, claro. Não sou Tess Cordell. Trabalho num
jornal em Boston e não estou inclinada a me casar com alguém que
não conheço. De fato, não planejo me casar com ninguém.
Indiferente, ele deu-lhe as costas e se afastou sem olhar para trás.
A atitude de Cooper a surpreendeu, tanto quanto os longos cabelos
louro-escuros, presos num rabo-de-cavalo. Nunca vira um homem
com cabelos tão compridos assim.
Quanto mais ele se afastava, mais tomava consciência da encrenca em
que se metera. DeWitt não parecia interessado em ouvir explicações
de uma perfeita desconhecida, de alguém que não era a noiva
esperada.
Procurando· manter acalma, analisou a situação.
Aqui estava ela, no meio do nada. A pequena estação e aquela meia
dúzia de pessoas era o único sinal visível de civilização. Tinha um baú
cheio de roupas sujas e amassadas, uma mala pesada, carregada de
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livros e material de escrita, e, exatamente, nem um centavo. DeWitt
tivera motivos para pensar o que pensara.
- Espere!
Ele fez uma pausa e virou-se.
- Sim? .
Helene o alcançou.
- Eu... ah, não tenho onde ficar e nem como voltar para casa.
- Parece que sim.
- Talvez você pudesse me emprestar dinheiro para alugar um quarto e
comprar uma passagem de volta.
- Não há nenhum quarto, srta. ...
- Wainwright.
- Wainwright. E tenho coisas melhores a fazer com meu dinheiro do
que dá-lo a estranhos sem ter certeza se serei reembolsado.
- Tenho palavra de honra - Helene respondeu indignada.
- Não é o habitual em se tratando de brancos. Como posso saber que
você não é realmente Tess Cordell?
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Levada por um impulso, ela o segurou no braço, sentindo os
músculos rijos sob a camada de roupas. DeWitt fitou os dedos que o
prendiam em silêncio. Embaraçada com a própria atitude, Helene o
soltou.
Nunca conhecera um homem tão duro. Seus irmãos podiam ter sido
insensíveis aos seus planos profissionais, porém sempre se
preocuparam com sua segurança e bem-estar.
- Então você vai me deixar aqui sozinha, no meio de só-Deus-sabe-
onde, e sem um centavo?
- Estou certo de que uma repórter tão capaz quanto você saberá dar
um jeito. Afinal, chegou até aqui, não?
Sim, chegara. Engolindo o orgulho, Helene segurou o chapéu firme
na cabeça, quando outra lufada de vento ameaçou mandá-lo de volta
para Boston sem a dona.
- Tem uma tempestade a caminho?
Ele olhou o céu límpido e deu de ombros.
- Não há sinal de chuva.
- Pensei... o vento ...
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
DeWitt notou como o vento fazia as roupas grudarem no corpo da
srta. Wainwright, delineando os seios e pernas. Imediatamente Helene
virou-se de lado.
- O vento é sempre assim - ele falou.
- Oh. - Ela jamais vira tanto horizonte, a terra a se perder de vista.
Jamais vira tanto céu, ou poeira. Ou imaginara possível a existência de
tantos insetos. Jamais conhecera um homem tão inflexível tampouco.
- Sinto que Tess não tenha vindo - Helene falou de repente, notando
que os outros casais continuavam a aguardá-los perto da estação.
Silêncio.
- Por que você simplesmente não me leva até a cidade? Tenho certeza
de que encontrarei acomodações lá. - Talvez conseguisse vender algo
que lhe sobrara, ou trocá-lo por uma passagem.
- Não há nenhuma cidade.
- O quê?
- Stone Creek não é uma cidade. Ainda. Além da minha empresa de
transportes, existe um estábulo de aluguel, um pequeno armazém e
um saloon.
- E o correio?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
. - A correspondência sai daqui. - Ele indicou a estação.
Helene evitou os olhos penetrantes durante vários segundos,
esforçando-se para resolver o dilema. Nenhuma maneira de enviar
um telegrama, Nenhum hotel. Uma bela enrascada,
- Quanto tempo até a diligência tornar a partir?
- Essa vai para o norte amanhã, Somente dentro de duas semanas
uma outra retornará ao leste,
- O mesmo se aplica à correspondência?
-Sim,
Oh, Deus, que fazer? Podia conseguir uma boa história dentro de
duas semanas, Mas onde ficaria? Como iria se alimentar? Já estava
faminta,
- Você não quer me contratar temporariamente? Eu poderia ajudá-lo
com os negócios até juntar dinheiro bastante para ir para casa, ou até
que meu pai me mande notícias,
- É impossível trabalhar o suficiente para merecer duzentos dólares
em apenas duas semanas,
- Eu sei. - Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, frustrada. -
Não o estou responsabilizando de nada, embora minhas coisas
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
estivessem aos cuidados de sua transportadora. Por que não mereço a
mesma cortesia?
Infelizmente Helene não via outra saída para o impasse. A menos que
implorasse uma das noivas para recebê-la em sua nova casa, o que
seria embaraçoso, considerando o fato de serem recém-casadas. Por
outro lado, não queria permanecer muito longe da estação. Seu único
elo com o lugar de onde viera.
- Admito não saber muito sobre os costumes da cidade, sobre o que é
próprio, ou não. Porém você não pode ficar comigo, apesar de em
quartos separados, sem estarmos casados.
DeWitt tinha razão. Provavelmente ninguém nunca saberia,
entretanto não tinha coragem de causar essa vergonha à sua família,
caso a sociedade de Boston tomasse conhecimento do fato.
- É verdade. Por acaso você teria duas residências? Ele negou com
um gesto de cabeça, desinteressado.
Impossível não se impressionar com a figura máscula. Com quase
dois metros de altura, o homem era uma massa de músculos sólidos.
Contudo não iria permitir que seu tamanho, e modos secos, a
intimidassem. Estava acostumada a lidar com machos teimosos.
- Casamento está fora de cogitação. Não quero um marido.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Os olhos azuis pareceram desprender chamas, fulminando-a.
- Você se sente insultado porque não o quero para marido. - Ela já
tivera experiência suficiente com o ego masculino para saber com o
que estava lidando.
- Preciso de ajuda. Não espero que uma mulher caia aos meus pés. -
DeWitt tornou a fitá-la de alto a baixo, demoradamente.
Por que devia se sentir inadequada sob aquele olhar?
Nunca se sentira em desvantagem pelo fato de ser melhor, e não
pretendia começar agora.
- Estou certa de que encontrará alguém para ajudá-lo. Assim como
encontrarei uma maneira de escrever minha história e voltar para casa.
Helene retornou à diligência, apanhou lápis e papel e caminhou até o
grupo de pessoas que conversava diante da estação. DeWitt a seguiu.
- George Gaston, senhorita - o juiz se apresentou.
- As damas disseram que a noiva de Cooper mudou de idéia.
- Receio que sim.
- Bem, vamos em frente'. Os casais queiram entrar agora.
Ela os acompanhou, bendizendo aqueles breves instantes em que
estaria protegida do sol e do vento constantes. Em poucos minutos, o
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juiz conduziu a cerimônia de casamento, enquanto Helene tomava
notas rapidamente, não querendo perder nenhum detalhe.
- Vocês são as testemunhas - o juiz falou, apontando para Helene e
DeWitt. Ela assinou três papéis e os entregou a DeWitt, que teve o
cuidado de lhe dar as costas antes de assinar também.
Tão logo a cerimônia terminou, Helene abordou George Gaston.
- Você poderia me levar até a cidade?
- Não há nenhuma cidade.
- Então até o armazém.
- Tenho apenas um cavalo, senhorita. Não seria apropriado. Cooper é
o único com uma charrete.
Seu corpo doía tanto por causa da viagem e estava tão cansada, que
teria se deitado ali mesmo, no chão, e dormido.
- Eu a levarei - DeWitt se ofereceu afinal, ignorando sua expressão
surpresa. - Venha.
- Primeiro preciso enviar uma carta para meu pai. - Rapidamente,
Helene escreveu algumas palavras numa folha de papel. - Você tem
envelopes? - perguntou ao gerente da estação.
- Não. Dobre a folha e escreva nome e endereço na frente.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Sem outra alternativa, ela acatou a sugestão.
- São três centavos, senhorita.
Chateada, Helene olhou para DeWitt, vendo-o tirar algumas moedas
do bolso.
- Eu o reembolsarei.
Depois de felicitar as noivas, Helene acompanhou DeWitt.
- Mostre-me quais são suas malas.
Exausta, as costas doendo, ela fechou os olhos ao subir na charrete,
desejando, desesperadamente, poder comer e dormir. O homem ao
seu lado a fazia sentir-se mais desamparada que nunca. Se DeWitt
acreditasse que de fato era Tess, então a considerava mentirosa. Se
acreditasse na história que lhe contara, a considerava tola. Ambas as
suposições a irritavam.
- Sou uma boa repórter - falou, afinal.
Ele a fitou em silêncio, a expressão do rosto impenetrável.
- Existem muitas mulheres escritoras, sabe. Mary Wollstonecraft já
escrevia antes da virada do século. E temos também Fanny Wright.
DeWitt continuou impassível.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Anne Royal também, embora não seja um exemplo muito bom, com
todas aquelas fofocas sobre o que acontece em Washington. E, claro,
o livro de Lydia Maria Child, contra a escravidão. Portanto, mulheres
capazes de escrever bem não são tão incomuns.
Helene abriu a maleta e retirou um punhado de papéis.
- Aqui está um de meus artigos.
Sem muito interesse, DeWitt passou os olhos rapidamente sobre a
tira de jornal.
- Esses artigos provam quem sou, não?
- Qualquer um poderia tê-los recortado de um jornal.
- Você deveria ter perguntado a uma das outras mulheres. Elas
confirmariam minha história. Eu poderia lhe' mostrar meu bracelete
de prata, com as iniciais de meu nome gravadas. Porém, a essa hora,
um dos ladrões já deve tê-lo dado à sua ... Ladrões têm esposa?
Silêncio.
- Ou o bracelete já pode' ter sido derretido, para fazer balas.
Finalmente algumas construções surgiram no horizonte. Os animais
passaram.a trotar.
- Aquela é sua casa?
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- Não. E o local onde guardamos a carga.
- Você plantou grama no telhado!
- Não. O telhado é que foi feito de grama.
Um celeiro enorme ficava ao lado da construção com telhado de
grama. Currais separados acomodavam mulas e cavalos. Não havia
um detalhe descuidado. Tinha-se a impressão de que tudo ali
funcionava na mais perfeita ordem.
- Ei, Cooper! É essa a noiva? - indagou um homem baixo, saindo do
celeiro.
- Não, Jack. Ela não veio. Essa é a srta. Wainwright. Uma repórter de
Boston.
Helene desceu da charrete e esticou as pernas. Cooper usara seu
nome verdadeiro e a definira como sendo jornalista. Será que
acreditava na sua história agora?
- Por que não me apresentou da maneira apropriada? - indagou, sem
disfarçar uma pontada de aspereza.
- Não espere modos refinados aqui, lady.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Em silêncio, Helene o seguiu até uma casa grande, toda em madeira,
as toras cuidadosamente tratadas. Logo atrás, duas pequenas
construções. Da chaminé de uma delas, saía um filete de fumaça.
Ao entrarem na casa principal, Helene aspirou o perfume de cera com
prazer. O salão tinha janelas envidraçadas nas extremidades. Um dos
lados fora destinado à cozinha, com fogão, mesas e cadeiras. O outro
ficara reservado ao lazer, com poltronas confortáveis e uma lareira de
pedras.
Entretanto as toras de madeira não eram visíveis no interior da
residência. As paredes haviam sido revestidas com massa e pintadas
de branco, cada detalhe revelando um cuidado meticuloso.
DeWitt construíra um lar para Tess Cordell. Sentir-se-ia enganado,
por ela não ter vindo? Ressentido? Dentro das possibilidades
impostas pela região, ele providenciara o melhor possível e esses pre-
parativos revelavam mais sobre a personalidade do homem do que se
imaginava à primeira vista. DeWitt queria uma esposa com quem
partilhar o lar. Ele dissera precisar apenas de ajuda e que não esperava
que uma mulher se atirasse aos seus pés.
Ainda assim, preparara tudo.
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Mas talvez o melhor fosse Tess não ter vindo. A moça não se
importara se Cooper DeWitt era velho, ou novo. Importara-se apenas
consigo mesma e com o fato de o noivo possuir algum dinheiro. Com
certeza, não teria sido feliz aqui.
Ou teria?
DeWitt levantou a tampa de uma panela e cortou algumas fatias de
presunto, os movimentos rápidos e seguros. Ele lhe parecia diferente
sem o chapéu... menos intimidante, mais acessível. Os cabelos louros
e lisos continuavam presos num rabo-de-cavalo, atraindo sua atenção
para as nádegas e coxas musculosas.
Talvez Tess houvesse cometido um grande erro. Ele virou-se e
surpreendeu-a fitando-o. Helene sustentou o olhar, desejando não
considerá-lo um homem bonito e atraente.
- Vou buscar água e você pode se lavar antes de comermos. Tem uma
latrina lá fora.
- Uma o quê?
- Um lugar para aliviar suas necessidades.
Embaraçada, ela corou até a raiz dos cabelos. - Oh... um... lavatório.
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Depois de trazer água e aquecê-la no fogão, Cooper carregou a
enorme bacia de metal até um dos quartos. Então deixou-a só.
Helene inspecionou o aposento com atenção. Uma cama grande,
coberta com um manto de lã, cômoda e armário. Tudo novo e vazio.
Aguardando os pertences e uma mulher.
Devagar, ela soltou os cabelos e tornou a arrumá-los o melhor
possível, com o auxílio dos dedos.
A água estava uma delícia e, mesmo morna, bebeu um pouco antes de
lavar o rosto, pescoço, braços e mãos. Sentia-se refrescada, apesar de
ansiar por um verdadeiro banho.
Ao terminar, Helene levou a bacia para fora e jogou a água no chão.
- Da próxima vez, use-a para aguar os vegetais - ele falou, surgindo às
suas costas repentinamente.
Da próxima vez? Em silêncio, ela o acompanhou até a cozinha e
sentou-se, notando a brancura incomum dos garfos e colheres.
- São lindos. De que são feitos?
- Ossos.
- Que tipo de ossos?
- De búfalo.
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-Oh!
Ela seguiu o exemplo de seu anfitrião e serviu-se.
O presunto estava um pouquinho salgado, porém os ovos e
pãezinhos nada deixavam a desejar. Quando DeWitt a serviu de mais,
não recusou.
- Não notei um galinheiro lá fora - comentou .
- Perus.
- Como?
- Perus selvagens. Colocam ovos nos arbustos. Encomendei algumas
galinhas que devem chegar amanhã. - Bem, obrigada pela
hospitalidade. - Helene levantou-se. - Acho melhor me pôr a
caminho.
DeWitt colocou os pratos na pia.
- Quanto à minha bagagem... Posso deixá-la aqui; até saber onde vou
me hospedar?
- Sim.
- Então... Obrigada outra vez.
Ele lhe deu as costas, antes de dizer: - Você sabe onde me encontrar.
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Helene apanhou a valise e saiu. No mesmo instante o vento lhe
açoitou a face. Depois de colocar as luvas, marchou em direção àquilo
que julgava ser uma rua, rezando para descobrir um lugar onde ficar.
Mesmo alguém que apreciava aventuras precisava descansar de vez
em quando.
CAPÍTULO III
Chegar à construção mais próxima exigia uma longa caminhada e
Helene estava exausta, de corpo e mente. Desanimada, percorreu o
trajeto pensando na carta que escrevera ao pai e que só seria enviada
dentro de duas semanas, quando a próxima diligência partiria para o
Leste.
Talvez devesse tentar fazer parte da viagem a pé.
Era bem provável que acabasse chegando ao seu destino mais
depressa do que a carta.
Se soubesse se orientar naquela imensidão... Mas havia o risco de se
deparar com os bandidos, ou com outros ainda piores. Tampouco
teria como levar água e comida suficientes.
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Oh, Deus, realmente sentia-se vulnerável. Uma sensação que nunca
experimentara antes. Os avisos do pai e irmãos voltaram-lhe à mente
com uma clareza espantosa. Eles sabiam do que estavam falando.
Porém nunca, até então, pensara que algo de mal pudesse realmente
lhe acontecer. Sempre levara uma vida tão protegida, tão cercada de
cuidados.
O dia de hoje servira para lhe abrir os olhos.
O armazém era diferente de tudo o que Helene já havia visto. O
telhado da construção, feito com tiras de grama, se debruçava sobre
as paredes de adobe. Do teto, misturados às teias de aranha, um
amontoado de peles de animais e ferramentas. Além da imundície, um
odor horrível de tabaco, pólvora e corpos sujos.
Três homens, sentados junto ao fogão de ferro, lhe lançaram um
olhar avaliador.
- Veja, Reavis, é uma das noivas. E bonita também! Um deles,
barbado e metido em roupas manchadas, logo tomou o lugar atrás do
balcão de madeira. Obviamente embaraçado, coçou a cabeça com
seus dedos ossudos. Helene deu um passo à frente, para que suas
palavras não fossem ouvidas pelos outros.
- Você é o proprietário daqui?
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. O sujeito mascou um pedaço de fumo e esfregou o ombro direito.
- Sou Reavis. Esse lugar é meu.
Os outros dois, embora continuassem sentados junto ao fogão,
pareciam ansiosos para ouvir a conversa, sem se importar em
demonstrar um mínimo de boas maneiras. Helene manteve a voz
propositadamente baixa.
- Sr. Reavis, passei por circunstâncias bastante infelizes. Até que eu
seja reembolsada do que me tomaram, ou possa contar com meus
próprios recursos financeiros, preciso de alojamento.
- Hein?
- Preciso de trabalho e de um lugar para ficar.
- Por que você não disse logo? Alguém já deve ter lhe avisado que
não há nem alojamento, nem emprego.
- Ninguém tem um quarto para alugar?
- Todos têm um quarto. - Reavis coçou O peito. - Mas com um corpo
ocupando o espaço.
- Onde o juiz fica, quando passa pela cidade?
- Dorme num colchão estendido, lá no quarto dos fundos.
- Será que eu poderia fazer o mesmo?
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- Claro que sim. - Reavis trocou um olhar significativo com os
amigos. - Se não se importar com meus roncos.
Helene corou violentamente, porém manteve uma expressão digna no
rosto.
- Oh. Por quê, então, não limpo o armazém?
- Para quê? Ficaria tudo sujo outra vez.
Sabendo que os outros dois acompanhavam a conversa atentamente,
virou-se para fitá-los, sentindo-se à beira da completa exaustão.
- E quanto a vocês, cavalheiros? Por acaso teriam um emprego para
mim? Preciso ganhar dinheiro para voltar para Boston.
- Não há prostitutas no saloon - um deles respondeu, o sorriso
desagradável revelando falha de dentes. - Estaria disposta a se
candidatar ao posto?
Ela não se abalou com a maneira nojenta como o homem percorria
seu corpo com o olhar. Recusava-se a se mostrar aviltada.
Simplesmente nada respondeu.
- Há café naquele canto - Reavis falou. - Ou algo mais forte, se
preferir. Também pode se sentar um pouco.
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- Obrigada - ela respondeu, ansiosa para sair dali -, mas cabei de
comer. - Ignorando os homens que continuavam sentados, marchou
para a porta. Julgando pela maneira vigorosa como o dono do lugar se
coçava, bem podia imaginar como o quarto dos fundos e as camas
seriam.
Entre o armazém e a construção mais próxima, o vento se encarregou
de cobri-la de poeira, removendo todo o frescor que conseguira obter
depois de se lavar na casa de DeWitt.
Parado junto à porta do estábulo de aluguel, o dono, vestindo apenas
calça e botas, a observava aproximar-se como se contemplasse uma
aparição. Embaraçada, Helene manteve os olhos cuidadosamente
focalizados no rosto do desconhecido.
- Como vai? - indagou, educada. Apenas um aceno nervoso como
resposta.
- Estou precisando de trabalho e de um lugar para ficar.
- Não temos trabalho à disposição, senhora. A menos que abra seu
próprio negócio. O mesmo se aplica à moradia.
- Ainda não havia pensado em construir minha própria casa. Terei
isso em mente. - Desesperançada, tentou a última alternativa. - Você é
casado?
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O homem arregalou os olhos, o rosto sujo expressando surpresa.
- Por que a pergunta?
Somente então ela se deu conta do erro que cometera. Não imaginara
ser mal interpretada.
- Eu... apenas pensei que se houvesse uma mulher, eu poderia ...
Desculpe-me tê-lo incomodado.
De cabeça erguida e ombros eretos Helene se afastou, andando o
mais depressa possível, sentindo os olhos do homem fixos às suas
costas.
Alguns metros adiante, à direita, havia um declive que conduzia ao
rio. A sombra oferecida pelas árvores era tão convidativa que não
resistiu. Desceu o barranco e sentou-se sob uma árvore frondosa,
depositando a valise no chão.
- Maldição! - murmurou irritada. Em que encrenca se metera? Podia
imaginar o que Charles e Turner lhe diriam, quando a vissem. Isto é,
se conseguisse encontrar uma maneira de voltar para casa. Se animais
selvagens ou índios hostis a matassem, sua família lamentaria, para
sempre, ter criado uma garota tão tola e teimosa.
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Mandara um telegrama ao pai, de Buffalo, informando-o sobre seus
planos e outro de uma cidadezinha no Michigan. Era bem possível
que a carta que escrevera hoje jamais chegasse a Boston. Podia muito
bem morrer ali, sem que ninguém soubesse o que de fato lhe
acontecera.
Seria a primeira vez que conseguiria uma manchete.
"Filha Tola de Dono de Jornal, Morre na Fronteira!" Provavelmente
Evan se encarregaria de escrever a maldita matéria.
Cansada, Helene apoiou a cabeça na valise de couro e fitou o céu, os
pensamentos voltados para as experiências recentes. Graças a Deus
não estivera no saloon. Depois dos comentários que ouvira, sabia ser
impossível encontrar um trabalho honesto, ou um local onde pudesse
dormir.
Virando-se de lado, fechou os olhos. Sentia-se exausta demais no
momento para resolver a questão. Talvez conseguisse pensar com
maior clareza após alguns minutos de descanso.
Quando Helene tornou a abrir os olhos, estava imersa numa
escuridão total. As costas doíam terrivelmente. O murmúrio da água
se misturava aos ruídos dos grilos, cercando-a de sons desconhecidos.
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De vez em quando, um coaxar insistente parecia vir do rio. Algo a
picou no queixo, fazendo a pele arder.
Desorientada, sentou-se. Ao se dar conta da seriedade da situação em
que se encontrava, estremeceu. Estava sozinha e desprotegida numa
terra indomada, à mercê de índios, animais selvagens e desbravadores
sem escrúpulos. No que estivera Pensando quando se lançara àquela
aventura?
Helene procurou o chapéu e lembrou-se de tê-lo deixado na casa de
DeWitt. Então abriu a valise. Uma vez que os olhos se ajustavam à
escuridão, a lua providenciava luz suficiente para enxergar o conteúdo
da valise e os arredores. Nenhum animal parecia espreitá-la. Decidida
a não se entregar ao pânico, soltou os cabelos, escovou-os, prendeu-
os numa trança e caminhou até o rio. Ajoelhando-se junto à margem,
mergulhou a mão na água e sorveu o liquido fresco com sofreguidão.
Uma brisa fria começara a soprar. E seu casaco mais pesado ficara no
baú, guardado no celeiro de DeWitt.
Depois de aliviar as necessidades físicas atrás de uma vegetação alta,
os mosquitos se refastelando com a área exposta de seu corpo, correu
para perto das árvores e sentou-se, coçando o pescoço e os pulsos
sem parar.
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O que fazer agora? Passar a noite ali? Voltar para as proximidades do
armazém, onde estaria mais protegida do ataque de animais? Talvez
devesse tentar se esconder no celeiro de DeWitt durante o resto da
noite. Ou será que aquele tal de Jack dormia lá?
Asas quase lhe roçaram a cabeça e Helene sufocou um grito de medo.
Apenas uma coruja. Ou um morcego.
De repente, um pio estranho soou à distância. Índios? Devorara
muitos livros sobre o oeste para não saber que os índios costumavam
se comunicar usando sons de animais, seguros de que os brancos não
conheceriam a diferença. Também sabiam se mover no mais absoluto
silêncio e freqüentemente tomavam mulheres brancas como escravas.
Talvez estivesse mais segura nas proximidades da casa de DeWitt.
Helene apanhou a valise e subiu o barranco, ansiosa para tomar a
estrada. Não tinha nenhuma idéia das horas, pois o relógio fora
roubado no assalto. Com sorte, DeWitt estaria dormindo e ela
poderia passar despercebida.
Devagar, para não fazer barulho, abriu a porta do celeiro, rezando
para não encontrar Jack.
- Costumamos enforcar ladrões de cavalos nesse território.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene deixou cair a valise e levou a mão ao peito, virando-se para
encarar o homem que falara junto ao seu ouvido. Uma figura alta, de
ombros largos, surgiu do meio das sombras.
- Sr. DeWitt! Quase me matou de susto!
- Melhor do que ser enforcada.
- Eu não pretendia roubar um cavalo!
- Não? Então o que estava fazendo ao tentar se esgueirar no meu
celeiro?
Helene vacilou, sentindo a autoconfiança abandoná-la.
- Eu... - Preferia não ter que admitir isso. - Eu ia apenas passar a
noite.
- E abandonar seu recanto aconchegante junto ao rio?
- Você estava me espionando? - ela indagou atônita.
- Espionando? Não sei se seria o termo.
- Bisbilhotando? Observando-me sem permissão?
- Sim.
- Pois bem! - Oh, Deus, será que DeWitt testemunhara sua ida aos
arbustos? Envergonhada, abaixou o olhar e pôs-se a coçar um dos
pulsos, onde fora impiedosamente picada.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Venha. - DeWitt apanhou a valise e a segurou pelo braço.
- O que está fazendo?
- Você não pode ficar ao relento durante toda a noite e tampouco se
instalar no celeiro.
Através do tecido grosso da roupa, Helene podia sentir a firmeza da
mão masculina.
- Jack está aí dentro?
-Sim.
- Para onde está me levando?
- Para minha casa. Assim saberei que estará segura e então poderei
dormir um pouco.
- Não posso ficar com você! Ambos sabemos que não é próprio.
Ele parou diante da porta e soltou-a.
-- O que é próprio, ou não, não tem grande importância por aqui.
Sim, admitia que DeWitt tinha razão. Porém não vivia naquele
território. Era do leste, onde as convenções sociais estavam acima de
tudo. Por outro lado, os nativos de Boston não se viam obrigados a
lidar com animais selvagens e índios.
- Tem ursos aqui por perto?
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- Sim. Urso pardo.
Mais temerosa de ursos do que daquele estranho, Helene entrou na
casa.
- Tem razão. Convenções sociais não parecem importantes agora.
Depois de levar a valise para o quarto onde Helene se lavara horas
antes, Cooper voltou com um enorme rolo de peles.
- Vá em frente. Vou dormir aqui.
Helene o observou ajeitar as peles diante da lareira.
Não tivera intenção de fazê-lo sair da própria cama.
- Dormirei no celeiro, se preferir - ele falou, interpretando de maneira
errada a hesitação feminina.
- Não. Não quero lhe impor minha presença. Posso muito bem
dormir no chão.
- Você terá o quarto todo para si. Além do mais, tenho dormido no
chão quase toda minha vida .
- É mesmo? - Que tipo de família DeWitt tivera? Como fora criado?
Ele deu um passo à frente e, gentilmente, tomou-lhe as mãos nas
suas, inspecionando as picadas, Então observou a região do queixo e
do pescoço. Depois de soltá-la, foi até o fogão e trouxe uma bacia
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com água. Para um homem tão grande, Cooper movia-se com ex-
trema elegância, sem fazer o menor ruído.
- A água ainda está quente. Vá se lavar. Tenho algo para aliviar a
coceira.
Helene entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. Para sua
surpresa, deparou-se com o baú, encostado num canto. Por que
DeWitt o trouxera para cá? Grata pela gentileza, ergueu a tampa e
examinou o conteúdo. As roupas estavam amassadas e empoeiradas,
porém mais limpas do que as que usava. Depressa, despiu-se e lavou-
se. Então colocou a camisola e o robe. DeWitt a aguardava junto à
mesa.
- Sente-se.
Perto daquele homem, sentia-se pequenina e vulnerável, um
sentimento que não a agradava nem um pouco. Com o coração
batendo descompassado, obedeceu.
Cooper mergulhou os dedos num pote de argila e retirou um pouco
de uma substância amarela e brilhante. Devagar, esfregou o ungüento
nos seus pulsos, o toque surpreendentemente gentil fazendo-a relaxar.
No mesmo instante o ardor das picadas desapareceu. De repente,
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Helene ficou tensa, um calor estranho inundando-lhe o corpo. Estava
sozinha com um homem... um estranho.
Impossível não reparar na beleza do rosto viril, o bronzeado da pele
fazendo sobressair ainda mais o azul dos olhos e a cor dos cabelos
lisos.
Havia um bom motivo para que estivessem assim tão próximos,
partilhando uma situação de quase... intimidade. Claro que DeWitt
não poderia passar o ungüento em seus pulsos se se recusasse a
erguer as mangas do robe. E o toque leve, suave, era apenas um ato
de bondade humana.
Quando ele a tocou no queixo, Helene sufocou um estremecimento.
Os dedos masculinos, longos e fortes, deslizaram sobre seu pescoço
lentamente, parecendo acariciá-la.
- Algum lugar mais onde devo passar o ungüento? Helene não
respondeu, os olhos fixos na boca sensual, tão próxima à sua.
- Senhorita?
Embaraçada, ela se remexeu na cadeira, desviando o olhar, as picadas
na parte inferior do corpo coçando terrivelmente. Numa sociedade
civilizada, ninguém, jamais, fazia referência às pernas. Portanto, não
podia mencionar o local das piores picadas.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Ah...
Cooper lhe entregou o pote, a mão calejada roçando-lhe a pele...
- Leve isto com você.
Ela concordou com um aceno, querendo dizer mais, querendo
perguntar-lhe por que havia decidido ajudá-la.
- Sr. DeWitt?
Embora nada dissesse, os olhos azuis revelavam interesse.
- Obrigada por tudo.
- De nada.
Qualquer que tivesse sido o motivo que o fizera auxiliá-la, apreciava
imensamente o gesto.
- Você realmente não tem porquê acreditar que sou quem digo ser.
Admito que agi de maneira impensada. Esperava que quando lhe
explicasse a situação e lhe entregasse o dinheiro que Tess mandou
devolver, você entenderia e mandaria buscar uma nova esposa. Eu
'Sabia que seria uma inconveniência, porém não pensei no quanto os
acontecimentos o desapontariam.
Helene caminhou até o quarto. De súbito, um pensamento lhe
ocorreu. Curiosa, virou-se para fitá-lo.
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- Você nunca me perguntou nada sobre Tess.
- Que importância tem isso agora?
- Você merece algo melhor.
Cooper a viu entrar no quarto e fechar a porta atrás de si. Qual seria o
significado daquele comentário? Que merecia algo melhor do que
Tess Cordell? Ou que merecia algo melhor do que ser deixado no
altar?
Essa criatura era uma mistura fascinante de contradições. De um
lado, a postura elegante e a beleza delicada lhe davam um ar de
extrema sofisticação e charme. Exatamente o tipo de mulher com
quem sonhara. Por outro lado, a teimosia e a franqueza com que se
expressava, tornavam ainda mais evidentes as diferenças dos mundos
a que ambos pertenciam. Tratava-se de uma dama educada em todos
os sentidos. Sagaz e bem informada. Alguém nascida e criada para
levar uma vida distante daquilo com que estava familiarizado.
O brilho vivaz do olhar caracterizava unia criança impetuosa.
Entretanto, as curvas sinuosas do corpo pertenciam a uma mulher. E
quanto mais observava de sua natureza, mais se convencia estar
diante de uma pessoa incapaz de mentir para se livrar de uma situação
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desagradável. Além de determinada, a srta. Wainwright mostrava
integridade.
De fato, era mesmo a repórter que afirmava ser. O que faria com ela,
então? Ficara claro, desde o princípio', que teria de acolhê-la durante
as próximas duas semanas, a menos que a levasse de volta para casa.
O que estava fora de cogitação. Tinha negócios a tratar. Amanhã
mesmo chegaria parte dos suprimentos que encomendara.
Bem, ela teria que ganhar seu sustento. Mas não fora para isso que
mandara vir uma mulher?
Cooper apagou o lampião e deitou-se sobre o catre forrado de peles,
tendo o cuidado de colocar o rifle ao alcance das mãos. Sorriu ao
lembrar-se da relutância de Helene Wainwright ao "obrigá-lo" a sair
da própria cama. Na verdade, fizera aquela estranha peça de mobília
há duas semanas e não dormira ali nem uma vez sequer. A idéia de
fazer a cama lhe ocorrera certa noite, um pouco antes de terminar a
casa. Até então, vivera numa das pequenas construções, junto ao ce-
leiro. Chumani, viúva de seu irmão, e o filho, Yellow Eagle, viviam na
construção ao lado.
Pouco a pouco, fora instalando na nova morada itens considerados
sinais de civilização. Uma esposa da cidade iria precisar de um fogão.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Não seria direito esperar que cozinhasse utilizando uma fogueira.
Uma dama também precisaria de um lugar apropriado para dormir.
Assim, decidira fazer a cama.
Quanto à aparência de Tess Cordell, pouco se preocupara. Não
importava se era jovem, ou atraente. Uma natureza agradável, com
mãos habilidosas e raciocínio rápido teria sido suficiente. Alguém
capaz de ensinar Yellow Eagle a ler e escrever. Somente assim o
menino poderia ter um verdadeiro futuro.
Realmente não esperara que Tess Cordell, ou Helene Wainwright,
pulasse da diligência para seus braços, ansiosa para casar-se. Porém,
depois de haver conhecido essa jornalista teimosa, a idéia começara a
lhe parecer atraente. O que estaria fazendo a essa hora da noite se
aquela beleza petulante, agora dormindo no quarto, fosse de fato sua
noiva? Era impossível não imaginar... desejar...
Cooper virou-se de bruços, banindo os pensamentos perigosos.
Cuidaria da segurança da srta. Wainwright enquanto ambos
aguardavam a diligência que a levaria de volta para casa. Até então,
seria melhor manter a mente voltada para os negócios. Se não tivesse
cuidado, acabaria metido numa encrenca.
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Mas, ao adormecer, a última imagem a lhe passar pela cabeça, foi a de
uma mulher com olhos salpicados de dourado e cabelos tão negros
quanto a noite.
Helene acordou de repente. Sentou-se na cama e piscou várias vezes,
tentando orientar-se. Então tornou a relaxar, puxando o cobertor
macio até o queixo. Era a primeira vez que dormia tão bem em
semanas. Seu anfitrião lhe proporcionara uma cama confortável e
paredes capazes de bloquear sons exteriores. Qualquer um podia se
sentir contente ali.
Por que essa idéia lhe ocorrera? Relutante, jogou as cobertas para o
lado e levantou-se. Lavou o rosto, os dentes e vestiu-se depressa,
perguntando-se se DeWitt já estaria de pé.
Devagar, abriu a porta do quarto. O homem, e a pilha de peles,
haviam desaparecido. Hesitante, resolveu usar a latrina.
Quando estava voltando para casa, chocou-se com um metro e trinta
de energia pura. Helene conseguiu manter o equilíbrio, porém o
menino caiu sobre a grama. Mas imediatamente levantou-se e fitou-a .
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Oh, Deus, um indiozinho! De onde será que ele surgira? Será que
havia mais índios escondidos nas proximidades? Não era possível que
estivesse só. Estaria perdido?'
Não vendo ninguém mais nas redondezas, Helene o analisou da
cabeça aos pés. O garoto usava calça, túnica com franjas e mocassins,
como os de DeWitt. Cabelos negros e lisos chegavam-lhe até os
ombros.
Talvez fosse uma cilada. Talvez o resto da tribo os estivesse
espreitando, esperando o momento certo de atacá-los. Deveria correr
em busca de DeWitt? Ou gritar?
A criança aparentava uns dez anos.
Erguendo a mão num gesto que esperava significar paz, Helene falou:
-Olá.
- Quem é você? - o garoto indagou numa voz irritada, os olhos
negros examinando-a sem a menor simpatia.
- Helene Wainwright. E você?
- Você está aqui para se casar com Cooper?
Surpresa com o perfeito uso da linguagem, ela ignorou o tom rude da
pergunta.
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- Não. Sou apenas uma hóspede da casa. Quem é você?
- Yellow Eagle, do Wajaje tiyospay - ele retrucou orgulhoso.
- De onde você vem?
- Que diferença faz? Essas terras já não são meu lar, por causa do seu
povo. Volte para o lugar de onde veio:
Naquele instante uma índia apareceu na porta de uma das casas de
adobe. Ela usava um vestido reto, na altura dos tornozelos, feito com
o mesmo couro macio da calça de DeWitt. Helene observou-a
fascinada. Quantos índios haveria nas redondezas? Será que moravam
ali?
A mulher aproximou-se, os pés calçados de mocassins parecendo
deslizar sobre a grama. Numa língua estranha, disse algo para Yellow
Eagle.
O garoto respondeu no mesmo idioma, sem disfarçar a irritação. A
índia, evidentemente, lhe chamou a atenção.
- Minha mãe está me pedindo para lhe dizer que se chama Chumani.
Diz estar honrada em conhecê-la e pede-lhe que entre para comer
alguma coisa.
- Oh, não, eu... eu não poderia. Obrigada, mas...
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- Ótimo, então não coma.
Quando o menino ia se afastar, a mulher deu uma ordem num tom
firme.
- Ela diz que guardou algo para você, pois Cooper já comeu.
- Esta manhã? O Sr. DeWitt comeu com vocês esta manhã?
- Ele sempre come conosco.
Confusa, Helene fitou a mulher de pele acobreada e olhar inseguro.
Era como se a índia estivesse à espera de aprovação, ou rejeição.
Então a ouviu trocar umas palavras com o garoto.
- Que foi que ela disse?
- Ela quer saber o que foi que você disse a mim.
Helene sentiu-se relaxar. Se DeWitt fazia as refeições com eles
regularmente, não havia motivos para se preocupar.
- Diga a ela que aceito o amável convite.
Depois de Yellow Eagle traduzir a resposta para Chumani, a índia
sorriu, satisfeita.
A pequena construção estava impecavelmente limpa e arrumada.
Chumani fez sinal para que Helene se sentasse à mesa, numa das
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cadeiras forradas. Então a serviu de uma mistura cremosa e
adocicada, come um mingau, e de pãezinhos frescos.
- Está delicioso.
Yellow Eagle traduziu o comentário a pedido da mãe. Chumani
também lhe entregou uma xícara de café.
Embora não fosse a bebida que mais lhe agradasse, Helene sorveu o
líquido quente até a última gota, temendo ofender a anfitriã.
Por que será que mãe e filho não tinham aparecido na casa grande na
noite anterior? Provavelmente presumiram que DeWitt e esposa
gostariam de um pouco de privacidade.
Curioso pensar que esses índios estivessem vivendo ali, entre os
habitantes de Stone Creek. Mas agora que analisava a situação
racionalmente, lembrava-se de ter lido notícias sobre várias tribos que
assinaram tratados de paz e agora viviam em reservas demarcadas
pelo governo.
- Como vocês vieram parar nessas redondezas? perguntou, incapaz de
conter a curiosidade.
- Somos oglala - o garoto respondeu, como se isso resumisse tudo.
- Onde está o resto de sua família?
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- A maioria continua na reserva, sem o suficiente para comer e sendo
tratados feito cães.
- É por isso que vocês estão aqui?
- Aqui temos comida e conforto.
- Estão sozinhos?
- Meu pai foi assassinado.
- Que tristeza! - Helene murmurou sincera.
- Cooper é meu pai agora - Yellow Eagle exclamou, erguendo o
queixo indignado.
Aquela informação levou vários minutos para ser absorvida. Helene
observou a camisa que a índia estava costurando num canto junto à
lareira. Era idêntica à que o Sr. DeWitt estivera usando no dia
anterior. Chumani fazia as roupas dele?
Mãe e filho trocaram algumas palavras rápidas enquanto Helene
procurava se distrair com o café.
- Te-wah-hay - a mulher falou.
- Que foi que sua mãe disse?
- Somos a família de Cooper.
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Uma sensação de desaponto e raiva inundou-lhe o peito. O garoto
considerava DeWitt o pai e a mulher costurava suas roupas. Ouvira
contar de muitos desbravadores que tomavam índias para esposa.
Não que a idéia em si a repelisse. O que fazia seu sangue ferver nas
veias era o fato de DeWitt haver colocado um anúncio procurando
noiva, quando na verdade já possuía uma índia dentro de casa. Que
tipo de homem se prestava a um papel desses? E por que trazer uma
mulher da cidade para o oeste longínquo?
Recordava-se muito bem das palavras na carta enviada a Tess Cordell.
DeWitt precisava de uma mulher capaz de ler e escrever. Alguém para
ajudá-lo nos negócios. Tampouco fazia questão de que a noiva se ati-
rasse aos seus pés, num arroubo de paixão. Agora entendia por que
nada, além da educação, importava. Cooper DeWitt já possuía uma
esposa.
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CAPÍTULO IV
Furiosa, Helene terminou a refeição e bebeu a xícara de café forte até
o fim sem deixar transparecer a extrema agitação interior. Será que
aquela índia sabia que o Sr. DeWitt mandara buscar uma esposa?
Todo mundo tinha conhecimento do fato. Porém, obviamente, a
coitada não falava inglês. Portanto, não devia ter sido difícil enganá-la.
Entretanto, a presença de uma noiva não seria assim tão fácil de
esconder. Que será que a pobre índia pensara quando DeWitt passara
a noite acompanhado? Na verdade, seus conhecimentos sobre os
costumes indígenas eram escassos. Talvez bigamia fosse aceitável.
Talvez fosse melhor ter um homem desprezível tomando conta de si,
do que morrer de fome numa reserva, como Yellow Eagle dissera.
Que faria essa mulher para se ocupar durante todo o dia? Ficaria
louca se fosse obrigada a viver num espaço apertado, sem ter nada o
que fazer a não ser costurar.
- Obrigada pela refeição - Helene agradeceu, levantando-se.
Yellow Eagle traduziu.
Chumani a brindou com um sorriso suave.
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Mil perguntas lhe passavam pela cabeça. Mas, em vez de tentar
esclarecer as dúvidas que a consumiam, virou-se para o garoto.
- Você sabe onde o Sr. DeWitt está agora?
-Sim.
- Poderia me dizer?
- Ele está trabalhando.
- Quero apenas lhe falar por um instante.
- Cooper não vai gostar de ser interrompido.
- Posso lidar com isso.
Dando de ombros, o menino levantou-se e marchou para a porta.
Depois de um último olhar para a índia, Helene o seguiu.
Caminharam alguns metros em silêncio, até uma espécie de galpão,
onde as mercadorias ficavam armazenadas.
Três homens, nus da cintura para cima, descarregavam uma enorme
carroça. Helene nunca vira tanta pele exposta em toda sua vida! A
surpresa foi tanta, que quase escorregou na grama macia.
Dois dos homens, a quem não conhecia, logo notaram sua presença e
pararam de trabalhar para observá-la.
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O terceiro, Cooper DeWitt, puxava um fardo pesado para a frente, os
músculos das costas largas e dos ombros flexionados sob a pele
bronzeada. Quando os outros dois não fizeram nenhum movimento
para ajudá-lo, ele virou-se para descobrir qual a causa da distração,
Helene parecia presa de um encantamento. Era impossível não
admirar a figura máscula. O sol da manhã dava a impressão de
envolvê-lo num halo dourado, o vento balançando os cabelos louros,
presos num rabo-de-cavalo.
Falando asperamente com os dois, Cooper os fez voltar ao trabalho e
caminhou ao encontro de Helene, fazendo sinal para que Yellow
Eagle retornasse à casa. O garoto parecia bastante satisfeito com o
desenrolar da cena.
- Preciso falar com você - ela foi direto ao ponto, determinada a
esclarecer a situação vergonhosa de Chumani.
- Fique perto da casa.
- Estou perto da casa. - Apesar de tensa, manteve-se firme, fitando-o
nos olhos.
- Você não deveria ter vindo aqui.
- Por que não?
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- A casa é mais segura.
- Os ursos costumam rondar os arredores durante dia?
- Animais não são o único perigo.
- Como assim? - Ela resistiu ao desejo de fitar o peito nu.
- Homens entram e saem daqui o tempo inteiro.
- Fui criada no meio de homens, Sr. DeWitt. Não me sinto
intimidada. - Todos os homens com quem convivera eram
cavalheiros e nunca se expunham sem camisa, porém não pretendia
esclarecer esse detalhe.
- Os homens desse território não estão acostumados a ver muitas
mulheres. Especialmente jovens e bonitas.
O cumprimento implícito a fez corar. Então ele a considerava bonita?
Helene precisou se esforçar para lembrar-se do que a levara até ali.
- Preciso lhe falar.
- Eu a verei na hora do almoço.
- Mas é importante.
- Tenho trabalho a minha espera. Já disse que a verei na hora do
almoço.
- O que espera que eu faça até então?
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- O que planejava fazer ao chegar aqui?
- Planejava escrever uma história!
- Pois escreva uma história! - Cooper lhe deu as costas e afastou-se
sem olhar para trás.
Helene permaneceu imóvel, fitando o corpo viril, tentando não
prestar atenção nos músculos sob a calça de couro macio.
Frustrada, pôs-se a andar na direção da casa. "Garota de Boston
Morre de Tédio", pensou desanimada. Ao descobrir Chumani
trabalhando junto ao fogo, parou para observá-la. Uma tigela feita de
madeira estava cheia de grãos de milho e a índia ocupava-se em
esmagá-los com o auxílio de um pilão, também de madeira.
Diante de seus olhos, em questão de minutos, os grãos se
transformaram em farelo.
- É incrível.
A índia ergueu os olhos e sorriu.
- Nunca vi nada assim antes. Na minha cidade, vamos ao mercado
quando queremos comprar farinha. Já vem tudo ensacado, pronto
para usar.
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Acomodada num banquinho, Helene resolveu acompanhar os
preparativos da refeição. Chumani realmente era uma mulher bonita,
com seus cabelos escuros e brilhantes, cílios longos e espessos. Ela se
movia com leveza e elegância mesmo na execução das tarefas mais
simples.
Era fácil perceber quão atraente deveria parecer aos olhos de um
homem. Além da beleza plácida, era quieta e trabalhava duro. Seria
esse o tipo de mulher que Cooper pensara poder trazer da cidade?
Mas será que uma mulher com sangue quente nas veias se sujeitaria a
partilhar o marido com outra?
Dali a instantes Yellow Eagle chegava com um monte de gravetos
para alimentar o fogo e tornava a desaparecer.
. Depois de vários minutos, Helene foi ficando inquieta, sem ter com
o que se ocupar.
- Posso ajudar? - indagou.
Inclinando a cabeça, Chumani mostrou não haver entendido.
- Eu. - Helene apontou para si mesma e então mexeu as mãos. –
Ajudar...
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A índia entendeu afinal. Com gestos explicativos, demonstrou como
gostaria que Helene a ajudasse. Pouco a pouco, o milho deveria ser
retirado da água em que estava sendo fervido e, depois de
embrulhado num pano, regado com água fresca, retirada de um balde.
- Entendi - Helene falou satisfeita. – Lavar o milho. Posso fazer isso. -
Após várias lavagens, ela ergueu o balde vazio. - A água acabou.
Chumani apontou para o balde, depois para um outro vazio e então
para a parte dos fundos da casa.
Finalmente entendendo o que a índia queria lhe dizer Helene
apanhou os baldes e marchou para o local indicado, descobrindo a
nascente do rio perto do qual estivera na noite anterior. Na volta, o
peso dos baldes, como era de esperar, triplicou.
Foram necessárias mais cinco viagens às margens do rio antes que o
milho estivesse lavado. A comida que Chumani preparava parecia
cada vez mais apetitosa.
- Que é isso? - Helene indagou, aspirando ao aroma delicioso e
sentindo o estômago roncar.
- Gu-Que - Chumani respondeu. Percebendo a falta de compreensão
da outra, colocou os braços junto ao peito e bateu os cotovelos.
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- Ah, algum tipo de ave. - De repente, Helene já não sentia tanta fome
assim.
Yellow Eagle trouxe vários pedaços de casca de árvore e os entregou
à mãe, que encheu as cavidades com a farinha de milho e ajeitou tudo
junto ao fogo.
As pequenas aves estavam douradas agora e o cheiro parecia o de
frango assado.
Depois de a mãe lhe dar alguma ordem, o garoto saiu. Vários minutos
depois, chegavam DeWitt e os dois homens, todos propriamente
vestidos.
- Sr. Clark - Cooper falou, indicando o sujeito de meia-idade, com
cabelos até os ombros - e Sr. Gilman. São mercadores do norte -
explicou à Helene.
O segundo era jovem, com ombros quase tão largos quanto os de
DeWitt e um olhar que dava a impressão de querer despi-la.
Nenhum dos três puxou uma cadeira para que se sentasse, porém
fingiu não notar.
- É incomum ver uma jovem como você nessa região - comentou
Clark. - Como veio parar aqui?
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- Bem, eu ...
- Ela veio se encontrar com o marido - DeWitt a interrompeu,
sentando-se ao lado de Chumani, os cabelos úmidos nas têmporas,
como se tivesse acabado de lavá-los. - Eles vão se mudar para o
Colorado.
Helene o fitou, porém Cooper não lhe deu atenção e pôs-se a comer
tranqüilamente. Ela também se manteve quieta durante toda a
refeição, exceto para perguntar a Yellow Eagle que ave era aquela.
- Faisão - o garoto respondeu seco.
Já comera faisão antes, mas não preparado de maneira tão deliciosa,
ou tão demorada.
Ao terminar, os mercadores agradeceram a Chumani e saíram.
- Você vai cumprir sua palavra e falar comigo agora? - Helene o
interpelou.
Cooper fitou-a fixamente. - Vá em frente.
- Podemos conversar lá fora?
Os dois caminharam até as proximidades da casa de madeira.
- Primeiro: por que mentiu àqueles homens, afirmando que tenho um
marido?
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- Para sua segurança.
- Do que você pensa estar me protegendo?
- Homens da fronteira não vivem pelas regras civilizadas às quais
você está acostumada. Deveria ter aprendido a lição, depois de haver
viajado na diligência.
A lembrança do que poderia ter acontecido a Olívia, e a todas as
outras, nas mãos dos rufiões, desfez quaisquer dúvidas. Assim,
abordou a questão que a incomodava.
- Estou desapontada com você.
Nenhum comentário. A mesma expressão impassível no rosto.
- Acho deplorável ter mandado buscar uma noiva, quando já tem
esposa!
- Chumani? - DeWitt indagou, franzindo a testa.
- Você sabe muito bem que estou me referindo a Chumani. Talvez ela
não se importe em partilhar o marido com outra, porém posso lhe
assegurar que qualquer mulher do Leste terá muitas objeções.
Ainda silêncio.
- No que você estava pensando quando tomou essa atitude? - Helene
insistiu acalorada. - Se os desbravadores esperam que as mulheres
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suportem as dificuldades da viagem e dessa terra, então é melhor que
comecem a viver de acordo com regras mais civilizadas.
Cooper se limitou a fitá-la.
- A primeira dessas regras é uma esposa por homem.
- Ela é esposa de meu irmão, não minha.
- Realmente acreditei que você encarava essa questão de esposa com
seriedade. Afinal, construiu uma casa e... O quê?
- É dever do irmão de um guerreiro morto tomar a esposa dele como
sua.
Helene calou-se, tentando entender o significado das palavras. Então
o irmão de DeWitt era índio? Como, se ele era tão branco quanto ela?
Havia uma história ali. E uma história fascinante.
- Chumani também pensa que devo ter uma esposa branca. Cuido
para que nada lhe falte, ou à Yellow Eagle. Entretanto, ela não é
minha esposa. Não da maneira que você está pensando.
Imediatamente Helene enrubesceu. - Entendo.
- Posso ir trabalhar agora?
Ela o observou afastar-se, convencida de que deveria tê-lo
pressionado até obter a história por trás do enigma.
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De boa vontade, ajudou Chumani a lavar os pratos, mais confortável
agora, sabendo que a índia e Cooper não estavam... envolvidos.
Sentia-se aliviada por não existir uma esposa na vida de um homem
que mal conhecia? Parecia loucura, porém era verdade. Mas por que
deveria se importar?
Depois de descansar à tarde, voltou à casa de adobe e se ofereceu à
Chumani para ajudá-la a preparar oi jantar. Ela lavou milho e
carregou baldes de água até seus braços e ombros ficarem dormentes
devido à tarefa penosa e repetitiva. À hora do jantar, mal conseguia
erguer o braço para levar o garfo à boca.
- Srta. Wainwright?
Helene levantou a cabeça num arranco, percebendo que estivera
cochilando à mesa.
- Sim?
- Amanhã você pode começar a merecer seu salário.
Irritação tencionou seus músculos cansados.
- Pensei ter começado hoje.
- É mesmo? - DeWitt fitou-a curioso, a luz do fogo lançando reflexos
dourados sobre seus cabelos. Helene precisou conter o desejo
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surpreendente de deslizar a mão pelos fios longos, de tocar o rosto
viril.
- Ajudei Chumani a triturar o milho. Carreguei baldes e baldes de
água, lavei os grãos e até os moí.
- Chumani tem feito tudo isso sozinha há anos.
- Bem, eu... eu ... - Inexplicavelmente, as palavras dele a magoaram.
Falhara em obter a aprovação de DeWitt, mesmo quando dividira
todas as tarefas com Chumani, esforçando-se para aprender depressa
a maneira certa de fazer as coisas. Por que a aprovação desse homem
lhe era importante? Como sempre, tentara, com todas as suas forças,
acertar.
- Pensei estar ajudando - ela falou, tendo o cuidado de esconder o
desapontamento.
- Você está em débito comigo. Não se esqueça disso.
Como poderia se esquecer?
- Um dos motivos pelos quais mandei vir uma esposa, era para que
Yellow Eagle pudesse ter alguém capaz de lhe ensinar a ler e escrever.
Ela depositou o garfo no, prato e olhou o menino, percebendo como
a possibilidade de receber aulas o desagradava.
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- E os outros motivos?
DeWitt terminou de comer e tomou uma xícara dê café.
- Meus negócios cresceram rápido demais. Não posso manter a
contabilidade em ordem como gostaria.
- Precisa de um guarda-livros?
-Sim.
Yellow Eagle cerrara os lábios, uma expressão desafiadora no rosto.
- Por que você diz isso?
- Tantos brancos vieram para cá, que já não temos onde caçar. E
muitos mais virão. O Leste deve estar infestado com gente do seu
tipo.
- As cidades estão cheias, sim. Há tantas construções, que temos que
olhar bem para cima, em linha reta, para enxergar o céu. Nunca vi o
céu em todas as direções até chegar aqui.
- Depois de os brancos construírem suas casas e lojas, será assim aqui
também - Yellow Eagle sentenciou.
Era difícil imaginar que houvesse gente no mundo suficiente para
preencher os espaços abertos das terras que vira durante a viagem.
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- Oh, creio que não! E as pessoas têm tantas coisas interessantes para
trazer para cá.
- Não precisamos de nada que os brancos possam trazer. - A
expressão de DeWitt era tão irônica quanto a do sobrinho.
- E quanto a jornais e livros?
- Os sioux têm passado sua história de geração em geração, por
tradição oral, muito antes da chegada dos brancos - DeWitt rebateu.
- Ferramentas?
- Eles sempre fabricaram as próprias ferramentas.
- Cooper fez uma expressão de intenso desagrado.
- Não se esqueça de mencionar os soldados.
- Médicos. - Ninguém podia negar que a medicina moderna era um
benefício para a humanidade,
- Os sioux têm seus curandeiros. A propósito, como estão suas
costas?
Helene colocou os ombros para trás e, surpresa, constatou que a dor
havia desaparecido.
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- Não se esqueça do uísque - ele completou. - E catapora. E cólera.
Meu povo tem morrido tanto por causa de suas doenças, quanto
abatido por suas armas.
Ela ficou em silêncio, sem saber o que responder.
Desde o primeiro instante em que pusera os pés naquela terra, não se
sentira bem-vinda e cada palavra de DeWitt apenas intensificava a
sensação.
Chumani disse algo e Yellow Eagle traduziu.
- Onde está seu povo?
- Família - Cooper esclareceu.
- Em Boston. Meu pai e irmãos administram um jornal, chamado The
Daily. Minha mãe... - Como explicar o que fazia sua mãe? - Minha
mãe toma conta da casa.
DeWitt conversou longamente com Chumani, que parecia interessada
em fazer mais perguntas.
- Sua mãe a ensinou a cozinhar e costurar?
Por um instante, Helene desviou o olhar. Havia tanto ressentimento
em relação a si, apenas porque era branca. Qual o sentido do
preconceito?
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- Não. Temos servos que cuidam da cozinha e nossas roupas sãos
feitas por costureiras. Minha mãe supervisiona tudo e se dedica a
trabalhos de caridade.
Cooper escutou as explicações sem demonstrar surpresa. Mulheres da
cidade eram criaturas mimadas, incapazes de se adaptarem àquelas
terras. Onde estivera com a cabeça, quando mandara vir uma noiva?
Talvez tivesse sido mesmo melhor que Tess Cordell houvesse
mudado de idéia e ido para a Filadélfia. Precisava pensar bastante
antes de colocar um novo anúncio. Entretanto, não lhe restava muita
escolha.
Continuava precisando de alguém para ensinar o garoto e ajudá-la
com os negócios. Quem sabe haveria tempo suficiente para a srta.
Wainwright se incumbir de ambas as funções antes de voltar para
casa? Afinal, indefesa e sem dinheiro, a jovem só tinha a ele a quem
recorrer em busca de ajuda e proteção.
- Está pronta para dormir? - DeWitt perguntou, notando-a sonolenta.
Helene concordou com um aceno de cabeça e ajudou Chumani a
lavar os pratos.
Ele precisava admitir que aquela criatura, criada na cidade, parecia não
temer nenhum tipo de trabalho e tampouco se sentia à vontade
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dependendo de alguém. A srta. Wainwright faria qualquer coisa para
ir embora dali o quanto antes.
- Venha. - DeWitt aguardou-a dizer boa-noite a Chumani e Yellow
Eagle antes de acompanhá-la até a casa. Era estranha a sensação de
ter a saia· rodada roçando na sua calça enquanto caminhavam. Helene
Wainwright era a primeira jovem branca com quem tinha contato em
mais de vinte anos. Não sabia bem o que falar, ou como agir, junto
dela. E incomodava-o preocupar-se com isso. Essa mulher não
significava nada. Pelo contrário, simbolizava tudo o que odiava.
Um coiote gemeu ao longe e Helene o segurou no braço com força, a
respiração alterada. O estremecimento de prazer que o percorreu foi
inteiramente contra sua vontade.
Era bom sentir as mãos delicadas pousadas sobre seus músculos, os
seios firmes tocando-o de leve no peito. Já havia aspirado o perfume
dela antes, quando a vira descer da diligência e quando a levara para
casa pela primeira vez. Porém, não tão de perto. Essa noite, o cheiro
deliciosamente feminino, combinado com o aroma da noite, o estava
fazendo reagir de uma maneira da qual não gostava nem um pouco.
- Que foi isso? - ela indagou ansiosa.
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- Um coiote. Mas eles só se aproximam se temos carne sendo
defumada. Não há necessidade de ter medo.
Percebendo que o segurava pelo braço, Helene soltou-o no mesmo
instante.
- Não estou com medo.
Cooper ainda podia sentir o toque das mãos macias sobre sua pele, o
calor do corpo esguio junto ao seu. Não queria se sentir atraído. Mas
não havia como alterar a realidade. Eram um homem e uma mulher,
obrigados a partilhar uma certa intimidade por obra do destino.
Entretanto, sua educação refinada e a tez muito branca, apenas
comprovavam o quanto Helene era incompatível com aquela terra e,
por extensão, com ele também. Porém, se fosse honesto consigo
mesmo, admitiria que eram essas diferenças o que a tornavam tão
atraente aos seus olhos.
Dali a duas semanas, Helene partiria. Esperava apenas que pudesse
continuar negando essa atração até o último momento.
Ao entrar na casa, Cooper acendeu o lampião.
- Você pode começar a ensinar Yellow Eagle amanhã cedo. Será a
metade do dia suficiente para as lições?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Não sei. - Os olhos delas pareciam ainda maiores na penumbra. -
Nunca ensinei ninguém antes. Provavelmente usaremos a manhã
inteira. Talvez à noite, antes de deitar, possamos fazer uma revisão
das lições.
Ele não gostou nem um pouco do rumo de seus pensamentos
quando Helene, inocentemente, mencionou a hora de deitar.
- Isto é muito importante para você, não? Que o menino aprenda a
ler e escrever? Tão importante que deseja ter alguém que se dedique à
tarefa de maneira especial?
- Os sioux estão sendo forçados a assinar tratados nos quais abrem
mão de suas terras em troca de comida e provisões irrisórias para as
reservas. Aqueles que puderem se adaptar e sobreviver no mundo dos
brancos, terão chances de uma vida melhor.
- Nunca pensei... Quero dizer, nunca pensei em como deve ser para
os índios...
- Poucos brancos têm pensado, srta. Wainwright.
- Os jornais publicam histórias sobre ataques de índios hostis, sobre
mulheres e crianças sendo mortas. Há centenas de livros sobre
selvagens renegados e os esforços heróicos dos soldados.
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- Quem os escreve?
- Homens brancos - ela admitiu.
- É possível que haja alguma verdade nesses livros.
Pensativa, Helene mordeu o lábio, o gesto simples carregado de uma
sensualidade inconsciente.
Oh, céus! Ela era linda. Feminina. E tão deslocada ali...
- Boa noite, srta. Wainwright.
- Boa noite, Sr. DeWitt.
Helene entrou no quarto e fechou a porta. Inquieto, Cooper tirou as
armas do coldre e colocou-as sobre a mesa para limpá-las e lubrificá-
las. Entretanto, mal podia prestar atenção nos próprios movimentos.
Apesar de tentar se concentrar na tarefa, seus pensamentos insistiam
em retornar para a mulher atrás daquela porta. Imaginava-a tirando as
roupas, deitando-se na cama...
Não havia do que reclamar. Estava conseguindo o que queria sem
maiores envolvimentos. Helene ensinaria Yellow Eagle a ler, além de
auxiliá-la a colocar os negócios em ordem.
O desfecho das coisas ainda podia ser para o melhor.
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Afinal, obteria a ajuda necessária sem ter uma mulher da cidade nos
seus calcanhares. Aliás, uma mulher como aquela era a última coisa de
que precisava na vida. Felizmente fora capaz de perceber antes que
fosse tarde demais. Tess Cordel acabara lhe fazendo um grande favor.
Som de cascos de cavalos e gritos acordou Helene na madrugada do
dia seguinte. Ela lavou-se e vestiu um conjunto de saia e blusa, os
músculos dos braços e ombros terrivelmente doloridos. Com
dificuldade, trançou os cabelos e prendeu-os num coque.
O catre de peles estava vazio, dando a impressão de que DeWitt se
levantara às pressas. Como o barulho continuasse do lado de fora,
Helene não hesitou em Sair.
Atrás da casa, impressionantemente vívidos às primeiras luzes da
manhã, uma dúzia de índios montavam imponentes seus cavalos.
Todos tinham cabelos negros, longos e lisos e usavam calças de
couro, ou tangas. Alguns tinham o peito nu, outros vestiam túnicas
franjadas e um ostentava uma camisa de flanela.
Helene tentou absorver o impacto da cena: penas e contas enfeitando
corpos e cabeças, cavalos musculosos e homens selvagens.
Correndo, voltou para dentro da casa, à procura de uma arma.
Finalmente notou, um revólver sobre a mesa. Apanhou-o e saiu.
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Sua atenção estava centralizada no homem de pé, diante do grupo a
cavalo. Cooper DeWitt. Ele não vestia nada além de uma tanga de
couro ao redor dos quadris, deixando expostos centímetros
intermináveis de carne sólida e músculos bem torneados. Os cabelos
compridos e soltos eram açoitados pelo vento. Nas mãos, um rifle.
Helene ergueu a arma e deu um passo à frente. Um dos índios, de
peito nu, uma tira de couro passada na testa, desmontou. Ao notar a
chegada da estranha, parou onde estava, fitando-a fixamente.
No mesmo instante, vários outros índios tomaram arco e flecha nas
mãos e os apontaram para Helene.
Foi então que Cooper se deu conta de sua presença. - Vá para dentro
da casa - ele falou num tom baixo e firme.
- Onde você arranjou essa mulher? - o índio que desmontara indagou.
Quase tão alto quanto DeWitt, o selvagem transmitia uma força bruta
e uma vontade implacável. Não era difícil imaginá-lo usando a faca
que trazia presa no cinto com freqüência.
Surpresa ao ouvi-lo se expressar num inglês quase perfeito, ela
respondeu por si mesma.
- Vim encontrar meu marido aqui. Vamos para Denver.
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- Dê-me a arma e entre - DeWitt estendeu a mão.
-Troca. A mulher pelo prisioneiro - o índio propôs.
Olhos negros e insolentes a percorreram de alto a baixo, avaliando-a.
Helene estremeceu de asco, imaginando como seria ser prisioneira de
tal criatura. Em busca de segurança, voltou-se para DeWitt,
implorando, em silêncio, que não aceitasse proposta tão primitiva.
Ele devolveu o olhar sem se virar inteiramente, a mão ainda
estendida.
Só então, Helene percebeu o homem branco jogado sobre um dos
cavalos, com pés e mãos amarrados. Mal podia lhe ver o rosto, à
exceção dos olhos castanhos e inquietos.
Em silêncio; DeWitt continuava esperando o revólver. Sem outra
alternativa, entregou-o.
Os índios riram entre si e guardaram arco e flecha. Aquele que parecia
o líder falou alguma coisa e DeWitt respondeu.
- Solte-o e venha comer.
Depois de uma ordem, do chefe, dois índios libertaram O prisioneiro.
Logo o homem livrou-se da bandana que lhe tampava a boca. Depois
esfregou pulsos e tornozelos para ativar a circulação.
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- Pensei que fosse um homem morto.
- Desculpe-me - Cooper falou, ajudando-o a ficar de pé. - Peço-lhe
desculpas pelo comportamento de meu irmão. Last Horse não confia
em estranhos.
Lentamente as palavras começaram a fazer sentido para Helene,
embora fosse difícil absorvê-las. Irmão? Ao ver DeWitt de frente pela
primeira vez, várias coisas lhe chamaram a atenção, como uma
espécie de amuleto, preso numa tira de couro, sobre o peito
bronzeado.
Sem reservas, permitiu-se estudá-lo da cabeça aos pés, passeando o
olhar pela cintura estreita e coxas musculosas, pelos cabelos louros e
longos soltos sobre as costas largas. Pela primeira vez, compreendeu
quem era ele. O que era ele.
DeWitt era um deles.
Sob o bronzeado intenso, a pele de Cooper era tão branca quanto a
dela. Porém ele era um deles. As coisas que o ouvira dizer, e que
pareceram sem sentido antes, agora se revelavam perfeitamente claras.
DeWitt dormira no chão quase a vida inteira. Ressentia-se com a
chegada da civilização. Ressentia-se da sua presença. Falava a língua
dos índios e comunicava-se através de seus sinais.
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Ele era um deles.
CAPÍTULO V
O homem alto, com os pulsos marcados, se recompôs e
cumprimentou Helene com um aceno de cabeça.
- Wiley Kincaid, senhora. Eu tiraria meu chapéu, mas um deles o tem
agora.
DeWitt gritou uma ordem, acima do som das risadas, e logo um dos
índios se aproximava e enterrava o chapéu na cabeça de Kincaid num
gesto debochado. Mais risadas.
Wiley Kincaid o tirou, limpou-o com a mão e, satisfeito que nenhum
estrago fora causado, inclinou-se diante de Helene.
- E um prazer conhecê-la, sra. ...
- Lincoln...
- Sra. Lincoln... Alguma relação com o Lincoln político?
- Por parte do pai de meu marido. Que coisa desagradável essa guerra
com o México, não é?
A expressão irritada de DeWitt quase a fez cair na risada.
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- Meu marido é bem mais velho do que eu - ela continuou muito
séria. - Vive terrivelmente ocupado com questões envolvendo o
trabalho. E o que você faz? indagou, brindando-o com um sorriso
radiante.
- Trabalhei em curtir de peles durante muitos anos. Agora fabrico
selas e arreios.
- Curtidor de peles. Pois não é fascinante?! Você vai ter que me
contar todos os detalhes da profissão.
- Com prazer - ele respondeu, sucumbindo ao charme feminino.
- Onde está sua carroça? - DeWitt os interrompeu, uma certa secura
na voz.
- Eles me emboscaram a uns vinte quilômetros da estação. Meus
cavalos e carroça foram deixados no meio do caminho.
- Depois do café da manhã eu o acompanharei até lá para trazermos
os animais e a carroça de volta.
Helene teve que se esforçar para desviar o olhar do corpo seminu de
DeWitt, que parecia hipnotizá-la. Finalmente ele foi se trocar,
voltando completamente vestido.
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Notando que Last Horse os estava seguindo, ela correu até a casa de
adobe.
- O Sr. DeWitt está trazendo algumas pessoas para o café da manhã -
avisou a Chumani. - E um deles é um índio!
Tão logo as palavras tolas saíram de sua boca, ficou feliz por
Chumani não poder entendê-la. Embaraçada, PÔS-Sê a arrumar a
mesa para ter com o que se ocupar.
Os homens entraram na casa. Last Horse parou a alguns centímetros
de Helene, os olhos negros e predadores percorrendo-a de alto a
baixo, fixando-se, atrevidos, na altura dos seios. Ela corou, sentindo-
se humilhada e exposta como uma mercadoria barata. Nunca fora
tratada de modo tão rude até chegar a esse fim de mundo. Nunca
imaginara que os homens pudessem ser tão grosseiros. Lera muitas
histórias sobre selvagens que seqüestravam mulheres brancas e so-
mente agora se dava conta de que nem mesmo a tentativa de DeWitt
de protegê-la, com constantes menções a um marido fictício, deteria
um homem sem lei.
De maneira discreta, DeWitt se interpôs entre os dois, a figura
monumental servindo como uma espécie de escudo.
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Kincaid puxou uma cadeira para que sentasse, enquanto DeWitt se
acomodava ao seu lado.
Chumani serviu pãezinhos com batatas assadas, acompanhados de
café forte. Pela tranqüilidade com que se movia ao redor da mesa e
cuidava para que os alimentos fossem servidos quentes, ficava claro
que costumava receber visitantes.
Apesar dos olhares significativos de Kincaid, e de Chumani também,
Last Horse devorou a comida sem o auxílio de talheres,
comportando-se como se estivesse inteiramente só.
- Você está procurando um lugar para morar e montar sua loja de
arreios? - Cooper perguntou, dirigindo-se a Kincaid.
- Sim. Por acaso sabe de algum local disponível?
- Acabei de receber um carregamento de madeira cerrada. Custa mais
caro, porém sua casa estaria pronta antes do inverno.
- Parece-me bom. Passar o inverno numa tenda não me agrada muito.
- Você pretende fixar residência aqui? - Helene indagou curiosa.
- A idéia me agrada. - Kincaid virou-se para Cooper. - Você faz
armadilhas para caça?
- Não mais.
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- Você compra peles de animais? - Last Horse indagou ao homem
que, até momentos atrás, fora seu prisioneiro.
-Sim.
- Então lhe venderei peles. - O índio apanhou o embrulho com
comida, que Chumani lhe tinha preparado, e saiu sem dizer mais nem
uma palavra, como se fosse o dono do mundo.
- Estar perto desse homem é como estar nu, num ninho de cobras -
disse Kincaid, tão logo se viram livres da presença de Last Horse.
- Basta manter distância - DeWitt retrucou sério.
- Pelos céus, por que você permite que esse selvagem entre em sua
casa e sente-se à sua mesa como se lhe fosse de direito? Ele poderia
ter matado o Sr. Kincaid! - Helene falou exasperada. - Obviamente
trata-se de uma criatura perigosa.
DeWitt levantou-se sem pressa.
- Ele é meu irmão.
Os olhares de ambos se encontraram, como se medissem forças.
- E essa é "minha" mesa.
Em que fora se meter, meu Deus? Helene se perguntou pela milésima
vez. A pessoa de quem dependia para voltar para casa, a única em
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quem podia confiar, se considerava irmão de um selvagem sem
escrúpulos! Last Horse a tinha fitado como se fosse uma mulher à
toa. Yellow Eagle a odiava e agora o Sr. Kincaid a acreditava casada
com um oficial ancião. Chumani não podia entender uma só palavra
do que dizia, o que, de certa forma, era bom, ou acabaria tendo uma
outra inimiga.
Era demais para que pudesse suportar. Helene se desculpou e correu
para a casa principal, buscando o refúgio de seu quarto.
Na manhã seguinte, logo após o café da manhã, Cooper levou Yellow
Eagle para a primeira aula. Ao lado da mesa, colocou uma caixa
grande.
- Onde você conseguiu tudo isso? - Helene perguntou, retirando uma
cartilha, lousa e giz de dentro da caixa de madeira, repleta de livros
variados.
- Mandei vir esse material quando decidi procurar uma noiva. Yellow
Eagle sabe o que é esperado dele. Se não cooperar, será punido. Após
o almoço, deverá ajudar a mãe.
Helene concordou com um aceno e Cooper saiu sem se despedir.
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- Bem, sente-se. Vejamos o que temos aqui.
Ela remexeu no material, colocando duas lousas sobre a mesa.
O garoto permaneceu de pé.
Por alguns minutos Helene o ignorou, então perdeu por completo a
paciência. Com as mãos nos quadris, fitou-o, exasperada.
- Ouça, sei que você não gosta de mim. Sei que não gosta nada desse
arranjo. Tampouco a situação me agrada. Acha que quero ficar metida
nesse lugar, buscando água no rio, cozinhando carne de búfalo num
fogão de pedra e tendo que agüentar todos os homens imundos dessa
cidade me olharem como se eu fosse uma aberração da natureza?
Pois, bem, não gosto não. Preferiria estar em casa, tomando banho
numa banheira de cobre, sendo servida de chá no meio da tarde e
assistindo a uma peça de teatro à noite. Porém choramingar, me
lamentar e lançar olhares odiosos não vai fazer nada disso acontecer.
Tenho que ensiná-lo a ler antes de poder ir para casa. E, por Deus,
você vai se sentar nessa cadeira e aprender a ler.
Yellow Eagle sentou-se em silêncio.
- Vamos começar com as letras. Tão logo memorizar o contorno das
letras e o som, será capaz de ler.
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Helene tentou se lembrar de como fora alfabetizada.
Decidiu, então, desenhar uma letra de cada vez na lousa, esperando
que menino a copiasse. Depois dizia várias palavras iniciadas com
aquela letra em particular.
Ao final da manhã, tinham chegado ao "g". Sentando-se para almoçar,
sentia-se realmente merecedora de um salário.
- Como foi a aula? - Cooper perguntou.
- Considerando que Yellow Eagle preferiria tirar meu escalpo do que
aprender o alfabeto, eu diria que a aula foi produtiva.
- Ótimo. - Ele aceitou a xícara de café que Chumani lhe oferecia. -
Você está livre para se ocupar como quiser hoje à tarde. Dentro de
um, ou dois dias, terei tempo de lhe mostrar o que precisa ser feito na
contabilidade de meus negócios:
Ela concordou com um aceno, acostumada a ouvir os homens lhe
dizerem o que fazer. De volta ao quarto, puxou uma mesinha para
perto da janela e preparou-se para escrever a história do assalto à
diligência. Dali a instantes, estava inteiramente absorvida na tarefa,
tomada pela excitação de haver vivido uma aventura real. Com
certeza qualquer jornal ou revista do Leste brigaria para publicar sua
história! Talvez até escrevesse um livro!
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Cooper levou a última garfada de carne cozida à boca e tomou o resto
do café, imaginando o que Helene estaria fazendo. Chumani mandara
o filho chamá-la para jantar, mas ela dissera ao menino que não tinha
fome.
Depois de despedir-se da cunhada, Cooper voltou para casa. Helene
estava debruçada sobre várias folhas de papel e demorou a se dar
conta de sua presença.
- Ah! Você já chegou!
Ele acendeu outro lampião e colocou o prato que lhe levara sobre a
mesa.
- Você está se sentindo bem?
- Oh, sim, claro. - Notando o prato de comida, explicou: - Eu não
quis parar de escrever, quando Yellow Eagle veio me chamar, para
não cortar a inspiração. Às vezes faço isso... me esqueço de comer
quando estou entretida com uma história.
- Não é de se estranhar que seja tão magra. Os olhos enormes
pareceram lançar faíscas.
- Está na moda ter cintura fina.
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- Acho que um homem prefere ter uma mulher que não dê a
impressão de poder ser carregada pelo vento a qualquer momento.
Helene retirou o guardanapo que cobria o prato e apanhou um garfo.
- Não vou me deixar ser provocada hoje, Sr. DeWitt.
- Creio que você deveria me chamar de Coopero
- Não penso que seja apropriado.
- Como quiser.
Ela experimentou o peixe e a batata doce, cortada em fatias.
- Você gostaria de ler?
- O quê?
- Minha história sobre o assalto à diligência?
DeWitt lançou um olhar rápido para a pilha de papéis.
-Não.
Imediatamente a expressão excitada de Helene desapareceu.
- Por que não?
- Sei o que aconteceu.
- Eu deveria saber que não valeria a pena lhe fazer um gesto de
amizade.
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- Foi isso então? Pensei que você queria apenas me mostrar o quanto
escreve bem.
- Creio que seja uma das razões também. Helene tampou o pote de
tinta e guardou-o.
- Gostaria de tomar uma xícara de café?
- Não, obrigada. Eu...
- O quê?
- Bem, não gosto de café. Apenas o bebo porque Chumani me
oferece.
- Por que simplesmente não diz não?
- Porque tento ser educada - ela retrucou com uma pontada de
irritação. - Chumani é sempre muito gentil comigo.
De qualquer maneira, Cooper atiçou o fogo. Lembrando-se da
mercadoria chegada há poucos dias, foi até o local onde armazenava a
carga e voltou minutos depois, trazendo água fresca. Então colocou
uma xícara nova diante de Helene.
- O que é isso? - ela perguntou, curiosa.
- Vocês, mulheres da cidade, apreciam chá, não é? Não tenho um bule
adequado, mas podemos dar um jeito.
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Quando a água na panela estava fervendo, DeWitt começou a
preparar a infusão.
- Você não gosta de mim.
Ele continuou de costas, virado para o fogão, e não lhe respondeu.
- Entretanto, foi até o galpão apenas para me trazer chá.
Preferia não ser obrigado a pensar nos motivos que o tinham levado a
agir assim. Não tinha certeza quanto à natureza dos próprios
sentimentos.
- Você gosta de chá, ou não?
- Você é um homem de mentalidade estreita, Sr. DeWitt.
A observação o atingiu. Cooper virou-se e a encarou.
- Sou mesmo?
- Não gosta de mim porque sou branca. O que é ridículo, porque
você é branco também.
DeWitt a fitou intensamente, notando os cabelos escuros e sedosos
caídos sobre a pele alva. Os ombros eram esguios e delicados, porém
Helene tinha uma postura tão ereta, graciosa e elegante, que parecia
mais forte do que de fato era.
- Ou seria por que sou do Leste?
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Não se tratava de uma mulher com seios fartos, mas a intumescência
sob a blusa branca o atraía de maneira inexplicável.
- Estou acostumada a não ser aceita, portanto ninguém pode me
desencorajar.
Por que diabos ela não seria aceita na sociedade onde vivia? Tratava-
se de uma criatura linda, feminina, obviamente educada e talentosa.
- Você quer um pouco de chá também? - ela perguntou, colocando
uma outra xícara sobre a mesa.
Nunca experimentara chá em toda sua vida. Nunca tivera interesse.
Ficara viciado em café desde que um velho caçador lhe oferecera um
pouco, aos dez anos de idade. Agindo contra o bom senso, aceitou.
- Sim, claro.
Por um longo momento os dois permaneceram em silêncio, evitando
o olhar um do outro. Cooper observava as mesmas coisas que Helene
estudava: as paredes rebocadas e pintadas de branco, as prateleiras ao
lado do fogão, o assoalho de tábua corrida. Que será que ela pensava
desse lugar? E dele? Helene era uma mulher que vivera numa casa
elegante, rodeada de servos e móveis ricos. Na fronteira, a casa que
construíra era uma verdadeira mansão. De onde ela viera, seria
considerada algo um pouquinho melhor do que uma cabana.
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Sentada muito ereta, as mãos cruzadas sobre o colo, parecia uma
princesa, perdida num castelo rude e patético.
- Por que você não é aceita? - Cooper perguntou de repente, surpreso
com a própria falta de controle. Por que se importaria?
- Pertenço ao sexo errado para poder conquistar alguma coisa nesse
mundo. - Embora tentasse falar num tom desprovido de emoção, a
mágoa era evidente. - Sou um estorvo. Não uso calça, portanto não
posso aspirar a alguma coisa mais além de ser um enfeite, um mero
acessório na vida de um homem. Como a perspectiva não me agrada,
não tenho muito valor.
Qualquer homem iria desejá-la, isso era evidente.
Helene lhe contara ter crescido rodeada de homens. Podia até
entender como sua personalidade teimosa, embora extremamente
feminina, devia enlouquecê-los às vezes. Porém, por alguma razão
abstrata, era capaz de compreender a frustração dela.
- Suponho que você veja os papéis femininos e masculinos totalmente
diversos e delimitados também ela concluiu.
- As mulheres são reverenciadas pelos oglala.
- Por causa da capacidade de procriar?
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- Suponho que sim.
- Por acaso já ouviu falar em Margaret Fuller?
Mais uma de suas lições? Nunca conseguiria saber como Helene
estocava tantos nomes e acontecimentos naquela sua cabecinha.
- Não - DeWitt respondeu com um suspiro.
- Ela dá palestras com freqüência, que atraem todas as grandes
inteligências de Boston. Está na Europa agora. Escreveu um livro
chamado Woman in the Nineteenth Century. O livro tem feito muita
gente questionar a maneira como as mulheres são tratadas.
- Mas não o seu pai, não é?
Ao vê-la desviar o olhar, Cooper soube haver tocado num ponto
vulnerável.
- Não. Não meu pai. Você tem açúcar para colocar no chá? -
perguntou de repente.
Ele encontrou um pequeno pacote, Helene adoçou líquido.
- Hum... perfeito - murmurou, fechando os olhos e passando a ponta
da língua, de leve, pelos lábios rosados.
Sem que pudesse evitar, Cooper experimentou uma pontada de
desejo.
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- Não tenho bebido chá desde...
- Desde quando? - Falar sobre qualquer assunto era melhor do que a
sensação perturbadora que ameaçava envolvê-lo.
- Desde que me encontrei, pela última vez, com Tess Cordell.
- Foi melhor ela não ter vindo. - Não queria que Helene sentisse pena
de si e era essa sua impressão sempre que abordavam o assunto.
- Sim - ela concordou.
Dias atrás, Helene dissera que ele merecia algo melhor. Qual seria o
verdadeiro significado do comentário?
- Não me importava que tipo de mulher ela era - Cooper reafirmou.
- Era bonita. Cabelos loiros. Olhos azuis e rosto suave. Não dava a
impressão de que seria carregada pelo vento a qualquer momento.
Ele disfarçou um sorriso. Talvez não devesse ter feito referência à
falta de opulência de certos atributos físicos.
- Jovem - Helene insistiu.
Embora pudesse criar a imagem de Tess Cordell em sua mente, de
algum modo a descrição da beleza loura não o atraía nem um pouco.
- Ela não teria sido feliz aqui. Sentiria saudade das roupas, das festas...
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Sim, sabia disso. Sempre soubera. Apenas estivera um pouco solitário
e deixara que suas necessidades toldassem a razão. Isso não tornaria a
acontecer.
- Assim como você.
Os dois saborearam uma segunda xícara de chá.
Cooper estudou a pequena pilha de papéis. Helene tivera boa
intenção ao lhe falar sobre a tal srta. Cordell. Até conseguira manter
seu orgulho intacto.
- Por que não lê sua história para mim? - sugeriu.
- Quer dizer que deseja mesmo ouvi-Ia? - ela indagou surpresa.
Fascinado, Cooper escutou a narração das desventuras das quatro
mulheres brancas na jornada através do território proibido. Helene
tinha tal talento para escrever, usava as palavras com tamanha
precisão e sensibilidade, que era possível sentir o vento no rosto e o
gosto da poeira na boca. A descrição da cena com os bandidos foi tão
vívida que, pela primeira vez, pôde compreender o pavor e a terrível
sensação de perda por ela experimentada. Não apenas a perda do
dinheiro e de coisas materiais, mas a perda de algo menos tangível. A
experiência lhe roubara também um pouco da inocência e da
autoconfiança.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Quando Helene descreveu o resto da viagem até Stone Creek, a
reação das mulheres, os discursos intermináveis de Ferlie e sua
exasperação com todos, ele riu alto.
Ao terminar a leitura, Helene o fitou com um novo interesse.
- Você gostou?
- Os sioux têm passado sua história de geração em geração desde o
início dos tempos. Contadores de história são uma parte importante
de minha herança.
- Isso significa que gostou?
- Você é muito boa.
Depois de um longo instante, Helene o fitou nos olhos.
Ela sorriu, triunfante.
- Para uma mulher - Cooper não resistiu à vontade provocá-la.
Percebendo a intenção masculina, Helene se fez de desentendida.
Levantando-se, levou as xícaras para a pia e arrumou a mesa,
recolhendo todo o material de escrita.
- Talvez, algum dia, você me conte uma história dos oglala.
- Talvez.
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Cooper apanhou uma panela grande, com água morna, sobre o fogão
e levou-a até o quarto de Helene. Então a despejou na bacia.
- Restou água suficiente para você?- ela quis saber.
- Não é necessário. Vou até o rio.
- Para quê?
- Tomar banho.
Helene desviou o olhar, um rubor intenso cobrindo-lhe o rosto.
- A água deve estar fria.
- Não tão fria quanto ficará daqui a alguns meses.
- Você toma banho no rio o ano inteiro? Mesmo no inverno?
Uma mulher da cidade não compreenderia. Não uma mulher
acostumada que lhe levassem água quente e perfumada para se
banhar. Não tinha condições de oferecer esse tipo de luxo.
- Bastante primitivo para seu gosto, estou certo.
- Bem, eu... eu nunca pensei nisso.
- Comunique-me se quiser experimentar - ele brincou, sabendo que a
idéia a deixaria chocada. Ficarei de guarda.
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Um silêncio pesado caiu sobre o quarto. Não se ouvia nada, além da
respiração de ambos.
- Quero experimentar - falou, aceitando o desafio.
- Desde que cheguei aqui, tenho desejado um banho completo.
- Agora?
- Por que não?
Então ela era uma mulher cheia de surpresas...
Interessante...
- Traga aquilo de que irá precisar. Eu levarei as toalhas.
Cooper esperava vê-Ia mudar de idéia antes de deixarem a casa.
Porém não foi o que aconteceu. Munida de uma barra de sabão, pente
e uma capa jogada sobre os ombros, ela o acompanhou para dentro
da noite.
Fora uma idéia absurda. Como suportaria sabê-la nua, a poucos
metros de distância, sem enlouquecer? Não, não iria se deixar abalar
como um adolescente inexperiente. Estava sem mulher há muitos
meses, era verdade, porém não era uma repórter sem roupa que lhe
tiraria o sossego.
Finalmente chegaram junto à margem do rio.
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- Quem vai primeiro?- ela perguntou, procurando mostrar
tranqüilidade.
- Você. Assim terá tempo de se secar e vestir-se enquanto estou na
água.
- Certo. Vire-se de costas, então.
Cooper obedeceu. Embora tentasse prestar atenção aos barulhos da
noite, só conseguia escutar o ruído das peças de roupas sendo tiradas.
Segundos depois, ouviu-a entrar na água.
- Não vou pisar em nada, não é?
- Esse é o local mais limpo. Tirei todas as pedras e gravetos.
- Estou me referindo a algo vivo.
- Como peixes?
- Peixes?! - Ela deixou escapar um gritinho assustado.
- Eles irão nadar para longe. Não seria tão difícil pescá-los se
gostassem de se aproximar das pessoas, não é?
- Fique de costas, fique de costas - Helene falou ansiosa. Somente
então Cooper se deu conta de que começara a virar a cabeça por
sobre o ombro enquanto conversavam.
- Chumani costuma se banhar aqui também?
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- Estou certo que sim.
- Deus, a água está fria!
- Mergulhe de uma vez que será melhor.
Segundos depois, algo caiu logo atrás dele.
- Que foi isso?
- O sabão.
- Já terminou?
- Ainda não. Está maravilhoso!
De súbito, os sons foram se tornando mais distantes.
Preocupado, Cooper virou-se. Aquela mulher maluca havia nadado
para longe da margem.
- Volte! É perigoso aí!
- Ainda posso tocar o fundo.
- Todos os peixes estão concentrados no meio!
Ela estremeceu.
- Peixes pardos! - Cooper falou num tom de aviso.
- Não acredito.
- Volte, ou irei buscá-la!
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- Está bem, está bem. - Helene nadou até o banco de areia. - Fique de
costas.
Cooper fez o que lhe foi pedido, ouvindo-a sair da água. Para ocupar-
se, tentou contar as estrelas.
- Pode virar-se agora.
Ele virou-se devagar. A capa que Helene jogara sobre o corpo úmido
evidenciava as formas arredondadas de uma maneira tentadora.
- Devo esperar por você? - ela perguntou. Realmente preferiria não
deixar evidente o efeito devastador que aquela visão de intensa
feminilidade tinha sobre si.
- Parece-me justo.
Depois de encontrar uma pedra achatada, Helene sentou-se e deu as
costas a Cooper, ocupada em desembaraçar os fios dos longos
cabelos. Entretanto sua atenção estava voltada para os sons que
DeWitt fazia ao despir-se e entrar na água. Não era à toa que ele
gostava tanto de banhar-se ali. A água do rio era simplesmente
revigorante. Nadar nua, sob a luz da lua e das estrelas, lhe dera uma
sensação de liberdade e plenitude que jamais experimentara antes.
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Sua mãe ficaria roxa de vergonha se soubesse. Incapaz de resistir à
tentação, ela mudou de posição de maneira a poder enxergar por
sobre o ombro. Cooper estava imerso na água até a altura das coxas e
se esfregava com o sabão, o luar iluminando os planos e curvas do
corpo musculoso. Vira-o seminu ainda naquela manhã, porém a
timidez a impedira de observá-lo como gostaria. Mas agora,
entregava-se ao prazer de fitá-lo, de apreciar os contornos atléticos,
desejando que a lua estivesse mais clara, ou que pudesse chegar mais
perto para enxergá-lo melhor.
O corpo de DeWitt era um mistério, como se fosse uma estátua
envolvida numa pele deliciosamente bronzeada. Ele representava
tudo aquilo de que se ressentia e invejava ao mesmo tempo. Como
podia achá-lo tão fascinante? Por que o simples ato de fitá-lo a gratifi-
cava dessa maneira tão estranha e perturbadora?
De repente Helene se deu conta de que ofegava, um calor súbito
percorrendo-a por inteiro. Fechando os olhos com força, inspirou
fundo e obrigou-se a dar as costas à visão tentadora. Homens eram
homens. Não havia diferença entre uns e outros. Não era verdade?
Ela o escutou sair da água e aproximar-se. De repente, estava ao seu
lado, vestindo apenas a tanga de couro que o vira usando pela manhã,
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a toalha úmida jogada displicente sobre os ombros. Novamente,
Helene se encantou com a beleza dos cabelos louro-escuros,
escorridos sobre as costas largas. Atordoada com a intensidade das
próprias reações, ofereceu-lhe o pente.
- Podemos fazer isso outra vez? - indagou baixinho. DeWitt assentiu
e; com uma expressão indecifrável no rosto, aceitou o pente. Depois
de desembaraçar os cabelos, entregou-o de volta.
- Pronta para irmos embora?
Helene levantou-se e o seguiu, não tão de perto agora e muito mais
consciente de si como mulher e de Cooper como homem. Enquanto
faziam o trajeto até a casa, o vento insistente secou os cabelos de
ambos. Nenhum dos dois disse nada, cada qual perdido nos próprios
pensamentos.
Antes de entrar no quarto, Helene parou e virou-se para fitá-lo.
- Você não olhou nem uma vez?
- Não. Nem uma vez - ele afirmou sério.
- Você é um verdadeiro cavalheiro, DeWitt.
- Tento sê-lo.
- Isto é, para um selvagem - ela o provocou sorrindo.
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Ele ergueu uma das sobrancelhas, parecendo se divertir com o
comentário. Rapidamente Helene entrou e fechou a porta atrás de si.
Então encostou-se à parede, não enxergando nada ao redor, apenas
imagens de um corpo úmido iluminado pelo luar. "Um verdadeiro
cavalheiro."
CAPÍTULO VI
Dois dias depois, DeWitt finalmente teve tempo de levar Helene até o
local onde armazenava a mercadoria, com o objetivo de explicar o
trabalho que esperava ser feito. Ao passarem por Jack, às voltas com
uma pilha de arreios, o velho sorriu e abanou a mão.
- Como vai, senhorita?
- Olá, Jack.
O orgulho de constatar que uma dama tão fina se lembrara de seu
nome foi tamanho, que o coitado não coube em si de contentamento,
o sorriso feliz chegando até as orelhas.
- Você não estava exagerando - Helene falou baixinho, apenas para os
ouvidos de Cooper.
- A respeito do que?
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- Sobre os homens daqui não estarem acostumados a ver mulheres.
Você poderia ter me colocado sentada num daqueles bancos ali, e
cobrado ingresso para que pudessem dar uma olhada em mim.
- Pena eu não ter pensado nisso.
Os olhos de ambos se encontraram, cúmplices. DeWitt abriu a porta
de uma sala espaçosa e arejada e fez sinal para que entrasse.
Sob a janela enorme, uma escrivaninha de carvalho.
Do lado oposto, várias prateleiras, ainda vazias, ocupavam grande
parte da parede. Num impulso, Helene tocou a superfície lisa da
madeira, sentindo-se nostálgica. As escrivaninhas no The Daily eram
manchadas e arranhadas, escondidas sob pilhas e pilhas de papéis,
todas as prateleiras repletas de livros. Por um breve instante, quase
podia sentir o cheiro do charuto do pai.
Provavelmente a carta que escrevera à família demoraria semanas para
chegar. Era bastante provável que a julgassem seqüestrada, ou morta.
Oh, Deus, talvez tivesse virado manchete de jornal, lá em. Boston.
"Garota Wainwright Ainda Desaparecida."
Se os índios, os assaltantes ou ursos pardos não a pegassem primeiro,
seu pai iria matá-la!
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- Comprei um abajur para a escrivaninha - DeWitt a informou,
obrigando-a a desviar o rumo dos pensamentos. - Deve chegar daqui
a uma, ou duas semanas.
Helene sentou-se na cadeira de espaldar alto.
- Onde estão os livros de contabilidade?
Ele retirou dois livros grossos de uma gaveta e colocou-os sobre a
mesa.
Ao abrir o primeiro volume, Helene descobriu que todas as páginas
estavam em branco.
- Não há nada escrito aqui.
- São livros novos - Cooper concordou.
Confusa, Helene folheou o outro volume.
- Bem, onde estão os registros, as anotações? Lentamente, DeWitt
tocou a têmpora esquerda com a ponta dos dedos.
De súbito, ela compreendeu o que se passava.
- Está tudo na sua cabeça.
Um breve aceno foi a confirmação necessária.
- Todos os valores, todas as vendas, todas as mercadorias.
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Por um momento Helene fechou os olhos, visualizando a tarefa
monumental à sua espera. Cooper estivera tão ocupado assim que não
encontrara tempo para cuidar da contabilidade básica?
- Esse é um dos outros motivos pelos quais mandei vir uma esposa.
Eu lhe disse... Preciso de ajuda.
- Nunca fiz trabalho de contador. E não sei nada sobre negócios de
carga. - Não, essa não era a maneira correta de abordar a questão.
Determinada, Helene fitou os livros à sua frente. Se um homem podia
fazer aquele serviço, ela também podia. - A maioria das mulheres não
tem experiência com esse tipo de coisa - continuou, pensando alto. -
Embora recebam noções de como manter uma contabilidade simples,
no internato da srta. Abernathy.
- Quem? .
- Foi onde encontrei Tess. - DeWitt tinha uma sorte tremenda por ela
não ser uma criatura tola, fútil e simplória, como a maioria das
mulheres que conhecia. O destino o livrara de se descobrir preso a
alguém que não podia nem sequer escrever um bilhete. Mas, sabe?
Não podemos esquecer a Universidade Feminina Wesleyan. Os
metodistas são modernos. As mulheres que se matriculam lá
aprendem as mesmas coisas que os homens em outras universidades.
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Cooper apenas concordou, sem fazer nenhum comentário.
- Sugeri que meu pai me enviasse para lá.
- E o que ele disse?
- Muita coisa sobre homens incapazes de manter esposas e filhas em
rédeas curtas. Preferiria queimar no inferno do que mandar a filha
para aquele antro de perdição.
-Ah.
- Tive acesso aos livros de contabilidade do The Daily, assim tenho
uma vaga idéia de como os lançamentos devem ser feitos. Acho que
serei capaz de dar conta da tarefa.
DeWitt apanhou uma cadeira e sentou-se ao lado de Helene.
- Vamos trabalhar, então.
Ela tirou a pena e o tinteiro de um bolso da saia antes de abrir o
primeiro livro.
- De onde começamos?
Era realmente impressionante a capacidade de Cooper de se lembrar
de fatos e valores. Ele sabia todas as datas dos carregamentos, a
quantidade de mercadoria esperada e a recebida como se estivesse
lendo de uma lista mental.
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Quando Yellow Eagle apareceu para chamá-los, o avanço havia sido
considerável. Tio e sobrinho se comunicaram usando algumas
palavras e vários gestos.
- Que foi que vocês disseram? - Helene indagou curiosa.
DeWitt tornou a falar com o garoto. Yellow Eagle colocou a mão em
concha, a palma virada para baixo, e a moveu para cima e para baixo,
chegando quase até a boca, diversas vezes.
- Comer! - ela exclamou orgulhosa.
- Você está com fome? - Cooper perguntou.
- Sim! A propósito, como se diz "sim?"
Ele apontou o dedo indicador para cima e então rapidamente para
baixo.
- Sim.
Durante todo o trajeto até a casa de adobe, DeWitt lhe mostrou quais
eram os sinais para palavras como andar, sol, rio, casa e vento. Ao
chegarem, Helene, através de gestos, comunicou a Chumani que
estava com fome.
A índia riu, apontou para uma cadeira e fez um movimento
descendente com o pulso.
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- Aposto que isso significa "sente-se”.
Após terminarem o jantar e DeWitt sair, Helene ajudou Chumani a
lavar os pratos e então voltou para a casa principal.
Ao abrir a porta, surpreendeu-se ao encontrar um outro homem
conversando com DeWitt.
- Sra. Lincoln. - Wiley Kincaid deu um passo a frente e tirou o
chapéu, cumprimentando-a.
- Oh, olá, Sr. Kincaid. Que prazer revê-lo.
- Na verdade ando cansado da minha própria companhia. Não tinha
ninguém, exceto as mulas, com quem conversar na volta de Duluth.
Ela sorriu, educada.
- Gostaria de uma xícara de chá?
- Seria ótimo.
- Vocês dois sentem-se enquanto me encarrego de preparar o chá. -
Helene apanhou o bule e parou diante do fogão por um longo
instante. - Sr. DeWitt, poderia vir aqui um instante? - pediu num tom
extremamente açucarado.
Cooper levantou-se e caminhou ao seu encontro, as costas largas e
musculosas bloqueando tudo ao redor.
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- Como se acende essa coisa?
Sem fazer nenhum comentário, ele abriu a portinhola do fogão,
ajeitou uma pilha de gravetos e acendeu um fósforo. Depois afastou-
se sorrindo.
Embaraçada, Helene tratou de pôr mãos à obra. Mas os baldes de
água estavam vazios.
Kincaid sentara-se de costas para o fogão, assim ela ergueu um dos
baldes bem alto para que DeWitt pudesse vê-lo. Sem se alterar, ele
gesticulou discretamente. A mensagem fora clara. Rio.
Helene apontou de volta para Cooper, porém foi de liberadamente
ignorada. Sabendo que não lhe restava alternativa, apanhou os dois
baldes e saiu, resmungando durante todo o trajeto até o rio. Mas se
houvesse algum perigo real, Cooper não a teria deixado sair sozinha.
Pelo menos esperava que não.
Por causa da noite anterior, pôde localizar o local onde a água era
limpa, livre de gravetos e folhas. Envolvida pelo silêncio e pelo vento
suave, lembrou-se do banho que tomara ao luar, imaginando o que as
pessoas pensariam, se soubessem. Wiley Kincaid a julgaria uma
mulher perdida. Sua mãe desmaiaria de vergonha. Seu pai... bem,
melhor nem considerar o que Samuel Wainwright faria. DeWitt era o
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único que conhecia os fatos. E importava-se com a opinião dele a seu
respeito?
Devagar, Helene levou os baldes cheios de volta, derramando um
pouco de água no chão ao tentar fechar a porta atrás de si. Então
secou o assoalho, aqueceu a água e muito, muito tempo depois, serviu
um delicioso chá aos homens. Ao sentar-se junto à lareira, notou que
escolhera para si a xícara nova que DeWitt lhe trouxera.
Como se também percebesse o detalhe, ele a fitou fixamente por
alguns segundos.
- Quando é mesmo que seu marido deverá chegar, sra. Lincoln? -
Kincaid perguntou. - Acho que me recordo de ouvi-la mencionar a
data.
- Bem, eu... Eu lhe disse a data certa? - Ela olhou rapidamente para
DeWitt, tentando lembrar-se do que dissera. - De fato, não tenho
muita certeza de quanto tempo levará até que meu marido possa vir
buscar-me.
- O que a trouxe aqui?
Embora a pergunta fosse polida o bastante, estava claro que Kincaid
ardia de curiosidade. Como explicar a um estranho sua estada na casa
de um homem solteiro?
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- O Sr. DeWitt é meu primo, por parte de mãe. Não é verdade, Coop?
Ofereceu-me hospitalidade durante a ausência de meu marido.
- Não havia ninguém lá no Leste, com quem você pudesse ficar? -
Kincaid insistiu. - Creio que seria muito mais seguro do que aqui.
O olhar penetrante de DeWitt parecia queimá-la como ferro em
brasa.
- Eu precisava sair da cidade. - As palavras vinham-me à mente
facilmente agora, a história tomando forma. Helene abaixou a cabeça,
uma expressão entristecida no rosto. - Perdi um filho.
- Oh, coitada... - Kincaid murmurou.
- Oh, coitada... - DeWitt ecoou.
- A cidade, todo o Leste para ser mais exata, pois mudávamos muito
de um lugar para o outro, estava cheio de lembranças dolorosas. Eu
necessitava me afastar de tudo. Necessitava ficar só.
Não fitaria DeWitt. Não poderia fazê-lo. Porém, pelo canto dos
olhos, viu-o passar a mão pelo rosto e virar-se um pouco de lado.
- Sinto muito. - O visitante era todo simpatia agora.
- Obrigada.
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De braços cruzados sobre o peito e lábios cerrados, Cooper dava
impressão de estudar um ponto determinado do teto com intensa
concentração.
- Acho que vou dar a noite por encerrada. - Levantando-se, Kincaid
lhe entregou a xícara vazia. -Mas já precisa ir embora? - Helene tinha
a impressão de que acabara de sentar-se. Na verdade, acabara mesmo
de sentar-se.
- Não quero esgotar as boas-vindas. Afinal, não há muita gente a
quem visitar.
- Onde você irá dormir?
- Ergui uma tenda um pouco mais ao sul. Vou construir minha casa e
a loja por lá. Seu primo se ofereceu para organizar um mutirão a fim
de que eu tenha ajuda na construção.
- Meu... oh, sim. Coop é tão prestativo. Sempre desejando ajudar os
outros. Venha nos visitar outra vez. Boa noite.
DeWitt acompanhou Kincaid e ao voltar, minutos depois, encontrou
Helene lavando a louça.
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- Correu tudo bem, você não acha? - ela perguntou. Sem esperar
resposta, secou as xícaras, guardou-as na prateleira, apagou o lampião
e rumou para quarto.
Ele estendeu as peles junto à lareira e apagou o outro lampião.
Quando a voz baixa e profunda ecoou dentro da escuridão, Helene se
sentiu estremecer.
- Boa noite, prima.
- Boa noite. - Ela fez uma pausa, a mão pousada sobre a maçaneta. -
E, por favor, acorde-me se o Sr. Lincoln chegar.
Sentindo-se estranhamente leve, Helene fechou a porta, trocou-se e
deitou-se na cama, cobrindo a cabeça com o travesseiro. Quando,
finalmente, teve certeza de que não seria ouvida, riu com prazer.
Cooper não queria gostar de Helene Wainwright. Não queria escutar
sobre a falta de sensibilidade da família dela. Não queria entender os
motivos que haviam levado uma jovem ingênua, de boa família, a
correr riscos monumentais e se pôr em perigo viajando sozinha por
uma terra selvagem. Helene era impetuosa e irritante. Inocente, tola,
teimosa e cheia de si.
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Além de ter a capacidade de enlouquecê-lo.
Uma semana se passara sem que pensasse na rejeição de Tess Cordell.
Tampouco considerara a possibilidade de colocar novo anúncio no
jornal. O fato é que passava tempo demais se esforçando para não
pensar em Helene Wainwright.
As tardes trabalhando juntos lhe davam prazer.
Enfim a contabilidade estava ficando como imaginara e pretendia ver
o projeto terminado antes que Helene voltasse para o Leste.
Entretanto algo o preocupava. Como ficariam os livros, depois que
ela partisse? À hora combinada, foi encontrá-la no escritório, sentada
perto da j anela, observando o céu nublado. Tão absorta estava nos
próprios pensamentos, que não o ouviu chegar. Isso apenas
confirmava sua opinião. Faltava-lhe as habilidades necessárias para
sobreviver nessa terra inóspita.
De repente, movido por uma inspiração infantil, apanhou uma pena
sobre a mesa e, sem fazer o menor ruído, aproximou-se, pressionando
a haste de madeira contra as costas dela. Helene não lhe deu tempo
de dizer uma única palavra.
Em vez de gritar, como esperara, ela virou-se e o chutou no joelho.
Pego de surpresa, Cooper abaixou-se para tocar o local atingido,
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sufocando um resmungo de dor. Ao reconhecê-lo, Helene se abaixou
também, horrorizada com o que acabara de fazer. As cabeças de
ambos se chocaram com tanta força, que DeWitt viu estrelas e foi
obrigado a se ajoelhar para manter o equilíbrio.
- Oh, Cooper! - Helene se apoiou nos ombros maciços e sentou-se no
chão, zonza.
Piscando, ele a fitou, aspirando o perfume deliciosamente feminino
que emanava do corpo junto ao seu. Os olhos enormes pareciam mais
verdes do que cinzentos, como se faiscassem. Ela levou a mão à boca,
segurando o riso.
Deixando-se enganar pela aparência frágil e falta de experiência,
acabara se esquecendo do que Ferlie lhe contara sobre a maneira
como Helene enfrentara os bandidos. Ele, sim, se comportara
ingenuamente.
- Oh, está bem, acabe logo com isso. Pode rir à vontade.
Ela abaixou a mão, atirou a cabeça pára trás e riu com gosto.
Talvez devesse se sentir humilhado por uma garota da cidade, magra
e delicada, o ter derrubado, porém, o absurdo da situação levou a
melhor. Sem que pudesse evitar, riu também, embora o joelho
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latejasse e os ouvidos zunissem. Riu até quase perder o fôlego. Riu até
sentir a alma leve. E Helene o acompanhava.
Gradualmente, as risadas foram cessando. Ela suspirou fundo, e
fechou os olhos, lânguida.
DeWitt não planejara agir assim. Movido por um impulso
incontrolável, ergueu a mão e tocou-a de leve no rosto, num gesto
que era quase uma carícia. A pele de sua mão era tão morena
comparada àquela brancura de marfim.
Helene estremeceu e abriu os olhos, fitando-o entre curiosa e cheia de
expectativa. Os lábios rosados e entreabertos eram um convite
silencioso, embora inconsciente.
Um trovão forte rompeu o silêncio que os cercava, anunciando
tempestade.
Até então, DeWitt não se permitira pensar por que não a deixara só
desde o início. Por que simplesmente não lhe dera a escolha de
dormir com Chumani, ou por que sempre encontrava motivos para
mantê-la por perto e sob seus cuidados.
Porém agora, não conseguia pensar em nada além dos lábios úmidos,
do perfume feminino que emanava do corpo esguio e sedutor.
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Sem pesar as conseqüências, inclinou-se e beijou-a muito de leve na
boca. Aqueles lábios eram tão macios e cálidos quanto imaginara.
Então afastou-se devagar, fitando-a. Helene, entretanto, permaneceu
imóvel, os olhos semi-cerrados, a respiração ofegante ... aguardando.
Com toda a delicadeza de que era capaz, Cooper tomou o rosto
bonito entre as mãos e tornou a beijá-la. Percebendo que Helene
prendia a respiração, sem saber como agir, ele manteve os beijos
rápidos, menos intensos, encorajando-a a relaxar e partilhar as sen-
sações· esplêndidas.
Queria esmagá-la de encontro ao peito, queria provar do gosto
embriagador até saciara sede que o consumia, queria tocá-la até
conhecer cada centímetro do corpo tentador. Mas não fez nada.
Limitou-se a roçar os lábios carnudos com os seus.
Ao senti-la retribuir a carícia e pousar a mão trêmula sobre seu braço,
Cooper afastou-se e fitou-a longamente.
Os olhos incrivelmente límpidos já não lhe perguntavam o que ele iria
fazer, e sim por que havia agido dessa maneira. Inspirando fundo,
como se para recuperar o fôlego, ela murmurou:
- O Sr. Lincoln vai ficar bastante preocupado quando eu lhe contar o
que aconteceu.
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Com a tensão entre ambos diluída, Cooper sorriu e levantou-se. O
escritório estava escuro agora, a chuva violenta batendo contra o
telhado e as janelas.
- Talvez seja melhor não lhe contar nada.
Helene aceitou a mão estendida e levantou-se também, alisando a
saia.
- Meu silêncio tem um preço.
- É mesmo? - Beijá-la fora um erro. Uma atitude perigosa. Seus
instintos não costumavam falhar assim. Acabaria pagando caro pelos
breves momentos de loucura. Ele acendeu o lampião sobre a mesa.
- Qual é seu preço?
Recomposta, Helene sentou-se e tirou os livros de contabilidade da
gaveta.
- Oh. Que tal uma passagem de balsa? Sei que você tem certas
conexões.
As palavras simples e diretas, o lembraram do quanto ela ansiava fugir
dali. Já estivera considerando a possibilidade de lhe pagar a passagem
de volta para Boston. Poderia colocá-la na diligência... Diabos, po-
deria tirar alguns dias de folga e levá-la até o barco. Pelo menos poria
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um fim numa situação que estava, lentamente, se tornando
insustentável. Não tinha dúvidas de que o pai de Helene o
reembolsaria. Por quê, então, teimar em mantê-la ao seu lado?
Yellow Eagle precisava ser alfabetizado. Seu povo precisava dos
serviços que, indiretamente, ela o ajudaria a prover, através do
desenvolvimento da transportadora. Mais planejamento, maiores
lucros; mais lucro, maior quantidade de comida e suprimentos.
A luz de um relâmpago iluminou o ambiente escuro por alguns
segundos. Um trovão ecoou ao longe.
- Sinto muito. Acho que você terá que contar a ele. Cooper não se
permitiu sentir-se culpado. Dentro de poucos dias, a diligência
chegaria para apanhar a correspondência. Os Wainwright logo teriam
notícias da filha. A própria Helene admitira que não fazia falta em
casa. Que diferença faria umas poucas semanas a mais?
A chuva ·perdera um pouco da intensidade quando deram por findo
o trabalho do dia. Cobrindo a cabeça com um pedaço de lona, os dois
correram para a casa de adobe. Jantaram e depois foram dormir.
Deitada, ouvindo o barulho incessante da chuva, Helene não
conseguia conciliar no sono. Se realmente se empenhasse, era bem
provável que descobrisse onde Cooper guardava o dinheiro. Sendo
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uma pessoa determinada, acabaria conseguindo abrir o cofre. Poderia
lhe pagar quando chegasse em casa. De fato não seria roubo, mas
apenas um empréstimo.
Se ele fosse um cavalheiro, simplesmente lhe emprestaria o dinheiro
necessário para voltar para casa. Se fosse mesmo um cavalheiro, não a
teria beijado da maneira que havia feito... Não, não era verdade. Não
podia enganar a si mesma. Cooper não a forçara a nada. Não fora
rude, grosseiro ou vulgar. Fora gentil. Suave.
Ele se comportara como um perfeito cavalheiro. E ela quisera aquele
beijo.
A lembrança da carícia trocada fez seu coração disparar, um calor
delicioso tomando conta dos membros. Já havia sido beijada antes, de
modo formal. Certa vez, tivera que descer da carruagem às pressas,
porque seu acompanhante, após o teatro, tentara agarrá-la.
Porém o beijo de Cooper DeWitt havia sido algo totalmente
diferente. Alguma coisa envolvente e perturbadora, que fizera seu
corpo inteiro vibrar. O beijo de Cooper revelara uma parte de si que
jamais julgara existir e a qual não se sentia preparada para enfrentar.
O beijo dele a levara a ter medo de si mesma.
Uma leve batida na porta assustou-a.
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- Sim?
- Você estava dormindo? - A voz profunda soava aos seus ouvidos
como uma carícia. Imediatamente alerta, sentou-se na beirada da
cama, cheia de expectativas.
-Não.
- Eu estava pensando... se podia conversar com você.
- Só um momento.
Com o coração disparado feito uma adolescente tola, ela vestiu o robe
sobre a camisola e saiu do quarto. Cooper a aguardava, inteiramente
vestido, sentado à mesa da cozinha, a luz do lampião iluminando os
cabelos lisos e o rosto másculo. Helene sentou-se também.
- Quer um pouco de chá?
- Não, obrigada.
Vários minutos se passaram sem que nenhum dos dois dissesse nada,
o único som audível o da chuva no telhado.
- Eu não podia dormir - ele falou afinal. - Precisamos esclarecer tudo
antes que a diligência chegue.
Será que DeWitt ia mencionar o beijo? Fora isso que o mantivera
acordado?
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- Estive usando-a.
Sem entender nada, Helene aguardou.
- Não é justo de minha parte tentar mantê-la aqui contra sua vontade.
Posso muito bem mandá-la de volta para casa.
Ao ouvi-lo, ela sentiu a esperança crescer dentro do peito.
- Posso até mesmo tirar alguns dias de folga e acompanhá-la até a
balsa. Não permitiria que fosse só.
Essa preocupação com sua segurança tocou-a.
- Então você me ajudaria a voltar para casa?
- E o farei. Entenda bem, eu o farei. Porém gostaria de lhe pedir algo.
- o que é?
- É importante para Yellow Eagle aprender a ler e escrever. Você
ainda não teve muito tempo para ensiná-lo e sei que o garoto tem
sido difícil. Mas também sei que está aprendendo.
- É uma criança inteligente.
- Mudei de opinião sobre... sobre essa questão de esposa. Não era
uma boa idéia. Aqui não é o lugar ideal para uma mulher viver, a
menos que tenha passado toda sua vida na região e não conheça nada
mais.
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Helene sabia que a atitude de Tess Cordell o tinha incomodado,
entretanto nada o impedia de procurar outra pessoa. Claro que julgara
Tess uma louca por considerar a possibilidade de casar-se com um
desbravador, com um homem que nunca vira. Mas isso fora antes de
conhecer Cooper DeWitt. Não tinha dúvidas de que qualquer mulher
que respondesse ao anúncio se atiraria nos braços de Cooper tão logo
o visse: Qualquer uma delas agarraria a chance de viver com ele,
trabalhar com ele... dormir com ele.
- Preciso de alguém para cuidar da instrução do garoto e não sei
como achar uma professora.
Por fim, as palavras de DeWitt começaram a fazer sentido.
- Você ... você quer que eu fique para ensiná-lo?
- Ensiná-lo a atualizar os livros de contabilidade.
Atônita, Helene ficou em silêncio, pensando.
- Preciso que você trabalhe para mim. Todavia a levarei para casa se
desejar mesmo partir.
Toda sua vida, fora acostumada a ouvir os homens lhe dizerem o que
fazer, sempre ignorando seus desejos, convencidos de que sabiam o
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que era melhor. Estava acostumada a ser tratada com superioridade e
condescendência.
Não estava acostumada que lhe permitissem fazer escolhas.
Imersa nos próprios pensamentos, Helene fitou o homem sentado à
sua frente. Os cabelos lisos caídos sobre os ombros, o nariz reto e
queixo determinado. As mãos grandes e fortes e, entretanto, capazes
de demonstrar extrema ternura.
Fora-lhe dada uma escolha.
Podia voltar para casa.
Estava em suas mãos decidir.
Cooper precisava dela.
Pela primeira vez, a última palavra seria sua.
- Trabalharei para você - falou afinal.
- Sim.
- E você irá me pagar um salário.
- Sim. E você viajará de graça numa de minhas diligências.
- Prefiro receber toda semana e, quando tiver dinheiro suficiente,
comprarei minha própria passagem.
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- Se é o que quer.
- É o que eu quero.
- Está bem.
- Por acaso já lhe contei sobre a fábrica Lowell, em Massachusetts?
- Não. - Cooper armou-se de paciência.
- As mulheres costumam fazer greves, de tempos em tempos, para
obter melhores salários e melhores condições de trabalho.
- O que quer dizer greve?
- Parar de trabalhar até que as exigências sejam atendidas.
- Helene, o que isso tem a ver conosco?
Ela deu de ombros, já se sentindo um pouco tola por haver levantado
o assunto.
- Quero que você saiba que as mulheres estão sendo mais respeitadas
como empregadas. Mereço o mesmo salário de um homem.
Cooper não mencionou que ali não era uma fábrica.
Também não disse que, se a situação não a agradava, bastava ir para
casa. Preferiu calar-se e ser tolerante.
- Não creio que você precisará fazer greve.
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Claro que não precisaria. DeWitt estava sendo absolutamente justo.
- Ficarei, então.
- Quando você estiver pronta para partir, farei com que chegue à sua
casa em segurança.
- Está bem.
- Helene...
- Sim?
- Obrigado.
- De nada.
Uma batida repentina na porta assustou-a. Helene deu um grito e
levantou-se, os olhos muito abertos.
Apanhando o rifle, Cooper fez sinal para que ela entrasse no quarto e
se mantivesse lá.
- Quem está aí? Ferlie! - Cooper exclamou, levantando a tranca da
porta. - O que houve?
- Foram aqueles malditos fora-da-lei outra vez! - O velho gemeu,
passando as mãos pelos cabelos molhados. - De que adianta tentar
transportar as pessoas de um lugar para outro e entregar a corres-
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pondência, se aqueles filhos-da-mãe aparecem, ninguém sabe de
onde, e roubam tudo?
Helene saiu do quarto na mesma hora.
- Sr. Tubbs! O senhor está bem?
O homem quase deixou cair o chapéu, tão surpreso, ficou coma
súbita aparição.
- Sim, estou bem. Pena que você não estivesse comigo. Talvez assim
pudéssemos ter salvo a correspondência.
- Sente-se aqui - ela o convidou, apontando para a cadeira junto à
lareira. - Sr. DeWitt, por que não acende o fogo para que ele possa se
secar? Farei um café bem quente.
- Ah, isso sim seria bom - Ferlie respondeu feliz da vida.
- Você chegou adiantado - Cooper comentou, acendendo o fogo.
- Poderia ter chegado pela manhã, se os malditos bandidos não
houvessem me emboscado. A diligência ficou atolada a poucos
quilômetros daqui. Precisaremos de um dia inteiro para tirar o eixo da
lama.
- Pelo menos você está bem.
- Romney quebrou uma perna. Tive de sacrificá-lo.
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- Maldição! - Cooper cerrou os punhos com força.
- Em quem você atirou? - Helene indagou preocupada.
- Num dos cavalos.
- Oh. - Ela suspirou, sentindo-se entre tola e aliviada.
- Vim montado em Theo e deixei os outros para trás. Avisei Jack, que
deverá ir buscá-los.
Os dois homens conversaram enquanto Helene esperava a água
ferver. Finalmente serviu-os de um café forte e fumegante
- Você dorme aqui esta noite, Ferlie. - Cooper decidiu. - Ao
amanhecer, iremos até o local onde a diligência está atolada.
- E se ainda estiver chovendo?
Os dois olharam para Helene como se tivessem acabado de ouvir a
coisa mais absurda do mundo.
- A chuva pode durar mais um dia inteiro. Não posso deixar a
diligência ao relento tanto tempo assim - Cooper explicou. - Um
estrago maior poderia acontecer.
- Trata-se de um veículo da marca Concord, senhorita - Ferlie fez
questão de esclarecer. - Cooper investiu muito dinheiro na compra
daquela beleza.
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- Oh, claro! - Virando-se para DeWitt, indagou: - - Quantas vezes
você já foi roubado?
- Perdi um par de carroças de carga no início do ano. E cada uma das
minhas diligências já sofreu uma meia dúzia de assaltos.
- Posso entender o roubo das cargas, mas é lucrativo assaltar
diligências?
- Bem, os ladrões conseguem algumas jóias e dinheiro.
- Desta vez espalharam a correspondência na lama - Ferlie falou
pesaroso, antes de soprar o café.
- Por que se importariam com a correspondência? - Helene insistiu. -
Por acaso estavam sendo transportados também ouro, ou algum
outro bem valioso?
- Não. Há meses não transportamos nenhuma carga valiosa - Cooper
afirmou.
- Então os assaltos não visam apenas lucros. A intenção é prejudicá-
lo, Sr. DeWitt.
- O que você está querendo dizer com isso?
- Alguém foi morto até agora?
- Ainda não.
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- Mas todos estão assustados. A correspondência está perdida.
Alguém quer prejudicá-lo pessoalmente, ou aos seus negócios.
- A senhorita lê romances demais.
- Pense no que estou lhe dizendo! - Helene estendeu a mão e tocou-o
de leve no braço.
- Estou pensando, estou pensando! - Cooper fitou os dedos que o
prendiam e imediatamente Helene afastou-se. - Quem iria querer me
fazer mal? - murmurou pensativo.
“Quem?”, ela se indagou. Mas quem quer que fosse, estava claro que
o objetivo era destruir os negócios de Cooper gradativamente. Os
bandidos haviam chegado perto de feri-ia e às outras mulheres. Um
dos cavalos estava morto e a carroça presa num lamaçal. Alguém se
esforçava para causar problemas a DeWitt e ela se encontrava bem no
meio dessa situação.
Mesmo se não houvesse dado sua palavra que ficaria ali, não seria
seguro partir agora. Encontrava-se atolada no oeste distante, a menos
que um milagre acontecesse.
CAPÍTULO VII
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Deixe-me ir com você. - Decidida, Helene preparou-se para discutir
até conseguir o que queria.
- Todos irão. - O fato de DeWitt concordar rapidamente a
surpreendeu. - Não vai ser fácil retirar a diligência do lamaçal. Quanto
maior o número de mãos trabalhando, melhor. Você e Yellow Eagle
poderão vigiar os arredores. Mas todos nós precisamos descansar
agora.
Ela lhes desejou boa-noite e correu para o quarto. Não havia nem
sequer amanhecido quando uma batida na porta a acordou.
- Hora de partir - Cooper anunciou.
Sentindo-se como se não houvesse pregado o olho,_ Helene
levantou-se e vestiu-se depressa. DeWitt já a aguardava, os alforjes
cheios de suprimentos colocados junto a dois rifles, sobre a mesa.
- Chumani preparou o café da manhã.
- É cedo demais para comer.
- É necessário. Provavelmente já será muito tarde quando voltarmos
para casa e estamos levando apenas um lanche. Você não tem um par
de botas?
- Estas são minhas botas.
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Cooper passou os minutos seguintes tentando localizar um par de
mocassins de cano alto.
- Calce-os sobre seus próprios sapatos. Servirão para manter os pés
secos.
Os mocassins lhe serviram perfeitamente.
- Vamos.
Acostumada à secura das ordens, Helene o seguiu até a casa de adobe,
tendo o cuidado de evitar as poças d'água enquanto procurava manter
o equilíbrio sobre a lama escorregadia. O odor delicioso de bacon e
café era mais apetitoso do que imaginara possível àquela hora da
manhã. O calor do interior da casa aliado ao objetivo comum que
todos partilhavam lhe davam uma sensação estranha, a de fazer parte
de um todo, de pertencer a um lugar.
Depois de comer, o pequeno grupo se reuniu no celeiro.
- Abra sua capa - Cooper falou.
Hesitante, Helene fitou a arma que ele tinha nas mãos, porém
obedeceu.
- Assim. Vamos passar o coldre sobre seu peito e prender o cinturão
no ombro, sob a capa. Assim a arma não ficará molhada e você
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poderá sacá-la, se necessário. Sei que o arranjo não é muito
confortável, entretanto não vejo outra alternativa. O cinturão é
grande demais para seus quadris.
- Faz-me sentir nervosa. - Apesar do comentário, Helene deixou que
Cooper lhe ajeitasse a arma sobre o peito, os olhos fixos nos dedos
longos e fortes.
- Sei que você é capaz de atirar. - Ele parecia indiferente à
proximidade de seus corpos. - Afinal, já meteu uma bala em alguém,
não é?
- Vou ter que usa-la?
- Não sei. Estou lhe dando o revólver para sua proteção, e também
para a nossa. E assim que as coisas funcionam por aqui. Cuidamos de
proteger uns aos outros.
Jack e Cooper haviam coberto parte da carroça com uma lona para
manter o interior seco. Helene, Chumani, Yellow Eagle e Jack se
acomodaram no meio de pás, enxadas, baldes e cordas, enquanto
Cooper e Ferlie ocupavam o banco da frente.
O trajeto até o local onde o Concord atolara demorou mais tempo do
que Helene esperara.
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Depois de avaliar a situação, Cooper tirou a capa e guardou-a na
carroça. Então livrou-se do resto das roupas, ficando apenas de tanga.
Apanhou uma pá e fez sinal para que Helene o seguisse.
Ninguém mais parecia prestar atenção ao fato de ele estar quase nu,
assim ela se esforçou para não fitar o corpo musculoso enquanto o
seguia até uma pequena elevação, metros adiante. A chuva fina e in-
sistente ainda não havia parado de cair.
- Você fica de guarda aqui. Mas não chegue perto daquele bosque.
- Por que não?
- Por causa dos raios.
-Oh!
- Se notar alguém em qualquer direção, não atire. Apenas corra de
volta para nos avisar.
- Está bem.
Cooper se afastou e Helene fez de tudo para não devorá-lo com o
olhar. Que procedimento lógico. Em vez de se esforçar, em vão, para
manter as roupas secas, ele simplesmente as removera.
O dia enfim clareou, porém era impossível saber quanto tempo havia
passado desde que chegaram àquele local ermo, pois não podiam
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contar com a luz do sol. O processo de retirar a lama ao redor do eixo
era de uma lentidão quase dolorosa. Jack estava vestindo apenas a
calça e Ferlie se desfizera da capa. Os três homens cavavam sem
parar. Chumani carregava pesados baldes de lama e os esvaziava às
margens da estrada. Às vezes Ferlie, ou Jack, paravam de cavar para
ajudá-la.
Helene estudou o horizonte, o monte à sua direita e o bosque.
Mesmo sob o céu cinzento, aquela terra possuía uma beleza quase
assustadora na sua magnitude. Sentia-se tão subjugada por tamanho
esplendor agora, quanto no dia em que chegara.
De repente, deu-se conta de algo realmente preocupante. Duas
semanas haviam se passado e não entrara em contato com as noivas
nem uma vez! Por causa delas fora parar ali! Cooper teria todo o
direito de duvidar de sua credibilidade. Quando o tempo melhorasse,
daria um jeito de encontrar horas livres para fazer suas entrevistas e
trabalhar na história.
Por alguns instantes, observou Chumani lidando com os baldes
pesados. A índia estava naquilo há horas. Ao vê-la escorregar e cair,
correu para ajudá-la.
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-Deixe-me cuidar disso - Helene insistiu, apontando para o local onde
estivera. - Você fica de guarda.
Grata, a índia correu para o lugar indicado.
- Espere, você precisa da arma. - Ela abriu a capa e mostrou o
revólver.
Sorrindo, Chumani abriu a própria capa para revelar o cinturão ao
redor dos quadris.
- Oh, bom! Vá descansar um pouco.
A lama se fechou ao redor dos pés de Helene como se pretendesse
sugá-los, transformando cada passo num desafio. Com extrema
dificuldade, ela conseguiu esvaziar dois baldes.
- Helene? - Cooper parou de cavar e apoiou-se no cabo da enxada por
um instante, coberto de lama dos pés até o meio das coxas, gotas de
chuva escorrendo dos cabelos compridos e mantendo as costas e o
peito largo brilhantes.
- Chumani precisava de um descanso. Ela está de guarda.
Algo como aprovação iluminou a expressão séria.
- Dentro de uma hora, ou um pouco mais, faremos uma pausa para
comer algo. Satisfeita por ter tomado café da manhã?
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- E como! - Escorregando aqui e ali, Helene conseguiu esvaziar mais
alguns baldes. Tão logo retornava para junto da diligência, outros
baldes cheios a esperavam. A capa pesada dificultava seu progresso e
a arma parecia pesar uma tonelada junto às suas costelas. Ferlie
acabou tendo de parar de cavar para ajudá-la a dar conta dos baldes.
Finalmente Cooper fez sinal para que parassem e todos se
acomodaram sob a lona para comer pão úmido e carne seca.
- Quando voltarmos ao trabalho, acho que já poderemos tentar puxar
a diligência - Cooper falou. Jack e Ferlie cuidam da parte da frente,
enquanto Chumani, Yellow Eagle e Helene me ajudaram a empurrar
por trás.
- Nós? - Helene exclamou surpresa.
- Não é a força de uma pessoa que importa, mas o esforço conjunto.
- E quem montará guarda, enquanto estivermos aqui?
- Faremos uma vistoria na área, antes de começarmos.
Ao terminarem de comer, os outros procuraram se fazer confortáveis
para uns poucos minutos de descanso.
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- Você não tem nenhuma história para me contar agora? - DeWitt
indagou, encostando-se num canto da carroça, as pernas nuas e
musculosas atraindo-a irresistivelmente.
Ela se obrigou a soar natural, embora desejasse apenas observar o
corpo atlético em todos os detalhes.
- Como assim? .
- Você, geralmente, tem sempre uma história com a qual fazer
paralelo.
- Oh, bem, não desta vez. - Nunca pensara que Cooper desse ouvidos
às suas histórias. Acreditara que ele as considerava uma tolice e se
divertia à sua custa. - Não imaginei que prestasse atenção.
- Sempre presto atenção. Em tudo. - Os olhos azuis lhe transmitiram
uma mensagem que não foi capaz de decifrar. - Acho melhor ir
checar os arredores agora. Então, começaremos a empurrar.
Helene focalizou a atenção num monte de cordas para evitar fitar
Cooper enquanto ele se afastava. Temia não ser capaz de disfarçar a
natureza dos próprios pensamentos.
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- Essa maldita chuva vai nos carregar até o México se não tratarmos
de tirar o Concord daqui logo Ferlie sentenciou, retomando o
trabalho.
Os homens posicionaram as mulas à frente da diligência e as
prenderam pelos arreios, acalmando-as quando um trovão forte as
deixou inquietas e ariscas.
Helene e Yellow Eagle juntaram tantos gravetos e pedras quanto
conseguiram achar e os colocaram atrás do veículo, para que
pudessem ter um apoio sólido.
Todos tomaram suas posições. Ferlie no banco, segurando as rédeas
dos animais, Jack atento às rodas, com uma pá na mão, e os outros
atrás da diligência. Cooper se posicionou no centro, as costas maciças
contra a madeira, as mãos grandes prontas para erguer a parte
inferior.
- Quando eu der o sinal, empurrem com toda a força de que forem
capazes - ele os instruiu.
Helene tomou seu lugar, entre DeWitt e Yellow Eagle. O que fariam,
se isso não desse resultado? Haviam passado o dia inteiro cavando.
Talvez pudessem se abrigar sob a lona e esperar que a chuva passasse
e o chão secasse antes de tentar de novo. Mas quem saberia dizer
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quanto tempo seria necessário até que as condições do tempo fossem
mais favoráveis?
- Agora! - Cooper gritou.
Ferlie brandiu o chicote no ar, impulsionando as mulas para a frente.
Ao seu lado, DeWitt usava os músculos poderosos das pernas para
empurrar, as veias do pescoço saltadas, ombros e braços intumesciam
dos por causa do esforço sobre-humano. A diligência se moveu
alguns centímetros. Cooper virou-se de frente e continuou a
empurrar, usando um dos ombros para aumentar a pressão.
Os próprios braços de Helene ardiam enquanto tentava se equilibrar
sobre as pedras escorregadias. O único som audível era o das
respirações entrecortadas. O chicote voltou a vibrar, seguido por uma
corrente de impropérios e o zurrar das mulas.
Finalmente a diligência avançou. Tomada de surpresa, Helene perdeu
o equilíbrio e caiu de bruços na lama. A friagem súbita a fez inspirar
fundo, a lama quase sufocando-a. Ela cuspiu e sentou-se para limpar
os olhos, os cabelos enlameados cobrindo-lhe parte do rosto e
pescoço.
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Ferlie conduziu a diligência até uma elevação do terreno. Jack correu
à frente para sossegar os animais. Cooper mandou-os parar e
descansar.
Ensopada e com frio, a lama cobrindo-a da cabeça aos pés, a bexiga a
ponto de estourar, Helene lembrou-se do conforto de sua casa, em
Boston, do calorzinho gostoso do escritório do jornal e das refeições
servidas na louça mais fina. Talvez devesse ter tentado ganhar o
respeito do pai com maior afinco. Talvez devesse ter aceitado Evan
Hunter e se conformado com o papel que as convenções lhe tinham
imposto. Ou talvez devesse ter engolido o orgulho e considerado
aceitar um daqueles pretendentes entediantes que seu pai insistia em
lhe apresentar.
Ferlie desceu e se deparou com Helene. A visão o fez rir alto.
- Puxa, senhorita!
Chumani e Yellow Eagle, ofegantes, sorriram também. Ao virar-se
para ver o motivo da graça, Cooper precisou se conter para não cair
na risada. Entretanto seus esforços pareceram divertidos aos olhos de
Helene.
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Embora trêmula de frio e sentindo-se imunda, ela conseguiu enfrentar
a situação sem perder o bom humor. Devia estar mesmo muito
engraçado.
Enquanto os homens prendiam 0$ cavalos na diligência e Chumani se
encarregava de juntar pás e baldes, Helene ficou de pé, deixando que
a chuva limpasse a lama que lhe cobria o corpo.
Infelizmente não conseguiria fazer o trajeto de volta para casa sem
aliviar certa necessidade física. Aproveitando o fato de todos estarem
ocupados, caminhou até o bosque, convencida de que ninguém daria
por sua falta durante uns poucos minutos.
Tendo o cuidado de manter-se protegida pela vegetação alta, ergueu a
saia devagar. De repente um som estranho lhe chamou a atenção.
Respiração pesada, gravetos sendo pisados.
Aterrorizada diante da possibilidade de alguém tê-la visto naquela
posição indelicada, levantou-se depressa e ajeitou as roupas molhadas,
o coração disparado. Oh, Deus, estivera de guarda o dia inteiro e,
quando menos esperara, os bandidos tinham aparecido. Era culpa sua
que estivessem em perigo agora.
O ruído da respiração foi se tornando mais forte. Em pânico, Helene
conseguiu sacar a arma do coldre, as mãos rígidas dificultando a
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tarefa. Cooper lhe havia dito para não atirar. Porém não lhe restava
outra alternativa, quando a ameaça estava tão próxima! Simplesmente
não teria tempo de correr!
Uma figura enorme apareceu a alguns metros de distância. O pavor
experimentado foi tal, que Helene sentiu o coração parar de bater por
um instante, os ouvidos latejando. O animal sentou-se nas patas tra-
seiras e farejou o ar, o focinho negro e comprido virado para cima.
Um urso pardo!
Paralisada, Helene desperdiçou minutos valiosos tentando decidir
como agir. Conseguiu apenas gritar, o som estridente revelando o
mais puro terror.
O urso virou a cabeça poderosa e ficou de pé, lançando as patas
dianteiras para o ar, as garras expostas tão assustadoras quanto os
dentes pontiagudos.
Ao vê-lo se mover na sua direção, Helene finalmente lembrou-se da
arma que segurava e ergueu-a, precisando segurá-la com ambas as
mãos para mover a trava de segurança e puxar o gatilho.
O tiro reverberou pelo silêncio sepulcral, o impacto fazendo-a perder
o equilíbrio e cair no chão.
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Enraivecido, o animal veio ao seu encalço. Ela não sabia se atirava
outra vez, ou se tentava correr. De qualquer maneira, já estava mesmo
morta. Não poderia escapar nunca. Assim, levantou-se e tornou a
puxar o gatilho.
Um outro tiro seguiu o seu, segundos depois. O urso parou.
Um terceiro tiro e a fera tombou, imóvel.
Tremendo descontroladamente, Helene virou-se. Cooper abaixou o
rifle e caminhou ao seu encontro, a chuva escorrendo pelo corpo
musculoso.
Ao ver o animal morto, ela foi tomada por uma sensação de náusea, a
vista escurecendo de repente.
Cooper a amparou antes que caísse. Então colocou-a sentada no chão
e fez com que colocasse a cabeça entre os joelhos, tirando-lhe o
revólver das mãos sem forças. Helene tentou fitá-lo, os olhos,
maiores do que nunca, refletindo toda a angústia e surpresa.
Ao ouvi-la gritar, momentos antes, Cooper se sentira grato por ter
sido avisado do perigo. Pelo menos tivera tempo de apanhar o rifle e
chegar no local antes que fosse tarde demais. Seu coração disparara ao
se deparar com o urso, pronto para pular sobre a presa.
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Mas, impulsionada por sua própria fortaleza de caráter, Helene
metera pelo menos uma bala no animal. O ferimento servira apenas
para deixar a fera ainda mais enlouquecida e se ele não tivesse
chegado a tempo, Helene estaria reduzida a pedaços agora. Entre-
tanto mostrara-se uma mulher admirável. Tomara uma atitude, não se
entregara sem lutar.
- Uau! - Ferlie exclamou, chegando momentos depois. - O que vai
fazer com seu urso, senhorita? Vamos ter churrasco essa noite?
- Meu... meu urso?
- Sim, seu urso - Cooper confirmou. - Nós o limparemos para você,
claro. Dará um belo tapete para a sala de jantar dela, não é, Ferlie?
- Quem sabe não o dependura na parede de seu quarto, senhorita?
Todas as manhãs acordará olhando para essa beleza - Ferlie brincou.
Helene, o rosto e os cabelos cheios de lama, fitou-os confusa, de
olhos arregalados.
Chumani aproximou-se do animal, segurando uma faca.
- O que ela vai fazer? - Os lábios de Helene, totalmente sem cor, mal
se moviam.
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- Vai retirar as entranhas e deixá-las aqui. Os coiotes não nos seguirão
até em casa, se lhes providenciarmos o jantar.
- Oh, Deus... - Ela tentou se levantar, mas cambaleou, zonza.
- Vamos. - Tomando-a nos braços, Cooper a levou até a diligência. -
Espere por nós aqui.
- Na diligência?
- Sim. A menos que ache melhor deixar que o urso ocupe o espaço.
- Oh, não! Não acho...
Ele abriu a porta do veículo e depositou-a dentro do Concord
- Cooper?
- Sim?
- Obrigada. Por salvar minha vida. Eu estaria morta se você não
tivesse atirado naquele urso.
- De nada. Mas, Helene?
- Sim?
- Por favor, de agora em diante, avise a alguém antes de se afastar.
- Oh, claro! - Embaraçada, ela se recostou no assento de couro. -
Estou molhando todo o estofado.
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- Melhor você do que o urso. Não será difícil limpar.
- Ele lhe entregou o revólver e fechou a porta.
- Cooper?
- Sim?
- Poderia me emprestar sua faca por um momento?
- Para quê?
- Apenas me empreste sua faca.
- Tenha cuidado, está afiada.
Helene levantou a saia alguns centímetros, cortou a pantalona, e
atirou-a pela janela, na lama.
- Obrigada - falou, devolvendo-lhe a faca.
- Sempre achei que todas essas roupas eram mais uma complicação
do que uma necessidade.
- Da próxima vez em que eu for ficar frente a frente com um urso,
deixarei minhas roupas de baixo em casa. - Helene cobriu o rosto
com as mãos. - Minha mãe morreria se soubesse o que acabei de
fazer.
Ele se afastou sorrindo.
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O bom humor reinante era contagioso. Além de haverem recuperado
a diligência, estavam voltando para casa com um excelente
suprimento de carne para o inverno. Porém, para Helene; o maior
prazer era notar que Yellow Eagle a tratava agora com maior respeito.
O garoto já não revirava os olhos quando ela lhe falava e até mesmo
ajudou Cooper a levar uma tina para dentro da casa, colocando-a
junto ao fogão.
- Para que isso? - Helene perguntou curiosa.
- Pensei que você gostaria de tomar um banho quente, depois de hoje
- Cooper respondeu. Tio e sobrinho se encarregaram de encher a tina
de água. - E quanto a você? - ela indagou, tão logo o menino os
deixou a sós. - Poderia tomar um banho quente também.
- Estou acostumado a me banhar ao ar livre, independente das
condições do tempo.
Helene mergulhou os dedos na água e suspirou feliz.
- Hum... a água está tão gostosa!
- Eu não caberia aí dentro.
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- É verdade. Mas poderia ficar de pé, se ensaboar e depois jogar água
sobre o corpo com o auxílio de uma tigela.
- Eu acabaria molhando tudo ao redor.
- Não tem importância. Cuidarei da limpeza.
- Veremos. Chame-me quando terminar; certo?
- Onde você estará? Será que vai me ouvir?
- Esperarei do lado de fora.
- Que bobagem. A chuva continua torrencial.
- Estive na chuva o dia inteiro, Helene. Que mal farão algumas gotas
a mais?
- Está esfriando agora. Você poderá pegar um resfriado.
- Nunca tive um resfriado em toda minha vida. Cooper saiu, fechando
a porta com firmeza atrás de si.
Depressa, Helene tirou as roupas ensopadas e mergulhou na água
quente. Que sensação maravilhosa. Tomar banho de rio era delicioso
quando o tempo estava bom, todavia Cooper não sabia o que estava
perdendo. Finalmente podia relaxar os músculos doloridos. Fechando
os olhos, entregou-se ao prazer de sentir-se viva.
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Mas lembrando-se de que Cooper a aguardava, sob a chuva, tratou de
se apressar. Lavou primeiro os cabelos e então o corpo. Secou-se,
vestiu-se e carregou alguns baldes de água suja para despejar do lado
de fora da casa.
Ao abrir a porta, descobriu-o a alguns metros de distância, parado sob
o aguaceiro, o rosto voltado para cima, a chuva lavando os cabelos
compridos e o corpo quase nu. A luz vinda do interior iluminava cada
um dos músculos bem torneados.
Sentindo-se observado, Cooper virou-se e fitou-a, fazendo-a prender
a respiração.
Nunca pensara que um homem pudesse ser tão belo.
A coisa mais próxima que já havia visto das formas masculinas fora
uma pintura no Museu Dageford. Porém a figura retratada no quadro
não chegava nem perto da beleza vibrante de Coopero Ele era carne e
osso, curvas e músculos. Podia continuar a observá-lo durante toda a
eternidade sem nunca se cansar daquela graça e beleza máscula.
- Entre e venha aquecer-se - falou afinal, saindo da espécie de transe
em que caíra.
Ela despejou água limpa e quente na tina e entrou no quarto sem ter
coragem de fitá-lo. Fechou a porta e pôs-se a pentear os cabelos.
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Minutos depois, o som de água caindo cessou. Cooper chamou-a.
- Estou acendendo o fogo. Venha acabar de se secar aqui.
Helene foi sentar-se numa cadeira próxima à lareira.
DeWitt, vestindo calça de couro e camisa, ocupava-se em avivar as
chamas com o que lhe parecia pedaços de musgo endurecido.
- O banho estava bom? - ela perguntou.
DeWitt virou-se para fitá-la, os olhos incrivelmente azuis parecendo
arder devido a uma chama interior.
-Sim.
Notando que os cabelos de Cooper, ainda muito molhados,
ensopavam a camisa nas costas, Helene se apressou a lhe oferecer
uma toalha seca. e um pente. Notando que Cooper não tinha a menor
paciência para desembaraçar os fios longos, decidiu realizar a tarefa.
- O que você usou para lavar os cabelos? - indagou, aspirando um
perfume deliciosamente suave.
- Yucca.
- O que é isso?
- Uma raiz.
- Você é o primeiro homem que conheço com cabelos compridos.
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- Tenho pensado em cortá-los.
- Mas não o fez.
- Sou o que sou. Cortar os cabelos não fará de mim mais branco, ou
menos índio.
Helene afastou-se e pôs-se a pentear os próprios cabelos junto do
fogo. DeWitt sentou-se no chão, os pulsos apoiados nos joelhos,
observando-a.
- Como você acabou se tornado irmão de Last Horse?
- É a repórter perguntando?
- Não: Apenas curiosidade.
- Tenho vivido entre os oglala desde os oito anos. Meu pai era um
caçador, parte francês. Casou-se com minha mãe e a levou para o
norte. Ela nunca foi feliz. Era uma mulher da cidade.
Cooper encostou-se na lareira e esticou as longas pernas.
- Quando nasci, eles se mudaram para o território, um pouco mais
perto da civilização. Meu pai vivia em paz com os oglala. Eles eram
nossos amigos. A única família que jamais conheci. Porém minha mãe
vivia se lamentando. Assim, mudávamos constantemente, sempre
indo na direção leste. Um dia, finalmente, ela nos abandonou. Meu
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pai foi atrás, convencido de que poderia encontrá-la, deixando-me
com uma família da região.
Helene tentou imaginar como seria para uma criança enfrentar uma
vida assim, mas não foi capaz.
- Ele nunca voltou. Fugi para estar junto do único povo que
realmente conhecia. Running Elk me acolheu como seu eu fosse seu
próprio filho, deu-me abrigo e me ensinou a caçar e pescar. Tornei-
me homem entre os oglala.
- Porém você não ficou com eles.
- Fiquei com eles até que os brancos forçaram-nos a abandonar suas
próprias terras. Fiquei com eles até vê-los aprisionados numa reserva
feito animais.
Um silêncio pesado os envolveu durante alguns minutos. Ouvia-se
apenas o crepitar das chamas.
- Posso ajudá-los mais estando aqui. Com meu trabalho, posso
providenciar alimentos e roupas para meu povo .
. Os olhos de ambos se encontraram, a voz de Cooper, antes seca, foi
se suavizando.
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- Posso lhes levar comida e ver se estão aquecidos para enfrentar o
inverno. Entretanto, aquilo de que eles mais necessitam, não posso
lhes dar, que é a sua dignidade.
Helene sentiu uma emoção profunda. A criança abandonada que
Cooper fora, havia se transformado nesse adulto capaz e sensível.
Esse homem, de enorme força física e determinação, possuía um
sentimento de lealdade extremo, algo ao qual podia apenas aspirar.
Não era de se estranhar que DeWitt pouco apreciasse os brancos.
Não era à toa que mudara de idéia quanto a ter uma esposa da cidade.
Tampouco se surpreendia ao se dar conta do quanto o admirava.
Não, não se arrependia nem um pouco por ter se lançado naquela
aventura, abandonando os confortos e a segurança de seu lar. Não
mais se limitava a reportar a vida, estava vivendo-a.
Talvez Cooper não tivesse noção do quanto revelara de si naqueles
breves momentos.
- Aposto que você tem muitas histórias interessantes para contar - ela
falou, procurando aliviar a tensão do ambiente. - Poderíamos contar
certas coisas que fariam as pessoas voltar correndo para o Leste.
- Suas histórias são melhores do que as minhas. "Helene e o Urso
Pardo".
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- "Helene e os Ladrões de Diligências" - ela emendou sorrindo,
satisfeita com o clima de camaradagem que se instalara entre os dois.
Então lembrou-se da decisão tomada horas antes. - Cooper, preciso
entrevistar as noivas. Você pode me levar até elas?
- Suponho que sim. As noivas estavam apavoradas, não? - Ele sorriu,
pensando no dia da chegada. Que tal "A Vida entre os Rufiões da
Fronteira?" Foi assim que a ruiva se referiu aos bandidos, não?
Um trovão pareceu rugir sobre suas cabeças.
- Que tal "Quarenta Dias e Quarenta Noites"? Helene propôs.
- Por quê?
- Por causa da chuva. - Ela riu com gosto. - Nunca ouviu falar de
Noé?
-Não.
- Bem, então tenho uma história para lhe contar.
No dia seguinte, a chuva havia parado, porém o vento se tornara mais
frio. Durante a aula de Yellow Eagle, Cooper apareceu vestindo um
casaco forrado de pele, como se estivesse pronto para sair.
- Ferlie partirá hoje - avisou.
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- Oh?
- E sua última chance.
- Como assim?
- Não posso deixá-lo ir só. Vou acompanhá-lo até o rio Mississipi.
Você poderá vir conosco, se quiser. Farei com que chegue em casa
em segurança.
Surpresa, ela colocou a lousa sobre a mesa. - Pensei que esse assunto
estivesse decidido.
- Você merece uma última chance de mudar de idéia. A cada dia que
passa está ficando mais frio. O inverno não tardará a chegar e com
toda a chuva que temos tido, não será uma época fácil.
- Ficarei dentro de casa junto ao fogo, não é? Você não irá me colocar
para fora.
- O que estou dizendo é que essa é sua última chance. Quando o
inverno chegar, será obrigada a permanecer aqui por um longo
período.
Ela olhou para Yellow Eagle, que acompanhava a conversa com
interesse, e então de volta para Cooper
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- Bem, Yellow Eagle estará lendo e escrevendo correntemente na
chegada da primavera. Apenas certifique-se de que a correspondência
seja entregue. Assim meu pai saberá que estou bem.
Embora não demonstrasse, as palavras de Helene o agradaram muito.
- Farei com que a correspondência seja entregue.
- Quanto tempo você ficará fora?
- Alguns dias. Eu me sentiria melhor se você permanecesse com
Chumani, até meu regresso.
Vendo-a hesitar, Cooper a tomou pelo braço e levou-a para o pátio.
- Há outros homens por aqui. Quando souberem que você está
sozinha, à noite...
Não foi preciso que ele dissesse mais nada. Lembrava-se da maneira
como a tinham observado no armazém, do modo como Last Horse a
despira com o olhar.
- Pegarei alguns de meus pertences e ficarei com Chumani.
- Obrigado.
O calor daquela mão forte em seu braço fazia sua pele arder de um
modo estranhamente sugestivo.
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- Eu é que devo lhe agradecer. Você sempre se preocupa com minha
segurança.
Os olhos azuis mergulharam nos seus, fazendo-a prender a
respiração. Então ele a segurou pelo queixo, de leve.
- Você é capaz de enlouquecer um homem, Helene.
- Não penso que...
- Não me importa o que pensa. Apenas não diga nada.
CAPÍTULO VIII
OS lábios dele se apossaram dos seus, despertando sensações com as
quais não estava preparada para lidar. Inspirando fundo, deixou-se
envolver pelo perfume viril, incapaz de resistir à magia do momento.
Desta vez o beijo foi mais do que um simples incidente, mais do que
um teste. Havia um propósito por trás da carícia. Um objetivo ...
fogo.
Curiosamente, Helene lamentava a partida de Cooper. Não porque
estivesse com medo, mas porque não queria aquela separação.
De repente, surpreendeu-se retribuindo o beijo, sem se importar se
seu comportamento iria chocá-lo, ou se acabaria se arrependendo
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
depois. Queria apenas ter algo do que se lembrar, quando estivesse
só.
Ao tocá-lo no peito, percebeu os contornos de um pequeno saco de
couro, que DeWitt trazia sempre sob a camisa.
- O que é isso? - indagou, mantendo os lábios colados aos dele.
- Sicun.
- O quê?
- Meu amuleto.
- O que...
Ele silenciou-a com um beijo. Como seria se o tocasse no rosto?,
Helene pensou, não resistindo ao impulso de deslizar os dedos sobre
a pele firme e bronzeada.
Cooper reagiu à carícia abraçando-a com mais força, esmagando-lhe
os seios contra o peito largo. Ao senti-lo fazer o contorno de sua
boca com a ponta da língua, ela cedeu ao desejo de experimentar o
gosto masculino e entreabriu os lábios, deixando-o se apossar de sua
intimidade.
O vento rugia, porém ambos nada escutavam, a não ser as batidas dos
corações um do outro. Jamais Helene experimentara uma emoção
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forte assim e queria poder fazer com que aquele momento durasse
para sempre. Temia ver o arrependimento estampado nos olhos azuis,
quando o beijo terminasse.
Era estranha essa sensação. de extrema vulnerabilidade, esse calor que
a consumia por inteiro, como se lhe corresse fogo nas veias.
Por fim, se separaram, embora os corpos continuassem muito
próximos.
- Se você tiver algum problema, mande Yellow Eagle chamar Lowell
Heckman.
- Quem?
- O ferreiro. Confio nele.
Sim, lembrava-se do homem de cabelos escuros, que encontrara nas
cocheiras, no dia de sua chegada. Ele não parecera surpreso ao vê-Ia e
tampouco a fitara de maneira rude e maliciosa.
- Adeus, Cooper - murmurou, vendo-o se afastar.
- Adeus, sra. Lincoln.
Ela sorriu, entre divertida e terna.
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DeWitt voltou atrás, enlaçou-a pela cintura e beijou-a novamente,
cheio de paixão e urgência. Segundos depois, observou-o montar no
cavalo e partir.
Trêmula, atordoada, Helene entrou em casa. Yelllow Eagle a fitava
com· uma expressão curiosa.
- Onde estávamos? - ela perguntou, esforçando-se para manter a voz
calma e controlada, embora ofegasse.
- Estávamos na letra "t".
- Sim, isso mesmo.
O garoto havia desenhado uma dúzia de letras "t" na lousa com
extremo cuidado.
- Sei de uma palavra que começa com essa letra - anunciou
entusiasmado.
- Qual?
- Tola. - Os olhos escuros fitaram os seus de maneira desafiadora.
Impassível diante da tentativa de provocá-la, Helene retrucou:
- Tenaz.
- Tenebrosa. - O menino procurava colocar tanto veneno na voz
quanto possível.
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Ela riu, a despeito de si mesma.
- Talentosa.
Yellow Eagle inclinou-se para frente.
- Tagarela.
- Triunfante.
Já não foi possível escutar a palavra seguinte, pois seus pensamentos
se voltaram para o beijo embriagante que Cooper lhe dera, para as
sensações deliciosas que ainda a faziam tremer por dentro e o coração
bater descompassado. Essas emoções novas e desconhecidas a
surpreendiam. Estranhamente, não quisera vê-lo partir. Mas o que
será que queria de verdade, meu Deus? O que havia para querer?
DeWitt precisava de sua ajuda. E depois disso... Helene virou-se para
Yellow Eagle. Não iria pensar no futuro agora.
Wiley Kincaid apareceu para uma visita surpresa na noite seguinte.
Helene abriu a porta, hesitante.
Muito embora Kincaid fosse um perfeito cavalheiro, a idéia de
recebê-lo na casa de adobe, durante a ausência de Cooper, a
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incomodava. Entretanto preferia não dizer que estavam sozinhas, na
companhia de uma criança.
- Entre. Venha tomar um chá - convidou-o.
- Cooper está trabalhando? - ele indagou, olhando ao redor.
Seus olhos se encontraram com os de Yellow Eagle por um breve
instante.
-Sim.
Kincaid sentou-se na cadeira que lhe foi oferecida, enquanto
comentava:
- Tenho um irmão que está pensando em mudar-se para cá.
- Oh, é mesmo? - Helene aproximou-se do fogão, porém Chumani
fez sinal para que voltasse para junto do visitante.
- Sim. Mandei-lhe uma carta, explicando que existem terras
disponíveis. Espero que meu irmão possa vir até a primavera.
- Seria ótimo.
Um silêncio desconfortável se instalou durante vários minutos, até
que Chumani trouxe o chá. Helene serviu-os, gesticulando para que a
índia e o filho sé sentassem também e tomassem a bebida enquanto
estava quente.
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- Ele tem família. Esposa e filhos.
- Que maravilha. E o que seu irmão faria aqui?
- Guiar parelhas costuma render dez dólares por dia.
- Que tipo de serviço é esse?
- Fazer transporte de carga.
- O que Cooper faz.
- Exatamente.
- Você acha que Cooper lhe daria emprego?
- Espero que sim.
- Já temos bastante brancos ocupando o território
- Yellow Eagle os interrompeu, num tom cheio de condenação. -
Logo não seremos mais capazes de enxergar o céu.
Kincaid fitou o menino com uma leve irritação, mas Helene decidiu
apoiar a criança.
- Parece que acabaremos assim, não é?
- As chuvas atrasaram o início da construção de minha casa. - Wiley
resolveu mudar de assunto.
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- Acho que preenchemos nossa cota de dias chuvosos. - Como se
esquecer do que acontecera nesses últimos dias, marcados pela chuva
e por acontecimentos inesperados? - A propósito, atirei num urso.
Os olhos escuros de Kincaid se arregalaram, a xícara de chá parada a
meio caminho da boca.
- Você o quê?
- Atirei num urso. - Sentir-se-ia mais segura se fizesse acreditar estar
diante de uma mulher capaz.
A descrença estampada no rosto de Kincaid só diminuiu depois que
ele olhou para Yellow Eagle e obteve confirmação através de um
gesto de cabeça.
Helene contou a história detalhadamente, deixando de fora apenas o
motivo que a fizera ir até o mato. Também não explicou que haviam
sidos os tiros de Cooper que, de fato, abateram o animal.
Yellow Eagle sorriu e virou-se para reavivar o fogo com um espeto de
ferro.
- Onde está a carcaça? - Kincaid quis saber.
- Não sei.
- Posso curtir a pele para você?
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- Chumani pode me ...
- Por favor. Eu gostaria muito de me encarregar disso.
- Bem... - Helene olhou para Chumani, que lhe fez sinal para que
aceitasse, após o filho lhe explicar o que se passava. - Está bem.
Terminado o chá, Kincaid despediu-se.
- Acho melhor tomar o caminho de casa. Obrigado outra vez.
Helene o acompanhou até a porta e então levou as xícaras para a pia.
- Vamos repassar as letras do alfabeto antes de irmos para a cama -
avisou ao garoto. - Você tem se saído tão bem com as letras e os
sons, que começaremos a juntar palavras e formar frases na próxima
semana.
- E então serei capaz de ler?
- Dentro de muito pouco tempo. Tenho vários livros no meu baú que
nos manterão ocupados durante o Inverno.
- Continuarei sendo um oglala. - Yellow Eagle fitou-a beligerante.
Percebendo o que se passava no íntimo da criança, Helene sentou-se
no chão, sobre o tapete, as lousas colocadas lado a lado.
- Claro que continuará. Ninguém está tentando transformá-lo num
branco.
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Pela expressão duvidosa do garoto;perguntou-se se conseguiria fazê-
lo acreditar nisso.
- Seu tio quer apenas que você possa enfrentar os brancos em pé de
igualdade. Eles valorizam muito a escrita e ás homens de sucesso
precisam do poder que esse conhecimento lhes dá.
- Poder?
- Sim - ela respondeu entusiasmada. - Poder! - Agora sim,
compreendia a estratégia de Cooper.
Muitos dos acordos têm sido quebrados porque seu povo não sabe ler
o que está assinando. Os agentes do governo pouco se importam e se
a situação os incomoda, quase não têm controle sobre os fatos.
Entretanto, se os índios pudessem ler, bem... tudo seria diferente.
Eles saberiam o que estavam assinando. Poderiam se comunicar com
o presidente Polk. E se alguns de vocês pudessem ir para a faculdade
e se tornar advogados?
- Poder - Yellow Eagle repetiu, pensativo. - Vamos, vamos estudar -
exclamou animado, pegando a lousa.
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O escritório da transportadora parecia enorme sem a presença de
Coopero Desejando ter os livros de contabilidade terminados antes
do regresso dele, Helene passara cada minuto disponível trabalhando.
Finalmente lançou a última coluna de cálculos e checou os números
obtidos mais uma vez. De repente, o sexto sentido a avisou de que
havia alguém ali, às suas costas.
Um índio, vestindo calça justa de couro e túnica, estava parado na
soleira da porta. Last Horse. Todas as histórias que lera sobre a
crueldade dos selvagens vieram-lhe à mente, fazendo seu coração
disparar.
- Posso ajudá-lo em alguma coisa?
Ele entrou, os movimentos silenciosos enchendo-a de apreensão.
- Cooper não está aqui. - Tão logo as palavras saíram-lhe da boca,
arrependeu-se. Porém sabia que o índio estava a par desse detalhe, ou
não teria ousado abordá-la.
Sem nada responder, Last Horse parou junto da escrivaninha,
observando-a.
- O que você quer?- Ela depositou a pena sobre a mesa, procurando
não demonstrar o medo insidioso.
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Os olhos escuros e calculistas deslizaram sobre seus cabelos e roupas,
fazendo-a encolher por dentro. Sob a túnica finamente tecida, o peito
largo e bronzeado revelava-se destituído de pêlos e os braços eram
tão fortes quanto os de Cooper. Presa à cintura, uma faca comprida e
fina.
Last Horse moveu-se até parar bem às suas costas, fora do alcance de
sua visão. Helene concentrou-se em respirar normalmente. Qual o
motivo que o levara ali? O que pretendia fazer?
- O que você quer? - perguntou outra vez, mais irritada agora. O índio
falava inglês. Que dissesse o que desejava.
Ele a tocou nos cabelos e Helene se odiou por não reprimir um
estremecimento de asco. Bruscamente, ergueu a mão para se livrar do
contato, apenas para tocá-lo sem querer. No mesmo instante, retraiu-
se.
Imóvel, sentiu-o tirar os grampos que lhe prendiam os cabelos e jogá-
los no chão. Depois de passar os dedos pelos fios sedosos, ele se
postou à sua frente.
Rígida, Helene manteve os olhos fixos num ponto distante, o coração
dando a impressão de que ia sair pela boca. Jack devia estar nas
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proximidades, não era? Se gritasse, seria ouvida? Ou apenas faria com
que o pobre velho acabasse ferido?
Num movimento ágil, Last Horse se debruçou sobre ela, aspirando o
perfume dos cabelos escuros, os olhos frios parecendo querer
hipnotizá-la. Helene podia sentir o cheiro do índio, uma mistura de
cavalo e almíscar, um odor que para sempre associaria ao medo.
Devagar, ele deslizou um dedo sobre seu rosto, traçando o contorno
das sobrancelhas até terminar a exploração prendendo um dos
lóbulos de sua orelha entre polegar e o indicador.
Enojada, Helene virou a cabeça para se libertar do contato e tentou se
levantar da cadeira. Se alguma coisa ruim estava para lhe acontecer,
não esperaria passivamente, tornando as coisas mais fáceis para o
agressor.
Entretanto o índio a segurou pelos braços com força, mantendo-a
firme no lugar.
- Não se mexa.
Louca de ódio, viu-o se aproximar ainda mais e tocá-la na face com a
ponta da língua, para lhe sentir o gosto.
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- Tenho muitos cavalos - ele falou, a respiração quente inundando-lhe
o pescoço.
Ela deu um arranco para se livrar do contato e enfrentou o olhar
gélido.
- Farei um presente deles para seu pai. Sobre o quê aquele homem
estava falando?
- Meu pai não saberia o que fazer com seus cavalos. Meu pai não os
quer.
Last Horse parecia surpreso.
- Cobertores? Pele·s? Ao que ele dá valor?
- Que importa o que meu pai gosta? Ele não está aqui.
- Eu faria um negócio.
- E iria querer o que em troca?
- Você.
Cada fibra de seu ser vibrou de indignação, o pescoço e o rosto
ficando vermelhos de ódio. Então esse índio a julgava uma
quinquilharia, que podia ser barganhada?
- Bem, não quero ser trocada. Não sou um cavalo, ou um cobertor.
Não faremos nenhum negócio.
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Sem o menor esforço, Last Horse a ergueu da cadeira, ainda a
segurando pelos braços, os rostos de ambos muito juntos.
- Seu pai poderia pensar diferente. Ele poderia ficar satisfeito de se
livrar de você.
- Não, não ficaria. Meu pai me ama.
- Se isso é verdade, por que então você está aqui?
- Ele não sabia que eu pretendia partir.
Aqueles olhos impiedosos a pressionaram.
- Ninguém sabe que você está aqui.
Oh, Deus, acabara de complicar tudo agora! Tomada pelo pânico,
procurou consertar o estrago.
- Sim! Eles sabem sim! - Odiava o tremor de sua voz, odiava que
deixasse transparecer a angústia. - Cooper levou uma carta para meu
pai. Ele sabe que estou aqui.
Last Horse a soltou, porém não se afastou um milímetro.
- Qualquer coisa poderia lhe acontecer. Coisas ruins acontecem às
mulheres brancas.
Era verdade. Fora uma tola.
- Cooper cuida para que nada de mal me aconteça.
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- Cooper não está aqui. - O índio andou à sua volta, o calor do corpo
moreno quase tangível. - Quero vê-la sem seu vestido.
Horrorizada, Helene deu um passo atrás e cruzou os braços sobre o
peito. Imediatamente soube que agira como uma tola e abaixou os
braços. Sua força física não era páreo para um homem como aquele.
Qualquer coisa que acontecesse agora iria depender da maneira como
usasse a inteligência e o raciocínio.
Embora Last Horse pudesse tê-la impedido de se afastar, permitiu
que colocasse algum espaço entre ambos.
- Não sou reprodutora. Não serei olhada e cutucada. Não é assim que
se faz entre meu povo. Você já se divertiu, agora saia daqui.
Um brilho de apreciação iluminou os olhos escuros.
- Você tem um coração forte.
Ele não pensaria assim se pudesse ouvir as batidas descompassadas
que pareciam deixar seu peito a ponto de explodir.
- Partirei. Mas você tornará a me ver.
Helene manteve a cabeça ergui da e o olhar firme até que a figura alta
partiu tão silenciosamente quanto chegara. Ainda podia sentir o
cheiro do corpo musculoso, ainda podia experimentar o gosto de
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medo na boca. Não tinha a menor dúvida de que o índio cumpriria a
palavra. Voltaria a vê-lo. O que faria então? Como Cooper reagiria, se
lhe contasse?
Devagar, seu coração foi retomando o ritmo normal.
Não era exatamente elogios o ser considerada uma mercadoria, algo
que se dava em troca de cavalos, ou de uma boa sela. Existiria uma
cultura, em algum lugar do mundo, onde as mulheres eram
consideradas iguais aos homens? Adoraria descobrir.
Parada na soleira da porta, Helene lembrou-se da arma que Cooper
lhe dera no dia em que haviam ido resgatar a diligência. Não gostaria
de se ver obrigada a esmiuçar cada sombra, temendo deparar-se com
Last Horse. Talvez portar uma arma fosse a resposta para seus
problemas.
Poucos meses atrás, jamais se imaginaria capaz de apontar a arma
para um homem e puxar o gatilho, mesmo se se sentisse
extremamente ameaçada. Entretanto fora o que fizera quando sua
vida, e a das noivas, estiveram em perigo. Poderia tornar a fazê-lo.
Não permaneceria vulnerável.
Ela pôs-se a correr na direção da casa de adobe.
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Cooper cavalgou incansavelmente os últimos quilômetros, ansioso
para chegar. Sem dúvida estava perdendo a aspereza. Três refeições
ao dia e um teto sob a cabeça ao dormir o estavam estragando. Ainda
lembrava-se de um tempo em que dormir, comer e trabalhar ao ar
livre era sua vida. Continuava a ter o sono leve, sempre atento aos
ruídos exteriores, embora agora estivesse mais interessado nos ruídos
do quarto ao lado.
Ter Helene tão perto o distraía do sono e do trabalho. Sabia que
quando Last Horse trouxera Wiley Kincaid amarrado a chocara por
estar quase nu. Provavelmente ela nunca vira um homem, ou uma
mulher, naquele estado. As pessoas civilizadas pensavam de maneira
diferente sobre o assunto. Ficavam embaraçados diante de coisas
naturais, como a nudez e acasalamento.
Respeitara essa postura e tentara agir de modo civilizado quando
estivera perto de Helene. Por outro lado, seria impossível trabalhar
um dia inteiro na chuva estando vestido. Ela teria que aceitar os fatos.
Aquela era uma terra' diferente e os costumes da cidade perdiam o
sentido diante da luta pela sobrevivência.
E Helene era uma mulher da cidade até a alma. Beijá-la a primeira vez
fora um erro. Beijá-la a segunda vez fora uma estupidez. O que
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imaginara ser possível acontecer dali em diante? Ele nunca havia visto
o interior de uma casa de verdade, nunca freqüentara uma escola.
Vestia-se com roupas de couro quase desde o dia em que nascera. Sua
herança cultural não era a dos brancos.
O que Helene pensaria a seu, respeito? Também não tinha muita
certeza quanto aos motivos que a tinham feito ficar, quando lhe dera
chances de partir. Talvez a curiosidade profissional a impelira a
terminar as histórias. Talvez o fato de ele ser diferente a fascinava.
Fascinava e repelia. Talvez ela quisesse ter uma história com a qual
pudesse ganhar a aprovação do pai.
E ele era essa história.
Finalmente, ao se aproximar da estação, Cooper reduziu a velocidade
do cavalo a um trote.
Angus o viu à distância e foi ao seu encontro.
- Algum problema?
- Não encontrei nenhum assaltante - Cooper retrucou.
Os dois conversaram durante alguns minutos, até que Angus pareceu
vencer a relutância interior e abordar o que o estava incomodando.
- Por que você não traz a srta. Wainwright para uma visita?
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Cooper estudou o outro com atenção, percebendo certa inquietude.
- Ela irá gostar disso. Está escrevendo uma história, você sabe.
- Sim. Bem, não sei nada sobre a história, mas Evelyn está... bem...
- O quê?
- Não sei. É duro para ela estar aqui sozinha, sem ter nenhuma outra
mulher por perto com quem conversar.
Pronto. Ali estava o primeiro sinal de insatisfação.
Cooper preferiu não dizer ao amigo que essa sensação iria crescer, se
tornar imensa e engolir os dois vivos.
- Sim. Falarei com Helene. Tenho certeza de que ela irá querer visitá-
los.
- Ótimo. – Angus deu um tapinha no pescoço do cavalo e os
observou partir.
Depois de alimentar seu animal com um punhado de feno, Cooper o
conduziu até o curral, notando o cavalo de Kincaid amarrado numa
cerca. Avistando Jack, conversou rapidamente com o empregado e di-
rigiu-se à casa de adobe. Estava quase na hora do jantar, porém não
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havia sinal de fumaça saindo da chaminé. Sentia-se faminto. Na
pressa de voltar, não comera nada.
Não havia ninguém na casa de adobe. O fogão e a lareira estavam
frios. Resolveu então ir para a casa principal. Ao se aproximar, ouviu
sons de risadas. Então era ali que todos tinham se reunido.
Cooper abriu a porta e entrou. Sentados diante da lareira, Helene,
Chumani, Yellow Eagle e Wiley Kincaid.
- Cooper! - O garoto se atirou nos braços do tio e o abraçou com
força.
Chumani, usando um xale verde sobre os ombros, cumprimentou
delicadamente.
- Onde você arranjou isso? - ele indagou, apontando para o xale.
- Helene - a índia respondeu.
- Ela falou meu nome! - Helene exclamou surpresa, fitando Cooper. -
Chumani fez mocassins para mim, está vendo? - Erguendo a barra da
saia de lã, mostrou os sapatos, orgulhosa.
O que estivera acontecendo ali, na sua ausência?
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Sua cunhada oglala tinha um xale comprado em loja enquanto Helene
usava um produto feito de pele de veado nos pés. Para completar,
Wiley Kincaid parecia bastante confortável dentro de sua casa.
- Você tem andado trabalhando muitas horas seguidas - Kincaid
comentou, levantando-se para cumprimentá-lo.
Cooper levou apenas um segundo para compreender que as mulheres
não haviam dito que ele se ausentara. Contudo estranhava que
Kincaid não tivesse chegado a essa conclusão sozinho.
- Sim. E não comi nada durante todo o dia.
- Oh! - Helene correu para o outro lado da sala.
- Só vai levar alguns minutos até prepararmos a refeição.
Chumani a acompanhou.
- Vou tomar um banho antes. - Cooper apanhou roupas limpas e
sabão.
- Acho melhor eu ir embora - Kincaid caminhou até a porta.
- Por que não fica para jantar conosco? - A sugestão partiu de Helene.
Kincaid fitou Cooper, em busca de aprovação.
- Fique - Cooper o incentivou. - Poderemos planejar o mutirão para
colocar sua casa de pé.
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- Está bem. Muito obrigado pelo convite. Enquanto se banhava no
rio, Cooper se perguntava por que o fato de Kincaid ir à sua casa
durante sua ausência o incomodava. O homem tratava as mulheres
com respeito e sempre conduzia seus negócios honestamente.
Ao retornar, aspirou ao aroma delicioso da comida.
As mulheres haviam fritado fatias finas de bacon, servindo-as com
pãezinhos frescos, tudo regado a um molho espesso e bem
temperado. Para finalizar a refeição, um bolo.
- Fizemos um bolo de maçã hoje cedo - Helene explicou, tirando os
pratos sujos da mesa antes de colocar aquela delícia dourada no
centro.
. Cooper surpreendeu-se. Não se lembrava de haver comido bolo de
maçã antes.
- O Sr. Kincaid me deu um livro de receitas que encontrou no
armazém. Lá em casa, sempre temos sobremesa depois de uma
refeição especial.
O que fizera essa refeição especial? A companhia dos presentes?
Cooper aceitou a fatia que lhe foi oferecida. O gosto era delicioso.
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- O que foi usado na massa para deixá-la tão perfumada? - ele indagou
intrigado.
- Especiarias. Canela e noz-moscada principalmente - Helene
respondeu. - Você não tem hábito de consumi-las?
- Eu sabia que as havia encomendado, embora não me recordo de tê-
las experimentado.
- Agora você sabe por que Magellan e Cortez ficaram ricos.
- Quem?
- Os exploradores que atravessaram oceanos para trazer essas
especiarias das terras distantes.
- Oh. - Como ela sempre conseguia fazê-lo sentir-se inadequado?
Aquela mulher devia ter vastos conhecimentos.
- Cada cultura tem suas comidas tradicionais. Todavia as pessoas
estão sempre ansiosas para testar algo novo.
- Devo me lembrar de oferecer especiarias quando visitar os
acampamentos de mineiros e colonos - Cooper pensou em voz alta.
- Ótima idéia - Kincaid o apoiou.
- Claro que os colonos não têm muito dinheiro para gastar em outras
coisas que não seja o básico. Entretanto os mineiros pagarão qualquer
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preço para obter suprimentos. Tenho uma clientela grande porque
sempre cobro um preço justo pela mercadoria.
- Quer dizer então que outros comerciantes se aproveitam dos
mineiros e dos colonos? - Helene perguntou atônita.
- Todos eles. Imaginam que se os colonos são tolos o bastante para se
embrenharem numa terra inóspita na esperança de ficarem ricos,
então também são tolos o bastante para pagar preços injustos. E é o
que fazem.
- Mas você não os explora - Helene falou depois de um momento de
silêncio. - Embora não goste de vê-los ocupando essas terras.
- Abri meus próprios caminhos sem roubar nada de ninguém.
Helene o fitou, os olhos expressivos cheios de perguntas sem
respostas. Será que interpretara as palavras de Cooper de maneira
errada? Claro que ele estava se referindo aos brancos que haviam se
apossado das terras dos sioux. Entretanto também era possível que
estivesse pensando no dinheiro e na passagem que ela se apropriara
sem permissão.
Cooper, por sua vez, sabia da existência de muitos motivos que o
aconselhavam a não confiar nessa mulher. Tudo o fazia crer que a
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presença de Helene ali não era apropriada. Fora um tolo ao permitir
que coisas chegassem àquele ponto.
Quando Kincaid sugeriu que ambos saíssem para fumar, DeWitt
apanhou o cachimbo, muniu-se de fumo e acompanhou o amigo.
Eles andaram durante alguns minutos em silêncio. Kincaid acendeu
um charuto. Pela primeira vez, em dias, o céu estava límpido, a lua
brilhando na noite escura.
- Parece-me estranho que um marido seja capaz de deixar uma mulher
como aquela sozinha, nesse território - Kincaid falou afinal.
Cooper permaneceu em silêncio.
- Dakota não é exatamente uma parada no caminho para o México, se
é lá, realmente, onde o Sr. Lincoln está.
- O que você está querendo dizer?
- Estou dizendo que um marido a teria deixado no Leste, onde ficaria
em maior segurança. As mulheres solteiras desse território ou estão
fugindo de alguma coisa, ou não têm como se sustentar; exceto
fazendo aquilo pelo qual os homens pagam.
Devagar, Cooper virou-se para fitar o amigo.
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- Você está enganado, se pensa assim. Ela é uma mulher respeitável,
de boa família.
- Parece que sim.
- Não apenas parece. É.
- Não fique irritado, DeWitt. Minhas intenções são boas.
- Quais são suas intenções?
- As mesmas de qualquer outro homem da fronteira. Quero uma
esposa.
Calmamente, racionalmente, Cooper tentou absorver as palavras de
Kincaid.
- Não creio que ela seja sua prima. E não acredito que exista um Sr.
Lincoln. Porém posso entender seus motivos para inventar essa
história. Mas se houver alguma coisa entre você e ela, basta dizer uma
palavra e me afastarei.
CAPÍTULO IX
Algo entre os dois? Como aqueles beijos? Como as confidências que
haviam partilhado junto ao fogo, noites atrás? Será que existia algo
entre os dois?
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Não, não podia haver nada entre eles. Pertenciam a mundos muito
diferentes.
- Se não - Kincaid continuou -, eu estou interessado nela.
- Não há nada entre nós. - A voz de Cooper soou seca, destituída de
qualquer emoção. - A srta. Wainwright deverá voltar para Boston na
primavera.
- Talvez sim, talvez não.
- A decisão cabe a ela.
Kincaid estendeu a mão.
- Obrigado pelo jantar.
- De nada. Dê-me mais uns dois dias e então já terei reunido os
homens. Sua casa não demorará a ser erguida.
- Fico muito agradecido.
Cooper acompanhou o amigo até o curral e depois de vê-lo partir,
permaneceu ali sozinho, pensativo. Num gesto automático, levou a
mão à pedra que trazia dependurada no pescoço. A sua era uma pedra
particularmente poderosa, encontrada aos pés de uma colina, como se
houvesse sido cuspida pela terra.
Não sabia o que devia pedir ao seu espírito guardião.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Sabia apenas que o fato de Wiley querer se casar com Helene o
perturbava, quando não deveria ser assim. Não tinha motivos para se
importar. A única coisa que interessava era garantira Yellow Eagle a
chance de aprender a ler e escrever. E isso Helene estava fazendo.
Se ela decidisse voltar para a casa de seu rico pai, ou então se casar
com Kincaid, era-lhe indiferente. Só não queria estar por perto para
assistir à crescente insatisfação de Helene e o conseqüente
desmoronamento emocional. Uma mulher da cidade jamais se adap-
taria à vida dura da fronteira.
Ele largou a pedra e caminhou para casa. Precisava de uma boa noite
de sono.
Na manhã seguinte Yellow Eagle estava de volta ao mau humor
habitual. O entusiasmo que Helene lhe despertara com a aventura do
urso parecia ter se esgotado. O garoto mostrava-se silencioso e pouco
esforçado, fazendo-a sentir-se aliviada ao término das lições.
Durante a ausência de Cooper, Chumani e ela tinham passado todas
as noites juntas, levando-a a acreditar que o menino a aceitava melhor
agora. Entretanto a atitude de Yellow Eagle parecia refletir a do tio.
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Ainda não tivera oportunidade de mencionar a visita de Last Horse e
não queria abordar o assunto na frente dos outros. Ao ouvir o ruído
das pesadas carroças se movendo do lado de fora, correu ao encontro
de Coopero Encontrou-o descarregando mercadorias.
- Olá.
Ele virou-se e limpou o suor da testa com a manga da camisa.
- Recebeu algum carregamento hoje?
- Sim. E o abajur também. Dê uma olhada lá dentro.
Helene entrou rapidamente no escritório. Sobre a escrivaninha, um
abajur de boa qualidade, embora fosse uma peça comum, como
outras que já vira centenas de vezes em Boston.
- Está quase terminando de descarregar?
- Sim. Apenas mais algumas caixas.
Ela ficou em silêncio, observando-o finalizar a tarefa.
- Posso lhe mostrar algo agora?
Cooper a seguiu até o interior do escritório.
- Aqui está. - Orgulhosa, Helene abriu o primeiro volume dos livros
de contabilidade.
- Você gostou do abajur?
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Então ela se deu conta de que aquela peça tinha algum significado
para Coopero Será que fora comprada apenas para agradá-la? Para
que não ficasse com os olhos cansados? Numa terra onde a
praticidade significava sobrevivência, um artigo de decoração era qua-
se um luxo dispensável.
- Gostei muito. Será um ótimo foco de luz.
Ela manteve o livro aberto sobre a escrivaninha, porém Cooper não
se dignou a lançar um olhar para
papel.
- Veja - Helene insistiu, apontando as colunas de números.
- O que é?
- Leia.
DeWitt apanhou o livro e estudou a primeira página em silêncio, os
músculos das faces contraídos.
- E então? - ela perguntou, ansiosa.
- E então o quê?
- Você perdeu alguns centavos na compra de lanternas e lona
fabricadas em St. Paul. Ou terá que comprar num outro lugar, ou
aumentar um pouco o preço na revenda.
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Ele lhe devolveu o livro.
- Espere um momento. - Helene tentou lhe empurrar o livro de volta,
sem sucesso. - Queria que você ... - De repente, entendeu a situação. -
Você não pode ler, não é?
Nenhuma resposta.
- Não sei por que simplesmente não me disse.
- Bem, agora você sabe. Diga-me o que quer.
Helene explicou as poucas discrepâncias encontradas nos
lançamentos.
- Agora que eu sei, é ainda mais surpreendente o fato de você ter sido
capaz de manter tudo sob controle, com uma margem de erros
praticamente inexistente. Como foi capaz, se não sabe contar?
- Meu pai me ensinou a fazer marcas num graveto. Então elaborei um
sistema mais prático, baseado nesse procedimento. Os oglala fazem o
mesmo, usando pedras, ou galhos.
- Incrível.
- Na verdade; não. - Cooper caminhou até a porta.
- Espere um momento. Tenho outra coisa para lhe dizer.
- O que é?
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Estar sozinha naquele escritório com Cooper evocava sentimentos
intensamente contrastantes com os que experimentara ao lado de Last
Horse. Confiava em DeWitt, talvez até mais do que seria sensato.
Entretanto seu coração lhe dizia que jamais se desapontaria.
- Tive um visitante enquanto você esteve fora.
- Eu sei. Kincaid tem se mostrado interessado.
- É mesmo? - Ela parecia surpresa. - Bem, não estou me referindo a
Kincaid.
- Outra pessoa então?
- Last Horse.
No mesmo instante a expressão de Cooper mudou.
- Ele esteve aqui ontem.
- Aqui?
- Sim. Neste escritório.
- O que queria?
- Bem... Ouça, você acha que Last Horse seria capaz de me
machucar? É realmente um homem perigoso? - Não sei. Meu irmão
odeia brancos, embora faça negócios com eles, principalmente para se
abastecer de uísque.
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- E odeia você também? Afinal, sua pele é branca.
- O pai dele me adotou e sempre me tratou como se eu fosse seu
próprio filho. Last Horse se ressente do fato, mas me aceita por causa
da posição importante do pai na tribo. Ele, e o bando que o segue,
mal são tolerados pelo meu povo. Se fizer algo contra mim, sabe que
será banido.
- Last Horse vive na reserva?
- Ele tem uma mulher lá.
- Porém se recusa a morar na reserva?
- É uma situação delicada. Meu irmão é como uma cobra, pronta para
dar o bote.
- Quer dizer que ele seria capaz de me ferir?
- Não tenho dúvidas de que sim. Diga-me o que aconteceu.
- Ele queria dar cavalos, ou cobertores, ao meu pai para me ter em
troca. Disse-lhe que era uma idéia ridícula, que não sou uma
mercadoria.
- E Last Horse aceitou seu argumento? - A voz de Cooper soava
baixa e controlada, embora o rosto se mostrasse tenso.
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- Tive a impressão que sim. Falou-me que tornaria a vê-lo e partiu.
Você acha que eu devo andar armada?
- Aconteceu mais alguma coisa?
Sim, ela teve vontade de gritar. Last Horse sugeriu que eu tirasse
minhas roupas, para que pudesse me enxergar melhor.
- Ele não é um cavalheiro, Cooper. Fiquei apavorada e não gostei
nem um pouco da sensação. Ninguém nunca me fez sentir assim
antes.
- Assim como? .
_ Como... como se eu fosse um pedaço de carne.
- Ele a tocou?
Helene sentiu-se corar.
- Onde?
- Nos cabelos. No rosto.
- Isso é tudo?
- É mais do que suficiente sem um convite!
- Vou lhe arranjar uma arma. - Outra vez Cooper caminhou até a
porta.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Você pode se juntar a Yellow Eagle essa noite. - As palavras
inesperadas o fizeram parar.
- Como assim?
- Tenho visto você nos observando enquanto repassamos as letras e
os números após o jantar. Você poderia muito bem estudar conosco.
- Veremos.
- Sim, veremos.
Ele se virou e saiu do escritório.
- Nada de repassar com as letras essa noite Helene anunciou, tão logo
Yellow Eagle sentou-se à mesa, diante da lousa.
O menino permaneceu imóvel, vendo-a acomodar-se no tapete,
diante da lareira.
- Vamos, sente-se aqui perto de mim.
Relutante, o indiozinho obedeceu, cruzando as pernas e apoiando o
queixo nas mãos.
- Esta noite iremos ler.
Helene aguardou alguma reação.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Depois de alguns segundos, Yellow Eagle a fitou, notando o livro que
Helene guardara entre as dobras da saia.
- Você vai ler para mim? - indagou curioso.
- Não. Você vai fazê-lo.
- Mas eu não sei ler!
- Claro que sabe. O que pensa que esteve fazendo com todas aquelas
letras?
- Eram apenas sons.
- E palavras. Lembra-se de cobra, pássaro, pedra?
- Sim, porém existem muitas outras palavras nesses seus livros.
- E você irá aprender como as ler também - ela insistiu. - Agora
vamos começar. - Abrindo a primeira página, Helene se acomodou
bem perto do garoto. - Que palavra é essa? - perguntou, apontando
com o dedo.
-Em.
- Ótimo. E essa aqui?
-Um.
- E essa?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Lujar - ele pronunciou.
- Lugar - ela o corrigiu.
- Lugar.
Helene moveu o dedo.
- Onde.
- Onde. Ótimo.
- Homem. É isso? - Yellow Eagle indagou confuso.
- É só isso que preciso fazer? Estou lendo mesmo?
- Sim. Você está lendo, Yellow Eagle.
O garoto gaguejou um pouco na primeira sentença.
Mas ao chegar ao fim da página, pouco havia precisado da ajuda de
Helene.
Cooper entrou e apanhou o cachimbo.
- Sente-se conosco - Helene o convidou.
- Eu estava indo fumar.
- Fique. Fará lembrar-me de meu pai.
- Ele fuma cachimbo?
- Charutos.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Estou lendo - Yellow Eagle anunciou orgulhoso, vendo o tio sentar-
se numa cadeira e acender o cachimbo.
- Leia a primeira página outra vez - Helene segredou junto ao ouvido
do garoto.
Agora as palavras fluíam com maior rapidez e naturalidade e Yellow
Eagle precisou do auxílio de Helene apenas uma vez, a voz infantil,
aliada ao perfume do fumo, criando uma atmosfera tranqüila e
aconchegante.
- Estou muito orgulhosa de você - ela falou sinceramente.
O elogio foi ignorado.
- Estou orgulhoso de ambos - Cooper afirmou. - A srta. Wainwright
lhe deu um presente que fará de você um homem melhor, Yellow
Eagle. Um presente que ajudará seu povo. Seja lá para onde for, pelo
resto de sua vida, sempre levará esse presente consigo.
O indiozinho fitou o tio, pensativo, porém recusou-se a enfrentar o
olhar de Helene.
- É melhor você pensar no presente que dará a ela, em retribuição.
Deve ser algo de igual valor.
- Não é necessário - ela objetou. - Afinal, é parte de nosso...
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- Sim, é necessário - Cooper a interrompeu. - Entre meu povo, o ato
de presentear é sempre uma troca. Para aceitar o presente, Yellow
Eagle deverá dar algo em troca.
- Pensarei nisso. - O menino levantou-se.
- Não haverá aula amanhã de manhã, para que você tenha tempo de
planejar - Cooper o avisou.
- Posso levar o livro comigo? Apenas por essa noite?
- Claro que sim - Helene respondeu, sabendo que, embora o garoto
não demonstrasse, estava eufórico com a conquista.
Tão logo os dois ficaram a sós, Cooper deixou o cachimbo sobre a
mesa e tirou um pequeno embrulho de couro de dentro de uma
gaveta. Depois o abriu.
- Para mim? - Helene indagou surpresa.
Apesar de haverem falado sobre a possibilidade de ela ter uma arma,
não tinham tornado a tocar no assunto. A arma era tão pequena, que
cabia na palma da mão de Cooper.
- Não está carregada - ele a avisou.
Hesitante, Helene a apanhou. Para algo tão pequeno, de cano curto e
com a coronha trabalhada em alto relevo, revelava-se
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surpreendentemente pesada. Podia ser guardada num bolso da saia,
ou na bolsa, com facilidade.
- Aqui estão as balas. Só há espaço para duas no tambor. - Cooper
mostrou-lhe como carregá-la. - Essa arma, apesar do grosso calibre,
só é eficaz se usada bem perto do alvo. Você não teria a menor chan-
ce contra um urso.
- Vou me lembrar disso. Esteja certo de que irei reembolsá-lo.
- Não há necessidade. Não é uma arma nova.
- Mas ainda assim, lhe devo...
- É um presente.
Sabendo que não adiantava discutir, Helene levou a arma e as balas
para o quarto, voltando logo em seguida.
- Então terei que lhe dar um presente de igual valor.
DeWitt fitou-a, apreensivo. Qualquer coisa que ela tinha para lhe
oferecer, estava fora de seu alcance.
Decidida, Helene colocou as lousas e giz sobre a mesa.
- Um presente como, por exemplo, lhe ensinar a ler e escrever. Você
diria que isso está à altura de seus esforços para zelar por minha
segurança?
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- Sim, mas não...
- Quer dizer que meu presente não é tão valioso quanto o seu?
- Claro que sim, contudo...
- Então chega de objeções. - Helene acomodou-se no tapete,
ajeitando a saia rodada ao redor do corpo num gesto intensamente
feminino. Como poderia estar junto dela todas as noites, ouvindo o
som da voz suave, vendo aquele sorriso lindo e não se deixar levar
por algo que acabaria se revelando um tremendo erro?
- Já estou em débito, lembra-se? E você precisa ser capaz de manter
os livros de contabilidade em ordem depois de minha partida.
Era impossível discutir. Portanto, não o fez. Calou-se como um
menino e aceitou o giz que lhe foi oferecido.
- Você irá copiar tudo o que eu fizer na lousa ela o instruiu. Sob o
tecido macio da blusa branca, enxergava-se os contornos dos seios
arredondados, os cabelos escuros e brilhantes emoldurando o rosto
muito branco. Recordava-se de vê-Ia secar os cabelos diante do fogo
certa vez. Recordava-se de cada detalhe a respeito de Helene e seu
corpo reagia a essas lembranças de uma maneira que preferiria
ignorar.
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Ela traçou algumas linhas na lousa.
- A - falou devagar.
Ele copiou a letra.
- Vamos, repita, A.
Queria derrubá-la sobre o tapete e mostrar-lhe que era um homem,
não uma criança.
-A.
- Agora vou lhe dizer palavras que começam com a letra a e depois
você tentará me dar mais alguns exemplos. Preste atenção no som.
Abacaxi. Aritmética. Avental. Atenção.
Queria esmagar os lábios rosados com um beijo devorador, deslizar
as mãos pelas curvas provocantes até deixá-la lânguida, suplicante.
- A é uma vogal - Helene explicou. - E vogais tanto podem ser longas,
como curtas.
Queria livrá-la daquelas roupas engomadas e ver o corpo esguio à luz
do fogo. Aquela história de aula não fazia sentido. Estaria melhor se
Helene não houvesse descoberto sua incapacidade de ler e escrever.
Pelo menos não se sentiria como uma criança, ou um idiota.
- Arma. Abrigo. Avestruz.
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Irritado, Cooper levantou-se e despejou o resto de fumo do cachimbo
na lareira.
- Isso é ridículo.
Helene apenas lhe sorriu, nem um pouco abalada com o comentário.
- Foi exatamente o que Yellow Eagle disse, semanas atrás. E você
mesmo o ouviu ler.
Ele tirou a camisa por sobre a cabeça.
- Vou dormir. Fique à vontade, se quiser permanecer na sala.
No mesmo instante a expressão de Helene se alterou, os olhos fixos
no peito atlético e bronzeado.
Sem nenhum comentário, entrou no quarto e fechou a porta.
Despido, Cooper deitou-se no catre coberto de peles, o calor do fogo
acariciando-lhe a pele e aumentando a sensação de intensa frustração.
Antes de Helene entrar em sua vida, fora um homem 'capaz e
independente. Mas agora se sentia inadequado, sem saber como se
comportar ao lado dela.
Não gostava muito dessa nova versão de Cooper DeWitt.
E isso servia apenas para provar que Helene tampouco podia gostar
dele. Melhor manter as coisas entre os dois assim.
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-
- Você sabe cavalgar? - DeWitt perguntou-lhe durante o café da
manhã.
- Cavalgar? - ela repetiu, terminando de mastigar um pedaço do pão
que ajudara Chumani a assar. Quer dizer, numa carruagem?
- A cavalo.
Nunca em sua vida, montara num cavalo antes.
- Sim, sei cavalgar.
- Ótimo. - Cooper tomou o resto do café e levantou-se. - Encontre-se
comigo no celeiro tão logo esteja pronta. Não é longo o trajeto até a
casa dos Hallstrom.
Animada com a possibilidade de encontrar-se com Evelyn, ela
concordou.
- Você tem roupas apropriadas para andar a cavalo, não é? Não temos
selas especiais para mulheres aqui.
- Não trouxe nada comigo.
- Então você veio para o Oeste sem trazer traje de montaria.
Inacreditável! Venha comigo.
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Lançando um olhar interrogador para Chumani, Helene o seguiu até a
casa principal. Pelo menos Cooper parecia estar num humor melhor
do que na noite anterior. O modo abrupto como ele a dispensara a
intrigara bastante.
- Onde moram os Hallstrom?
- Não muito distante da estação. - Cooper entrou num quarto que ela
nunca estivera antes e Helene preferiu esperar do lado de fora.
Minutos depois, observou-o sair com uma peça de roupa nas mãos. -
Aqui está.
- o que é isso?
- Calça.
Helene sentiu-se corar. Jamais essa palavra fora mencionada em voz
alta à sua frente. Sua família costumava chamá-la de "vestuário
inferior".
- Coloque-a sob o vestido.
O calor do rosto se espalhou pelo resto do corpo.
- Por quê?
- Quando você montar no cavalo, quer que eu fique olhando suas
pernas durante toda a cavalgada?
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Oh, Deus, durante toda sua vida, nem mesmo nas suas conversas a
sós com a mãe, a palavra pernas chegara a ser dita. Tratava-se de um
termo considerado indecente.
- Não, claro que não - murmurou desconcertada, aceitando a peça de
roupa. Sua mãe precisaria de sais para se recuperar de um desmaio,
caso presenciasse aquela cena.
- A calça é muito grande para você. Amarre-a na cintura.
- Está bem - foi tudo o que conseguiu dizer.
Dez minutos depois, encontrava-se com Cooper de fronte ao celeiro,
onde Jack os aguardava com dois cavalos selados. Era uma sensação
positivamente imoral vestir uma peça de roupa que Cooper havia
usado. Será que ele estava pensando nisso também?
- Você a tem consigo? - ele indagou.
- O quê?
- A arma.
Helene fez um sinal positivo com a cabeça.
- Ótimo. Agora monte.
Ela fitou Jack, incerta.
- Qual dos dois animais devo montar?
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- A égua - o velhote replicou.
A égua? Como saberia distinguir entre os dois?
- Essa aqui? - perguntou hesitante.
- Esse é um animal castrado - Cooper a corrigiu.
- Essa é a égua.
Como DeWitt podia esperar que soubesse? Certamente não olhando
certas partes... Com o rosto em fogo, Helene arriscou um olhar para a
região misteriosa, próxima ao rabo. Ah, havia mesmo uma diferença
evidente!
Devagar, ela se postou à direita da égua.
- Cuidado, senhorita! - Jack a avisou. - Esses animais são refugos dos
índios. Devem ser montados pela esquerda.
- Oh, claro. - Helene começou a dar a volta por trás da égua.
- Não! - Jack pegou-a pelo braço.
- Que foi?
- Nunca passe por trás de um cavalo. Vá pela frente, onde ele pode
vê-la. Assim não levará um coice.
- Esqueci-me. - Quando a égua esticou o pescoço para frente, como
se quisesse cheirá-la, as narinas tremendo, Helene pulou para trás.
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- Ela quer apenas conhecê-la - Cooper a acalmou.
- Fale com ela. Toque-a.
Helene fitou os olhos escuros e enormes.
- Olá - falou baixinho. Então virou-se para Cooper. - Qual é o nome
dela?
- Ela não tem nome.
- Por que não?
- A maioria dos índios não dá nome aos seus cavalos - Jack explicou,
notando que DeWitt permanecia calado.
- Bem, pois eu acho que ela precisa de um nome. Como posso passar
conhecê-la melhor, se não tenho como chamá-la?
- Chame-a de qualquer coisa que quiser - Cooper falou impaciente. -
Apenas monte-a de uma vez.
A questão era que não tinha a mínima idéia de como subir no animal.
Vendo-a hesitar, Cooper aproximou-se e segurou o estribo.
- Ponha o pé aqui.
Apoiando a mão no braço de Cooper, para manter equilíbrio
enquanto erguia a perna, Helene colocou o pé no local indicado, grata
por estar usando a calça sob a saia.
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- Agora, levante-se.
Ela bem que tentou, mas acabou caindo de bruços sobre a sela.
Agitada, a égua deu um passo para o lado e Cooper precisou segurá-la
pelas coxas para evitar que caísse. Com mãos respeitosas, porém
firmes, ele a colocou de volta no chão.
- Vamos tentar novamente.
Desta vez, ele praticamente a depositou sobre a sela, sem lhe dar
tempo de mostrar-se surpresa, ou embaraçada. Dali de cima, o chão
parecia muito longe e duro. Tensa, segurou a protuberância da sela, os
dedos rígidos e frios de pavor.
DeWitt lhe ofereceu as rédeas.
Vacilante, soltou uma das mãos para aceitar as rédeas. Sem o menor
esforço, Cooper montou no seu cavalo enorme, enquanto lhe
explicava como fazer a égua andar.
- Pressione-a de leve nos flancos.
Flancos? Sem saber o que fazer, ficou atenta aos movimentos de
DeWitt e então o imitou. A égua moveu-se. Sufocando um grito,
segurou as rédeas com força, tentando manter-se firme sobre a sela,
os dentes batendo uns de encontro aos outros.
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Sentindo a pressão excessiva das rédeas, a égua parou e virou a cabeça
para trás, relinchando,
- Apóie o peso do corpo na parte proeminente da sela, Helene, não
nas rédeas!
Engolindo o pânico, ela tentou seguir as instruções e soltou as rédeas.
No mesmo instante a égua começou a andar em círculos.
Cooper aproximou-se e parou o animal.
- Obrigada - Helene murmurou baixinho.
- Meus animais são sensíveis. Se você puxar as rédeas para trás, eles
param. Se puxar para a direita, viram-se para esse lado. Se puxar para
a esquerda, viram-se para a esquerda. Eu deveria tê-la avisado.
- Tudo bem.
Novamente tentaram pôr-se a caminho. Ela nunca imaginara que
cavalgar fosse assim tão difícil! Como é que os homens podiam passar
dias e dias sobre o dorso de um cavalo? Já estava pedindo a Deus que
a casa dos Hallstrom não fosse muito longe.
DeWitt não parecia ter a menor dificuldade para controlar sua
montaria. Aliás, a elegância com que montava revelava todos os anos
de prática.
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Os dois fizeram parte do trajeto lado a lado, Cooper atento à sua
segurança. Quando, finalmente, Helene se convenceu de que não
seria lançada no chão e pisoteada a qualquer momento, conseguiu
relaxar e apreciar a beleza do cenário.
Quanto mais se embrenhavam na direção oeste·, mais os arredores
assumiam novos contornos. Já não havia somente o céu interminável
e terrenos planos. Ali a erosão modificara a paisagem natural,
refazendo o desenho das pradarias e expondo um panorama de cores
e formas incomuns.
Um veado atravessou o caminho de ambos e Helene apontou,
fascinada .
- Chamado rabo-branco – Cooper explicou.
- Essa não é a paisagem mais maravilhosa do mundo? Oh, olhe! Que
animais são aqueles?
- Antilocapros. Antílopes, para você.
- Antílope começa com a.
Ele a ignorou.
- Angus também.
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Nenhum comentário. A pequena manada continuou pastando sob o
sol até que um dos animais percebeu os cavalos e então, num
movimento gracioso e sincronizado, eles se afastaram como se
deslizassem sobre o chão. Desapontada, Helene suspirou.
- O chalé fica logo adiante - Cooper a informou.
- Por que Angus não está na estação agora?
- Ele não trabalha para mim o tempo todo. Também cuida de suas
plantações.
Ao chegaram perto do chalé, Angus apressou-se a vir ao encontro de
ambos.
- Cooper! Srta. Wainwright! Vocês vieram!
Num movimento rápido, DeWitt desmontou e ajudou Helene a
descer, tendo que segurá-la para evitar que caísse no chão.
- Esses cavalos de Dakota devem ser maiores do que os de Boston,
não? - ele brincou, percebendo que as pernas de Helene, dormentes,
mal a sustentavam de pé.
- Muito maiores. Deve ser todo esse ar puro. Evelyn, trajando um
avental sobre o vestido cinza, apareceu na soleira da porta, um sorriso
hesitante nos lábios.
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- Srta. Wainwright?
- Chame-me de Helene.
- Helene. - Evelyn a abraçou desajeitada e logo deu um passo atrás.
- Sr. DeWitt.
- Senhora. - Cooper tocou a aba do chapéu. Depois tirou uma latinha
de dentro de um dos alforjes e o deu a Helene antes de afastar-se com
Angus, para dar de beber aos cavalos.
Helene seguiu Evelyn até o interior mal iluminado do chalé
pequenino e colocou a latinha sobre a mesa, sabendo o quanto o
presente agradaria à outra.
- Para você - falou simplesmente.
- Chá? - O rosto pouco bonito de Evelyn se iluminou por um
momento antes de se entristecer outra vez. - Que gentileza! Mas não
tenho um bule.
- Não se preocupe. Use a cafeteira para ferver a água. É assim que
nós fazemos. - A palavra nós soou estranha aos próprios ouvidos,
como se traísse uma situação que preferia ignorar.
Enquanto Evelyn pelejava com a água e a cafeteira, Helene olhou ao
redor. Prateleiras guardavam pratos e canecas enquanto panelas e
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utensílios ficavam dependurados no teto baixo. Do lado oposto à
mesa e ao fogão, uma cama, coberta com uma colcha de retalhos,
ocupava grande parte do espaço. Evelyn corou ao perceber para onde
Helene olhava.
A verdade é que nenhuma das mulheres que viera para o oeste
estivera preparada para enfrentar a realidade que as aguardava. As
breves descrições contidas nos artigos e cartas apenas davam uma
visão geral, deixando que a imaginação de cada uma preenchesse as
lacunas com os detalhes. A própria experiência de vida limitada das
mulheres contribuía para que o choque cultural se acentuasse.
- Você responderá minhas perguntas, para que eu possa concluir
minha história? - Helene perguntou.
- Eu provavelmente seria capaz de conversar com o próprio diabo
apenas para ter um pouco de companhia - ela respondeu, tentando,
em vão, acender o fogo. - Desculpe-me, não quis insinuar que...
- Não se preocupe, entendi o que quis dizer. Vamos, deixe-me lhe
mostrar como acender isso.
- Angus vive tentando me mostrar como fazer, mas não consigo
acertar nunca.
Helene acendeu o fogo e colocou a cafeteira de metal sobre o fogão.
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- Quais foram suas primeiras impressões quando chegou a Dakota? -
indagou.
- Bastante semelhantes às impressões que tenho agora. - Evelyn
sentou-se na cadeira mais próxima, revelando na postura todo o
cansaço físico e mental. - Fico me perguntando o que vim fazer aqui.
Não sei decidir nada direito. Tudo o que aprendi na srta. Abernathys
é inútil, não serve para nada.
- Entendo. Como são seus dias?
- Arruinei quase todas as minhas roupas, tentando lavá-las. Quando as
coloco para secar, os arbustos, ou os prendedores, se encarregam de
rasgá-las. Tenho costurado muito. E lido bastante. Angus procura me
ajudar, porém ele tem tido muito trabalho na fazenda. Tudo tem que
estar pronto para o inverno.
- Sente-se sozinha? - indagou baixinho, compreendendo, afinal, que
nem todas as mulheres estava vivendo uma grande aventura, como a
sua, mas sim tendo enormes dificuldades para se adaptar a um estilo
de vida duro e cansativo.
Sem que pudesse evitar, os olhos de Evelyn encheram-se de lágrimas.
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- Você é a primeira pessoa com quem converso, além de Angus. - Ela
piscou várias vezes e endireitou os ombros. - Conte-me como tem
sido sua vida.
- Bem! - Helene se lançou numa descrição detalhada de seu encontro
com os índios, com o urso, falou sobre sua experiência em ensinar e
cuidar da contabilidade. Evelyn riu com prazer e lhe pediu para
continuar. As duas já haviam bebido várias xícaras de chá quando os
homens retornaram.
- As damas tiveram uma boa manhã? - Angus perguntou.
Evelyn sorriu nervosa e acenou. Somente então se deu conta de que a
manhã havia passado sem que houvesse preparado coisa alguma para
o almoço.
- Precisamos de algo para comer - exclamou aflita, pondo-se a
destampar algumas latas de mantimentos e apanhar panelas. Ao abrir
a porta do forno, esqueceu-se de proteger a mão com um pano e
queimou os dedos.
Sem preâmbulos, explodiu em lágrimas.
CAPÍTULO X
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Cooper, não tendo nenhuma experiência com mulheres chorosas,
teve vontade de levantar-se e sair correndo dali. Os dois homens tro-
caram olhares embaraçados e confusos.
Helene aproximou-se de Evelyn e passou um braço delicadamente ao
redor dos ombros trêmulos. Depois de lhe entregar um lenço para
secar as lágrimas, a fez sentar-se.
- Você tem algum ungüento? - perguntou a Angus. Ele lhe entregou
um pequeno pote e Helene apressou-se a passar a pomada sobre a
palma da mão de Evelyn. - Você tem sal? Farinha? Isso. Agora me ar-
rume uma tigela.
Dali a instantes, Helene já havia separado os ingredientes necessários
e estava mostrando a Evelyn como preparar uma refeição rápida e
simples.
Cooper detestava ver o que estava acontecendo ao amigo. Angus se
atrelara a uma inútil mulher da cidade e, o que era pior, parecia se
importar verdadeiramente com ela.
Será que visitar as noivas satisfaria Helene? Ou estar perto dessas
mulheres, criadas como ela o tinha sido, serviria apenas para ressaltar
a crueza do ambiente que a cercava? Será que Helene se arrependeria
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por não haver aproveitado a última chance de escapar dali, antes da
chegada do inverno?
- Tive uma boa colheita de trigo logo antes do início das chuvas -
Angus falou, atraindo a atenção de Cooper. Os dois discutiram a
pesca daquele ano e, antes que desse por si, Evelyn colocava a mesa e
Helene servia a comida.
Angus comeu a refeição com prazer, encorajando Helene a falar
sobre os artigos para o jornal. Tão logo terminaram a refeição, ela
levou os pratos para a pia e pôs água para ferver, com a intenção de
lavá-los. Tamanha demonstração de eficiência fez com que Angus
fitasse DeWitt, surpreso.
Evelyn, por sua vez, olhava do marido para a repórter com uma
expressão perdida, na esperança de que o marido não notasse sua falta
de expediente.
Tudo o que Cooper queria era partir. No início da tarde, os cavalos já
descansados, chamou Helene, que se despediu dos Hallstron
afetuosamente, agradecendo a hospitalidade. Desta vez ela até
montou de modo um pouco mais elegante.
Por que Helene não lhe dissera nunca ter montado antes? Afinal, era
o tipo de pessoa que não sabia mentir. Quando a noite chegasse, seu
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orgulho tolo seria recompensado com uma bela dor nas costas. Aliás,
um castigo merecido.
Será que a estava pressionando para sentir-se superior por ela tê-lo
feito agir como um menino, na noite anterior?
- Oh! Que flores são aquelas? - Ela apontou.para centenas de flores
vermelhas e brancas, à beira da estrada.
- Rosas selvagens.
- Não são lindas?
Sempre pensara assim.
- As primeiras flores não tinham sementes e não podiam se
reproduzir.
- Como você sabe?
- Você quer ouvir a história, ou não? .
-Sim.
- As primeiras plantas tinham apenas estames e folhas verdes -
Cooper continuou relatando o conto antigo. - Mas Unk, a deusa da
paixão e da chuva, invejava essa beleza. Gnas, o demônio das artima-
nhas, a provocou tanto, exaltando o esplendor das plantas, que Unk
soprou sobre elas até fazê-las secar e morrer.
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- Que aconteceu então?
- Skan, o Ser Sagrado, vendo tamanha destruição, fez com que as
plantas passassem a guardar em si as próprias sementes, para que
pudessem se reproduzir. Wohpe, a deusa da beleza e da felicidade,
deu às plantas flores para cobri-las e cores para as embelezar.
- É uma história maravilhosa.
Eles venceram mais alguns quilômetros em silêncio. De repente, um
barulho forte se fez ouvir. Helene fitou o céu.
- Não é trovão - Cooper falou. - Espere. O ruído se tornou mais
forte.
Fazendo sinal para que ela o seguisse, DeWitt subiu uma pequena
colina. Lá embaixo, na planície, centenas de cavalos selvagens corriam
soltos, as longas crinas ao vento.
Helene parecia hipnotizada pela visão.
- Eu estava errada - ela murmurou, quase que apenas para SI mesma.
- Sobre o quê?
- Quando disse que todas as coisas trazidas pelos brancos tornavam
esse lugar melhor.
Ele se lembrava do otimismo de Helene. E do seu sarcasmo.
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- Essa terra é maravilhosa assim como é. Quisera que nunca mudasse.
- Mas mudará.
- Sim, eu sei. Mas com homens como você... e Yellow Eagle... a
mudança não será assim tão má.
De alguma maneira, Helene entendia seus planos para o povo que o
criara e para seu sobrinho. E isso lhe dava grande satisfação.
Quanto mais conhecia Helene, quanto mais tempo passavam juntos,
mais difícil se tornava aceitar que não era bom o bastante para tê-la.
Ela reconhecia que ele pertencia àquela terra, que se fizera irmão dos
índios. E embora não o menosprezasse, seria impossível negar a
diferença significativa entre ambos.
E Helene voltaria para casa.
Cooper nunca tivera medo de nada na vida. Inimigos não o
intimidavam. Animais, picadas de cobras e mau tempo não o
assustavam.
A morte não o atemorizava.
- Acho que vou chamá-la de Rosa Selvagem.
- Quem? - ele perguntou, sem nada entender.
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- A égua. Você disse que eu poderia chamá-la do que quisesse. Gosto
de Rosa Selvagem.
O chapéu delicado, agitado pelo vento, de nada estava servindo para
protegê-la do sol forte, os raios brilhantes do meio da tarde se
derramando sobre os cabelos escuros e revoltos. Helene Claire
Wainwright, pequenina, ingênua e orgulhosa demais para o próprio
bem. Falava muito, pensava depressa e freqüentara a escola. Essa
criatura a quem pouco conhecia, de pele branca e estrutura óssea
frágil, essa garota da cidade que dava o nome de flores a cavalos e
alimentava sonhos e expectativas tão grandes quanto as suas próprias,
o apavorava.
E não tinha a menor idéia de como lidar com esse medo.
Ou com essa mulher.
No dia seguinte, um barulho tremendo, vindo do outro lado do
galpão de carga, fez com que Helene e Yellow Eagle interrompessem
a aula. Sem outra alternativa, ela seguiu o menino até os currais.
- Cavalos selvagens! - ele gritou excitado. Muitos cavalos, quase todos
brancos com manchas escuras, corriam de um lado para o outro do
curral. Cooper acabara de fechar o portão.
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- Você vai domá-los, tio? Serão usados como montaria?
O rosto e os cabelos de Cooper estavam molhados de suor.
- Sim. Além de servirem para puxar as diligências. Agora já tenho
animais suficientes para iniciar uma criação e depois vendê-los.
- Consegue-se um bom dinheiro com isso? - Helene perguntou.
DeWitt a fitou em silêncio.
- Desculpe-me. Não é da minha conta.
- Os cavalos costumam valer muito dinheiro. O suficiente para
garantir um grande lucro no próximo ano.
Os dois estavam de pé ao lado da cerca, observando o movimento
dos animais. Alguns já começavam a dar mostras de cansaço,
passando a andar em vez de correr.
- Como são lindos- Helene murmurou, cheia de admiração.
- São tobinos - ele explicou. - A propósito, as aulas ficarão suspensas
durante uns dias.
- Mas por quê?
- Estaremos participando de um mutirão para erguer a casa e a loja de
Kincaid. Sua ajuda e a de Yellow Eagle serão necessárias.
- O que poderei fazer?
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- Nossos vizinhos estarão lá. Você pode ajudar as mulheres a
cozinhar, ou então se dedicar a qualquer outro trabalho.
- Quer dizer que as noivas estarão lá? - Helene era toda animação.
- Eu sabia que isso iria interessá-la.
- Claro! Poderei obter o resto das entrevistas para meus artigos.
Na manhã seguinte, Helene escolheu ir na carroça, juntamente com
Chumani, satisfeita por Jack se encarregar de conduzir os animais.
Seus músculos, aqueles usados para sentar-se, ainda não haviam se
recuperado da cavalgada. Recusara-se a usar o ungüento preparado
por Chumani porque Cooper dissera que a pomada cheirava a cavalo.
Ao lado da cabana de Wiley havia uma enorme pilha de toras de
madeira e, logo adiante, uma outra pilha de pedras. Helene ajudou
Chumani a demarcar a área reservada ao preparo da comida. Juntas,
armaram uma espécie de tenda, para proteger as pessoas do vento, e
juntaram pedras para fazer as fogueiras. Alguns minutos depois, mais
gente começou a chegar. Vernon Forbes, usando uma camisa
impecavelmente passada, ajudou Zinnia a descer da carroça.
Helene acenou.
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- Srta. Wainwright? - Uma lufada de vento atingiu-a na face.
Segurando o chapéu com uma das mãos e um cesto de palha na outra,
Zinnia, o peito amplo balançando sob o vestido verde brilhante, os
olhos marejadas de lágrimas, correu ao encontro de Helene e
envolveu-a num abraço apertado. - Oh, Deus, é tão bom ver um
rosto conhecido!
- Zinnia, essa é Chumani - Helene falou, fazendo questão de
apresentar as duas mulheres.
Chumani sorriu e fez o sinal para "bom dia." Zinnia fitou a índia
rapidamente e voltou a atenção para Helene.
- Estou surpresa que ainda esteja aqui.
- Ainda não conseguiu entrevistar todas as noivas. E também fiz um
trato com o Sr. DeWitt.
- É mesmo? - Os olhos da gorducha brilharam curiosos.
- Estou ensinando o sobrinho dele a ler e escrever. O Sr. DeWitt
também me contratou para colocar a contabilidade de seus negócios
em ordem. Provavelmente ficarei aqui durante todo o inverno. Devo
voltar para Boston no início da primavera.
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- Que bom! - Finalmente Zinnia colocou a cesta no chão. - Onde
você está hospedada?
- Aluguei um quarto. - Melhor não entrar em maiores detalhes. Corria
o risco de ser mal interpretada. - É bastante confortável. Tenho
direito a refeições também.
O ruído de uma carroça se aproximando fez Helene sair depressa da
tenda, para receber os recém-chegados. Zinnia continuou
confortavelmente instalada numa cadeira. Alto e tão magro. quanto
da última vez em que o vira, Stuart Waring ajudou a esposa a descer.
Mal viu Helene, Olívia correu ao seu encontro.
- Aqui está minha querida e corajosa amiga. Lembro-me de
você todas as noites, em minhas preces.
- Oh, obrigada! Talvez seja por isso que acabei sobrevivendo ao urso.
- O quê? - Então ela se deu conta da presença de Zinnia. Calorosas,
ambas se abraçaram. - Que história é essa de urso? - Olívia indagou,
segundos depois.
Evelyn foi a próxima a se juntar ao grupo, seguida de uma mulher
pequenina chamada Nellie Kell, que trazia duas crianças a tiracolo.
Nellie e Chumani tomaram a frente nos preparativos da comida.
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Helene fez perguntas a Zinnia e Olívia sobre as primeiras semanas no
território enquanto tomava notas. As duas pareciam ligeiramente
saudosas do Leste, porém davam a impressão de terem se adaptado
muito melhor do que Evelyn. Olívia estava feliz e falava do marido
como se houvesse se casado por amor.
- Não fiquei menstruada desde que cheguei aqui - confessou à certa
altura da conversa, enrubescendo. - Acho que vou ter um bebê.
Helene ficou atenta às reações das outras. Zinnia riu e Evelyn abaixou
o olhar, desconcertada.
- Que notícia maravilhosa, Olívia! - Helene falou sincera.
Depois de estar a par de todos os detalhes da nova rotina das noivas,
Helene decidiu passear pelo local e ver o que os homens estavam
fazendo. Cooper, Jack e Angus trabalhavam para transformar a pilha
de pedras numa lareira. Yellow Eagle carregava água e mexia a
mistura que seria usada como argamassa para manter as pedras no
lugar.
Cooper parou para conversar alguns instantes, apontando para os
cabelos de Yellow Eagle, sujos de argamassa nas pontas. Os dois
sorriram, como se partilhassem um momento de familiaridade.
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Helene lembrou-se do que Olívia dissera, sobre ter um bebê, e
perguntou-se qual seria a sensação de ser mãe.
Sentindo que Cooper a observava, corou.
- Por que você está vermelha?
Ela desviou o olhar.
Segurando-a pelo queixo, Cooper obrigou-a a fitá-lo.
- Em geral você cora quando digo algo capaz de embaraçá-la. Porém
não foi o caso agora.
A idéia de vivenciar certas intimidades com Cooper a deixava sem
fala. Sabia muito bem o que era preciso ser feito para engravidar e só
de se imaginar participando desse ato tão indelicado morria de
vergonha.
_ No que você está pensando? - ele tornou a insistir.
Convicta de que jamais poderia colocar em palavras o que lhe passara
pela cabeça, ignorou a; pergunta e caminhou até o local onde Stuart,
Vernon, Wiley e um desconhecido, presumivelmente o marido de
Nellie, ocupavam-se em erguer a primeira parede da casa.
- Como vai, srta. Wainwright? - Stuart a cumprimentou.
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Notando o jeito de Wiley fitá-la, Helene teve certeza de que, como
Cooper a avisara, ele já não acreditava mais naquela história de que
era casada.
- Olá, Stuart.
- Muito prazer, senhora. Sou Victor Kell. - o desconhecido se
apresentou.
- Prazer em conhecê-lo. Helene Wainwright.
Ele tirou a luva para lhe apertar a mão e então retornou ao trabalho.
Wiley aproximou-se.
- Que bom que todas essas pessoas apareceram para ajudar hoje!
Sinto-me honrado.
- Muitos pares de mãos tornam o trabalho mais leve.
- Parece um ditado indígena.
- Não. Minha mãe costuma sempre dizê-lo. Embora, como pudesse
saber disso, não tenho certeza. Afinal, ela nunca trabalhou na vida.
- Não?
- Bem, apenas trabalho de caridade, coisas assim. A maior parte do
tempo, costuma jogar bridge e fazer arranjos de flores. Para ser
honesta, eu a vi acertar uma bola de croquet certa vez.
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Wiley riu alto.
- Você é mesmo diferente. Nunca conheci alguém como você antes.
Ela sorriu.
- Isso é bom, ou ruim?
- Inteiramente bom.
A mudança no tom de voz masculino a avisou de que estavam
começando a pisar num terreno perigoso. Assim, apressou-se a mudar
de assunto.
- Você escolheu um belo lugar para erguer sua casa.
- Sei que posso prosperar aqui. Stone Creek crescerá muito nos
próximos anos.
- É o que Cooper diz.
- E um ótimo local para me estabelecer.
- Acho que vou voltar e ajudar as mulheres agora. Até logo.
Ao passar perto de Cooper, ela abanou a mão e seguiu em frente. As
mulheres haviam se reunido junto ao fogo. Apenas Chumani sentava-
se à parte, ocupada em distribuir pãezinhos numa assadeira.
Helene deixou as outras de lado e sentou-se ao lado da amiga.
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- Estou ficando com fome - falou, enquanto gesticulava. - Tudo tem
um cheiro tão gostoso.
A índia contou, através de gestos, que Yellow Eagle já havia aparecido
para lambiscar. As duas partilharam um sorriso cúmplice.
Depois de assados três tabuleiros grandes de pãezinhos, os homens
foram chamados para comer. Todos haviam trazido seus próprios
talheres, pratos e copos.
Terminada a refeição, Helene tirou água de um barril e a colocou para
ferver.
Nellie e Chumani se encarregaram de lavar os pratos enquanto
Helene os secava. Depois Nellie estendeu um cobertor no chão e
colocou os filhos para dormir.
Quando começou a entardecer, os preparativos para a última refeição
do dia foram retomados. De repente, o barulho inesperado de cascos
de cavalos, seguidos de gritos, rompeu a paz reinante. Um pequeno
bando de índios se aproximava do acampamento.
- Oh, meu Deus! - O rosto de Zinnia ficou branco feito um lençol. -
Um ataque de índios!
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Olívia correu para ajudar a amiga a sentar-se sobre um dos
cobertores.
O tempo havia esfriado e a maioria dos selvagens vestia camisa e
calça de couro. Last Horse liderava o grupo, montando um tobino.
Inconscientemente, Helene levou a mão ao bolso da saia, os
contornos da arma confortando-a. No mesmo instante os homens
largaram o trabalho e foram ao encontro dos índios. Ao ver a figura
de Cooper, alta e destemida, experimentou uma profunda sensação de
alívio. Pelo menos desta vez não estava só e desamparada.
- Meus guerreiros estão com fome - Last Horse anunciou,
desmontando. - Vocês partilham sua comida conosco?
Um dos trabalhadores praguejou, reclamando que iriam perder o
resto da luz do dia. Cooper deu um passo à frente. Sabendo que ele se
sentia responsável pela interferência de Last Horse, Helene decidiu
agir.
- Nós preparemos algo para seus guerreiros. Voltando-se para os
trabalhadores, completou: - V0cês podem retomar o trabalho até que
a refeição esteja pronta.
Last Horse falou alguma coisa, no seu linguajar áspero e gutural.
Imediatamente dois guerreiros entregaram a caça que traziam
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amarrada num pau a Helene. Ela sentiu o estômago embrulhar diante
dos corpos sem pele e sem cabeça dos animais, porém nada deixou
transparecer.
Antes de fazer sinal para que os homens voltassem ao trabalho,
Cooper a fitou e embora a expressão do rosto permanecesse
impassível, os olhos traduziam aprovação. Levando a caça para junto
do fogo, Helene fez sinal para Chumani.
- Espero que você saiba. o que fazer com isso.
A índia acenou com a cabeça e pôs-se a preparar a carne.
- Meninas - Helene virou-se para as outras - vamos precisar de mais
água quente e de mais pãezinhos. Eu buscarei a água. Evelyn,
encarregue-se de untar as assadeiras. Zinnia, prepare a massa com os
ingredientes que Chumani lhe der. Olívia, coloque mais gravetos no
fogo.
Helene saiu da tenda carregando os baldes.
- Last Horse! - chamou.
O índio virou-se.
- Vamos precisar de mais gravetos. Você poderia mandar alguns de
seus guerreiros buscá-los, por favor?
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Ele pareceu surpreso. Entretanto, falou com dois dos mais jovens e,
depois de alguma discussão, silenciou-os com um olhar gélido.
Resmungando, os guerreiros foram cumprir a tarefa imposta.
Last Horse a seguiu até o riacho. Helene encheu um balde de cada
vez, sentindo-se segura por causa da arma que trazia no bolso.
Lembrava-se do quão perto ele estivera naquele dia, no escritório,
lembrava-se da maneira como fora tocada nos cabelos, no modo
como ele aspirara seu perfume. Não se deixaria intimidar outra vez.
Após encher o segundo balde, abaixou-se para apanhar o primeiro.
Mas descobriu o pé de Last Horse bem à sua frente, impedindo-a de
mover-se. Devagar, ergueu-se para enfrentar os olhos negros e frios.
- Como é que seu povo toma uma esposa? - ele perguntou.
A oferta dos cobertores e cavalos veio-lhe à mente.
- O cavalheiro pede à dama para casar-se com ele. Educadamente.
Com uma declaração de amor.
- Como ele prova seu valor?
- Bem ... - Oh, Deus, como responder a pergunta de Last Horse, de
uma maneira que o índio pudesse entender? Sem saber o que dizer,
apenas balançou a cabeça de um lado para o outro.
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Um vento forte fez com que os cabelos de Last Horse lhe tampassem
os olhos por um instante. Aproveitando a oportunidade, Helene
apanhou o outro balde e afastou-se depressa. Ele a seguiu de perto.
Zinnia não foi capaz de disfarçar o espanto quanto Last Horse entrou
na tenda. Percebendo a delicadeza da situação, Olívia pegou-a pelo
braço e mandou-a terminar de preparar a massa.
Sem a menor cerimônia, Last Horse acomodou-se perto de Helene e
pôs-se a observar cada um de seus movimentos. Recusando-se a se
deixar abalar, ela entregou-se ao trabalho, como se estivesse sozinha.
Chumani havia terminado de limpar os animais e se preparava para
assá-los. Vencendo o desconforto e a náusea, Helene obrigou-se a
ajudá-la. Isso feito, as duas lavaram, fatiaram e prepararam os nabos
que Nellie havia trazido.
Nellie fez café. Finalmente os pãezinhos estavam assados e a carne e
vegetais prontos. Chumani e Helene utilizaram todas as panelas e
tigelas possíveis para servirem de pratos extras. Então chamaram os
homens.
As mulheres pareciam não ter muito apetite, embora os homens e os
oglala dessem a impressão de estar dispostos a comer até a última
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migalha. Os índios lambiam os dedos e grunhiam, fazendo
comentários uns com os outros. Então riam e gritavam.
Dois dos guerreiros avançaram sobre o último pedaço de carne ao
mesmo tempo, o que desencadeou uma discussão acalorada, naquela
língua incompreensível. Exasperada, Helene apanhou uma colher de
pau e bateu na mão de cada um, fazendo-os recuar; os olhos
arregalados. Então cortou a carne ao meio e os serviu.
Ao virar-se, deu de encontro com Last Horse. Mantendo a cabeça
ereta, fitou os olhos arrogantes, o ar ao redor carregado de tensão. O
que fizera? Insultara-os? Será que acabariam sendo todos escalpelados
por sua culpa?
Finalmente, desviando o olhar, o índio deu uma ordem aos seus
homens e o bando correu para o local onde haviam amarrado os
cavalos.
Last Horse disse algo a Cooper. Cooper retrucou.
Dali a instantes, o grupo de índios desaparecia na mata.
Cansada, Helene observou a sujeira deixada pelos guerreiros.
Zinnia tirou um leque da cesta e começou a se abanar.
Jack caiu na risada, os olhos fixos em Helene.
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- Não sei o que há de tão especial em você. É uma desgraça para um
índio fazer algum trabalho manual e lá estavam os guerreiros,
apanhando gravetos.
- Verdade? - Helene indagou confusa, procurando o olhar de Cooper,
que mal continha o riso. Será que ele estava achando aquilo tudo
engraçado? .
Angus e Victor Kell também pareciam se divertir.
- Vocês viram a cara deles quando a srta. Wainwright os acertou na
mão com a colher? - Jack perguntou, rindo ainda mais.
- Eles precisavam de uma lição de boas maneiras - Olívia ponderou,
na defensiva. - Comiam como selvagens.
Helene aguardou a reação de Cooper, que surpreendeu-a, colocando
o prato de lado e rindo alto.
Os outros o imitaram. Helene acabou, se deixando contagiar pelo
clima alegre, o humor aliviando a tensão que a chegada dos índios
desencadeara.
- Deixe-nos terminar de arrumar as coisas - Olívia insistiu; tomando o
lugar de Helene diante da pilha de pratos e talheres sujos.
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- Isso mesmo - concordou Evelyn. - Você já fez mais do que o
suficiente.
Helene estava mesmo precisando de um descanso.
- Está bem - concordou, saindo da tenda.
O vento se tornara gelado agora. Levantando a gola do casaco, ela se
aproximou do local onde os homens trabalhavam. Ocasionalmente,
ajudava-os, entregando-lhe as ferramentas. Quando chegou o
momento de dar o dia de trabalho por encerrado, auxiliou Wiley a
guardar o material.
- Obrigado, Helene. Helene?
Ela havia lhe dado as costas para voltar para a tenda.
- Sim?
- Tenho a pele pronta para você.
- A pele?
- Seu urso. - Wiley entrou na barraca e dali a instantes voltou
carregando uma pele enorme.
A visão da carcaça do animal, com sua cabeça enorme e dentes
arreganhados ainda a aterrorizava. Reprimindo um estremecimento,
perguntou-se o que iria fazer com aquilo.
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- O-obrigada.
- Foi um prazer.
Ela aceitou a pele curtida, surpresa com o peso.
Uma criatura vivera dentro daquela pele durante anos e anos.
- Estive esperando uma oportunidade de falar com você a sós.
- A voz de Wiley soava solene.
- Você já sabe que não sou realmente casada, - Ela desviou o olhar.
Não fora simpático tentar enganá-lo, Se soubesse, desde o princípio,
quão respeitável era Wiley, não teria recorrido a uma história maluca
para tentar se proteger. - Desculpe-me não ter lhe contado a verdade.
- Tudo bem. Acho que sei por que você agiu assim,
- Então não guarda ressentimentos? - perguntou esperançosa,
- Nenhum.
Helene sorriu amigavelmente.
- Ouça, eu ...
- Sim?
- Vou ter uma bela casa aqui, quando tudo estiver terminado. Decidi
manter a casa e a loja separadas. Ótima idéia.
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- Quero começar uma família.
Ela nada respondeu, ajeitando a pele do urso nos braços enquanto se
esforçava para não fitar a cabeça do animal. Tantos desbravadores
procuravam aquelas terras cheios de esperanças quanto ao futuro.
Planos para os negócios, fazendas e sonhos a serem realizados,
incluindo-se aí, esposas. Agora podia entender por que mandavam
buscar mulheres no Leste.
- Você poderia... - Helene fitou-o; percebendo então o olhar
enamorado, entendendo, enfim, o que lhe passava pela cabeça. - Oh,
Wiley, não...
- Eu gostaria que você se casasse comigo, Helene.
CAPÍTULO XI
- Eu seria um bom marido - Wiley a assegurou. - Terei um negocio
rentável e estável dentro de um ano, ou dois. Você, com certeza, já
ouviu falar que mais e mais desbravadores estão se mudando para
essa região.
- Não é que eu não acredite que você seja uma boa escolha - ela falou
depressa. - Mas não vou ficar aqui. Sou repórter do The Daily, um
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jornal do Leste. Vim apenas fazer uma reportagem sobre as noivas.
Infelizmente todo meu dinheiro e objetos de valor foram roubados.
Senão, eu já teria voltado para casa.
- Há alguém à sua espera lá?
- Alguém... ?
- Um homem.
-Não!
- Então fique.
- Não estou procurando marido - Helene objetou.
- Por que não? O que você fará, se não se casar?
- Escreverei histórias. - A presunção de que a única opção para uma
mulher era o casamento irritava-a profundamente. - Terei uma ótima
vida e não definharei, ou morrerei, por não me juntar a um homem.
- É DeWitt, não é?
- O quê?
- Você e ele. Ele a fisgou primeiro.
- Oh, realmente! - Ela começou a se afastar e então, pensando
melhor, virou-se, colocou as mãos nos quadris e fitou-o, seca. - Você
é igualzinho a todos os homens que já conheci. Incapaz de acreditar
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que uma mulher possa ter valor próprio. Pois bem, senhor, se quiser
mudar minha maneira de pensar sobre o' modo como as mulheres
devem se comportar, terá que entrar na linha.
- Helene!
Embora o escutasse chamá-la, afastou-se pisando duro, ignorando os
olhares curiosos que os outros homens lhe lançavam. Num gesto
irritado, jogou a pele horrenda do urso na parte de trás da carroça.
Depois entrou na tenda onde haviam cozinhado e pôs-se a arrumar o
resto dos suprimentos, acomodando-os em cestas e levando-as para
fora.
Não passou despercebida a Cooper essa intensa agitação.
- Homens! - ele a ouviu dizer para Chumani, tão logo as duas se
acomodaram na carroça. - São todos presunçosos, egoístas e cheios
de si!
Cooper olhou para Kincaid, que estava se despedindo dos outros,
imaginando o que o amigo teria dito, ou feito, para deixa-Ia naquele
estado. Seja lá o que fosse, teria que ter muito cuidado para não
repetir o mesmo erro. Sentando-se ao lado de Jack, tomou as rédeas
nas mãos e conduziu os cavalos para casa.
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Os próximos dias de trabalho transcorreram tranqüilos sem a intrusão
dos oglala. Novamente Helene revelou-se indispensável, organizando
refeições, providenciando suprimentos e distraindo as mulheres com
conversas interessantes. Também se manteve afastada de Kincaid,
numa atitude bastante óbvia, segundo o parecer de Cooper.
- Que foi que você disse a ela? - ele perguntou ao amigo, enquanto
pregavam as telhas.
- Quem?
- Helene.
Wiley empurrou o chapéu para trás e confessou:
- Pedi que se casasse comigo.
- É por isso que ela o está evitando tão ostensivamente.
- Então você notou, hein?
Cooper assentiu e apanhou um punhado de pregos. - Se você e ela
estão... bem, envolvidos ... deveria ter me dito quando lhe perguntei.
O beijo que haviam trocado veio-lhe à mente e sua primeira reação
foi negar a existência de algo entre os dois.
- Ela não me julga melhor do que você.
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- Não sei se isso serve de algum conforto. - Wiley limpou o suor da
testa com as costas da mão.
- Helene se esforça tanto - Cooper murmurou pensativo, descansando
o martelo por alguns instantes. O motivo real que a levara até ali fora
conquistar a aprovação do pai e obter uma posição melhor no jornal.
Que tipo. de necessidade interior fazia uma mulher jovem tentar
provar seu valor correndo tantos riscos? Ela poderia ter sido morta,
afinal oportunidades para isso não haviam faltado. Morta... ou coisa
pior. O que a impelia?
Orgulho. Helene possuía muito disso. Mas teria sido suficiente para
levar adiante o plano maluco de se embrenhar numa terra
desconhecida? Acreditava que não.
Amor. Ela amava tanto assim aquele pai implacável, a ponto de fazer
qualquer coisa para agradá-lo? Talvez.
Ambição. Seriam reconhecimento e ascensão profissional os objetivos
que buscava atingir a qualquer custo? De alguma maneira, não parecia
refletir a personalidade dela.
Tudo isso eram possibilidades, entretanto uma voz interior dizia-lhe
que havia algo além, uma carência mais profunda que, na sua
ignorância masculina, não conseguia reconhecer.
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E a pior coisa era que... começara a se importar.
A casa de Wiley ficou pronta quando o tempo começou a esfriar.
Helene não vira o interior nem uma vez, depois da obra terminada.
Preferia não dar a impressão de que se interessava pela moradia.
Sentia-se mal por evitar Wiley, pois sempre o considerara uma
companhia agradável, porém seus sentimentos resumiam-se a uma
simples amizade.
As mulheres se despediram em lágrimas, no último dia de trabalho,
sabendo que não voltariam a se encontrar tão cedo. Helene sentiu-se
reconfortada ao saber que, durante os longos meses de inverno, teria
Chumani, Yellow Eagle e Cooper ao seu lado.
Na semana seguinte, durante uma das aulas noturnas, Yellow Eagle
fez um anúncio.
- Pensei num presente para Helene. Cooper encorajou o sobrinho
com o olhar.
- Não é um presente que eu fiz, ou comprei, porque o presente que
ela me deu também não foi feito, ou comprado. É algo que Helene
carregará consigo para sempre, assim como a leitura e escrita me
acompanharão para sempre. Além de ser uma coisa que tornará sua
vida melhor, como o presente que recebi.
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- Você pensou no assunto cuidadosamente, não? . - Cooper indagou.
Helene escutava as palavras do menino com crescente interesse.
Yellow Eagle nunca perdia uma oportunidade de deixar claro seu
ressentimento, porém faria qualquer coisa para agradar ao tio.
- Pensei todos os dias.
- E que presente é esse?
Os olhos escuros do garoto saltaram do tio para Helene.
- Uma sicun.
Imediatamente ela lembrou-se de quando perguntara a DeWitt sobre
o que ele trazia ao redor do pescoço, dependurado numa tira de
couro. Um amuleto.
Uma expressão pensativa suavizou o rosto bronzeado de Cooper,
enquanto fitava o sobrinho.
- A princípio você não queria aceitar o presente de Helene, não é?
Envergonhado, Yellow Eagle concordou com um gesto de cabeça.
- Então eu não sabia como era importante. Agora sei.
A admissão do indiozinho a surpreendeu.
- Talvez Helene também ainda não esteja pronta pata aceitar seu
presente. Não até entender quão importante ele é.
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Por um instante Yellow Eagle ficou em silêncio, absorvendo as
palavras do tio. Depois sorriu, satisfeito.
- Quer dizer então que nossos presentes são de igual valor, não são?
Cooper acendeu o cachimbo e tirou algumas baforadas, os olhos fixos
em Helene.
- Yellow Eagle precisou trabalhar e se esforçar para receber o
presente. Você terá que fazê-lo também.
- Como assim?
- Ninguém pode lhe dar a pedra. Deverá encontrá-la por si própria .
- Bem, acho que não será difícil. Há pedras espalhadas por todo lugar
aí fora.
Cooper balançou a cabeça.
- Deve ser uma pedra especial. Pura. Nascida no leito de um rio, ou
saída do interior da terra.
Será que o plano de Yellow Eagle consistia em vê-la se afogar, ao
nadar no rio congelado? A idéia não a entusiasmava muito.
- Ou eu nado, ou cavo. Não posso fazer as duas coisas.
Os três se entreolharam.
Helene rejeitou a primeira opção de imediato.
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- Aquele rio já deve estar geladíssimo agora.
Tio e sobrinho concordaram.
Excitado, Yellow Eagle estendeu a palma da mão esquerda e colocou
dois dedos da mão direita sobre ela, puxando-os imediatamente para
trás.
O sorriso largo de Cooper revelou o quanto a sugestão do sobrinho o
agradara.
Incapaz de entender o sinal, Helene olhou de um para o outro,
exasperada.
- Sobre o que vocês estão falando?
- Há centenas de cachorros do mato nos arredores de Standing Rock
- Yellow Eagle explicou.
- E... ? - ela o interpelou, inclinando-se para frente.
- Eles puxam as pedras dos buracos e dos túneis, quando escavam a
terra.
- Oh! Quer dizer que vamos até lá e eu escolho uma pedra?
Tio e sobrinho concordaram com um aceno.
- Então a envolvo num pedaço de couro e a uso dependurada no
pescoço?
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Os dois balançaram a cabeça, negando.
- Não é só? Há mais coisa ainda?
- Você a leva para o yuwipi - Yellow Eagle se apressou a dizer.
- Para quem?!
- O yuwipi - o garoto repetiu. - É ele quem faz os rituais sagrados,
para que os espíritos entrem na pedra.
Será que essa coisa de pedra sagrada era realmente importante para
Yellow Eagle? Seria um gesto sincero? Se o fosse, ele, sem dúvida,
ficaria insultado ao ter o oferecimento recusado. Não queria arruinar
o primeiro sinal de que estava ganhando a aprovação do indiozinho.
Também seria uma dos poucos brancos a já ter participado de um
ritual sagrado! Seu pai ficaria louco para publicar a história.
- Onde está esse yuwipi - indagou, a hesitação inicial dando lugar a
um crescente entusiasmo.
- Na reserva - Cooper respondeu.
- Quando podemos ir atrás da pedra?
Ele deu de ombros.
- Amanhã?
- Mal posso esperar!
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DeWitt fitou-a, curioso, por um longo instante. Então, virou-se para
o sobrinho.
- Seu presente exigiu muita ponderação. Estou orgulhoso de você.
Yellow Eagle encheu-se de orgulho.
- Feche o livro agora e vá dormir. Partiremos bem cedo amanhã.
O menino obedeceu, deixando-os a sós.
Cooper fez chá, surpreendendo-a ao tomar a iniciativa de pegar as
lousas. Nas noites anteriores, depois de Yellow Eagle ir dormir, ela
praticamente tivera que forçá-lo a ter aula.
- Então você concluiu que não é assim tão mal? Ele sentou-se no
chão ao seu lado e lhe entregou um pedaço de giz.
- Concluí que você tinha razão. Preciso aprender a ler e escrever para
manter os livros de contabilidade atualizados depois de sua partida.
- Cooper?
- Sim?
- Tem uma coisa que fico me perguntando.
- Isso não me surpreende. Nunca conheci alguém que fizesse tantas
perguntas.
Helene deu de ombros, sem se incomodar com o comentário.
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- E então, o que é?
- Quem escreveu suas cartas para Tess Cordell?
- A sra. Kell.
- Nellie Kell?! - Era difícil imaginá-lo pedindo a uma mulher que
escrevesse uma carta por absoluta incapacidade de fazê-lo sozinho.
Será que se sentira embaraçado? Por outro lado, Nellie Kell mostrara-
se uma pessoa prática, de pés no chão, a quem se podia pedir um
favor com tranqüilidade. - Bem, onde estávamos?
- Havíamos terminado de ver o alfabeto e iríamos recomeçar a
estudá-lo.
- Ah, sim. Com letras maiúsculas, desta vez. - Ela desenhou um "a" e,
ao lado, um sinal que parecia uma tenda, com uma barra no centro. -
Letra "a" minúscula e letra “A” maiúscula.
Cooper desenhou os mesmos símbolos.
- Por que dois sinais diferentes significam a mesma coisa? -
perguntou.
- Nomes próprios começam com maiúscula. Nomes de pessoas,
cidades e países.
- Por quê?
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- Porque são importantes.
- E as outras coisas não são importantes?
- A primeira palavra numa oração também começa com letra
maiúscula.
- Por quê?
- Para que, quando se está lendo, saiba-se distinguir o início de uma
nova frase, acho. Ei, você está tentando me fazer pagar por todas as
minhas perguntas?
Ele negou com um aceno de cabeça.
- Representar palavras e pensamentos no papel é uma coisa incrível.
Helene observou o perfil másculo iluminado pela luz do fogo.
- Tem razão. É algo impressionante. E sempre tomei isso como
garantido, em toda minha vida.
- Você provavelmente me considera um ignorante.
- De maneira alguma. Comunicar-se sem palavras, isso sim é difícil.
Tenho aprendido muito mais com você, Yellow Eagle e Chumani do
que jamais imaginei ser possível.
- O quê, por exemplo?
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- Oh, como tingir tecidos e cerâmicas, como sobreviver cozinhando
minha própria comida, ou o que fazer para tratar picadas de cobra e
de mosquitos.
Os dois partilharam um sorriso irresistível.
- Aprendi coisas práticas. Coisas sobre a vida. Helene calou-se por
vários minutos. - Sabe qual sempre foi um de meus maiores medos?
Que eu terminasse minha vida como minha mãe.
- Seria tão mal assim?
- Seria horrível - ela murmurou, tirando uma mecha de cabelos do
rosto com a mão suja de giz. - Assim que seus anos de gerar filhos
terminaram, minha mãe tornou-se como um objeto de enfeite caro,
mas feio, com o qual ninguém sabia muito bem o que fazer. Você o
mantém por perto porque seria impensável livrar-se dele, porém
ninguém se sente confortável contemplando-o.
- Seu pai... - Cooper hesitou. - Eles não têm um bom relacionamento?
- É um arranjo conveniente para meu pai. - Impossível não deixar
transparecer o ressentimento. Eles têm um lar confortável, bem
organizado e alguém para entreter os convidados. Minha mãe podia
ser qualquer uma outra mulher... qualquer uma capaz de lhe dar
filhos.
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- Você nunca seria como ela, Helene... - A voz dele, baixa e profunda,
assegurava.
- Eu seria, se me conformasse com os planos de meu pai.
- E quais são os planos de seu pai?
- Esquecer o jornal. Casar-me com um daqueles rapazes de boa
família que meus irmãos fazem questão de me apresentar, um após o
outro.
- Mas você não fará nada disso.
- Não. - Ela arrumou a saia sobre os joelhos.
- O que há de errado com os rapazes?
Helene deu de ombros.
- Nada. São apenas... homens.
- Criaturas egocêntricas, cheias de si e egoístas?
Ela corou e o fitou de soslaio.
- Você ouviu, não é?
- Não tomei o comentário como algo pessoal.
- Por que não?
- E deveria?
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- Não!
Elegantemente, Cooper não insistiu no assunto e retomou a aula de
onde haviam parado.
- "A" é uma vogal.
- Sim. E qual é o som da letra "a" ?
- "Ah" - ele falou, com uma entonação de prazer.
- Agora, cite-me palavras que comecem com "a".
- Ardor.
- Ansiosa - Helene sugeriu.
- Angústia.
Fitando as mãos fortes apoiadas na lousa, ela sentiu coração bater um
pouco mais depressa.
- Aflição. - Ele ergueu o olhar, inundando-a com o calor emanado do
corpo viril. - Alucinante.
Os dois se inclinaram um para o outro, até que seus lábios quase se
tocavam.
- Admitir - Helene sussurrou antes de fechar os olhos, trêmula de
expectativas.
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Os lábios de ambos se encontraram por um breve instante, os dele
quentes e seguros, os delas, hesitantes... incertos.
Helene afastou-se e Cooper não fez nenhum movimento para impedi-
la. Fitando os lábios sedutores que havia acabado de beijar, ela cedeu
ao impulso de toca-los, seguindo os contornos bem-feitos com a
ponta dos dedos.
Largando a lousa, usou ambas as mãos para traçar a linha das
sobrancelhas, do nariz, do queixo.
A passividade de Cooper lhe dava liberdade para apreciar a textura da
pele bronzeada sob seus dedos. E era essa mesma diferença da cor e
textura de sua própria pele o que alimentava o desejo ardente de
continuar a tocá-lo. Saciando a curiosidade que a consumia, ela
deslizou as mãos sobre o pescoço musculoso e os ombros largos. Sob
a camisa de couro, entrevia uma solidez deliciosa. Por um momento,
considerou a possibilidade de tocá-lo ali, sabendo que não seria
apropriado.
Entretanto sempre procurara respostas para suas perguntas e a
vontade de desvendar os mistérios desse homem era maior do que
rígidas convenções. Assim, aventurou-se ao novo passo sem pensar
duas vezes. Se Cooper houvesse retribuído a carícia, ou feito qualquer
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outra coisa além de se deixar explorar, o clima de confiança intensa
teria sido destruído.
Delicadamente, ela acariciou o peito musculoso, sentindo o pulsar do
coração sob a ponta dos dedos. Devagar, explorou os contornos da
pedra misteriosa, presa por uma tira de couro.
Suas mãos não podiam enlaçar nem mesmo metade dos bíceps
desenvolvidos. Quisera que Cooper não estivesse usando camisa, para
poder roçar a pele bronzeada.
- Você... - ela se ouviu perguntar, numa voz que mal reconhecia como
sua - tiraria a camisa?
A expressão dele não mudou. Sem pressa, num movimento que era
pura elegância, ele tirou a camisa, puxando-a por sobre a cabeça.
Cooper parecia ainda mais forte e mais alto com o dorso nu. Por um
instante, Helene vacilou.
- Devo recolocar a camisa?
- Não.
. Vendo-a ainda hesitar, DeWitt tomou a mão delicada entre as suas e
a apoiou no próprio peito. Ao primeiro toque, estremeceu. E quando
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sentiu que ela passava os dedos sobre seus mamilos rígidos, fechou os
olhos, a respiração imediatamente alterada.
Helene continuou a deliciosa exploração, massageando o pescoço e
os ombros musculosos, absorvendo cada detalhe com avidez,
descobrindo lugares onde a pele era áspera e outros onde era tão
macia quanto a de uma criança.
Porém o conhecimento tátil já não era suficiente.
Tocá-lo assim servira apenas para aumentar sua fome e os sentidos
reagiam àquela proximidade desencadeando um desejo inesperado.
Delicadamente, Helene tomou o rosto másculo entre as mãos.
- Beije-me agora - pediu, ofegante.
Cooper sufocou a urgência de levar aqueles momentos de intimidade
às últimas conseqüências, pedindo aos deuses que lhe dessem força
suficiente para se conter. Sabia muito bem que Helene não gostaria de
se sentir intimidade por homem algum.
Oh, como ela era doce, como essa curiosidade natural podia ser a um
só tempo inocente e sensual. Queria poder tocá-la da mesma maneira
que fora tocado. Queria despi-la, explorar cada centímetro da pele
perfumada com suas mãos e boca. Porém, mais do que tudo, queria
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que Helene confiasse nele. Por que essa confiança lhe parecia tão
importante, não sabia dizer, entretanto era algo que se sobrepunha à
paixão física.
Ele se apoiou nos joelhos, puxou-a para junto de si e se apossou dos
lábios que se ofereciam em silêncio, inalando o aroma intensamente
feminino com voracidade, fascinado pelas sensações que o faziam
vibrar de corpo e espírito. Mas o beijo, de terna carícia inicial, se
transformou num encontro ardente de línguas.
Helene se entregou ao momento com total abandono, pressionando
os seios intumescidos contra o peito largo, como se ansiasse pela
fusão de seus corpos.
Por fim, respirando com dificuldade, ela se afastou, o rosto
enrubescido, o olhar tímido.
Apenas um esforço sobre-humano o impediu de deitá-la no tapete e
possuí-la ali mesmo. Nunca em sua vida se sentira tão vulnerável, tão
estranhamente inadequado.
- Peça - ela murmurou, passando a língua de leve pelos lábios rosados.
Foram necessários alguns segundos até que seu cérebro decodificasse
a mensagem.
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- Pedir o que?,
- Peça começa com "p". Peça qualquer coisa que quiser.
Cooper tinha a impressão de que seu coração iria parar naquele
momento. Helene era um verdadeiro mistério, cheia de surpresas e
charme inocente.
- Um beijo - ele falou, num tom rouco e contido. - Mais um beijo.
Um sorriso de verdadeiro prazer iluminou as feições delicadas.
Segurando-o pelo pescoço, ela o puxou para junto de si e o beijou.
Intensa. Ávida. Confiantemente.
Ele sentiu o corpo estremecer e deixou escapar um gemido de
satisfação quase animal.
Helene reagiu invadindo sua boca com a língua, sugando seu gosto
como se não pudesse se saciar jamais.
Por fim, soltou-o e sentou-se no chão, a respiração entrecortada.
Em silêncio, Cooper observou cada detalhe da figura sensual. Os
olhos brilhantes, os lábios avermelhados, o tremor que a sacudia.
Uma tora de madeira rolou no fogo e as chamas crepitaram.
- Boa noite - Helene murmurou.
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- Boa noite - ele se obrigou a responder. Amparando-se na lareira
para manter o equilíbrio, ela se levantou e caminhou para o quarto,
fechando a porta atrás de si.
Cooper manteve-se imóvel, o olhar fixo na porta até que o fogo se
extinguiu e a sala ficou fria. Ajeitando as peles sobre o catre, deitou-
se, fitando o teto até as primeiras luzes da manhã. E então... foi nadar
no rio.
- Deixaremos os cavalos aqui e faremos o resto do trajeto a pé -
Cooper falou. Ele e Yellow Eagle desmontaram, carregando arco e
flechas sobre os ombros.
Sentindo-se como uma amazona experiente, depois de sua segunda
cavalgada, Helene - desmontou, suprimindo um gemido de dor e
ignorando o desconforto na região posterior e o vento que lhe
açoitava o rosto.
Cooper amarrou os cavalos numa árvore e os três começaram a subir
uma pequena colina em silêncio. Então tio e sobrinho se agacharam e
fizeram sinal para que os imitasse. Apesar do terrível desconforto da
posição, ela teve que rastejar até o alto da colina.
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Do alto, observaram o movimento dos cachorros do mato, que
corriam daqui para ali, brincando entre as centenas de túneis cavados
pelo chão.
- Oh, eles não são lindos?! - ela exclamou baixinho, sem conter a
admiração.
Cooper e Yellow Eagle trocaram um olhar enquanto tomavam arco e
flecha.
- Vocês não vão matá-los, não é? - perguntou. Sem nada responder,
os dois lançaram as flechas, acertando dois animais. Segundos depois,
mais outros dois tombavam empalados. Agitada, Helene levantou-se e
correu na direção dos bichinhos.
Num piscar de olhos, todos os cachorros do mato haviam
desaparecido, metidos dentro dos túneis.
- Helene, você os espantou - gritou Yellow Eagle, impaciente.
- Eu não sabia que vocês pretendiam matá-los!
- Precisamos de carne para o jantar - Cooper explicou, aproximando-
se.
- Mas são tão lindos ... e pequeninos ...
- E por isso que temos que abater muitos.
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- Bem ... deixarei toda a carne para vocês essa noite.
Os dois recolocaram arco e flecha sobre o ombro.
- Comece a procurar sua pedra, Helene -. Yellow Eagle falou.
- Provavelmente está muito frio para que haja cobras, porém é melhor
ter cuidado e não meter suas mãos dentro dos buracos - Cooper a
avisou.
Instintivamente, ela fechou as mãos em punhos. Cooper e Yellow
Eagle estavam certos. Se olhasse com. bastante atenção, acabava
descobrindo algumas pedras perto de um ou outro montinho de terra
que fora escavada pelos animais. Uma pedra oval, de apro-
ximadamente dois centímetros e meio de comprimento, com uma
veia rosada cortando-a de fora a fora, chamou-lhe a atenção. No
mesmo instante, guardou-a no bolso na saia e continuou a busca.
A maioria das pedras encontradas lhe pareceu simples, sem graça, se
comparada à que encontrara primeiro. Alguma coisa naquela pedra
rosada a atraía, era reconfortante segurá-la na palma da mão.
Levando-a para Cooper, anunciou:
- Gosto desta aqui.
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Ao fitar a pedra, uma expressão atônita tomou conta das feições viris.
Yellow Eagle se juntou aos dois, demonstrando aprovação com um
breve sorriso.
- É uma boa escolha? - Ela tomou a pedra de volta, ainda quente por
causa do calor da mão de Cooper. .
- Sim. Amanhã iremos até a reserva. Porém você vai precisar de uma
capa mais quente e de luvas grossas também.
- Onde irei arranjá-las?
- Nós as faremos - ele respondeu naturalmente.
Naquela tarde, Cooper tirou as medidas e cortou peles e couro. À
noite, sob a supervisão de Chumani, os quatro se entregaram à tarefa
de costurar o material.
Passar a agulha de osso através do couro e das peles exigia força.
Logo os dedos de Helene ficaram doloridos. Seus esforços
desajeitados acabaram fazendo com que ferisse o indicador. Numa
reação automática, levou-o à boca.
- Deixe-me ver. - Cooper segurou-lhe a mão e pressionou o pequeno
ferimento, de onde escorria sangue, com um pedaço macio de couro.
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Os olhos de ambos se encontraram e tudo em que Helene conseguiu
pensar era na noite anterior, quando tivera o privilégio de explorar a
textura daquela pele bronzeada, de sentir os contornos dos músculos
firmes. Se Chumani e Yellow Eagle não estivessem presentes, acabaria
cedendo à tentação de repetir a experiência outra vez.
Ele retirou o couro e examinou a picada, que parara de sangrar.
- Lave bem o local - avisou-a.
Helene concordou com um aceno, absorvendo a proximidade do
corpo masculino, o calor e o aroma que lhe eram tão particulares.
- De pé - Chumani falou, fazendo sinal para que se levantasse.
Desviando os olhos de Cooper com dificuldade, Helene obedeceu,
estendendo os braços para que a índia terminasse de medir o
comprimento da capa. À hora de dormir, capa, luvas e chapéu
estavam terminados.
- Nós trabalhamos durante o tempo em que eu deveria estar fazendo
as lições - Yellow Eagle comentou.
Teria sido desaponto o que percebera na voz do garoto?
- É verdade. Mas, por outro lado, vocês me ensinaram a fazer roupas
de inverno.
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O indiozinho sorriu.
- Então acabou sendo uma aula também. Chumani lhe dirigiu um
sorriso caloroso e, tomando o filho pela mão, saiu para a casa de
adobe. Helene experimentou a capa nova na sua ida até a latrina. Ao
retornar, constatou que Cooper havia limpado toda a mesa ·dos
restos de pele e linha.
Ela dependurou a capa num cabide perto da porta e olhou os
arredores com atenção, lembrando-se da primeira impressão que
tivera ao entrar naquela casa.
Nessas últimas semanas, tomara todo o conforto encontrado ali
dentro como uma coisa garantida. Entretanto cada detalhe fora
planejado por Cooper para atender às necessidades da esposa que
mandara buscar. Ela comia na mesa e dormia na cama que Cooper
fizera para a mulher que estivera esperando chegar.
Considerando o desaponto que sua aparição causara, vinha sendo
tratada de uma maneira magnânima. Helene se aproximou do fogo
para aquecer as mãos, enquanto Cooper sentava-se e acendia o
cachimbo.
- Obrigada - ela falou, sem fitá-lo.
- Pelo quê?
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- Pela capa. Por tudo.
- Não é muito, comparado ao que você está acostumada.
- A que você acha que estou acostumada?
- A coisas bonitas. Coisas que as mulheres da cidade apreciam. Você
tinha jóias, antes de haverem sido roubadas. Suas roupas são bem-
feitas. Eu nunca havia visto alguns desses tecidos antes. Seu pai tem
dinheiro.
Por um instante, nenhum dos dois disse nada. Helene fitou-o,
lembrando-se de como o havia tocado na noite anterior, esforçando-
se para reprimir o impulso de repetir o gesto.
- Dinheiro pode comprar mais jóias. Porém existem coisas... coisas
importantes, que o dinheiro não pode comprar.
Ele se virou para fitá-la, os olhos semicerrados.
- Como o quê, por exemplo?
- Muitas coisas. Por que parece não acreditar?
- Eu não esperava essas palavras vindas de você.
- Nós, mulheres da cidade, somos muito vazias e superficiais, não é?
Cooper deu de ombros. Depois perguntou:
- O que você desejou, que o dinheiro não pôde comprar?
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Helene considerou tudo aquilo que desejara, a credibilidade pela qual
lutara com unhas e dentes para conquistar, o respeito pelo qual
ansiava. Então respondeu apenas:
- Uma chance.
- Chance para quê?
- As oportunidades são para os homens. Nunca consegui uma
segunda chance.
- Não posso acreditar nisso.
- Vê? Você está agindo como um homem típico.
- Devo me desculpar?
Ela sorriu.
- Não. Talvez seja isso o que me irrite tanto.
- Que eu seja um homem?
- Que esse seja um mundo masculino.
- Os homens não estariam aqui sem as mulheres. - Havia seriedade
em sua voz agora.
- Não é uma idéia muito popular lá no Leste. Quando eu tinha dez
anos, meus irmãos me deram um cachorrinho de presente, de pêlo
marrom claro e orelhas macias. Achei que era a coisa mais linda que
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eu jamais havia visto. Charles me disse que eu poderia lhe dar o nome
que quisesse, porque era realmente meu. Turner falou que minha
responsabilidade era grande agora, pois o cachorrinho iria depender
de mim para se alimentar e para receber os cuidados necessários.
Helene fitou Coopero Ele estava com as costas confortavelmente
apoiadas nas pedras da lareira e a maneira como a olhava deixava
claro o quanto se interessava pela história.
- Senti-me tão importante por ter um cachorrinho todo meu e que
dependia de mim. Acho que agradeci meus irmãos milhares de vezes,
nos dias seguintes.
Eles nunca me davam muita atenção, portanto um presente como
aquele me fez sentir... especial.
E então, certa manhã, descobri várias malas no saguão. Meu pai e
irmãos estavam saindo para uma viagem. "Quero ir também, por
favor, será que posso ir?", implorei.
Cooper estudou as feições delicadas, iluminadas pela luz do fogo. A
voz de Helene se tornara quase infantil, revelando a importância da
lembrança.
- Dusty, era esse o nome do cãozinho, precisava de mim, foi o que
Turner disse. Ele era minha responsabilidade e eu deveria tomar
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contar dele. Os três levaram a bagagem para a carruagem e partiram. -
Helene se recompôs, a voz deliberadamente calma agora. - Nunca
estive tão perto de machucar uma criatura inocente quanto estive em
relação àquele cachorrinho. Odiava vê-lo. Afinal, Dusty fora apenas
um suborno para me manter à distância. Mas em vez de maltratá-lo,
dei-o à cozinheira, que o levou para o sobrinho, do outro lado da
cidade.
Ela deu de ombros, como se incidente, acontecido há tanto tempo, já
não a afetasse. Entretanto, Cooper sabia que não era assim. O que
Helene acreditara que os irmãos tinham feito por amor, revelara-se
uma atitude calculada, para tirá-la do caminho.
- Aquela não foi a primeira vez - ela comentou, os olhos brilhando
por causa das lágrimas não derramadas. - Eu apenas era nova demais
para entender. Tampouco foi a última. Na verdade, é por isso que
estou aqui. Meu pai nunca mandou que eu me mantivesse afastada do
jornal. Se não fosse por Charles e Turner, creio que até apreciaria meu
talento. Pelo menos era assim que eu costumava pensar. Eles me to-
leraram durante anos. Eu estava sempre por perto, como um
bichinho de estimação. Aprendi tudo sobre um jornal apenas
observando-os e aproveitando a menor oportunidade para trabalhar.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Eu lhe disse que sou uma repórter? Pois bem, acho que me expressei
mal. Sou apenas uma chateação.
Em suas histórias, desde que chegara, Helene sempre mencionava os
feitos de várias mulheres importantes. Agora entendia porquê. O
exemplo delas lhe dava esperança.
- Já é tarde. Vou me deitar. - ela falou, levantando-se.
- Eles a trataram mal, Helene. Não desanime.
Ela o fitou em silêncio, sem saber como reagir àquela inesperada
demonstração de compreensão e solidariedade.
- Você tem espírito forte. Não creio que continuaria sendo o que é se
mudasse para agradá-los.
- Ser o que sou não é tão grande coisa assim. E às vezes é cansativo.
Cooper sorriu.
- Bem, não mude por causa de ninguém.
- Obrigada, Cooper.
- Está ficando muito frio, acho que teremos que acender a lareira no
seu quarto esta noite - ele falou, mudando de assunto.
- Mas você vai gastar o dobro de lenha.
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- Não pode ser evitado. - Os olhares de ambos se encontraram e
então se desviaram. A única maneira de poupar combustível era
dormir no mesmo quarto, o que estava fora de cogitação. - Vou acen-
der o fogo já.
Ela o ajudou a acender a lareira com o mesmo empenho com que se
entregava à qualquer tarefa. Helene aprendia rápido e nunca evitava a
chance de aprender algo novo. Era uma mulher maravilhosa. Além de
bela, prática e inteligente. Não fora preciso muito tempo para passar a
apreciar sua companhia.
E era desencorajador pensar que a veria partir logo depois do
inverno.
- Boa noite, Helene.
- Boa noite.
Cooper saiu do quarto e fechou a porta, um vazio estranho no peito.
Talvez devesse ir nadar agora e acabar logo com a sensação que o
incomodava.
Não sabia o que o perturbava mais: se os sentimentos despertados
pelos beijos e carícias trocadas na noite anterior, ou a percepção de
quem Helene realmente era. Agora que a compreendia um pouco
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
melhor, entendia por que atirara a cautela para o ar e se arriscara na
viagem para Dakota.
Essa compreensão apenas tornava tudo mais difícil.
Ele a respeitava agora. A admirava.
E, pior de tudo, desejava-a.
CAPÍTULO XII
Protegida pela capa nova, chapéu e luvas, Helene se manteve quente,
apesar do vento cortante. Chumani acompanhou-os na viagem,
entremeando a conversa com gestos, palavras em oglala e algumas
poucas em inglês, extravasando a alegria de estar indo visitar a família
e amigos.
Barris e caixotes ocupavam quase toda a parte de trás da carroça,
porém Cooper havia deixado espaço suficiente para Chumani e
Helene. Yellow Eagle viajava na frente, ao lado do tio.
Nuvens brancas e sedosas se espalhavam pelo céu azul, num
contraste acentuado com as montanhas rochosas e ásperas.
- Que pedras são essas? - indagou a Cooper, totalmente maravilhada.
- São chamadas linhitas.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- De origem vulcânica?
- Acredito que sim. Ouvi um velho chamá-las de “inferno com os
fogos apagados."
- Faz-me desejar ser artista.
- Não são assim tão agradáveis para os olhos.
- Não, porém se apossam do espírito, não é?
Sem nada responder, ele virou-se e fitou-a, pensativo.
- É incrível ver tanto espaço livre em todas as direções. Nada de
casas, de postes, de construções, passeios, ou fios de telégrafos. Nada
que pertença a alguém.
- Aqui, nada pertence a alguém e tudo pertence a todos. - Cooper
puxou a aba do chapéu sobre os olhos, para se proteger do vento.
- Que poético! Talvez você possa escrever sobre isso, agora que
domina a técnica para fazê-lo.
Ele riu, o som raro ecoando pela paisagem árida e encontrando
resposta em seu coração. Chumani fitou-a como se entendesse o que
se passava e sorriu para si mesma, contente.
A vegetação ia se tornando cada vez mais esparsa à medida que se
aproximavam da reserva. Helene não conteve um murmúrio de
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espanto ao se deparar com um acampamento, onde tendas enormes
exalavam fumaça pela parte superior. Um campo cultivado estendia-
se ao norte. Vários cachorros latiram e correram para perto da
carroça.
- Não é o que eu esperava - ela comentou pensativa, observando a
faixa de terra que havia sido destinada aos oglala.
- E o que você esperava? - Cooper quis saber.
- Não sei. Talvez algo parecido com um forte, acho.
Gritos se ergueram no ar e um bando de crianças apareceu para
saudá-los, as mais novas mal contendo a ansiedade de esperar que
Cooper descesse para lhes dar balas e pirulitos.
Depois de receberem tantos doces quanto suas mãozinhas podiam
carregar, elas agradeceram e saíram correndo de volta para a aldeia,
Yellow Eagle no meio da algazarra.
Helene e Chumani esperaram que Cooper as ajudasse a descer. Nesse
ínterim, vários homens já haviam começado a descarregar a carroça,
levando as caixas de suprimentos para uma clareira, no centro das
tendas. Muitas mulheres acompanhavam a movimentação de perto,
satisfeitas ao verem os sacos de farinha de milho, frutas secas e um
caixote com carne de urso defumada.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
A visão da carne as fez arregalarem os olhos. Rapidamente
conversaram entre si e então se viraram para Cooper. Ele apontou
para Helene.
Os oglala olharam de uns para os outros, trocando sussurros e
sorrisos. Cooper respondeu a mais algumas perguntas, a atenção de
todos parecendo centrada em Helene.
Enquanto os suprimentos eram divididos, Chumani levou Helene até
uma das tendas enormes, onde a apresentou às anciãs da tribo. Dali a
momentos, Cooper veio buscá-la e a conduziu até uma outra tenda.
- Esse é Running Elk, meu pai.
O velho índio tinha cabelos grisalhos, mais compridos e espessos do
que os de Cooper, soltos sobre um manto de pele de búfalo. Running
Elk fez sinal para que ela se sentasse junto ao fogo.
Logo uma mulher lhes trazia tigelas de madeira, com cerejas secas e
tiras de carne salgada.
- Sua mãe? - Helene perguntou a Cooper, mostrando a mulher.
- Não. Laughing Woman morreu muitos anos atrás. Essa é a nova
esposa de Running Elk, Miya.
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Após terminarem de comer, Helene se esforçou para acompanhar a
conversa dos homens. Cooper traduziu as histórias que Running Elk
contava sobre sua infância. Segundo o relato do velho índio, Cooper,
aos doze anos, já era tão bom, ou melhor, no uso do arco e flecha do
que a maioria dos guerreiros. Suas habilidades no manejo da faca
também eram excepcionais.
- Meu pai diz que minha mãe morreu jovem de pura exaustão. Já não
agüentava mais costurar roupas sempre maiores pata mim. Ele jura
que às vezes se levantava durante a noite para me ver crescer durante
o sono.
Helene olhou para o índio. A pele morena estava marcada pela
passagem dos anos, porém os olhos negros tinham o brilho dos de
uma criança. Ela sorriu.
Running Elk sorriu de uma maneira ao mesmo tempo reservada e
amistosa, ajeitando o manto sobre os ombros.
Aqueles dois homens eram tão diferentes fisicamente. Maravilhava-se
que pudessem gostar tanto um do outro e experimentar tamanha
afinidade. Então ela se deu conta de que ambos não se consideravam
diferentes. Eles eram capazes de ver além da cor da pele e enxergar o
que estava dentro do coração.
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- Seu pai não desconfia de mim por que sou branca? - ela indagou.
- Ele confiou em muitos brancos. É por isso que meu povo está aqui.
- O que você está querendo dizer com isso?
- O governo fez promessas aos sioux. Prometeu várias coisas em
troca de terras. Essa gente aqui dentro vive de promessas não
cumpridas. Sabe todas aquelas crianças que você viu lá fora?
- Sim?
- O tratado, assinado quatro anos atrás, se comprometia a lhes dar
uma escola.
- E as crianças ainda não têm uma escola?
- Não.
- Isso é terrível. Eu não poderia culpá-lo se Running Elk não gostasse
de mim.
Uma confusão inesperada do lado de fora os interrompeu. Cavalos
relinchavam e gritos ecoavam de dentro das tendas. No mesmo
instante, Cooper correu para ver do que se tratava. Helene aguardou
o velho índio levantar-se e então o seguiu, mantendo-se na entrada da
tenda.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Uns doze guerreiros, montados em cavalos brancos com manchas
escuras, criavam um verdadeiro tumulto, pisoteando baldes, pondo
abaixo pilhas de madeira e atiçando os cães. Vários deles quase caíam
das selas, de tão bêbados, e se divertiam batendo nas tendas com
pedaços de pau. De repente, o barulho de um tiro explodiu acima da
balbúrdia.
Last Horse caminhou na direção do pai, o revólver apontado para o
ar. As feições de Running Elk, tão relaxadas momentos atrás, haviam
se endurecido, as linhas do rosto revelando amargura, sofrimento e
desgosto.
Running Elk disse alguma coisa, num tom seco e áspero, fazendo
Last Horse parar onde estava, os olhos negros como os de um falcão,
afetados pela bebida, pousados agora sobre o irmão branco, cheios de
malícia. Cooper e Last Horse trocaram breves palavras. Helene
sentiu-se estremecer por dentro quando o olhar do índio a envolveu
com insolência e ódio.
Apenas com um gesto, Running Elk deu uma ordem a Last Horse.
Ele assobiou para os guerreiros e, depois de juntarem os cavalos,
partiram. Helene seguiu Cooper e o pai de volta para a tenda, o
incidente havendo lançado uma sombra desconfortável sobre o dia.
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Depois do jantar, Cooper anunciou qual seria o próximo passo.
- Está na hora do inktomi lowanpi.
- O que é isso?
- O canto sagrado. É para isso que viemos.
- Oh! - Ela vestiu a capa e preparou-se para se despedir de Running
Elk, porém notou que ele a seguia de perto.
Cooper os conduziu até uma tenda enorme, no centro do
acampamento. Muitos dos habitantes da aldeia haviam se reunido
para a ocasião, Chumani e Yellow Eagle se destacando no meio do
grupo.
- Helene, esse é Runs Again - Cooper a apresentou ao ancião.
- O yuwipi?
-Sim.
Uma túnica lindamente bordada cobria o peito estreito de Runs
Again, chamando a atenção para os braços magros e sinuosos. Sobre
a cabeça, pedaços de chifres de veado.
Os olhos de Helene vagavam do rosto moreno e da boca sem dentes
para o bizarro arranjo na cabeça. - Ah, como vai, Runs Again?
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Ele emitiu um som agudo, fazendo-a pular para trás. O som se
transformou numa cantilena monótona e nasal. Helene riu baixinho,
sentindo a tensão abandoná-la.
Quando um dos índios sentados do outro lado da fogueira começou a
tocar o tambor, Cooper fez sinal para que ela se sentasse. Então
também se sentou, tendo que abrir espaço para encaixar Yellow Eagle
entre os dois.
Runs Again juntou algumas folhas secas e as esfregou entre as mãos
ossudas. Logo o cheiro penetrante de salva dominava o ar. O
feiticeiro apanhou um cachimbo vazio e, ainda entoando aquela
espécie de mantra, encheu-o com a mistura de folhas secas.
De olhos fechados, recitou uma prece rápida, como já havia feito
centenas de vezes. Cada frase começava num tom anormalmente alto,
a voz se abaixando de modo gradativo, até que, no final, as palavras
soavam indistintas, quase não podendo ser ouvidas.
A um gesto seu, o tambor se calou.
Um bebê choramingou e uma voz suave de mulher murmurou
suavemente. Segundos depois, o bebê se aquietou, o choro
substituído por sons de uma boca sugando um seio. Helene não teve
coragem de olhar.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
O feiticeiro lhe dirigiu a palavra.
- A pedra - Cooper sussurrou.
Retirando a pedra do bolso da saia, ela a entregou ao yuwipi.
Runs Again pareceu surpreso. Lentamente, examinou a pedra e então,
pegando a mão de Helene, virou a palma para cima e colocou a pedra
no centro, fazendo-a fechar os dedos ao redor.
Ele fitou Cooper e uma mensagem silenciosa foi trocada entre os
dois. Confusa, Helene olhava de um para o outro, sem saber como
interpretar a atitude de ambos. Aparentemente satisfeito, Runs Again
apanhou a pedra e a posicionou sobre as folhas de salva, acendeu o
cachimbo e o deu a Helene. Yellow Eagle acompanhava cada detalhe
com enorme interesse.
Hesitante, ela aceitou o cachimbo.
- O que devo fazer agora? - perguntou a Coopero
- Sopre uma ou duas vezes, mas não inale.
Com cuidado, procurou fazer como havia sido instruída. Uma fumaça
quente e ácida pareceu sufocá-la e, acabou inalando-a, apesar de não
querer. Vendo-a tossir, Cooper lhe tomou o cachimbo das mãos e
tirou uma baforada antes de passá-lo para o homem ao seu lado.
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Os tambores ecoaram novamente e Runs Again repetiu a cantilena.
Helene estremeceu sem que soubesse bem por quê. Depois de
percorrer o círculo, o cachimbo voltou às suas mãos e desta vez ela
conseguiu não se engasgar. Quando, enfim, o cachimbo retornou a
Runs Again, a prece havia sido terminada. O feiticeiro apagou a
fogueira jogando um punhado de terra em cima.
Envolvida pela escuridão e pelos arredores que não lhe eram
familiares, Helene sentia a cabeça latejar, o coração pulsando rápido.
Num movimento instintivo, aproximou-se de Cooper, os braços e
pernas de ambos se tocando.
O bebê continuava a sugar o seio da mãe. Alguém tossiu.
- O que está acontecendo agora? -- Helene indagou num murmúrio, a
boca muito próxima ao rosto de Cooper.
- Os espíritos estão colocando a pedra no pequeno invólucro de
couro. No final, você a terá de volta.
O grupo continuou sentado durante vários minutos, os sons naturais
que os cercavam parecendo estridentes dentro da escuridão. Por fim,
Runs Again deu ordem para que tornassem a acender o fogo.
- Agora o oferecimento - Cooper murmurou.
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Ela relaxou, observando o incontável número de faces iluminadas
pela luz da fogueira, todos os presentes inteiramente absorvidos na
cerimônia, experimentando a mesma sensação de voltar no tempo.
Esses rostos podiam ter sido os rostos de homens e mulheres que
viveram centenas de anos atrás. Suas crenças e tradições haviam sido
passadas de geração em geração. Suas vidas em nada haviam mudado,
até a chegada dos brancos.
Runs Again colocou um rolo, da espessura de um punho, na fogueira.
Logo um cheiro forte, semelhante a tabaco, inundou o interior da
tenda. Outra vez a marcação dos tambores. Helene fitou Cooper.
Àquela luz, ele não parecia em nada diferente dos outros sentados
junto ao fogo, pois ali, o que os unia era a espiritualidade, não a cor
da pele.
Todos têm necessidade de acreditar em algo, ou em alguém, que
esteja acima de suas próprias limitações. Essa gente acreditava numa
força superior que os guiava e respeitavam os deuses que conheciam.
Quem teria o direito de chamá-los de pagãos? De idólatras?
O feiticeiro terminou de cantar e sentou-se. Homens e mulheres
levantaram-se e começaram a sair da tenda, conversando entre si.
Runs Again entregou a pedra a Helene, agora guardada num invó-
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lucro, preso por uma tira de couro. Finalmente ela compreendeu a
importância da pedra.
- Obrigada - falou, levantando-se com dificuldade. Ao seu lado,
Yellow Eagle exultava.
Cooper trocou algumas palavras com o yuwipi antes de conduzi-la
para fora da tenda. Ao ar livre, suas roupas e cabelos cheiravam a
fumaça e tabaco.
- Você acha que posso tomar um banho e lavar os cabelos quando
chegarmos em casa?
- Amanhã - ele retrucou.
- Amanhã?
- Não podemos viajar na escuridão. Partiremos ao amanhecer.
Bem, fazia sentido.
- Onde irei dormir?
- Na tenda de meu pai - Cooper disse algo a Chumani e então tornou
a fitá-la. - Chumani lhe mostrará onde... Onde... atender suas
necessidades.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Quando as mulheres voltaram, Cooper já havia estendido peles e
cobertores no chão da tenda. Chumani deitou-se ao lado do filho e
fez sinal para que Helene se acomodasse por perto.
Disfarçadamente, ela olhou ao redor, reparando nos outros
ocupantes. Running Elk e esposa estavam aconchegados sobre um
monte de peles de animais. Sentando num outro catre, Cooper
acabara de tirar as botas. Será que todos dormiriam ali assim, juntos?
Sentindo-se enrubescer, Helene tirou as botas e deitou-se. Yellow
Eagle apanhou um cobertor e a cobriu.
- Agora você pode rezar para os espíritos, Helene - o menino falou.
As palavras e a atitude do garoto a comoveram.
Talvez ele, realmente, houvesse passado a dar valor ao que lhe
ensinara. Ler e escrever era algo que qualquer uma outra pessoa, com
uma educação elementar, poderia ter ensinado a Yellow Eagle. Entre-
tanto o destino fizera dela essa pessoa. Um elo se formara entre os
dois.
- Obrigada pelo seu presente - Helene murmurou, apertando a pedra
entre as mãos.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Embora não estivesse assim tão perto, Helene podia sentir os olhos
azuis de Cooper fixos em si. De repente, um calor estranho a
percorreu de alto a baixo e era como se seu sangue corresse na
cadência dos tambores. Sob seus dedos, a pedra pareceu ganhar vida
própria, pulsando cheia de calor.
Vencida pela exaustão, fechou os olhos e adormeceu.
Algum tempo depois, acordou. Era como se a pedra, que escorregara
para seu ombro, a envolvesse numa quentura reconfortante. A
fogueira, no meio da tenda, ha.via se transformando num monte de
cinzas. À distância, os olhares de ambos se encontraram. Cooper
ergueu a palma das mãos para perto do rosto, uma acima da outra.
O que estaria ele fazendo? Quase imediatamente reconheceu o sinal
para "dormir". Helene fechou os olhos e obedeceu.
O céu mal clareara quando o cheiro de comida a acordou. Depressa,
calçou as botas, notando que todos já haviam saído. Todos, exceto
Miya. A índia, ajoelhada às suas costas, penteava-lhe os cabelos,
desembaraçando os fios longos e sedosos com paciência.
Temendo ofender Miya ao recusar o gesto amigável, Helene não se
opôs ao ter os cabelos presos em duas tranças e seguros por tiras de
couro. Ao terminar a tarefa, Miya lhe deu uma cesta.
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- O que você quer que eu faça? Quer que lhe busque alguma coisa?
Miya ergueu a palma de uma das mãos, num sinal que Helene não foi
capaz de decifrar. A índia repetiu gesto, colocando também dois
dedos para cima.
- Amiga - Helene falou.
Outra vez Miya ergueu as mãos e as colocou em concha, atrás das
orelhas.
- Urso - Helene murmurou, sem ter muita certeza de haver entendido
bem.
Incerta, aguardou até que os outros aparecessem para comer.
Notando o modo como seus cabelos estavam penteados, Cooper
arqueou as sobrancelhas, curioso, porém ela não lhe deu chance de
fazer comentários.
- Cooper, por favor, diga-me o que Miya deseja a respeito dessa cesta.
Ele ouviu o que a índia tinha a dizer e então explicou-lhe a situação.
- E um presente, em troca da carne do urso. Helene sorriu para a
outra e abaixou ambas as mãos, o sinal simples expressando
agradecimento. Após terminarem a refeição, Cooper e o pai se
despediram de maneira solene.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene despediu-se também e saiu da tenda com Chumani e Yellow
Eagle. Índios e índias os interceptaram no caminho até a carroça,
ansiosas para entregar colares de contas, tigelas de madeira e
utensílios feitos de osso a Helene.
Cooper também recebeu muitos presentes, numa demonstração
espontânea de apreço e consideração.
Sentada na parte de trás da carroça, a capa apertada junto ao corpo,
Helene acenou. As pessoas retribuíram o gesto. Jamais se esqueceria
daqueles rostos, jovens e velhos, dos homens e mulheres que haviam
estado ao seu lado na noite anterior. Deixá-los causava-lhe uma
sensação estranha, de perda. Era uma gente orgulhosa, espiritual. Não
mais lhes era permitido viver onde queriam, ou caçar como tinham
feito durante séculos. Suas vidas haviam sido para sempre mudadas
por homens que acreditavam ser seu dever civilizar o Oeste a
despeito das circunstâncias.
Mais claramente do que nunca, compreendia a dedicação de Cooper a
esse povo agora e sua desconfiança em relação aos brancos.
Compreendia também as suspeitas iniciais de Yellow Eagle... e
talvez... talvez até entendesse o ódio de Last Horse. Ele sabia que seu
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estilo de vida estava condenado, porém, diferentemente de Cooper,
que possuía meios de fazer algo a respeito, Last Horse apenas lutava.
Helene fitou os oglala pela última vez, e então prestou atenção a
Yellow Eagle e a mãe. Quando Chumani estendeu a mão para acenar
para o povo pela última vez, algo no pulso da índia chamou a atenção
de Helene. O delicado bracelete de prata destoava das roupas de
couro e brilhava sob o sol da manhã. Numa reação instintiva, Helene
se estendeu para frente para examinar melhor a peça.
Na face externa do bracelete, três letras apareciam gravadas. Um
pequeno H, um C e um W intercalando as outras duas letras. O
coração de Helene disparou.
Suas iniciais. Seu bracelete.
CAPÍTULO XIII
Onde você arranjou isso?
Os olhos negros de Chumani se arregalaram. Ela disse alguma coisa e
tentou desvencilhar o pulso.
- Onde você arranjou isso? - Helene insistiu.
A índia puxou o braço e balançou a cabeça de um lado para o outro.
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- Algo errado? - Cooper perguntou por sobre o ombro.
- Não. - Confusa, Helene não sabia bem o que pensar.
Fitando-a desconfiada, Chumani se ajeitou num canto da carroça
enquanto Helene tentava raciocinar com clareza. A índia tinha em seu
poder o bracelete que lhe fora roubado durante o assalto à diligência.
Possivelmente haveria inúmeras explicações para o fato. Quem o
tivesse roubado, por exemplo, poderia tê-lo trocado por uma
mercadoria qualquer num armazém, ou o barganhado com os índios.
Assim, o bracelete acabaria tendo ido parar nas mãos de alguém da
reserva, que depois o dera a Chumani.
Onde estariam suas outras coisas? Quem teria gasto seu dinheiro?
Aquelas perguntas a intrigaram durante todo o trajeto para casa.
Apesar do cansaço, havia muito a ser feito ao chegarem e à hora do
jantar, ninguém parecia animado para manter uma conversa.
Helene reviu rapidamente as lições com Yellow Eagle e Cooper antes
de ir para a cama, exausta. Entretanto, até ser vencida pelo sono, a
história envolvendo bracelete não lhe saiu da cabeça.
Na manhã seguinte uma fina camada de neve cobria a terra. O vento
ganhou em intensidade e continuou nevando durante dias.
Uma semana depois, O vento ainda rugia, incansável.
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- Será que acabaremos ficando ilhados em casa, por causa da neve? -
ela perguntou certa noite.
- A neve não costuma acumular - Cooper explicou - exceto junto às
paredes das construções. O perigo é o vento forte. Não é seguro sair
quando está nevando porque não se consegue enxergar os arredores e
perde-se o sentido de orientação.
- É por isso que temos que amarrar cordas ligando a latrina, as casas
de adobe e as outras construções - Yellow Eagle completou,
ajeitando-se diante do fogo.
As janelas eram mantidas hermeticamente fechadas, porém, mesmo
assim, uma fina camada de neve e poeira se infiltrava entre as
pequenas fendas. Helene tinha o cuidado de limpar tudo uma ou duas
vezes ao dia.
- As noites têm parecido tão longas - ela murmurou, pensando alto.
Ciente da inquietude feminina, Cooper estudou o perfil delicado.
Helene vinha se comportando de uma maneira estranha na última
semana, desde que haviam voltado da reserva com a sicun. Será que a
cerimônia para chamar os espíritos a· incomodara? Será o julgava
agora mais selvagem do que nunca?
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Precisava encontrar algo para distraí-la. Tarefas mais estimulantes do
que limpar o chão. Que será que a entreteria durante o longo inverno?
- O que sua família faz nas noites de inverno? - ele indagou.
A pergunta a surpreendeu.
- Meu pai trabalha. Às vezes meus irmãos e ele comparecem à
reuniões de negócios. Às vezes leva minha mãe a alguma recepção,
que requeira presença feminina. Meus pais costumavam receber
convidados com freqüência.
- E quanto a você?
- Eu escrevo. De vez em quando, saio.
- Com homens?
- Algumas vezes.
Cooper evitou fitá-la, odiando-se por aquela pontada de ciúme.
- Porém eles não a interessam.
- Apenas como amigos.
Uma batida forte na porta surpreendeu-os. Cooper apanhou o rifle e
atendeu.
- Kincaid!
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No mesmo instante, Cooper largou a arma e fez sinal para o amigo
entrar. Helene dependurou a capa de Wiley no cabide colocou as
luvas perto da lareira, para secarem.
- Tire as botas antes de apanhar um resfriado - ela insistiu. - A
empregada de minha casa costumava colocar nossos sapatos para
secar sobre a grade do forno.
Chumani levou um café quente para o recém-chegado, fazendo sinal
para que se sentasse perto do fogo.
Em questão de segundos, Cooper concluiu que Helene ficava mais
nervosa na presença de Kincaid do que na sua própria. Os dois
homens conversaram confortavelmente enquanto comiam biscoitos
de canela e açúcar, uma receita nova que as mulheres haviam feito
pela primeira vez naquela tarde.
Chumani tornou a encher a xícara de Kincaid e ele lhe sorriu. Algo na
expressão do rosto de ambos chamou a atenção de Cooper. As faces
morenas da índia estavam enrubescidas. Helene também notou o
olhar trocado entre o casal, embora parecesse atenta à leitura que
Yellow Eagle fazia em voz alta.
De vez em quando, ela observava Wiley, ou Chumani, sempre
acompanhando a conversa dos homens. De súbito, um cheiro de
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queimado inundou o ar. Cooper olhou ao redor com atenção, porém
não havia nada errado.
- Tem algo queimando? - perguntou afinal, intrigado.
- Oh, puxa, não! - Helene levantou-se num pulo, como se tivesse sido
puxada por um cordão invisível, e correu para o outro lado da sala.
Os outros a seguiram. Apanhando um pano grosso dobrado, para
proteger a mão, abriu a porta do forno;
O cheiro de queimado vinha das botas de Wiley, esturricadas.
- Desculpe-me, sinto muito - ela falou mortificada, os olhos fixos no
par de calçados arruinado.
Cooper e Kincaid trocaram um olhar. A situação lhes parecia tão
hilariante, que ambos caíram na risada.
- Você está se divertindo às minhas custas, DeWitt? - ela perguntou. -
Se está, pode ir direto para o inferno!
Diante de seu linguajar, tão inapropriado a uma dama, Cooper riu
ainda com mais vontade, no que foi prontamente imitado por Kincaid
e Yellow Eagle. Chumani cobriu a boca com a mão e sorriu. Rubra,
Helene apenas os fitava, sem saber o que dizer.
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Vendo-os rir até que lágrimas lhes escorressem pelas faces, ela acabou
se deixando contagiar e pôs-se a rir com o mesmo fervor dos outros.
- Tenho um par de botas que você pode usar para voltar para casa -
Cooper ofereceu ao amigo, quando as risadas foram se tornando
espaçadas.
Helene abriu a porta e jogou os calçados queimados na neve.
- Eu tenho a obrigação de lhe comprar um novo par. Recebi parte do
pagamento que me é devido e posso fazer a despesa. Só não sei
quanto tempo levará até que as botas sejam entregues aqui.
- Não se preocupe com isso - Wiley falou. – As botas eram velhas.
- Mesmo assim, sinto-me responsável.
Quando Wiley estava se preparando para partir, Cooper lhe trouxe
um par de botas forradas de pele. Chumani e Yellow Eagle saíram
logo atrás do convidado.
- Vou apanhar lenha para a noite - Cooper avisou.
Dali a alguns minutos, retornava com várias toras de madeira, que
foram prontamente distribuídas entre a lareira da sala e a do quarto.
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Agindo com segurança e eficiência, Helene logo acendeu o fogo e
então sentou-se no tapete. Cooper sentou-se ao seu lado, estudando
os contornos suaves do rosto bonito.
- Você está se sentindo solitária?
Ela deu a impressão de considerar a pergunta por um instante antes
de responder.
- Não. De maneira alguma.
- Sentindo falta de sua família? .
- Um pouco. Com certeza mais do que eles estão sentindo minha
falta.
Embora passassem numerosas horas do dia na companhia um do
outro, estar nesse quarto, onde Helene dormia, de certa maneira
criava uma atmosfera de maior intimidade. Os cabelos dela pareciam
mais brilhantes, a pele irradiando o calor do fogo.
- Sei que você está entediada.
Ela ergueu os joelhos sob a saia e os abraçou.
- Talvez apenas um pouquinho.
De súbito, Cooper notou a pele do urso sob a cama.
- Por que não a está usando? - perguntou, curioso.
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- Usando para quê?
- Como tapete. Ou cobertor.
Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, pouco à vontade.
- Por que não?
- Bem, eu... ah, francamente, essa pele me deixa nervosa.
- Nervosa?
- Sim.
- Como?
- Todos aqueles dentes e... oh, não sei. Por que Wiley tinha que
manter a cabeça e as patas? Argh! Eu não seria capaz de olhar essa
pele todas as vezes que entrasse aqui. - Sem que pudesse evitar,
estremeceu.
Cooper não pôde conter um sorriso.
- Mas é assim que se faz com as peles de animais. Não se tira nada.
Helene deu de ombros.
- Se não gosta da cabeça e das patas, posso cortá-las.
- Você o faria?
- Claro.
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- Eu adoraria jogá-las fora.
- Mas não é o que fará. Os sioux usam as garras e os dentes porque os
consideram bens preciosos. A cabeça inteira e as patas têm grande
valor no comércio.
- Verdade? – Ela pareceu se animar.
- Sim.
- Quer dizer, então, que possuo algo de valor?
- Com certeza. - Cooper finalmente entendeu como uma mulher, na
posição de Helene, devia se sentir inadequada sem o próprio dinheiro.
Desde o início fora injusto, ao insistir na idéia de que ela estava em
débito.
Em silêncio, Cooper puxou a pele de sob a cama e a desdobrou.
Então tirou a faca da bainha e cortou a cabeça e as patas fora,
carregando-as para o outro quarto, que costumava usar como
despensa.
Logo depois voltava e estendia a pele sobre a cama, para espanto de
Helene.
- Servirá para mantê-la confortável durante o inverno. Afinal,
manteve o urso aquecido durante muitos Invernos.
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Hesitante, ela se aproximou da cama e passou a mão sobre o pêlo
macio.
- Eu realmente esperava que isso cheirasse mal, porém não é o que
acontece.
- Kincaid sabe como curtir peles da maneira correta. Fez um bom
trabalho.
Os olhares de ambos se encontraram e era como se seus pensamentos
h9uvessem se voltado para a mesma coisa.
- Você acha que, agora que o recusei, ele tem demonstrado interesse
em Chumani?
- Chumani é linda. Seria uma honra para qualquer homem tê-la como
esposa.
- Como você se sentiria a respeito?
- Não sei - Cooper respondeu honestamente. - Eu ficaria feliz ao
sabê-la morando longe da reserva. Seu bem-estar é o que importa.
Creio que Wiley seria capaz de tomar conta dela e fazê-la feliz.
- E o fato de Kincaid ser branco?
- Eu sou branco.
- Mas você não a tomou para esposa.
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- Não poderia. Amo-a como a uma irmã. Eu não poderia...
Simplesmente não poderia. - Cooper não iria dizer que a idéia de
dormir com alguém a quem considerava como uma irmã o afligira
desde o dia em que Last Horse se negara a cumprir seu dever.
Running Elk voltara-se para Cooper. "Tomarei conta dela", ele
prometera ao pai. "Porém não a farei minha esposa."
O arranjo satisfizera Running Elk e agradara a todos também. Desde
então, ele e Chumani viviam fraternalmente, dividindo a
responsabilidade de educar Yellow Eagle, ambos aliviados que nada
mais era esperado de seu relacionamento.
Discretamente, Helene ergueu a mão e tocou sua sicun. A pedra de
Cooper pareceu pulsar, um calor repentino percorrendo-lhe o corpo.
Quando vira a pedra que Helene escolhera, soubera, no primeiro ins-
tante, que havia algo de especial ali. A pedra era incrivelmente
semelhante à sua, inclusive a veia rosada.
- Você é diferente dos homens que já conheci. - Helene sentou-se na
beirada da cama.
- Tenho certeza que sim. - Ela estava acostumada a conviver com
cavalheiros metidos em roupas e cortes de cabelos da moda. Homens
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com mãos brancas, que se banhavam em banheiras de cobre e
dependiam de relógios de bolso para saber as horas.
- Não apenas porque você veste essas roupas de couro e seus cabelos
são longos. Mas porque se importa que Chumani esteja satisfeita com
a própria vida.
- Meu irmão a amava muito. Ela foi uma boa esposa e merece ser
feliz.
Helene ergueu os olhos enormes.
- Você a considera uma pessoa. Já o ouvi pedir-lhe conselhos, dá
atenção ao que ela diz. Pelos céus, você dá atenção até mesmo ao que
eu digo, e Deus sabe que minha sabedoria é limitada.
- Ouça - ele a tocou no ombro, os dedos longos irradiando calor -
você tem muito a dizer que vale a pena ser ouvido. E é uma pessoa
importante também.
Uma única lágrima escorreu pela face delicada e o comoveu mais do
que soluços barulhentos o teriam feito. A evidência da vulnerabilidade
de Helene, e da sua própria, deveriam tê-lo feito se afastar. Mas, em
vez disso, secou a lágrima com o polegar e tomou o rosto entre as
mãos, aspirando o perfume intensamente feminino.
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- Sou-lhe grato pelo que tem feito a Yellow Eagle. Sou-lhe grato pelo
que tem feito por mim. Você me ensinou a ler e escrever sem me
fazer sentir um estúpido.
- Você não é estúpido. É uma das pessoas mais inteligentes que
jamais conheci.
- Você sempre diz exatamente o que pensa? Os olhos de ambos se
encontraram.
- Não sei...
- O que está pensando agora? - Os lábios dele quase lhe roçavam o
rosto.
- Que... Que você tem os olhos mais azuis do mundo. E que meu
coração não poderia bater mais rápido do que está batendo. - Ela
passou a língua pelos lábios rosados, fazendo-o arder de desejo. - E
que eu queria que você me beijasse.
Cooper se apossou da boca entreaberta, segurando-a como se ela
fosse uma flor frágil e delicada. Porém o beijo não durou mais do que
um instante. Deveria parar por ali agora, antes que qualquer dano
fosse feito. Assim, os pouparia de um sofrimento maior, quando o
inverno chegasse ao fim.
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Suavemente, Helene o acariciou no rosto, impedindo-o de afastar-se.
- E também estou pensando que sua maneira de me tratar me dá
segurança. Fico me perguntando se teria medo, se você não fosse tão
gentil...
Incapaz de resistir ao apelo daquele olhar, Cooper a tomou nos
braços e deitou-a sobre a cama macia, beijando-a com uma paixão
que beirava a loucura. E Helene correspondia com igual ardor,
sugando sua língua como se não fosse se saciar jamais.
O corpo sinuoso, cuja atração fingia ignorar todos os dias, estava
agora colado ao seu. Ansiava espalmar as mãos sobre os seios
empinados, entretanto apenas a segurou pela cintura com força.
Helene suspirou e pressionou as coxas contra as de Cooper, sem se
dar conta do quanto o provocava agindo assim. Consumido pelo fogo
do desejo, o sangue fervendo nas veias, ele massageou um dos
mamilos intumescidos por sobre o tecido da blusa. Helene estre-
meceu em seus braços.
- Cooper? - ela indagou num murmúrio, os olhos espetaculares mais
brilhantes do que nunca.
Ele a fitou, as mãos ainda roçando os seios firmes.
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- Você se lembra de como me deixou tocá-lo, noites atrás?
- Sim.
-Você... Você poderia me tocar daquela maneira?
Seu coração parecia a ponto de explodir.
- Eu ... eu não tenho certeza se...
- Você tirou a camisa e me deixou acariciá-lo.
- Você não sabe o que está pedindo - Cooper respondeu, a voz rouca
e abafada.
- Bem, acho que sei sim. Foi bom tocar sua pele, descobrir o calor e a
textura. Pensei ... pensei que você poderia fazer o mesmo ... comigo.
Talvez até gostasse...
Cooper segurou-a pelos pulsos, fitando-a dentro dos olhos.
- Não existe a menor dúvida de que eu iria gostar. Gostar
imensamente. O que você não entende é que... se eu a tocasse assim,
chegaria a. um ponto em que seria impossível... parar.
- Oh... - ela abaixou o olhar.
Ele lhe beijou os dedos das mãos com extrema ternura.
- Impossível mesmo? - Helene insistiu.
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Oh, Deus, o que ela estava lhe pedindo? Quanta resistência julgava-o
possuir? Cooper engoliu em seco, perdendo-se no calor do corpo
junto ao seu. Beijá-la era simplesmente glorioso, tocá-la seria puro
êxtase. Poderia usar o auto-controle para desfrutar dessa in-
comparável proximidade. Ganhar a confiança de Helene era mais
importante do que satisfazer as necessidades da carne.
- Não totalmente impossível - falou, mergulhando nos olhos
profundos. - Você tem. minha palavra. Quando se sentir
desconfortável, paramos.
Helene sentou-se e, devagar, tirou os grampos que mantinham os
cabelos presos num coque severo. Logo, a massa escura e perfumada
caía solta sobre os ombros.
Apoiando a cabeça na mão, Cooper ficou em silêncio, observando-a
desabotoar a blusa e tirá-la.
Os ombros eram arredondados e esguios e deixavam uma sombra
delicada sobre o corpete branco. Imediatamente seus olhos se fixaram
nos seios que pulsavam sob o tecido grosso e armado. Helene desfez
o laço, as mãos trêmulas traindo a emoção que a dominava. Fi-
nalmente o corpete estava aberto. Cooper sentiu a respiração faltar.
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Inspire. Expire, pensou. Se ela tirasse o corpete, seria gentil. Se ela
não o tirasse, seria um cavalheiro, concluiu.
Helene o tirou.
Ele se esqueceu de respirar.
Nunca em sua vida havia visto pele tão branca e delicada. As auréolas
eram círculos levemente escurecidos com protuberâncias rosadas. O
pequeno invólucro de couro parecia fora de lugar sobre aquela pele
maravilhosa, quase translúcida. Sob os seios estavam as marcas do
corpete apertado e foi ali o primeiro lugar que tocou.
- Essa coisa que você usa sob as roupas não é desconfortável?
- No fim do dia costuma incomodar bastante ela concordou.
- Por que o usa então?
- Não é apropriado sair sem corpete. Uma dama não... não ...
- Balança?
Ela concordou com um aceno, o rosto e o pescoço enrubescendo.
Sem pressa, Cooper a roçou na cintura e no estômago, ouvindo-a
ronronar. Com extremo cuidado, acariciou-a na parte interna dos
braços, nos ombros, no pescoço, nos pulsos e cotovelos.
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Os mamilos se enrijeceram e Helene atirou a cabeça para trás.
Inclinando-se, ele a beijou no pescoço, sugando a carne tenra,
provando o gosto embriagador. Depois, mordeu-lhe o lóbulo da
orelha e o tomou na boca, sentindo-a respirar com dificuldade.
Então a beijou na boca. Ardente e desesperadamente. Impaciente,
Helene o segurou pelas mãos e as colocou sobre os seios.
- Toque-me - exigiu.
Cooper obedeceu.
- Eu... eu não posso respirar - ela murmurou, estremecendo de
maneira incontrolável.
- Eu sei.
- Você se sentiu assim, quando o toquei?
- Sim.
- Nunca pude imaginar.
Ele deslizou os dedos pelos cabelos sedosos e levou uma mecha junto
ao nariz, aspirando o perfume com prazer.
Hesitante, Helene começou a lhe tirar a camisa, acariciando-o nos
cabelos como ele a tinha acariciado, um sorriso tímido iluminando
seu rosto afogueado.
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De peito nu, Cooper se deitou sobre ela, traçando o caminho entre o
pescoço e o ombro com a ponta da língua.
Helene estremeceu.
- Frio? - ele perguntou, envolvendo-a num olhar penetrante e
demorado.
- Não.
Dominado pelo desejo, Cooper continuou a provar o gosto da pele
deliciosa, o cheiro e a textura do corpo feminino deixando-o em fogo.
Sentindo-a lânguida, fechou os lábios sobre um dos mamilos e o
sugou. Helene gemeu e tapou a boca com a mão, atordoada diante da
intensidade das sensações que a abalavam. Cooper continuou a
reverenciá-la com os lábios, adorando ambos os seios com igual
empenho, vibrando ao ouvi-Ia ofegar e murmurar seu nome.
Perdido de desejo pela mulher que segurava nos braços, tocou-a no
centro da feminilidade, por sobre a saia de lã. Helene gritou alto e
arqueou o corpo. Ele insistiu na carícia.
Enlouquecida de prazer, ela ergueu a cabeça e o beijou na boca com
sofreguidão, as línguas de ambos se contorcendo num embate
delirante, os corpos colados um no outro numa explosão de paixão.
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- Cooper - Helene gemeu baixinho. - Cooper! - Seu grito beirava ao
total descontrole.
- Querida - ele respondeu, tirando as mãos dos lugares que causavam
a ela o doce tormento. - Está tudo bem.
Trêmula, Helene se agarrou aos braços fortes.
- Você disse que iríamos parar quando eu me sentisse desconfortável,
mas eu não sabia que você estava se referindo a isso.
- E não estava.
- Não?
- Não.
Ela inspirou fundo e aconchegou-se ao peito forte. Cooper a
acariciou nos ombros nus gentilmente, reassegurando-a.
- Eu estava me referindo à possibilidade de você ter medo, ou
dúvidas, quanto ao que estava acontecendo entre nós.
- Eu deveria ter dúvidas?
Aquela mulher fascinante nunca se comportava, ou reagia da maneira
que esperava. Por que agora seria diferente? Ele a segurou pela mão e
pousou-a sobre sua calça, onde pulsava o sexo rígido.
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- Você sabe onde isso acabaria nos levando, não sabe?
Incapaz de resistir à atração, Helene amoldou a palma da mão às
formas viris.
. – Acho... acho que sim.
- Sei que você não quer um marido - ele falou, fitando-a nos olhos
fixamente. - Porém, algum dia, é provável que mude de idéia. Se
fizermos isso juntos, agora, alguma coisa estará faltando, quando se
casar.
Deitar-se com Helene não seria apenas uma fusão de corpos, mas um
encontro de almas. E a dor que sentiria ao vê-la partir talvez fosse
maior do que estava preparado para suportar. Não era direito roubar-
lhe a virgindade e depois mandá-la de volta para Boston. Um homem
de caráter jamais agiria assim, aproveitando-se de um momento de
fraqueza.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
- Mas você me quer, ou não?
Por que essa demonstração de vulnerabilidade o afetava tanto? Por
que essa necessidade instintiva de a reassegurar? Ele a beijou com
todo o autocontrole de que era capaz, reverentemente, delicadamente,
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sem nada do desespero selvagem que pulsava em suas veias. E
quando Helene moveu a mão, ele a prendeu entre as suas.
Ela engoliu as lágrimas de pura frustração. Seu corpo não era seu.
Pertencia a Cooper agora... Será que ele não via isso? Será que não
sabia? Ela daria de bom grado tudo aquilo que possuía, ou desejava,
para ser amada por esse homem.
Por anos lamentara haver nascido mulher, amaldiçoara sua
feminilidade e ansiara ser apreciada e aceita nas mesmas condições
que os homens. Pela primeira vez, com Cooper, estava grata por esse
corpo amaldiçoado. Pela primeira vez, por causa dele, não desejara ser
uma Outra pessoa, ou estar num outro lugar.
E, ironicamente, depois de perceber quão maravilhoso era ser mulher,
o que Cooper fizera? Apenas lhe mostrara, de forma irredutível, que
esse despertar dos sentidos não lhe dizia respeito.
Uma onda de vergonha a inundou de corpo e alma, uma dor
insuportável explodindo em seu peito. A verdade, por mais que
doesse, precisava ser enfrentada. Não estava ali porque Cooper a
quisera. Forçara-se a ser aceita na casa dele, na vida dele e, mais
recentemente, nos braços dele. Pedira por isso!
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Helene afastou-se, cobrindo os seios nus com as mãos. Cooper lhe
entregou a blusa. Envergonhada, ela abaixou o olhar enquanto se
recompunha.
- Helene?
- Não se desculpe por nada.
- Não era o que eu ia fazer.
- Bom.
- Apenas queria saber se você está bem.
Ela não enfrentou seu olhar.
- Estou ótima.
- Talvez... - Cooper fez uma pausa. - Talvez possamos falar sobre isso
dentro de um dia, ou dois. Depois de você ter tido tempo para
pensar.
- Talvez - foi tudo o que ela disse.
Cooper estendeu a mão para tocá-la no ombro, porem um olhar
firme o impediu de completar o gesto. Então apanhou a camisa
jogada no chão e caminhou até a porta.
- Boa noite - falou, saindo do quarto e fechando a porta atrás de si.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Depressa, Helene correu até o baú, tirou uma camisola e vestiu-a
antes de se livrar da saia. Depois escovou os cabelos com força e
guardou as roupas que estivera usando dentro do baú, ansiosa para
apagar todas as evidências de sua tolice.
Então, deitou-se na cama e puxou a pele de urso até o queixo, o peso
e o calor trazendo-lhe lembranças recentes e dolorosas. Lá fora, o
vento uivava.
Sob a camisola de algodão, seu corpo ainda vibrava, os seios
intumescidos e sensíveis. Ele lhe tinha perguntado se sabia onde o
que estava acontecendo entre os dois acabaria levando-os. Sabia sim.
E também sabia como as crianças eram geradas. Graças a Deus as
coisas não haviam chegado tão longe. A última coisa que desejava era
trazer uma filha a esse mundo nojento.
Obrigando-se a relaxar, Helene virou-se de lado e fechou os olhos.
Ficaria presa ali durante todo o inverno. Entretanto, tão logo
chegasse a primavera, tomaria o caminho de volta para Boston. Nessa
mesma época, no próximo ano, tudo isso teria sido apenas um sonho
mau.
Durante toda a longa noite, Helene alternou momentos de vigília e
momentos de sono agitado. E quando conseguia dormir, sonhava
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com uma pele de urso às suas costas... um peito largo pressionando
seus seios ... beijos perturbadores e incríveis olhos azuis. E, nos seus
sonhos, ela chorou.
CAPÍTULO XIV
Não sendo o tipo que costumava sentir pena de si mesma, Helene se
armou de determinação para preparar o café da manhã. Desde que as
condições do tempo haviam piorado tremendamente, a única refeição
que costumavam fazer na companhia de Chumani e Yellow Eagle era
o jantar, portanto Helene quase não deixava a casa.
Cooper saiu do outro quarto, vestindo calça e camisa de couro, o
rosto barbeado.
- Cheira bem - ele falou com naturalidade. Helene o fitou
demoradamente, analisando os ombros largos, a pele bronzeada ...
Os olhares de ambos se encontraram e Cooper sorriu, embora
hesitante. Ela sentiu o coração vir à boca.
- Panquecas. Enfim consegui fazê-las sem deixar queimar um dos
lados.
A refeição transcorreu em silêncio.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Tenho algumas coisas para você fazer hoje. Isto é, se quiser -
Cooper se apressou a emendar.
- Claro. Aqui?
- Não. Numa das outras construções.
- Irei encontrá-lo tão logo termine de lavar os pratos.
- Ajudarei você e iremos juntos.
Agradavelmente surpresa, ela concordou.
- Por que você me olhou daquela maneira, quando saí do quarto?
Como acha que me comporto, quando estou aqui sozinho?
Ela apenas balançou a cabeça, sem saber o que dizer. Havia uma
inegável percepção mútua agora. Algo que se revelava no modo como
se falavam, na forma como, cuidadosamente, evitavam tocar-se.
Helene vestiu o casaco e, juntos, abriram caminho na neve, até o
escritório.
- Quero fazer pedidos desses catálogos. A sra. Kell me ajudou uma
vez. - Ele colocou vários catálogos sobre a escrivaninha. - Logo
poderei dar conta de tudo sozinho. Mas, por enquanto, gostaria da
sua ajuda para certificar preços e mercadorias.
- Então o ajudarei.
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- E... - Cooper puxou uma cadeira e sentou-se ao seu lado. - Quero
ter alguns itens do interesse feminino. As noivas se estabeleceram
aqui e, no próximo ano, chegarão mais mulheres.
- Ótima idéia. Você pretende vender esses produtos ao armazém?
- Alguns. Outros serão vendidos nas cidades mineiras. A questão é
que não sei escolher muito bem artigos femininos.
- Claro que sabe.
- Como pode ter certeza?
- Lembra-se do chá?
Cooper sorriu.
- Um palpite feliz.
- Bem, pois eu adorei minha latinha de chá. E sei que Evelyn gostou
muito daquela que levamos de presente. - Helene abriu o primeiro
catálogo. - Quanto tempo vai levar? .
- Até que as mercadorias cheguem? Talvez até a primavera.
- Sem dúvida as pessoas têm que aprender a ter paciência aqui.
Ele nada respondeu.
- O que você faz durante todo o inverno, quando as estradas ficam
intransponíveis e é impossível mandar, ou receber mercadorias?
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- Há períodos de bom tempo - Cooper esclareceu. -Mas aproveito
para organizar os suprimentos e cuidar da manutenção das carroças e
diligências. Caço e preparo armadilhas. Pretendo trabalhar no interior
da casa também. O sótão ainda não está terminado.
- Para que servirá o sótão?
- Um lugar a mais para armazenar coisas.
Chumani lhes trouxe o almoço e os três fizeram a refeição juntos.
O tempo passou exatamente como Cooper predissera, os dias cada
vez mais curtos e as noites longas e frias. Ele a mantinha ocupada
durante o dia, fazendo listas e relacionando itens. Certa tarde Helene
o chamou, o cheiro acre do tabaco quase a sufocando.
- Tem mesmo certeza de que esses charutos precisam ser contados
individualmente?
- Devo saber o número exato de tudo o que está no estoque. Aliás,
não tenho mandado muitos charutos para vender fora por causa dos
assaltos. Posso absorver as perdas de um determinado produto
somente se não forem excessivas.
- E você dá tanta coisa - Helene murmurou, pensando alto.
Ele fitou-a, esperando esclarecimentos.
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- Para a reserva.
- É isso o que interessa. É por isso que estou aqui.
- Agora posso entendê-lo. .
Alguns dias depois, durante a noite, Helene foi acordada pelo som de
gritos e vozes alteradas. Imediatamente levantou-se e correu para a
sala. O catre de Cooper estava vazio. Cavalos relinchavam lá fora. Ao
abrir a porta, notou que o celeiro brilhava estranhamente, envolvido
numa luz alaranjada.
Fogo!
Em pânico, foi até o quarto e calçou as botas, jogando um casaco
sobre a camisola. Sua respiração ofegava quando, enfim, venceu a
distância que a separava da cena terrível. Cavalos e mulas, tendo sido
fechados no curral, urravam de medo. Outros animais corriam soltos,
assustados. Cooper, nu até a cintura, e suando apesar do frio, tentava
apagar com um pedaço de lona as chamas que lambiam uma das
paredes do celeiro.
Helene sentia-se presa do mais puro terror. Jack lhe meteu um balde
nas mãos.
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- Vá apanhar um pouco de neve dos barrancos. Ela obedeceu,
juntando neve no balde tão depressa quanto era capaz. Chumani e
Yellow Eagle faziam o mesmo e, por diversas vezes, os três quase
colidiram. O odor forte de madeira queimada penetrava-lhe as
narinas, sufocando-a. Cooper trabalhava como um louco, não
parando um instante até o fogo estar apagado.
Um buraco negro e enorme expunha o interior do celeiro. Cooper
analisava o estrago em silêncio, os cabelos ensopados de suor, os
dentes cerrados. Por fim, voltou a atenção para os animais presos no
curral.
- Chumani! - chamou. Rapidamente, os dois trocaram algumas
palavras em sioux. A índia voltou correndo para a casa de adobe.
- Helene!
Ela estremeceu, surpresa que Cooper tivesse se dado conta de sua
presença.
- Traga trapos limpos e água morna.
Helene virou-se e correu, como Chumani havia feito momentos
antes. Depois de juntar os trapos, parou, pensando em Cooper sem
camisa, naquele frio. Deixando o leve fardo sobre a mesa, acendeu
um lampião e entrou no quarto no qual nunca havia posto os pés até
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então. Não havia cama, nem armário, ou gavetas. Somente um
enorme baú, coberto com uma pele de animal.
Hesitante, abriu o baú e se deparou com várias peças de roupas
perfeitamente dobradas. Decidiu-se por uma túnica de couro. Ao
retirá-la, esbarrou os dedos num pedaço de papel. O envelope havia
sido enviado de Boston. Helene desdobrou a carta e a leu
rapidamente. Nada de especial. Tess Cordell apenas falava um pouco
sobre si e sobre sua iminente chegada.
Sentindo-se culpada, Helene tornou a guardar a carta no envelope e a
colocou num canto do baú. Então correu para fora.
- Obrigado - Cooper falou surpreso, vestindo a túnica por sobre a
cabeça.
Ela o ajudou a tratar das queimaduras de vários cavalos enquanto Jack
estendia pedaços de lona sobre o buraco aberto no celeiro. Chumani
encarregou-se de ajuntar os outros animais espalhados. O dia ia ama-
nhecendo quando deram o trabalho por terminado.
Helene acompanhou a índia até a casa de adobe e a ajudou a preparar
o café. Yellow Eagle adormeceu sem se alimentar, vencido pelo
cansaço. Cooper e Jack chegaram um pouco mais tarde, pois tinham
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ido se lavar e vestir roupas limpas. Chumani fez com que Helene
colocasse o xale verde sobre a camisola manchada de fuligem.
O rosto de Cooper revelava uma tensão extrema e ele segurava a
xícara de café que Chumani lhe dera sem levá-la aos lábios.
- Devemos agradecer aos espíritos por ser inverno. Se fosse verão,
tudo o que eu tenho, e os arredores, estariam reduzidos a cinzas.
- Há pegadas espalhadas pela área inteira - Jack observou. - Não tem
nevado há alguns dias e com nossos animais soltos... Você foi capaz
de ver algo suspeito?
- Ouvi cavaleiros lá embaixo, junto ao rio - Cooper respondeu. -
Notei marcas de botas ao redor do celeiro.
Alguém, deliberadamente, colocara fogo no celeiro.
Helene sentiu um frio no estômago. Podia ter sido a casa principal...
ou a casa de adobe ...
Os olhos avermelhados de Cooper, por causa da fumaça,
encontraram os seus. Sabia que ele estava pensando a mesma coisa.
- Por quê? - perguntou angustiada.
- Já me fiz essa mesma pergunta centenas de vezes. Talvez porque
alguns dos habitantes dessa cidade me considerem um oglala. Porém,
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sou eu quem abastece todos os brancos da região com os
suprimentos necessários, daqui até Salt Lake City. Por que fariam algo
que acabaria os prejudicando?
- Um concorrente então - ela sugeriu. - Alguém que deseja tomar QS
seus fregueses.
- Talvez. Embora eu não saiba quem.
- O homem do armazém. Ele me causa má impressão.
- Não. Reavis não é tão ambicioso.
Lembrando-se do estado da loja de Reavis, imunda e desorganizada,
Helene foi obrigada a concordar.
- Quem sabe um dos homens que revendem sua mercadoria longe
daqui?
- Pensei nisso também. Mas são todos colonos que têm família e
precisam trabalhar duro para sobreviver. Não iriam destruir uma
fonte de renda.
- A carroça de transporte de carga, a diligência e agora seu celeiro. É
quase como se fosse um ataque pessoal a você.
Helene pensou em Wiley, porém não disse nada.
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Ele aparecera na época que os assaltos estavam acontecendo. Será que
Wiley e Cooper se conheciam antes? Claro que não se tratava de uma
vingança, por ela o ter recusado. Wiley parecia não ter se incomodado
tanto assim e já se mostrava interessado em Chumani.
- Você viu os assaltantes - Cooper falou, interrompendo o curso de
seus pensamentos. - Ferlie não foi de muita ajuda em descrevê-los.
- Eram homens comuns. Usavam luvas, chapéus e bandanas que lhes
cobriam metade do rosto. Realmente não pude vê-los com clareza.
- Deve haver alguma coisa da qual você se lembra.
- Eu estava aterrorizada, quase fora de mim. Não prestei atenção em
muitos detalhes.
Um silêncio demorado caiu sobre o grupo. De repente, Helene
recordou-se do bracelete. Tocaria no assunto quando estivesse a sós
com Coopero Não queria colocar Chumani numa posição
desagradável. Afinal, a coitada não tinha nada a ver com o roubo.
Felizmente Cooper tinha um bom suprimento de madeira e pregos,
assim os reparos no celeiro puderam ser feitos durante a tarde. Graças
a Deus quem quer que tivesse feito aquilo, não pusera fogo nas outras
construções também. Com certeza não tinham idéia do valor, e da
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extensão, dos bens de Coopero Entretanto sabiam da importância do
celeiro para o armazenamento da mercadoria destinada à reserva.
Antes de irem jantar, Helene o chamou de lado.
- Tem uma coisa que preciso lhe contar.
Ele largou o martelo, a exaustão evidente em cada um de seus
movimentos.
- Você quer confessar que não sabe andar a cavalo.
- Não! Que foi que lhe deu essa idéia?
Cooper deu de ombros, cansado demais para entrar em detalhes.
- Lembra-se de quando lhe falei que os assaltantes haviam roubado
minhas jóias?
- Sim.
- Eu tinha um bracelete de prata, com minhas iniciais gravadas.
Nenhum comentário.
- Chumani estava usando o bracelete, quando voltamos da reserva.
- O que você está tentando dizer? - ele perguntou muito sério.
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- Não estou tentando dizer nada. Estou apenas expondo os fatos. O
bracelete foi roubado de mim no assalto à diligência e agora está em
poder de Chumani.
- Por que você não me disse antes?
- Não vi motivo. Sei que não foi ela quem o roubou de mim. Estou
certa de que o recebeu como presente, ou que o trocou por alguma
outra coisa. O bracelete pode ter passado por várias mãos, antes de
chegar às de Chumani.
- Está bem - ele falou afinal. - Você o quer de volta?
- Não. O bracelete em si não é importante. E pertence a ela agora.
Porém, durante o jantar, Cooper fez algumas perguntas a Chumani. A
índia imediatamente levantou-se e, depois de abrir uma cesta, trouxe
o bracelete de prata.
- É mesmo seu? - Cooper indagou a Helene, erguendo a jóia.
- Era.
- Essas letras gravadas não querem dizer nada .
- São iniciais - ela explicou. -,- H para Helene, C para Claire, W para
Wainwright. - As letras são rebuscadas.
- É o estilo da gravação.
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Cooper tornou a se dirigir a Chumani.
- Ela ganhou o bracelete da irmã, Standing Deer. Standing Deer o
recebeu de Not Help Him em troca de algumas contas. Antes disso,
quem sabe?
- Foi o que imaginei.
- Nada de aula hoje à noite, Yellow Eagle - Cooper falou, mudando
de assunto.
- Ah, não...
- Você tirou uma boa soneca à tarde, mas nós apenas dormimos umas
duas horas na noite passada. Jack e eu nos revezaremos para
inspecionar todas as construções.
- Posso ajudar! - o garoto se ofereceu, ansioso.
- Você pode ajudar fazendo exatamente o que sua mãe mandar e não
saindo sozinho depois de escurecer.
Yellow Eagle cruzou os braços, emburrado.
. - Talvez Helene o deixe ajudá-la amanhã, no trabalho que estará
fazendo - Cooper sugeriu, sabendo o quanto o sobrinho ficaria
entediado sem ter o que fazer.
Que será que estaria fazendo amanhã? Helene pensou.
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- Tenho algumas peles de castor que precisam ser arrumadas em
fardos. Vou lhe mostrar como se faz, Helene. É preciso apenas
colocá-las bem esticadas, umas sobre as outras, na prensa, amassá-las
e passar uma braçadeira em volta. É fácil, você verá.
- Parece que precisarei de ajuda. - Ela deu um tapinha no ombro de
Yellow Eagle, ainda insegura de que agora era realmente aceita. O
menino não mais lhe dissera algo rude desde que recebera amuleto.
Dando a impressão de estar satisfeito com o arranjo, Yellow Eagle
lhes desejou boa noite e foi dormir.
- Fale-me sobre o pai de Yellow Eagle - Helene pediu a Cooper,
quando os dois voltavam para a casa principal.
- Plenty Wolves era muito semelhante a Running Elk. Um guerreiro
corajoso, bom marido e pai orgulhoso. Costumávamos caçar juntos
no inverno.
Cooper abriu a porta e esperou que Helene entrasse. Depois
sentaram-se diante da lareira.
- Ele foi morto durante uma de nossas últimas tentativas de não
sermos transferidos para a reserva. Estava levando uma mensagem
para o exército e foi baleado.
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- Que horrível. Você sabe quem o matou?
- Sei o que o matou. Um rifle do exército.
Helene lembrou-se de todas as coisas que Yellow Eagle lhe tinha dito
quando o conhecera. A amargura do menino fazia sentido.
- Esse acontecimento com certeza muda a maneira de encarar os dois
lados da história.
Por um longo instante Cooper a fitou, reparando como os cabelos
escuros brilhavam à luz do fogo. Não estivera desejando analisar os
dois lados da história de Helene quando ela chegara e mudara com-
pletamente sua vida. Agora que conhecia um pouco da alma dessa
mulher, sua percepção dos fatos também mudara.
- A maioria das pessoas tem a mentalidade estreita demais para ao
menos considerar a existência de um lado da história que não seja o
seu - ele respondeu.
Desde o primeiro momento, Helene o surpreendera. Não era a
coisinha dependente e indefesa que julgara a princípio. Não, ela se
provara capaz, trabalhadeira, à altura de qualquer tarefa. A esposa de
Angus, Evelyn, nem sequer tentara se ajustar à nova vida. Helene,
entretanto, procurara se adaptar com uma determinação quase
obsessiva.
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Parte disso devia-se à crença de que valia menos que os irmãos.
Quisera ter o direito de dizer-lhe o quanto a considerava linda, e não
apenas na aparência. Sua beleza exterior era tão grande porque ia além
da pele.
Contudo não a deixaria feliz se dissesse que a apreciava somente por
ser mulher. Diria também que admirava sua força. Que a considerava
inteligente e espirituosa. Porém sabia que devia calar-se. Helene tinha
um objetivo na vida e, sendo uma das pessoas mais determinadas que
jamais conhecera, não sossegaria enquanto não o alcançasse. Voltaria
para Boston levando as histórias sobre o Oeste consigo e retomaria o
curso de sua vida.
- Helene? - Cooper falou, antes mesmo de saber o que pretendia
dizer.
- Sim?
Ela não estava destinada a lhe pertencer. Tinha uma família rica à sua
espera.
- Espero que suas histórias lhe tragam tudo o que deseja.
- Como o quê?
- A aprovação de seu pai, por exemplo.
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- É tão óbvio assim?
- Tive tempo bastante para chegara certas conclusões.
- É, acho que sim. - Ela corou e abaixou o olhar.
- Espero que você também consiga tudo o que deseja.
- Por exemplo?
- Lucros suficientes para ajudar os oglala. Uma esposa.
A idéia não o atraía, especialmente sugerida por aqueles lábios.
- Você ainda quer uma esposa, não quer? - Helene insistiu.
Cooper pensou em todos os invernos solitários que estariam à sua
frente. Os invernos depois de Helene. Porém a vida na fronteira não
era para mulheres como ela. Mulheres refinadas costumavam se
tornar descontentes, infelizes. Não sabia o que lhe passara pela
cabeça, para publicar um anúncio como aquele. Agora pensava de
forma diferente. Sabia que o amor não era bastante para manter uma
mulher ali.
Amor. Não tinha idéia de como essa palavra surgira em sua mente
assim, saída do nada.
Ele estudou o rosto delicado, as feições iluminadas por um sorriso
suave. Helene aguardava uma resposta.
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- Já sou capaz de ler, escrever e fazer contas. Se precisar de uma
mulher, provavelmente a trarei da reserva.
No mesmo instante o sorriso se apagou e Helene desviou o olhar.
- Pelo menos você saberia que ela lhe seria grata.
- O que você está querendo dizer?
- Estou querendo dizer o que eu disse. Qualquer mulher ficaria
satisfeita de sair da reserva para viver aqui.
Cooper olhou ao redor. Qualquer mulher ficaria feliz morando ali,
exceto Helene, que devia considerar a casa algo digno de pena,
considerando o luxo a que estava acostumada.
Ela se levantou e caminhou para o quarto.
- Boa noite. Vejo-o amanhã de manhã.
Helene fechou a porta atrás de si, perguntando-se por que a decisão
de Cooper a perturbava tanto. O vazio em seu peito era tão grande
que ameaçava sufocá-la. Depois de trocar-se, sentou-se na beirada da
cama, os olhos fixos no fogo ardente na lareira. Que sonhos estivera
alimentando em silêncio, quase sem perceber? Que Cooper iria lhe
pedir para ficar? Que se daria conta de que não podia viver sem ela?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene cobriu o rosto com as mãos, como se quisesse se esconder de
si mesma. Desde aquela noite ali no quarto, sobre aquela cama,
Cooper vinha encontrando numerosas tarefas para mantê-la ocupada.
Saber o que estava por trás disso a magoava tremendamente. A
princípio, achara contar charutos e saquinhos de tabaco um tanto
desnecessário, porém acreditara que Cooper tivesse suas razões.
E ele tinha sim. Da mesma forma que seu pai e irmãos, também
costumava salientar a importância das tarefas que lhe designava,
quando sua única intenção era fazê-la se esquecer do que realmente
queria.
Ela inspirou fundo, amaldiçoando a própria ousadia.
Pedira a Cooper para tocá-lo, pedira-lhe para tocá-la. Atirara-se nos
braços dele!
Cooper retribuíra designando-lhe tarefas, afastando-a do
relacionamento físico que a imaginara desejando. Vamos, Helene.
Mantenha-se ocupada e fique longe de mim até que eu possa colocá-
la de volta naquela diligência. Devia ser exatamente isso que ele
pensava.
Ele precisara dela apenas para ensiná-lo, e ao sobrinho, a ler e
escrever. Atingido o objetivo, a considerava agora uma chateação.
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Pois bem, iria lhe mostrar! Não precisava de Cooper ou de seus
charutos perfumados para se distrair. Irritada, deitou-se e puxou as
cobertas até o pescoço. Era uma escritora! Tinha pilhas de papel,
potes de tinta e muitas aventuras para contar. Iria escrever e que
Cooper DeWitt fosse para o inferno.
- Arrumarei os fardos de peles de castor porque prometi a Yellow
Eagle que ele me ajudaria - ela falou; na manhã seguinte. - Mas depois
gostaria de algum tempo livre para trabalhar nas minhas histórias. Sei
que estou em débito com você, por causa da hospedagem, porém
preciso ter tempo livre para mim mesma também.
Ele a tinha feito trabalhar pela manhã, à tarde e à noite, Cooper
pensou com uma pontada de culpa. Helene ajudava Chumani a
cozinhar e lavar, além de supervisionar seus estudos e os de Yellow
Eagle. Encarregara-a de pequenas tarefas porque não a queria
entediada. Não era de se estranhar que necessitasse de tempo para si
mesma.
- Entendo - respondeu simplesmente.
DeWitt havia mencionado algumas peles de castor, sem especificar a
quantidade exata. Ela e Yellow Eagle acabaram levando o dia inteiro
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para arrumar os fardos. Depois disso, adquirira o hábito de passar as
tardes em casa.
Durante a semana seguinte, o tempo esteve relativamente agradável e
Wiley foi visitar Chumani todos os dias. Tão logo a índia
compreendeu estar sendo cortejada, mostrou-se satisfeita com as
atenções recebidas.
Cooper aproveitou para ir à reserva, desejando descobrir como o
bracelete de prata fora parar lá.
Sozinha em casa, Helene preparou uma xícara de chá e sentou-se
diante do fogo, com papel e tinta. Depois de um certo tempo, foi até
a latrina e ao retornar, notou uma figura alta no meio da sala. Por um
instante, pensou tratar-se de Cooper e seu coração disparou. de
alegria. Entretanto não tardou muito para que o contentamento inicial
se transformasse em medo.
Last Horse.
Ele se moveu depressa. Helene ergueu o punho para esbofeteá-lo,
porém não teve tempo nem sequer de gritar. A mão áspera se fechou
sobre sua boca enquanto era pressionada junto ao corpo rígido.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Apesar de chutar e espernear, foi arrastada para os fundos da casa, do
lado oposto às casas de adobe e ao celeiro. Ali, dois guerreiros
aguardavam o chefe, a corda pronta para amarrá-la.
Diante da visão aterradora, Helene lutou com todas suas forças para
libertar-se, porém Last Horse a manteve firme enquanto um dos
índios metia-lhe um lenço na boca e outro amarrava-lhe os pés e as
mãos e a envolvia numa pele grande.
Então Last Horse a jogou sobre os ombros, como se fosse um
animal, e correu até as margens congeladas do rio, onde três cavalos
os esperavam.
O pesadelo tinha início.
Sentia-se zonza. Não podia respirar. O cavalo galopava com tamanho
vigor que seus dentes iriam chocar-se uns contra os outros, se não
fosse pelo lenço em sua boca.
Seqüestrada! De repente, tudo aquilo que lera nos romances veio-lhe
à mente. Índios faziam coisas medonhas com as mulheres brancas.
Tinha todo o direito de estar aterrorizada.
Não. Não. Mas esse não era um índio qualquer. Era o irmão de
Coopero Filho de Running Elk. Não iria machucá-la. Ou iria? Muitas
mulheres brancas haviam sido raptadas e nunca mais tornaram a ser
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vistas. Algumas tinham sido estupradas e mortas. Outras,
escravizadas.
Não, isso não iria lhe acontecer. Cooper chegaria em casa e notaria
seu sumiço. Ele fora criado com os oglala e saberia como rastreá-los.
Todavia, Last Horse sabia como disfarçar o rastro de tal maneira que
mesmo outros índios teriam dificuldade em encontrá-lo. Porém não
era fácil apagar as pegadas na neve...
Helene procurou manter a calma, aliviada por trazer a pequena arma
num dos bolsos da saia. Enquanto Last Horse desconhecesse a
existência da arma, possuía uma chance de se defender. Quando
chegasse o momento certo.
A cavalgada pareceu durar para sempre. Pararam apenas uma vez,
para Last Horse mudá-la de posição sobre a sela, o que lhe trouxe
certo alívio. Seus pulsos e tornozelos latejavam, as costelas doíam,
devido ao atrito constante com a sela. Felizmente a pele lhe fornecia
calor e um mínimo de proteção contra o roçar constante.
Por fim os cavalos voltaram a parar. Ela foi erguida e colocada no
chão. Os índios conversaram entre si durante alguns segundos.
Depois de vários minutos, tiraram a pele que a cobria, sem, no
entanto, livrar seus pulsos e tornozelos da corda. Helene piscou mui-
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tas vezes, incapaz de enxergar com clareza. Já era noite. Eles estavam
acampados numa pequena caverna. Last Horse a colocou sentada, as
costas apoiadas numa pedra fria e então foi sentar-se junto ao fogo,
perto dos companheiros.
Algum tempo depois, trouxe-lhe uma pequena porção de carne seca e
água. Com movimentos rudes, libertou suas mãos e tirou o lenço de
sua boca.
Helene bebeu a água lenta e demoradamente.
- O que você vai fazer comigo? - perguntou, as palavras sendo
pronunciadas com dificuldade por causa da garganta que continuava
seca.
- Coma - Last Horse falou apontando para a carne . e voltando para
perto do fogo.
Sem vontade, mas sabendo que precisava manter-se forte, Helene
mastigou a carne dura e salgada.
Depois de uma hora, ou um pouco mais, os oglala acenderam os
cachimbos e puseram-se a fumar. O cheiro forte do tabaco a fez
pensar no pai... em Cooper... em estar em casa, em segurança.
Encostada na pedra fria, longe do fogo, sentia-se gelada até a alma.
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Por fim, já não pôde suportar o desconforto e a dor na bexiga. Apesar
do embaraço, não havia outra alternativa.
- Last Horse.
Ele virou-se para fitá-la.
- Preciso ir nos arbustos.
Deixando o cachimbo de lado, o índio foi ao seu encontro e lhe
desamarrou os tornozelos.
- Se você fugir, eu a encontrarei. Ou então morrerá, enregelada.
As palavras dele a fizeram estremecer, porque sabia estar ouvindo a
verdade. Aquela não era a hora de usar a arma, nem de tentar escapar.
Se quisesse viver, precisava planejar cada passo calmamente.
Devagar, Helene se afastou do acampamento, a neve fofa fechando-
se ao redor de seus pés. Certificando-se de que ninguém podia vê-Ia,
aliviou-se. Então se re compôs e tentou voltar para o local de onde
viera. Mas estava tão escuro. Não sabia qual direção tomar. Porém
preferia morrer de frio a ter que chamar Last Horse. o
De repente uma mão saiu da escuridão e a agarrou pelo braço,
fazendo-a prender a respiração ao reconhecer o cheiro de tabaco e
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suor. Last Horse a conduziu de volta para a caverna e estendeu a pele
no chão, junto ao fogo.
- Venha.
Muitas vezes ouvira Cooper dizer essa mesma palavra, entretanto
nunca lhe soara como uma condenação. Angustiada, obedeceu.
De nada serviria tentar correr. Eles eram três. Maiores e mais rápidos.
E mesmo se, por um milagre, conseguisse escapar da caverna, ficaria
perdida nos arredores e, ao amanhecer, estaria morta de frio. O
instinto de sobrevivência falou mais alto.
- Deite-se.
Helene fez o que lhe foi ordenado. Last Horse voltou para junto dos
companheiros.
Devagar, as o batidas de seu coração retornaram ao ritmo normal.
Sentindo o calor se espalhar por seus membros endurecidos,
conseguiu relaxar, a mão dentro do bolso da saia, apoiada sobre a
coronha da arma. Então tocou a pedra presa pela tira de couro.
"Você pode rezar para os espíritos agora, Helene."
Não sabia como fazê-lo. Porém Cooper acreditava nisso. De súbito,
foi tomada pelas lembranças do que acontecera naquela noite, na
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tenda do yuwipi. Podia ouvir a marcação dos tambores, o odor das
folhas secas sendo queimadas, a presença forte de Cooper ao seu
lado, o homem em quem aprendera a confiar... e com quem se
importasse!. O homem que passara a preencher todos os seus
pensamentos e se apossara de seu coração. Ela fechou os olhos e a
pedra foi ganhando calor.
Cooper. Cooper, encontre-me.
CAPÍTULO XV
No meio da tarde, Cooper retornou para a casa silenciosa. Mesmo o
fogo da lareira tinha se apagado. Presumindo que Helene estivesse na
casa de adobe, acendeu o fogo, fez café e, enquanto tomava o líquido
quente, repassou mentalmente os eventos do dia.
Primeiro, conversara com a irmã de Chumani. Ela mencionara uma
prima, que citara o nome de uma outra pessoa, até que sua busca o
conduzira a Walks Alone, a mulher que Last Horse costumava visitar
na reserva.
Obviamente Walks Alone fora influenciada por Last Horse no seu
ódio a Cooper, pois se negara a dar qualquer informação e parecera
desdenhar os suprimentos recebidos na reserva.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Cooper voltara para casa sem haver chegado a conclusão alguma. Se o
bracelete tivesse vindo de Last Horse, ele podia tê-lo conseguido em
centenas de lugares diferentes. Seu irmão índio possuía conexões com
todos os mercadores de uísque desonestos e todos os donos de
armazém do território. E jamais daria respostas às suas perguntas.
Também já não sabia onde Last Horse e seu bando passavam o
inverno.
Sentindo fome, apanhou o casaco e rumou para a casa de adobe. Com
certeza as mulheres já teriam preparado o jantar.
Chumani tirou a chaleira do fogo e o cumprimentou com um aceno.
- Oi, Cooper! - Yellow Eagle pulou nas costas do tio, sorrindo feliz.
Cooper o abraçou antes de colocá-lo no chão. Então, aproximou-se
do fogo, de olho nas panelas.
- O cheiro está bom.
- Ensopado de esquilo - Chumani explicou, na língua dos oglala. -
Yellow Eagle matou um esquilo com arco e flecha, essa manhã.
- Ah, Yellow Eagle, que ótimo caçador você é! Acabou
providenciando nosso jantar. Onde está Helene? - indagou,
imaginando que ela tivesse ido até a latrina.
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- Deve estar na casa principal - Chumani respondeu. - Não a vimos o
dia todo.
Imediatamente Cooper foi tomado pela inquietude.
- Você não a viu o dia inteiro? E quanto a você? - perguntou, virando-
se para o sobrinho.
- Fizemos nossas lições pela manhã e então vim para casa. Não a vi
desde então.
No mesmo instante Cooper apanhou o casaco e depois de checar a
latrina, foi até o escritório e o celeiro, onde encontrou-se com Jack.
- Viu Helene?
- Não. - O velhote estava cozinhando feijão para o jantar, a panela
sobre uma fogueira. - Não a vi hora nenhuma.
Correndo, Cooper voltou para casa principal. A capa nova de Helene
estava dependurada no cabide, junto à porta. As botas que lhe dera,
para usar sobre os sapatos, continuavam num canto.
Os papéis, pena e tinta estavam sobre a mesa, como se houvessem
sido usados recentemente. Talvez ela estivesse dormindo. Ao chegar
ao quarto vazio, a sensação de alarme expandiu. As roupas femininas
estavam cuidadosamente dobradas no enorme baú. Num impulso,
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tocou as peças de algodão e seda e era como se tocasse a pele branca
de Helene. Apesar da angústia crescente, procurou sufocar o pânico.
A valise de couro guardava livros e papéis. O pente que lhe dera
continuava sobre a cômoda.
Nada faltava.
Nada, à exceção de Helene. Apressadamente, vasculhou as gavetas. A
arma também sumira.
Mesmo sabendo que não ia encontrá-la, vistoriou o outro quarto e o
sótão antes de checar os arredores. Não havia nevado recentemente,
assim tornava-se difícil distinguir pegadas novas de antigas. Contudo,
nos fundos da casa, descobriu várias marcas de mocassins e
contornos de botas pequeninas e pontudas.
Checando cada canto ao redor da casa, notou que as pegadas iam na
direção das margens congeladas do rio, onde havia sinais de cavalos.
Cooper correu até o celeiro e, juntamente com Jack, estudaram as
possibilidades. Nenhum de seus cavalos tinha chegado perto do rio há
dias.
Wiley. Cooper não sabia muito bem como aquele nome lhe viera à
cabeça. Embora obviamente interessado em Helene, Kincaid sempre
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
fora direto, franco. E, nos últimos tempos, parecia haver mudado o
foco de sua atenção para Chumani. As marcas de cascos não seguiam
em direção à casa de Kincaid, mas sim a noroeste do rio.
- Empacote-me alguma comida - Cooper disse a Chumani.
- O que aconteceu? - Ela seguiu os homens até a porta, apreensiva.
- Não sei. - Percebendo o brilho de alarme nos olhos escuros, Cooper
não se deixou afetar. Precisava manter a cabeça fria. - Cavaleiros
estiveram junto ao rio. Parece ter havido uma pequena confusão
perto dos fundos da casa. Todas as coisas de Helene ainda estão lá
dentro. Capa, livros, roupas, tudo.
- Ela está sem capa, nesse frio? - a índia indagou ansiosa.
O rostinho de Yellow Eagle se contraiu, preocupado. - Posso ir com
você? - perguntou a Cooper.
- Não. Fique para tomar conta de sua mãe.
O menino tomou a mão da mãe entre as suas, decidido.
- É o que farei.
- Você não devia ir só - Jack falou, enquanto atravessavam o quintal.
.
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- Mas sua presença é necessária aqui, para cuidar dos dois - Cooper
argumentou, indicando a casa de adobe. - E as mercadorias precisam
ser armazenadas no celeiro. Vou passar na casa de Kincaid primeiro.
Se ele quiser, poderá me acompanhar.
- É melhor levar dois cavalos. Irei aprontá-los. Cooper encheu um
alforje com o que julgava essencial, além da capa e luvas de Helene.
Vestido com roupas quentes, partiu para a casa de Kincaid.
O amigo o viu aproximar-se de longe e foi encontrá-lo, diante do
celeiro.
- O que o traz aqui a uma hora dessas? Ainda não tenho nenhuma
sela pronta.
- Helene desapareceu - Cooper falou imediatamente. - Sabe algo a
respeito?
Wiley não pôde conter o espanto.
- Bem ... droga, não! Que história é essa de "desaparecida"?
Cooper explicou os acontecimentos recentes.
- Vou seguir as pegadas encontradas perto do rio, descobrir aonde
levam.
- Quer companhia?
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- Eu estava esperando que você se oferecesse para me acompanhar. -
Wiley estava acostumado a perambular pela região e seria um parceiro
adequado.
- Deixe-me apanhar minhas coisas.
O tempo gasto antes de conseguirem chegar ao rio preocupou
Coopero Quem quer que a tivesse levado, já havia alcançado uma boa
dianteira.
Os cavaleiros, sabiamente, tinham percorrido os barrancos
congelados junto ao rio. Não se percebiam pegadas distintas, embora
Cooper conseguisse notar pequenos sinais de que estava na trilha
certa. Quando o sol começou a se pôr, na linha do horizonte, nuvens
escuras foram se avolumando no céu. Se nevasse, perderia a trilha por
completo. Assim, apertou o passo. O território de Dakota era vasto e
cheio de perigos. E esse rasto tênue sua única esperança de encontrar
Helene.
Chorar não adiantaria nada. Ninguém nunca prestara atenção às suas
lágrimas quando era criança, quem diria agora. Helene sufocou o
pranto, fitando os índios disfarçadamente. Eles haviam passado a
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última hora bebendo, rindo e gesticulando muito. Um por um,
acabaram deixando o cachimbo de lado e indo deitar-se.
Last Horse cambaleou ao ficar de pé e caminhar na sua direção.
Helene fechou os olhos.
Ele deitou-se às suas costas, o cheiro forte de suor e uísque dando-lhe
náuseas e obrigando-a a respirar pela boca para escapar ao odor
insuportável.
Ao sentir Last Horse pegá-la pelos cabelos com força, Helene ficou
imóvel, silenciosa, apesar de à beira do pânico. Com o coração aos
pulos, suportou o toque dos dedos grosseiros sobre seu rosto e na
curva do pescoço.
Somente por causa do esforço extremo, ela não gritou, ou vomitou,
reações naturais ao pavor intenso. Em vez disso, fingiu estar
dormindo, segura em casa, na casa de Cooper. Fingiu que nada disso
estava acontecendo e que na manhã seguinte acordaria desse pesadelo
para retomar sua rotina.
Duas balas. Quando seria o momento certo de usa-las? Se Last Horse
tentasse violentá-la e o alvejasse, os outros iriam ouvir o barulho. Se
tivesse muita sorte, poderia acertar mais um dos dois guerreiros.
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Que fazer? Permitir os avanços para se manter viva? Quando a ponta
dos dedos ásperos a tocaram perto dos lábios, Helene estremeceu de
maneira incontrolável, todo seu ser rejeitando o contato. Então,
lembrou-se dos carinhos e beijos de Cooper, e desejou que ele hou-
vesse ido até o fim. Pelo menos assim teria uma lembrança bela para
guardar dentro do coração, antes que esse homem a arruinasse para
sempre.
Cuidadosa e distintamente, ela procurou separar a mente do corpo.
Last Horse a roçava nos ombros, porém era uma outra pessoa a quem
tocava. Não queria sentir o bafo quente em seus ouvidos, nem a
respiração entrecortada.
Num gesto inconsciente, seus dedos se fecharam ao redor da pedra e
Helene rezou para os espíritos, para Deus, ou Cooper, ou quem quer
que a tivesse ouvindo. Encontre-me, Cooper. Encontre-me.
Às suas costas, o som da respiração de Last Horse foi se tornando
regular e a mão ficou pesada sobre seu ombro. Depois de alguns
instantes, ele roncava.
Devagar, Helene retirou a mão de sobre o ombro e puxou a pele que
a cobria até o pescoço. A pele cheirava mal, porém estava aquecida e
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não lhe fora feito nenhum mal. Segurando a pedra com força,
agradeceu aos céus e adormeceu.
A pedra no peito de Cooper pulsava. Isso acontecera apenas uma ou
duas vezes, até recentemente, quando Helene encontrara a própria
pedra. Desde então, a sua parecera ganhar vida. Ele fitou o teto da
tenda que armara para passar a noite e tocou a sicun. Uma imagem do
rosto tenso de Helene, banhada numa luz alaranjada, tomou conta de
seu ser.
A visão inesperada o sobressaltou, fazendo-o largar a pedra. Não
havia visto nada assim, tão claramente, desde quando o yuwipi o
fizera fumar uma mistura sagrada de ervas, tempos atrás.
Entretanto não tinha dúvidas de que vira o rosto de Helene, num
local estranho, e estava certo de que a visão não havia sido produto
da imaginação.
Uma vez mais, cheio de expectativas agora, Cooper segurou a pedra.
A sicun estava quente. Fechando os olhos e ignorando o ronco de
Kincaid, concentrou-se.
Novamente o rosto pálido e aflito lhe apareceu. Ela lhe pedia algo...
implorava pela sua presença ...
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Helene estava com medo, mas calma. A salvo das intempéries do
tempo.
Cooper conseguiu enxergar também paredes de pedra e uma fogueira.
No mesmo instante, virou a cabeça para o norte. Noroeste de onde
ele e Kincaid haviam acampado essa noite. Bem além do rio.
Como pudera saber disso? Estariam os espíritos tentando conduzi-lo
até Helene? Nada mais lhe veio à mente e Cooper adormeceu,
agradecendo aos céus. Logo antes do amanhecer, acordou, a pedra
pressionando-lhe o peito.
Ele a segurou com força, porém nenhuma outra imagem lhe foi
revelada. Vestindo apenas tanga de couro, os cabelos longos, soltos
sobre as costas, deu boas-vindas à manhã, entoando cânticos nas
quatro direções, rezando para que os espíritos o guiassem.
- Você vai congelar as melhores partes de seu corpo ficando assim -
Wiley observou, saindo da tenda.
Rapidamente, Cooper vestiu-se, colocando então a capa e as botas.
- Sei qual direção eles tomaram.
- É para onde seguem as pegadas?
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- Sim. Contudo hoje nos afastaremos do rio e iremos para o oeste.
- Como pode ter tanta certeza? - Wiley:y indagou, curioso.
- Meu amuleto me disse.
- Se acha que vou fazer algum comentário sobre isso, esqueça.
Conheci um mestiço que podia prever o tempo pela maneira como os
grãos de café se esparramavam.
- Ótimo. Coma algo e vamos partir.
- Será perigoso ficarmos num espaço aberto, se começar a nevar -
Wiley falou sensatamente.
- É verdade. Todavia não tenho muita escolha. Sei que ela está em
algum lugar dessa imensidão e não vou abandoná-la. Você pode
voltar para casa agora, se quiser. Provavelmente é a coisa mais segura
e sensata a fazer.
- Não. Continuarei até o fim. Não poderia viver comigo mesmo se a
abandonasse à própria sorte sem ao menos tentar. Helene não se
interessa por mim romanticamente, mas isso não quer dizer que não a
considere alguém especial.
Especial. De alguma maneira, aquela palavra parecia banal demais
para descrever Helene. Extraordinária. Revigorante. Encantadora.
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Essas sim, eram palavras à altura dela. Cooper quase riu alto da
própria tolice. O que um desbravador como ele sabia sobre descrever
mulheres?
- Existe alguma coisa, não é? - Wiley indagou sério. - Entre vocês
dois.
Antes, negara o fato enfaticamente. Negara a verdade para Kincaid.
Negara-a para si mesmo. Fora covarde demais para reconhecer o
quanto a queria, sabendo ter que suportar a rejeição, ao vê-Ia partir.
- Sim - admitiu afinal. - Existe algo entre nós dois:
Algo que o consumia por dentro e o enlouquecia de pavor diante da
possibilidade de que Helene estivesse ferida, ou amedrontada. Algo
que o desesperava ao pensar no destino que podia aguardá-la naquela
imensidão gélida e inóspita. Algo que o impelia a empregar cada fibra
de seu ser, cada gota de seu sangue, para encontrá-la.
E quando a encontrasse, iria apertá-la junto ao peito até entender que
sentimento era aquele, até que o medo de perdê-la o deixasse.
E iria encontrá-la.
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As costelas de Helene doíam e a garganta parecia em carne viva por
causa do vento cortante. Ela cavalgava sentada à frente de Last
Horse, embrulhada numa pele de búfalo, os braços grossos passados
ao seu redor. Ele lhe dera comida e a aguardara ir até os arbustos,
para cuidar das necessidades físicas. Nem por um instante permitira
que um dos outros índios se aproximassem. Talvez devesse se sentir
grata.
Com freqüência, as patas dos cavalos expunham ossos de antílopes
ou veados, enterrados na neve, porém Helene temia que fossem
humanos e que, logo, os seus se juntariam a essa ossada.
A beleza da paisagem desolada parecia adequada ao desespero
silencioso que ameaçava estrangulá-la. Nessas últimas horas, havia
revivido sua vida inteira, ouvindo as vozes dos pais e dos irmãos,
lembrando-se da segurança de Boston comparada à vastidão desco-
nhecida que a cercava. Sua própria vulnerabilidade esmagava-lhe a
alma com mão de ferro.
Eles pararam por volta do meio do dia e depois de comerem uma
refeição fria, puseram-se outra vez a caminho. No final da tarde,
Helene sentia os pés dormentes e o corpo exausto, caindo numa
espécie de torpor que era quase uma bênção. Ao tornar a abrir os
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olhos, descobriu um agrupamento de tendas pintadas de branco e
enfeitadas com desenhos de animais e sinais incompreensíveis. As
tendas não obedeciam a uma ordem em particular e todas estavam
voltadas para a mesma direção. Logo atrás, uma pequena floresta
protegia a aldeia da força do vento.
Cães foram os primeiros a ir ao encontro dos recém-chegados. E
embora abanassem o rabo e mantivessem as orelhas eretas, nenhum
deles latia e esse silêncio a encheu de admiração.
Homens, mulheres e crianças, entretanto, os receberam com gritos
entusiasmados. O modo como se vestiam só podia ser descrito como
bizarro, numa combinação variada de cores e texturas, misturando
trajes índios com peças que haviam pertencido a brancos.
Muitos usavam braceletes de cobre com pingentes de contas
coloridas. Outros usavam escalpos dependurados no peito. Ao se dar
conta do que se tratava, Helene sentiu os cabelos da cabeça se
arrepiarem.
Os índios a fitaram e avançaram na sua direção, fazendo-a pensar nas
histórias que lera sobre brancos torturados. Se antes lhe tinham
parecido irreais, agora não o eram mais. Mesmo Cooper admitira que
algumas dessas histórias eram provavelmente verdadeiras.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Last Horse a empurrou do cavalo para o meio do grupo. As mulheres
se amontoaram ao seu redor, empurrando-a e cutucando-a.
Aterrorizada, Helene tentou se afastar, mas eram tantas e tão fortes.
Uma delas a jogou no chão e lutou até conseguir lhe arrancar as botas
dos pés. Outra, levantou suas saias e puxou suas meias.
Várias examinaram seus pés nus e mãos frias, enquanto a puxavam
pelos cabelos. Confusa com o tratamento que estava recebendo e
horrorizada diante daquela exploração sem fim, Helene se encolheu,
trêmula, e procurou Last Horse com o olhar. Duas mulheres a
empurraram com força enquanto disputavam sua blusa.
Alguém notou o amuleto ao redor de seu pescoço e o apontou.
Palavras e gestos rápidos foram trocados a respeito da pedra.
Novamente o bando de mulheres veio ao seu encalço, tentando lhe
arrancar a saia. Desta vez Helene lutou como uma gata selvagem,
suportando arranhões e até vários socos para salvar a arma, escondida
no bolso.
- Chega! Chega! - ela gritou, a voz distorcida pelo pânico. - Vocês já
me tomaram tudo. Isso é meu!
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene estremeceu, segurando o corpete e a saia com ambas as mãos
e, por algum milagre, as mulheres não insistiram em lhe tomar o resto
das roupas.
Entretanto, continuaram a atormentá-la, beliscando seus braços,
cutucando-a com paus, tocando a pedra em seu peito. Ela suportou o
abuso, jurando a si mesma. que sobreviveria àquilo tudo para voltar
para casa.
Tremendo violentamente, Helene sentou-se sobre o chão coberto de
neve, sentindo o frio penetrar-lhe até os ossos. Uma por uma, as
mulheres foram perdendo o interesse e se afastando. Por fim, Last
Horse veio ao seu encontro e a levou até uma das tendas. Helene
massageou os braços doloridos e piscou para se acostumar à
penumbra interior.
- Acenda um fogo - ele ordenou, surpreendendo-a.
- On-onde está a le-lenha?
- Irei trazê-la.
Ela apanhou a pele de búfalo e se enrolou, os olhos fixos na entrada
da tenda. Só esperava que as índias respeitassem o espaço privado e a
deixassem em paz. Dali a momentos, Last Horse voltava, trazendo
gravetos e pequenas taras de madeira.
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Mantendo a pele de búfalo apertada contra os ombros, Helene
ajoelhou-se e arrumou a fogueira.
- Você tem um isqueiro, ou fósforos?
Last Horse deu de ombros e, depois de juntar musgo seco, friccionou
um graveto entre as palmas das mãos. - Não deixe o fogo apagar. -
Ele saiu, deixando-a só.
As chamas estavam indo bem, porém a fumaça se acumulava
rapidamente no interior e Helene levou algum tempo até conseguir
ajustar as aberturas para que a fumaça fosse 1evada pelo buraco no
alto da tenda.
Por fim o calor já era o bastante para que se livrasse da pele de búfalo
e colocasse apenas uma manta ao redor dos ombros. O interior da
tenda espaçosa estava cheio de cestos e sacolas. Cautelosa, Helene
abriu algumas delas. Contas, garrafas de uísque, rolos de tabaco.
Ao levantar a tampa de um enorme baú, já bem gasto, descobriu
roupas de homens, chapéus, botas e bandanas, itens do vestuário
comum aos brancos. De onde essas peças haviam saído? Para que
Last Horse as iria querer?
Ela tirou uma camisa de flanela amarrotada da pilha e observou-a
atentamente. Depois analisou o chapéu e a bandana vermelha.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Um estremecimento a percorreu de alto a baixo, ao ligar os fatos. Era
fácil imaginar Last Horse vestindo a camisa e a calça, o chapéu
puxado por sobre os olhos, a bandana cobrindo-lhe metade do rosto.
Seus cabelos negros e feições marcantes estariam escondidos e fi-caria
parecido com qualquer outro homem. Com qualquer outro homem
branco.
Como aqueles que haviam assaltado a diligência. Sem que pudesse
evitar, os pensamentos voltaram-se para o dia em que os rufiões
tinham se apossando de seus pertences e levado as noivas ao pânico.
Recordava-se daquele que se ajoelhara ao seu lado, exigindo que
erguesse o vestido, os olhos negros, frios e penetrantes. Então o
chapéu escorregara, revelando cabelos lisos, tão negros e brilhantes
quanto os olhos.
Last Horse havia roubado a diligência. Roubado seu bracelete e
dinheiro. Roubado todas as diligências e carroças de Coopero E feito
tudo de maneira que a culpa caísse sobre os homens brancos, a quem
odiava.
Quanta astúcia!
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene fechou a tampa do baú com força e afastou-se. Last Horse
roubara o próprio irmão... colocara fogo no celeiro! O que o
impediria de matá-la? Ou por que impediria os outros fazê-lo?
Helene se abaixou junto ao fogo, pensativa. Last Horse tinha
oferecido dar algo em troca para tê-la. Isso significava que, de certa
forma, o interessava.
Porém ele estava longe de ser estúpido. Não cometeria o engano de
subestimá-lo. O que dissesse, ou fizesse agora, deveria ser verossímil.
Sua vida dependia disso.
Lá fora, tambores soavam e uma cantilena ecoava pelos arredores da
aldeia. Alguma celebração acontecia. Helene procurou se desvencilhar
dos temores que a agoniavam e sentou-se perto do fogo, enrolada na
pele de búfalo.
Já estava escuro quando Last Horse retornou, trazendo-lhe um
pedaço de carne seca. Ela comeu, sob o olhar impenetrável do índio.
Por fim, ganhou coragem de perguntar:
- O que você planeja fazer comigo? Nenhuma resposta.
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- Resgate é algo rentável. Não sei se Cooper pagaria pelo meu
retorno, porém meu pai o fará sem pensar duas vezes. Ele é um
homem rico.
- Você disse que ele não possui cavalos.
- Verdade. Ele não possui cavalos. Quando deseja ir a algum lugar,
toma uma carruagem. Ou vai de trem. Mas é dono de um jornal. E de
uma casa grande e confortável. Possui ações de uma ferrovia também.
Minha mãe tem até criados para servi-la.
- Seu pai estaria disposto a dar algo em troca para tê-la de volta?
- Claro. Eu não seria de muita valia para você aqui. Não sou boa para
cozinhar, costurar ou qualquer outra coisa do gênero. Chumani me
ensinou o básico para que eu pudesse viver aqui algum tempo.
Contudo, temo ter a alma de uma mulher da cidade.
Last Horse desviou o olhar, não parecendo muito interessado.
- Posso ler e escrever. Portanto, se você precisar de que algo seja lido,
ou escrito, sou capaz de ajudá-lo. Sei fazer contas também. Lá em
Boston, eu costumava escrever para o jornal de meu pai. É por isso
que vim para cá. Para obter uma história. Eu estava planejando voltar
para casa na primavera, depois de ter ensinado Yellow Eagle a ler,
escrever e fazer contas. Está claro que não sou uma daquelas pessoas
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do Leste, cuja intenção resume-se a tirá-lo das suas terras? Planejo
voltar para casa.
- Que tipo de dinheiro seu pai tem?
- De que tipo você gosta?
- Nada de papel.
- Ele tem ouro. Você gosta de ouro? De fato, meu pai tem todos os
diferentes tipos de dinheiro. Basta escolher o que mais lhe agradar.
Na realidade, é tudo a mesma coisa. É preciso apenas ir ao banco e
trocar por...
- Pare! Suas palavras estão fazendo minha cabeça doer.
Helene cruzou as mãos sobre o colo e fitou a coluna de fumaça que
saía pela abertura no teto da tenda.
Pensativo, Last Horse tirou o cachimbo e começou a fumar. Depois
abriu uma garrafa de uísque e sorveu um longo gole, observando-a
como um animal à espreita de sua presa, os olhos duros e brilhantes.
Após vários minutos, Helene já não podia suportar mais o silêncio.
Ficar ali parada, sendo examinada por uma criatura selvagem e
imprevisível a estava enlouquecendo.
- Entendo por que você odeia os brancos - falou afinal.
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- Não. Você não entende.
- Entendo sim. Realmente entendo.
- Você não poderia compreender porque não pertence ao nosso
povo.
- De fato, não pertenço à sua raça, mas posso ver como tem sido
difícil para seu povo toda essa transformação.
- Pode mesmo?
-Sim.
- Você consegue sentir na pele como é duro ser obrigado a deixar
nossas terras e nossas matas? Como é cruel confiar vezes sem conta e
receber mentiras' em troca? Consegue imaginar como me senti
quando meu pai aceitou um estranho com maior boa vontade do que
aceitou a mim?
As palavras ásperas pairaram no ar durante alguns momentos.
- Nunca fui banida de meu próprio lar - ela admitiu. - E não sei de
muitas promessas quebradas. Mas, sim, Last Horse, sei como é ser
preterido pelo pai, em favor de um estranho.
Ele não disse nada.
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- Eu estava magoada. E zangada. E mais determinada do que nunca a
provar meu valor. É por isso que estou aqui. Para provar uma coisa
ao meu pai. Ou a mim mesma. Já não sei bem.
- Running Elk aceitou DeWitt como seu próprio filho - Last Horse
falou. - Ensinou-lhe os costumes de meu povo. Quando fomos
expulsos de nossas terras, DeWitt nos deu as costas e tornou-se mais
um homem branco.
- Isso não é verdade. Cooper tem certas vantagens que não são
permitidas aos oglala. Ele pôde comprar terras e começar um
negócio. O dinheiro ganho com essas atividades é empregado para
ajudar seu povo.
- Dinheiro... rá! - Last Horse atirou a garrafa vazia de uísque com tal
força nas chamas, que os estilhaços voaram para o alto, o ódio
distorcendo as feições angulares. - Meu povo não precisa de dinheiro.
Precisa de armas, cavalos e guerreiros. Se tivéssemos mais armas,
Plenty Wolves não teria morrido.
- Seu povo está em desvantagem numérica - ela falou suavemente. -
Isso é óbvio. Assim, Cooper o está ajudando com alimentos agora e
educação para o futuro. Mesmo Yellow Eagle é capaz de ver como
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poderá atuar em favor de sua gente, se aprender os modos dos
brancos.
- Vocês querem ensinar sua língua aos índios e os tornarem
exatamente como vocês.
- Talvez a maioria pense assim - Helene concordou. - Quisera que
vocês não fossem obrigados a deixar suas terras e a viver onde não
desejam. Infelizmente sou apenas uma pessoa e, ainda por cima, mu-
lher. Temo que meus desejos, ou minhas idéias, não façam muita
diferença nesse mundo.
Helene ergueu a cabeça, atenta à importância das próprias palavras.
- Mas sou um indivíduo, tenho uma voz e uma opinião. E se
conseguir sair dessa confusão, irei usar meus artigos para expressar
essa opinião e mostrar ao resto do país o que, realmente, acontece
aqui.
O olhar dele parecia submisso, se por causa de suas palavras, ou por
causa da bebida, Helene não saberia dizer.
- Vá dormir - Last Horse ordenou.
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Ela acomodou-se num canto da tenda e puxou a pele de búfalo por
sobre os ombros. Agindo por impulso, gesticulou, desejando boa-
noite.
Last Horse desviou o olhar. Os braços e pernas dele eram tão
musculosos quanto os de Cooper, entretanto o peito não era tão
largo, nem as feições tão bonitas.
Não fora molestada na noite anterior e nenhum dos outros índios lhe
tinha feito mal durante o trajeto até ali. Porém estavam sozinhos
agora. Não podia ignorar os fatos: Last Horse faria o que desejava e
não havia ninguém para impedi-lo.
Ele deixou o cachimbo de lado e estendeu sua pele bem atrás de
Helene. Ao tocá-la no ombro, ela pulou.
- Você está com medo de Last Horse?
- Não. - A tensão estampada em seu olhar desmentia a resposta. - Mas
não acho que os espíritos estejam contentes por você ter me tocado.
- Como pode saber?
- Minha sicun fica quente quando os espíritos estão ativos.
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Num arranco, Last Horse tocou o amuleto. No mesmo instante,
retirou a mão, os olhos muito abertos revelando uma pontada de
medo.
- É verdade. Você tem espíritos poderosos! Helene desejou saber
mais sobre as crenças dele.
Aparentemente Last Horse temia os deuses que abençoavam os
amuletos.
- Amanhã farei um sacrifício para agradá-los.
- Que tipo de sacrifício?
- Oferecerei tabaco. Um cachorro.
Ela sorriu na escuridão, aliviada.
Ao sentir que Last Horse se virava para o lado oposto, Helene se
acomodou, apertando a pedra com força entre as mãos. Onde está
você, Cooper?, entoou em silêncio, perguntando-se se um dia tornaria
a vê-lo.
Deitado de bruços sobre a neve, Cooper espreitava a aldeia. Sabia em
qual das tendas estava Last Horse. E lá deveria estar Helene também.
Não esperaria até amanhecer. Poderia ser tarde demais.
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Simplesmente se esgueirar dentro da noite e levá-la embora, como
Last Horse havia feito, de nada adiantaria. Last Horse os seguiria e
aguardaria o momento de recapturá-la.
Teria que tomá-la diante do bando de Last Horse, numa
demonstração de força. Era essa a maneira de agir que seu povo
compreendia e respeitava.
Ele correu de volta para o local onde Wiley o esperava, com os
cavalos.
- Helene está aqui - anunciou.
- E agora?
- Agora irei buscá-la. Você me aguarda à distância. Não posso lhe
prometer que será seguro na aldeia.
- Você pediu aos seus espíritos que lhe dessem segurança? - Wiley
perguntou.
Cooper concordou com um aceno de cabeça.
- Então correrei o risco.
Juntos, entraram na aldeia, montados nos cavalos.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Um cachorro ganiu e vários outros o imitaram. Logo aparecia um
índio carregando uma tocha. Ele assobiou e, em questão de minutos,
os dois estavam cercados de guerreiros.
- Meu irmão! - Cooper gritou em oglala, parando diante da tenda de·
Last Horse.
Last Horse surgiu com um rifle nas mãos.
- Você capturou a mulher que pertence a mim! Cooper o desafiou. -
Terá que me dá-la de volta.
Muitas tochas tinham sido acesas e levadas para diante da tenda de
Last Horse, iluminando suas feições rígidas e zangadas.
- A mulher é minha - Last Horse anunciou. - Se a quer, terá que
tomá-la.
Cooper desmontou e tirou a faca da bainha.
- E isso o que vim fazer.
CAPÍTULO XVI
Helene não entendeu as palavras trocadas, porém o som da voz
familiar trouxe-lhe lágrimas aos olhos.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Last Horse havia se levantado num pulo e apanhado o rifle antes de
sair da tenda. Ela o seguira até a abertura, entretanto fora atirada para
o lado, quando o índio retornara e jogara o rifle sobre o catre, o ódio
fazendo as veias de seu pescoço saltarem. Então ele apanhara uma
faca enorme e a prendera na cintura. Juntamente com a tanga, eram
seus únicos adornos.
- Venha. - Asperamente, agarrou-a pelo braço e arrastou-a para fora. -
Veja-o morrer.
Ela piscou várias vezes, procurando se acostumar à luz das tochas.
No centro de um semicírculo, estava Cooper.
- Cooper! - gritou, tentando correr para onde ele estava.
Impávido, Last Horse a lançou para um grupo de mulheres, que
imediatamente a seguraram pelos braços, impedindo-a de mover-se.
O alívio de vê-la viva misturava-se à fúria de descobri-la tão
maltratada. Os cabelos escuros estavam soltos e embaraçados, o
rosto, braços e pés, nus, sujos. Como permitira que isso acontecesse a
Helene? Por que não a enviara para casa, quando tivera a chance?
Ela nunca o perdoaria pelo abuso que sofrera. Ele tampouco seria
capaz de se perdoar. Tudo que importava agora era tirá-la dali e
mandá-la de volta para a família.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
As mulheres insistiam em segurar Helene, porém ela ignorava as
mãos que tentavam mantê-la imóvel.
Cooper fitou o homem com quem havia sido criado, o homem com
quem partilhara abrigo e refeições, o homem a quem ensinara sua
própria língua e a quem considerara um irmão. Last Horse nunca fora
capaz de aceitá-lo. Ressentira-se do amor e atenção que o pai dedicara
ao menino branco, considerando-o uma ameaça à posição que
ocupava diante dos olhos do pai.
Ele olhou ao redor, notando os rostos dos renegados que o cercavam,
pessoas com quem havia crescido, com quem brincara e ao lado de
quem lutara. Pessoas tão orgulhosas e assustadas quanto aquelas que
estavam na reserva. A diferença era que essas tinham dado ouvidos a
Last Horse e acreditado que era melhor morrer lutando do que ceder.
Num gesto rápido, Cooper tirou a camisa e avançou, o luar refletido
no brilho frio da faca. Last Horse desferiu Uni golpe, ele arqueou o
corpo, evitando a lâmina. Novamente seu oponente atacou, outra vez
Cooper esquivou-se.
Então ele cortou Last Horse no braço. Last Horse revidou, atingindo
Cooper na perna, sem no entanto conseguir feri-lo.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene cobriu a boca com a mão trêmula, temendo gritar e prover
uma distração fatal. Sentia-se zonza, assistindo os dois homens se
atiçarem feito animais.
Last Horse avançou, a faca deixando um filete de sangue no peito de
Coopero Cooper, entretanto pareceu não se dar conta. Manteve a
atenção fixa no oponente, movimentando-se sempre, cercando o
outro, arremetendo o corpo para frente e esquivando-se. Helene te-
meu que seu coração não seria capaz de suportar a pressão. Assim,
obrigou-se a inspirar o ar várias vezes seguidas com força, para não
desmaiar.
Oh, Deus, o que faria, se Cooper fosse morto? O bando daria um fim
em Wiley primeiro e depois a mataria também. Cooper nunca deveria
ter vindo. Nunca deveria ter arriscado a vida para salvá-la.
Ela prendeu a respiração quando os dois homens se atracaram, as
lâminas suspensas no ar. Então caíram de joelhos, os músculos
saltados, os corpos cobertos de suor.
Segundos depois, Cooper levantou-se, sangue escorrendo de um
ferimento no lado.
- Oh, Deus! - Helene soluçou, segurando a pedra com ambas as mãos.
– Não o deixe morrer. Prefiro ficar aqui, a vê-lo morrer.
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400
Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Cooper ofegava, porém o corpo musculoso exudava força e firmeza.
Num movimento rápido, Last Horse deu uma rasteira no rival,
lançando-o no chão outra vez. Os dois rolaram, engalfinhados. Uma
das facas voou pelos ares, caindo fora de alcance.
Helene sentiu-se desfalecer.
Devagar, Cooper ergueu-se e pressionou a ponta da lâmina contra a
garganta de Last Horse, agora vencido.
- A mulher ... é minha - Cooper falou entredentes. - Diga isso.
Aflita, Helene fitou a pequena multidão, tentando antecipar o que
aconteceria. Iria Last Horse aceitar a derrota? Cooper teria que matá-
lo?
- Diga! - Cooper ordenou.
- A... mulher ... é ... sua. - Last Horse falou, a raiva mal contida
fazendo vibrar cada palavra.
Cooper recolocou a faca na bainha e sentou-se sobre os calcanhares.
As pessoas que os cercavam pareceram soltar a respiração, aliviadas.
Num instante, Helene correu e apertou a cabeça de Cooper contra os
seios. Ele a abraçou pelas pernas, mantendo-a junto de si.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Um pequeno soluço saiu dos lábios femininos, enquanto o beijava
nos cabelos, aspirando ao odor daquela força máscula com
sofreguidão. Estava a salvo. E ele, vivo.
O movimento ríspido de Last Horse, ao apanhar a faca, chamou-lhe a
atenção. Ela reagiu sem pensar, tirando a arma do bolso da saia e
atirando. O corpo de Last Horse estremeceu, porém ele ainda
avançou, a faca em posição de ataque. Helene tornou a apertar o
gatilho.
Cooper virou-se no momento exato em que Last Horse caía bem
próximo às suas costas, a faca finalmente escapando dos dedos sem
vida.
- Eu atirei nele - Helene murmurou chocada, deixando a pistola cair
no chão.
- Você não tinha outra escolha - ele falou, levantando-se e apanhando
a pistola.
Em pânico, Helene fitou a multidão. Será que os matariam agora?
Um dos homens, que parecia haver assumido a liderança, falou com
Cooper. Uma conversa breve se seguiu.
- Que foi que ele disse? - ela perguntou.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Mandou-me partir. E levá-la comigo,
A sensação de alívio foi tão intensa, que Helene sentiu os joelhos
fraquejarem.
- Insisti em levar o corpo de Last Horse para meu pai. Eles
concordaram.
- Concordaram?
- Todos testemunharam o que aconteceu aqui. Foi uma luta justa.
Venci e o deixei viver. Last Horse tentou me apunhalar pelas costas.
Qualquer uma dessas mulheres faria o mesmo para proteger seu
homem.
-Oh!
- Onde estão suas roupas?
Ela apontou para as mulheres que se afastavam na direção das
próprias tendas.
- Vamos encontrar algo para você vestir. Helene o seguiu até a tenda
de Last Horse.
- Tem uma coisa que eu quero lhe mostrar - falou, erguendo a tampa
do baú.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Cooper apanhou uma camisa e depois um par de botas, fazendo sinal
para que os colocasse.
- Ouça, essas são as roupas que assaltantes da diligência estavam
usando. Last Horse e seu bando eram as pessoas que o estavam
roubando.
- Tem certeza?
- Sim. Tão logo vi essa camisa e chapéu, lembrei-me do assalto.
Recordo-me dos cabelos negros de Last Horse, quando o chapéu caiu
e, principalmente, dos olhos gélidos, sobre a bandana.
- Descobri que o bracelete chegou à reserva através de Last Horse -
Cooper admitiu, a voz deixando transparecer uma enorme tristeza. -
Ele me odiava tanto assim, quando eu seria capaz de lhe dar qualquer
coisa de que precisasse.
- Ele o culpava de tudo. Até mesmo da morte de Plenty Wolves.
- Suspeitei de que Last Horse estivesse por trás daquela última
rebelião, que acabou levando Plenty Wolves à morte. Alguém havia
avisado ao exército de nosso paradeiro.
- Last Horse estava ferindo o próprio povo.
- Mas ele não enxergava a situação dessa maneira.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Cooper a vestiu com a capa e lhe calçou as luvas sem cerimônia.
- Você trouxe minhas coisas.
- Imaginei que estaria com frio. - Cooper saiu da tenda e voltou
minutos depois, trazendo um cavalo, sobre o qual estava o corpo de
Last Horse, embrulhado em peles.
Helene fitou o animal, com anéis de cobre enfiados nas orelhas e
escalpos enfeitando o rabo.
- Não quero montar nesse animal.
- E não montará. - Ele a conduziu até o local onde Wiley os
aguardava, com os cavalos.
- Senhorita? - Wiley parecia desconsertado. Num impulso, Helene o
abraçou.
- Obrigado por ter vindo com Cooper.
- Você está bem? Eles a machucaram?
- Estou dolorida, com algumas escoriações e cansada, mas bem.
- Você teve muita sorte.
Helene permitiu que Kincaid a ajudasse à montar na égua, enquanto
Cooper amarrava o corpo de Last Horse no cavalo cedido pelos
índios.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Como vocês souberam onde me encontrar, Wiley? Pensei que os
índios apagassem os rastros.
- E é o que fazem. Perdemos a trilha ontem.
- Então como ... ?
- Cooper disse que os espíritos da pedra lhe contaram onde encontrá-
la. '
Ao tocar o amuleto que trazia no peito, Helene notou que Cooper se
virou no mesmo instante. Os olhos de ambos se encontraram.
- Você tem um corte no lado - ela falou simplesmente.
- Nada de sério. - Ele apanhou um pouco de neve e esfregou-a nas
costelas antes de vestir a camisa. - Está na hora de partirmos. Há uma
tempestade a caminho.
O trio seguiu em frente. Helene logo atrás de Cooper, com Wiley
fechando a retaguarda. No final do dia, acamparam e dormiram
algumas horas.
Ao acordarem, descobriram um pequeno grupo de aglala esperando-
os, entre mulheres, crianças e cavalos.
- O que eles estão fazendo aqui? - Helene indagou num murmúrio.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Seguindo-nos de volta à reserva - Cooper respondeu. - Last Horse
deve ter sido o único motivo que os prendia àquela aldeia.
Eles partiram à primeira luz da manhã. Pararam apenas uma vez e
dividiram a pouca comida que ainda tinham com os oglala. A noite
estava clara e, incentivado pela lua cheia, Cooper decidiu continuar
em frente.
O corpo inteiro de Helene doía. Sentia-se tão exausta que mal
conseguia se sustentar sobre a sela. De repente, era como se lhe
espetassem a pele com dezenas de lanças escaldantes. Então acordou,
deliciosamente envolta pelo calor do fogo.
Ao virar a cabeça, o pescoço doeu. Tentou falar, porém não foi capaz
de emitir som algum, a garganta seca doendo muito.
O rosto de Chumani pareceu dançar diante de seus olhos.
- Durma, Helene, durma - a índia falou, à sua maneira cautelosa. E
quando um pano fresco lhe tocou a testa, Helene fechou os olhos e
tornou a dormir.
Quando voltou a acordar, reconheceu o próprio quarto, na casa de
madeira.
Cooper cochilava, sentado numa cadeira ao seu lado.
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- Cooper? - ela murmurou, a voz trêmula quase inaudível.
Ele abriu os olhos imediatamente e tocou-a na testa e nas faces de
leve, para sentir a temperatura.
- Como você está se sentindo?
- Como se houvesse levado uma surra.
- Sinto pela maneira como a trataram.
- Não foi culpa sua. - Ela tentou sentar-se na cama, porém Cooper
teve que ajudá-la.
- Quanto tempo dormi?
- Você teve uma febre que durou dois dias.
- Dias! - Helene notou que seus braços estavam nus, cobertos de
hematomas azulados. - Onde estão minhas roupas?
- O pouco que você estava vestindo quando chegou aqui estava sujo
de sangue.
- E você está bem? - ela indagou aflita, lembrando-se dos cortes feitos
à faca.
- Estou bem.
- Mostre-me.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Você não é uma mulher fácil de ser convencida, .não é? - Cooper
levantou-se e ergueu a camisa de couro, revelando o pequeno
curativo.
- Pontos?
- Alguns.
- Chumani?
- Kincaid.
- Bem. - Outro pensamento lhe ocorreu. - Onde estão os índios que
nos seguiram?
- Na reserva.
- Será que aqueles que ficaram na aldeia sobreviverão ao inverno?
- Darão um jeito - ele a reassegurou. - É um povo acostumado a
baixas temperaturas e condições árduas.
- Mas nunca estiveram tão distantes das terras que costumavam
habitar.
- É verdade. Contudo, saberão cuidar de si. - Cooper foi até a cômoda
e tirou um envelope da gaveta. - Tenho uma carta para você.
- Quem a mandou?
- Seu pai.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene tomou o envelope nas mãos e estudou a caligrafia familiar.
Então o abriu e desdobrou a única folha de papel. Um cheque caiu
sobre a cama. Depois de notar o valor da quantia, pôs-se a ler a carta.
Queridíssima. Helene,
Sua mãe e eu ficamos preocupadíssimos quando demos por sua
ausência. Seus irmãos estavam convencidos de que você havia ido
para a região de Piedmont, tentando cobrir o campeonato de boxe.
Contratei um detetive para procurá-la. Quando chegou seu primeiro
telegrama, pondo-nos a par desse seu plano impetuoso, sua mãe
desmaiou no ato.
Ela está profundamente agoniada. A agência de detetives mandará
alguém encontrá-la em Duluth para trazê-la de volta. O cheque que
estou enviando deverá ser suficiente para pagar as despesas e também
os serviços de uma pessoa que possa levá-la até Duluth. Venha para
casa imediatamente.
Seu amoroso pai.
- O que diz a carta? - Cooper perguntou.
- Meu pai diz que mandará alguém me encontrar em Duluth, para
levar-me para casa.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Será alguém em quem se possa confiar? É um longo caminho até
Boston.
- Tenho certeza de que será alguém confiável ela murmurou,
recostando-se no travesseiro.
- Andei pensando muito nesses últimos dois dias.
Helene virou-se para fitá-lo, permanecendo em silêncio.
- O tempo tem estado firme. Se a correspondência pôde ser entregue,
então eu também posso tirá-la daqui.
- O dinheiro é suficiente?
- Não quero o dinheiro de seu pai.
- Mas eu lhe devo...
- Já disse que não quero nada.
- Aceite-o para a reserva. Compre roupas para os índios e contrate
uma professora. - Ela lhe estendeu
cheque.
Apenas um breve instante de hesitação.
- Nesse caso, o aceitarei para a reserva.
- Quando partiremos?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Tão logo você esteja se sentindo fortalecida. E se o tempo continuar
firme, claro. Talvez dentro de uns dois dias. Leve apenas o necessário
para a viagem. Mandarei o resto de suas coisas depois.
Helene observou-o caminhar até a porta do quarto, as costas largas
parecendo ocupar todo o espaço.
- Estarei pronta - falou simplesmente, a alma partida em mil pedaços.
Seria assim tão fácil, então? Tão simples? Dentro de uma semana, ou
um pouco mais, Cooper já a teria levado até Duluth e a entregado aos
cuidados de um outro homem, que se encarregaria de acompanhá-la
até Boston. Pelo menos aquela agonia teria um fim. Cooper poderia
retomar a própria vida, sem ter que se preocupar com uma intrusa.
Talvez até trouxesse uma mulher da reserva.
E quanto a ela? Também continuaria com a própria vida. Retomaria a
rotina normal num piscar de olhos.
Normal... Implorando por migalhas junto à mesa de trabalho do pai...
tentando ser vista e ouvida sob a magnificência dos machos da família
... recusando propostas de casamento dos rapazes que o pai e irmãos
lhe apresentavam.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Um novo pensamento lhe ocorreu. Talvez até se casasse com um
deles. Talvez aparecesse alguém interessante, alguém de olhos azuis e
pele bronzeada pelo sol. Talvez...
Inspirando fundo, Helene enterrou a face no travesseiro. Não
importava quão ardentemente desejava, mas não havia um único
homem em Boston que se assemelhava a Cooper DeWitt. Quanto
mais pensava nisso, mais convencida ficava. Porém, mesmo se exis-
tisse esse homem, não iria querê-la. Queria Cooper. E ele não estava
destinado a ser seu.
Chumani cuidou dela naquele dia. Entretanto, após uma boa noite de
sono, acordou sentindo-se completamente restabelecida. Cooper foi
vê-Ia e anunciou que partiriam ao amanhecer do dia seguinte,
avisando-a de que seria melhor fazer suas despedidas naquela mesma
noite.
Despedidas. Não pensara nisso porque resistia à idéia de dizer adeus
para Chumani e Yellow Eagle. Mas partir sem despedir-se seria uma
atitude covarde. Assim, ela e Chumani prepararam juntas o jantar que
comeriam reunidos pela última vez.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Vou lhe mandar muitos livros - Helene prometeu a Yellow Eagle,
enquanto jantavam. - Todos os clássicos.
O menino não respondeu, parecendo sem apetite.
Depois de pedir licença, levantou-se e sentou-se no chão, perto da
lareira.
Helene depositou os talheres sobre o prato. Ninguém dizia nada e a
atmosfera foi se tornando intensamente desconfortável. Cooper
terminou o café e Chumani serviu-o de mais uma xícara. Helene
acomodou-se ao lado de Yellow Eagle.
- Todos nós pertencemos a algum lugar - ela falou baixinho. - Meu
lugar não é aqui.
Ele ergueu a cabeça, os olhos escuros cheios de mágoa.
- Onde é seu lugar, então?
- Em Boston. É lá onde vive minha família.
- Acho que as pessoas pertencem ao lugar onde são necessárias.
- Continuaremos a ser amigos, Yellow Eagle Helene respondeu,
ignorando as implicações do que o garoto acabara de dizer. - Você
pode escrever para mim. Prometo que responderei suas cartas.
- Está bem.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Chumani tentou lhe devolver o bracelete, porém ela insistiu que
preferia deixá-lo com a amiga. As duas se abraçaram. Helene foi para
a cama com o coração cheio de angústia.
Ao amanhecer, despediu-se de Jack e, vestindo suas roupas mais
quentes, montou no cavalo que Cooper lhe reservara. Os suprimentos
foram colocados em dois animais extras. Assim, a jornada de volta ao
Leste teve início.
O sol refletido na neve fazia os olhos arderem. Ela puxou o capuz
sobre o rosto, grata pelas vestimentas pesadas. Embora cavalgassem a
passo rápido, Cooper fez questão de parar no meio do dia, para uma
refeição leve, acompanhada de chá quente. E não tornaram a parar
até o cair da noite. Junto a uma rocha, ele ergueu uma tenda
pequenina, com não mais de setenta centímetros de altura. Depois fez
um fogo, alimentou os cavalos e preparou um jantar ligeiro.
Carne acompanhada de pãezinhos secos. Após ensiná-la a limpar
pratos e utensílios com neve derretida, secou -os e guardou -os.
- Vá deitar-se - falou, acendendo o cachimbo.
- E você?
- Estarei lá em um minuto.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene se agachou junto à tenda.
- Você ficará mais aquecida se tirar algumas peças de roupas e as
estender sobre as peles.
Não era tarefa fácil remover capa, botas e casaco naquele espaço
apertado. Porém, apesar de seguir as instruções de Cooper, ela
manteve as roupas íntimas.
As peles cheiravam bem e pareciam envolvê-la na sua quentura como
se fossem um casulo. Aspirando o odor do tabaco, sentindo-se segura
e protegida, adormeceu.
Sem nenhuma razão em particular, Helene acordou no meio da noite.
Cooper estava ao seu lado, a respiração regular, os membros
relaxados. O calor que emanava dos corpos de ambos os mantinham
deliciosamente aquecidos. Ela inspirou fundo, inebriando-se no
cheiro dele.
Devagar, com muito cuidado para não acordá-lo, aproximou-se até
pousar o rosto sobre o ombro nu. Queria poder abraçá-lo, aninhar-se
contra as formas musculosas.
Como se percebendo o que se passava, apesar de adormecido,
Cooper estendeu o braço e a puxou para junto de si. Não havia
nenhum outro lugar do mundo onde Helene mais desejasse estar.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Acordando, Cooper se deliciou com a textura daquele corpo sinuoso
junto ao seu. Queria tocá-la, passar as mãos sobre a pele macia e
delicada, correr os dedos pelos cabelos escuros...
Não bastava contemplá-la, senti-la ao seu lado, porém era tudo o que
podia ter e não iria estragar a chance de passar os últimos poucos dias
e noites mantendo-a tão perto de si quanto possível. Duluth não
ficava longe o suficiente. Nada nunca o angustiara tanto quanto a
idéia de dizer adeus a Helene.
Antes de Helene, estivera um pouco solitário, tanto que construíra
uma casa e mandara vir uma esposa.
Depois de Helene... restaria apenas uma ferida na alma que jamais iria
cicatrizar. Depois de Helene saberia de fato o que era a solidão. Uma
solidão tão atroz que não hesitaria em colocar a casa abaixo apenas
para se livrar de todas as lembranças.
Uma solidão tão doída que acabaria por torná-lo amargo, fechado em
si mesmo. Havia algo especial entre os dois, fora capaz de admiti-lo.
Não tinha dúvidas de que poderia convencê-la a ficar. Não por causa
de suas habilidades sensuais, de sua capacidade de envolvê-la com
palavras e atos, mas porque existia uma atração mútua, uma energia
incandescente que forjara um elo extraordinário entre ambos.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Poderia convencê-la a ficar com uma simples declaração de amor e a
satisfação das necessidades físicas que os atormentavam. Porém não
era apenas isso o que desejava. Helene ficaria, sim, entretanto logo
começaria a dar sinais de inquietude e passaria a odiar essa terra, essa
vida... e a ele também. Isso, jamais poderia suportar.
Assim, não a acariciou. Não a beijou. Não se iludiu, pensando que o
amor tem a capacidade de construir pontes entre culturas diferentes.
Sexo não era o que Helene precisava dele agora. Ela precisava de sua
proteção, de suas habilidades e experiência para enfrentar uma viagem
árdua. E não iria lhe falhar.
Cooper abriu os olhos e fitou o rosto querido, querendo guardar na
memória cada detalhe. Lembranças seriam tudo o que lhe restaria.
CAPÍTULO XVII
Durante o dia, eles viajavam juntos como meros conhecidos, falando
apenas o necessário. À noite, dormiam nos braços um do outro,
esquecidos do frio e mantendo o mundo à distância. Porém o mundo
ia se tornando cada vez mais próximo, a cada novo quilômetro
vencido, a cada novo amanhecer.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
No fim da segunda semana, cruzaram com um grupo de caçadores
chippewa e Cooper trocou tabaco por carne fresca de veado. Dias
depois, ele a deixou numa das margens do rio Mississipi e cruzou a
superfície gelada, checando se as fissuras na camada de gelo
suportariam a travessia dos cavalos. Helene o aguardou impaciente.
Oh, Deus, e se algo acontecesse a Cooper? E se ele nunca retornasse?
Depois do que pareceram horas, Cooper voltou e a conduziu, em
segurança, ao outro lado do rio.
- Quanto ainda falta? - ela indagou ofegante. Os dois haviam
desmontado e conduziam os cavalos através de uma inclinação
escorregadia.
- Deveremos chegar a Duluth esta noite. Você poderá dormir numa
cama.
- E tomar banho completo? Será que vou conseguir água quente?
- Darei um jeito.
Essa viagem era tão diferente daquela que a tinha trazido até ali. E
não por causa da temperatura, do cenário e da rota mais curta. Mas
por causa do homem com quem viajava.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Cooper em nada se parecia com o tipo que costumava habitar o
extremo oeste, descuidado e malcheiroso. Se ele fosse assim... partir
seria muito mais fácil.
De repente, vários rolos de fumaça tomaram conta do céu escuro.
- Lá está Duluth - Cooper falou. - Eles seguiam a estrada principal
que conduzia à cidade. - Você acha que ele está lá? O homem que seu
pai mandou?
Helene estudou as construções à sua frente.
- Será que podemos esperar até amanhã de manhã, para descobrir?
Ela queria que tivessem mais uma noite juntos. Mais uma noite antes
que alguém a descobrisse. Cooper concordou e incitou os cavalos,
exaustos, para frente.
Ao encontrarem um estábulo de aluguel, deixaram ali os animais e
caminharam pela rua pouco iluminada. Cooper avistou o hotel.
Ao entrarem, permaneceu parado, junto à porta.
Foi Helene quem se aproximou do balcão e tocou a campainha.
Momentos depois, um homem robusto, com uma careca brilhante,
aparecia.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Senhora - o funcionário a cumprimentou, vendo-a puxar o capuz
para trás e revelar o rosto e cabelos. - Gostaríamos de dois quartos,
por favor.
Ele lhe entregou o livro de registros, além da pena e tinteiro.
- Quanto tempo deverão ficar?
- Não tenho certeza. - Helene assinou o nome com um floreado. -
Talvez apenas uma noite. Talvez mais, se a pessoa a quem devo
encontrar ainda não tiver chegado.
- Procurando alguém em particular?
- Não sei o nome dele. Meu pai mandou uma pessoa de Boston, para
me encontrar aqui.
- Você é a garota Wainwright?
-Sim.
- Tem um camarada à sua procura desde terça-feira. Pediu-me para
avisá-lo assim que você aparecesse aqui.
Helene lhe lançou um olhar cheio de súplica.
- Eu apreciaria muito se você esperasse para avisá-lo até amanhã de
manhã. Estou exausta de tanto viajar. Será que pode me fazer o favor
de não dizer nada a ele por mais algumas horas?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Não sei, não. Gruber disse que haveria uma gorjeta. Ele olhou para
onde Cooper continuava parado, com uma expressão indecifrável no
rosto redondo.
- Assine o livro de registro, Cooper - Helene o instruiu, fazendo sinal
para que se aproximasse. Virando-se para o empregado do hotel,
continuou: - Este é meu primo, Sr. DeWitt. Bem, imagino que você
não queira perder sua gorjeta.
No mesmo instante, Cooper retirou uma moeda de prata e colocou-a
sobre o balcão.
- Seria o suficiente? - ela indagou ao homem calvo, cujos olhos
brilhavam de cobiça.
- Vocês têm que pagar adiantado pelos quartos também.
- Ela quer um banho quente - Cooper falou secamente.
- Então são mais duas moedas, além do valor dos quartos. - O
funcionário lhes entregou as chaves e um castiçal, para iluminar o
caminho. - Quartos nove e dez.
Cooper pagou o valor cobrado e apanhou os alforjes, que deixara no
chão. Juntos, subiram a escada.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Ela destrancou a porta do quarto número nove e fez sinal para que
Cooper entrasse.
- Deixe minha bagagem aqui.
Rapidamente, Helene acendeu o lampião sobre a mesinha-de-
cabeceira e apagou a vela. Depois tirou a pesada capa.
Uma mulher magra e pequenina bateu na porta aberta, trazendo uma
pilha de gravetos.
- Vou acender a lareira e depois voltarei com a banheira e água
quente.
- Eu faço isso. - Cooper apanhou os gravetos e acendeu o fogo,
dispensando a criada. Minutos depois, ela aparecia com um balde de
água quente e ele se apressou a ajudá-la a colocar a banheira no lugar.
- É o serviço dela - Helene falou, assim que a criada saiu para buscar
mais água.
- Mas ela...
- Ela trabalha para ganhar um salário, como qualquer outro. Deixe-a
fazer o próprio serviço. Vamos, tire o casaco.
Ele tirou o casaco e o colocou sobre uma cadeira, embora
permanecesse de pé, perto da porta.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- E uma banheira grande - Helene comentou, tão logo a serva
terminou de enchê-la e os deixou a sós. - Quer se banhar, depois de
mim?
- Estou cheirando mal?
- Provavelmente só vou perceber depois que eu me lavar - ela
respondeu sorrindo.
- Talvez seja melhor eu tomar banho então. Mas que diferença faria?
Já não estariam juntos, depois dessa última noite.
- Irei avisá-lo, quando tiver terminado.
Depois de lavar-se e vestir roupas limpas, Helene aguardou no quarto
de Cooper, enquanto ele usava a banheira. Cansada demais para
esperar que a mulher viesse retirar a banheira e a água, despediu-se de
Cooper, desejando-lhe boa-noite.
- Tem certeza de que ficará segura, aqui sozinha?
- Estarei bem. Tem uma tranca na porta. Além de tudo, nossos
quartos são vizinhos. Você ouvirá qualquer ruído estranho.
O que esperara? Estavam na cidade agora, a poucos metros do
homem mandado pelo pai de Helene. Não podia desejar que
partilhassem o mesmo quarto.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Você está com a pistola?
- Sim. No bolso da minha saia.
- Carregada?
- Sim: Agora vá descansar . Você deve estar exausto.
Cooper saiu do quarto.
- Tranque a porta.
- É o que farei. Boa noite.
Helene se atirou na cama e adormeceu imediatamente.
Uma batida na porta. Helene abriu OS olhos para a luz do sol, que se
infiltrava através das cortinas franzidas. Confusa, sentou-se na cama e
tentou se orientar outra vez a mesma batida. Vozes de homens ecoa-
vam no corredor. Ela passou uma manta ao redor dos ombros e
levantou-se, encostando o ouvido na porta.
A primeira voz que ouviu foi a de Coopero No mesmo instante,
escancarou a porta.
Um homem alto e de cabelos escuros, vestindo casaco de pele, virou-
se para fitá-la, revelando um bigode muito preto e modos confiantes.
- Srta. Wainwright?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Sim?
- Tom Gruber. - Ele retirou um pedaço de papel das mãos de
Cooper, que insistia em examiná-lo, e entregou a Helene. Tratava-se
de uma carta de Samuel Wainwright, identificando o portador ·da
mesma. Estou aqui para levá-la para casa.
- Prazer em conhecê-lo, Sr. Gruber. - Ela estendeu a mão.
- Como você está planejando seguir viagem daqui?
- Cooper indagou.
Gruber lhe lançou um olhar irritado.
- Quem é esse homem?
- Cooper DeWitt - Helene explicou, apresentando um ao outro. - Da
Transportadora DeWitt. Ele me trouxe de Dakota.
- Como você está planejando seguir viagem daqui? - Outra vez
Cooper quis saber.
- Vou rumar para o norte e então seguir a costa, até podermos
atravessar o rio St. Lawrence.
- Helene, quero falar com você. - DeWitt empurrou a porta do quarto
e entrou.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Espere um momento... - Gruber interveio. Cooper fechou a porta
na cara do estranho. - O que você está fazendo?
- Ouça, Helene, não conhecemos esse tal de Gruber. Como podemos
ter certeza de que a levará para casa
em segurança? .
- Meu pai jamais enviaria alguém que não fosse de inteira confiança -
ela tornou a explicar.
Gruber batia na porta fechada insistentemente.
- Ele é um total desconhecido. Pense nisso! Pense na sua reputação.
Você não pode viajar sozinha com um estranho.
- Desde quando você se tornou minha mãe? Silêncio.
- E, além de tudo, estive viajando sozinha com você durante todo
esse tempo.
- Oh! Então está comparando ficar sozinha com ele a estar sozinha
comigo? Vai se abraçar a Gruber durante a noite também?
Ela o fitou boquiaberta, vermelha de raiva.
As batidas soaram mais altas, fazendo-a abrir a porta.
- Dê-nos alguns minutos, está bem? Eu o encontrarei lá embaixo,
para o café da manhã, dentro de meia hora.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Sem muito entusiasmo, Gruber concordou.
- Quero lhe agradecer por ter me trazido até aqui, Cooper. Obrigada
por me tolerar e por ser compreensivo. Acho que nunca me desculpei
apropriadamente por ter me aproveitado de você, usando a passagem
no lugar de Tess Cordell. Você tinha todo o direito de ficar irritado
comigo, entretanto agiu como um cavalheiro. Não creio que ... - As
palavras saíam com dificuldade agora, carregadas de emoção. - Nunca
poderei esquecer o tempo que passei em Stone Creek. Nunca poderei
esquecer Chumani, ou Yellow Eagle... - Num movimento
inconsciente, ela tocou a pedra que trazia no peito. - Ou você.
Silêncio.
- Acho que será melhor para nós dois nos despedirmos agora e
tomarmos nossos rumos - ela finalizou.
Embora sentisse os olhos de Cooper fixos em si, não teve coragem de
enfrentá-los.
- Obrigada por tudo - murmurou, a voz trêmula. No mesmo instante
o quarto pareceu ficar pequeno e frio, destituído de qualquer calor
humano. Sons da rua atravessavam as janelas fechadas, tornando o si-
lêncio entre ambos ainda mais pesado e sufocante.
Helene mudou de posição e o assoalho rangeu sob seus pés.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Sem uma palavra, sem um toque, ou um último olhar, Cooper abriu a
porta do quarto e partiu.
Ela fitou a porta fechada até os olhos começarem a arder, a visão
escurecendo por causa das lágrimas quentes e grossas. O amuleto
pulsava e parecia queimar-lhe a pele.
Estava acabado. Cooper partira para não mais voltar. Tentara fazer
com que a separação' fosse o menos dolorosa possível e não tinha
ninguém a quem culpar, a não ser a si mesma, por aquela situação.
Lançara-se· na vida de Cooper sem ter sido convidada, obrigara-o a
aceitá-la. Agora era tarde demais para se lamentar, ou pensar no que
teria acontecido "se" houvesse feito isso, ou aquilo... A única atitude
sensata era olhar para frente, para o futuro... apesar de não ter espe-
ranças de que o vazio de seu coração um dia poderia ser preenchido.
A passagem do tempo apenas contribuiu para lapidar a beleza de
Helene. Várias semanas depois, estava sentada num dos elegantes
salões de chá da cidade, na companhia da mãe e de uma amiga desta.
- Você irá ao concerto amanhã à noite, não é, Helene? - Constance
Mitchell indagou, ao terminar de comer um bolinho com glacê de
limão.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Oh, bem, eu...
- Claro que ela irá - Clarisse Wainwright retrucou, calando quaisquer
desculpas. - Helene está ansiosa para participar do evento, não é
mesmo, filha?
Constance tomou um longo gole de chá, antes de voltar à carga.
- Fico tão feliz, porque o jovem sobrinho de Winfred estará presente
também. Sei que irá adorá-lo, minha querida. Você quase não tem
participado das festas da sociedade, desde que voltou de sua viagem à
Filadélfia.
- É verdade - Helene concordou. - Mas nós sabemos como o povo
daquela cidade gosta de se divertir. Simplesmente fiquei exausta com
tantas recepções.
Clarisse lançou um olhar firme para a filha. A verdade sobre o
paradeiro de Helene nos últimos meses jamais seria aceita numa
sociedade tão conservadora. A sra. Wainwright estava convencida de
que se alguém descobrisse que Helene estivera sozinha no Oeste e
que fora raptada por selvagens, o resto da família jamais poderia
aparecer de cabeça erguida em público outra vez.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Portanto, preferindo não ser acusada de trazer desgraça para a família,
Helene acabara se conformando em aceitar a versão da mãe, segundo
a qual fizera uma longa viagem para visitar parentes na Filadélfia.
Dentre seus numerosos desapontamentos, estava o fato de que não
encontrara ninguém com quem pudesse partilhar suas histórias sobre
o Oeste. Sua mãe ameaçava desmaiar sempre que tentava abordar o
assunto. Seus irmãos a julgavam a moça mais tola do Leste e seu pai...
Bem, Samuel considerava as histórias dignas de serem publicadas e
adorava a série de artigos que ela escrevera, porém insistia para que
fossem publicadas... com um pseudônimo, a fim de proteger a
reputação de Helene, claro.
E Helene acabara mandando os originais de seu primeiro romance
para uma editora de Nova York, usando um pseudônimo também.
Então o que conseguira depois de viver todas aquelas aventuras? Uma
nova compreensão, e valorização, das pessoas e da vida em toda sua
diversidade. Uma tolerância, agora muito maior, de outras culturas... e
de SI mesma.
Num gesto impulsivo, tocou a pedra sob a blusa branca rendada. Sua
mãe não fora capaz de convencê-la a tirar o amuleto, ou até de deixá-
lo guardado numa gaveta. A pedra era seu vínculo com os espíritos
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
protetores, um último e tênue elo que a ligava ao homem que ficara
em Dakota.
Não queria relegar essa lembrança a uma gaveta.
Enquanto pudesse tocar a pedra e sentir seu calor e magia,
continuaria acreditando que Cooper pensava nela também.
Helene tocou a sycun e um nome ecoou em sua mente. Cooper.
Cooper. O que estaria ele fazendo naquele momento? Será que havia
levado uma mulher da reserva, para partilhar sua cama? Teria lido
algum dos livros que mandara para Yellow Eagle? Sentiria sua
ausência, naquela casa vazia? Estaria arrependido, por não ter querido
que ela ficasse?
- ...como aquele adorável vestido de tafetá azul Clarisse estava
dizendo. - É uma pena que ainda não seja primavera, mas mesmo
assim você ficará deslumbrante no de crepe azul - royal, com
sobressaia.
- Então já está decidido até o que irei usar Helene falou para
Constance, sendo arrancada dos devaneios. - Espero que o sobrinho
do Sr. Mitchell goste de azul.
- Ele irá adorar azul, quando a vir envolta nessa tonalidade.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Helene ajudou a mãe a vestir o casaco antes de entrarem na
carruagem, que as levaria de volta para casa. Clarisse falava sem parar.
Entediada, ela ma tinha os olhos fixos na cortina que cobria
parcialmente a janela da carruagem.
De repente, uma figura alta, vestindo um casaco da cor das roupas
que Cooper costumava usar, chamou-lhe a atenção, fazendo-a
levantar a cortina no mesmo instante, o coração batendo depressa,
esperançoso... Apenas decepção. Todos os passantes eram homens
comuns. Todos incapazes de lhe despertar o menor interesse. Todos
ocupados com seus negócios típicos de uma cidade grande.
- O que você está fazendo, Helene?
Ela tornou a se recostar no estofado ricamente recoberto de couro.
- Pensei ter visto alguém que conhecia.
A carruagem parou diante de casa dali a alguns minutos e o cocheiro
ajudou seus ocupantes a descer.
Durante o resto da tarde, Helene dedicou-se a trabalhar no segundo
romance que escrevia. O pai e irmãos passaram o jantar falando sobre
a guerra no México e ela mal tocou na comida, ouvindo a conversa
distraidamente.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Mais tarde, incapaz de dormir, foi até a biblioteca, em busca de um
livro. Seu pai estava sentado na cadeira de couro, a fumaça do charuto
flutuando ao redor do abajur. Helene fitou o abajur, lembrando-se
daquele que Cooper mandara comprar e fizera questão, de lhe
mostrar, orgulhoso.
- Não consegue dormir, Preciosa?
Ela sentou-se numa poltrona diante da escrivaninha e ajeitou os pés
nus sob a camisola.
-Não.
Samuel recostou-se, abandonando a leitura.
- Você está diferente, filha - falou simplesmente. Helene deu de
ombros. Tinha consciência de que estava diferente, porém, era uma
mudança interior, algo de que sua família jamais se daria conta. Para
eles, nunca mudaria, nunca cresceria.
- Jamais pensei que um dia lhe diria isso. Por tanto tempo a tenho
desencorajado do jornal. Tentei fazê-la se interessar por outras coisas,
procurei apresentá-la a vários rapazes, esperei que descobrisse algo a
que se dedicar.
Sem nada responder, ela apenas fitou o pai.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- De alguma maneira, o fato de você estar se submetendo a isso tudo
agora não me parece certo. Você está se sentindo desanimada, não é?
- Imagino que sim. Cansada de lutar contra moinhos de vento.
- Querida, seus artigos sobre as noivas ganharam a primeira página. O
New York Times quis publicá-los, pelo amor de Deus! Pode se sentir
muito orgulhosa de tê-los escrito.
- Posso sentir orgulho de Harold Winthrop - ela retrucou irônica.
- Você sabe por que tivemos que usar um pseudônimo - o pai a
repreendeu. - Sua mãe não poderia aparecer em público outra vez, se
as pessoas descobrissem onde você esteve!
- Nada mudou enquanto estive fora. - Helene levantou-se
subitamente. - Assim, para manter minha sanidade, estou mudando.
Nunca fui o que você desejou que eu fosse, pai. Como tive a audácia
de nascer do sexo feminino, você esperava que eu pudesse gostar das
coisas que as outras meninas gostavam, não é? Em vez de ter estado
me sujando com a graxa das prensas, eu deveria ter me dedicado a
recortar bonecas de papel do jornal de domingo. Em vez de vir para
casa com a saia suja de tinta, deveria ter aprendido a fazer beicinho
até convencê-lo a me comprar roupas feitas em Paris. Entretanto,
tudo o que eu sempre quis, foi ser parte do jornal. Queria que você
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
sentisse tanto orgulho de mim como sentia de Charles e Turner.
Queria poder participar do trabalho, me sentir aceita e valorizada. O
mesmo amor pelo cheiro da tinta e pelo barulho das prensas que arde
em seu coração, arde aqui também. - Ela levou a mão ao peito, os
olhos brilhantes de emoção.
- Mas não passo de um estorvo, uma chateação. Não sou como
Charles, Turner ou Evan. The Daily é um belo negócio e os três se
encaixam na engrenagem com perfeição.
- Helene - Samuel murmurou completamente atônito. Ele não sabia o
que dizer o que pensar. Nunca imaginara que esse lado da filha
existisse, nunca a soubera capaz de sentimentos, desejos e ânsias
assim.
- Você não precisa dizer nada - ela falou, reconhecendo o embaraço
do pai. - Apenas não me espere pular de alegria diante da
possibilidade de me envolver com o arremedo de um homem, ou de
cair aos pés de alguém com mãos tão brancas e macias quanto as de
minha mãe.
Sabendo que seria difícil continuar a esconder a dor que a consumia,
Helene desejou boa-noite ao pai e saiu correndo da biblioteca.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
N a dia seguinte, Helene acordou determinada a desfrutar do
concerto, logo mais à noite, apesar do sobrinho do Sr. Mitchell.
Amava música e uma apresentação daquela qualidade com certeza
seria maravilhosa.
Quando a mãe propôs que a acompanhasse para algumas compras,
durante a tarde, ela desculpou-se, dizendo que preferia ficar em casa
para descansar. Seu pai ainda estava no jornal e gostava de ficar só
para trabalhar no romance.
Ao entardecer, Helene acendeu o lampião e foi até a cozinha, fazer
um chá.
Passando pelo vestíbulo, ouviu uma batida na porta.
Como não havia nenhum criado por perto, decidiu atender.
Por um instante, sentiu o coração parar de bater. Um homem enorme
e musculoso, vestido como um desbravador fitava-a. O casaco de
pele apenas o fazia parecer ainda maior, e o rifle jogado sobre o
ombro contribuía para acentuar a expressão feroz.
Uma felicidade extrema inundou o peito de Helene.
- Cooper!
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
CAPÍTULO XVIII
Os olhos incrivelmente azuis a fitaram por um longo instante,
nenhum detalhe lhes passando despercebido.
- O que você está fazendo aqui? - Helene perguntou, maravilhada.
Nunca imaginara que um dia encontraria Cooper DeWitt na soleira de
sua porta.
- Vim vê-la. Para conversarmos.
- Srta. Wainwright? - a criada falou, aproximando-se.
- Está tudo bem, Sarah, pode se retirar. - Assim que a empregada
desapareceu, ela fez sinal para que Cooper entrasse, sem no entanto
fechar a porta.
- Podemos nos falar a sós?
- Seria algo bastante impróprio. - Por outro lado, que outra alternativa
restara a Cooper? Afinal, ele não fazia idéia de que deveria ter
mandado uma mensagem, ou arrumado um encontro num local
apropriado. Esses detalhes de uma sociedade conservadora ao
extremo lhe eram desconhecidos.
De repente, uma carruagem dobrou a esquina.
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- Mamãe! - ela exclamou. - Minha mãe está chegando em casa! - Sem
pensar duas vezes, agarrou-o pela manga do casaco. - Venha comigo.
Depressa!
Ela o arrastou escada acima e o fez entrar no quarto.
Então fechou a porta.
- Desculpe-me. Porém minha mãe jamais entenderia.
De pé no centro do quarto, Cooper observou os detalhes. Através
dos olhos dele, Helene examinou próprias coisas como se as visse
pela primeira vez. O papel de parede cor-de-rosa, as cortinas com
babados e franjas, a caixa de prata sobre a cômoda, onde guardava as
jóias. O vestido bordado com contas, que Chumani a ajudara a fazer,
dependurado num canto.
A cama de dossel, que sempre lhe parecera enorme, ficava diminuída
perto da alta estatura de Cooper.
- Tire o casaco.
Encostando o rifle contra a parede, ele tirou o casaco e Helene o
segurou, resistindo à tentação de enterrar o nariz na pele macia e
aspirar o cheiro e a quentura daquele corpo. Nunca pensara que um
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
dia tornaria a vê-lo. Não ousara sonhar que um dia estariam tão
próximos assim para que pudesse ... tocá-lo.
De repente, seus joelhos ficaram trêmulos e ela sentou-se na beirada
da cama, ainda segurando o casaco no colo. Não se importava se
Cooper continuasse em silêncio. Bastava fitá-lo para sentir o coração
palpitar de prazer.
- Cheguei em casa em segurança - falou afinal.
- Eu sei.
Ele sabia?
- Como estão Chumani e Yellow Eagle?
- Não sei ao certo.
- O que está querendo dizer com isso?
- Ainda não voltei para casa.
- Você ainda... ! Onde tem andado então?
- Estive em Quebec, durante um certo tempo. Fiz negócios com
alguns mercadores franceses.
- Quebec! O que foi fazer em Quebec?
- Já lhe disse... Tinha alguns negócios que precisava tratar e ...
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- Você nos seguiu!
Alguns segundos se passaram antes que Helene absorvesse o
significado do que acabara de descobrir.
- Por que nos seguiu?
- Sentia-me responsável por você.
Devagar, ela alisou o casaco de pele.
- Por que veio até aqui?
- Eu tinha essa idéia maluca...
- Qual? - Helene insistiu.
- Que talvez pudéssemos encontrar um lugar no meio do caminho...
um lugar onde poderíamos ...
- O quê?
- É uma idéia maluca. Duluth não era tão terrível assim, porém
Massachusetts é ...
Eu nunca poderia suportar isso aqui. Compreendendo, enfim, o que
estava por trás de tudo aquilo, Helene sentiu-se criar alma nova.
- Você estava pensando que talvez houvesse um lugar, entre seu
mundo e o meu, no qual poderíamos construir uma vida em comum?
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Sim. Porém não sou tolo o suficiente para pensar que o amor é a
resposta para tudo. Eu poderia amá-la com cada fibra do meu ser e,
mesmo assim, continuaria odiando isso aqui. Eu não me enquadraria
a essa sociedade e você teria vergonha de mim.
- Eu nunca poderia sentir vergonha de você, Cooper. E tampouco
quero que se enquadre. Há muitos cavalheiros em Boston,
perfeitamente "enquadrados" e não quero nenhum deles.
Ele a fitou demoradamente, a expressão do rosto viril suavizando-se.
- O diabo é que tampouco me enquadro! - ela exclamou sorrindo. -
Que foi que você disse, sobre como poderia me amar?
- Eu já o disse, não?
- É verdade? Você me ama?
- Sim, eu te amo.
A felicidade era tanta, que Helene pensou não suportar.
- Por que não me disse antes?
Cooper sentou-se na cama, ao seu lado.
- Não queria prendê-la lá ... onde acabaria se sentindo miserável.
- Não me sentiria miserável.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
- Ouça, meu pai levou minha mãe para Dakota e ela passou cada
momento sentindo-se desgraçada e lastimando haver saído da cidade.
Minha mãe simplesmente não podia suportar aquele estilo de vida e
acabou nos abandonando. Meu pai foi atrás. Nunca mais tive notícias
de nenhum dos dois. Não sei se ele a encontrou, ou se um deles
sobreviveu. Sei apenas que minha mãe odiava tanto aquela terra, que
preferiu largar a própria família do que continuar lá.
- Sinto muito sobre isso tudo - Helene falou sinceramente. - Mas não
sou sua mãe. Não sou como ela. Não senti falta da cidade nem por
um instante, enquanto estive em Stone Creek. Meu problema era que
ainda alimentava esse sonho absurdo de que poderia ter um futuro
como repórter.
- Você já não quer isso?
- É algo que não acontecerá. - Ela piscou várias vezes para não
chorar. - Em vez disso, vou acabar sendo exatamente como minha
mãe.
- Talvez haja uma maneira de resolver a questão.
- Oh, sempre tem uma maneira. Eu poderia renunciar à minha
família, ser rejeitada pela sociedade e fazer uma tola de mim mesma.
Não é uma opção que me agrade.
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
Cooper hesitou, desejando mais do que tudo, dar a Helene o que ela
ansiava.
- Você não está feliz aqui? - ousou perguntar.
- Não. Não estou feliz aqui.
- E quanto aos seus amigos? As coisas que você gosta de fazer? As
lojas?
- Onde você está querendo chegar, Cooper?
- Você poderia ser feliz em Stone Creek?
- Sempre fui feliz em Stone Creek. Apenas não sabia.
- Você poderia me amar? - O brilho dos olhos escuros o fez desejar
se apegar àquele momento para sempre.
- Eu te amo, Cooper, com todo meu coração. - Sem que pudesse
evitar, Helene sentiu lágrimas de emoção virem-lhe aos olhos.
Segundos depois, soluçava incontrolavelmente.
Ele tomou o rosto delicado entre as mãos, inundado por uma
felicidade que jamais sonhara conhecer.
Helene. Helene, que não se deixara intimidar por assaltantes de
diligência, que enfrentara índios e atirara num urso pardo sem
derramar uma lágrima. Helene, que sobrevivera a seqüestro,
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
tratamento brutal e febre sem se alquebrar, agora chorava. Lágrimas
quentes, sentidas, por causa de um desbravador selvagem a quem
amava.
- Helene, preciso de você - ele admitiu, a voz rouca de emoção. -
Case-se comigo e venha para nossa casa.
Jogando o casaco sobre a cama, Helene se atirou nos braços fortes e
o beijou na boca, apaixonadamente.
- E quanto a uma esposa índia? - indagou sorrindo, quando pôde
enfim respirar.
- Não quero ninguém mais, a não ser você.
- Uma esposa índia seria mais fácil de controlar e saberia cozinhar
bem, além de montar a cavalo.
- Mas não conseguiria fazer isso. - Cooper pressionou a mão de
Helene sobre seu coração, que batia desordenando. – ou isso. – Então
a fez tocar no sexo rígido. - Também não conseguiria me fazer rir.i,
Louca de alegria, ela o beijou com sofreguidão, sorvendo-lhe a boca
com uma fome que não podia ser' saciada. Depois o beijou nos olhos,
na testa, nas sobrancelhas, no pescoço, perdida de desejo. Nada mais
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Clássicos Históricos Especial 50A noiva da fronteira – Cheryl St. John
no mundo parecia existir. Sabia apenas que o queria, precisava dele
como do ar que respirava e tinha que possuí-lo.
Ofegante, afastou-se um pouco e soltou os cabelos de Cooper,
deslizando os dedos pelas mechas louras e lisas. Ele retribuiu o gesto
e tornou a beijá-la nos lábios avidamente.
- Tire a camisa - ela pediu impaciente.
- Aqui? E se...
Sem nada responder, Helene se encarregou de livrá-lo da camisa, a
atenção concentrada no peito largo, nos braços bronzeados, com
músculos aparentes. Depois, levantou-se depressa e trancou a porta
do quarto.
Fitando-o fixamente, aproximou-se da cama enquanto desabotoava a
blusa devagar. Cooper a ajudou a se livrar da saia. Então, ajoelhou-se
e lhe tirou os sapatos dos pés e as .meias, num gesto carregado de
sensualidade. Ao sentir as mãos grandes e ásperas tocarem suas coxas
nuas, estremeceu de prazer.
Ansiosa, os dedos trêmulos, tirou o corpete, revelando os seios
túrgidos. Cooper os acariciou gentilmente, pressionando os mamilos
eretos de leve. Ouvindo-a suspirar, deslizou a língua pelo pescoço
esguio, provando o gosto dela, testando-a, provocando-a.
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Helene se afastou por um instante e tirou a colcha da cama. Ao seu
lado, Cooper se livrou da calça de couro, a tanga pequena mal
contendo sua excitação. Ao segurá-la na cintura, ela sorriu.
- Por que você está sorrindo?
- Ontem à noite disse ao meu pai que nunca me casaria com um
homem de mãos brancas e macias. Não há nada de pálido e suave em
você.
Sem medos, ou hesitações, Helene removeu a última peça de roupa,
expondo o corpo inteiramente nu aos olhos do homem amado.
- Isso significa que você aceita meu pedido de casamento?
- Cooper! Claro que sim! Pensei que já houvéssemos decidido isso.
- Mas você ainda não tinha me dito sim.
- Sim - ela murmurou baixinho, os olhos dançando de felicidade.
Abraçados, deitaram-se na cama. Cooper cobriu os seios muito
brancos com ambas as mãos, beijou-os e massageou os mamilos com
a língua. Helene arqueou as costas num oferecimento silencioso, o
sangue pulsando nas veias, os nervos vibrantes de excitação.
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Ela acariciou a pele morena, colando-se a Cooper como se não fosse
soltá-lo jamais. Na sua exploração, descobriu como desfazer o nó que
ainda prendia a tanga de couro.
- Espere um instante - falou de repente.
- O que foi?
Helene apanhou o casaco de Cooper, que ficara jogado aos pés da
cama, e o estendeu sobre os lençóis. Então acomodou-se sobre a pele
macia enquanto desfazia o nó que o livrava da última peça de roupa.
- Por que isso? - Cooper perguntou sorrindo. Um gosto especial por
pele?
- Quero sentir a textura da pele sob meu corpo e você me
pressionando por cima. Faz-me lembrar de nossa casa.
Delicadamente, Cooper se posicionou entre as coxas entreabertas e se
guiou para dentro dela. Helene quase entrou em pânico quando o
sexo rígido e quente forçou a barreira sensível de sua feminilidade.
Porém ele aplacou seus temores com um beijo e carícias eróticas.
Um estremecimento de prazer a percorreu então. Sentia-se como se
estivesse se expandindo, absorvendo cada centímetro de Cooper. Ele
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fez uma nova investida, com mais força desta vez, penetrando-a por
completo.
Imediatamente, Helene notou que seus músculos internos se
distendiam para acomodá-lo. O corpo de Cooper era firme e
poderoso, o contato íntimo dos dois arrastando-a num turbilhão de
sensações delirantes. Cooper precisava dela. Precisava de cada fibra
de seu ser e por isso entregou-se sem reservas, com total abandono;
cumprindo seu destino na vida e compreendendo, enfim, a dimensão
da própria feminilidade. Pela primeira vez, exultava em ser mulher.
Sentia-se plena, realizada.
Ele estabeleceu o ritmo, as investidas tornando-se mais rápidas e
urgentes, o prazer se transformando numa quase agonia, tão grande a
intensidade. Helene gritou no auge da excitação, implorando para que
aquele doce tormento jamais tivesse fim.
Com um último estremecimento, Cooper se derramou dentro dela,
ouvindo-a gemer de êxtase. Por um longo instante, permaneceram
abraçados, os corpos suados ainda unidos. Ela o acariciou no rosto e
o beijou nos lábios de leve.
- Eu te amo, Cooper.
- Eu te...
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- Helene! - Uma batida forte na porta e a voz de sua mãe. - Helene, o
que você está fazendo?
Ela pulou da cama, uma expressão aflita no rosto.
- Helene? - Clarisse tornou a chamar.
- Às pressas, ela apanhou as roupas jogadas no chão e começou a
vestir-se, enquanto fazia sinal para que Cooper vestisse a calça e a
camisa.
Desta vez a batida na porta soou alta e ansiosa.
- Helene, responda-me!
- Estou bem, mãe.
A urgência de Helene acabou por contaminá-lo e Cooper vestiu a
calça e camisa rapidamente. Ao tentar sentar-se na cama para calçar as
botas, ela o impediu, aflita para arrumar os lençóis amarrotados e
estender a colcha. Ele foi obrigado a calçar as botas de pé mesmo.
Sabendo que cada segundo apenas piorava a situação, Helene
abotoou a blusa, colocou-a para dentro da saia e prendeu os cabelos
num coque frouxo.
- Ela estava se comportando de uma maneira muito estranha ontem à
noite, Clarisse - ouviu o pai dizer. - Não estou gostando disso.
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- Helene, abra já essa porta ou seu pai a arrombará!
Sem outra alternativa, ela lançou um último olhar para Cooper e
destrancou a porta.
- Helene! Que história é essa? Que é que está acontecendo com você?
- Clarisse perguntou, notando a aparência desalinhada da filha, o rosto
afogueado e os olhos brilhantes. Então a presença maciça de Cooper
prendeu sua atenção. Vendo aqueles cabelos compridos e soltos, as
roupas primitivas, típicas da fronteira, e a maneira intimidante como
se posicionava, Clarisse levou a mão ao peito. - O que ... quem ... ? .
- Que diabos você está fazendo no quarto de minha filha? - Samuel o
interpelou, áspero.
- Posso explicar - Helene interveio.
Porém antes que ela dissesse mais alguma coisa, Cooper moveu-se e
apanhou o rifle que deixara encostado contra a parede. No mesmo
instante, Samuel deu um passo à frente, ficando na frente da esposa.
Cooper lhe entregou o rifle, de maneira que o cano ficasse apontado
contra o próprio peito.
- Receio que o senhor terá que insistir para que eu me case com sua
filha. Eu a comprometi.
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Boquiaberta, Helene o fitou. Clarisse ameaçou desmaiar e ela
conduziu a mãe até a cama, fazendo-a sentar-se.
Samuel manteve a arma apontada contra o peito do estranho.
- O rifle está carregado? - perguntou a Cooper.
-Sim.
- O que ele está dizendo é verdade, Helene? - Samuel indagou à filha.
- É verdade - Cooper insistiu. - Dormi com sua filha em meus braços
todas as noites, de Dakota até Duluth.
Helene sentiu-se enrubescer da cabeça aos pés.
- Bem, não foi exatamente...
- Quem diabos é você? - Samuel explodiu.
- Cooper DeWitt.
- Devo matá-lo? - Wainwright perguntou à filha.
- Não! - Helene deixou a mãe e correu para ficar entre Cooper e o
cano da arma. - Você não precisa da arma, pai. Quero me casar com
ele. Eu o amo.
- E quanto a ele? Ama-a também?
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Ela deu um passo para o lado e fitou Cooper, embora se dirigisse ao
pai.
- Pergunte-lhe.
- Não é necessário.me apontar essa arma, senhor. Quero sua filha
para minha esposa.
Feliz, Helene o abraçou com força, recostando a cabeça no peito
forte, os corações de ambos pulsando no mesmo ritmo.
- Então imagino que esteja resolvido - Samuel falou, colocando o rifle
sobre uma cadeira.
- Que coisa é essa?
Ao ver a mãe segurando a tanga de couro entre o polegar e o
indicador, parecendo totalmente confusa, Helene olhou para Cooper.
Os dois deram de ombros e começaram a rir.
EPÍLOGO
Parada numa das novas calçadas de Stone Creek, Helene estudava as
letras douradas escritas no vidro de uma das janelas da construção
recém-terminada: Diário de Stone Creek. Helene Clair DeWitt.
Editora-chefe. Seu pai havia lhe mandado uma velha prensa, que
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ficara guardada durante anos. Helene sabia como manejá-la e Yellow
Eagle estava aprendendo a arrumar as letras para a impressão. Lowell
Heckman, o ferreiro, acabara se revelando um técnico excelente,
quando reparos precisavam ser feitos.
- Bom dia, sra. DeWitt!
Ela acenou para os Howard, os parentes de Wiley que haviam se
mudado para Stone Creek na primavera passada. O casal entrou no
armazém. O velho Reavis fora obrigado a fazer uma bela limpeza no
local, com a chegada de mais mulheres e famílias inteiras ao território.
E o fato de uma outra família ter aberto uma pequena mercearia, e
assim estar lhe fazendo concorrência, também servira de incentivo.
Wiley pedira Chumani em casamento e as bodas deveriam acontecer
no outono.
- Você está trabalhando, ou admirando sua janela? - Cooper parou o
cavalo a uma pequena distância do passeio.
Seu coração pulou de alegria, como acontecia sempre à simples visão
do marido.
- Um pouco das duas coisas, acho.
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Três dias por semana, eles iam até a reserva e Helene dava aula para
as crianças.
- Não me esqueci de que hoje é nosso dia de ir à reserva. Estou
apenas um pouco lenta, ultimamente.
Ele desmontou e amarrou as rédeas num poste de madeira.
- Alguma razão em particular para se sentir assim?
- Talvez. - Ela entrou no escritório do jornal e o marido a seguiu.
Então apanhou uma cópia da edição que seria distribuída mais tarde,
ainda naquele dia, e apontou para a ousada manchete.
- "Casal DeWitt à Espera do Primeiro Herdeiro" - ele leu em voz alta.
- Vamos ter um filho, Helene?
- Sim. Vamos ter um bebê.
Os olhos azuis brilharam de emoção.
- Você está feliz? - ela perguntou baixinho.
- Não poderia estar mais feliz. - Cooper abraçou-a ternamente. - E
você?
- Muito. Se for menino, eu lhe farei roupas de couro, como as suas.
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- Se for menina, será uma gata selvagem, como a mãe. Nós a
ensinaremos a cavalgar e caçar. E você poderá lhe ensinar a lidar com
as prensas.
- Nossos filhos poderão ser o que desejarem, não é?
- Sim, querida. Eles serão donos do próprio destino.
- Foi pensando na chegada de nossos filhos que você está
construindo mais um quarto, não é?
- Mas logo estaremos construindo uma casa muito maior. "Família de
Stone Creek Ergue Mansão." ele brincou.
Continue tentando. Vai demorar muito até que você consiga elaborar
uma manchete melhor do que a minha.
Relutante, Cooper olhou para a folha de jornal que Helene imprimira
e colocara numa moldura para dependurá-la, orgulhosa, numa das
paredes do escritório. Em letras garrafais, a manchete dizia: "Noiva da
Fronteira: Conseguiu sua História - E seu Homem".
Fim ♥♥♥♥♥
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