VERA MARIA VIDAL PERONI
A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E A POLÍTICA
EDUCACACIONAL NO BRASIL DOS ANOS 90
Doutorado em História e Filosofia da Educação
PUC/SP 1999
VERA MARIA VIDAL PERONI
A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E A POLÍTICA
EDUCACIONAL NO BRASIL DOS ANOS 90
Tese apresentada à Banca examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção de título de DOUTORA em
História e Filosofia da Educação, sob a orientação do
Prof. Doutor Sérgio Haddad
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA MONTE ALEGRE – PUC-SP
TD
370.9
Peroni, Vera Maria Vidal
P
A redefinição do papel do Estado e a política educacional no Brasil
dos anos 90, - São Paulo: s.n.,1999.
281f; il. Graf. Tab. ; 30 cm.
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Área de concentração: Educação: História e Filosofia da Educação
Orientador: Sérgio Haddad
1. Educação e Estado
Palavra-chave: Descentralização – Centralização – Educação em Porto Alegre, RS –
Educação em Campo Grande, MS
RESUMO
O objetivo dessa pesquisa foi o de verificar como estão se materializando na
política educacional as redefinições do papel do Estado nesses anos 90, tendo como
pressuposto que a política educacional não é simplesmente determinada pelas
mudanças que estão ocorrendo na redefinição do papel do Estado, mas é parte
constitutiva dessas mudanças. Esse objetivo é parte de um enfoque metodológico
prévio, onde buscamos a relação entre o universal - modo de produção capitalista e
as particularidades desse momento histórico - com o singular no caso, a política
educacional, numa perspectiva de apreensão da totalidade.
Ao analisarmos os projetos de política educacional, no âmbito nacional e
local, assim como os dados de realidade dos dois municípios estudados ( Porto
Alegre e Campo Grande), constatamos que a redefinição do papel do Estado está se
materializando na política educacional, principalmente em dois movimentos: o de
contradição Estado mínimo/Estado máximo, que apresenta-se nos processos de
centralização /descentralização dos projetos de política educacional e no conteúdo
dos projetos de descentralização.
Nos projetos de política educacional, de caráter nacional, constatamos que,
por um lado, o governo federal, com essas reformas, vem se desobrigando do
financiamento das políticas educacionais, mas que, por outro lado, objetiva
centralizar as diretrizes, principalmente mediante parâmetros curriculares nacionais e
avaliação das instituições de ensino. Nas políticas educacionais de caráter local, nos
municípios estudados, verificamos que o conteúdo da descentralização apresenta
caráter diferenciado nos casos estudados, revelando projetos de sociedade e de
política educacional também diferenciados.
Verificamos, assim, a dificuldade de discutir o termo descentralização em si,
desvinculado do tempo e do espaço. Constatamos que o conteúdo da
descentralização é parte de projetos de sociedade e projetos de educação e portanto é
construído em um processo de correlação de forças. Já que, tanto pode significar
maior participação e controle social como o repasse para a sociedade de tarefas que
até então eram do Estado.
AGRADECIMENTOS
Essa tese só foi possível pela colaboração de muitos, em especial:
Sérgio Haddad, Evaldo Amaro Vieira, Mírian Jorge Warde, Nalú Farenzena,
Vicente Rodriguez, Cícero Justo, Antônio Carlos Mazzeo, José Paulo Neto, Jussara
Mendes, Lino e Ignês Peroni, Maria Rita Peroni, Lino José Peroni, Alfredo Batista,
Paulo Tumollo, Terezinha Pereira Braz, José Roberto Talaveira, Venício (CPERS),
equipes da SMED Porto Alegre, SMED Campo Grande, SEC Mato Grosso do Sul,
SEC Rio Grande do Sul, Jardel e Luciene (Sec. Fazenda Porto Alegre), Meneguethi
e Salvatori (FEE), Maria Dilnéia Spíndola, Valmir Gabriel Ortega, Vera Souza,
Nara Rejane da Silva, Fernando Casadei, colegas e amigos do NEAM e do Núcleo
Estado, Sociedade e Educação popular, colegas e amigos do DED Dourados.
É a vocês que dedico esse trabalho.
Sumário
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO 1- BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A REDEFINIÇÃO DO
PAPEL DO ESTADO
1.1 A redefinição do papel do Estado 40
1.2 A particularidade brasileira 40
1.2.1 A formação do Estado nacional 24
1.2.2 Descentralização e centralização: o histórico confronto de interesses 43
1.2.3 O processo de transição: descentralização 48
1.2.4 Os anos 90: a crise continua... 53
1.2.5 A crise fiscal nos Estados e municípios 60
1.2.6 O plano de reforma do Estado no Brasil 68
1.2.7 Descentralização 79
CAPÍTULO 2 – RELAÇÃO DA POLÍTICA EDUCACIONAL DOS ANOS 90
COM A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO
2.1 Os anos 80 e o processo de democratização da educação 78
2.2 O processo de tramitação da Lei de Diretrizes e Bases 82
2.3 Os anos 90 e os novos interlocutores do governo 90
2.4 A influência dos organismos internacionais na política educacional
dos anos 90 97
2.5 Autonomia na escola 106
2.6 Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) 109
2.7 Avaliação Institucional 117
2.8 Financiamento 127
CAPÍTULO 3 – AS EXPERIÊNCIAS DE DESCENTRALIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO EM DOIS MUNICÍPIOS: CAMPO GRANDE E PORTO
ALEGRE
3.1 Campo Grande 154
3.2 Porto Alegre 161
3.2.1 Caracterização do município 148
3.2.2 Educação em Porto Alegre 153
3.3 A comparação entre os dados dos municípios: Campo Grande e Porto
Alegre 173
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 193
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 198
LISTA DE TABELAS e QUADROS:
TABELAS:
Tabela 1.1 – Empréstimos do Sistema Bancário Internacional às áreas dominadas
segundo prazo de maturação (em US$ bi) – dez. 1997
Tabela 1.2 - Previsão das perdas do município de Porto Alegre
Tabela 2.1 - Despesa por Programa de Trabalho – Secretaria Municipal de Educação-
Porto Alegre
Tabela 2.2 Despesa por Programa de Trabalho – Secretaria Municipal de Educação –
Campo Grande
Tabela 3.1 – Caracterização dos municípios
Tabela 3. 2 - Percentual das despesas por função em Porto Alegre e Campo Grande –
1988-1998
Tabela 3.3 - Dados comparativos da educação em Porto Alegre e Campo Grande
Tabela 3.4 - Percentual de Receita Própria em Porto Alegre e Campo Grande –
1988-1998
Tabela 3.5 - Percentual de Transferências da União em Porto Alegre e Campo
Grande 1988-1998
Tabela 3.6 - Percentual de Transferências do Estado em Porto Alegre e Campo
Grande 1988-1998
Tabela 3.7 - Percentual de Dívida ativa tributária, mais multas e juros de mora em
Porto Alegre e Campo Grande – 1988-1998
Tabela 3.8 - Percentual da Despesa em educação na despesa total da União –1994-
1998
Tabela 3.9 - Percentual da despesa em educação na despesa total - União, Estados e
municípios – 1990-1997
Tabela 3.10 - Matrícula inicial na pré escola, por dependência administrativa – rede
estadual – Campo Grande/ Porto Alegre, 1988-1998
Tabela 3.11 - Matrícula inicial na pré escola, por dependência administrativa – rede
municipal – Campo Grande/ Porto Alegre, 1988-1998
Tabela 3.12 – Percentual de matrículas na pré escola por dependência administrativa
– União, Estados e municípios -1996
Tabela 3.13 - Taxa de crescimento da população/taxa de crescimento da matrícula na
pré-escola/ taxa de escolarização- 1991/1996- Porto Alegre/Campo Grande
Tabela 3.14 - Matrícula inicial no ensino fundamental, por dependência
administrativa – rede estadual – Campo Grande /Porto Alegre 1988-1998
Tabela 3.15 - Matrícula inicial no ensino fundamental, por dependência
administrativa – rede municipal – Campo Grande /Porto Alegre 1988-1998
Tabela 3.16 – Percentual de matrículas no ensino fundamental por dependência
administrativa – União, Estados e municípios -1996
Tabela 3.17 – Taxa de crescimento da população/ taxa de crescimento da matrícula
no ensino fundamental/ taxa de escolarização – 1991 e 1996 – Porto
Alegre/Campo Grande
Tabela 3.18 - Matrícula inicial no ensino médio, por dependência administrativa –
rede estadual – Campo Grande /Porto Alegre 1988-1998
Tabela 3.19 - Matrícula inicial no ensino médio, por dependência administrativa –
rede municipal – Campo Grande/ Porto Alegre 1988-1998
Tabela 3.20 – Percentual de matrículas no ensino médio por dependência
administrativa – União, Estados e municípios -1996
Tabela 3.21 - Gasto aluno na rede municipal Campo Grande/Porto Alegre
Tabela 3.22 - Vencimento básico dos professores da rede municipal de ensino de
Porto Alegre e de Campo Grande – Habilitação magistério (Porto Alegre 20h)
(Campo Grande 25h)
Tabela 3.23 - Vencimento básico dos professores da rede municipal de ensino de
Porto Alegre e de Campo Grande – Pós-graduação (Porto Alegre 20h) (Campo
Grande 25h)
Tabela 3.24 - Qualificação dos professores da rede municipal em Porto Alegre e
Campo Grande –1998
Tabela 3.25 - Número de professores regentes de classe efetivos e convocados em
Campo Grande (1997 e 1998)
Tabela 3.26 - Número de Professores Campo Grande/Porto Alegre
Tabela 3.27 - Número de alunos por regente de classe- Campo Grande (níveis de
ensino)
Tabela 3.28 - Número de alunos por regente de classe rede municipal –Porto Alegre
Tabela 3.29 - Número de alunos por professor
Tabela 3.30 - Dados de gestão da educação em Porto Alegre e Campo Grande
Tabela 3.31 - Dados do Conselho Municipal de Educação em Porto Alegre e Campo
Grande
Quadros:
Quadro 1.1 - Setores do Estado quanto à forma de propriedade e forma de
administração
Quadro 2.1 – Valores destinados às escolas com 1.501 a 2.000 alunos
no projeto Dinheiro na Escola
Quadro 2.2 – Situações de manutenção e desenvolvimento do ensino
Quadro 2.3 - Gastos públicos totais e correntes de alguns países, em educação, em
percentual do PIB 1
Quadro 2.4 - Salário-Educação série 1994-1997
1 Conforme Helene, é importante que se faça a distinção entre gastos totais e correntes, pois os gastos
totais incluem, genericamente todos os gastos com educação, e os correntes são os gastos mais
diretamente ligados ao ensino e, portanto, aqueles que melhor caracterizam as reais possibilidades
escolares de um país.
INTRODUÇÃO
O interesse por pesquisarmos o tema desenvolvido neste estudo surgiu da
necessidade de entendermos a educação no contexto das mudanças sociais, políticas
e econômicas atualmente em curso no capitalismo em níveis nacional e internacional.
Apresentaremos nossa trajetória de pesquisa, pois julgamos que a riqueza
desta tese está, também, no processo de construção do objeto de estudo, que foi
sendo reformulado e organizado durante a coleta e análise dos dados empíricos. Isso
ocorreu desde o início, com a reunião de projetos do Executivo e Legislativo, até a
análise dos dados quantitativos e qualitativos de política educacional dos municípios.
Esse foi, realmente, um grande aprendizado de pesquisa, o qual julgamos ser o
objetivo maior de um doutorado.
Inicialmente, optamos pelo estudo dos processos de reformas educativas
que estariam ocorrendo, quase que simultaneamente, na Argentina e no Brasil.
Escolhemos esses países, principalmente, pelo peso político que eles teriam na
coordenação das ações políticas de viabilização do MERCOSUL, principalmente
porque o Plano Trienal de Educação para o MERCOSUL previa a coordenação das
políticas educativas dos Estados-parte, isto é, o Brasil teria que afinar sua política
educativa com a dos demais países-membros.
Em uma primeira aproximação com o objeto de estudo, o que se
apresentou foi a Lei Nacional de Educação (1993) da Argentina, com os pilares da
reforma: descentralização administrativa, centralização curricular, avaliação e
financiamento. Porém, no Brasil, esse processo deu-se em duas frentes, por
características peculiares do País: uma, por meio da apresentação de um projeto
global para educação - LDB,2 e outra, que se constituiu na implementação de um
conjunto de planos setoriais e de decretos do Executivo.
Essa constatação ampliou o objeto de estudo para o caso brasileiro, pois fez-
se necessário analisarmos, também, os projetos do Executivo e não apenas o
processo de elaboração da nova LDB, para que tivéssemos um quadro do processo de
2 Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
reformas no Brasil. Por termos verificado, nessa primeira coleta de dados, as
complexidades do processo de reformas educativas, delimitam a pesquisa ao estudo
do caso brasileiro.
Apresentamos à banca de qualificação da tese de doutorado o arrolamento dos
projetos elaborados pelo Legislativo e pelo Executivo brasileiros, nos anos 90,
centrando-nos naquilo que havíamos constatado, após esse levantamento, serem os
três pilares da política educacional no período: financiamento, avaliação institucional
e parâmetros curriculares nacionais, que, não por acaso, eram os mesmos da
Argentina. A coincidência decorre do fato de os dois países estarem passando por
processos semelhantes, modificações políticas cuja concepção tem como base
comum o neoliberalismo e a orientação dos organismos internacionais.
A análise desses projetos mostrou uma prática diferente do jargão da época
sobre o Estado mínimo. O que verificamos foi uma contradição entre Estado mínimo
e máximo, isso é, a questão era mais complexa do que aquilo que se colocava no
cenário das discussões sobre neoliberalismo e educação. Os projetos de política
educacional apontavam para um processo de centralização, por parte do governo
federal, do controle ideológico da educação, através dos parâmetros curriculares e da
avaliação institucional, e para um processo de descentralização de recursos,
inclusive, desobrigando a União para com o financiamento da educação básica.
Nesse estágio de pesquisa, apresentamos o relatório de qualificação, e a banca
sugeriu que analisássemos, em, pelo menos, um município, o modo como estaria se
dando esse processo. Acatamos a sugestão, cientes de que um novo estágio de
pesquisa estaria se iniciando, com a perspectiva de um grande enriquecimento para o
trabalho, e de que haveria também, o desafio de iniciarmos um novo levantamento de
dados primários, em um espaço de tempo mais estrito.
Aceitamos o desafio e iniciamos o levantamento de dados na Capital gaúcha,
a qual, conforme consenso da banca acadêmica, sofreria um grande impacto com as
novas medidas de política educacional no que se referia ao financiamento da
educação, principalmente devido à implementação do Fundo de Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF)3.
3 O FUNDEF será tratado no capítulo 3, no item referente ao financiamento da educação.
A idéia inicial era a de nos centrarmos, principalmente, no financiamento, e,
assim, montarmos um desenho de onde poderíamos visualizar o impacto do
FUNDEF na política educacional de Porto Alegre. O primeiro passo dessa etapa da
pesquisa foi analisar dados referentes a Estado e município quanto a descentralização
e à crise fiscal, por julgarmos que eram esses os pontos principais onde se via
materializada a proposta de reforma do Estado, apresentada pelo MARE (Ministério
da Administração e Reforma do Estado) no tocante à política educacional brasileira.
Para verificarmos o processo de descentralização, coletamos dados:
- de matrícula, em uma série histórica de dez anos, para analisarmos o modo como
se deu, nesse período, o movimento das matrículas em termos de competências
dos entes federativos;
- de funcionamento dos conselhos vinculados à educação, para verificarmos o
grau de participação, nesses conselhos, dos agentes envolvidos e o controle social
exercido através dessas instâncias deliberativas,
- do aparato administrativo e dos sistemas gerenciais, para verificarmos o impacto
do Fundo sobre os recursos destinados à educação, através de dados como
número de funcionários ligados à área, sua qualificação e remuneração recebida.
Ao analisarmos a vinculação da crise fiscal com as medidas de política
educacional, as principais perguntas feitas foram: o FUNDEF racionaliza recursos?
Ele é excludente na distribuição dos recursos? Para respondermos a essas questões,
buscamos dados no balanço geral do município, analisando receita, despesa e
despesa por nível de ensino, em uma série histórica de dez anos, 1988-1998.
Porém, ao coletarmos os dados de Porto Alegre, constatamos que essa capital
apresentava características muito peculiares, e que seria necessário analisarmos os
mesmos dados em, pelo menos, mais uma capital, para que tivéssemos um quadro
mais fidedigno da forma como as alterações na política educacional estariam se
realizando.
Escolhemos, então, analisar Campo Grande, por estarmos vinculados à
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, e porque, com os dados da pesquisa,
poderíamos colaborar com a sua política educacional. Além disso, e este foi o motivo
principal da escolha, sabíamos, pela convivência naquele Estado, que as
características da capital enriqueceriam a pesquisa, uma vez que Campo Grande
possuía aspectos próximos a alguns de Porto Alegre, como, por exemplo, o da
arrecadação de recursos, do mesmo modo como apresentava aspectos contrastantes,
como o da gestão educacional.
Com os dados das duas capitais coletados, constatamos que não seria possível
nos determos nos impactos do FUNDEF, pois, apenas com os números de um ano,
não seria possível tirarmos conclusões acerca do impacto do Fundo sobre a educação,
apesar de terem se apresentado importantes subsídios para pesquisas futuras. O mais
importante, contudo, foi que, devido à riqueza dos dados coletados, em séries
históricas de dez anos, e ao cruzamento das informações de matrícula com as de
financiamento e gestão, nos dois municípios, verificamos que, mais do que analisar o
impacto inicial do FUNDEF, tínhamos condições de avançar o debate acerca do
processo de centralização e descentralização que estava ocorrendo na política
educacional dos anos 90.
O objetivo da pesquisa, portanto, foi a análise de como estaria se
materializando, na política educacional, a redefinição do papel do Estado, já que
tínhamos como pressuposto, o fato de que essa política não seria simplesmente,
determinada pelas mudanças que estariam ocorrendo na redefinição do papel do
Estado, mas seria parte constitutiva dessas mudanças. O objetivo desta pesquisa foi,
assim, parte de um enfoque metodológico prévio, segundo o qual buscamos a relação
entre o universal - o modo de produção capitalista e as particularidades desse
momento histórico - com o singular, no caso, a política educacional, numa
perspectiva de apreensão da totalidade, tendo como referência um enfoque marxiano.
Essa relação particular/singular tem mediações, e, para efeitos desta pesquisa,
destacamos a formação histórica do Estado brasileiro e as peculiaridades sociais,
políticas e econômicas contemporâneas, para a apreensão da particularidade desse
estágio do capitalismo na redefinição do papel do Estado no Brasil. Nesse sentido,
para a compreensão da política educacional, analisamos as mediações culturais e
políticas dos governos locais, que construíram versões diferenciadas para o processo
de descentralização.
Outra questão metodológica que norteou este trabalho foi a de que a política
educacional nos anos 90, que é o nosso objeto de estudo, estaria sendo construída
através de um processo de correlação de forças. Constatamos que os atores que
representavam distintos projetos de sociedade e de política educacional haviam
estado em embate ideológico claro desde o processo constituinte e o de elaboração da
LDB, choque esse que permanecia até o momento de elaboração desse trabalho. Isso
porque, apesar de personagens importantes do cenário político da educação dos anos
80 e início dos anos 90 terem sido silenciados quando da interlocução com o
governo federal, o embate continuava, tanto na esfera nacional, como na das duas
cidades estudadas, que apresentaram processos diferenciados quanto aos projetos de
sociedade e de educação, até porque as forças em confronto tinham pesos distintos.
A exposição da síntese desse processo de pesquisa foi dividida em três
capítulos.
No capítulo um, apresentamos a discussão de fundo sobre a qual se dá o
processo de redefinição do papel do Estado, apontando a crise fiscal como parte de
um movimento maior de crise do capital. Expomos, ainda, o modo como esse
momento particular do capitalismo está se concretizando no Brasil, com as
características da formação do nosso Estado, dando destaque para os processos de
centralização e de descentralização presentes na nossa história.
Mostramos, ainda, que o diagnóstico do governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso para a crise seria o da crise do Estado e não o do capital, e,
portanto, dentre as estratégias desse governo, estaria o projeto de reforma do Estado
apresentado pelo MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado). Nesse
contexto, a proposta de descentralização apontada não significa maior participação e
controle sociais, mas uma resposta para a crise fiscal, com o objetivo de se
racionalizarem recursos e, tanto quanto possível atribuirem-se a sociedade tarefas de
política social que, até então, eram da esfera do Estado.
Esse projeto de reforma do Estado busca, ainda, racionalizar recursos,
diminuindo o papel do Estado no que se refere às políticas sociais, mas dá-se em um
contexto em que a proposta do governo federal para fazer frente para a crise do
capital baseia-se na atração de capital especulativo, com juros altos, o que tem
aumentado as dívidas interna e externa, provocando uma crise fiscal enorme nos
Estados e municípios. Portanto, o governo propõe a municipalização das políticas
sociais no exato momento em que os municípios têm, como principal problema,
saldar as dívidas para com a União e, assim, não têm como investirem em políticas
sociais. Isso nos leva a crer que a proposta de descentralização apresentada pela
União consiste-se, em todos os sentidos, em um repasse, para a sociedade, das
políticas sociais. Portanto, o que aparentemente seria uma proposta de Estado
mínimo, configura-se como realidade de Estado mínimo para as políticas sociais e de
Estado máximo para o capital.
O capítulo dois teve como objetivo apresentar uma síntese de como está se
materializando a redefinição do papel do Estado na política educacional dos anos 90.
Para entendermos melhor as mudanças de eixo dessa década, voltamos ao final dos
anos 80, de grande efervescência do cenário nacional, em particular quanto à
educação, no processo constituinte e de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases.
Esse capítulo teve, como base, os projetos do Legislativo e do Executivo e os
embates em que foram a partir deles produzidos. Ressaltamos os três pilares da
política educacional no período: o financiamento, os Parâmetros Curriculares
Nacionais e a Avaliação Institucional, mostrando que, assim como no projeto de
reforma do Estado, a proposta de política educacional também vive a contradição
Estado mínimo/Estado máximo, só que, no contexto educacional há o Estado
máximo no tocante ao controle e mínimo quanto ao financiamento.
O capítulo três teve como objetivo, apresentar o modo como estão se
materializando os projetos de política educacional, em especial o da proposta de
descentralização, em duas realidades: Porto Alegre e Campo Grande. O capítulo é
dividido em três itens: o primeiro, contém os dados referentes a Porto Alegre; o
segundo, expõe os dados de Campo Grande; e o terceiro, apresenta os dados
comparativos dos dois municípios.
Por último, apresentamos as considerações finais, onde buscamos as conexões
entre a redefinição do papel do Estado e a política educacional no âmbito nacional e
local, focalizando principalmente a tensão centralização/ descentralização e a
necessidade de discutir-se a descentralização no tempo e no espaço, vinculada a
projetos de sociedade e, no caso, de educação e não em abstrato.
CAPÍTULO 1
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO
ESTADO
Esta pesquisa visa a analisar a política educacional dos anos 90 no
contexto da redefinição do papel do Estado, o qual está inserido em um movimento
maior de crise do capitalismo.
O referencial de Estado, deste trabalho, baseia-se na perspectiva
lógico/histórica de que a vida material dos indivíduos sociais constitui a base do
Estado. Tal base não se dá segundo a sua vontade, mas é condicionada pelo modo de
produção capitalista e pelas suas formas de intercâmbio, necessárias enquanto houver
divisão do trabalho e propriedade privada. Portanto, “estas relações reais, longe de
serem criadas pelo poder do Estado, são, pelo contrário, o poder criador dele” (Marx,
1974, p.386).
Assim, também, a propriedade está vinculada a condições econômicas,
sendo dependente do grau de desenvolvimento das forças produtivas e do comércio,
necessitando de uma expressão jurídica e política. Nesse sentido, o Estado não existe
como obra da classe dominante, mas, ao surgir como o resultado do modo material
de vida dos indivíduos, assume a forma da vontade dominante (Marx, 1974, p.388).
O comércio mundial, para Marx (1974, p.425), encarregou-se de
demonstrar como o lucro burguês não dependeria da política, e que ela, pelo
contrário, seria totalmente sujeita ao lucro burguês. O autor adverte, ainda, que as
lutas travadas dentro do Estado, como a pela democracia e pelo direito ao sufrágio,
seriam, na realidade, embates reais entre as diversas classes.
Portanto, como perspectiva teórico-metodológica, partimos do princípio
de que o Estado não pode ser entendido por si mesmo, mas nas relações materiais de
existência. Isso porque o modo de vida material, ainda conforme Marx, determina o
processo social, político e espiritual da vida.
O conceito de Estado que utilizamos neste trabalho é o mesmo que
aquele proposto por Marx: Estado histórico, concreto, de classe, e, nesse sentido,
Estado máximo para o capital, já que, no processo de correlação de forças em curso,
é o capital que detém a hegemonia.
Pesquisamos as características peculiares a este período histórico, já que
inúmeras têm sido as transformações na produção da vida material objetiva e
subjetiva nesta fase particular do capitalismo, em função das mudanças que estão
ocorrendo na esfera da produção, do mercado e do Estado. Esses são processos
distintos, mas que fazem parte de um mesmo movimento histórico, no qual
presenciamos a reestruturação produtiva, a globalização, o neoliberalismo e a pós-
modernidade.
Constatamos, ao longo dos estudos, que as mudanças ocorridas na
política educacional dos anos 90 deveriam ser entendidas como parte da
materialidade da redefinição do papel do Estado. Essa redefinição está inserida nesse
movimento maior de mudanças. Assim, para entender esse Estado, que é o
desencadeador das políticas educacionais, buscamos as conexões entre os vários
processos que compõem tal movimento histórico.
1.1 Redefinição do papel do Estado
No período pós-Segunda Guerra Mundial, o Estado capitalista assumiu
novas obrigações, pois a produção em massa requeria investimentos em capital fixo e
condições de demanda relativamente estáveis para que fosse lucrativa. O Estado
tinha o papel de controlar os ciclos econômicos, combinando políticas fiscais e
monetárias. As políticas eram direcionadas para o investimento público,
principalmente para os setores vinculados ao crescimento da produção e do consumo
em massa, e tinha, ainda, o objetivo de garantir o pleno emprego. O salário era
complementado pelos governos através da seguridade social, assistência médica,
educação, habitação. O Estado acabava exercendo, também, o papel de regular direta
ou indiretamente os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção; era
o chamado Estado de Bem-Estar Social (Harvey, 1989).
Entretanto, o Estado de Bem-Estar Social não se disseminou da mesma forma
em todos os países, que apresentaram variações segundo seu modo de administrar as
relações de trabalho, segundo sua política monetária e fiscal e seu investimento
público, os quais eram determinados, internamente, pelas relações de classe e,
externamente, pela posição hierárquica que os países ocupavam na economia
internacional e pela taxa fixada com base no dólar (idem).
Nesse sentido, mesmo onde o Estado de Bem Estar Social estava mais
desenvolvido, as negociações trabalhistas não atingiam todos. Conforme Harvey
(1989), “a divisão entre uma força de trabalho predominantemente branca, masculina
e fortemente sindicalizada e o ‘resto’ também tinha seus problemas”, pois, sem
ingresso ao trabalho privilegiado da produção em massa, amplos segmentos da força
de trabalho também não tinham acesso ao consumo em massa. As desigualdades
produziram tensões sociais e houve emergência de movimentos em meio aos
excluídos.
O Estado tentava contornar o problema garantindo o que Harvey (1989)
denomina salário social, já que a legitimação do Estado dependia do acesso amplo
aos benefícios do fordismo e, portanto, de ele proporcionar, a todos, assistência
médica, habitação e serviços educacionais que fossem adequados à larga escala. O
fracasso da qualidade desses benefícios era motivo de severas críticas, assim como o
consumo em massa padronizado.
No terceiro mundo, a questão era ainda mais crítica, pois houvera uma
promessa de desenvolvimento, e, na realidade, o fordismo proporcionava maior
domínio capitalista, gerando, contudo, poucos ganhos para a maioria da população
em termos de qualidade de vida e de bem-estar social, garantidos pelo Estado
(Harvey, 1989).
A crise, para Harvey (1989), começou a se aprofundar no período de
1965 a 19734, momento em que o rigor dos compromissos do Estado era fundamental
para se garantir sua legitimidade, ao mesmo tempo em que a rigidez da produção
restringia a expansão na base fiscal para gastos públicos. A única resposta flexível
encontrada foi a política monetária, através da emissão de moeda, o que intensificou
a onda inflacionaria. As finanças do Estado estavam além de seus recursos, o que
aprofundou a crise fiscal e de legitimação.
Foi nesse contexto que as corporações obrigaram-se a acirrar a
competição, através de novas formas de racionalidade da produção, reestruturação e
intensificação do controle de trabalho (para isso, era necessário cooptarem-se os
sindicatos), assim como de aceleração do tempo de giro do capital e de fusões
(idem).
A acumulação flexível é caracterizada, conforme Harvey (1989), por
setores da produção inteiramente renovados5, por diferentes maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, por taxas
altamente intensificadas de inovações comercial, tecnológica e de organização, além
de um
4
Tavares (1993, p.22) DÁ-nos MAIS ALGUNS ELEMENTOS DO CONTEXTO DA CRISE: “as políticas de ajuste
ocorridas na década de 80, depois da crise da dívida externa em 1982, fazem parte de um movimento
de ajuste global que se inicia com a crise do padrão monetário internacional e os choques do petróleo
da década de 70, ao lado do processo simultâneo de reordenamento das relações entre o centro
hegemônico do capitalismo e os demais países do mundo capitalista. Passa também por uma derrota
política do chamado socialismo real e desemboca numa generalização das políticas neoliberais em
todos os países periféricos, começando pela América Latina, passando pela África e estendendo-se ao
leste europeu e aos países que surgiram com a desintegração da União Soviética”. 5
Isso é o que Dreifuss (1996) chama de conjunto de recursos teleinfocomputrônicos: “Um complexo
teleinfocomputrônico que favorece a emergência de um novo paradigma tecnoeconômico, viabilizado
por sistemas flexíveis e enxutos (lean) de produção e de serviços; de comercialização sob demanda
(on demand), com logística que faz chegar os itens no tempo certo (just-on-time); de fornecimento
externo (outsourcing) de sistemas, componentes e peças especializadas; de produtos individualizados
e ajustados ao usuário (customized) com ‘qualidade total’ ‘falha zero; de engenharias simultâneas, de
simulação e de miniaturização; e por inovações nos métodos de gestão, adestramento e aprendizado.
Um complexo teleinfocomputrônico que passa a funcionar como agente de transformação tecnológica
no processo de desenho, no instrumental de produção em escala, na organização da produção no
sistema gerencial e até na circulação (venda, estocamento, comunicação e transporte)”.
movimento chamado, pelo autor, de compressão espaço/tempo6, sendo marcada,
portanto, por um confronto com a rigidez do fordismo7.
Esse processo envolve rápidas mudanças dos padrões de
desenvolvimento desigual, tanto entre setores e entre regiões geográficas, como no
âmbito de serviços (Harvey, 1989)8. Sobre essa discussão, o parecer de Bergesen
(1994) é que as relações políticas e de produção do sistema mundial não se dão
apenas entre sociedade-Estado ou economia-Estado, mas também entre centro e
periferia:
Encarando o mundo como um todo, os Estados e as colônias
possuem relações políticas comuns de dominação e de
subordinação, que constituem um conjunto de relações
globais de propriedade ou de relações globais de classe, que
são maiores do que o poder e a autoridade de cada Estado
isolado ou das relações sociais de produção de qualquer
modalidade social isolada de produção (Bergesen, 1994,
p.86).
6
Para Dreifuss (1996), o complexo teleinfocomputrônico, base da reestruturação produtiva, atua,
inclusive, redimensionando a relação espaço /tempo: esse redimensionamento “se torna fundamental
para a efetiva constituição de unidades (empresariais, governamentais, partidárias, societárias ou
comunitárias) de informação e monitoramento round the clock”, que viabilizam análise, formulação,
tomada de decisões e execução “global-24 horas em tempo real” através de locais de trabalho e de
ação não só físicos, mas também virtuais. Isso é crucial numa percepção e concepção planetária dos
eventos, na qual as diferenças de fusos horários são aproveitadas ao máximo na determinação do
processamento e efetiva tomada de decisões com antecedência – em cujo contexto a população
japonesa, por exemplo, pode ler, diariamente, o Financial Times londrino, impresso em Tóquio, oito
horas antes de os executivos de Londres receberem a mesma edição - exigindo, entre outras coisas,
que a informação passe a ser comunicada on-line (p.26). 7
Nesse sentido, Chesnais (1997) aponta que as políticas de liberalização, desregulamentação e
privatização que os Estados capitalistas adotaram a partir de 1978 ampliaram a liberdade de o capital
mover-se e desdobrar-se à vontade internacionalmente. 8
Para Dreifuss (1997), os “tecnobergs” “são verdadeiras ‘montanhas tecnológicas’ configuradas na
topografia socioeconômica e cultural de certos países. Trazem implícitas novas dimensões da pesquisa
e da utilização da ciência e da tecnologia, induzindo reformulações produtivas, imprimindo uma
profunda reorganização empresarial, com conseqüências no comércio internacional, além de
desdobrar-se numa reformatação política e administrativa dos Estados. Tecnobergs que esboçam não
somente os elementos constituintes de um novo modo (de organização social) da produção, mas
constituem os pilares (transmutados em sociedades de infocomunicação) da emergente societabilidade
humana ‘tecnologizada”. Esse avanço tecnológico aprofunda as diferenças entre os países detentores
dessas possibilidades e os outros, nos quais o Brasil está incluído: “... apontam para novos tipos de
vulnerabilidades e desvantagens, já que estes processos trazem consigo o alargamento e
aprofundamento da defasagem existente entre a diversidade nacional e as socioeconomias matrizes de
ciência, tecnologia, recursos humanos e finanças que compõe o ‘Norte’ ampliado e as economias
‘subsidiárias’ ou ‘filiais’, no restante do planeta (...)” (Dreifuss, 1997, p.34).
O processo de acumulação flexível traz conseqüências diretas sobre os
trabalhadores, pois, com o crescimento do desemprego estrutural9, os empregadores
exercem maior pressão sobre a força de trabalho, impondo regimes e contratos mais
flexíveis. Além do desemprego estrutural, há uma redução do emprego regular e um
aumento do trabalho em tempo parcial e temporário, assim como do subcontrato.
Partimos, portanto, da tese de que o capitalismo vive uma crise estrutural
e, por isso, as contradições estão mais acirradas. Nesse contexto, verificamos que a
ofensiva neoliberal, que se caracteriza, justamente, como uma estratégia para
superação dessa crise, utiliza-se, em larga escala, de sua ideologia10 para construir a
ambiência cultural11 necessária a este período particular do capitalismo, camuflado de
pós-capitalismo. Harvey trabalha com essa tese:
... há um tipo de relação necessária entre a ascensão de
formas culturais pós-modernas, a emergência de modos mais
flexíveis de acumulação do capital e um novo ciclo de
compressão do tempo-espaço na organização do
capitalismo.Mas essas mudanças, quando confrontadas com
as regras básicas de acumulação capitalista, mostram-se
mais como transformações da aparência superficial do que
como sinais do surgimento de alguma sociedade pós-
industrial inteiramente nova (Harvey, 1989, p.131).
9
Dentre as causas do desemprego estrutural, destacamos a apresentada por Dreiffus (1997): “As
transformações matriciais na base da produção, da qual os humanos ‘se ausentam’- onde robôs e
‘sistemas inteligentes’ de configuração, integração de produto e transporte são comandados por
computadores programados - junto com a propagação de sistemas de produção flexíveis e inovadores
(ao invés de sistemas de produção focalizados e previsíveis), marcam uma mudança essencial na
demanda relativa por trabalho. Milhões de postos se tornam obsoletos e irrecuperáveis, num processo
aceleradíssimo de geração do ‘desemprego estrutural’, tanto na linha de produção (onde é muito
óbvia) quanto nos serviços. E, ao invés de trabalhadores menos preparados e de melhor capacidade,
que desempenham tarefas de rotina, buscam-se trabalhadores profissionalmente bem preparados,
desempenhando funções de tomada de decisão, tornando obsoletos os gerentes de nível médio, que
apenas cumprem orientações de escalões superiores”. 10
O conceito de ideologia utilizado neste trabalho é o proposto por Mészáros: “a ideologia não é
ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal orientados, mas uma forma específica de
consciência social, materialmente ancorada e sustentada. (...) Assim, as ideologias conflitantes de
qualquer período histórico constituem a consciência prática necessária através da qual as principais
classes da sociedade se relacionam e até, de certa forma, se confrontam abertamente, articulando sua
visão de ordem oscila, correta e apropriada como um todo abrangente” (Mészáros, 1996, p.22-3). 11
Por nova ambiência cultural, entendemos a alteração na forma de vida objetiva e subjetiva para
produção da subjetividade necessária ao novo período de acumulação.
Da mesma forma que o fordismo dependia de um sistema geral de
regulamentação por parte do Estado, chegando a ser visto menos como um mero
sistema de produção em massa do que como um modo de vida total12, também este
momento histórico, com suas especificidades no âmbito do modo de produção,
necessita de uma ideologia para que tais particularidades sejam aceitas e
incorporadas13, e o neoliberalismo é a ideologia própria desta fase do capitalismo.
No pós-guerra, um dos principais expoentes do neoliberalismo, Hayek,
polemizava com Keynes, disputando o debate intelectual e político da época. Por
circunstâncias históricas, Keynes venceu naquele contexto, e Hayek só veio à cena
mais tarde, com a crise do Estado de Bem Estar Social.
Como o jogo político dá-se num processo de correlação de forças, o
grupo neoliberal, apesar de não ter sido hegemônico no primeiro momento,
organizou-se, formando uma verdadeira associação internacional, a Mont Pèlerin
Society14, proposta pelo próprio Hayek em 1947. Essa associação tinha, como
objetivo, reconstruir as bases intelectuais da livre sociedade, e, a partir de então, seus
membros passaram a se reunir regularmente, para “discutir os princípios da ordem
liberal e o modo de preservá-los” (Butler, 1987, p.8).
A lógica do pensamento neoliberal está na tensão entre a liberdade
individual e a democracia. Para Hayek, a maximização da liberdade está em se
proteger o sistema de mercado, necessário e suficiente para a existência da liberdade
individual. Assim, o mercado deve ser protegido contra o Estado e, também, da
tirania das maiorias.
Para a teoria política neoliberal, o cidadão, através do voto, decide sobre
bens que não são seus, gerando conflitos com os proprietários, pois esse sistema
consiste-se em uma forma de distribuição de renda. Hayek denuncia que a
democracia faz um verdadeiro saque à propriedade alheia. Portanto, como, em
12
Ver Gramsci (1989), mais especificamente o capítulo Americanismo e Fordismo. 13
Para Mészáros, a propaganda ideológica serve para camuflar os reais problemas da crise capitalista:
“... ao mesmo tempo em que as contradições do mundo social se tornam mais fortes do que nunca,
manifestando-se em escala cada vez mais global, são repetidamente declaradas ‘superadas’ ou prestes
a ser ‘ultrapassadas’ - em uma sucessão interminável de construções ideológicas que metamorfoseiam,
sob um novo rótulo ‘pós’, dissociado, a mesma racionalização apaziguadora, no momento mesmo em
que sua versão anterior perde credibilidade” (Mészáros, 1996, p.31). 14
Nome que a Associação recebeu por ter sido fundada na Suíça, onde se reuniu pela primeira vez.
muitos casos, não se pode suprimir, totalmente, a democracia (voto, partidos), o
esforço dá-se no sentido de se esvaziar seu poder.
A democracia ilimitada, para Hayek, leva à economia dirigida, e está a
um passo do totalitarismo: “Devo confessar que prefiro governo não democrático sob
a lei a governo democrático ilimitado e, portanto essencialmente sem lei” (Hayek,
1976). O autor adverte, ainda, para os perigos da democracia ilimitada: “uma
democracia pode empunhar poderes totalitários, e é pelo menos concebível que um
governo autoritário pode atuar com base nos princípios liberais. Liberalismo é
portanto, incompatível com democracia ilimitada (...)” (Hayek, 1983, p.143).
Nesse sentido, como alternativa à democracia ilimitada, Hayek propõe
uma sociedade com regras gerais, baseadas na tradição: “... a sociedade que é
formada pela adoção de regras gerais de conduta tende a ser mais eficiente em
ajustar-se às mudanças, do que aquela que é conscientemente projetada e construída”
(Butler ,1993, p.27). O autor frisa a importância de regras gerais para se
salvaguardarem os direitos de propriedade e competição: “... para colher resultados
benéficos dessa competição, é necessária uma estrutura legal cuidadosamente
meditada, e que os preceitos legais existentes, assim como os do passado, não estão
livres de graves defeitos” (Hayek, 1984, p.66).
É neste ponto em particular que os neoliberais aproximam-se da teoria
conservadora, isto é, na valorização das tradições para se organizar a sociedade.
Também o antiiluminismo, a banalização das desigualdades e o conhecimento
dispersam são pontos de consenso entre a teoria conservadora e a neoliberal.
Hayek assume deliberadamente que a democracia serve apenas para
proteger a propriedade e os indivíduos, “a democracia é essencialmente um meio,
uma invenção utilitária para salvaguardar a paz interna e a liberdade individual.
Como tal ela não é de modo nenhum infalível” (Hayek, 1984, p.113) e que, quando
ela avança rumo ao planejamento com vistas à distribuição de rendas, corre o risco
de tornar-se totalitária: “o conflito entre o planejamento e a democracia surge,
simplesmente, do fato de constituir esta um obstáculo à supressão da liberdade
exigida pela direção das atividades econômicas”. Contudo, se a democracia deixa de
ser uma garantia para a liberdade individual, é bem possível que ela subsista sob uma
forma ou outra dentro de um regime totalitário.
É importante ressaltarmos que os principais alvos de Hayek, em suas
críticas ao planejamento, eram o Estado de Bem-Estar Social e os países socialistas.
Contudo, observemos que o autor não é adepto do laissez faire, como prega o senso
comum:
... A questão sobre se o Estado deveria ou não deveria
“agir” ou “intervir” estabelece uma alternativa inteiramente
falsa, e o termo "laissez faire” é uma definição das mais
ambíguas e ilusórias dos princípios em que se baseia a
política liberal. Está claro que todo Estado tem de agir, e
toda a ação do Estado implica em intervir nisto ou naquilo.
Mas não é isso que importa. A questão importante é se o
indivíduo pode prever a ação do Estado e fazer uso deste
conhecimento como uma base para os seus planos
particulares (Hayek, 1984, p.26).
Hayek analisa, ainda, que a inflação, uma das grandes responsáveis pela
crise atual do capitalismo, ocorre, geralmente, em um contexto de democracia, no
qual os políticos, tendo de atender às demandas dos eleitores, desestabilizam a
economia, gerando, assim, o desemprego. O autor chega a culpar os sindicatos pelo
desemprego:
... uma das causas mais importantes do desemprego é a
tendência dos sindicatos manterem elevadas as taxas de
salários das indústrias que são menos lucrativas, e
reforçarem diferenciais tradicionais de forma rígida, embora
as necessidades do mercado mudem diariamente
(Butler,1983, p.64).
A Teoria da Eleição Pública, conhecida como Public Choice15, faz uma
análise econômica da política. O seu principal teórico é James Buchanan, e ela é,
15
A Public Choice atua desde os anos 50, no Centro Politécnico de Virgínia. Ela ficou conhecida por
esse nome porque, inicialmente, esse era o nome de uma revista publicada pelo mesmo grupo de
estudos. Seu principal livro é Cálculos do Consenso, de Buchanan. A Escola utiliza ferramentas da
microeconomia para a análise do mercado político.
também, conhecida como Escola de Virgínia. O ponto de partida de discussão da
Escola é o de que a economia e a política de um país são inseparáveis16.
A idéia chave da Public Choice é que o paradigma da ação humana, em
todas as dimensões, passa pela relação de troca, pelo jogo de interesses. Isso é tanto
um pressuposto como uma prescrição, pois os defensores da Teoria têm as
instituições de mercado e as relações de troca como modelo. “A perspectiva
constitucional (à qual tenho sido estreitamente associado) emerge naturalmente do
paradigma (ou programa de pesquisa) da política como troca” (Buchanan, 1986,
p.22).
Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma expansão da política,
enquanto processo decisório, momento em que foram apontadas falhas do mercado, e
o Estado apresentou-se como o meio para se sanarem essas falhas. Em contraposição,
a Public Choice desenvolveu uma teoria das falhas do Estado, que seus teóricos
denominaram de Rent Seeking Society. A rent seeking pode se dar de diversas
maneiras:
Ao enfrentar um tratamento desfavorável, por parte do
governo uma pessoa ou um grupo podem: 1) praticar o
lobby; 2) participar diretamente da política para assegurar o
acesso ao poder de tomada de deciões; 3) fazer planos para
entrar ou sair da atividade afetada. Pode conseguir recursos
nos três níveis simultaneamente, apesar da motivação
16
A Teoria de la Elección Pública, conhecida como “ Public Choice”, pode ser definida ou
caracterizada, brevemente, como a analise econômica da política. É a aplicação dos instrumentos de
análise da Teoria Econômica Neoclássica ao estudo dos fenômenos políticos. O termo político é
utilizado em sua acepção mais ampla, equivalente ao vocábulo inglês polity, que faz referência ao
sistema de organização da sociedade e a todos os processos públicos de interação dos membros desta:
instituições públicas de todo tipo, o sistema legal, a estrutura social, os processos coletivos de
interação e a tomada de decisões por agentes, assim como a política em sentido estrito, o conjunto de
instituições, interrelações e processos através dos quais se tomam decisões coletivas nas comunidades
(Buchanan, 1994).
racional que se tem para realizar cada atividade em seu
estágio (Buchanan, 1984, p.229).17
Nós nos detemos na chamada rent seeking não só por ser esse um ponto-
chave da importante Escola de Virgínia, mas, também, por ser ele um princípio
orientador da reforma do Estado brasileiro. Tanto assim, que o próprio ministro atual
da Administração e Reforma do Estado afirma, em seu livro Crise Econômica e
Reforma do Estado no Brasil, que o causador da crise pela qual passa o capitalismo
na atualidade é o Estado:
tinha se tornado muito grande, aparentemente muito forte,
mas de fato muito fraco, ineficiente e impotente, dominado
pela indisciplina fiscal, vítima de grupos especiais de
interesse, engajados em práticas privatizadoras do Estado,
ou seja no rent seeking (Bresser Pereira, 1996, p.16).
Como parte da análise do Estado, Buchanan mostra que existem dois
níveis decisórios: o da decisão constitucional, que estabelece as regras, e o da decisão
pós-constitucional, que são as regras que estão dentro das regras.
Trata-se de duas graduações de escolha. A decisão constitucional
necessita da unanimidade da população, delimitando o poder público no sentido de
mais proteção e menos produção. A crítica de Buchanan é no sentido de que a
legislação corrói a propriedade pelos não-proprietários, o que, para ele, é uma
degradação do contrato básico, que exige o estabelecimento de regras as quais
delimitem o poder dos governantes. Nesse sentido, Buchanan é chamado de
contratualista. 18
17
“Enfrentados a un tratamiento impositivo diferencialmente desfavorable por parte del Gobierno, una
persona o un grupo pueden: 1) dedicar-se a praticar el lobby; 2) meterse diretamente en política para
asegurarse el aceso al poder de toma de decisiones; 3) hacer planes para introducirse o salirse de la
actividad afectada. Se puedem derrochar recursos a los tres niveles simultaneamente, a pesar de la
motivación racional que se tiene para realizar tal actividad en cada estadio.” 18
Buchanan não é evolucionista; ele aponta que é preciso haver engenharia, e Hayec aponta para a
evolução das instituições.
A Public Choice aponta a diferença entre Governo e Estado. O governo é
transitório e, por isso, irresponsável ao provocar inflação e déficit público a fim de
atender à demanda dos eleitores e manter o estadista no cenário político. Já o Estado
permanece com as regras gerais, que dão garantias à liberdade e à propriedade. O
momento constitucional eqüivale ao Estado, enquanto o pós-constitucional, ao
Governo. Para Buchanan (1986, p.172), “... os governos, como os mercados,
funcionam eficientemente só se estão restritos por regras constitucionais, por leis e
instituições que servem para manter dentro dos limites das diversas tendências
naturais ao excesso.”19 Assim sendo, o autor apresenta um programa de restauração,
já que a ética pré-keynesiana tem de ser recuperada no plano político através de uma
legislação básica, o que pode se dar por meio de emendas constitucionais que
proíbam o déficit público e que não possam ser revogadas por nenhum legislativo. O
teórico propõe, ainda, o controle do poder político ordinário, que é submetido às
eleições, já que o problema central, após o keynesianismo, passou a ser o fato de os
governos atuarem com déficit para atender às demandas dos eleitores, sendo
resultados e causas disso, o orçamento desequilibrado, o endividamento e a inflação.
Buchanan aponta as instituições democráticas contemporâneas como
irresponsáveis, e o remédio para isso seria medidas restritivas constitucionais que
contivessem os governos, colocando os instrumentos de controle fora das instituições
representativas, partindo-se do princípio, para tanto, de que os controles políticos
seriam inferiores ao controle de mercado. O autor sugere refazer-se o contrato social
de maneira que a própria constituição limite a ação dos governos, restringindo,
principalmente, as ações dos legisladores comuns, que são mais vulneráveis às
demandas dos eleitores.
O autor compara o mercado à política: “... As pessoas e os partidos que
buscam representar os interesses dos votantes competem pela aprovação ou o favor,
de uma maneira bastante similar aos vendedores de produtos imperfeitamente
19
“los governos, como los mercados, funcionan eficientemente sólo si están restringidos por reglas
constitucionales, por ‘leyes e instituciones’que sirven para mantener dentro de unos limites las
diversas tendencias naturales al exceso”.
competitivos de bens e serviços”.20 Critica, ainda, o voto e os políticos, por
considerar que estes fazem distribuição de renda através das políticas públicas:
“nossa análise dos políticos se centra sobre o conceito de transferências de riqueza
realizadas através da legislação (...) quando dizemos ‘transferências de riqueza’ o
eleitor pode substituir por questões ou políticas públicas”21 (Buchanan,1982, p.177).
Diagnosticado-se o problema, como fazer para que as pessoas e os
governos aceitem o “remédio”? Buchanan apela para o contrato de Hobbes no
sentido de que os homens aceitam a idéia de submissão em uma situação de
desespero (apocalipse potencial), para então gerar-se o consenso. Mas como? Isso se
daria através do convencimento ou da piora deliberada da situação (ex: inflação ou
situações de pré-desagregação social, inclusive), como podemos observar no relato
de Anderson (1995, p.21):
Recordo-me de uma conversa que tive no Rio de Janeiro em
1987, quando era consultor de uma equipe do Banco
Mundial e fazia uma análise comparativa de cerca de 24
países do Sul, no que tocava a políticas econômicas. Um
amigo neoliberal da equipe, sumamente inteligente,
economista destacado, grande admirador da experiência
chilena sob o regime Pinochet, confiou-me que o problema
crítico no Brasil durante a presidência de Sarney não era
uma taxa de inflação demasiado alta - como a maioria dos
funcionários do Banco Mundial totalmente acreditava - mas
uma taxa de inflação demasiado baixa. “Esperemos que os
diques se rompam” ele disse, “precisamos de uma
hiperinflação aqui, para condicionar o povo a aceitar a
medicina deflacionária drástica que falta neste país”.
Depois, como sabemos a hiperinflação chegou ao Brasil, e as
conseqüências prometem ou ameaçam - como se queira -
confirmar a sagacidade deste neoliberal indiano (Anderson,
1995, p.21).
Nesse sentido, Harvey (1989, p.158) também destaca que os governos
neoconservadores transformaram, em virtude governamental, a “gradual retirada de
20
“Las personas o los partidos que buscan representar los intereses de los votantes compitem por la
aprobación o el favor de una manera bastante similar a como los hacem los vendedores de productos
imperfectamente competitivos de bienes e servicios” 21
“Nuestro analisis de los politicos se centra sobre el concepto de tranferencias de riqueza realizadas
a través de legislación, (...) cuando decimos ‘transferencias de riqueza’ el elector puede substituir estas
por ‘cuestiones’ o ‘politicas públicas.”
apoio ao Estado de Bem Estar Social e o ataque ao salário real e ao poder sindical
organizado”, e assim “disseminou-se a imagem de governos fortes, administrando
fortes doses de remédios não palatáveis para restaurar a saúde de economias
moribundas”.
Para a Public Choice, a democracia e as regulações sobre o Estado são
geradoras do Leviatã; por isso, é preciso estabelecerem-se limites constitucionais
contra as instituições democráticas vigentes, eliminando-se o voto22, ou
restringindo-se o seu impacto através da privatização e desregulamentação
(Buchanan, 1982, p.171).
Contudo, é importante frisarmos que o Estado mínimo proposto é
mínimo apenas para as políticas sociais conquistadas no período de bem estar social
que caracterizamos com Harvey, pois, na realidade, o Estado é máximo para o
capital, porque, além de ser chamado a regular as atividades do capital corporativo,
no interesse da nação, tem, ainda, de criar um “bom clima de negócios”, para atrair o
capital financeiro transnacional e conter (por meios distintos dos controles de
câmbio) a fuga de capital para “pastagens” mais verdes e lucrativas (Harvey, 1989,
p.160).
Além disso, há o fato de a acumulação flexível procurar, mais do que o
fordismo, o capital financeiro como poder coordenador, o que significa a maior
possibilidade de crises financeiras e monetárias autônomas. Essas crises ocorrem
apesar da maior mobilidade do capital financeiro, que pode realizar, rapidamente,
sua transferência de regiões e empresas em decadência para outras mais lucrativas.
Essas crises fazem com que o Estado acabe intervindo no mercado
financeiro. Conforme Harvey, “o papel do Estado como credor ou operador de
último recurso se tornou, é óbvio, muito mais crucial”. Assim, verificamos que
mesmo os governos mais comprometidos com a lógica neoliberal não
intervencionista têm sido grandes interventores a favor do grande capital, o que
22
A eliminação do voto é proposta pela Public Choice, pois, conforme Buchanan (1982, p.71): “se
puede predecir que los politicos prefirirán proponer y apoyar medidas de política a corto plazo que
aumentem su popularidad de cara a su eleción o reeleción que defender medidas a largo plazo cuyos
resultados, aunque sean convenientes para el pais, no son claramente percebidos por los electores y
están lejanos en el tiempo. También prefirirán, en general apoyar medidas que impliquen mayor gasto
público a medidas que aumenten los impuestos”.
ressalta, mais uma vez, o caráter classista do Estado, que, ao mesmo tempo em que
se torna Estado mínimo para as políticas sociais e de distribuição de renda,
configura-se como Estado máximo para o grande capital. Esse é o caso, no Brasil, do
Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
(PROER)23, do pacote de ajuste econômico para se salvar o mercado brasileiro da
crise da bolsa na Coréia, no final de 199724, e do acordo com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) em 1998.
Assim sendo, outra característica marcante desse período de acumulação
é a autonomia do sistema bancário e financeiro, acentuando o que Harvey chama de
dinheiro sem Estado. O colapso do fordismo-keynesianismo fortaleceu o capital
financeiro, mas
o capital industrial, mercantil e imobiliário se integra de tal
maneira às estruturas e operações financeiras que se torna
cada vez mais difícil dizer onde começam os interesses
comerciais e industriais e onde terminam os interesses
estritamente financeiros (Harvey, 1989, p.154).
O mercado financeiro internacional “se expandiu de 50 bilhões de
dólares em 1973 para quase 2 trilhões em 1987, aproximando-se assim do montante
de agregados monetários existente nos Estados Unidos” (Harvey, 1989, p.154). O
autor aponta ainda que esse processo modifica o equilíbrio de forças do capitalismo
global, posto que os novos sistemas financeiros implementados a partir de 1972
deram muito mais “autonomia ao sistema bancário e financeiro em comparação com
o financiamento corporativo, estatal e pessoal”. Isso porque o equilíbrio entre “poder
financeiro e poder do Estado sob o capitalismo sempre fora delicado, mas o colapso
23
O PROER é um programa que ajuda instituições financeiras falidas. Foi criado por medida
provisória em 3 de novembro de 1995. Voltaremos a esse assunto quando estivermos tratando,
especificamente, da redefinição do papel do Estado no Brasil, ainda neste capítulo. 24
“O Governo aumentou as taxas de juros a partir de out./97 para impedir a fuga de dólares em
decorrência da crise asiática. Somente nos meses de novembro e dezembro, a União, os Estados e os
municípios pagaram R$ 2,7 bilhões a mais na conta de juros em decorrência dessa elevação (FEE,
Carta FEE de Conjuntura, ano 8, nº5, p.6). Voltaremos a essa discussão quando estivermos
analisando a redefinição do papel do Estado mais especificamente no Brasil, ainda neste capítulo.
do fordismo-keynesianismo sem dúvida significou fazer o prato da balança pender
para o fortalecimento do capital financeiro” (Harvey, 1989, p.156).
Cabe destacar que Marx, no Posfácio à Contribuição da Economia
Política, apresenta o capital produtivo, o capital comercial e o capital dinheiro
(financeiro) como elementos de uma totalidade, como diferenciações no interior de
uma unidade, e que, da diferenciação entre as três formas, podem brotar
contradições.
Chesnais (1997) adverte que é na produção que a riqueza é criada, mas é
a esfera financeira que comanda, cada vez mais, a divisão e a desatinação social,
dessa riqueza. O autor, observa, ainda, que a dinâmica específica das finanças dá-se
sob dois mecanismos: o da formação de capital fictício através da inflação dos
valores ativos e o das transferências de riqueza efetiva para a esfera financeira
através, principalmente, do serviço da dívida pública:
dívida pública norte-americana aumentou mais, depois de
1981, do que no período em que financiava a Segunda
Guerra Mundial. É altamente contraditório afirmar que o
Estado é neutro quando se constata que ¾ do aumento da
concentração de riqueza se devem às mudanças das leis
fiscais (Chesnais, 1997).
É importante destacarmos, ainda, que, segundo o autor, esses
mecanismos atingem “20% do orçamento dos principais países e são transferidos
anualmente para a sua esfera financeira” (Chesnais, 1996, p.15). Como já
apontamos, da mesma forma que cresceu o “mercado de dinheiro sem Estado”, por
outro lado, o “aumento da competição internacional em condições de crescimento
lento, forçou todos os Estados a se tornarem mais ‘empreendedores”. Portanto, para
manter um clima favorável aos negócios, os países tiveram que conter a força de
trabalho organizada, assim como os movimentos sociais (Harvey, 1989, p.158).
Verificamos, consequentemente, um duplo movimento em se tratando da
redefinição do papel do Estado: se, por um lado, no processo de globalização, os
Estados nacionais têm de se fortalecer para atuarem na correlação de forças
internacional, por outro lado, está se expandindo, com uma velocidade cada vez
maior, o “mercado de dinheiro sem Estado”, isso é, sem controle de nenhum governo
nacional.
No entanto, frisamos que essa “mundialização do capital e a pretensão do
capital rentista de dominar o movimento do capital, não eliminam a tarefa dos
Estados nacionais de, mais do que nunca, assegurar a defesa da propriedade privada”
(Chesnais,1996 p.16). O que ocorreu, segundo Chesnais, foi um aprofundamento da
diferença entre os que participam da dominação econômica e política do capital
monetário rentista e os que sofrem essa dominação.
Nesse sentido, atentamos para as advertências de Netto (1996, p.99)
sobre os perigos de se transporem, diretamente, “os processos ocorrentes nas áreas
cêntricas do sistema para nossas latitudes tropicais”, pois “a reestruturação do
capitalismo tardio, com trânsito à flexibilização e a pletora de transformações que
lhes são conexas, não escapa à sociedade brasileira”. Segundo o autor, “as
transformações societárias ora em curso são mediadas no Brasil pela inserção
subalterna do país no sistema capitalista mundial (...) e pelas particularidades da sua
formação econômico-social”.
1. 2 A particularidade brasileira
1.2.1 A formação do Estado nacional no Brasil
Fiori (1995) aponta as dificuldades de se discutirem espaço e tempo de
conjunturas políticas em sociedades da periferia capitalista, como é o caso da
brasileira, onde a industrialização ocorreu de forma tardia, truncada e
internacionalizada, e o Estado teve de assumir o comando do processo de
desenvolvimento, que “passa pela indução necessária de uma industrialização
acelerada”. Os Estados avocaram-se, também, a função de “gerir a inserção desses
países no sistema econômico mundial, articulando os interesses internos e externos
às suas fronteiras geográficas” ( Fiori, 1995, p.59).
O Estado, nesse tipo de sociedade, mais do que nos países centrais, tem
papel decisivo, pois
é a política econômica que estabelece os horizontes coletivos,
organizando, em torno do seu processo de decisão, todos os
momentos conjunturais, assim como uma multiplicidade
infinita de atores, com seus interesses e expectativas bem
heterogêneos (Fiori,1995, p.59).
Cabe, à ação estatal,
promover o crescimento, administrar o ciclo econômico,
disciplinar a distribuição social da riqueza e comandar a
inserção mundial dos interesses nacionais, o que outorga a
este Estado uma posição decisiva na reprodução econômica
social e política dessas sociedades (idem).
Como já destacamos, “em cada país a intervenção do Estado dependerá
das condições de reprodução destas relações assim como das condições de
acumulação produtiva” (Fiori,1995). No caso brasileiro, na formação do Estado
nacional, verificam-se as marcas de o País ter sido colonizado por uma metrópole
decadente e tardia em relação ao capitalismo na Europa. Assim, esse Estado teve,
desde sua gênese, os elementos ideológicos próprios de formações sociais que
viveram um capitalismo tardio, além da particularidade escravista e latifundiária que
compôs a economia nacional naquele momento (Mazzeo,1997, p.94).
O Brasil, portanto, é caracterizado como uma particularidade capitalista,
com especificidades próprias de sua gênese colonial, escravista e conservadora. A
burguesia agrário-mercantil brasileira, historicamente, fez acordos com os burgueses
de Portugal, estabelecendo uma “convivência pacífica” e garantindo a produção
escravista para os cultivos monocultores. A emancipação política brasileira,
conforme Mazzeo (1997), foi determinada mais pela crise do sistema colonial e pela
decadência portuguesa do que, propriamente, por um rompimento com a estrutura
colonial e com um projeto burguês de avanço das forças produtivas capitalistas. Esse
é um traço fundamental para entendermos as forças políticas que ainda hoje formam
o bloco dominante na estrutura política do Estado brasileiro.
Apesar desse quadro, para Fernandes (1976), a Independência
estabeleceu o fim da sociedade colonial e, com ela, instaurou-se a sociedade
nacional. Para o autor, foi com a Independência que o poder passou a organizar-se a
partir de dentro.
Conforme Fernandes (1976), o liberalismo teve a função de ordenar,
através de um estatuto nacional, mecanismos econômicos, sociais e políticos que
produzissem os efeitos que antes vinham de fora com o estatuto colonial,
proporcionando uma associação livre, mas heterônoma, do Brasil com as nações que
controlavam o mercado mundial.
Também conforme Fernandes, o liberalismo não afetou os aspectos da
vida social, econômica e política do país, que continuaram girando em torno da
escravidão e da tradição patrimonialista.
O liberalismo representava, portanto, a via pela qual se restabeleciam os
nexos de dependência em relação ao exterior. No entanto, o caminho da autonomia e
superioridade proposto não era o de um povo, mas o de pequena parte que detinha o
privilégio de apossar-se “do destino da coletividade” (Fernandes, 1976, p.42).
A Independência teve, assim, elementos revolucionários e conservadores.
O principal elemento revolucionário estava no propósito de se despojar a nação da
ordem societária herdada da sociedade colonial, para se construí-la com a autonomia
requerida por uma sociedade nacional. O elemento conservador, ao contrário, estava
presente nos propósitos de se preservar e fortalecer a ordem social do mundo
colonial: escravidão, concentração de renda, monopólio do poder por reduzidas
elites, marginalização de uma grande parcela da população que não conseguia
enquadrar-se como sociedade civil e erosão da soberania nacional no âmbito das
relações econômicas e diplomáticas internacionais (Fernandes, 1976, p.33).
Logo, o Estado colonial foi “superado e condenado como estatuto
jurídico político, mas o mesmo não ocorreu com seu substrato material, social e
moral, que iria perpetuar-se e servir de suporte à construção de uma sociedade
nacional” (Fernandes, 1976, p.33) .
Houve, assim, uma dualidade estrutural entre as formas de dominação já
cristalizadas tradicionalmente e as novas formas de poder, criadas pela ordem legal.
Fernandes (1976) descarta a ilusão de que a sociedade colonial poderia acabar de
uma hora para outra. Ao contrário, a “transição da sociedade colonial à sociedade
nacional iria desencadear e exigir processos seculares” (idem, p.43). Deduzimos que
estamos ainda nesse processo.
O Estado nacional independente foi liberal apenas nas suas bases
formais, pois, na prática, foi instrumento da dominação patrimonialista em nível
político. Essa impossibilidade de o Estado romper com o passado determinou o que
Florestan chamou de “Estado-amálgama”:
Por ser um amálgama, ele preencheu as funções mutuamente
exclusivas e inconsistentes a que devia fazer face, entendendo
a organização política e a ordem legal através e além do
vazio histórico deixado pela economia colonial, pelo
mandonismo e pela anomia social” (Fernandes, 1976, p.68).
Outra característica marcante da constituição do Estado brasileiro foi que
as relações sociais de exploração, historicamente, deram-se via coerção violenta, mas
também via “ideologia do favor” de forma dissimulada e manipuladora. Segundo
Mazzeo (1997), o “Estado no Brasil é a imagem e semelhança” dessa concretude,
isto é, as camadas populares ficavam fora do cenário político, e a violência e a
ideologia do favor eram partes de sua forma de atuação.
Essas marcas da nossa história são parte constitutiva das relações
políticas que ainda hoje se estabelecem no Brasil. Essa questão é fundamental ao
analisarmos o processo de descentralização, hora em curso, do atual projeto de
política educacional e os perigos da ideologia do favor arraigados na nossa cultura
política.
1. 2. 2 Descentralização e centralização: o histórico confronto de interesses
Para a análise da proposta atual de descentralização, é importante
destacarmos que nossa história foi marcada por momentos de
centralização/descentralização do poder político estatal. Fiori (1996) apresenta
periodizações desses ciclos.
De 1820 a 1870, segundo o autor, houve um momento de centralização
do poder, de consolidação do Império, quando a pedra angular da unidade era a
defesa incondicional da escravidão. O papel do Estado imperial era estabilizar e
regulamentar as regras de funcionamento desse sistema, através de um regime
político parlamentar extremamente excludente, mas sólido e duradouro.
A partir de 1870 até a Primeira Guerra Mundial, houve um período de
descentralização do poder do Estado, com a Política dos Governadores de Campos
Sales, pacto que reconhecia a supremacia de São Paulo e Minas Gerais, mas que
preservava o poder relativo das demais oligarquias, que, nos demais Estados da
Federação, eram dirigidas por seus próprios governadores, com total autonomia
política e financeira em relação ao governo central. Assim, os poderes local e central
sustentavam-se, mutuamente, com um pacto de não-intervenção nas áreas em que
atuavam. Isso reforçava as diferenças econômicas, já que “a heterogeneidade era
indispensável para o desempenho econômico e político dos setores hegemônicos”
(Fiori, 1995, p.74).
Da Primeira Guerra Mundial até os anos 70/80, o período foi marcado
pela centralização do poder, com ampliação do papel econômico do Estado tanto na
regulação, quanto na condução da acumulação, o que resultou na ampliação da
burocracia e na gestão autoritária da máquina estatal.
A Primeira Guerra Mundial pôs fim à hegemonia inglesa, o que abalou a
economia de exportação e a capacidade de importação brasileira, afetando tanto os
mecanismos internos de financiamento, quanto o padrão de vida daqueles que viviam
dependentes ou das atividades agromercantis, ou daquelas ligadas ao capital
internacional.
Nesse período, houve crescimento dos setores médios e da classe
operária, o que provocou demandas que se confrontavam com o padrão de
desenvolvimento concentrador de distribuição de renda, ocasionando um alto índice
de desemprego e baixos níveis salariais, além do agravamento das situações de
miséria absoluta.
Essa crise foi decisiva para a ruptura da confederação oligárquica
pactuada por Campos Salles, principalmente porque foi somado ao desatrelamento da
moeda brasileira de qualquer padrão hegemônico internacional, com o fim do padrão
ouro. Essa autonomia da moeda delegou, ao Estado, o poder de arbitrar o valor do
dinheiro para o mercado interno, que se desdobrou no poder de:
- definir as margens de rentabilidade e de distribuir a massa de lucros entre os setores
de capitais; e
- expandir a capacidade de estabelecer e transferir fundos para os gastos do governo
central na criação da infra-estrutura necessária para o processo de acumulação
capitalista.
Com isso, tornou-se inviável a “confederação oligárquica” pactuada por
Campos Salles, pois, se fosse mantido o poder dos Estados federados, correr-se-ia o
risco de uma desagregação da unidade nacional. Portanto, a centralização do poder,
em nível federal, tornou-se uma exigência para que se mantivesse a própria unidade
territorial, através do espaço de dominação e acumulação. Esse novo poder estatal
promoveu uma luta aberta, envolvendo oligarquias, grupos e capitais, com poderes
diferenciados e hierarquizados.
O Estado buscou assegurar sua reprodução político-econômica através da
desigualdade política das taxas de lucros. Houve a preservação de uma distinta
produtividade e ganho de mercado, expandindo-se o espaço para a obtenção de
lucros improdutivos e para o desenvolvimento de prioridades caóticas sob o ponto de
vista do progresso da capacidade produtiva nacional (Fiori,1995, p.80).
A crise, a Guerra Mundial, as dificuldades do setor exportador nacional e
a chegada dos primeiros capitais industriais estrangeiros organizaram, no País, um
novo padrão de acumulação. O Estado, nesse contexto, teve a função de assegurar
certas regras básicas de valorização, impostas pelo poder político das frações
regionais e nacionais da classe dominante. Ao garantir a sobrevivência dos grupos
não tão produtivos, o Estado abriu as portas para o setor especulativo, a fim de
garantir a unidade nacional, tendo assumido, portanto, o Estado teve a função de
“integrar uma sociedade brasileira atrasada porque fragmentada” (Fiori, 1995, p.89).
As pressões advindas das diversas frações dominantes, ao mesmo tempo,
fortaleciam e debilitavam o Estado, que se utilizava de uma centralização quase
sempre autoritária, a qual acabou limitando sua eficácia.
Nos anos 30, o Estado assumiu a defesa dos cafeicultores, socializando as
perdas desse segmento. O Estado usava seu novo poder, deslocando recursos e
alterando valores em favor de um dos mais importantes grupos regionais ligados à
exportação.
O poder das oligarquias agrárias tinha base fiscal e eleitoral nas regiões.
Nesse sentido, elas sentiram-se ameaçadas pelos movimentos políticos de base
urbana representados, principalmente, pela ANL (Aliança Nacional Libertadora) e
pela AIB (Ação Integralista Brasileira), que apontavam para um eleitorado urbano
não-controlável pelos velhos mecanismos de poder local.
Com a crise externa e vendo-se ameaçada por uma verdadeira “explosão
da sociedade civil”, a classe dominante retomou a velha estratégia de “fugir para a
frente”, o que, naquele momento histórico, significava industrializar-se, e, para tanto,
a estratégia foi, mais uma vez, a de centralização e autoritarismo.
Na Constituinte de 1946, as reivindicações desestatizantes e
descentralizantes foram consideradas “ultrapassadas e de difícil execução devido à
complexidade da tecitura social” ( Fiori, 1995, p.89).
A burguesia industrial estabeleceu, mais uma vez, uma “relação
simbiótica com o Estado”, já que dependia dele para subsídios e investimentos,
competindo, assim, com as várias frações das burguesias agromercantil e financeira,
que estavam articuladas, politicamente, sob a forma de oligarquias regionais (Fiori,
1995, p.87). A burguesia industrial “ingressa no cenário político lado a lado com
velhos parceiros e submetidos às antigas regras, plasmadas no formato do Estado”
(Fiori, 1995, p.90). O Estado, no período de 30 e do Estado Novo, foi o responsável
pela pouca ousadia tecnológica e pelos limites impostos à expansão da
industrialização no Brasil. Apenas na década de 50 é que o Estado buscaria os
recursos necessários para um processo de industrialização pesada no País.
No final da Segunda Guerra, a hegemonia norte-americana desenhou
uma nova arquitetura normativa e institucional, com os acordos de Bretton Woods,
seguidos pelas diretrizes do FMI, GATT e BIRD.
Com a bipolarização ideológica e militar, o Brasil alinhou-se com os
Estados Unidos, e esse alinhamento foi “encarado como condição de uma
industrialização pesada, vista agora, (...) como lastro necessário à segurança
nacional” (Fiori,1995, p.95).
Ocorreu, então, uma associação entre o Estado e os investimentos das
grandes empresas estrangeiras. Ele passou a investir em infra-estrutura e, para isso,
ampliou seu gasto sem alterar a base tributária mediante emissão de confiscos
cambiais e, nesse sentido, voltou a redefinir o valor do dinheiro: “alçava-se a inflação
à categoria de mecanismo básico do financiamento do desenvolvimento industrial”
(Fiori, 1995, p.96). Isso gerou uma conjuntura de tensão e instabilidade, do ponto de
vista político, com uma luta entre os vários blocos de interesse. A situação tornou-se
ainda mais complexa com a entrada de capitais estrangeiros.
O Estado empresarial responsabilizou-se pelas condições externas, pelo
financiamento e pela própria produção. Essa forma de industrialização estimulou a
urbanização acelerada, avolumando a massa de desempregados e subempregados,
aumentando a marginalização social e os bolsões de misérias rural e urbana e
expandindo as bases de um sistema social cada vez mais excludente.
Com esse quadro, aumentou-se o número dos insatisfeitos e preteridos
pelo Estado e, também, desenvolveu-se o sistema partidário. Os trabalhadores mais
organizados nacionalmente sistematizaram reivindicações e inseriram reformas de
base na mesa de negociações, como a modificação da estrutura fundiária e o controle
de capitais estrangeiros, que, pela primeira vez, “objetivavam alterar as regras
básicas da valorização do capital no espaço econômico brasileiro” (Fiori, 1995,
p.103).
Ameaçadas por essas pressões e por uma inflação, que, de solução,
passou a problema, os segmentos conservadores buscaram apoio nas forças armadas:
“havendo sido inicialmente avalistas e depois tutores, os militares, antes um recurso
em última instância, eram agora convocados para a solução que, uma vez mais se
impunha: centralizar e crescer” (Fiori, 1995, p.104). Iniciou-se, assim, o Golpe de
1964.
A ditadura militar no Brasil, para Fernandes (1985, p.10), “foi um meio
de impedir que a revolução nacional e democrática interferisse ‘negativamente’ (de
uma perspectiva burguesa, ou seja, univocamente nacional e imperialista) na eclosão
do capitalismo monopolista”.
Até 1968, as forças agrárias, mercantis, financeiras e industriais e os
setores da classe média que apoiaram o Golpe buscaram a hegemonia do processo,
que passou para as mãos do grande capital. A partir de 1968, a burguesia
monopolista industrializada, em aliança com o Estado, comandou o novo ciclo de
expansão industrial. Isso ocorreu até 1974, quando, para diluir conflitos, essa
burguesia passou a assumir algumas demandas das diversas frações da classe
dominante.
A centralização continuou durante todo o processo de ditadura:
Pressionado por suas múltiplas e contraditórias funções e
dilacerado, internamente, por lutas incessantes entre grupos
e cliques entrelaçados à sua burocracia, o Estado reage, num
primeiro momento, burocratizando e centralizando, cada vez
mais seu poder no executivo. Politizada a competição
econômica e estatizada a organização e luta entre os vários
grupos de interesse, fragmenta-se o aparelho de Estado
(Fiori, 1995, p.109).
Para impedir que a fragmentação do aparelho de Estado dissolvesse seu
poder, “o Estado recentraliza-se a cada pressão centrífuga” (Fiori, 1995, p.109).
Como a ditadura precisava de bases sociais, apelou, mais uma vez, para o
clientelismo e para uma política social assistencialista. Contudo, as contradições
acirraram-se, pois, nesse período de autoritarismo, o quadro social da desigualdade,
de classe e regional, agravou-se. A dívida interna e externa cresceu muita, e a crise
tornou-se insustentável. Foi em meio a esse caos que se iniciou o período de
abertura, que, mais uma vez, foi pactuado pelas frações da classe dominante.
1.2.3 O processo de transição: descentralização?
Para Fernandes (1985), “não existe só uma transição, e esta não é
exclusivamente política”. A ditadura estava em crise, e o teor especificamente
político dado à transição é, para Fernandes, “uma derrota com sabor de vitória”.
Porém, o autor adverte que “os militares sozinhos não poderiam decretar a contra-
revolução e dar um golpe de Estado de êxito retumbante”, do mesmo modo que “os
militares não poderiam dar marcha-ré sozinhos e, ao mesmo tempo, deixar todo o
terreno minado”. Portanto, a ditadura foi um projeto do capital, assim como a
transição, pois, “a contra-revolução foi interrompida no tope e para o proveito dos
de cima”. Nesse sentido, “militares e civis dos extratos dominantes das classes altas
não romperam as composições que conduziram, primeiro à ditadura, e, em seguida, a
uma mortiça transição conservadora” (Fernandes, 1985, p.11). Isso é o que o autor
chama de “transição pelo alto”.
Naquele momento, a ruptura era necessária para se manter o poder.
Conforme Fernandes, “a ditadura militar sofreu uma derrota, mas é uma derrota que
se caracteriza pela autopreservação”. Portanto, a Nova República marcou a
“continuidade que se estabeleceu entre a ditadura e a ‘república’ que nasceu de seu
ventre” (Fernandes, 1986, p.11), havendo, assim, apenas uma reorganização do
poder, necessária para que a mesma classe continuasse dirigindo. Nesse período de
transição, conforme Fernandes:
O braço militar se desarmaria, continuando, porém, por trás
da presidência, como uma retaguarda pronta para o ataque
se os ‘inimigos da ordem’ chegassem a se erigir como
obstáculo efetivo. A cúpula política do principal partido da
oposição em aliança democrática com os liberais do regime,
que, finalmente, descobriram que o seu ardor revolucionário
renderia maiores dividendos se eles continuassem à testa do
governo. Por fim, o braço civil, que se desengajara antes dos
militares, deixando o regime sem uma base social de
sustentação política, abraçou a composição política que
garantia ao grande capital nacional e estrangeiro uma
transição sem ousadias e sem turbulências (grifo do autor)
(Fernandes, 1985, p.19).
Como esse período de transição ocorreu em meio a uma crise do
capital, a década de oitenta na América Latina foi perpassada pelo fim das ditaduras25
e pela degradação econômico-social26.
Durante essa década, no Brasil, à organização dos setores da sociedade
emergentes no período de distensão, transição e abertura democrática que culminou
com a Nova República.
25
Boron (1994, p.24) salienta que houve um descompasso entre o processo de abertura democrática os
países da América Latina e a crise da democracia do chamado capitalismo metropolitano, pois a
ofensiva neoliberal e o processo de reestruturação produtiva e o de globalização já estavam em curso:
“... a direção e o ritmo de nosso movimento histórico parecem não sincronizar com os do capitalismo
metropolitano. O problema é que a recuperação democrática da nossa região tropeça com um mercado
mundial cujos centros dominantes se tornaram mais cépticos acerca das virtudes da democracia em
seus próprios países e bastante indiferentes - quando não dissimuladamente hostis - diante das
tentativas de instituí-la nas sociedades dependentes. (...) Nossas democracias, portanto, devem ser
‘funcionais’ às políticas de ajuste estrutural e à recomposição selvagem do capitalismo.” 26
“Nas Américas, a ‘década perdida’ se viu concretizada na redução do PIB per capita. De 1980 a
1988 houve queda drástica na Argentina (de 3.359 para 2.862 dólares), no México (de 2.872 para
2.588), no Uruguai (de 3.2121 para 2.989), na Bolívia (de 983 para 724), no Peru (de 1.716 para
1.503), na Guiana (de 1.215 para 995), na Nicarágua (de 1.147 para 819) e na Costa Rica (de 2.394
para 2.235). Mas não foi perdida para todos: Chile aumentou o seu, de 2.448 para 2.518, assim como
Bahamas (de 10.631 para 11.317) e Barbados (de 3.994 para 4.233). No Brasil, que viu seu PIB cair
de 2.481 para 2.449 dólares, a década foi marcada por um aumento significativo do coeficiente de
remessa das transnacionais para suas matrizes, de 42% (1971-1981) para 65% (1982-1991). Enquanto
isso, a massa de lucro das empresas trasnacionais no país - mesmo com uma queda na taxa média de
lucro, de 11.2% para 6.9%, no mencionado período - aumentou entre as duas décadas, passando de
19.1 para 20.7 bilhões de dólares” (Gonçalves, 1993).
Esse movimento não se deu apenas pelo poder das classes dominantes;
outras forças da sociedade aliaram-se na luta pela democracia. Muitas entidades
nasceram nesse período, como é o caso do PT (Partido dos Trabalhadores) e da CUT
(Central Única dos Trabalhadores). Algumas tinham uma característica clara de
classe, outras não, mas uniram-se para combater o inimigo comum, que era a
ditadura, pois, afinal:
O que fica de ditadura, aberta ou ocultamente, é insuficiente
para conferir ao ‘governo de transição’ a capacidade de se
mover autocraticamente ou, pelo menos, de resistir com êxito
e impunemente às pressões das forças sociais
democratizantes e democratizadoras da sociedade civil
(Fernandes, 1986, p. 31).
Nas eleições de 15 de novembro de 1982, o PMDB27 (maior partido
oposicionista da época) venceu o pleito nos Estados mais importantes econômica e
politicamente, iniciando-se, assim, uma nova fase no processo de transição política
brasileira. Contudo, por outro lado, já em 1983, o governo brasileiro principiou
negociações com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e, ainda em 1983, assinou
documentos cuja conseqüência foi uma política de arrocho salarial: “Reconhecia-se
uma contradição entre a política econômica do governo Figueiredo e o processo de
abertura” (Caldeira, 1986, p.23). As graves perdas salariais provocaram a reação dos
trabalhadores, e, em 21 de julho de 1983, houve uma tentativa de greve geral,
coordenada pela Pró-CUT.
O autor salienta, ainda, que “... temia-se a política de fechamento numa
conjuntura de exasperação reativa por parte dos trabalhadores em face da política
salarial imposta” (idem, p.23). Nessa conjuntura, várias entidades da sociedade civil
reuniram-se, lideradas por advogados e religiosos, para articular uma campanha que
visava a desenvolver a organização popular pela consciência da cidadania, tendo,
como propostas fundamentais, eleições gerais em todos os níveis e a convocação da
Constituinte. Começou, assim, a campanha pelas “Diretas Já”, com uma mobilização
27
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
popular suprapartidária promovida pelo PT e apoiada pelo PMDB, PDT, CJP
(Comissão de Justiça e Paz), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), pela CUT
(Central Única dos Trabalhadores) e por outras entidades. No âmbito desse
movimento, no dia 27 de abril, no Pacaembu, compareceram 15 mil pessoas.
Segundo estimativas do autor, dessa data até 25 de abril de 1984, dia da votação do
projeto de emenda constitucional Dante de Oliveira, cerca de seis milhões de pessoas
participaram de eventos pelas Diretas: “foi um fenômeno de mobilização popular
sem precedentes na história do Brasil” (idem, p.24).
Com o movimento pelas Diretas, as forças conservadoras, mais uma vez,
temeram a inquietação social e “avançaram no sentido de uma composição pelo alto,
respeitando seu braço armado, já que ‘em tempos de democracia’ ninguém sabe qual
será a veneta do povo...” (Fernandes, 1985, p.22).
Nesse contexto, os empresários e suas entidades corporativas uniram-se
tanto para “impedir uma passagem abrupta da ditadura militar para um governo
democrático”, quanto para que não se convocasse uma Assembléia Nacional
Constituinte exclusiva, livre e soberana:
Preferiram o penoso “acordo conservador”, pelo qual as
funções da ditadura foram recicladas através de uma
fantástica Nova República; a transição lenta, gradual e
segura se viu elevada à categoria de princípio intocável,
protegido pelo poder do fuzil; e se instituiu um Congresso
Nacional organicamente preso à referida forma de
“transição democrática” e seu Estado de segurança nacional
disfarçado (Fernandes, 1989, p.308).
Contudo, foi com as eleições de 1989 que esse quadro agravou-se, pois
“O impacto das grandes mudanças ocorridas na arena internacional surpreendeu a
nação brasileira num raro momento de sua história política, o das eleições diretas
para o preenchimento do cargo de Presidente da República”. Além disso, houve uma
polarização entre o Partido dos Trabalhadores e as forças representantes do capital, o
que “resultou na vitória do candidato identificado com os ventos desestatizantes e
que prometia conduzir o país às fileiras do primeiro mundo” (Gonçalves, 1992,
p.164).
Para ser conduzido às fileiras do primeiro mundo, o País deveria se
adequar às exigências do receituário neoliberal: “a minimação do Estado é assim
recomendada como condição prévia indispensável para que a economia brasileira se
torne atraente aos olhos dos investidores estrangeiros” (Gonçalves, 1992, p.165).
Nessa fase de transição, vivemos a crise da dívida externa, que
aprofundou a crise fiscal no Estado brasileiro.
Conforme Fiori (1997), as crises fiscais dos Estados tiveram como
causas, principalmente:
1. a ruptura da paridade das moedas nacionais com o dólar, com o fim do acordo de
Bretton Woods, o que ocasionou, na economia européia, um processo de
estagflação, obrigando o ajustamento nos planos macro e microeconômicos, que
foram responsáveis pelo aumento do desemprego e da carga social do gasto
público;
2. a elevação das taxas de juros mundiais, fazendo crescer, geometricamente, a
dívida pública, o que fez com que governos submetessem-se (e continuem se
submentendo) à “senhoriagem da dívida e à chantagem dos seus credores
privados e novos emissores endógenos da moeda”;
3. a globalização financeira, que, pelo processo de desregulamentação, “acabou
colocando os Bancos centrais na condição de reféns dos mercados e agentes
privados e ‘desterritorializados’. Desde então, os bancos centrais temem
estimular a demanda, pois podem provocar inflação, e temem a inflação, porque
estão aprisionados ao mercado global de ações, que se alimenta da “ideologia do
livre mercado”. “Atualmente, nenhuma nação pode expandir sua demanda interna
por longos períodos sem que sua moeda sofra ataques nos mercados financeiros,
que fazem enorme pressão para que se elevem as taxas de juros e restrinja o
crescimento” (Fiori, 1997, p.87).
1.2.4 Os anos 90: a crise continua...
Atualmente, o problema da dívida permanece. A dívida do Estado
brasileiro, que era de 61 milhões de reais em 1994, ano em que se iniciou o Plano
Real, passou para 304 bilhões de reais em julho de 1998 (editorial da Folha de São
Paulo, 24/09/98). A dívida externa era de 159.256 milhões em 1995 e, em março de
1998 era de 212.441 milhões (Boletim do Banco Central do Brasil, julho 1998
p.152). Portanto, a situação do Brasil continua sendo preocupante no que diz respeito
à dívida externa. Podemos ainda verificar, na Tabela 1.1 que esse problema
permanece, apesar de estar sendo menos alardeado (Martins, 1998).
Tabela 1.1 – Empréstimos do Sistema Bancário Internacional Privado às áreas
dominadas segundo prazo de maturação (em US$ bi) – dez. 1997
Áreas e Países Total
(US$ bi)
Curto Prazo*
(US$ bi)
Médio prazo**
(US$ bi)
Europa Oriental 123 53 9
Rússia 72 33 4
América Latina 283 154 12
Brasil 76 49 3
Argentina 60 34 3
México 61 28 2
Ásia 381 230 20
China 63 344 4
Coréia 94 60 5
Indonésia 58 35 4
Tailândia 58 39 4
Fonte: BIS (Banco Internacional de Compensações).
*O curto prazo eqüivale a um ano.
**O médio prazo eqüivale a um período de um a dois anos.
No caso do Brasil, 65% do total de sua dívida privada vencem no
decorrer de um ano, e, conforme os dados acima, o País e a Coréia configuram os
casos mais críticos28.
A deterioração das contas públicas relaciona-se, diretamente, com essa
política. Em 1997, o déficit foi de 6,13% do PIB, R$ 54,4 bilhões, sendo que, desse
total, R$ 46,4 bilhões foram para o pagamento de juros. Os Estados e municípios
acumularam um déficit operacional de 2,29% do PIB, devido, em grande parte, ao
pagamento das juros reais da dívida interna.
Para se ter idéia do impacto dos juros nas contas públicas,
basta comparar seu valor com as receitas de privatizações
que o governo arrecada. Segundo dados expostos na
Mensagem presidencial que encaminhou a proposta
orçamentária da União ao Congresso Nacional, o governo
arrecadou, no período de 1991 a agosto de 1997, R$ 26,6
bilhões no âmbito do programa de privatizações. Ou seja, em
seis anos e meio o governo arrecadou, praticamente o
equivalente que vai pagar de juros só no ano de 1998. A
previsão de receitas oriundas de privatizações em 98 é R$
15,2 bilhões (Bernardo, 1998 p.4).
Outro fator preocupante é que os recursos provenientes das privatizações
vêm financiando os déficits em transações correntes, o que significa que esse
dinheiro acabará, e a situação deverá ficar ainda mais crítica (FEE, 1998, p.1).
A crise também está presente na produção: a indústria nacional perdeu,
de 1994 a 1997, um mercado de 17,7 bilhões de dólares e 450 mil postos de
trabalho, além de acumular um déficit comercial de mais de sete bilhões de dólares
em 1996 (Fiori, 1997, p. 92).
28
Além disso, as necessidades de financiamento externo da economia ultrapassaram 3% do PIB, que é
o nível máximo para se evitarem riscos de interrupção dos financiamentos. Em 1996, esse percentual
foi de 3,14% e, em 1997, a necessidade de financiamento externo chegou a 4,3% do PIB, com os
efeitos da crise asiática (FEE,1998, p.1).
Na agricultura, os resultados não foram diferentes. De 1993 a 1997,
apenas a produção de soja (destinada à exportação) teve um aumento de 20%, todos
os demais produtos (na maioria, de pequenos proprietários) tiveram baixa: milho: -
11,7%, arroz: -7,0%, feijão: -22,3% e trigo: -5,8%. No ano de 1998, o Brasil teve que
importar 10 milhões de toneladas de grãos. Estimava-se que, como essa safra tivera
resultados piores do que a dos anos anteriores, as importações chegariam a 15
milhões de toneladas (Martins, maio 199829).
Nesse quadro de crise do capitalismo, os padrões de financiamento
adotados pelo governo brasileiro foram através do pagamento de altas taxas de juros,
do volume alcançado e dos prazos de operações e liquidez, que só contribuem para a
acumulação dos bancos e de segmentos sociais que se beneficiam com as operações
efetuadas com títulos públicos.
Essa estratégia de sobrevalorização do câmbio e abertura comercial com
juros altos, conforme Benjamin (1998), tem por conseqüências:
- a desproporção entre a acumulação na esfera financeira e aquela na base
produtiva real, o que recai sobre o Estado, cujo equilíbrio financeiro é destruído;
- a corrosão do sistema bancário;
- a redução de novas unidades produtivas, pois o investimento que iria para as
indústrias vai para “desobstrução de gargalos” e redução de custos.
O problema é também a natureza volátil e especulativa dos capitais que
estão sendo aplicados no País e a insustentabilidade dos déficits comerciais, os quais
foram gerados pela sobrevalorização da moeda e que são suportáveis apenas
enquanto compensados na conta de capitais. Porém, essa compensação tem gerado
uma inconsistência fiscal, provocada pela alta taxa de juros e pela diminuição da
arrecadação (Martins, 1998).
Além disso, a taxa real de juros elevada tem impacto sobre a dívida
pública, o que significa uma grande transferência de capital para os investidores.
29
Dados coletados pelo autor na CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento).
Antes e depois de promulgada a Constituição, transferências
maciças de recursos se fizeram do setor público para o
privado, em montante superior a 100 bilhões de dólares, pela
via financeira através da rolagem diária da dívida pública.
Enquanto as elites políticas e as lideranças diversas
discutiam bizantinamente problemas doutrinários, operava-
se a privatização de fato. Ficou letra morta o limite
constitucional fixado em 12% para o pagamento de juros
(BRASIL, IPEA, 1994).
Outra transferência de dinheiro público para o capital privado dá-se
através do PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do
Sistema Financeiro), criado pela resolução nº 2.208 do CMN (Conselho Monetário
Nacional) pela medida provisória nº1.179 de 3 de novembro de 1995. “O PROER
facilita, através de vários mecanismos e recursos, a compra de instituições
insolventes por outras aparentemente sólidas” (Minella, 1997, p.180). Através de
mecanismos e recursos, o PROER:
1. cria expedientes de benefício fiscal, o que implica renúncia, pelo Tesouro
Nacional, ao recolhimento de parcela do Imposto de Renda devido pelos bancos;
2. cria linha de crédito de longo prazo com recursos dos depósitos compulsórios em
poder do Banco Central, o que faz com que o governo emita mais títulos da dívida
pública para enxugar esses recursos, aumentando a dívida pública interna.
Com esses dados, torna-se evidente que não se trata de Estado mínimo
genericamente. É o Estado de classe, hegemonizado pelas elites do setor financeiro,
neste período particular do capitalismo, e que se torna mínimo apenas para as
políticas sociais.
As políticas sociais, conforme Vieira (1997), percorreram três momentos
políticos no último século, em nosso país: “o primeiro período de controle da política
(que corresponde à ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo nacionalista); o
segundo período de política do controle (da ditadura militar em 1964 até o final do
período constituinte em 1988)”. Nesses períodos, a política social
compõe-se e recompõe-se, conservando em sua execução o
caráter fragmentário, setorial e emergencial, sempre
sustentada pela imperiosa necessidade de dar legitimidade
aos governos que buscam bases sociais para manter-se e
aceitam seletivamente as pressões da sociedade (Vieira,
1997, p.68).
O terceiro período, denominado, pelo autor, de “política social sem
direitos sociais”, iniciou-se em 1988 e está em plena vigência. A política social que,
por um lado, nunca havia recebido tanto acolhimento por parte de uma constituição
no Brasil, como ocorreu na de 1988, por outro, simplesmente não viu esses direitos
praticados e nem mesmo regulamentados (quando exigiam regulamentação).
Concordamos com a observação do autor segundo a qual, neste momento particular
do capitalismo, “tidas como naturais e independentes, as leis da economia
lamentavelmente transmitem a impressão de que se extinguem as sociedades,
sobrevivendo apenas os mercados e os grupos unidos a ele (...)” (Vieira, 1997, p.68).
É possível verificar o que Vieira denomina “política social sem direitos
sociais” quando analisamos a queda dos recursos da União destinado às áreas sociais.
Conforme tabela das despesas por função do governo federal, elaborada por Bassi
(1998, p.16), as despesas com funções relacionadas às políticas sociais, como
Assistência e Previdência, Saúde e Saneamento, Trabalho e Educação e Cultura,
diminuíram seu percentual de participação no PIB, nos últimos anos, enquanto
despesas como Administração e Planejamento tiveram sua participação elevada
“vertiginosamente”.
Esse é o Estado máximo para o capital e mínimo para as políticas sociais,
como observa Brunhoff:
... os encargos crescentes dos juros a pagar aos detentores
de créditos com o Estado, eles estão submetidos ao respeito
às regras da propriedade financeira privada, sem o que o
poder público perderia o que faz a particularidade de seu
crédito. Por outras palavras, só as despesas sociais públicas
são contestadas em seu princípio, assim como tudo que pode
afetar o direito da livre empresa (como as nacionalizações)
(Brunhoff, 1991, p.64).
Ao lado disso, conforme Benjamin (1998), a nossa política econômica foi
adaptada para pagar a conta das crises do capital internacional. Nos anos 70, o
sistema financeiro internacional teve excesso de liquidez, e o Brasil adotou uma
política de captação de recursos. Nos anos 80, o sistema financeiro internacional
sofreu uma crise de liquidez, e o Brasil, como outros países da América Latina,
ajustaram-se e pagaram a dívida, com juros. Nos anos 90, o sistema financeiro
internacional evoluiu, novamente, para o excesso de liquidez, e o Brasil adaptou sua
economia para absorver capitais de curto prazo, como já vimos, às custas de uma
grave fragilização do balanço de pagamentos. Ainda conforme o autor, nos anos 70 e
90, quando importamos capital, a inflação estava controlada e, nos anos 80, quando
exportamos, a inflação era ascendente.
Portanto, na correlação de forças internacionais, os países periféricos, de
alguma forma, pagam a conta da crise do capital, assim como, no interior desses
países, quem paga a conta são as classes subalternas, pois as políticas de ajuste
retiram, da classe trabalhadora, as mínimas conquistas sociais30 através do argumento
de que estamos em crise. Essas classes têm, ainda, de pagar pelo mal uso histórico da
máquina estatal, como observa Fiori:
o fundamental que se deve relembrar aqui é que foi a direita
econômica e política que construiu e usufruiu do Estado
desenvolvimentista; e que, neste sentido, as atuais reformas
liberais são basicamente conservadoras porque alteram a
forma mas preservam a essência do que foi sempre criticado
pela esquerda no Estado/estratégia desenvolvimentista
latino-americano: seu padrão de financiamento externo; sua
base sócio-política direitista e autoritária de sustentação;
seu uso oligárquico na proteção indébita dos interesses
privados; e, finalmente sua estratégia de crescimento
30
Conforme o autor, 1% da população detém 53% da riqueza nacional no Brasil. Segundo os últimos
censos (1960 a 1991), os níveis de concentração de riqueza aumentaram, e 40% da população urbana
brasileira vive abaixo do nível de pobreza.
invariavelmente excludente dos ponto de vista social (Fiori,
1997, p.76).
Na seção que segue, analisaremos a crise fiscal especificamente nos
Estados e municípios, dado que nosso objetivo de examinar o processo de
centralização/descentralização na redefinição do papel do Estado passa, também,
pelo estudo do projeto de descentralização das políticas sociais proposto pelo Plano
de Reforma do Estado no Brasil, conforme veremos na seção 1.2.6.
1.2.5 O problema da crise fiscal nos Estados e municípios
Situaremos a crise fiscal brasileira nos Estados e municípios pois é nesse
contexto que está sendo encaminhada a descentralização da educação.
Ao mesmo tempo em que a União propõe descentralizar a execução,
principalmente das políticas sociais, como verificaremos no projeto do MARE31, ela
centraliza recursos. Apesar de ter aumentado o percentual das transferências de
valores a partir da Constituição de 198832, atualmente, a União permanece com
disponibilidade efetiva de 54,9% dos recursos arrecadados, os Estados, com 28,5% e
os municípios, apenas 16,6%.
Gráfico 1.1
31
O plano de reforma do Estado proposto pelo MARE (Ministério da Administração e Reforma do
Estado) será exposto, ainda neste capítulo, na seção 1.2.5. 32
Com a Constituição de 1988, os municípios, inclusive, passam a ser entes federativos.
Participação dos três níveis de Governo na Receita
Disponível-1970-96
0
20
40
60
80
100
120
70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92 94 96
%
União
Estados
Municípios
FONTE: Varsano (1997)
Fonte: Varsano (1997), apud Meneghetti (1998).
Ao lado disso, a União tem concentrado recursos, principalmente através
do FEF33, e editado medidas que prejudicam a arrecadação de Estados e municípios,
como a Lei Kandir, que desonera as exportações, e a extinção do IVVC34, que era um
importante imposto municipal. No caso do Rio Grande do Sul, os municípios
perdem, ainda, devido aos benefícios concedidos às empresas pelo FUNDOPEM35.
Como nossa pesquisa trata, a partir do Capítulo 3, do modo como estão
sendo implementadas as políticas educacionais em dois municípios, Porto Alegre e
Campo Grande, utilizaremos, para fins de exemplificação, com dados, da crise fiscal
nos Estados e municípios, o caso do Rio Grande do Sul (RS).
1. FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) - Sucessor do Fundo Social de
Emergência, foi instituído em 1994, para ser transitório. Foi prorrogado e é um dos
sustentáculos da União para ela atingir o equilíbrio fiscal. O FEF permite, ao governo
federal, apropriar-se de 20% das receitas do orçamento da União, que,
constitucionalmente, deveriam ser repassados aos Estados, municípios e ao FAT
(Fundo de Apoio ao Trabalhador).
33
O FEF iniciou em 1994 como Fundo Social de Emergência e, a partir de 1997, foi prorrogado como
Fundo de Estabilização Fiscal (FEF). 34
IVVC Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis. 35
FUNDOPEM: Fundo Operação Empresa.
Os recursos do Fundo têm sido utilizados:
- a maior parte, em Assistência e Previdência, seguida de Saúde e Educação;
- em Educação, que, em 1994, teve 9,96% dos recursos, em 1995, 11,07% e, em
1996, apresentou uma queda de recursos, ficando com 7,27%; a perda, nesse ano, foi
de 143 milhões; e
- em Defesa Nacional e Segurança Pública, cujos gastos de 3,98%, em 1995,
passaram para 13,57% em 1997, superando os recursos destinados à Saúde e à
Educação nesse ano.
Com a implementação do FEF, o Estado do Rio Grande do Sul teve uma
perda, em 1996, de R$ 18,6 milhões, o equivalente a 0,46% do ICMS. Para os
municípios gaúchos, a perda foi de 56,5 milhões.
2. Lei Kandir – Lei complementar nº 87/96, mais conhecida como Lei Kandir, por
ter sido apresentada como PLC - Projeto de Lei Complementar do ICMS - na
Câmara Federal, em 13 de maio de 1996, pelo atual Ministro do Planejamento, que,
na época, era Deputado Federal, Antônio Kandir.
A proposta da Lei Kandir, que incorpora parte da emenda constitucional
da Reforma Tributária (PEC 175/95), “é apenas o primeiro passo, visto pela União
como ‘emergencial’, isto é, como mecanismo de ‘oxigenação’ do Plano Real,
debilitado que está pelos problemas de balança comercial que enfrenta” (Governo do
Estado do Rio Grande do Sul, 1996, p.7).
A Lei Kandir tem duas características básicas: a desoneração das
exportações dos produtos industrializados semi-elaborados e dos produtos primários
e a desoneração dos bens para o ativo fixo e de bens para uso e consumo, com a
conseqüente adoção da sistemática de concessão de “crédito financeiro” no lugar do
crédito físico. Dessa forma, todo bem ou serviço que entra na empresa passa a gerar
crédito fiscal.
Essa lei desonera, do pagamento do ICMS36, as exportações de produtos
industrializados semi-elaborados e de produtos primários e permite o aproveitamento
36ICMS - IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES
DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
(ART. 155,I,B) E SUBSTITUIu E AMPLIOU O ICM, INCORPORANDO NOVAS BASES DE INCIDÊNCIA.E DE
de créditos do imposto referente a compras de bens de capital, fornecimento de
energia elétrica e serviços de comunicação. A partir de janeiro de 1998, a Lei
ampliou o benefício, permitindo o aproveitamento de créditos referentes aos bens ou
serviços caracterizados como de uso e consumo próprios das empresas. Isso tem
gerado problemas, já que o ICMS é a principal fonte de financiamento do tesouro
estadual na maioria dos Estados. No Rio Grande do Sul, ele responde por mais de
70% da RPL (Receita Própria Líquida), além de se constituir no único instrumento,
de competência estadual, de intervenção efetiva no processo produtivo.
A Lei prevê compensação, aos Estados, pelas perdas de arrecadação
decorrente da desoneração das exportações e da concessão de crédito financeiro aos
bens do ativo fixo e para os bens de uso e consumo próprio durante seis anos
(podendo chegar a dez anos conforme for a magnitude da perda).
Essa compensação é realizada mediante a emissão e a entrega, pelo
Tesouro Nacional, aos Estados, de títulos especiais para o pagamento de dívidas com
a União, sendo que a parcela referente aos municípios é feita em moeda corrente. O
cálculo do montante a ser compensado deve ser feito através de um complexo
esquema de aferição de perdas, que é denominado “cobertura dos custos da
transição”.
O mecanismo envolve, entre outros fatores, um “seguro-receita”, que se
consiste na manutenção do nível de receita do ICMS dos Estados verificado
anteriormente à vigência da Lei. Ou seja, o seguro-receita ressarcirá os Estados se, e
somente se, ocorrer uma perda no comparativo entre o período base e o de referência,
respeitado um teto de compensação. Os valores, para efeitos de comparação, são
corrigidos monetariamente, sendo considerado, sobre o período-base, o crescimento
da economia.
Os principais problemas da Lei Kandir são:
1. o seguro-receita é condicionado à diminuição da arrecadação, sendo que a idéia geral
da Lei era de reativação da economia e, portanto, da arrecadação. Ora, se isso
ocorresse, não haveria necessidade de tal seguro;
COMUNICAÇÃO. FOI INSTITUÍDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 (ART. 155,I,B) E SUBSTITUIu E
AMPLIOU O ICM, INCORPORANDO NOVAS BASES DE INCIDÊNCIA.
2. a qualidade do ressarcimento não é a de ele ser dinheiro em caixa, mas apenas de
abater dívidas com o Governo Federal;
3. a Lei pretendia ser o primeiro passo em direção à federalização do ICMS, tentando
promover a redução das autonomias estadual e municipal;
4. com a desoneração das exportações, o empresário é incentivado a exportar os
produtos in natura, provocando o desemprego. Além disso, há a falta de critérios
para escolha dos produtos que devam ficar para serem utilizados como insumos na
produção interna e quais devam sair para gerar valor adicionado fora (ex. a
exportação de couro prejudicaria a indústria calçadista).
Com a Lei Kandir, a queda de arrecadação do ICMS, no Rio Grande do Sul, chega a,
aproximadamente, 333 milhões de reais; a perda de Porto Alegre chega a 10 milhões.
No caso do Rio Grande do Sul, o Estado teve prejuízo por conta de melhorias
verificadas na sua economia, sendo que, até 1997, ele não havia recebido nenhuma
compensação.
3. Extinção do IVVC (Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis) a partir de
janeiro de 1996. O valor arrecadado, em 1993, foi R$ 6.713 milhões. Nenhuma outra
receita foi criada para se compensarem os municípios.
4. FUNDOPEM - Benefício fiscal do governo estadual do RS, atualmente
instrumento de guerra, no combate fiscal entre Estados. Esse benefício dispensa,
parcialmente, as empresas do pagamento do ICMS, através da substituição do
pagamento das parcelas mensais do incentivo financeiro por recursos orçamentários,
concedido às empresas pela apropriação do crédito fiscal presumido, ou seja, todo
recurso repassado às empresas pelo FUNDOPEM não fará mais parte do bolo de
arrecadação do ICMS e não entrará na cota dos 25% dos municípios. O
FUNDOPEM representou, no primeiro trimestre de 1998, 1,51% da arrecadação do
RS.
Esse benefício existe desde 1972 e foi regulamentado em 1996 pelo
decreto nº 36929/96. Com a nova regulamentação, houve uma mudança de seu
caráter de incentivo financeiro, passando a ser incentivo fiscal. A sistemática original
obrigava o Poder Executivo a ter aprovado, pela Assembléia Legislativa, o
orçamento no montante dos benefícios a serem desembolsados pelo Estado. O
volume de benefícios era estipulado antecipadamente diante da receita estimada. A
empresa recolhia, normalmente, o total do imposto devido, cabendo ao Estado, após,
creditar, em conta bancária daquela, o valor correspondente ao benefício concedido.
Na atual sistemática, o contribuinte adjudica a si um crédito fiscal presumido em
valor igual ao montante do benefício. Assim, o valor total dos benefícios deixou de
ingressar como receita tributária.
A nova sistemática produziu efeitos negativos, pois diminuiu o total da
arrecadação e elevou o montante da renúncia fiscal.
O Estado renuncia não apenas a sua receita, mas também à parte da
receita que caberia aos municípios, uma vez que, por dispositivo constitucional, eles
deveriam receber 25% do valor arrecadado. Ou seja, para beneficiar uma empresa
que se estabelecerá em um único município, o Estado estará prejudicando a receita
de todos os demais.
O FUNDOPEM ainda amplia o percentual de comprometimento da
despesa com pessoal, pela redução da receita contabilizada, tendo em vista o disposto
pela Lei Camata.
5. Lei Camata - Conforme a lei apresentada pela deputada Rita Camata, que ficou
conhecida como Lei Camata, a despesa de pessoal, no governo, não pode ultrapassar
60% da receita corrente, subtraídas as despesas.
Fórmula: 60% = despesas de pessoal
receita corrente - despesas
Como todas as desonerações, essa tem reflexo imediato sobre o
crescimento do percentual de comprometimento das receitas públicas com a despesa
de pessoal. Para que a fórmula definida pela Lei Camata tivesse viabilidade efetiva
de aplicação, seria necessário que, assim como as despesas, também as desonerações
concedidas fossem previstas no orçamento.
Conforme o estudo de Ribeiro (1993) sobre as causas, indicadores e
instrumentos da crise fiscal nos municípios, são três os motivos principais dessa
crise: o declínio econômico, causado pela diminuição da receita tributária municipal
e pela redução das receitas transferidas ao município por outras esferas de governo, a
variação demográfica/populacional e o grau de sofisticação financeira, isto é, “a
extensão em que a cidade emprega procedimentos tais como a previsão de receitas,
medidas de desempenho, elaboração de relatórios financeiros e contábeis, e também
análise do impacto do desenvolvimento econômico” (Ribeiro, 1993, p.77).
Os indicadores são denominados, pelo autor, como sistema preventivo e
devem servir de instrumento para a detecção de problemas fiscais relacionados às
variáveis causais já apontadas. Os instrumentos apresentados estão vinculados a
estratégias de reorganização e de recuperação econômica para os municípios.
Ressaltamos esse estudo, principalmente, pelo primeiro ponto
apresentado, de que a crise fiscal tem, como uma das causas, o declínio econômico e,
como parte dele, a redução nas transferências. Como já verificamos nesta seção,
houve uma diminuição das transferências de recursos, o que terá impacto sobre a
crise fiscal dos municípios e, como conseqüência, sobre o financiamento da
educação. Isso pode ser observado na Tabela 1.2, que apresenta as perdas relativas a
transferências, do município de Porto Alegre no ano de 1997.
Tabela 1.2- Previsão das perdas do município de Porto Alegre:
Perda 30%
Lei Kandir 16.692.302,00 5.007.690,60
FEF 209.477,00 62.843,10
FUNDOPEN 1.727.017,00 518.105,10
IVVC 6.713.322,00 2.013.996,60
Salário Educação 4.414.288,00 1.324.286,40
Total 29.756.406,00 8.926.921,80
Fonte: Assessoria Técnica da bancada do PT na Assembléia Legislativa do RS.
Dividindo as perdas referentes aos 30% da educação, pela matrícula
municipal total de Porto Alegre no ano de 1997, verificamos que o prejuízo, por
aluno matriculado, foi de 22,68 reais. Comparando esse quadro, por exemplo, com o
valor/aluno do programa federal Dinheiro na Escola, que é de cinco reais por aluno,37
observamos o quanto essa perda foi significativa.
No que se refere ao FUNDEF, já que esse é formado por recursos de
impostos e transferências, um menor crescimento da receita tributária altera,
negativamente, a arrecadação e, conseqüentemente também, o repasse para os
Estados e municípios. Além disso, como o cálculo do valor mínimo anual por aluno é
baseado na receita total para o Fundo do ano anterior38, qualquer mudança do
crescimento econômico terá impacto sobre o gasto per capita. Isso sem se perder de
vista a questão fundamental de que, ao mesmo tempo, as políticas sociais são
descentralizadas, como veremos na seção que segue, e os Estados e municípios estão
vivendo uma grande crise fiscal, tanto em decorrência dos fundos e desonerações
aqui citados, como pela dívida dos Estados e municípios, que aumenta a cada dia,
dada a política de juros altos do Governo Federal, como analisamos na seção 1.2.4
deste capítulo.
37
Valor referente a uma escola com 2.000 alunos na região Sul, que é o caso analisado. Dado coletado
no manual Dinheiro na Escola, procedimentos operacionais. 38
Conforme o artigo 6, parágrafo 1, da lei 9424, de dezembro de 1996, que regulamenta o FUNDEF.
1.2.6. O Plano de Reforma do Estado no Brasil
É no contexto apresentado que o Governo Fernando Henrique Cardoso
propõe uma reforma do Estado brasileiro. Como vimos o diagnóstico da crise, no
caso brasileiro é a crise fiscal. Assim sendo uma das principais estratégias
apresentadas é a reforma do Estado, tendo, para isso, inclusive, criado um Ministério
- o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) -, que apresentou o
Plano Diretor da Reforma do Estado (1995). De acordo com o documento, a
reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da
redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o
responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social
pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se
na função de promotor e regulador desse desenvolvimento
(BRASIL, MARE,1995, p. 12).
O documento refere-se à Constituição de 1988 como um retrocesso, pois
ela teria provocado um “engessamento” do aparelho estatal, “ao estender para os
serviços do Estado e para as próprias empresas estatais praticamente as mesmas
regras burocráticas rígidas adotadas no núcleo estratégico do Estado”.
A nova Constituição determinou a perda da autonomia do Poder
Executivo no tocante à estruturação dos órgãos públicos, instituiu a obrigatoriedade
de regime jurídico único para os servidores da União, dos Estados-membros e dos
municípios e “retirou da administração indireta a sua flexibilidade operacional, ao
atribuir às fundações e autarquias públicas normas de funcionamento idênticas às que
regem a administração direta” (BRASIL, MARE, 1995, p.20). Foi apenas em 1994,
conforme o documento, que o discurso de reforma administrativa assumiu nova
dimensão, com a campanha presidencial, ao introduzir a perspectiva da mudança
organizacional e cultural da administração pública no sentido de uma administração
gerencial.
O documento refere-se a três tipos de administração pública: a
patrimonialista, a burocrática e a gerencial. As três sucedem-se no tempo e, no
entanto, convivem entre si no sentido de que nenhuma delas foi inteiramente
abandonada.
O objetivo da reforma do Estado, segundo o documento, é reforçar a
capacidade de governabilidade do Estado através da “transição programada de um
tipo de administração pública, burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si
própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível
e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania” (BRASIL, MARE, 1995, p.12).
A administração pública gerencial aponta para a necessidade de se
reduzirem os custos e aumentar-se a qualidade dos serviços. A reforma do aparelho
de Estado passou a ser orientada, portanto, pelos “valores de eficiência e qualidade
na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial
nas organizações” (MARE, 1996, p.15).
A diferença, apontada no documento, entre a administração pública
gerencial e a burocrática está na “forma de controle, que deixa de se basear nos
processos para se concentrar nos resultados, e não na rigorosa profissionalização da
administração pública, que continua um princípio fundamental” (BRASIL, MARE,
1995, p.15).
A administração pública gerencial tem, como estratégias, a definição
precisa dos objetivos e a autonomia do administrador para gerir recursos humanos,
materiais e financeiros. Mas essa autonomia é cobrada através dos resultados,
verificando-se se foram ou não atingidos os objetivos propostos no contrato.39
A competição administrada no interior do próprio Estado é recomendada
no documento. Essa competição deve ocorrer quando “há a possibilidade de
39
Isso é o que Osborne e Gaebler (1995, p.148-180) chamam de governo de resultados: financiando
resultados e não recursos. Já destacamos que os escritos desses autores são considerados o “manual”
da reforma do Estado na concepção neoliberal e reforçamos ainda que o Business Week considera sua
obra como “a nova bíblia da boa administração...”. Isso quer dizer que os princípios norteadores do
plano do MARE estão de acordo com a “Bíblia neoliberal”.
estabelecer a concorrência entre as unidades internas” (BRASIL, MARE, 1995,
p.15).
Quanto à estrutura organizacional, as propostas apresentadas pelo
documento são a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos, no sentido de
que a administração pública seja “permeável à maior participação dos agentes
privados e/ou organizações da sociedade civil”. A proposta desloca, também, o eixo
dos procedimentos para o dos resultados.
Conforme o documento, o Estado tem as funções de coordenação e de
regulação na esfera federal, devendo se descentralizar progressivamente, passando,
para as esferas estadual e municipal, as funções de execução no que se refira a
serviços sociais e de infra-estrutura (MARE, 1996, p.12).
É ressaltada ainda, com base nos diagnósticos apresentados, a
necessidade de reforma do aparelho de Estado, o que é denominado motivação
negativa, isso é, a demissão de servidores por insuficiência de desempenho. Além
disso, para superação das formas tradicionais de ação estatal, o documento propõe
descentralizarem-se e redesenharem-se estruturas, com o objetivo de se
desenvolverem modelos gerenciais capazes de gerar resultados (BRASIL, MARE,
1995, p.38). Nesse sentido, os princípios de orientação são: o cidadão cliente, o
controle por resultados e a competição na administração, pois “a administração
pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente de seus
serviços” (BRASIL, MARE, 1995, p.16).
Na proposta de reforma do Estado, o cidadão é adjetivado, é o cidadão-
cliente, o que, portanto, de acordo com as leis de mercado, não inclui todos os
cidadãos, pois os clientes dos serviços do Estado serão apenas os contemplados pelo
núcleo estratégico e por atividades exclusivas. As políticas sociais, não serão
contempladas, pois são considerados, pelo MARE, serviços não exclusivos do Estado
e, assim sendo, de propriedade pública-não estatal ou privada, como verificamos no
quadro que segue.
Quadro 1.1 - Setores do Estado quanto à forma de propriedade e forma de
administração
Setores do Estado Forma de Propriedade Forma de Administração
Estatal Pública não
estatal
Privada Burocrática Gerencial
NÚCLEO ESTRATÉGICO
Legislativo, Judiciário, Presidência,
Cúpula dos Ministérios, Ministério
público
ATIVIDADES EXCLUSIVAS
Regulamentação, Fiscalização,
Fomento, Segurança Pública,
Seguridade Social Básica
SERVIÇOS NÃO-EXCLUSIVOS
Universidades, hospitais, centros de
pesquisa, museus
PRODUÇÃO PARA O MERCADO
Empresas estatais
Fonte: BRASIL, MARE,1995, p.46.
O documento aponta, ainda, que o Estado gerou distorções e ineficiências
ao tentar assumir funções diretas de execução, e, nesse sentido, “reformar o Estado
significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo
mercado” (Brasil, MARE, 1995, p.11).
Além da privatização, as outras estratégias de reforma do Estado são a
publicização e a terceirização. Terceirização, conforme Bresser Pereira, é o processo
de se transferirem, para o setor privado, serviços auxiliares ou de apoio. A
publicização consiste “na transferência para o setor público não-estatal dos serviços
sociais e científicos que hoje o Estado presta” (Bresser Pereira, 1997, p.7). O
conceito de publicização significa “transformar uma organização estatal em uma
organização de direito privado, pública, não-estatal” (idem p.8).
Conforme o Ministro Bresser Pereira, a educação está incluída nessa
forma de propriedade:
No meio, entre as atividades exclusivas de Estado e a
produção de bens e serviços para o mercado, temos hoje,
dentro do Estado, uma série de atividades na área social e
científica que não lhes são exclusivas, que não envolvem
poder de Estado. Inclui-se nesta categoria as escolas, as
universidades, os centros de pesquisa científica e
tecnológica, as creches, os ambulatórios, os hospitais,
entidades de assistência aos carentes, principalmente aos
menores e aos velhos, os museus, as orquestras sinfônicas, as
oficinas de arte, as emissoras de rádio e televisão educativa
ou cultural, etc. (Bresser Pereira, 1997, p. 12)
Ainda, conforme Bresser Pereira, “essas são atividades competitivas e
podem ser controladas não apenas através da administração gerencial, mas também e,
principalmente, através do controle social e da constituição de quase-
mercados”.(idem)
E, justifica as organizações públicas não-estatais como uma forma
eficiente de o Estado superar a sua crise:
A partir, entretanto, dos anos 70, quando este modelo de
Estado entrou em crise, ao mesmo tempo em que a
globalização tornava a competição entre os países mais
acirrada e exigia novas formas de administração pública
mais eficientes, já estava disponível uma nova forma de
administrar os serviços sociais garantidos pelo Estado: as
organizações públicas não-estatais (Bresser Pereira, 1996).
O Ministro argumenta, ainda, que essas organizações são mais eficientes,
pois são mais flexíveis e competitivas e, assim, atenderão melhor aos direitos sociais.
Entendemos, por essa afirmação do Ministro, que a lógica de mercado é a que
orientará as Organizações Sociais (OS).
O Estado Social-Liberal, que é social porque mantém suas
responsabilidades pela área social, mas é liberal porque
acredita no mercado e contrata a realização dos serviços
sociais de educação, saúde, cultura e pesquisa científica de
organizações públicas não-estatais é que financia a fundo
perdido com orçamento público (Bresser Pereira, 1996a,
p.14) (grifo nosso).
Porém, é importante atentarmos para o fato de que, conforme a
declaração do Ministro, o Estado é quem continuará financiando os serviços sociais,
apesar de o controle político e ideológicos passar para as organizações públicas não-
estatais.
Entendemos que há, aí, uma contradição, pois, conforme o Plano de
Reforma, o Estado, tem fortalecido suas funções de regulação e coordenação,
particularmente em nível federal, mas, ao passar o controle político-ideológico para
as organizações públicas não-estatais, apenas financiando-as, ele transfere, também a
coordenação e a regulação dessas organizações para o mercado. Isso de acordo com
declaração anterior do próprio Ministro, segundo a qual as atividades desse setor são
competitivas. Assim sendo, quem as regula é o mercado e não o Estado.
Na realidade, o financiamento das OS ainda é um ponto obscuro no
discurso do Ministro Bresser Pereira, segundo o qual esse suporte seria dado pelo
Estado, mas a lei nº 9.637, de 1998, que dispõe sobre as Organizações Sociais, e o
Programa Nacional de Publicização, em seu art. 12, apontam que: “Às organizações
sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários
ao contrato de gestão”. Portanto, se as OS terão a obrigatoriedade de investir seus
excedentes financeiros no desenvolvimento de suas próprias atividades e se os
recursos orçamentários e bens públicos poderão ser destinados a essas organizações,
OS, o que não significa que eles o serão. Isso torna a contradição apontada ainda
mais complexa, pois, além de não ficar claro quem as financiará, também não é
esclarecido a quem caberá sua coordenação e sua regulação. De acordo com o
documento do MARE, elas serão feitas em parceria: transferir-se-á para o setor
público não-estatal, por meio do programa de publicização, a “produção de serviços
competitivos ou não exclusivos do Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria
entre Estado e Sociedade para seu financiamento e controle” (Brasil, MARE, 1995,
p.12).
Bresser Pereira (1996) chama de Estado Social Liberal aquele em que o
Estado continua responsável pelos direitos básicos de saúde e educação da
população, mas que “de forma crescente os executa por intermédio de organizações
públicas não- estatais competitivas”. Portanto, esse Estado “é uma espécie de síntese
ou de compromisso entre os direitos individuais, assegurados pelo Estado mas
viabilizados pelo mercado”.
Verificamos que permanecem obscuras as questões fundamentais: como
será essa parceria? O que significa ser “assegurado pelo Estado e viabilizado pelo
mercado”? No momento em que não fica claro quem financia, questionamos: como
se pode afirmar que “está assegurado pelo Estado”? Assegurado para quem? Para
todos? Para os que podem pagar? Qual será o papel do Estado em se tratando de
políticas sociais, pois observamos, nos documentos e declarações, que o
financiamento e a regulação estarão por conta da sociedade. Isso nos permite
concluir que o Estado está querendo passar, para a sociedade, tarefas que deveriam
ser suas, principalmente no âmbito de políticas sociais.
Segundo o próprio Ministro (1996, p.20), a interpretação da crise do
Estado e a conseqüente estratégia social liberal “tomam emprestado do paradigma
neoliberal a sua orientação ao mercado e a crença de que as funções do Estado foram
severamente distorcidas”. Portanto, torna-se fundamental entendermos o projeto de
reforma do Estado deste governo, nos marcos da proposta neoliberal que já situamos
neste capítulo.
Contudo, também quando analisamos o neoliberalismo, devemos levar
em consideração a especificidade brasileira, pois, como o Brasil não teve um Welfare
State, a efetividade dos direitos sociais é residual e, portanto, não há “gorduras” nos
gastos sociais de um país com os indicadores sociais que temos. (Netto, 1996).
O Ministro afirma que a interpretação da crise do Estado e a conseqüente
estratégia social liberal, como vimos, tomam emprestada, do paradigma neoliberal, a
sua crença no mercado e o diagnóstico acerca das funções do Estado. No entanto, a
estratégia apontada, conforme o Ministro, em vez de ser a de se diminuir o Estado,
como na proposta neoliberal, é a de se reformá-lo. Para se recuperar sua “solvência”,
é preciso reformar-se sua administração e redefinir-se seu modo de intervenção na
economia. Porém, como vimos, Buchanan, teórico do neoliberalismo, aponta as
instituições democráticas contemporâneas como irresponsáveis, e o remédio seria
medidas restritivas constitucionais para se conterem governos, colocando-se os
instrumentos de controle fora das instituições representativas e partindo-se do
princípio de que os controles políticos são inferiores ao de mercado. Portanto, o
Plano Diretor da Reforma do Estado, quando propõe a administração gerencial que
tem a lógica do mercado e, ainda, quando propõe as organizações públicas não-
estatais, não está apenas utilizando a teoria para o diagnóstico, mas também para a
própria implementação da reforma.
Esse Estado, na década de 90, tem assumido características mais
patrimonialistas do que gerenciais, quando analisamos, por exemplo, o PROER e os
juros altos que, para segurarem o capital especulativo, que está bancando o real,
estão provocando uma verdadeira “sangria” nas contas públicas. E quem paga essa
conta? São os trabalhadores, que, a cada dia, perdem seus direitos: direito ao
trabalho, direito às políticas sociais, etc.
Portanto, Estado social liberal, no nosso entendimento, tem uma marca
clara de classe, como já está explícito na sua própria denominação. Nesse sentido,
concordamos com a análise de Plá (1996, p.148): o Estado, na América Latina, tem
sido e segue sendo um centro regulador e repressivo, de propriedade das classes
dominantes, aliadas e parte constitutiva do capital internacional, denominado
imperialismo ou capitalismo transnacional. Dessa maneira, tanto a estrutura
socioeconômica quanto a ideologia atuam para se justificar este período particular do
capitalismo.
Bresser Pereira apresenta seu diagnóstico da crise contrapondo a
abordagem neoliberal à interpretação baseada na crise do Estado, defendida por ele.
O Ministro argumenta que, enquanto a abordagem neoliberal atribui a crise apenas a
problemas domésticos, a interpretação baseada na crise do Estado enfatiza também o
papel desempenhado pela crise da dívida externa; enquanto uma afirma que a causa
básica da crise é o excessivo fortalecimento de um Estado que cresceu
demasiadamente, a outra diz que essa causa é o enfraquecimento de um Estado que
cresceu de forma distorcida e foi à falência.
A interpretação da crise do Estado, modelo utilizado para se elaborar o
Documento de Reforma do Estado no Brasil, é uma tentativa de síntese entre os
antigos paradigmas, que atribuíam um papel decisivo ao Estado, e o paradigma
neoliberal. Ela considera que a crise do Estado tem três aspectos: uma crise fiscal,
uma crise do modo de intervenção e uma crise da forma burocrática de administração
do Estado. A crise fiscal caracteriza-se pela perda do crédito público. Com relação ao
seu crescimento, ela é “explosiva quanto as suas próprias expectativas”, pela elevada
dívida pública, combinada com altas taxas de inflação e de juros internas, déficit
público crônico, e taxas declinantes de crescimento, além da existência de poupança
pública negativa. Portanto, a crise do modo de intervenção é definida pelo
esgotamento das formas protecionistas de intervenção, pela multiplicação de
subsídios e pelo excesso de regulação em uma economia onde se tornou
predominante o comportamento do tipo rent seeking (MARE, 1995, p.19-20).
Porém, a crise não é apenas econômica, mas também política e social,
sendo, portanto, indiscutível a centralidade do problema do Estado e da luta de
classes. Estamos em meio a uma crise estrutural que não abarca apenas um aspecto:
“atualmente há uma crise de civilização e a ótica, ou ponto de vista que se adote
frente a ela (teórico, metodológico, ideológico, histórico) é essencial, básico e
determinante” (Plá, 1996, p.150).40 Já para Bresser Pereira:
...A causa básica para a crise não será encontrada no
progresso tecnológico excessivamente capital intensivo (ou
poupador de capital) nem na deterioração das relações
capital trabalho baseadas nas técnicas tayloristas. Estas
duas causas, particularmente a última, podem ajudar a
explicar a crise, mas elas não fornecem a explicação
essencial (...) (Bresser Pereira, 1996).
A explicação essencial, para Bresser Pereira, está na crise do Estado, o
que permite uma autonomia do político, possibilitando-lhe apresentar, como
estratégia, a reforma do Estado. Observamos que, para o Ministro da Reforma do
Estado, há uma total autonomia do político, não só na estratégia para saída da crise,
mas no próprio diagnóstico do problema.
Porém, como já verificamos neste capítulo, o que está ocorrendo é uma
crise do capital, em que a crise fiscal é apenas uma faceta; portanto, discordamos da
análise do Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira.
Além disso, este período particular do capitalismo passa por um processo
maior de financeirização do capital, conforme já analisamos, o que não é sequer
mencionado no diagnóstico do Ministro. No nosso país, esse processo acirrou-se a
partir do último governo, como bem resume Minella (1997):
Socorro ao sistema financeiro e subsídios para fusão e
incorporação de instituições financeiras; manutenção de 40
“Hay en la actualidad una crisis de civilización y la optica o el punto de vista que se adopte para
ubicarse frente a ella (teórico, metodológico, ideológico, histórico) es esencial, basica e determinante”
(Plá, 1996, p.150).
altas taxas de juros, títulos públicos com liquidez e
rentabilidade; fundos de investimento com alta
rentabilidade; liberação de tarifas bancárias; diminuição da
carga tributária sobre os bancos; privatização dos bancos
estatais; desregulamentação do sistema financeiro;
banqueiros nos ministérios e nos partidos de sustentação do
governo, farta contribuição financeira à campanha do
presidente eleito em 1994, bloqueio às iniciativas de criar
uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Sistema
Financeiro Nacional; protelação contínua, dentro do
Congresso Nacional, da regulamentação do art. 192 que
trata do sistema financeiro enquanto que as modificações são
operadas via Conselho Monetário nacional (hoje integrado
por apenas três membros), circulares do Banco Central ou
medidas provisórias. Vistas em conjunto, estas indicações
parecem dar conta de uma estreita vinculação dos interesses
do sistema financeiro com a condução do atual governo,
sustentado politicamente por um amplo arco de alianças
partidárias” (Minella, 1997).
Com esse quadro, é possível constatarmos que o Estado continua
extremamente presente, e mais, como Estado máximo para o capital. O seu caráter
classista é acentuado na medida em que ele se retira, passando, para o controle do
mercado, as políticas sociais, como destacamos no documento Plano Diretor da
Reforma do Estado.
O Ministro da Administração e Reforma do Estado, além de afirmar que
o Estado social liberal absorve as críticas ao Estado deferido pela teoria neoliberal
ele tem uma estratégia diversa, já que propõe reformar-se o Estado ao invés de torná-
lo mínimo , destaca, ainda, que esse Estado deve inserir o País na competitividade
internacional da globalização em curso:
É um Estado Social Liberal porque está comprometido com a
defesa dos direitos sociais definidos no século XIX, mas é
também liberal porque acredita no mercado, porque se
integra no processo de globalização em curso, com o qual a
competição internacional ganhou uma amplitude
historicamente nova, porque é o resultado de reformas
orientadas para o mercado (Bresser Pereira, 1996, p.21)
(grifo nosso).
Mas qual globalização estamos falando, quando 20% da população
controlam os outros 80% do globo? Que tipo de inserção está sendo essa em que os
governos estão reféns do capital especulativo?
No mundo agora globalizado do ponto de vista financeiro,
uma economia nacional que não tenha uma moeda estável e
um equilíbrio fiscal garantido e não tenha implantado o
“tripé reformista” precisa da credibilidade indispensável
junto aos novos mandarins do mundo, os mercados
financeiros, o que obriga ou joga os governos na corda, na
medida em que eles têm clara consciência de que um ataque
especulativo, pelo lado dos mercados financeiros, hoje, seria
capaz de destruir uma economia nacional em muito poucas
horas, como vimos no caso mexicano ( Fiori, 1997, p. 210).
1.2.7 Descentralização
Conforme documento do IPEA, Subsídios para a Reforma do Estado,
a descentralização pode adquirir conteúdo mais amplo ou mais restrito.
A descentralização restrita ao aparelho do Estado pode se dar de uma
esfera de governo para outra (da União para Estados ou de Estados para municípios),
ou no interior de uma esfera de governo.
Quanto à descentralização do aparelho de Estado para a sociedade, o
documento frisa que as alternativas mais discutidas no momento são:
1. a privatização no sentido estrito, isto é, a transferência de empresas estatais para a
propriedade privada;
2. a transferência da exploração, da administração pública para a administração
privada, de um serviço público;
3. a terceirização dos serviços de apoio à administração pública;
4. a participação da população na gestão pública e o controle social, pelo cidadão,
das autoridades, instituições e organizações governamentais; e
5. a descentralização ampla, que é a combinação das formas descritas.
Verificamos, na proposta atual do governo brasileiro, através do
documento do MARE referente à reforma do Estado, a descentralização. O conteúdo
da descentralização refere-se aos itens 1 a 3, relacionados ao item acima, e não
menciona o conteúdo do 4, que diz respeito à participação da sociedade e ao controle
social por parte da população. Isso é um retrocesso no processo democrático. Pois,
como afirma Vieira:
Não há estágio democrático, mas há processo democrático
pelo qual à vontade de maioria ou a vontade geral vai
assegurando o controle sobre os interesses da administração
pública. (...) Qualquer conceito de democracia, e há vários
deles, importa em grau crescente de coletivização das
decisões (Vieira, 1998, p.12).
É importante ressaltarmos que o conteúdo da descentralização que
predominou no processo Constituinte, criticado no documento do MARE, foi
justamente o do item 4.
A proposta de descentralização do MARE, como vimos, é mais uma
forma desobrigação do Estado, o qual quer repassar tarefas para a sociedade que, até
então, eram suas, de acordo com o proposto pela Public Choice41.
Neste capítulo, verificamos o modo como o processo de
descentralização/centralização esteve presente em nossa história e como esteve
intimamente vinculado, desde a Independência, ao patrimonialismo e ao
clientelismo.
Apresentamos, também, a proposta de descentralização como parte do
plano de reforma do Estado, com o objetivo de discutirmos o processo atual
41
Ver pag. 11 desse capítulo
vinculado aos aspectos históricos e conjunturais do País, pois não seria possível
discutirmos essa proposta isoladamente, mostrando apenas seus aspectos positivos e
negativos. Como afirma Casassuss (1990), o conteúdo progressista ou conservador
não é intrínseco ao processo de descentralização, mas vem dado pelas circunstâncias
históricas que cercam sua implementação.
Observamos que a proposta atual de descentralização ocorre em um
contexto de grande competitividade internacional, cuja regra é a desregulamentação,
para se eliminarem os obstáculos ao livre jogo do mercado, e, que em se tratando de
Brasil e de América Latina, além desse processo, vive-se ainda a crise avassaladora
da dívida externa, que se aprofundou nos anos 80, tornando esses países reféns dos
organismos internacionais, principalmente do FMI, cuja determinação é a de se
diminuírem os gastos públicos.
Nesse contexto, a descentralização, gradualmente, tenta retirar
responsabilidades do Estado, o qual quer transferir, para a sociedade, tarefas que
eram suas no que se refere às políticas públicas e, principalmente, às políticas
sociais, como analisamos na seção anterior.
Desse modo, tanto o ajustamento do País à política dos organismos
internacionais, como o próprio processo de competitividade internacional, no qual os
países querem se livrar dos “obstáculos” ao livre jogo do mercado, são parte do
mesmo movimento, que tem, como conseqüência, a diminuição do Estado frente as
políticas sociais, e a educação é parte desse processo. O Estado explicita, cada vez
mais, seu caráter classista e ajusta-se às regras do mercado, tanto no processo
produtivo, quanto, principalmente, no processo de financeirização do capital,
priorizando o capital especulativo, como também já analisamos neste capítulo.
O processo de descentralização vem no bojo dessa proposta e deve ser
analisado como parte desse movimento e não como uma proposta dissociada do
tempo e do espaço.
A Constituição de 1988 foi um marco no processo de descentralização.
Conforme seu art. 18, “a organização político-administrativa da República Federativa
do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição”. A Carta assegura a autonomia do
município e, inclusive, detalha alguns princípios que asseguram essa autonomia,
como: a elaboração da Lei Orgânica, a eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos
vereadores, a instituição, arrecadação e aplicação de tributos, o direito de o
município legislar sobre assuntos locais e organizar o serviço público local, entre
outros. Ao mesmo tempo, a Constituição reserva uma lista de competências
exclusivas da União.
Enquanto o município assumia o status de ente federativo, com a
Constituição de 1988, paralelamente, aprofundava sua crise fiscal, o que
comprometia as finanças públicas, passando ele a assumir ainda maiores encargos.
Exemplos desses encargos são a municipalização da saúde e o processo de indução à
municipalização do ensino, apresentado pelo Governo Federal através da atual
proposta do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério, que abordaremos no capítulo 2.
Como verificamos, a crise fiscal dos municípios terá influência negativa
sobre o processo de municipalização, e a proposta de descentralização está
diretamente ligada às características de formação do Estado brasileiro, que continua
preso ao patrimonialismo e ao clientelismo. Por mais que se faça o discurso da
administração gerencial, as medidas que estão sendo tomadas para se “modernizar o
Estado” estão tornando-o ainda mais excludente, como já constatamos neste capítulo.
Concordamos com Vieira quando o autor afirma que
quando no Brasil se fala em descentralização, depende de
como a sociedade pode controlá-la. É possível admitir que,
até agora, os grandes avanços no Brasil e na América Latina
em geral não ocorreram por meio do direito local, mas por
pressão social sobre o Estado. Na América do Sul, localismo
na maioria das vezes significa clã parental e suas variantes:
genrismo, afilhadismo, compadrio, pistolão, quem indica
(QI), concurso facilitado, etc. (Vieira, 1998, p.13).
Privilegiamos os pontos sobre a descentralização e a crise fiscal, neste
momento particular do capitalismo, de redefinição do papel do Estado, pois julgamos
que esses são os pontos fundamentais da proposta de reforma do Estado no Brasil.
Essa proposta apresenta, como diagnóstico da crise, a crise fiscal, e, portanto,
salienta a importância de se racionalizarem recursos através da administração
gerencial e como estratégia, ela propõe a descentralização.
Essa descentralização, conforme verificamos no Plano, quer dizer a
descentralização restrita ao aparelho de Estado, que passa de uma esfera para outra
de governo, mas também significa a descentralização do aparelho de Estado para a
sociedade mediante os processo de privatização, terceirização e publicização,
conforme os itens de 1 a 3 dos conceitos de descentralização do IPEA.
A tensão descentralização/centralização constitui, também, as bases da
política educacional dos anos 90. No levantamento das políticas educacionais dessa
década, verificamos que o Estado está centralizando o controle, principalmente
através dos Parâmetros Curriculares Nacionais, e descentralizando o financiamento
da educação, sobretudo através do FUNDEF e o repasse de dinheiro direto para as
escolas. No próximo capítulo, verificaremos o modo como esse processo de
redefinição do papel do Estado está presente nos projetos de política educacional.
RELAÇÃO DA POLÍTICA EDUCACIONAL DOS ANOS 90 COM A
REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO
Tendo em vista que o objetivo desta pesquisa é estabelecer as relações entre a
política educacional dos anos 90 e a reforma do Estado, com base no material
empírico obtido, visamos, neste capítulo, a analisar o modo como o eixo das políticas
educativas foi se redefinindo, de 1988 a 1998, desde o período constituinte até o
primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.
Nos anos 80, culminando com o período constituinte, as políticas tinham,
como eixo principal, a democratização da escola mediante a universalização do
acesso e a gestão democrática, centrada na formação do cidadão.
Nos anos 90, ocorreu a mudança dessa centralidade, passando-se a enfatizar
a qualidade, entendida como produtividade, e o eixo deslocou-se para a busca de
maior eficiência e eficácia via autonomia da escola, controle de qualidade,
descentralização de responsabilidades e terceirização de serviços.
Os dados deste capítulo foram coletados nos documentos dos anos 90
referentes à política educacional do Legislativo e do Executivo, e em entrevistas com
responsáveis pela elaboração dos projetos estudados e com representantes de
entidades vinculadas à educação.
A política educacional é entendida, neste trabalho, como parte da
materialidade da reforma do Estado, e não como simples conseqüência dessa
reforma.
Através do levantamento dos projetos do Executivo e do Legislativo
apresentados nos anos 90, evidenciamos que a política educacional desse período e,
principalmente, aquela verificada a partir de 1995, apresenta-se de forma
fragmentada Parâmetros Curriculares Nacionais, TV Escola, Fundo de Valorização
do Magistério, avaliação institucional, autonomia da escola e que diferentes
estudos têm privilegiado o entendimento desses pontos específicos. Portanto, este
capítulo tem, por objetivo, reunir as peças desse “quebra-cabeças” para, numa
perspectiva de totalidade, buscar as múltiplas relações do próprio objeto de pesquisa
política educacional dos anos 90 e deste com a redefinição do papel do Estado,
que é parte de um movimento maior da crise do capitalismo.
2.1 Os anos 80 e o processo de democratização da educação
Durante a década de oitenta, assistimos, no Brasil, à organização dos setores
da sociedade emergentes no período de distensão, transição e abertura democrática
que culminou com a Nova República. Essa Nova República, como bem analisou
Fernandes (1986), deu-se com uma transição “pelo alto,” marcando a “continuidade
que se estabeleceu entre ditadura e república que nasceu de seu ventre”, havendo,
assim, apenas uma reorganização do poder, necessária para que a mesma classe
continuasse dirigindo o País.
Por outro lado, a Nova República foi o momento em que outras forças da
sociedade aliaram-se na luta pela democracia. Muitas entidades nasceram nesse
período, como é o caso do PT (Partido dos Trabalhadores) e da CUT (Central Única
dos Trabalhadores). Algumas tinham uma característica clara de classe, outras não,
mas uniram-se para combater o inimigo comum, que era a ditadura.
O processo constituinte deu-se em meio a essa correlação de forças. A
educação recebeu propostas que expressavam tal movimento, como, por exemplo, a
da Comissão Afonso Arinos, a da CNBB (Confederação Nacional do Bispos do
Brasil) e a da Carta de Goiânia, formulada durante a IV CBE (Conferência Brasileira
de Educação)42. Dentre as propostas elaboradas, destacaram-se, principalmente, as do
Fórum de Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito, órgão
que teve uma atuação mais permanente durante todo o processo, não só no
constituinte, mas no posterior, de elaboração da LDB. Foi significativo, também, o
número de emendas populares que trataram, exclusivamente, do problema da
educação: “dezoito emendas, com um total de 2.678.973 assinaturas, o que
demonstra a mobilização popular em torno da Constituinte e o interesse pela
educação” (Herkenhoff, 1989, p.28).
Gonh (1994) analisa o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
(FNDEP) como um movimento social. Segundo a autora, o FNDEP surgiu em 1986,
em função de articulações realizadas objetivando a elaboração de uma Constituição
para o País. O Fórum foi oficialmente lançado em Brasília, em 9 de abril de 1987, na
Campanha Nacional em Defesa da Escola Pública e Gratuita, tendo sido
denominado, inicialmente, de Fórum da Educação na Constituinte em Defesa do
Ensino Público e Gratuito.
42 Nos anos 80 e início dos anos 90, as Conferências Brasileiras de Educação (CBE) foram um espaço
importante de articulação para os educadores. A CBE à qual nos referimos aconteceu em Goiânia, em
1986, com 5.000 participantes, e teve, como tema, Educação e Constituinte.
Segundo Gonh (1994), o Fórum contou, inicialmente, com quinze entidades43
e, apesar da diversidade de interesses, havia dois núcleos congregantes que as
articulavam: a defesa da escola pública e a posição político-partidária de oposição ao
regime militar.
A polêmica em torno da destinação de verbas públicas, conforme Gonh
(1994), provocou uma ruptura no Fórum, já que parte dos representantes do
movimento eram vinculados à Igreja e apoiavam as escolas comunitárias. O Fórum
passou, então, de Fórum Nacional da Educação para Fórum em Defesa da Escola
Pública (FNDEP). A autora ressalta, ainda, que alguns representantes da tendência
vinculada à Igreja continuaram no FNDEP por intermédio das suas entidades de
classe.
Durante o processo constituinte, as principais forças que se opuseram ao
FNDEP, segundo Gonh (1994), foram as escolas particulares privadas, por meio da
FENEM (Federação Nacional de Estabelecimentos de Ensino), e o setor privado
confessional, por intermédio da ABESC (Associação Brasileira de Escolas
Superiores Católicas) e da AEC (Associação da Educação Católica).
Para Gonh (1994), a polêmica com a Igreja Católica tem ocorrido desde o
Manifesto dos Pioneiros, só que, na década de 90, foi criada uma nova perspectiva
jurídica, a das escolas comunitárias: “As escolas ditas comunitárias defenderam na
Constituinte a idéia da não exclusividade das verbas públicas para entidades
públicas. E foram as grandes vitoriosas no processo” (Gonh, 1994, p.85). Ainda
segundo a autora, o FNDEP não teve vontade nem força política suficientes para
contrapor-se a essa posição, pois, além das questões conjunturais, havia, dentro do
próprio Fórum, entidades como o CRUB, que tinha, no seu interior, também, as
universidades católicas, com seus interesses privatizantes.
43 Entidades que compunham o fórum: ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino
Superior; ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação; ANDE - Associação
Nacional de Educação; ANPAE Associação Nacional de Profissionais de Administração da
Educação; SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, CPB Confederação dos
Professores do Brasil; CEDES Centro de Estudos de Educação e Sociedade; CGT Confederação
Geral de Trabalhadores; CUT Central Única de Trabalhadores; FENOE Federação Nacional de
Orientadores Educacionais; FASUBRA Federação das Associações dos Servidores das
Universidades Brasileiras; OAB Ordem dos Advogados do Brasil; SEAF Sociedade de Estudos e
Atividades Filosóficas; UBES União Brasileira de Estudantes Secundaristas; UNE União
Nacional de Estudantes.
Após ter havido muitos debates durante o período constituinte, a educação,
assim como outras políticas sociais, obtiveram algum avanço na Constituição de
1988.
A educação é considerada, pela Constituição Federal (CF), como um direito
social (art. 6°). Segundo Minto & Muranaka (1995, p.66), desde a CF de 1934, a
“educação não é definida tão claramente como competência do Estado”.
Cury (1989, p.7) afirma que, pela primeira vez na história da educação
brasileira, a Constituição Federal “reza pela gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais (art. 206, inciso 4). Desapareceu a ressalva de ensino
gratuito após o primeiro grau só a quantos atestem Estado de pobreza”, além de
haver maior amplitude da obrigatoriedade, que passa a ser não apenas para cidadãos
de 7 a 14 anos, mas também para os que não tenham tido acesso à escola na idade
própria. Esses podem, inclusive, acionar o poder público para exigir-lhe que cumpra
sua obrigação (art. 208).44
Dentre os avanços conquistados na carta constitucional, destacamos:
- a progressiva extensão da obrigatoriedade e da gratuidade do ensino
médio, mudanças que são consideradas avanços,45 previstas no art. 208;
- a inclusão da creche na área da educação;
- a vinculação dos percentuais de recursos para a educação à “receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferência”, cabendo à
União, aplicar, pelo menos, 18%, e aos Estados, municípios e Distrito Federal, pelo
menos 25% desses recursos na “manutenção e desenvolvimento do ensino” (art.
212). Porém, desse montante, é legal, pelo parágrafo 2°, repassarem-se recursos
públicos para as escolas comunitárias, filantrópicas ou confessionais.
Cury (1989) destaca o art. 208, parágrafo 1°, segundo o qual o “acesso ao
ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” e no qual se define direito
público subjetivo: “é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir o
cumprimento de um dever cuja efetivação mune-se de uma lei que visa a satisfação
de um interesse fundamental do cidadão” (idem, p.9). O texto complementa que cabe
ao Estado efetivar o direito público subjetivo da educação.
44 Cury (1989) destaca que a maior amplitude da obrigatoriedade, para os que não tiveram acesso à
educação na idade própria, foi uma das conquistas perdidas na atual emenda 14. 45 O art. 208 foi modificado pela emenda 14.
Segundo Rocha (1993, p.111), a elaboração da LDB iniciou-se em um
momento privilegiado, quando a sociedade civil passava a participar de mecanismos
de funcionamento até então restritos à sociedade política. “A primeira fase de
elaboração da LBD, de dezembro de 1988 a dezembro de 1990, aconteceu plena de
efervescência democrática, consagrando agentes coletivos, oriundos da sociedade
civil como co-autores da legislação”. Já na segunda fase, no período de fevereiro de
1991 a maio de 1993, ainda na Câmara dos Deputados, verifica-se um retorno à
velha forma de fazer política: “cercear a ingerência dos grupos privados publicistas
da sociedade civil no legislativo, tentando mantê-lo restrito à atuação de agentes
reconhecidos como legais e significantes para tal os partidos políticos, através dos
parlamentares eleitos” (Rocha, 1993, p.112).
A autora define como principais atores, no processo, os representantes da
sociedade civil: os chamados publicistas (Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública na LDB), os privatistas (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de
Ensino - CONFENEN), e os confessionais (Associação Brasileira de Escolas
Superiores Católicas - ABESC, Associação de Educação Católica do Brasil -AEC e
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB).
O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB, apesar de ter atuado
desde a Constituinte como Fórum Nacional da Educação, somente na fase de
elaboração da LDB, assumiu seu caráter publicista. Segundo Rocha (1993), “o
Fórum é a expressão de novas formas de organização da sociedade civil engajadas na
luta pela redemocratização”, que
são, na sua maioria, entidades recentes, com história de resistência ao regime militar.
46
46 Entidades que compunham o Fórum no período de 1989-1990: ENTIDADES DA ÁREA DE
EDUCAÇÃO profissionais: ANDES-SN (Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior -
Sindicato Nacional), ANPAE (Associação Nacional de Profissionais de Administração de Educação),
CNRCFE (Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores - atual
ANFOPE), CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), CNTEEC
(Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Cultura), CONSED (Conselho Nacional
de Secretários Estaduais de Educação), CRUB (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras),
FASUBRA (Federação das Associações dos Servidores da Universidades Brasileiras), FENASE
(Federação Nacional de Supervisores Educacionais), FENOE (Federação Nacional de Orientadores
Educacionais - atual CNTE), UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação);
científicas: ANDE (Associação Nacional de Educação), ANPED (Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação), CBCE (Colegiado Brasileiro de Ciências do Esporte), CEDES
(Centro de Estudos Educação e Sociedade), SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência),
SOBART (Sociedade Brasileira de Arte); estudantis: UBES (União Brasileira de Estudantes
2.2 O processo de tramitação da LDB
Com base nos princípios estabelecidos com relação à educação, cultura e
desporto (do art. 205 ao artigo 217) da Constituição de 1988, o deputado Octávio
Elísio (PSDB/MG) apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados, o PLC 101/93
(n 1.258/88, na Câmara do Deputados), em dezembro de 1988, documento que foi
despachado para a Comissão de Educação.
Segundo Rocha (1993), o deputado Octávio Elísio buscou contemplar, no
projeto, as principais reivindicações da sociedade civil. Esse projeto tornou-se o
texto-base para os debates tanto na sociedade, quanto na Comissão de Educação da
Câmara dos Deputados, então presidida pelo deputado Ubiratan Aguiar (PMDB/CE),
sendo que o documento teve, como relator, o deputado Jorge Hage (na época, do
PSDB-BA).
A Comissão criou subcomissões, estando entre elas, o Grupo de Trabalho
(GT) do Projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, coordenado pelo
Deputado Florestan Fernandes (PT/SP). A Comissão organizou, também, audiências
públicas, de abril a junho de 1989, que tiveram, como objetivo, a participação da
sociedade; para isso, foram ouvidas cerca de quarenta entidades, havendo, dentre
elas, representantes dos ensinos público, confessional e privado, que eram os grupos
que apresentavam entre si, os interesses mais conflitivos durante todo o processo.
O então Ministro da Educação, Sr. Carlos Sant’anna, deixou de usar sua
prerrogativa de enviar projetos do Executivo para serem apreciados, como
Secundaristas), UNE/CONEG (União Nacional dos Estudantes / Conselho de Entidades Gerais);
ENTIDADES EXTERNAS AO SETOR EDUCACIONAL profissionais: CONTAG (Confederação
dos Trabalhadores da Agricultura), FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil); de classe: CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), CUT/DNTE (Central
Única dos Trabalhadores / Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação); comunitárias:
CONAM (Confederação Nacional de Associação de Moradores); ENTIDADES CONVIDADAS - AEC
(Associação de Educação Católica do Brasil), CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil),
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais); Entidades que participaram a partir
de 1991: EDUCAÇÃO FAEB (Federação de Arte - Educadores do Brasil), FABAPEF (Federação
Brasileira de Professores de Educação Física); científicas: ABEMUS (Associação Brasileira de
Educação e Música), SBF (Sociedade Brasileira de Física), SEAF (Sociedade de Estudos e Atividades
Filosóficas); estudantis: ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduação), ANPGE (Associação
Nacional de Pós-Graduação em Educação). ENTIDADES EXTERNAS AO SETOR EDUCACIONAL:
profissionais: ABI (Associação Brasileira de Imprensa), AGB (Associação dos Geógrafos do Brasil).
historicamente aconteceu no país, “de modo a não atropelar o processo de construção
coletiva e democrática que se encontrava instalado e em fase já avançada” (Hage47
apud Brito, 1995, p.105).
O primeiro substitutivo ao Projeto de Lei foi apresentado pelo deputado Jorge
Hage, à Comissão, em agosto de 1989.
Rocha (1993) destaca que se, por um lado, é nítida a articulação entre os
publicistas organizados no Fórum e o grupo de parlamentares que constituía o GT-
LDB, por outro lado, os demais grupos buscavam vincular-se a outros legisladores
para influenciarem no processo. Foi o caso da deputada Sandra Cavalcanti (PFL/RJ),
que, segundo a autora, era reconhecidamente representante dos confessionais, tendo
apresentado uma emenda constitucional (n 36/89) que propunha desobrigar-se o
Congresso de elaborar a nova LDB, com o objetivo de esvaziar o processo que vinha
ocorrendo na Comissão de Educação.
Rocha afirma que, não tendo êxito, uma vez que essa proposta de emenda não
foi aprovada na Câmara, o grupo confessional uniu-se ao privatista procurando dar
início ao processo através do Senado Federal. Isso porque, se o grupo tivesse seu
projeto aprovado primeiro, este teria preferência sobre o da Câmara,48 no qual as
propostas do Fórum, até então, eram hegemônicas. Essa foi, portanto, uma tentativa
de se mudar a correlação de forças instaurada.
Sobre o projeto apresentado no Senado, era declarada sua vinculação com os
interesses privatistas:
ENTIDADES CONVIDADAS: FNDCA (Fórum Nacional da Criança e do Adolescente), MNMMR
(Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua). 47 Relatório Jorge Hage, Diário do Congresso Nacional, 25 de janeiro de 1991, p. 203. 48 O Parlamento Brasileiro é Bicameral e, portanto, um projeto pode ser apresentado e iniciar sua
tramitação na Câmara dos Deputados e seguir para o Senado após sua aprovação. O Senado
funcionará, nessa hipótese, como casa revisora. Aprovado no Senado e havendo alterações, o projeto
retorna a Câmara para deliberação final. É encaminhado, então, para a sanção do Presidente da
República, que pode vetá-lo. No caso de haver vetos, o projeto retorna à Câmara, que pode mantê-los
ou derrubá-los. No caso de iniciar pelo Senado, ocorre o mesmo processo de forma invertida, e a
Câmara torna-se casa revisora. Pode acontecer que dois projetos com a mesma matéria tramitem
concomitantes na Câmara e no Senado e, neste caso, prevalece o projeto que for aprovado
primeiramente, transformando-se a outra Casa em revisora.
Já transitavam no Senado Federal projetos de Lei sobre as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino,
como não podia deixar de ser, tem juízo formado sobre esta
matéria.
O projeto de lei que ora apresentamos é de sua autoria.
Consta de 154 artigos e se distribui por 15 títulos. É trabalho
de bom padrão, pelo que não temos dúvida, em oferecê-lo ao
esclarecido exame desta Casa Legislativa, pedindo a sua
aprovação (SENADO FEDERAL,49 apud Rocha 1993, p.
86).
Após muitas negociações com integrantes do Fórum e com parlamentares
comprometidos com o projeto 1.258/88, os senadores foram convencidos a retirar
seus projetos de lei.
O texto negociado foi aprovado em 28 de junho de 1990, pelo Plenário da
Comissão, e enviado à apreciação da Comissão de Finanças e Tributação, tendo,
como relatora, a deputada Sandra Cavalcanti.
Os trabalhos da Comissão ocorreram no segundo semestre de 1990, período
de campanha eleitoral, após o quê seriam renovados os quadros do Congresso
Nacional. Os projetos que não fossem aprovados nas comissões até o final das
legislaturas seriam arquivados. A relatora, que havia participado da Comissão de
Educação, na qual o projeto fora aprovado de forma consensual, afirmava seu
compromisso com o texto, mas reteve seu parecer até o último momento.
A renovação do Congresso Nacional, com as eleições de 1990, modificou
muito o cenário, sendo que 60% dos deputados Constituintes não foram reeleitos
incluindo Jorge Hage e Octávio Elísio, relatores dos projetos de LDB, além de outros
parlamentares que tiveram grande influência sobre a tramitação do projeto, como
Hermes Zanetti (PSDB-RS), Carlos Sant’Anna (PMDB-BA), Lídice da Mata (PC do
B-BA, naquele período), e Gumercindo Milhomem (PT-SP).
49 SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n. 350/89, de autoria Wilson Martins, p.13.
O campo progressista perdeu muito na correlação de forças dessa nova
composição do Congresso. A Comissão de Educação passou a ter, como relatora, a
deputada Ângela Amin (PDS-SC), a Comissão de Constituição e Justiça teve, como
relator, o deputado Edevaldo Alves (PDS-SP)50 e, na Comissão de Finanças, o relator
foi Luís Carlos Hauly (PMDB-PR, depois PST-PR), que era integrante do Bloco da
Economia de Mercado.
O projeto deu entrada na Comissão de Educação em maio de 1991 e recebeu
1.263 emendas.
O Fórum elaborou um documento com base nessas 1.263 emendas, em julho
de 1991, com quatro grandes eixos: democratização, qualidade, gratuidade e recursos
financeiros.
O segundo parecer sobre as 1.263 emendas foi concluído em 1° de junho de
1992, tendo uma forte tendência privatizante.
Segundo Rocha (1993), os publicistas começaram a sentir a perda da
hegemonia e viabilizaram estratégias para agilizar o processo. Dentre elas, estava a
instituição de uma Comissão Suprapartidária,51 composta por representantes do
Bloco Governista e de todos os outros partidos, além dos relatores das Comissões de
Constituição e Justiça, de Educação, Cultura e Desporto e de Finanças e Tributação.
A Comissão Suprapartidária iniciou os trabalhos no segundo semestre de
1991, com o objetivo de analisar o projeto de Lei 1.258/88. Os trabalhos estiveram
esvaziados por falta de quorum.
Para Rocha (1993), o ataque aos interesses publicistas que constavam no
terceiro substitutivo de Hage deu-se em três frentes:
1. no interior da própria Câmara;
50 “Tendo conseguido a relatoria através do deputado Edevaldo Alves da Silva (PDS-SP), proprietário
de uma poderosa rede de escolas, a Comissão de Justiça se transformou no reduto dos empresários da
educação” (Saviani,1997, p.153). 51 Composição da Comissão Suprapartidária: Aécio de Borba (PDS-CE, presidente da Comissão de
Educação); Ângela Amin (PDS-SC, relatora da Comissão de Educação); Alvaro Valle (PL-RJ); Artur
da Távola (PDS-RJ); Carlos Lupi (PDT-RJ); Celso Bernardi (PDS-RS); Eraldo Tinoco (PFL-BA);
Eurides Brito (PTR-DF); Maria Luísa Fontenele (PSB-CE); Raul Pont (PT-RS); Renildo Calheiros
(PC do B-AL); Sólon Borges dos Reis (PTB-SP); Ubiratan Aguiar (PMDB-CE). A Comissão foi
mantida, em 1992, com algumas alterações: Celso Bernardi (PDS-RS, presidente da Comissão de
Educação); Maria Valadão(PDS-GO, vice-presidente); Costa Ferreira (PTR-DF) e Eduardo
Mascarenhas (PDT-RJ). Os relatores da Comissão de Justiça e Finanças não compareceram às
reuniões (Saviani, 1997, p.152).
2. por intermédio do executivo, devido aos fatos relatados, e, ainda, pela circulação,
entre os deputados, de um estudo de autoria do Ministério de Educação que não
recomendava a aprovação do projeto de LDB;
3. no Senado, por meio da apresentação do projeto de lei n 67, de 20 de maio de
1992, de autoria dos senadores Darcy Ribeiro (PDT/RJ), Marco Maciel (PFL/PE) e
Maurício Corrêa (PDT/DF). De acordo com Rocha (1993), apesar de o projeto não
incorporar, explicitamente, interesses privatistas, não contemplava os pontos mais
polêmicos do projeto 1.258/88, cristalizando-se, assim, as críticas feitas a ele.
Segundo Saviani (1997, p.129), enquanto o projeto da Câmara sofria as
dificuldades de tramitação, o senador Darcy Ribeiro tentara acelerar a aprovação de
seu projeto na Comissão de Educação do Senado. Com o novo regimento interno do
Senado, a aprovação na Comissão teria caráter terminal, e assim, ele seguiria para a
Câmara, e o substitutivo Hage seria matéria vencida. Porém, segundo o próprio
regimento, se um décimo dos membros da casa assinassem um requerimento, a
matéria deveria ser votada em plenário.
Na esfera política, o país vivia um momento sem precedentes em sua história,
com o processo que culminou com o afastamento do Presidente Collor de Melo no
dia 29 de setembro. Portanto, no segundo semestre de 1992, o Congresso estava
envolvido, principalmente, com as CPIs de corrupção.
Nesse contexto, já no início de 1993, o projeto Darcy Ribeiro passou pela
Comissão de Educação. O projeto de lei (PL n 67/92) recebeu parecer favorável do
relator Cid Sabóia de Carvalho (PMDB-CE) e foi aprovado na referida Comissão52
no dia 2 de fevereiro de 1993. Porém, o senador João Calmon encabeçou um
requerimento para que a matéria passasse por plenário, tendo conseguido três vezes
mais o número de assinaturas necessárias (Saviani, 1997).
Nesse processo de correlação de forças, o senador Darcy Ribeiro conseguiu
mais de 50 assinaturas para o pedido de urgência na tramitação de seu projeto no
Plenário. Esse pedido foi incluído na pauta da reunião do dia 18 de fevereiro de
1993, antevéspera de carnaval, e foi defendido, na tribuna, pelo próprio senador
Darcy Ribeiro. Porém, o ministro Murílio Hingel e o líder do governo no senado,
52 O projeto recebeu três votos contrários na Comissão de Educação: do senador João Calmon
(PMDB-ES), de Wilson Martins (PMDB-MS) e de Eva Blay (PMDB-SP) (Saviani, 1997, p.129)
Pedro Simon, articularam, com senadores dos mais diversos partidos, para que se
impedisse a aprovação do pedido de urgência. O senador Jarbas Passarinho (PDS-
PA) manifestou-se contrário ao requerimento, apresentado questão de ordem53. A
Presidência do Senado acatou a questão de ordem e o projeto Darcy Ribeiro voltou a
comissão de Educação, onde foi, novamente, apreciado (Saviani, 1997).
Saviani observa que a posse de Itamar Franco e a nomeação de Murílio
Hingel para o Ministério da Educação favoreceram o projeto da Câmara, que recebeu
pedido de urgência urgentíssima em novembro de 1992 e foi encaminhado,
juntamente com os relatórios das três Comissões,54 a Plenário. O substitutivo Jorge
Hage, assim como os três pareceres das comissões, foram votados na primeira
reunião, e, para a votação dos destaques, foi necessário retomarem-se as negociações.
Nas reuniões de negociação, os pontos que conseguiam consenso eram levados a
plenário. A Câmara trabalhou em novembro e dezembro de 1992, tendo havido uma
reunião extraordinária em janeiro de 1993. O projeto só logrou ser aprovado em 13
de maio de 1993, com a nova legislatura. Foi em meio a essas negociações que se
deu o processo de tramitação do projeto Darcy Ribeiro no Senado, processo esse já
descrito anteriormente.
O projeto 1.258/88 foi aprovado na Câmara dos Deputados a 13 de maio de
1993 por um acordo de lideranças e se transformou no projeto de lei 1.258-C/88, que
seguiu para a Comissão de Educação do Senado, tendo, como relator, o senador Cid
Sabóia de Carvalho (PMDB/CE).
Durante a tramitação do projeto no Senado Federal, havia um certo temor de
que o senador Cid Sabóia retomasse o projeto Darcy Ribeiro, já que havia sido
também o seu relator. Mas o senador Cid Sabóia afirmava que seu substitutivo
mantinha a concepção e a estrutura básicas do projeto inicial da Câmara, apesar de
incorporar aspectos do projeto Darcy Ribeiro e sugerir algumas modificações ao
documento em tramitação.
53 Segundo Saviani (1997, p.130) o senador Jarbas Passarinho levantou questão de ordem
considerando nula a decisão da Comissão de Educação do dia 2 de fevereiro, alegando que o PL
n67/92 (projeto Darcy Ribeiro) não constava na pauta daquela convocação; assim sendo, o senado
não poderia deliberar sobre tal projeto. 54 Comissão de Educação – relatora: Ângela Amin; Comissão de Constituição e Justiça e Redação:
Edevaldo Alves da Silva; e Finanças e Tributação: Luís Carlos Hauly. Segundo Saviani (1997, p.153)
os relatórios foram encaminhados antes mesmo de terem sido votados nas referidas Comissões.
O substitutivo Cid Sabóia de Carvalho foi apresentado na Comissão de
Educação do Senado no dia 30 de novembro de 1994 e foi levado a Plenário no dia
12 de dezembro do mesmo ano.
Com a posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995, mudou a
correlação de forças no Congresso quanto à aprovação da LDB: “Na área da
educação, o apoio político do Congresso e dos governadores dá ao novo Governo
condições de implementar sua política educacional sem oposição por parte do
Congresso” (Brito, 1995, p.257). O governo passou a editar medidas provisórias para
implementar sua política educacional, o que é um indicador de que ele não apoiava o
projeto de LDB da Câmara.
Em 16 de março de 1995 o Governo decretou a Medida Provisória n° 938,
que, entre outras medidas, regulamentava o novo Conselho Nacional de Educação
como órgão assessor do MEC. Brito (1995) destaca, ainda, que a medida provisória
sofreu muitos protestos, dentre eles, o da ANDIFES (Associação Nacional de
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior); já o CRUB (Conselho dos
Reitores das Universidades Brasileiras) apoiou o governo.
Como a medida não foi aprovada pelo Congresso no prazo regimental, o
Governo elaborou, então, um projeto de lei (Projeto de Conversão) que regulamentou
o CNE. “O que torna diferente esse projeto e o de LDB da Câmara é a noção de
representação contida no primeiro e a ampla liberdade que tem o Presidente, no
projeto do governo, de escolher, após consulta, os integrantes do conselho” (Brito,
1995, p.60).
O CNE era parte da proposta de gestão democrática do projeto de Lei de
Diretrizes e Bases aprovado na Câmara dos Deputados. Naquela proposta, o
Conselho Nacional de Educação e o Fórum Nacional de Educação eram as instâncias
máximas de deliberação da política educacional brasileira, passando por fóruns e
conselhos nas unidades escolares e por municípios e estados. Este projeto foi
derrotado, e o CNE passou a ser apenas um órgão com funções normativas e de
supervisão, não sendo mais deliberativo, como na proposta inicial. O Fórum
Nacional de Educação, que é um órgão representativo dos setores sociais envolvidos
com a educação, não está contemplado na representação do CNE, como estava
previsto na proposta inicial.
Outro indicador de que o governo não apoiava o projeto da Câmara foi o de
que, já no início da nova legislatura, representando o governo no Senado, o senador
do PSDB-CE, Beni Veras, solicitou, por meio de requerimento, o retorno do projeto
de LDB, que já havia sido aprovado na Comissão de Educação do Senado, para a
Comissão de Constituição e Justiça. O senador Darcy Ribeiro foi nomeado relator e
elaborou um parecer55 considerando inconstitucional o projeto da Câmara,56 o qual,
portanto, deveria ser rejeitado, e apresentou um substitutivo de sua autoria.
Esse substitutivo foi votado em tempo recorde. Em audiência pública, o
projeto do senador Darcy Ribeiro ganhou a prerrogativa regimental de ter
precedência sobre o Substitutivo Cid Sabóia, que havia sido votado na Comissão de
Educação do Senado. Nessa audiência, houve protestos contra o golpe regimental
que se pretendia dar, sendo dilatado, então, o prazo para a votação final, o que
permitiu negociações com o senador Darcy Ribeiro e resultou na elaboração de
sucessivos substitutivos.
Após essas tantas versões, o projeto Darcy Ribeiro foi aprovado pelo Plenário
do Senado no dia 8 de fevereiro de 1996. Esse projeto retornou à Câmara, onde foi
aprovado no dia 17 de dezembro de 1996 e sancionado pelo presidente da República
sem vetos, tendo sido promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases (Lei n 9.394) no
dia 20 de dezembro.
O projeto aprovado pelo Senado foi considerado como uma interferência no
processo democrático e foi visto como ilegítimo por amplos setores educacionais,
que o contestaram.
Uma conseqüência desse processo de intervenção do Executivo foi o silenciar
das instituições vinculadas ao Fórum57, ao mesmo tempo em que outros atores
entravam em cena.
55 Ver Parecer n 301, de 1995, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. 56 As inconstitucionalidades apresentadas, segundo Pino (1995), foram, na sua expressiva maioria,
referentes à extinção do Conselho Federal de Educação e à criação do Conselho Nacional de
Educação, o que seria prerrogativa do presidente da República e não da LDB. Porém, estas
inconstitucionalidades haviam sido sanadas pela medida provisória n 992/95, de iniciativa do Poder
Executivo. Também Saviani observa que, em 1991, ao tentar a mesma “manobra regimental”,
apontando inconstitucionalidades no projeto da Câmara, o projeto passou pela Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara, que não se pronunciou acerca do Conselho Nacional de Educação. 57 Estudos apontam outras causas para a desarticulação do Fórum, as quais não aprofundaremos aqui,
pois, pela complexidade do assunto, julgamos que ele mereceria um estudo em separado. Apenas
ressaltamos a causa que, no nosso entendimento, está no contexto deste trabalho.
O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública avaliou a Lei n º 9.394/96, a
nova LDB, como a “vitória de uma determinada concepção de Estado e de sociedade
que pode ser denominada de neoliberal” (Fórum Nacional em Defesa da Escola
pública, 1997, p.4). Conforme o documento, “O fato do governo conseguir na
legalidade institucional fazer valer seu projeto não o isenta da utilização de
mecanismos antidemocráticos para fazer valer o seu projeto que, portanto, traz um
vício de origem: a falta de legitimidade.” (idem, p. 5, grifo do autor). Ainda nesse
documento de avaliação, o Fórum conclamou todas as entidades que “não têm
podido participar de suas reuniões que voltem a fazê-lo”, assim como recomendou
aos fóruns municipais e estaduais a redobrarem seus esforços e “se (re) organizarem
para, juntos, forçar os governos a implementar políticas de inclusão social, atendendo
às necessidades da maioria da população.” (idem, p.18)
Constatamos o esforço, por parte da direção do Fórum, de (re)aglutinação
das forças que o compunham, desmobilizadas naquele momento.
2.3 Os Anos 90 e os Novos Interlocutores do Governo
Outra mudança de eixo a se considerar na passagem desses anos 80 para os
90 diz respeito aos interlocutores do governo.
Como vimos, tanto no período constituinte, na primeira fase de tramitação da
LDB, quanto durante a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos, o
Executivo Federal tinha alguma interlocução com os setores organizados da
educação, por meio das associações científicas e sindicais, e, nesse sentido, havia
propostas e projetos educativos em embate no Executivo (ex.: Plano Decenal), e no
Legislativo (LDB).
A partir de 1995, esse diálogo foi encerrado, e o governo federal passou a dar
prioridade a outros interlocutores para a elaboração de suas políticas, entre eles o
Instituto Herbert Levy, que, no caso, era o representante do capital. Assim como
outros interlocutores, o Instituto apresentou a sua proposta para educação em 1992.
Só que essa proposta contou, já na época, com o apoio do MEC, através da
organização do Seminário Ensino Fundamental & Competitividade Empresarial,
promovido nos dias 3 e 4 de agosto de 1992. As propostas desse Seminário, enviadas
à Secretaria de Ensino Fundamental do MEC, foram implementadas, na íntegra, pelo
atual governo. Podemos constatar, pelo próprio tema do Seminário, Ensino
Fundamental & Competitividade Empresarial, que ele foi ao encontro da mudança
de eixo da política educacional apresentada na passagem dos anos 80 para os 90, cuja
lógica passou a ser a da produtividade.
O Seminário, realizado em parceria entre o Instituto Herbert Levy e o MEC,
tinha, como objetivo, a elaboração de uma proposta para ação do governo. Nesse
sentido, o evento gerou um documento que continha um diagnóstico da situação, à
época, da escola pública fundamental, concluindo que o problema não seria a
evasão, mas a repetência, portanto ele seria de qualidade não de quantidade.
Apresentou, ainda, o estudo de caso de dois países, Chile e Inglaterra, considerados
paradigmáticos naquele momento, e duas propostas de ação para que o governo
equacionasse o problema:
1. “O estabelecimento de um sistema de controle de qualidade” (Avaliação
Institucional) e
2. “O estabelecimento de um mecanismo objetivo e universalista de arrecadação e
repasse de recursos mínimos para assegurar os insumos básicos necessários para
a operação eficaz e eficiente das escolas, dentro das atuais condições da
economia brasileira, cujos recursos permitem, segundo estimativas, alocar 300
dólares por ano nas escolas públicas de primeiro grau” (Oliveira, Castro, 1993,
p.6).
Como já constatamos através do material empírico apresentado, as duas
propostas passaram a ser, juntamente com os Parâmetros Curriculares Nacionais, os
eixos da política educacional a partir de 1995. Detectamos que inclusive as minúcias
do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
estavam presentes nesse documento58. Fazia parte dessas propostas, também, a
recomendação de que não se esperasse pela LDB, que, na época, estava em debate,
para a implementação das ações:
58 OLIVEIRA, CASTRO. Ensino fundamental e competitividade empresarial, 1993, ver p.29 a 40.
Tal matéria deve ser prioritária na futura Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, mas não precisa esperar por
ela. Conforme a realidade de cada região, por via de
negociação, portarias ou outros instrumentos, o MEC pode
tomar decisões firmes e claramente instituídas para a
partilha de responsabilidades e para o financiamento da
educação. (idem, p.61).
Essa sugestão foi acatada pelo Executivo, que elaborou, ainda em 1995, a
proposta de Emenda Constitucional 233, que estabeleceu o Fundo, aprovada como
Emenda Constitucional 14/96.
A proposta de emenda constitucional (PEC)59 sugerida pelo documento, a
nosso ver, constituiu-se em um autoritarismo do Executivo, pelo desrespeito a todo o
processo constituinte, de intenso diálogo com a sociedade.60
Em se tratando de política educacional, verificamos sua centralização no
Executivo, em todos os níveis, mediante as propostas de emenda constitucional
(PEC), decretos e vetos. Com referência ao ensino fundamental, o Executivo
apresentou, inicialmente, a PEC 233, atualmente emenda constitucional 14/96, que já
citamos. Após ter sido aprovada na Câmara, ela recebeu veto do Presidente,
publicado no Diário Oficial n 250 de 26/12/96. Isso significa que, mesmo quando
um projeto passou pelo Legislativo, se não estava de acordo com os planos do
Executivo, era simplesmente vetado.61
No caso do ensino superior, o Executivo propôs uma emenda constitucional
(PEC 370), que tratava da autonomia universitária62. Porém, mesmo durante a
discussão da emenda no Congresso, o Executivo já baixara um decreto (Decreto n
2.207, de 15/4/97), o qual, além de desrespeitar a tramitação no Legislativo, ainda
59 Nos anos 1995/96, o Executivo apresentou 73% das emendas constitucionais promulgadas em
1995/96, e o Congresso, apenas 27% (DIAP, 1997, p.11). 60 Nos projetos transformados em lei, ocorreu o mesmo: 97 foram vetados, total ou parcialmente, e
464 viraram lei, sendo que, desses 360 foram de iniciativa do Presidente da República, 72, de autoria
de deputados e 20, de senadores; 7, do poder Judiciário e 5, do Ministério Público (DIAP, 1997, p.11). 61 Aprofundaremos essa questão no item referente ao financiamento. Os vetos do Presidente e suas
justificativas estão em anexo. 62 A proposta de emenda relativa à autonomia universitária, inicialmente, estava contemplada na PEC
233 e, após muitos protestos, ela foi desmembrada para ser melhor discutida e analisada.
impediu o debate que, minimamente, vinha sendo travado com as universidades e
entidades científicas e sindicais acerca da autonomia.
O mesmo procedimento adotado pelo Executivo verificou-se quanto à
educação profissional, que foi regulamentada pelo Decreto n 2.208, de 17/4/97. Isso
porque a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394), mencionada anteriormente, com o
objetivo de desregulamentar o ensino, deixou tão em aberto todos os pontos
polêmicos da legislação, que, na verdade, facilitou, ao Executivo, a regulamentação
da Lei por meio de decretos, de forma autoritária, centralizando, totalmente, naquele
poder, o que seria matéria do Legislativo.
Essa lógica de desregulamentação e o fato de o Executivo atuar por meio de
medidas provisórias têm, como base teórica, a Escola de Virgínia, conhecida como
Public Choice, um dos pilares teóricos do neoliberalismo. A Public Choice propõe
um programa de restauração do País, por meio de uma legislação básica, o que pode
se dar por intermédio de emendas constitucionais que proíbam o déficit público, as
quais nenhum legislativo possa revogar. Portanto, ela propõe o controle do poder
político ordinário, que é submetido às eleições, já que, o problema central é o fato de
os governos atuarem com déficit para atender às demandas dos eleitores, como
verificamos no capítulo 1.
Outro item que merece destaque no documento do Instituto Herbert Levy para
a educação, diz respeito à importância da educação para a competitividade
empresarial:
numa época em que o saber se transformou na mola mestra
de todo o processo produtivo, qualquer esforço para
melhorar a competitividade nacional tende ao fracasso se a
máquina geradora deste saber, que é o sistema educacional,
não apresentar uma eficácia compatível com as exigências
da nova era (idem , p.6).
Dessa forma, os empresários propunham participar ativamente da elaboração
das políticas educacionais, influenciando mais as políticas do que gerindo
diretamente as escolas:
... os empresários sabem muito bem que não podem cuidar
melhor das escolas do que o governo ou ao invés do governo.
Esta não é sua responsabilidade, sua missão e muito menos
sua intenção.
A participação do empresário é, contudo, extremamente
importante. Além de familiarizá-lo com o trato das questões
da educação e da escola, complementa a ação do governo,
queimando, em defesa de seus próprios interesses
econômicos, etapas do processo de otimização do ensino
brasileiro” (grifo nosso) (idem).
Após essas declarações, voltaremos à discussão de Plá (1996), segundo o qual
Estado não é um “ente superior que paira acima das classes”, mas sim o
representante dos interesses da classe hegemônica na sociedade, no caso, dos
interesses do capital.
Podemos constatar também, através dessas declarações, um movimento que
vem ocorrendo na redefinição do papel do Estado, tendência essa, que aponta para a
incorporação da lógica empresarial da produtividade no interior do próprio aparelho
de Estado. Portanto, o Estado está privatizando ou repassando parte de suas
responsabilidades para a sociedade civil, através das organizações sociais, mas, além
disso, o que resta para ele é influenciado pela lógica do mercado, como pudemos
constatar no próprio documento de reforma do Estado (BRASIL,MARE, 1995),
analisado no capítulo 1 deste trabalho.
Destacamos, nesse sentido, que o documento do Instituto Herbert Levy, que
tanto tem influenciado a política educacional brasileira, possui, como base para sua
proposta, estudos sobre as reformas educativas do Chile e da Inglaterra, países de
ponta do ideário neoliberal. Essas modificações são apresentadas como “as
possibilidades e limites de reformas como as que aqui se propõe”.
O documento ressalta o financiamento e a avaliação como os pilares dessas
reformas: “duas características são marcantes nos dois casos: primeiro, a definição de
recursos, dentro de critérios universalistas e explícitos; segundo, a implementação de
mecanismos de controle de qualidade” (Oliveira, Castro, 1993, p.67). É exatamente
isso que se propõe para a política educacional brasileira, como já destacamos.
No caso da Inglaterra, o documento menciona a “mistura de centralização de
algumas decisões (financiamento e controle de qualidade) concomitantemente à
autonomia da escola e ao enfraquecimento das instâncias intermediárias” (idem, p.
69).
Outra característica da Reforma Inglesa, destacada pelo documento, é a de
que as decisões sobre o currículo foram centralizadas pelo governo, sendo que o
“Ministério da Educação e Ciência passou a ter papel ativo no estabelecimento de
diretrizes e orientações curriculares” (idem, p.69), estando, o currículo, diretamente
vinculado à Avaliação: “Os procedimentos de avaliação se destinam a medir os
objetivos definidos nos programas de estudo do currículo nacional” (idem, p.71). A
avaliação, por sua vez, está vinculada, diretamente, à competição: “a competição das
escolas por uma reputação, possibilitada pela publicação dos resultados da avaliação,
se torna um dos pilares dessa nova estratégia” (idem, p. 75).
Constatamos, portanto, que as reformas propostas pelo Instituto Herbert Levy
para a política educacional brasileira têm, como base, as reformas educativas do
Chile e da Inglaterra, países com características marcadamente neoliberais. Essas
propostas, como pudemos observar, foram acatadas, na íntegra, pelo governo
brasileiro.
Verificaremos, ainda neste capítulo, nos itens referentes à Avaliação
Institucional e aos Parâmetros Curriculares Nacionais, que o processo de
terceirização, encaminhado pelo governo não tem privilegiado, como interlocutores,
organismos da sociedade representativos junto ao segmento educacional, como foi
característico do processo anterior, durante o período constituinte, de formulação do
projeto inicial de LDB e do Plano Decenal de Educação.
Porém, em meio a essa ofensiva antidemocrática do governo federal, setores
representativos de diversos segmentos educacionais organizaram uma contra-
ofensiva, elaborando um Plano Nacional de Educação alternativo àquele proposto
pelo governo. Esse Plano foi construído em dois CONEds63 (Congresso Nacional de
63 A Comissão Organizadora Nacional era composta pela AELAC (Associação de Educadores Latino
Americanos e Caribenhos), ANDE (Associação Nacional de Educação), ANDES-SN (Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), ANFOPE (Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação), CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação), realizados em Belo Horizonte, em 1996 e 1997, e contaram com mais de
cinco mil participantes dos 27 estados brasileiros e do Distrito Federal, em cada uma
das duas edições. Isso demonstra a insatisfação de amplos setores vinculados à
educação, já que muitos daqueles que lá estavam eram representantes de entidades.
A mudança de eixo, verificada na passagem dos anos 80 para os 90, na
política educacional, como mencionamos neste item, é parte do movimento histórico
que destacamos na introdução deste trabalho. As mudanças que, nesta pesquisa
empírica, vimos materializadas na educação, são parte do movimento maior desse
período particular do capitalismo, que é de hegemonia neoliberal e de globalização,
conforme caracterizamos no item da reforma do Estado, no capítulo anterior.
Esse movimento é internacional; podemos observar que o papel do Estado
está se redefinindo em todos os países, embora seja condicionado por características
muito peculiares da história política e da correlação de forças locais. Por
entendermos esse movimento como um fenômeno internacional, é que ressaltamos
que foram utilizados como base para as propostas do Instituto Herbert Levy os casos
da Inglaterra e do Chile, países que apresentam, em termos de estratégia neoliberal,
as propostas mais desenvolvidas. Não pretendemos, contudo, caracterizar nenhuma
forma de maquiavelismo nem determinação do tipo “trouxeram um modelo pronto a
ser implementado no Brasil”. Ao apresentarmos as propostas do Instituto e
demonstrarmos o modo como elas foram acatadas pelo governo brasileiro,
queríamos, sim, chamar a atenção para um movimento de correlação de forças, de
hegemonia neoliberal, que, no nosso entendimento, é internacional, além de
apontarmos que os setores vinculados ao capital têm uma proposta de sociedade e de
educação. Essa proposta é, também, veiculada pelos organismos internacionais
através de suas orientações políticas para os países periféricos. A política
educacional brasileira da década de 90 é, fortemente, marcada pela orientação desses
organismos, principalmente a da CEPAL, nos primeiros anos da década, e por
aquelas do Banco Mundial, a partir de 1995, com o governo Fernando Henrique
Cardoso.
Educação), CONTEE, DNTE-CUT, SINASEFE (Sindicato Nacional dos Servidores da Educação
Federal de 1º, 2º e 3º graus da Educação Tecnológica), UBES (União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas), UNDIME (União Nacional dos Dirigente Municipais de Educação) e UNE (União
Nacional de Estudantes).
2.4 A influência dos organismos internacionais na política educacional dos anos 90
A Conferência Mundial de Educação para Todos, que se realizou em Jomtien,
na Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, foi patrocinada pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), pelo Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF) e pelo Banco Mundial.
Podemos verificar, no documento da Conferência Mundial de Educação para
Todos (1990a, p.3), que a orientação internacional do início dos anos 90 era o inverso
do que vivia o País até então, no período de transição democrática, que batizamos,
para efeitos deste trabalho, de anos 80: “... agora é um bom momento para atuar. O
clima internacional é muito mais cooperativo, na medida em que se diluem as
tensões mundiais. Muito mais gente vê a necessidade de dar uma prioridade maior a
toda inversão no potencial humano”64.
O objetivo da Conferência, conforme Miranda (1997), foi o de “promover a
universalização do acesso à educação e a promoção da eqüidade, dar prioridade à
aprendizagem, ampliar os meios e alcance da educação básica e fortalecer a
‘concertacción’ de ações educativas”.
É nesse contexto que as políticas dos anos 90 estão sendo formuladas,
dando respostas aos organismos internacionais. No âmbito nacional, passou-se por
um período em que as forças políticas conservadoras saíram vitoriosas, nas eleições
para o Executivo, com a vitória de Fernando Collor de Melo em 1989, com a
renovação do Congresso Nacional em 1990.
Em outro âmbito, o Ministério da Educação elaborou, em dezembro de
1990, o Programa Setorial de Ação do Governo Collor na Área da Educação (1991-
1995), o qual apresentou como fundamentos a educação na Constituição Federal de
1988 e a modernização do Brasil com sua inserção na ordem econômica
64 “ahora es un buen momento para actuar. El clima internacional es mucho más cooperativo a medida
que se diluyen las tensiones mundiales. Mucho más gente ve ahora la necessidad de darle una
prioridad mayor a toda inversión en el potencial humano”.
internacional. O documento apontava que constituía tarefa urgente, para o Brasil,
inserir-se no quadro das transformações contemporâneas, que se operavam em nível
mundial, por força de uma revolução científico-tecnológica sem precedentes
(BRASIL, 1990a, p.9) .
Com o impeachment do Presidente Fernando Collor de Melo, assumiu o
Vice-Presidente Itamar Franco, com perfil mais populista, interrompendo, assim, o
projeto neoliberal que se iniciara com a eleição de Collor, o qual seria retomado no
governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso.
Murílio de Avellar Hingel assumiu o Ministério da Educação em setembro
de 1992 e, logo no começo de 1993, participou da Conferência de Educação para
Todos, na China, quando constatou que o Brasil não cumprira os acordos
estabelecidos em 1990, em Jontiem:
Participando de uma Conferência de educação para todos,
em março de 1993, na China, verifiquei que o Brasil não
tinha ainda tomado iniciativas consistentes para cumprir o
compromisso da Declaração Mundial de Educação para
Todos, de Jomtien, Tailândia, de 1990. Retornando ao Brasil,
após ter convivido alguns dias com esta frustrante
experiência de indiferença do nosso país em torno de um
compromisso assumido internacionalmente, tomei a decisão
de elaborar o Plano Decenal de Educação para Todos,
determinando que sua metodologia se orientasse por uma
ampla participação e mobilização da sociedade65.
Através dessa declaração do Ministro, é possível verificar-se que o Plano
Decenal, mais do que um compromisso com a Nação, foi realizado em um contexto
em que o Brasil tinha que prestar contas, à comunidade internacional, acerca de seu
fracasso na área da educação.
65 Discurso do Ministro de Estado da Educação e do Desporto, Murílio de Avellar Hingel, na abertura
da Conferência Nacional de Educação para Todos, no dia 29 de agosto de 1994.
O Ministro da Educação assumiu, em Pequim, no mês de março de 1993, o
compromisso de levar para Paris, no final de junho daquele ano, um plano de
educação para o Brasil. De acordo com o depoimento de Cunha (1996) :66
... isto foi confiado ao departamento que eu dirigia da área
de educação fundamental do MEC. Reunimos toda a
documentação do que o Brasil tinha pensado a respeito da
educação nos últimos anos. Os Congressos, os protestos, as
reivindicações, uma bibliografia básica mínima. Depois
constituímos um comitê consultivo do plano decenal,
começando a chamar a sociedade civil, chamamos o
movimento de educação de base, confederação da mulheres,
sindicatos. Quando o ministro Hingel decidiu a elaboração
do plano decenal ele pediu para se fazer em Brasília uma
semana de educação para todos; reunimos esta
documentação e em abril ou maio, realizamos então a
semana de educação para todos.
Dessa semana, resultou um compromisso de educação para todos, assinado
por várias entidades, dentre elas o CONSED (Conselho Nacional de Secretários da
Educação), a UNDIME (União dos Dirigentes Municipais) e a CNTE (Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação). Segundo ainda o depoimento de Cunha
(1996), foi com base nos resultados dessa semana que se iniciaram os trabalhos de
elaboração do documento. O Plano foi estruturado segundo alguns critérios, que,
para o autor, foram: primeiro, respeitar-se o regime federativo, isto é, o documento
seria concebido sob a forma de diretrizes gerais; segundo, a flexibilização para se
favorecer a continuidade, “para cada gestão fazer nele a sua marca e fazer as
alterações necessárias”; e, terceiro, que, apesar de o plano atender a um compromisso
do Ministro com a UNESCO, o documento deveria ser colocado em debate nacional.
Em uma próxima etapa, discutiu-se, com o CONSED, uma metodologia para
o debate do Plano em nível estadual. Em junho, foi deflagrado o processo estadual,
quando, das 27 unidades federativas, 25 fizeram o Plano. O passo seguinte, em
agosto, seria o de atingirem-se os municípios. Foram enviados cinco mil ofícios
assinados pelo Ministro, nos quais contava-se o histórico do Plano e convidavam-se
66 Informações coletadas em entrevista realizada em 12/4/96, na sede do MEC, em Brasília, com o
professor Célio da Cunha, coordenador do Plano Decenal de Educação e, no momento da entrevista,
diretor de estudos da Secretaria de Política Educacional do MEC.
os municípios a formularem seu Plano Decenal Municipal. Segundo Cunha, tratando-
se de um regime federativo, não poderia haver imposições, o que não impedia o
MEC de estabelecer diretrizes. Nesse sentido, foi encaminhado, para os municípios,
um roteiro com uma metodologia para o debate. A resposta, segundo Cunha, foi
satisfatória, pois, até dezembro de 1993, 85% dos municípios haviam mandado seus
Planos.
Para Cunha, o importante era levar-se, para a Conferência, um consenso que
tivesse passado pelos Estados, municípios e, pelo menos, pelas escolas, já que a idéia
anterior incluía a família. A fim de realizar esse debate, foi feito um acordo com as
editoras para se publicar o Plano, com um novo roteiro de debates para as escolas.
Foram selecionadas escolas com mais de mil alunos, o que, segundo Cunha, era
expressivo, pois esse universo abrangia 85% desses estabelecimentos.
No final de 1993, a UNESCO convocou uma reunião em Nova Delhi, onde
foi apresentado o Plano Decenal brasileiro, que, segundo Cunha, despertou uma
atenção muito grande, tanto que o Brasil aceitou ser a sede de uma Conferência
Nacional e Internacional de Educação para Todos, que se realizaria em 1994. Essa
Conferência, segundo consta em seus Anais, envolveu a participação dos países do
EFA-967 e de organismos internacionais, “com o objetivo de criar espaços de diálogo
entre experiências diferentes, tendo em vista possíveis intercâmbios na condução da
política educacional de educação para todos” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO PARA TODOS, ANAIS, 1994, p.987).
A Conferência Mundial de Educação para Todos, apesar de ter sido
organizada por várias entidades, teve, como orientação predominante, a da CEPAL,
que influenciou muito a política educacional brasileira no início dos anos 90.
Para Torres (1995, p.5), a Conferência definiu, pelos seus organismos
promotores, “ a educação básica como a prioridade para a presente década e a
educação primária como a ‘ponta de lança’ da dita educação básica”. 68 Durante o
evento, acordou-se uma definição ampliada de educação básica, que incluía crianças,
jovens e adultos, não se reduzindo à educação escolar, nem à educação primária,
67 Education for All - grupo do qual o Brasil faz parte, em decorrência de projeto prioritário da
UNESCO. 68 “definió la educación básica como la prioridad para la presente década y la educación primaria
como la ‘punta de lanza’ en el logro de dicha educación básica”.
nem a um determinado número de anos, mas sendo definida por “sua capacidade
para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de cada um”69 (p.9).
Torres observa que o Banco Mundial vem estimulando os países a
concentrarem seus recursos na educação básica, “vista como elemento essencial para
um desenvolvimento sustentável e de longo prazo assim como para aliviar a
pobreza”70 (idem, p.8). Porém, segundo a autora, esse organismo não manteve a
concepção ampliada de educação básica, que, em seu documento de política (1995),
continua centrada na educação escolar e infantil.71 Essa visão setorial,
eminentemente escolar, contraria o principio 11 de ação da Conferência, que destaca
a importância do enfoque intersetorial: “posto que as necessidades básicas de hoje
são complexas e diversas, satisfazê-las requer estratégias e ações multissetoriais aos
esforços globais de desenvolvimento”72 (idem, p.14).
A política educacional em curso no Brasil sofre grande influência dos
organismos internacionais, principalmente da CEPAL73 e do Banco Mundial74, sendo
importante, contudo, ressaltarem-se as diferenças entre os dois organismos:
Na definição das políticas educativas na América Latina
assume papel decisivo o Banco Mundial e sua posição de
defesa explícita da vinculação entre educação e
produtividade, numa visão claramente economicista, sem a
preocupação dos documentos cepalinos de vincular esses
objetivos com o desenvolvimento da cidadania (Miranda,
1997, p.4).
Destacamos, ainda, as advertências de Haddad quanto às simplificações
ocorridas nos estudos referentes ao relacionamento entre os Estados nacionais e os
organismos internacionais, que registramos aqui por julgá-las procedentes, sendo
69 “su capacidad para satisfazer las necesidades básicas de aprendizaje de cada uno”. 70 “vista como elemento esencial para un desarrollo sustentable y de largo plazo así como para aliviar
la pobreza”. 71 Educação básica, de acordo com a Conferência e conforme o incorporado pela LDB brasileira,
inclui a educação infantil e os ensinos fundamental e médio. 72 “puesto que las necesidades básicas de hoy son complejas y diversas, satisfacerlas requiere
estrategias y acciones multisectoriales a los esfuerzos globales de desarrollo”. 73 Sobre a influência da CEPAL na política educacional brasileira, ver Girardi (1994). 74 Sobre o Banco Mundial, ver Hobsbawn (1995, p.420 e 556), Worsley (1994, p.103), Warde &
Haddad (1996).
que, a seguir, apresentaremos os principais pontos do documento do Banco Mundial
para o Brasil:
... O primeiro deles é o de acreditar que haja um
alinhamento incondicional entre as políticas produzidas no
contexto das instituições multilaterais e as políticas
nacionais que aceitam e ratificam suas orientações em
função das necessidades dos recursos que os acompanham.
Acreditamos, ao contrário, que os atores responsáveis pelas
políticas nacionais têm papel relevante no processos de
negociação e direcionamento dessas políticas. Fica claro,
evidentemente, que quanto mais próximo são das políticas
gerais que conformam o atual contexto de desenvolvimento
do capitalismo internacional, mais facilmente os acordos são
firmados e os portofólios cumpridos (Haddad, 1998, p.44).
O documento do Banco Mundial para o Brasil75, em seu memorando (CAS
1997), observa que “os baixos níveis de educação permanecem uma determinante
central dos altos índices de pobreza”, apresenta os números do analfabetismo, da
evasão e da repetência e conclui que o “pobre desempenho” do País, nessa área,
deve-se a:
- pobre organização do sistema educacional nos níveis de
estado e municipais.
- gerenciamento e clima para aprendizado ineficientes no
âmbito da escola.
- demanda insuficiente de escolaridade de qualidade no
âmbito da comunidade.
- preparação e motivação inadequadas do pessoal do setor
da educação (Viana Jr., 1998, p.103)
75 O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) organizam documentos
específicos para cada país que tome seus empréstimos. Esses documentos, conhecidos pela sigla CAS
(Country Assistence Strategy), no caso do Banco Mundial, e pelo nome de Country Paper, no caso do
BID, descrevem a estratégia dos Bancos para os empréstimos, além de planos para as reformas
econômicas ou ajustes estruturais e projetos de investimentos (agricultura, infra-estrutura, reforma
agrária, meio ambiente, educação, saúde). Esses documentos permaneceram, durante anos, em sigilo
(sendo para uso oficial) e, apenas em 1997, após longa batalha política, vieram a público, por um
pedido da Rede Brasil, encaminhado através do deputado Ivan Valente à Câmara dos Deputados.
O documento apresenta, como raiz do problema, as desigualdades do gasto
educacional e observa que a mudança na Constituição, nesse caso referindo-se ao
Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(FUNDEF), enfrentará “essas desigualdades”.
Ao expor a agenda de desenvolvimento do governo federal, o documento
aponta as ações dessa instância no tocante à educação, destacando a meta de
“melhor acesso e qualidade da ação básica”, indicando as reformas já efetuadas para
se atingir tal objetivo: o FUNDEF, o dinheiro na escola, a avaliação institucional, a
melhoria da qualidade do livro escolar e dos padrões nacionais de currículo escolar e
a reforma do ensino secundário.
Quanto à descentralização, o Banco Mundial aponta os Estados que já estão
mais adiantados nesse processo, sendo que se destaca um dentre os itens
apresentados: “(ii) programas para apoiar ou comandar o estabelecimento de
conselhos escolares com responsabilidade administrativa e alguma
responsabilidade financeira para as escolas individualmente”. Observamos, nos
documentos MARE, a orientação destacada, quando analisamos a intenção de o
Estado ir repassando, para a sociedade, o financiamento das políticas sociais, estando
dentre elas, a educação.
No item que trata da parceria de desenvolvimento Brasil-Grupo Banco
Mundial, o documento aponta que o Grupo reconhece o esforço de desenvolvimento
do País, e que o Banco, mais do que repassar dinheiro, transmite orientações de
política para o Brasil. Pela importância dessa firmação, reproduzirêmo-la:
Como foi ressaltado no último CAS, o reconhecimento dado
pelo grupo do Banco Mundial ao esforço de desenvolvimento
do Brasil é impulsionado muito mais por contribuições como
que catalisadoras das reformas, e por investimentos
prioritários em áreas onde o Banco pode transmitir sua
experiência global assim como inovações, do que por
contribuições financeiras diretas a essa economia grande e
dinâmica (Viana Jr., 1998, p.115).
Cabe destacar, ainda nesse item, que, na análise do Banco, o desempenho do
Brasil, no ano anterior, 1996, havia sido o melhor da década, e que “tal melhoria foi
proeminente no que diz respeito ao portfolio da educação” (idem, ibidem). Isso quer
dizer que os projetos educacionais, além de estarem enquadrados na orientação do
Banco, também serviriam para melhorar a imagem do Brasil junto aos organismos
internacionais.
Dentre as prioridades acordadas entre o Banco e o governo, foi proposto que
o “desenvolvimento da educação seja enfatizado como maior impulsionador do apoio
do BIRD, com uma perspectiva de longo prazo que irá além do horizonte do CAS e
com objetivos para serem partilhados em um período de dez anos” (idem, p.121).
Esse apoio “inclui e não inclui empréstimos para a implementação de reformas que
fortalecerão a prestação de serviços na área de educação no nível da escola, um
melhor uso dos recursos fiscais através da descentralização, (...)”.
O Brasil assinou acordo com o Banco por dez anos, que “inclui e não inclui
empréstimos”, quer dizer, o Banco mais sugere as políticas do que investe dinheiro,
como já frisado acima, e dita as áreas onde se investi-lo; aí percebemos a ênfase na
descentralização.
Segundo orientação do Banco, o País deve “aumentar o tempo de instrução e
qualidade do ensino”, e, em contrapartida, a instituição “vai exigir uma melhor
definição nas contas nos níveis nacional e subnacional, um aumento da participação
do setor privado e da sociedade civil na educação e no melhor gerenciamento das
escolas” (idem, p. 124). O Banco, portanto, além de demonstrar uma certa
ingerência, já que um organismo internacional fiscalizará contas públicas nacionais,
ainda exige, é esta a palavra utilizada pelo Banco, “vai exigir”, um aumento da
participação do setor privado e da sociedade civil na educação. Mais uma vez,
constatamos a orientação de repasse, para a sociedade civil, de tarefas que, até então,
eram de competência do Estado, através do processo de descentralização.
Nesse sentido, Coraggio (1998) destaca que a política educativa do
Banco Mundial76 tem, como marco metodológico, a teoria econômica neoclássica e,
portanto, a escola é vista como empresa, os fatores do processo educativo, como
insumo e a eficiência e as taxas de retorno, como critérios principais de decisão.
76 Ver documento Prioridades y estrategias para la educacion - estudio sectorial del Banco Mundial.
Departamento de educação y políticas sociales, mayo de 1995 (version preliminar).
Nessa perspectiva, o Banco propõe a descentralização, a primazia do ensino básico, a
avaliação das instituições educacionais e a capacitação em serviço.
A descentralização, aparentemente, segundo Coraggio (1998), acontece para
que os estabelecimentos tenham melhores condições de atender às necessidades
locais e sejam mais eficientes na operacionalização de recursos; porém, ela reduz a
capacidade de inserção, na política educativa, de determinados setores interessados,
como sindicatos, burocratas do governo central e associações de estudantes
universitários.
Conforme as orientações do Banco, o que deve guiar as decisões
descentralizadas é o investimento no ensino fundamental, e, apenas quando o País
apresentar justificativa econômica, aplicar-se-á no nível secundário. O objetivo é
desenvolverem-se as habilidades básicas de aprendizagem, para que os trabalhadores
possam satisfazer a demanda imposta pela acumulação flexível.
No decorrer desta pesquisa, trataremos dos principais eixos que materializam
a redefinição do papel do Estado na política educacional nestes anos 90, a saber, a
autonomia da escola e o financiamento, que são parte do projeto de descentralização,
e a avaliação e os PCNs, que, nesse novo eixo de produtividade, representam o
controle de qualidade e o processo de terceirização dos principais projetos de política
educacional.
2.5 Autonomia na escola
O eixo autonomia na escola é parte da determinação do Banco Mundial para
a descentralização da política educacional no Brasil. Essa política está sendo
proposta, principalmente, por intermédio do projeto de repasse de dinheiro para a
escola.
O repasse de dinheiro para a escola é um programa do FNDE (Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação), intitulado Programa de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE), que visa a se repassar
diretamente, às escolas públicas de ensino fundamental e a organizações não-
governamentais sem fins lucrativos, que atuem com educação especial, “dinheiro
para custeio e manutenção de suas atividades”. Os recursos para se financiar esse
programa são provenientes do Salário-Educação e são distribuídos pelo FNDE de
acordo com o número de alunos do estabelecimento (Brasil, 1997b).
Com esse dinheiro, a escola pode adquirir material permanente, fazer a sua
manutenção e conservação, capacitar e aperfeiçoar os profissionais da educação,
fazer avaliação da aprendizagem, implementar seu projeto pedagógico e desenvolver
atividades pedagógicas diversas (resolução 03/97, art. 2). Porém, para terem acesso a
esse programa, as escolas têm de criar uma unidade executora, a qual, segundo a
resolução 03/97, é uma “entidade de direito privado, sem fins lucrativos,
representativa da comunidade escolar (caixa escolar, conselho escolar, associação de
pais e mestres, etc.), responsável pelo recebimento e execução dos recursos
financeiros recebidos pelo FNDE (...)”. Conforme o art. 7 da Resolução, os recursos
serão liberados diretamente às unidades executoras. De acordo com o manual de
orientação:
A Unidade Executora tem como função administrar recursos
transferidos por órgãos federais, estaduais, municipais,
advindos da comunidade, de entidades privadas e
provenientes da promoção de campanhas escolares, bem
como fomentar atividades pedagógicas da escola (BRASIL,
1997c, p.11) (grifo nosso).
Portanto, a unidade executora pode arrecadar outros recursos além daquele
repassado pelo PMDE, de acordo com a exigência do Banco de maior participação
do setor privado e da comunidade na educação, ou melhor, no financiamento da
educação, conforme vimos anteriormente.
A tabela de valores para o ano de 1997, para o ensino fundamental,
apresentada na resolução 03/97, define os valores de acordo com o número de
alunos, por escola e por região, e as despesas de custeio e de capital. Para
exemplificar, apresentaremos os valores destinados à escolas com 1.501 a 2.000
alunos:
Quadro 2.1 – Valores destinados às escolas com 1.501 a 2.000 alunos
no projeto Dinheiro na Escola
Número
de alunos
Regiões NO, NE e CO Regiões SL,SD e DF
Custeio Capital Total Custeio capital total
1.501 a 2000 12.000 2.400 14.400 8.000 2.000 10.000
Portanto, no caso da região Sul, para uma escola receber R$10.000,00, o que
significa R$ 5,00 aluno/ano, se ela tiver 2.000 alunos, o estabelecimento deverá ter
CGC próprio e montar todo um aparato paralelo a ele. Isso nos conduz à reflexão de
que, mais do que o repasse de dinheiro para a escola, pois esse é insignificante, o
programa objetiva, atualmente, a montagem de uma estrutura paralela ao
estabelecimento para a captação de recursos, o que pode vir a se adequar à proposta
de organizações públicas não-estatais do programa de reforma do Estado.
Farah (1994) faz essa reflexão. Para a autora, o projeto de autonomia da
escola é uma das estratégias para que se reduza a ação estatal, através da
“descentralização do processo de tomada de decisões e da gestão, movimentando-se
em direção à ponta do sistema para a instituição responsável diretamente pela
prestação de serviços”. Aproxima-se, assim, o consumidor do sistema, de forma a
este responder às expectativas do usuário com mais agilidade. Diminui-se, desse
modo, a estrutura hierárquica do sistema, reduzindo-se a distância entre concepção e
execução e assumindo-se a lógica do mercado em sua abordagem neoliberal.77
77 Verificamos que a proposta de autonomia da escola apresentada não é a defendida por amplos
setores da comunidade educacional, de maior participação e controle social na gestão da educação.
2. 6 Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
O documento introdutório preliminar dos PCNs (1995)78 apresenta um breve
histórico da elaboração das propostas curriculares nos últimos anos. Destacaremos,
especificamente, o período referente às décadas de 80 e 90, ressaltando o modo como
essa fase de transição política e de tentativa de democratização esteve presente na
elaboração das propostas curriculares:
Na década de 80, o que estava em pauta era a recuperação
da relevância social dos conteúdos. Mas o cerne da
renovação curricular neste período esteve na revisão das
áreas de conhecimento, não só para atualizá-las, como
também para tornar sua abordagem mais próxima da
realidade vivenciada pelo aluno. Este período caracterizou-
se pela adoção em várias Secretarias da Educação, de ampla
prática de consulta aos professores, que se estendeu também,
em muitos casos à população usuária da escola (idem, p.5).
Nos anos 90, na América Latina, começamos a observar sinais daquilo que,
em outros lugares do mundo, já vinha ocorrendo: a ofensiva neoliberal e sua proposta
de globalização da economia. Nas propostas de elaboração curricular, essa tendência
materializou-se na forte presença dos organismos internacionais, que passaram a
estabelecer a pauta de discussões, substituindo a “população usuária da escola”,
como era próprio nos anos 80, de acordo com o documento citado.
2.6.1 Os PCNs e a orientação dos organismos internacionais
78 BRASIL. Ministro da Educação e Cultura, Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais, convívio social e ética - apresentação dos temas; equipe central: Ana Amélia
Inoue, Ana Rosa Abreu, Neide Mariza Rodrigues Nogueira; assessor: Yves de La Taille, consultor:
César Coll, versão preliminar - dezembro/1995.
Ao caracterizar os anos 90, o documento ressalta a Conferência de Jomtien e
a Declaração de Nova Delhi79 e observa que, “tendo em vista os compromissos
assumidos internacionalmente, o Ministério da Educação e do Desporto coordenou a
elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003)” (idem, p.6). A
elaboração de Parâmetros Curriculares Nacionais é parte dos compromissos
assumidos no plano Decenal: “Uma tarefa essencial na busca da melhoria da
qualidade do ensino passa a ser a de elaborar parâmetros claros no campo curricular,
capazes de orientar as ações educativas na escola” (idem).
Além da orientação dos organismos internacionais para a elaboração de
parâmetros curriculares, existe, também, um novo paradigma de conhecimento,
proposto pela CEPAL, no documento Educação e Conhecimento: eixo de
transformação produtiva com eqüidade (1992).
O conhecimento é entendido, pela CEPAL, como “conhecimento que se
adquire pela ação (saber fazer), pela utilização (saber usar) e pela interação (saber
comunicar)” (Miranda, 1996, p.7). Saber fazer, inscreve-se no sentido de o
educando construir seu conhecimento, ter autonomia, criatividade; saber usar refere-
se à funcionalidade do conhecimento - saber para quê? -, à necessidade de aplicação
imediata, como, por exemplo, aprender-se em serviço e saber-se comunicar, quando
conhecimento confunde-se com informação (idem, p.8). A proposta é a centralidade
da educação e a produção de conhecimento, e, no nosso entendimento, os PCNs
seguem essa orientação.80 Concordamos com Miranda quando a autora argumenta
que:
... há que se questionar se essa concepção de conhecimento
não viria responder a uma exigência de racionalidade mais
instrumental (funcional, imediata, adaptativa) dos processos
79 A Declaração de Nova Delhi foi assinada pelos nove países em desenvolvimento de maior
contingente populacional do mundo, incluindo-se o Brasil. 80 Observamos que não só o fato de elaborar os PCN, mas também a definição teórica dos
documentos segue a orientação da CEPAL, pois o modelo adotado no Brasil e em outros países da
América Latina, o Construtivismo, se adapta a essa diretriz de conhecimento. Tal modelo, por sua vez
é instrumental a esse período particular do capitalismo, de reestruturação produtiva e de
competitividade acirrada na economia globalizada.
produtivos, comprometendo as possibilidades de
universalização de conhecimentos (idem, p.11).
2.6.2. A terceirização na elaboração dos PCNs
Para a elaboração dos PCNs, foi contratada uma equipe pela Secretaria de
Ensino Fundamental do MEC, em 1995. A equipe era composta por professores com
exercício no ensino fundamental, especialistas, assessores e por consultores nacionais
e estrangeiros.
A primeira versão dos Parâmetros foi enviada a cerca de 400 especialistas,
solicitando-se um parecer a respeito do documento em geral ou da parte referente à
especialidade dos consultados.81
Nogueira (1997)82, que foi uma das coordenadoras do processo de elaboração
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), conta que o trabalho iniciou,
formalmente, em 1995 e durou cerca de dois anos. Conforme seu relato, a Secretaria
de Ensino Fundamental convidou-a para participar da elaboração dos PCN mediante
um contrato de prestação de serviços. Os critérios mais importantes para a
contratação diziam respeito à prática dos profissionais, experiência em escola de
primeira a quarta série ou trabalho na formação de professores.
Quanto à escolha da equipe, Nogueira relata:
Quando começamos as primeiras reuniões as equipes
estavam se formando. As três coordenadoras iniciais foram
as pessoas que começaram a convidar. Não faz muita
diferença quem chamou quem, no final das contas era o
Ministério quem estava chamando, quem era a pessoa não
faz muita diferença. A Iara83 era a pessoa que dava a palavra
final.
81 Cf. Parecer sobre os parâmetros Curriculares Nacionais do CNE/CEB, processo nº 2300102/97-16,
aprovado em 12.3.97. 82 Entrevista realizada no dia 2/3/97 com Neide Nogueira, assessora do MEC contratada para
coordenar, juntamente com Ana Rosa Abreu, Tereza Perez e Maria Cristina Ribeiro Pereira, a
produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais. 83 Aqui, Nogueira está se referindo a Iara Prado, Secretária do Ensino Fundamental.
Verificamos, com esse depoimento, o processo de terceirização a que foi
submetida a elaboração dos PCNs, para a qual foram contratadas pessoas a partir do
critério amplo de experiência no ensino fundamental. De acordo com esse critério,
qualquer professor brasileiro poderia ter elaborado aquilo que passaria a ser a
orientação curricular nacional. Dada a importância do significado dessa elaboração
em nível nacional, questionamos a representatividade das pessoas contratadas e, por
conseguinte, a sua legitimidade84. Porém, essa não foi uma ação isolada do MEC,
mas parte das orientações da proposta de reforma do Estado, como vimos no capítulo
1.
2.6.3 O processo de elaboração dos PCNs
Na primeira etapa do trabalho (1995), conforme Nogueira, não existia uma
equipe central separada das equipes específicas. Os membros da equipe geral eram,
também, integrantes de equipes específicas. As equipes começaram logo a produzir
os textos dos parâmetros, não tendo havido um período de debate teórico precedente;
portanto, cada um dos membros estudava conforme as necessidades de sua produção
imediata, e as discussões davam-se paralelas a essa produção.
As coordenações das equipes trabalhavam em conjunto, e era nesse processo
que se dava a unicidade, que se construía a estrutura. Num segundo momento, as
coordenadoras dirigiam-se às suas equipes e aprofundavam, sistematizavam,
produziam conforme o que houvesse sido discutido na equipe como um todo. As
questões administrativas eram remetidas a Brasília (Nogueira, 1997).
Os PCNs tiveram, como base, de acordo com Nogueira, o trabalho de
levantamento dos currículos dos Estados e de algumas capitais feito pela Fundação
Carlos Chagas 85. Foram consultados, também, currículos de vários países, e cada
área analisava os currículos que lhe eram pertinentes.
84 Nesse caso, estamos nos referindo ao processo de elaboração dos PCNs. Os pareceres dos
especialistas, no nosso entendimento, serviram apenas para avalizar o produto, como uma manobra
para responder às críticas da comunidade educacional, que reivindicava participação no processo de
elaboração dos PCNs. 85 Documento intitulado Propostas Curriculares Oficiais - análise das propostas curriculares dos
Estados e de alguns municípios, das capitais para o ensino fundamental. Projeto
2.6.4 O parecer do CNE/CEB86 aos PCNs
A Câmara de Educação Básica emitiu parecer 87 acerca do documento,
referente aos Parâmetros Curriculares Nacionais, em resposta à solicitação do
Ministro Paulo Renato Souza.
O relatório do parecer observa que foram realizados seminários em quatro
regiões brasileiras, sob a coordenação do CNE/CEB, com o objetivo de se ouvir a
opinião dos professores, em especial os do ensino fundamental. Parte dos
documentos elaborados foi encaminhada à SEF (Secretaria de Ensino Fundamental)
no sentido de contribuir para o aprimoramento da proposta dos PCNs; a CEB
exerceu, assim, sua função de assessoria ao MEC (CNA, 1997, p.5).
Dada sua importância, reproduziremos as conclusões do voto do relator
encaminhado no parecer:
1. Os PCN apresentam princípios educativos e uma proposta
de articulação entre objetivos, conteúdos, orientações
didáticas e critérios de avaliação, buscando contribuir para
o aperfeiçoamento da prática pedagógica, sem criar novas
disciplinas ou se revestir de caráter de obrigatoriedade.
2. Os PCN, como referencial nacional, apontam para um
horizonte de aperfeiçoamento da qualidade no ensino
fundamental, e sua aplicação pressupõe o “pluralismo de
idéias e de concepções pedagógicas” e a gestão curricular
autônoma, tanto das secretarias Estaduais e Municipais
quanto das escolas, respeitando, desta forma, a estrutura
federativa do país. Ao serem utilizados, deverão estimular o
desenvolvimento do projeto educativo de cada escola e
envolver a atuação dos professores e equipes pedagógicas
das Secretarias de Educação e das unidades escolares, não
apenas na discussão e redefinição curricular, como também
incorporando as experiências diferenciadas da população em
respeito à pluralidade cultural brasileira.
MEC/UNESCO/FCC: subsídios para elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, São Paulo:
Fundação Carlos Chagas, out. 1995. 86 Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica. 87 Parecer nº 03/97, aprovado em 12/3/97; processo nº 2300102/97-16.
3. Os PCN resultam de uma ação legítima, de competência
privativa do MEC, e se constituem, em uma proposição
pedagógica, sem caráter obrigatório, que visa à melhoria da
qualidade do ensino fundamental e o desenvolvimento
profissional do professor. É nesta perspectiva que devem ser
apresentados às Secretarias estaduais, Municipais e às
Escolas.
4. Os PCN não dispensam a necessidade de formulação de
diretrizes curriculares nacionais, que deverão fundamentar a
fixação de conteúdos mínimos e a base nacional comum dos
currículos, em caráter obrigatório para todo o território
nacional, nos termos do artigo 26 da lei 9.394/96 (LDB).
Tendo em vista os dispositivos constitucionais e legais
pertinentes, a CEB exercitará a sua função deliberativa,
formulando as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).
Ainda no exercício de sua competência, ao MEC
caberá a avaliação permanente e a revisão periódica dos
PCN.
Segundo depoimento de Monlevade88, pela LDB, cabe, ao CNE/CEB, traçar
diretrizes curriculares nacionais para a educação, no intuito de estabelecer uma base
comum nacional de estudos, principalmente para o ensino fundamental. Embora hoje
esteja muito limitado, o poder do CNE/CEB é o de um órgão de Estado, não o de um
órgão de governo. É composto por pessoas que, embora nomeadas pelo Presidente,
têm mandato que ultrapassa o do próprio chefe de Estado.
O Conselho reconhece que os governos federal, estadual e municipal têm toda
a legitimidade para propor um parâmetro curricular ou uma proposta curricular: “O
governo tem legitimidade para, enquanto estiver no poder, dar a sua cor, a sua
marca”. Segundo Monlevade (1997), “há muito tempo, a União não exercia este
direito, sendo que a última vez que o exerceu foi ainda no tempo do Capanema, do
Estado Novo, quando publicavam, no Diário Oficial, os programas para os livros
didáticos”. Conforme o conselheiro, o grande problema é que o MEC queria que o
CNE/CEB aprovasse a proposta do governo federal como diretriz curricular. Para o
CNE/CEB, a proposta apresentada pelo MEC seria uma proposta de governo. Por sua
88 Entrevista feita com João Antonio de Cabral Monlevade, no dia 17/4/97, em Brasília. Monlevade é
representante da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) no Conselho
Nacional de Educação.
vez, cabe, ao CNE/CEB, elaborar propostas estruturais que serão a indicação
nacional para dez, vinte anos. Monlevade adverte ainda que “os destinatários dos
PCN são o livro didático e a avaliação”.
Vírgínia Farha, diretora do Departamento de Política do Ensino
Fundamental, destaca que os PCN são o “norte que o MEC está dando para as
escolas”, com o objetivo de ser um “fio condutor que garanta a unicidade”. Ressalta
ela, ainda, a estratégia de implantação do currículo: “vamos estar trabalhando com a
avaliação e oferecendo, para as editoras, os parâmetros; haverá, provavelmente, a
implantação natural dos parâmetros, porque os editores pedem. E isso é uma forma
de capacitação em serviço”. De acordo com a diretora, “o MEC tem a competência
de indução e é isso que ele está fazendo com os Parâmetros”. Porém, como Farha
relata, haverá, provavelmente, a implantação natural dos parâmetros, já que “o MEC
estará atuando com a avaliação e oferecendo, para as editoras, os parâmetros”. A
reunião com os editores ocorreu nos dias 22, 23 e 24 de abril de 1997, em São Paulo,
enquanto o CNE/CEB preparava, ainda, a definição de diretrizes curriculares e
conteúdos mínimos nos termos do artigo 9, parágrafos 1 a 26 da LDB.89
Assim, o que pudemos observar a partir dos dois depoimentos acima, é que,
enquanto o CNE/CEB estava elaborando as diretrizes nacionais para um currículo
mínimo, na realidade, o MEC já estava assegurando “o que não era para ser
obrigatório”, conforme parecer do CNE/CEB, o que acabaria se efetivando,
principalmente, pela adoção dos livros didáticos e da avaliação, como está expresso
no documento do MEC Desenvolvimento da Educação no Brasil:
Com os Parâmetros Curriculares Nacionais, o MEC
pretende subsidiar a elaboração ou revisão curricular em
cada estado, município e escola; orientar a formação de
professores, a produção de livros e outros materiais
didáticos; fomentar a discussão pedagógica interna das
escolas, a formulação de projetos educativos, o trabalho
cooperativo da escola com especialistas em educação, bem
como a avaliação do sistema educacional em nível nacional”
(BRASIL, 1996, p.65).
89 Conforme parecer nº 03/97 da Câmara de Educação Básica, aprovado em 12.3.97.
Consideramos isso problemático, já que a formulação e a implementação
das políticas curriculares não são neutras, ou meramente técnicas. São, na realidade,
resultantes da luta entre posicionamentos, interesses e projetos sociais, políticos,
culturais e pedagógicos. Por isso, questionamos a falta de democratização do
processo de elaboração das diretrizes nacionais, durante o qual os atores envolvidos,
tanto pesquisadores da área, quanto as instituições vinculadas à educação, foram
silenciados. Foram silenciados no sentido de que esse processo deu-se
desconsiderando os ecos de protesto desses atores sociais. Isso é, também, apontado
pelo Parecer do CNE/CEB, que questiona “o processo inicial de elaboração dos
PCN, centrado nas mãos de determinadas equipes sem a colaboração de grupos de
especialistas e pesquisadores dedicados há muito tempo aos estudos específicos
sobre currículo” e a “ausência de uma consulta prévia ao público alvo, representado
principalmente pelos professores do ensino fundamental, embora a equipe inicial de
elaboração tivesse sido formada, basicamente, por professores desse mesmo nível de
ensino” (CNE/CEB, 1997, p.2-3).
O parecer da ANPEd também critica o processo de elaboração dos PCN, ao
destacar a importância da proposição, pelo MEC, de Parâmetros Curriculares
Nacionais como parte das reformas educacionais previstas, que, “como tal, deve ser
objeto de análise cuidadosa e debate amplo, não só entre especialistas, como também
em outras esferas da sociedade” (ANPEd, 1996, p.11).
2.7 Avaliação
2.7.1. Dez anos de Avaliação Institucional no Brasil
A preocupação com a avaliação no Brasil, conforme Neto & Rosemberg
(1995, p.21), vem da década de 80, quando o MEC iniciou estudos sobre avaliação
educacional, estimulado, principalmente, pelas agências internacionais. Quase todos
os últimos acordos assinados entre o Brasil e o Banco Mundial tiveram um
componente de avaliação educacional, visando a verificar a efetividade das ações
geradas nos projetos.90
Pestana91 destaca que o Banco Mundial não faz nenhum empréstimo se não
houver um componente de avaliação. Porém, na década de 80, essa avaliação dava-se
em termos de projetos específicos e não da política como um todo. Observamos, no
relato de Pestana, que o MEC e o Banco Mundial tinham posicionamentos diferentes
quanto à avaliação:
Nós tivemos uma briga muito grande com o Banco para
mostrar para eles que a avaliação institucional de impacto
do projeto não era suficiente para responder até as questões
que eles próprios levantavam, quer dizer, o projeto vai muito
bem, mas a educação vai mal, e o objetivo era melhorar a
educação.
Na década de 80, o MEC criou uma comissão ministerial para analisar as suas
ações na área de avaliação. Pestana observa que “havia muita avaliação institucional,
de programas, de projetos e pouca avaliação de política”. O problema detectado foi
que, na educação, existiam vários fatores atuando, e, segundo Pestana, o “projeto
sempre tem características especiais, ou ele tem uma abrangência geográfica
específica, ou uma área específica de atuação, portanto, as avaliações que estes
projetos levavam a cabo não permitiam uma extrapolação, uma articulação com as
outras áreas”. O ponto de partida do sistema nacional de avaliação ocorreu com base
90 Ver Fonseca, 1995, acerca do desenvolvimento dos acordos MEC/BIRD. 91 Maria Inês Pestana é diretora responsável pela avaliação básica do INEP e, também, responsável
pelo SAEB. Foi entrevistada em abril de 1997, em Brasília.
nesses diagnósticos, e o MEC elaborou um programa de avaliação de políticas da
estrutura mais geral do sistema.
O segundo ponto do diagnóstico, conforme a diretora do SAEB, foi a
ausência de um sistema que articulasse as várias atuações, o que não permitiu sua
comparabilidade, já que os projetos partiam de supostos diferentes, com diagnósticos
e variáveis voltados para áreas específicas e, portanto, com avaliações também
específicas.
Um terceiro aspecto que contribuiu para que se iniciasse um processo de
avaliação institucional em nosso país foi o contexto de redemocratização. Segundo
Pestana, com “a Nova República, houve maior pressão pela democratização do
ensino e da gestão, e, na realidade, há pouca transparência na educação”.
Pilati (1995, p.6) também afirma que foi no contexto do processo constituinte
e com a Constituição de 1988 que se firmou o princípio segundo o qual “quanto
mais democrática a sociedade mais necessárias seriam as avaliações que tomassem
como parâmetro de desenvolvimento não só o nível de atendimento, mas também a
qualidade dos serviços essenciais oferecidos à maioria da população”.
Para a diretora, a avaliação contribui para que, tendo uma concepção ampla, o
Ministério possa elaborar políticas que, realmente, estejam de acordo com as
necessidades do sistema educacional. Reproduziremos o trecho do depoimento no
qual Pestana relata um grave problema presente na elaboração de políticas e, no
nosso entendimento, o ponto alto do porquê de se investir em avaliação institucional:
... este era outro grande problema do MEC, como se tinha
pouca informação sobre a diversidade brasileira, a política
era de mão única. Trabalhei com projetos municipais antes
de vir para avaliação. A política do Ministério era: eu
financio expansão de escola, capacitação de professor e
material didático. Aí, vinha um projeto do município e dizia:
eu não preciso construir, eu preciso de um ônibus, com um
ônibus eu resolvo. Aí, o MEC dizia: não posso financiar um
ônibus, não é prioridade da política. Esse sistema serve para
quebrar um pouco o bloco e fazer uma política mais
diversificada, porque o País é diversificado. Esta é a
concepção geral do sistema e o que a gente entende por
avaliação. Que é isto, ter a informação sobre a realidade
educacional para poder voltar e aplicar no sistema. Não é
apenas o diagnóstico. O primeiro momento é sempre de
diagnóstico, o segundo é de juízo e o terceiro é a ação.
No primeiro momento (1990-91), o MEC solicitou, à Fundação Carlos
Chagas, a elaboração das provas, que foram feitas com base nas propostas
curriculares dos Estados.
Na segunda aferição (1993-1994), foram abordados, novamente, os três
aspectos de 1990: gestão escolar, situação e competência do professor e rendimento
do aluno, tendo sido observadas as mesmas séries e disciplinas, com o objetivo de se
consolidar o sistema de avaliação e de aperfeiçoarem-se as técnicas (Pilati, 1995,
p.20).
Esse segundo momento, conforme Pestana, abrigou um trabalho mais
estrutural. Com base nas propostas curriculares dos Estados, foi feita uma matriz
com aquilo que havia de comum entre 70% das propostas. Essa matriz foi devolvida
para que os Estados analisassem e verificassem se ela refletia, no geral, a estrutura
básica do seu currículo, se os conteúdos propostos, eram considerados essenciais e
se eles eram dados na série para a qual estavam sendo sugeridos. Esse foi, segundo
Pestana, o momento de legitimação da matriz pelos Estados, quando foram
incorporadas as críticas e sugestões e feitas as modificações necessárias.
O relatório “Avaliação 1995” do MEC destacou mudanças em relação às
aferições anteriores, que apontavam necessidades de aperfeiçoamento. Assim, o
MEC assinou um Acordo de Cooperação Técnica com a Fundação Cesgranrio e com
a Fundação Carlos Chagas.
Os recursos financeiros dessa terceira etapa foram oriundos do Projeto
Nordeste - Componente Nacional e, segundo o documento,
estão consignados em convênio firmado entre o INEP e o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
O convênio é executado por meio do projeto BRA-92/002
junto ao Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD, que estabelece os procedimentos
de contratação de serviços e de pessoal (BRASIL, 1995f).
Com a aprovação da nova LDB (lei nº 9.394, de 20/12/96), a avaliação passou
a ser obrigatória, e, desde então, os municípios e Estados têm de participar do
Sistema Nacional de Avaliação. Podemos verificar isso com o art. 87 das
Disposições Transitórias, que institui a década da educação a partir da publicação da
lei, em seu parágrafo 3º, o qual aponta os deveres. No seu inciso IV, lê-se que o País
deverá “integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao
sistema nacional de avaliação do rendimento escolar”.
Na opinião da diretora do SAEB, “a avaliação entrou nas pautas das leis. A
gente sempre discutiu se precisava fazer uma lei ou não, e pensávamos que não era
preciso, que a gente estava conseguindo implantar um sistema em termos de adesão”.
2.6.2 A tercerização na elaboração da Avaliação Institucional
Através do depoimento de Pestana, que, como já citamos, é a diretora
responsável pela avaliação básica do INEP e a responsável pelo SAEB, é possível
detectarmos a forma como se deu o movimento da nova fase da avaliação
institucional dentro do próprio MEC, com o processo de terceirização da avaliação
institucional. Segundo Pestana, “a incorporação das Fundações foi muito complicada
mesmo, mas se deu”. Inicialmente, essa foi uma decisão técnica, pois o SAEB havia
feito dois levantamentos utilizando a metodologia clássica de construção de provas.
Pestana afirma que, após a mudança de governo, em 1995, foram chamadas várias
instituições que trabalhavam com medidas de avaliação, para fazerem propostas de
aperfeiçoamento técnico do Sistema. A proposta da Fundação Carlos Chagas (FCC)
e a da Fundação Cesgranrio foram muito parecidas, e as duas instituições foram
contratadas. Segundo a diretora, “o Ministério tomou a decisão de dar este passo, que
é um avanço muito grande para o caso brasileiro”.
O papel que o MEC desempenhou durante os dois anos em que as Fundações
estiveram à frente do processo foi, segundo Pestana, principalmente, o de fazer a
coordenação com os Estados e entre as duas fundações, que nunca haviam trabalhado
juntas, além de traduzir o resultado da avaliação para os Estados, municípios e a
população, já que “o trabalho é tecnicamente muito complicado, e havia a
necessidade de tradução disso para a sociedade brasileira”.
Até 1995, o processo de execução do SAEB era do MEC:92 “O sistema estava
estruturado, o MEC pensava e fazia tudo, os Estados tinham um papel de discussão
das grandes diretrizes, as decisões eram tomadas com base nas discussões com os
Estados”.
Com a contratação das fundações, estas passaram a decidir o que se avaliaria
e o modo como deveria ser avaliada a política educacional, o que é complicado, pois
quem avalia, na realidade, acaba determinando as políticas, ou, pelo menos, tendo
grande influência sobre o processo. Como a própria diretora de avaliação comenta:
“A avaliação tem um poder indutor. Se você vai ser avaliado, se preocupa em se
preparar para aquela coisa que vai ser avaliada.” Isso acaba conferindo pesos
diferentes para a política, monitorados por quem determina o quê e como será
avaliado. Por isso, assim como no processo de elaboração dos PCN, questionamos a
representatividade das fundações para tomarem tais decisões.
Contudo, esse processo de terceirização praticamente total da Avaliação,
proposto no início do governo FHC, já começa a ser revisto. Pestana declara que foi
“um processo que começou monolítico e depois se vê que não é bem assim, temos
críticas suficientes para ver que não se pode abrir assim”. E ressalta que: “depois
desse aprendizado, ficou mais claro que a questão técnica tem a ver com a questão
política, elas se tocam”. Segundo a Diretora, os Estados tiveram influência sobre
esse processo de crítica.
Na concepção de Pestana, a terceirização teve aspectos positivos, pois, antes,
os Estados acabavam se envolvendo muito com o operativo, não investindo naquilo
que, para a Diretora, seria o fundamental: o uso do resultado das avaliações para a
elaboração de suas políticas. Além disso, a metodologia utilizada para a elaboração
das provas avançou muito:
Em síntese, torna a prova, a questão, o item, independente
da população em que é aplicado. Se você tem uma prova
clássica, você depende do grupo que faz a prova. A prova
calibrada pela resposta ao item, ela independe do grupo em
que é aplicado. Aí é uma série de questões estatísticas. (...)
Como, no SAEB, trabalhamos com amostra da população
92 Pilati (1995) ressaltou esse trabalho do INEP em sua coordenação com os Estados, como citamos
anteriormente.
brasileira, mais uma razão para a gente usar uma técnica
dessas, porque, no momento que você pré-testa o item,
calibra, determina o parâmetro daquele item; isto é
invariante por um grande tempo.
Na opinião de Pestana, o MEC deve definir o que vai ser avaliado, a matriz, o
que é estratégico, terceirizando ou licitando a construção de provas: “dando a
especificação da questão ou da prova que eu quero, controlo o processo. E então
posso dar para qualquer um a operação, dentro da qualidade técnica mínima
exigida”.
Por tudo isso, em 1997, o Ministério voltou a fazer a matriz em parceria com
os Estados: “isso é nosso, institucional, porque é estratégico. Se terceirizam a
operação e a análise dessa massa de dados”. Pestana justifica a terceirização da
análise dos dados, apontando que “não tem competência instaurada nos Estados para
manusear bem esta base de dados” e que, também, o próprio MEC não pode mandar
os dados brutos para os Estados.
Segundo a Diretora Pestana, o MEC teria iniciado uma ação no sentido de
apoiar o desenvolvimento de estruturas de capacitação, para que as universidades ou
instituições de pesquisa respondessem a essa demanda por avaliação. Nesse sentido,
o “MEC vai dar apoio para formação de pessoal, bolsas de estudo para fazer
mestrado, doutorado, pós-doutorado no exterior, professor visitante”.
A terceirização inicial da avaliação é parte de uma política mais ampla, na
qual o Estado central não é o executor. Segundo Pestana, “isto está por detrás de
tudo, por isso, ele vai terceirizar”. E observa ainda:
a discussão que temos internamente é: concordo que não tem
que ser executor, mas não posso privatizar, não posso dar a
estratégia, não posso entregar a informação estratégica.
Esta foi a primeira crítica dos Estados: estamos trabalhando
com a matriz que a Carlos Chagas acha que tem que ser?
É possível verificar-se essa diretriz de terceirização no Documento de
Reforma do Estado (BRASIL,MARE,1995, p.34), no momento em que o Estado
inverte sua posição quanto à contratação de pessoal externo ao serviço público. De
acordo com o Documento, o que antes era considerado “um desvio no modelo
burocrático”, passa a ser um “elemento positivo a dar alguma racionalidade ao
sistema de remuneração e ao estabelecer um sistema de incentivo para os servidores
mais competentes”. Além disso, conforme Osborne e Gaebler (1995), “a contratação
é outro método comum para se instalar a competitividade nos serviços públicos”
(Osborne, Gaebler, 1995, p.92) 93.
Ao terceirizar, o Estado passa, para a sociedade, tarefas que, historicamente,
eram suas, e esse é um dos grandes eixos de debate nessa redefinição do Estado.
Como vimos, a Public Choice, um dos pilares do neoliberalismo, aponta que a
democracia, mesmo a meramente representativa, impede o livre andamento do
mercado, porque os políticos têm de atender em parte, pelo menos, à demanda dos
eleitores, para se reelegerem (rent seeking). Portanto, a solução seria acabar-se com o
voto, mas, se isso não fosse possível, esvaziar-se-ia seu poder, esvaziando-se,
também, as instituições representativas estatais deslocando-se as responsabilidades
do Estado para a sociedade civil. Neste período particular do capitalismo, mais do
que nunca, os empresários e o setor ligado ao capital têm o controle hegemônico da
sociedade civil.
Essa operação de deslocamento dá-se, principalmente, por meio das
estratégias apontadas no Documento de Reforma do Estado: pela terceirização e
pelas Organizações Públicas Não-Estatais. Observamos, atualmente, na política
educacional, a materialização desse movimento, por intermédio da terceirização do
processo de elaboração da Avaliação e dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Isso é
sintomático, já que esses são pilares fundamentais da presente política educacional.
Conforme estamos verificando, está se materializado, na educação, o
movimento de reforma do Estado, de prescrição e controle no sentido de se garantir
a reprodução da ordem social vigente. No caso do currículo nacional, Suaréz (1995,
p.111) observa que:
93 O livro citado, de Osborne e Gaebler (1995), Reinventando o Governo, é considerado um manual
do pensamento neoliberal. Conforme Bill Clinton, em uma orelha do livro: “deve ser lido por todo
homem público. Esse livro nos mostra o caminho”.
“o discurso que constitui as políticas curriculares é
eminentemente normativo, já que prescreve normas de ação e
de comportamento, os avalia, isto é, confere notas
particulares à sua identidade e, através dela, à sua função
dentro da ordem social que tende a produzir e reproduzir ”.
2.7.2 Relação Avaliação/Parâmetros Curriculares Nacionais
Pestana (1997) destaca, em seu depoimento, que “a avaliação, os parâmetros
curriculares e o próprio financiamento são os grandes pontos da política atual do
Ministério da Educação. Eles estão sinalizando para um novo papel do MEC na
educação brasileira”. Adverte, ainda, para a relação desses fatores com a reforma do
Estado: “o Ministério tradicionalmente era um grande executor, comprava, construía.
Este papel não cabe mais ao MEC, ele tem o papel de coordenação da política
nacional de educação”.
Essa nova diretriz do MEC parte da redefinição do papel do Estado. Segundo
o Documento de Reforma do Estado, este
abandona o papel de executor ou prestador direto de
serviços, mantendo-se entretanto no papel de regulador e
provedor ou promotor destes, principalmente dos serviços
sociais como educação e saúde, que são essenciais para o
desenvolvimento, na medida em que envolvem investimento
em capital humano. (BRASIL,MARE, 1995, p.12)
A estratégia apontada para o desempenho das funções executivas, condizente
com a administração pública gerencial, é a descentralização. Portanto,
busca-se o fortalecimento das funções de regulação e de
coordenação do Estado, particularmente a nível federal, e a
progressiva descentralização vertical, para os níveis
estaduais e municipal, das funções executivas no campo da
prestação de serviços sociais e da infra-estrutura (idem).
Nesse sentido, segundo Pestana, “na área de financiamento o papel do Estado
é supletivo, entra simplesmente para diminuir desigualdades, iniqüidades do
sistema”. O papel supletivo do MEC torna-se claro, principalmente, a partir do
Fundo: “o Fundo é uma concretização dessa diretriz”. A diretora destaca, ainda, a
relação dos parâmetros com o financiamento: “E para cumprir o papel supletivo tem
que ter um poder de coordenação, tem que ter parâmetros no qual se referencia”.
Pestana ressalta a importância dada aos PCN pelo MEC: “o MEC entende os
Parâmetros como unidade na diversidade. Os Parâmetros são uma referência que dá a
unidade nacional.” O SAEB nada mais faz do que trabalhar com esses parâmetros, e
a avaliação é o grande instrumento que o Ministério tem para diagnosticar as
iniqüidades.
Os resultados da avaliação, segundo Pestana, não fundamentaram,
diretamente, os PCN, “a turma dos PCN trabalhou muito teoricamente. Por isso, são
parâmetros, uma posição idealizada.” Destaca, ainda, que a avaliação pode ser “um
dos instrumentos que se tem para fazer essa ponte entre o que é e o que deveria ser”.
O SAEB articulou uma matriz de conteúdos e habilidades com base nos
PCNs. Conforme o documento do MEC, já citado, detectamos que os PCNs serão a
“referência básica, tanto para a atuação do professor em sala de aula, em qualquer
ponto do país, como para os conteúdos dos livros didáticos e para os processos de
avaliação do desempenho do sistema de educação nacional” (BRASIL, 1995a, p.4).
Observamos que, também nesse ponto, não há um consenso entre as equipes no
Ministério da Educação.
Mais uma vez, destacamos a diferença entre projetos de Estado e de governo.
Por exemplo: Pestana acompanha, desde o início, o SAEB, o qual, no caso, é mais
parte de um projeto de Estado para Avaliação Institucional do que de governo, o que
não parece ser o caso das outras equipes do Ministério, mais comprometidas com o
plano de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O depoimento de
Pestana indica que o MEC não tem uma proposta monolítica de política educacional,
e que existe um processo de correlação de forças. Detectamos esse movimento tanto
no processo de terceirização da avaliação, quanto na relação Avaliação/PCN.
É importante ressaltarmos que, se os PCNs são uma “marca de governo”,
como verificamos acima, existe, portanto, por parte da equipe hegemônica no MEC,
que é a equipe de governo, a necessidade de implementá-los o mais rápido possível,
através do livro didático e como referência para a avaliação, como vimos no
Documento.
As ações mencionadas tornam, de forma velada, obrigatória a implantação
dos PCNs por parte das escolas, para que estas não se saiam mal na avaliação, apesar
de observarmos, pelo depoimento da diretora do SAEB, que essa relação
PCN/Avaliação não é uma questão consensual.
Neste capítulo, ressaltamos a mudança de eixo ocorrida, também, na
avaliação institucional. Verificamos que o processo de avaliação iniciou-se, em
parte, por determinação dos organismos internacionais, que exigiam, nos seus
projetos, a avaliação, mas, também, começou a partir de discussões sobre a qualidade
do sistema educacional, a democratização e a transparência na gestão, enfim, os
eixos que caracterizamos como sendo inerentes aos anos 80. O próprio SAEB, no
início, construía sua matriz com base nas discussões com os Estados, procedimento
que foi interrompido com a terceirização, sendo que, a partir de 1995, passaram a ser
entidades de fora do Estado que definiam a avaliação institucional, sem haver
consultas ou debates com os setores envolvidos no processo. Verificamos assim que,
mais uma vez, nos anos 90, os atores envolvidos no debate educacional foram
silenciados.
2.8 Financiamento
2.8.1 A importância de os educadores apropriarem-se do financiamento da educação
O financiamento da educação no Brasil sempre foi um terreno pouco
explorado pelos educadores, o que tem mudado nos últimos anos, principalmente
após a promulgação da emenda 14, que instituiu o Fundo de Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, tendo provocado a polêmica
suficiente para que amplos setores da sociedade passassem a incorporar o tema nas
pautas de discussão.
É extremamente positiva essa apropriação, por parte dos educadores, de
temas relativos ao financiamento, pois:
1) em se tratando de educação pública, é o dinheiro do contribuinte que está
sendo gasto, sendo, muitas vezes mal aplicado, ficando perdido na
burocracia, ou, até mesmo, sendo desviado; por isso, acreditamos que, se
fiscalizarmos mais esses recursos, mudaremos a cultura de falta de
transparência nas contas públicas e, particularmente, na receita destinada
à educação;
2) é no financiamento que se materializam as reais prioridades e não nos
discursos;
3) verificamos, no decorrer desta pesquisa, a dificuldade de acesso aos dados,
o descaso e a pouca transparência com que eram elaborados os orçamentos e
balanços, dificultando a análise daquilo realmente gasto em educação.
Isso ocorreu, por exemplo, quando analisamos a despesa em educação
relacionando-a à despesa total da União, do Estado e do município, para verificarmos
o grande movimento de gasto nessa rubrica nos últimos anos, o que apresentaremos
no capítulo 3. Ao coletarmos os dados da União, verificamos a dificuldade de acesso
ao Balanço Geral da União em disponibilidade nos Estados. Não encontramos esse
material na Assembléia Legislativa, na Câmara Municipal, nos Tribunais de Contas94
94 O Tribunal de Contas do Estado do RS recebeu a doação dos balanços da União referentes a apenas
alguns anos, o que impossibilitou o estudo de uma série histórica completa.
e nem mesmo no escritório do Tribunal de Contas da União do Estado, no caso, do
Rio Grande do Sul. Isso nos levou a crer que ele seria pouco solicitado, o que nos
causou espanto, dada a importância dessas informações para as mais diversas áreas,
não apenas a da educação.
No caso dos balanços de Estados e municípios, como ainda está em vigor a
lei 4320, temos grandes rubricas, que, na realidade, não especificam em quê seja
gasto o dinheiro. Por exemplo, na rubrica Administração, da Secretaria Municipal de
Educação de Campo Grande, estão contidos os salários de professores; Porto Alegre
já distribui esses salários entre os programas de trabalho, Educação de 0 a 6, Ensino
Fundamental e Educação Especial, o que, praticamente, inviabiliza a comparação dos
dados, como podemos constatar nas tabelas a seguir.
Tabela 2.1 - Despesa por Programa de Trabalho – Secretaria Municipal de
Educação – Porto Alegre
Ano Educação
Administração Educação 0 a 6 Fundamental Ed. Especial Outros
1989 100,00% 5,15% 0,00% 77,06% 0,00% 17,79%
1990 100,00% 8,57% 3,28% 71,21% 0,17% 16,77%
1991 100,00% 0,43% 2,40% 88,47% 7,25% 1,45%
1992 100,00% 15,02% 10,53% 61,14% 4,66% 8,65%
1993 100,00% 16,75% 4,57% 18,08% 0,80% 59,80%
1994 100,00% 18,49% 10,98% 61,35% 3,68% 5,51%
1995 100,00% 16,02% 12,81% 55,67% 11,52% 3,98%
1996 100,00% 19,90% 13,31% 58,74% 6,78% 1,27%
1997 100,00% 18,39% 11,89% 52,48% 6,06% 11,18%
1998 100,00% 18,31% 12,65% 55,48% 8,81% 4,76%
Fonte: Balanços do município de Porto Alegre, 1988-1997, e Orçamento 1998.
Tabela elaborada pela autora
Tabela 2.2 Despesa por Programa de Trabalho – Secretaria Municipal de Educação –
Campo Grande
Educação Administração Educação
0 a 6
Fundamental Ensino Médio Educação
Especial
Outros
1988 100,00% 2,00% 0,01% 91,44% 5,87% 0,00% 0,68%
1989 100,00% 1,85% 0,00% 89,15% 8,42% 0,00% 0,58%
1990 100,00% 94,80% 0,00% 5,18% 0,00% 0,00% 0,02%
1991 100,00% 96,46% 2,64% 0,01% 0,00% 0,89% 0,00%
1992 100,00% 90,52% 0,64% 5,64% 0,03% 0,50% 2,66%
1993 100,00% 86,67% 1,09% 11,21% 0,01% 0,25% 0,77%
1994 100,00% 69,01% 7,26% 12,89% 0,00% 5,82% 5,02%
1995 100,00% 66,76% 4,92% 24,51% 0,00% 3,34% 0,46%
1996 100,00% 67,72% 0,90% 31,17% 0,00% 0,07% 0,14%
1997 100,00% 81,53% 0,77% 11,57% 0,14% 0,00% 5,99%
1998 100,00% 0,00% 3,63% 81,52% 1,57% 0,59% 12,69%
Fonte: Balanços do município de Porto Alegre, 1988-1997 e orçamento 1998-11-17 Tabela elaborada pela autora
Através das tabelas acima, verificamos a diferença existente entre os
percentuais de Administração da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre
e os de Campo Grande, devido à forma diferente de se computar o salário dos
professores. Na própria tabela de Campo Grande, é possível constatarem-se as
diferenças entre os anos de 1988 e 1989 e a década de 90, quando mudou a forma de
se contabilizar. Em 1989, a Administração representava 1,85% do total; em 1990,
passou a representar 94,80%. Esse é apenas um exemplo das dificuldades
encontradas para se analisar o que seja, efetivamente, gasto em cada rubrica. Outro
fator que podemos verificar na tabela de Campo Grande é que, em alguns anos, não
foram registradas as despesas referentes à Educação de 0 a 6, ao Ensino Médio ou à
Educação Especial. Partindo do pressuposto de que esses níveis de ensino tenham
tido suas atividades normais durante esses anos, podemos deduzir que, simplesmente,
eles foram computados em outras rubricas, o que demonstra um total descaso para
com a transparência dos recursos públicos. Isso nos leva a crer que esses dados não
costumem ser consultados pela comunidade educacional nem fiscalizados pelos
órgãos competentes.
2.8.2 O Financiamento da Educação na legislação
A LDB, conforme seu título VII, art. 68 a 77, representou um grande avanço
em se tratando de financiamento da educação. A Lei dispõe sobre os recursos
financeiros e determina as verbas públicas a serem gastas em educação (art. 68), o
percentual mínimo de aplicação em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
(MDE) da União (18%), Estados e municípios (25%) (art. 69) e os prazos para o
repasse desses valores aos órgãos de educação, inclusive apontando sanções para os
casos de descumprimento. Estabelece o que é MDE (art. 70) e o que não é MDE (art.
71), ordena que os valores gastos com MDE sejam especificados nos balanços do
poder público (art. 72), dispõe que esses valores serão fiscalizados, de forma
prioritária, pelos órgãos de controle (art. 73), que a União deverá estipular o
custo/aluno/qualidade (art. 74) e exercer ação supletiva e distributiva para garantir o
padrão mínimo de qualidade de ensino (art. 75 e 76) e que os recursos públicos serão
destinados às escolas públicas (abrindo concessões para as comunitárias,
filantrópicas e confessionais) (art. 77).
São principais fontes públicas de recursos para a educação brasileira
conforme o art.68:
- receita de impostos próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos municípios;
- receita de transferências constitucionais e outras receitas;
- receita do Salário-Educação e de outras contribuições sociais;
- receita de incentivos fiscais;
- outros recursos previstos em lei.
Conforme os art. 70 e 71 da LDB, destacamos aquilo que é ou não
considerado como manutenção e desenvolvimento do ensino:
Quadro 2.2 – Situações de manutenção e desenvolvimento do ensino
Art. 70 São considerados MDE: Art. 71 Não são considerados MDE:
I- remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente
e dos demais profissionais da educação;
I- pesquisa, quando não vinculada às instituições do
ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de
ensino, que não vise, precipuamente, ao
aprimoramento de sua qualidade e sua expansão;
II- aquisição, manutenção, construção e conservação
de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
II- subvenção a instituições públicas ou privadas de
caráter assistencial, desportivo ou cultural;
III- uso e manutenção de bens e serviços vinculados
ao ensino;
III- formação de quadros especiais para a
administração pública, sejam militares ou civis,
inclusive diplomáticos;
IV- levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas
visando, precipuamente, ao aprimoramento da
IV- programas suplementares de alimentação,
assistência médico-odontológica, farmacêutica e
qualidade e à expansão do ensino; psicológica e outras formas de assistência social;
V- realização de atividades-meio necessárias ao
funcionamento dos sistemas de ensino;
V- obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para
beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;
VI- concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas
públicas e privadas;
VI- pessoal docente e demais trabalhadores em
educação, quando em desvio de função ou em
atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do
ensino.
VII- amortização e custeio de operações de crédito
destinadas a atender ao disposto nos incisos deste
artigo;
VIII- aquisição de material didático-escolar e
manutenção de programas de transporte escolar
Fonte: Lei Federal 9424, art. 70 e 71.
Elaboração da autora.
2.8.3 Fundo De Desenvolvimento Do Ensino Fundamental E Valorização Do
Magistério (Pec 233/ Emenda Constitucional 14)
A proposta de emenda constitucional 233 é parte das reformas
institucionais previstas no plano setorial do governo FHC. A mudança de eixo
mencionada no início deste capítulo está explícita no documento do MEC intitulado
Propostas de Reforma Constitucional (BRASIL, 1995), de outubro de 1995, que
aponta a justificativa para as reformas:
A Constituição de 1988, em decorrência do intenso quadro
de debates e de discussões que pautou o processo de
redemocratização do país, ampliou consideravelmente as
obrigações do Estado no setor educacional, atendendo a
reivindicações de várias entidades da sociedade civil, tanto
no Brasil como no exterior. Compromissos foram firmados e
institucionalizados, sem análise prévia das reais condições
do país em poder honrá-los. Não se fez o indispensável
confronto entre a amplitude das aspirações sociais e a efetiva
possibilidade do governo em transformá-las em políticas de
ação exeqüíveis (...)
Tendo em vista estas considerações, o Ministério da
Educação e do Desporto propõe uma série de emendas
consideradas essenciais a uma nova racionalidade do
sistema educacional como um todo, capaz de colocá-lo em
condições de satisfazer, de forma eficaz, as expectativas e
aspirações da população (BRASIL, 1995d) (grifo nosso).
É possível constatar-se que esse governo quer se desobrigar de alguns
preceitos constitucionais, que ampliavam as obrigações da União para com a
educação, em nome de “uma nova racionalidade para o sistema educacional”. Com
essa justificativa, o Estado aponta para uma descentralização, sobretudo através da
alteração do art. 60 do ADCT, a qual propõe a “criação, em cada Estado do Fundo de
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério na forma da
lei”(parágrafo 1º). Esses fundos serão constituídos de, pelo menos, “15% da
arrecadação do ICMS e 15% dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios e
serão redistribuídos entre o Estado e seus Municípios de acordo com o número de
alunos das respectivas redes de ensino fundamental” (parágrafo 2°).
Na exposição de motivos apresentada ao Presidente da República95 para a
proposta da emenda constitucional, podemos detectar que, partindo-se do princípio
de que não se aplique pouco, mas que os recursos sejam mal distribuídos, a emenda
propõe mecanismos de distribuição: “há uma generalizada escassez de recursos,
quando, na realidade, temos evidente desequilíbrio na repartição de
responsabilidades e recursos” e, portanto, “a emenda constitucional que ora
submetemos à apreciação de Vossa Excelência contém a proposta de criação, por um
período transitório, de um mecanismo de redistribuição dos recursos fiscais dos
Estados e municípios destinados ao ensino fundamental”.
Porém, ao propor que não se aumentem os gastos, mas que os recursos
sejam apenas redistribuídos, na verdade, a União, com essa emenda, retira sua
responsabilidade para com o financiamento do ensino fundamental e com a
erradicação do analfabetismo, pois, conforme o texto constitucional de 1988, antes
da emenda 14/96:
95 Exposição de motivos nº 273, de 13 de outubro de 1995, dos senhores ministros de Estado da
Educação e do Desporto, da Justiça, da Administração Federal e Reforma do Estado, do Planejamento
e Orçamento da Fazenda (interino).
art. 60 - Nos dez primeiros anos da promulgação da
Constituição, o poder público desenvolverá esforços, com a
mobilização de todos os setores organizados da sociedade e
com a aplicação de, pelo menos, cinqüenta por cento dos
recursos a que se refere o art. 212 da Constituição, para
eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino
fundamental (grifo nosso).
Além disso, o governo, através da PEC 233, propõe:
Art. 60. - Nos dez primeiros anos da promulgação desta
emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
destinarão não menos de sessenta por cento dos recursos a
que se refere o art. 212 da Constituição ao ensino
fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização
do atendimento e a remuneração do magistério (grifo nosso).
Com essas alterações, a União, praticamente, retira-se do ensino básico, pois
o poder público (no texto inicial da Constituição) é substituído por “Estados,
Municípios e Distrito Federal” (PEC 233). Isso exime a União, enquanto parte do
poder público, de promover esforços para a universalização do ensino fundamental e
a erradicação do analfabetismo.
A PEC 233 passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação, da qual
recebeu parecer favorável, no dia 22 de novembro de 1995. Porém, dentre os
deputados que votaram contra, Hélio Bicudo fez declaração de voto. Em meio às
inconstitucionalidades apresentadas pelo deputado, estava, justamente, a enunciada
acima. Segundo o parlamentar, “pela nova redação, a União teria apenas função
redistributiva e supletiva, de forma a garantir a equalização de oportunidades
educacionais”, o que é inconstitucional, pois “Trata-se, evidentemente, de mais uma
proposta de abolir o direito e a garantia individual de acesso ao ensino público e
gratuito, quando se retira da União o papel de assistir e financiar a educação, com a
qual não podemos concordar e, portanto, admitir”. Desse modo, o deputado não
admitiu a PEC 233, por “afrontar cláusulas pétreas referentes a direitos e garantias
individuais”.96
96 BRASIL, Câmara dos Deputados, proposta de Emenda à Constituição nº 233, de 1995 (do poder
Executivo), mensagem nº 1.078/95, que contém a proposta inicial da PEC 233, na Comissão de
Outro deputado que fez declaração de voto foi Régis de Oliveira (PFL-SP),
que foi favorável `a PEC 233. No que se refere às alterações dos incisos IV e VII,
que priorizavam a população de baixa renda, ainda que eles tenham sido retirados
quando da aprovação final da emenda, ressaltamos a justificativa favorável do
deputado, pelo seu teor:
O estado degradante a que chegou o ensino público no
Brasil, em especial aquele que demanda maior atenção, que
é o denominado primeiro grau (antigo primário), é tão
alarmante que poucas pessoas de alguma renda o procuram.
Resta ele, tão-somente, para as pessoas menos favorecidas.
Enfim, colocar tal prioridade na Constituição, embora seja,
na realidade de hoje, despicienda, é superfetação que não
agride tal princípio (idem, p.37).
Na clara visão classista do deputado, por um lado, a população de baixa renda
não necessitaria de uma educação de qualidade, e, por outro, deveria ser retirado,
totalmente, o caráter universal do ensino público, assim como o objetivo de garantir-
lhe qualidade. Nesse sentido, é coerente a declaração de voto de Régis de Oliveira,
uma vez que ele não vê, como um problema, o fato de a União desobrigar-se para
com o ensino fundamental e de não despender mais verbas para esse fim, ainda que o
mandatário admita que a educação esteja em “estado degradante”.
A PEC 233 foi aprovada pela Câmara e pelo Senado e, a partir do dia 12 de
setembro de 1996, tornou-se a Emenda Constitucional 14/96. Essa emenda criou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério, de natureza contábil (§1º). O Fundo é constituído de 15% de recursos
dos principais impostos e transferências, e do ICMS cota estadual. Ele será
distribuído entre cada Estado e seus municípios, proporcionalmente ao número de
alunos nas respectivas redes de ensino fundamental (§2º). A União complementará os
recursos dos fundos que não alcançarem o mínimo valor, por aluno, definido
nacionalmente (§3º). Em um prazo de cinco anos, a União, os Estados e os
Constituição, Justiça e Redação: parecer do relator, parecer da Comissão, declaração de voto do
deputado Hélio Bicudo, declaração de voto do deputado Vicente Arruda e declaração de voto do
deputado Régis da Oliveira.
municípios ajustarão, progressivamente, suas contribuições ao Fundo, para se
garantir um padrão mínimo de qualidade de ensino, definido nacionalmente (§ 4º).
Será destinada, ao pagamento dos professores do ensino fundamental no efetivo
exercício do magistério, uma proporção não inferior a 60% dos recursos de cada
Fundo (§5º). A União aplicará, na erradicação do analfabetismo e na manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental, inclusive na complementação dos Fundos,
nunca menos que o equivalente a 30% dos recursos a que se refere o caput do art.
212 da Constituição Federal (§6º). “A lei disporá sobre a organização dos Fundos, a
distribuição proporcional de seus recursos, sua fiscalização e controle, bem como
sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno” (§7º).
A emenda constitucional 14 foi regulamentada pela lei 9.424, de 24 de
dezembro de 199697. Essa lei recebeu três vetos do Presidente da República. Um
deles, abordaremos no item Salário-Educação, por se tratar da distribuição deste
entre Estados e municípios. O segundo veto referiu-se à educação de jovens e
adultos, e o outro, à proibição de a União utilizar recursos da contribuição social do
Salário-Educação para a complementar o Fundo.
O veto do item que tratava da educação de jovens e adultos, do art. 2 §1º II,
deu-se no seguinte contexto:
Art. 2º - Os recursos do Fundo serão aplicados na
manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental
público e na valorização do Magistério.
§1º - A distribuição dos recursos, no âmbito de cada Estado e
do Distrito Federal, dar-se-á entre o Governo Estadual e os
Governos municipais na proporção do número de alunos
matriculados anualmente nas escolas cadastradas das
respectivas redes de ensino, considerando-se para este fim:
I- as matrículas da 1ª a 8ª séries do ensino fundamental;
II - vetado.
97 A emenda dispõe sobre o Fundo de Manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60 do ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, e dá outras providências.
O item vetado tinha a seguinte redação: “as matrículas do ensino fundamental
nos cursos de educação de jovens e adultos, na função suplência”.
Um dos argumentos utilizados pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso
para justificar o veto, foi o de que o item proposto seria “temerário do ponto de vista
da precisa repartição de recursos”, pois poderia provocar uma indesejável corrida, no
âmbito dos governos federais e estaduais, no sentido de “criar cursos dessa natureza
sem rigor nem observância dos critérios pedagógicos requeridos por essa modalidade
de ensino, com o objetivo de garantir mais recursos financeiros ao respectivo
governo (...)”; além disso, “o MEC não dispõe de dados estatísticos consistentes que
possam assegurar uma correta e fidedigna contabilização do alunado do ensino
supletivo”.98
Haddad rebate esse argumento do MEC, pois “apurar dados de atendimento
educacional é uma das competências legais desse ministério, na qual o governo
investiu recursos públicos de monta em 1996.” (Haddad,1997,p.111). O autor
acrescenta que os dados referentes ao ensino supletivo estão disponíveis no MEC,
“com a mesma confiabilidade do ensino regular” (idem, p. 112).
A UNDIME (1997) apresentou contra-argumentos às razões do veto, e, dentre
eles, destacamos aquele que lembra que a emenda constitucional 14, art. 60, § 2º
“dispõe que os recursos do Fundo serão distribuídos proporcionalmente aos alunos
do ensino fundamental, sem restrições. A lei não pode restringir o que a Constituição
Federal não restringiu”.
Haddad contesta a destituição de direitos que representa a emenda 14, assim
como a desobrigação do poder público para com o financiamento da educação de
adultos:
Embalado pelo discurso de desqualificação da
educação de jovens e adultos contido nas propostas e
orientações de alguns educadores brasileiros e do Banco
Mundial, a proposta de emenda constitucional introduziu
uma novidade: a destituição de direitos. Por meio de uma
sutil alteração no inciso I do art. 208 da Constituição, o
governo manteve a gratuidade da educação pública de
jovens e adultos, mas suprimiu a obrigatoriedade de o poder
98 Mensagem 1.439 - Diário Oficial nº 250, quinta-feira, 26 dez. 1996.
público oferecê-la, restringindo o direito público subjetivo de
acesso ao ensino fundamental apenas à escola regular
(Haddad, 1997, p.109).
O outro veto deu-se no art. 6 §5º: “Art. 6º - A União complementará os
recursos do Fundo a que se refere o art. 1º, sempre que, no âmbito de cada Estado e
do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido
nacionalmente.” A redação do § 5º, vetado, era: “na complementação da União,
prevista neste artigo, é vetada a utilização de recursos da Contribuição Social do
Salário-Educação, de que trata o art. 212, parágrafo 5, da Constituição Federal”.
A razão do veto foi apresentada na mensagem 1.439: “A Lei não deve impor
restrição ao uso de fontes específicas para o pagamento das despesas do Fundo, sob
pena de agravar a já excessiva rigidez orçamentária da administração pública”.
Dentre os contra-argumentos da UNDIME (1997), destacamos:
A complementação dos Fundos Estaduais deve ser feita pela
União de acordo com o disposto no art. 60 § 6º do ato das
disposições transitórias, na forma da emenda constitucional
14, ou seja, com no mínimo 30% dos recursos previstos no
caput do art. 212 da Constituição Federal. Considerando que
o Poder Executivo não propôs a definição desse percentual,
o qual foi proposto pelo Legislativo, é de levantar a hipótese
de que o Executivo pretende desobrigar-se de seus
compromissos constitucionais.
A intenção do art. 6º, §5º, era, certamente, garantir a
contribuição da União nessa Cruzada Educacional, uma vez
que, sem os recursos federais, sacrifica-se exatamente a
possibilidade histórica de universalização do ensino
fundamental de qualidade para todos, em especial, para a
população pobre do país. (...)”
Este é um indicador da desobrigação da União para com o ensino
fundamental, pois a disposição, pelo art. 5º § 6º da emenda constitucional 14, de que
a União não aplicará nunca menos que o equivalente a 30%, na erradicação do
analfabetismo e manutenção do ensino fundamental, não quer dizer que ela aplicará
30% dos 18% dos recursos orçamentários, como pode parecer. O “equivalente” quer
dizer que a União destinará, também, os recursos extra-orçamentários que estiver
aplicando, principalmente os do Salário-Educação. O item vetado pelo Presidente
constituía-se em uma proposta de a União empregar recursos orçamentários na
complementação do Fundo. Fica assim explícita a desobrigação, por parte da União,
com a emenda constitucional 14, ou seja, com os compromissos assumidos na
Constituição de 1988 quanto à erradicação do analfabetismo e à universalização do
ensino fundamental.
O art. 6 º prevê a complementação do Fundo, pela União, para os casos em
que os recursos não alcancem o valor mínimo definido nacionalmente. O parágrafo
primeiro determina que esse valor será fixado pelo Presidente da República e que
nunca será “inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a
matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado
de novas matrículas, observado o disposto nos incisos I e II do § 1º do art. 2º”.
Verificamos que a União não está cumprindo as regras que ela mesma criou
para o Fundo, pois o valor de R$ 315,00, para 1998,99 não correspondeu à fórmula
descrita no parágrafo anterior. Conforme a FAMURS (Federação das Associações
dos Municípios do Rio Grande do Sul), a previsão de receita total para o Fundo em
1998, de acordo com a própria Secretaria do Tesouro Nacional, seria de R$
13.342.567.900,00, o que, dividido pelo número de matrículas registrado pelo Censo,
que foi de 30.538.145, mais as efetuadas após o levantamento, durante a Semana
Nacional de Matrícula, que totalizaram cerca de 670 mil, daria um valor anual, por
aluno, de R$ 427,00 e não de R$ 315,00 como o que foi determinado.
Castro (1998) realizou um estudo acerca do impacto do FUNDEF sobre o
financiamento do ensino fundamental e, dentre uma série de simulações propostas
para se analisar esse impacto, destacamos a os gastos da União para o caso de se
equipararem as médias regionais de gasto/aluno. Conforme o estudo de Castro, se os
gastos fossem igualados aos da média da região Norte (R$ 368,00), o desembolso da
União chegaria a R$ 1,0 bilhão, meio bilhão de reais acima do que gastou em 1998;
se fossem igualados aos da região Centro-Oeste (R$394,00), esse desembolso seria
de R$ 1,42 bilhões. No caso das regiões mais ricas, nivelando-as à Sudeste
(R$549,00), o desembolso seria de R$ 4,3 bilhões, o que representa um aporte 10
99 O valor de R$ 315,00 foi fixado pelo decreto nº 2.440, de 23 de dezembro de 1997.
vezes superior ao atual. Se fosse estabelecer-se uma média nacional, ela seria de R$
429,00 o gasto/aluno, e o valor para a complementação, seria de dois bilhões.
Para se atingir o que o autor chama de igualdade ampliada, que seria
equipararem-se as médias pelo maior valor, o aporte do MEC seria de R$ 4,3
bilhões, o que corresponderia a 44,3% do orçamento do MEC para 1998.
Verificamos, com esses números, que o FUNDEF não ameniza as
desigualdades regionais em termos de gasto/aluno, o que poderia ser resolvido com
uma complementação de recursos por parte da União, se ela realmente estivesse
interessada em elevar a qualidade do ensino fundamental. Isso, inclusive, é proposto
pela própria LDB, em seu art. 75, que dispõe sobre o caráter redistributivo da União,
para se corrigirem as disparidades de acesso e garantir-se um padrão mínimo de
qualidade do ensino.
Quanto à proposta de controle social sobre o FUNDEF, o art. 4º, § 1º, da lei
9.424, apresenta as composições do Conselho de Acompanhamento e Controle
Social, em níveis federal, estadual e municipal. Em nível federal, o referido artigo
propõe, no mínimo, seis membros representando o Poder Executivo Federal, o
Conselho Nacional de Educação (CNE), o Conselho Nacional dos Secretários de
Estado da Educação (CONSED), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME), os pais de alunos e os professores das escolas públicas do ensino
fundamental. Portanto, propõe três membros representando o Estado (Poder
Executivo Federal, CONSED e UNDIME), dois representando a sociedade civil
(CNTE e pais), e um de composição mista 100.
O mesmo observa-se para as composições estadual e municipal, com
pequenas variações. Como a composição descrita é a mínima, cabe, aos Estados e
municípios, organizarem conselhos mais representativos e igualitários dos
representantes das forças sociais, o que dependerá da correlação de forças políticas
de cada localidade. Contudo, bem sabemos que os locais de perfil mais clientelista,
onde a correlação de forças seja mais desfavorável para os profissionais do
magistério e para os representantes da sociedade civil que necessitem da escola
100 Há autores, no entanto, que consideram o CNE como representante do Estado, apesar de ele ter
representantes da sociedade civil, pois, na sua composição, a maioria dos membros também representa
o Estado. Quanto à composição dos conselhos, ver também Davies (1998).
pública de qualidade, estarão em desvantagem para solicitarem conselhos mais
representativos. Por isso, questionamos a composição mínima proposta na lei 9424.
No caso da composição estadual, a proposta é de que ela abrigue, no mínimo,
sete membros, representando: o Poder Executivo Estadual, os Poderes Executivos
Municipais, o Conselho Estadual de Educação, os pais de alunos das escolas públicas
do ensino fundamental, a Delegacia Regional do MEC, a seccional da UNDIME e a
da CNTE.
Para o município, o mínimo são quatro membros, representando: a Secretaria
Municipal de Educação ou órgão equivalente, os professores e diretores das escolas
públicas do ensino fundamental, os pais de alunos, os servidores das escolas
públicas do ensino fundamental e, se houver o órgão, um representante do Conselho
Municipal de Educação (§ 2º).
Outro problema que se refere aos conselhos é a indicação de seus
representantes, a qual, principalmente no caso dos municípios, nem sempre é feita
através de eleição e pelas instituições representativas.
O decreto 2.264, de 27 de junho de 1997, assinado pelo Presidente da
República Fernando Henrique Cardoso e pelos ministros Pedro Malan (Fazenda),
Antônio Kandir (Planejamento) e Paulo Renato Souza (Educação), estabelece, no art.
5º, a composição do Conselho de Acompanhamento do Fundo no âmbito da União, a
saber:
- quatro representantes do Ministério da Educação e do Desporto, sendo um
representante do FNDE e outro do INEP;
- um representante do Ministério da Fazenda;
- um representante do Ministério do Planejamento e Orçamento;
- um representante do Conselho Nacional de Educação;
- um representante do CONSED;
- um representante da CNTE;
- um representante da UNDIME;
- um representante dos pais de alunos e professores das escolas públicas de
ensino fundamental.
Portanto, de onze membros, seis são representantes diretos do Executivo
federal (quatro do MEC, mais um do Ministério da Fazenda e um do Ministério do
Planejamento); um, dos Executivos estaduais (CONSED); um, dos Executivos
municipais (UNDIME) e um do CNE. Isso quer dizer que há oito representantes do
Estado, dois da sociedade civil (CNTE e pais e professores) e um de órgão
composto por membros da sociedade e do Estado (CNE).
É realmente de se questionar o real controle social que se possa exercer sobre
o FUNDEF, com sua atual composição, exatamente no contexto em que está sendo
discutida a redefinição do papel do Estado, pois, como vimos, além de, cada vez
mais, querer repassar, para a sociedade, tarefas que, até então, eram suas, o Estado
assume, ainda mais, seu caráter marcadamente classista, como vimos no capítulo 1
deste trabalho, no momento em que se retira das políticas sociais e assume,
progressivamente, os déficits impostos pela atual dinâmica do capital especulativo.
Pela composição do Conselho proposta para a União, verificamos, mais uma
vez, que o FUNDEF vem consolidar o projeto de reforma do Estado na Educação,
em parte, pelo contexto da crise fiscal, pois, pela presença do Ministro do
Planejamento e da Fazenda no Conselho, verificamos que este vem mais no sentido
de se racionalizarem os recursos do que de se universalizar o ensino ou de se avançar
a qualidade, e, em parte, pela proposta de descentralização. Essa descentralização
passa pela gradativa desobrigação da União para com o ensino, observada desde o
período constituinte, pois:
1) a função Educação e Cultura, que, no ano de 1987, figurou em segundo lugar
dentre as despesas totais da União, decaiu para o sexto lugar em 1993 (Martins,
1996, p.5);
2) dos 50% dos 18% previstos na Constituição de 1988 como sendo de
responsabilidade da União (enquanto poder público) para com a universalização
do ensino fundamental e erradicação do analfabetismo, o único compromisso da
União quanto ao ensino fundamental passou a ser o de complementar os fundos
estaduais que não chegassem à quantia irrisória de 300 reais aluno/ano, o que
significa cerca de 870 milhões de reais (Valente, Grossi, Wilson, 1996).
Valente (1997) argumenta que, apesar de o governo afirmar que a educação é
prioritária, na realidade, este não propõe o aumento dos recursos para o setor, mas
apenas sua redistribuição. Contudo,
o governo gasta 22 bilhões com a dívida interna e 23 bilhões
com os juros da dívida externa, perde 85 bilhões por ano
com a sonegação fiscal, segundo CPI feita, e distribui 20
bilhões em auxílio aos bancos (PROER) (para três bancos:
Bradesco, Econômico e Meridional), sendo que o gasto anual
com a educação no Brasil, incluindo Estados e municípios, é
de 22 bilhões, que fica na mesma ordem do juros da dívida
externa, quatro vezes menor do que a sonegação, e na mesma
ordem de grandeza do que eles enterraram no PROER”
(Valente, 1997).
Melchior (1997) observa que a emenda 14 estabelece sanções para Estados e
municípios, o mesmo não acontecendo quanto à União: “O rigor, no entanto, quando
se trata da União, é afrouxado e é natural que assim seja pois a Emenda foi enviada
pelo poder executivo federal e não seria comum mas seria ético, que ele fixasse
restrições para si mesmo”. Para o autor, essa frouxidão pode ser observada:
a) pela alteração proposta para a União, que, de fornecedora de assistência técnica e
financeira, passa a ter uma função genérica de supletividade e de redistribuição
de recursos para Estados, Distrito Federal e municípios;
b) pela não-fixação de sanções contra a União para o caso de ela não cumprir o art.
212 da Constituição Federal de 1988;
c) pela não-definição das responsabilidades da União quanto aos graus de ensino,
principalmente o superior;
d) pela indefinição de responsabilidade da União diante da proposta primordial da
emenda, que é a criação do Fundo de Desenvolvimento de Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério, uma vez que a União complementará os recursos
dos Fundos apenas se o valor mínimo, em nível nacional, não puder ser
alcançado, utilizando para isso, inclusive, o salário educação. Isso, para
Melchior, são palavras genéricas, sem compromisso efetivo (Melchior, 1997,
p.4).
Ao compararmos o gasto público em educação do Brasil, quanto a seu PIB,
ao de outros países, verificaremos que não se sustenta o discurso empregado para se
justificar o FUNDEF, segundo o qual não se gasta pouco, mas gasta-se mal e que não
são necessários mais recursos para a educação, devendo estes, apenas, ser melhor
alocados. Isso porque, comparado a outros países, o Brasil gasta pouco, além de
gastar mal, como podemos constatar no Quadro 2.3
Quadro 2.3 - Gastos públicos totais e correntes de alguns países, em educação, em
percentual do PIB 101
Países Gasto Público
total
Gasto Público
corrente
Países Gasto Público
total
Gasto Público
corrente
Líbia 9,6 7,7 Dinamarca 7,4 7,0
Marrocos 7,4 5,4 França 5,5 5,1
Egito 6,7 6,0 Portugal 4,9 4,5
Cuba 6,7 6,2 Guiana 8,1 6,7
USA 5,3 4,8 Venezuela 4,8 4,5
El Salvador 1,8 1,8 Brasil 3,9 2,6
Iraque 5,1 4,6 Uruguai 3,7 3,3
Irã 4,1 3,4 Peru 3,5 3,3
Rep. Coréia 3,7 3,3 Equador 2,7 2,6
Fonte: Helene, Otaviano, apud UNDIME, 1997, p.9.
2.8.4 Salário-Educação
Dentre os chamados recursos extra-orçamentários, o principal é o Salário-
Educação, uma contribuição compulsória de 2,5% que incide sobre a folha de
pagamento de todas as empresas vinculadas à Previdência Social.
101 Conforme Helene, é importante que se faça a distinção entre gastos totais e correntes, pois os
gastos totais incluem, genericamente, todos os gastos com educação, e os correntes são os gastos
mais diretamente ligados ao ensino e, portanto, aqueles que melhor caracterizam as reais
possibilidades escolares de um país.
Segundo Pacheco Filho (1996), o Salário-Educação tem, por característica, a
estabilidade institucional, pois os principais pontos de sua estrutura mantiveram-se
sem alteração por muitos anos.
O Salário-Educação foi criado em 1964 (lei nº 4.440, de 27/10/1964) para se
superar o não-atendimento, por parte das empresas, do preceito constitucional de
proporcionarem o ensino primário a seus empregados. Assim, por meio da lei nº
4.863, de 29/11/1965, foi estabelecida a alíquota de recolhimento em 1,4%102 sobre
a soma dos salários dos empregados. As empresas poderiam optar entre oferecer
escola própria para seus empregados ou recolher a contribuição social. No caso do
recolhimento, o valor seria correspondente ao custo estimado para se proporcionar o
curso primário, com base no salário mínimo, multiplicado pelo número de
empregados, independentemente de eles necessitarem ou não de curso primário.
Outra possibilidade seria a de a empresa repassar, para o ensino privado, o custo do
ensino de seus empregados, principalmente mediante bolsas de estudo, o que, muitas
vezes, esteve sob suspeita, pois fazia parte de uma “complexa teia de interesses”103
(Pacheco Filho, 1996, p.227).
O autor aponta ainda o modo como foram estabelecidos os mecanismos de
partilha para destinação dos recursos, alocando-se 50% dos valores arrecadados pelo
Estado como cota estadual, e ficando os outros 50% para a União, como cota federal.
A cota federal passou a ser repartida entre as esferas subnacionais, com o objetivo de
se reduzirem as desigualdades regionais, já que a União nunca teve grande
participação no ensino fundamental, distribuição essa que ocorreu por meio de
transferência negociada.
Com o decreto federal nº 994, de 25/11/1993, mudou-se o trâmite: o crédito
de arrecadação do Salário-Educação proveniente das empresas optantes pelo Sistema
de Manutenção do Ensino (SME) passou a ser transferido, pelo Banco do Brasil,
diretamente ao FNDE. Assim, ao término de cada bimestre, após deduzirem-se as
102 Por intermédio do decreto nº 76.923, de 26/12/75, a alíquota passou de 1,4% para 2,5%, sendo que
o decreto nº 1.422, de 23/10/75, alterou a proporção dos recursos, que passou a ser de 1/3 para a União
e de 2/3 para os Estados. O decreto nº 88.374, de 7/6/1983, estabeleceu, por sua vez, que, no mínimo,
25% dos recursos da cota federal deveriam ser destinados aos municípios, tendo sido mantidas,
contudo, as características de transferência negociada.
103 ver Souza, Velloso, Melchior, 1988, p. 154
despesas realizadas no SME, o FNDE deveria repassar, até o dia 10 do mês
subseqüente, dois terços desses recursos diretamente às Secretarias de Educação dos
Estados e do Distrito Federal. O crédito de arrecadação recolhido através do INSS,
proveniente das empresas não-optantes pelo SME, deveria ser repassado,
diretamente, ao FNDE, como Previdência Social. Ao término de cada mês, até o dia
10 do mês subseqüente, o FNDE deveria repassar dois terços desses recursos
diretamente às secretarias de educação dos Estados e do Distrito Federal (Silva,
Cruz, 1994, p.195).
Segundo Silva & Cruz (1996), com esse novo trâmite, o trânsito deixou de ser
feito pelo Tesouro da União, e o repasse de recursos do FNDE às secretarias de
educação passou de trimestral para bimestral. Nas duas formas, contudo, o crédito
não permanece no local de origem; ele é repassado, pelo órgão de arrecadação,
diretamente ao FNDE.
A partir da emenda constitucional 14104, as empresas não puderam mais
repassar o dinheiro diretamente para as escolas privadas. Anteriormente, o art. 212,
parágrafo 5, tinha como redação: “O ensino fundamental público terá como fonte
adicional de financiamento a contribuição social do Salário-Educação, recolhida na
forma da lei, pelas empresas, que dela poderão deduzir a aplicação realizada no
ensino fundamental de seus empregados e dependentes”. Com a emenda
constitucional 14, o texto ficou: “O ensino fundamental terá como fonte adicional de
financiamento a contribuição social do Salário-Educação, recolhida pelas empresas
na forma da lei”.
A lei nº 9.424/96, que regulamenta a emenda constitucional 14, no seu art. 15,
que trata do Salário-Educação, parágrafo 1, propõe que:
A partir de 1º de janeiro de 1997, o montante da
arrecadação do Salário-Educação, após a dedução de 1%
em favor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
calculado sobre o valor por ele arrecadado, será distribuído
pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
104 O Executivo fez uma proposta de emenda constitucional, a PEC 233, que, dentre outros fatores,
altera o Salário-Educação. Ela Foi votada pela Câmara e Senado, sofreu uma série de emendas e vetos
e, atualmente, é a emenda 14/96. Voltaremos à emenda constitucional 14/96 no item Fundo de
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério.
FNDE, observada a arrecadação realizada em cada Estado
e no Distrito Federal, em quotas da seguinte forma:
I- Quota federal, corresponde a um terço do montante de
recursos, que será destinado ao FNDE e aplicada no
financiamento de programas e projetos voltados para a
universalização do ensino fundamental, de forma a propiciar
a redução dos desníveis sócio-educacionais existentes entre
municípios, Estados, Distrito Federal e regiões brasileiras.
II - Quota Estadual, corresponde a dois terços do montante
de recursos, que será creditada mensal e automaticamente
em favor das Secretarias de Educação dos Estados e do
Distrito Federal para financiamento de programas, projetos
e ações do ensino fundamental.
O segundo parágrafo foi vetado pelo Presidente da República e continha a
seguinte redação:
“Será distribuída 70% (setenta por cento) da Quota Estadual
entre o Estado e os Municípios, proporcionalmente ao
número de alunos matriculados no ensino fundamental das
respectivas redes, conforme censo educacional realizado
pelo Ministério da Educação e do Desporto - MEC”.
O Presidente, na mensagem nº 1.439,105 dirigiu-se ao Presidente do Senado
Federal, apontando que, ao ouvir o MEC, sugeriu o veto por considerar o artigo
contrário ao interesse público, expondo as razões do veto:
atualmente, 64% do alunado de escolas públicas é atendido pelo sistema estadual, e
36%, pelo sistema municipal; pelo critério estabelecido, “é retirada a autonomia dos
Estados de adotarem critérios redistributivos”;
de acordo com a emenda 14/96, os Estados atuariam, prioritariamente, nos ensinos
fundamental e médio, e os municípios, nos ensinos fundamental e infantil, tendo sido
previsto o regime de colaboração entre governos estaduais e municipais, de modo a
se assegurar o ensino obrigatório;
desse modo, “é prudente que se transfira também a responsabilidade de se definir a
forma e o percentual de redistribuição dos recursos da quota estadual para o poder
Legislativo dos Estados, retirando-se do corpo da lei Federal a definição de
percentual de redistribuição”.
Como adverte documento da UNDIME (1997)106, o próprio governo, sessenta
dias antes do veto, havia editado e reeditado a Medida Provisória nº 158/96, que
estabelecia que a cota estadual do Salário-Educação seria redistribuída,
integralmente, entre os governos estaduais e municipais proporcionalmente ao
número de alunos atendidos.
Segundo depoimento do deputado Ivan Valente,107 a proposta vetada pelo
Presidente havia sido aprovada, por unanimidade, na Câmara dos Deputados, pois,
com o processo de municipalização em curso, seria justo repassarem-se mais verbas
para os próprios municípios. Contudo, adverte o deputado, “o Salário-Educação é um
instrumento de fisiologismo” e, por pressão dos governadores, antes da aprovação da
emenda da reeleição, o Presidente vetou o que ele mesmo havia determinado através
de medida provisória.
Outra contradição apresentada pelo governo, com esse veto, é que a emenda
14108 excluiu a possibilidade de “as empresas deduzirem do Salário-Educação a
aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e dependentes”, ao
mesmo tempo em que a emenda induz à municipalização. Portanto, aumentou-se o
volume de recursos públicos, pelas novas regras do Salário-Educação, mas eles
continuaram centralizados nos Estados, ao mesmo tempo em que tem sido
estimulada a municipalização das matrículas. Isso significa que foram
descentralizadas as responsabilidades e não os recursos.
Portanto, observamos que o governo, para além de seu projeto de política
educacional, dentro do próprio bloco dominante, sofre pressão, principalmente em se
tratando de financiamento, e vai desfigurando sua própria proposta, como ocorreu no
caso da pressão dos governadores para não se dividir o dinheiro do Salário-Educação
com os municípios, levando o Presidente a retroceder. Porém, por outro lado,
105 Diário Oficial nº 250, quinta-feira, 26 dez. 1996. 106 Ofício n. 0017/97 - Posicionamento da UNDIME contrário aos vetos do Presidente da República a
dispositivos da lei 9.424, de 14/12/96, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. 107 Entrevista com o deputado Ivan Valente (PT-SP), realizada no dia 15/4/97, em Brasília. 108 Emenda Constitucional 14, de 12/9/96, que alterou o art. 212.
garantiu-se que o dinheiro do Salário-Educação fosse destinado às escolas públicas.
Conforme Melchior (1997), as escolas privadas, além de não poderem mais receber,
passaram a pagar o Salário-Educação, já que “são empresas que visam lucro”
(Melchior, 1997, p.41).
É importante destacar-se, ainda, que a quota-municipal do salário educação
tem sido uma antiga reivindicação da UNDIME, que já fez até uma moção popular
que propunha 20% da arrecadação fosse para os municípios (UNDIME, 1997, p.29).
Isso demonstra uma das tantas contradições existentes no interior do Estado, já que a
UNDIME é, também, parte dele.
2.8.4.1 A título de exemplo, verificamos o modo como ocorre, no RS, o repasse do
Salário-Educação - O RS é o primeiro Estado a redistribuir o salário
educação
A lei 9424/96 determina que o Salário-Educação deve ser dividido em duas
quotas, ficando 1/3 com a União, que será destinado ao FNDE, e dois terços com o
Estado, para financiamento de programas, projetos e ações do ensino fundamental.
Porém, o governo federal, desde janeiro de 1997, reedita a medida provisória que
determina que a quota estadual do Salário-Educação seja distribuída entre o estado e
seus municípios. Conforme a lei estadual 11.126, de 09 de fevereiro de 1998, o
principal critério para esse repasse é o do número de alunos do ensino fundamental
nas respectivas redes de ensino. Em 1998, a quota dos municípios foi distribuída
seguindo-se dois critérios: 75% dos recursos alocados de acordo com o número de
alunos matriculados em escolas municipais, e 25%, conforme o número de alunos
transportados para os municípios, tanto das escolas estaduais como municipais. A
partir de 1999, o critério passará a ser apenas do número de matrículas (FAMURS,
1998, p.29).
A quota do salário educação no RS, em 1996, foi de R$ 108.651.208,50,
somados a R$ 86.746.016,07 (valor de 1995 que não foi utilizado), chegando-se a R$
195.394.224,57. Desse total, somente R$ 12.263.396,16, ou 6,33%, foram repassados
para os municípios, e R$ 103.952.509,17, ou 53,2%, ficaram para serem empenhados
em 1997. O governo do Estado do RS utilizou o recurso para cobrir seu déficit
operacional. Além disso, o Executivo garantiu, com a aprovação do substitutivo ao
projeto de lei nº 178/97, a utilização do recurso para o pagamento de salário dos
professores estaduais, o que compromete os objetivos de aplicação do Salário-
Educação.
Quadro 2.4 - Salário-Educação série 1994-1997
Ano (1) Cota
Parte
(2) Total receitas (3) Total despesas (4)Transf.
municípios
(5) % = (4)
/ (2)* 100
(6) Saldo
Passivo Potencial
1993 218.197,53
1994 38.958.054,28 44.677.325,32 42.548.210,78 0,00
1995 78.632.678,18 99.329.866,87 14.934.165,87 1.500.000,00 1,51 86.743.016,07
1996 96.844.105,99 108.651.208,50 91.441.715,40 12.363.396,16 11,38 103.952.509,17
1997 100.942.005,52 109.239.335,40 79.766.307,41 15.492.265,00 14,18 133425.537,16
1998 47.196.095,03 52.828.823,31 45.606.628,17 16.984.036,54 32,15 140.647.732,30
30/6/98 (7) 27.938481,97 33571.210,25 36.286.460,59 7.663.868,96 22,83 130.710.286,82
30/6/98 (8) 19.257.613,06 19.257.613,06 9.320.167,58 9.320.167,58 48,40 9.937.445,48
Fonte: BGE. Quadro elaborado pela assessoria da bancada do PT na Assembléia Legislativa do RS.
(1) Repasse Federal da cota do Salário Educação.
(2) Soma das diversas receitas relativas ao salário educação (SE) - aplicações, cancelamentos, etc.
(3) Soma de todas as despesas relativas ao SE.
(4) Valores transferidos aos municípios para despesas correntes e de capital.
(5) Relação percentual entre as transferências aos municípios, para despesas correntes e de capital.
(6) Valores arrecadados e não-utilizados no exercício que remanesce a obrigação do Estado empenhar o exercício seguinte.
(7) Valores do SE pertencente ao Estado, relativo ao saldo acumulado e ao ano de 1998, nos termos da Lei estadual nº
11.126/98.
(8) Valores do SE pertencentes aos municípios, nos termos da Lei Estadual n º 11.126/98.
2.8.4.2 Salário-Educação em Debate
Para Silva & Cruz (1996, p.194), os trâmites burocráticos são um problema,
pois a
“multiplicidade de fases e a atuação de diferentes instâncias
fizeram com que a transferência se tornasse complexa,
demorada e de difícil controle, identificando-se falhas
operacionais e institucionais na captação e também na
aplicação direta do Salário-Educação”.
Essas autoras oferecem-nos mais dados sobre o processo, e, assim, é possível
detectarmos que grande parte do dinheiro destinado para o ensino fica retido sob
forma de taxas de administração:
do total arrecadado mensalmente, é descontado 1,8%, do
qual 1% fica retido no Iapas/INSS e 0,8% no Banco do
Brasil, a título de taxa de administração para envio dos
recursos ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE). Esse Fundo é encarregado de fazer o
retorno de dois terços do total arrecadado aos Estados de
origem e reter um terço, do qual 25% devem ser aplicados
em projetos municipais e o restante repassado pelo
Ministério de Educação aos Estados de acordo com critérios
redistributivos que levem em consideração a capacidade de
arrecadação e o número de alunos em idade escolar (idem).
As autoras apontam ainda, como problema, o fato de essa destinação de 25%
ser feita através de projetos municipais intermediados pela União (decreto nº
88.374/83). Isso levou os Estados e os municípios a fazerem projetos desarticulados
entre si, visando a obterem recursos, atendendo mais às prioridades das fontes dos
recursos federais do que às suas próprias.
Melchior (1997) é enfático ao denunciar o clientelismo no repasse do
Salário-Educação:
... É aí que campeava a politicagem do MEC pressionado
pelos Estados e Municípios fortes política e financeiramente.
Enquanto não se autorizar os recursos do Salário-Educação,
seja pelo critério de matrícula dos alunos, como é o critério
do Fundo, seja pela criação de uma quota-municipal do
Salário-Educação, o clientelismo tende a persistir, tanto com
a quota federal como com a estadual. Vai ser difícil eliminar
as resistências mas a luta vale a pena (Melchior, 1997, p.68).
Pinto (1992) aponta que são os seguintes os principais problemas do Salário-
Educação:
o seu caráter recessivo, por se tratar de tributo indireto;
o baixo valor da alíquota, pois ela foi fixada sem critérios objetivos;109
a não-incidência da alíquota sobre o setor rural, que representa 13% do PIB e 24%
das matrículas no ensino fundamental;
a forma de transferência (duodécimos), que faz com que boa parte dos recursos
fiquem retidos no INSS;
o fato de ele ser “um grave fator de desorganização do sistema, em especial no que
toca à divisão de quotas (estadual 2/3 e federal 1/3)”.
Monlevade destaca, como aspecto positivo, aquilo que considera a
visibilidade do Salário-Educação: “O resto do dinheiro está comprometido com folha
de pagamento, folha de inativo, etc. Os políticos não podem mexer com ele, são
recursos inelásticos. Já o Salário-Educação é um dinheiro totalmente livre.” Ressalta,
ainda, os programas atualmente financiados pelo Salário-Educação: o repasse de
recursos direto para as escolas, a TV Escola e a informática na educação.
Neste item, destinado à análise do financiamento, foi possível constatarmos o
quanto as propostas de política educacional são parte da reforma do Estado em curso
no Brasil, principalmente através da sua principal medida, que foi a implantação do
Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério.
Com o FUNDEF, a União pretende racionalizar recursos, pois sua
justificativa para a crise tem sido a crise fiscal, desresponsabilizando-se para com a
educação em todos os níveis. Já discutimos, no capítulo 1, que parte da sua
estratégia, como está exposto no Documento de Reforma do Estado, é a
descentralização, justamente no momento em que os municípios passam por uma
grande crise financeira. Na realidade, sabemos que essa é parte de sua estratégia de
passar, para a sociedade, as políticas sociais, enquanto estabelece outras prioridades
para tentar superar sua real crise, que é a crise do capital.
A estratégia em curso no Brasil é a de financiar-se o capital especulativo com
juros altos, o que aumenta a dívida pública, como também vimos no capítulo 1.
109 Oliveira (1995, p.139) esclarece que o valor do Salário-Educação foi definido, inicialmente, com
base em estudo custo-aluno realizado pelo INEP, mas, nas modificações posteriores, essa referência
Portanto, os Estados e os municípios pagam duas vezes pelo déficit público, pois
suas dívidas estão se tornando irresgatáveis, e ainda assumem as políticas sociais,
que passam a ser, cada vez mais, descentralizadas, o que se torna inviável, e, assim, a
sociedade terá que assumir as tarefas que, até então, eram do Estado, como vimos no
capítulo 1.
ao custo-aluno médio no Brasil desapareceu.
Capítulo 3 - As experiências de descentralização em dois municípios: Campo
Grande e Porto Alegre
O objetivo deste capítulo é verificarmos o modo como a redefinição do papel
do estado (cap. 1), que está se materializando na política educacional nacional dos
anos 90 (cap. 2), está se materializando na política educacional em duas realidades
distintas: Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul e Porto Alegre, capital do
Rio Grande do Sul.
Para isso, coletamos dados relativos a um período de 10 anos (1988-1998)
das duas capitais, referentes:
1) à caracterização dos municípios;
2) aos projetos de política educacional, principalmente daqueles voltados ‘a
gestão e ao financiamento;
3) ao grande movimento da receita, para verificarmos o percentual de receita
própria e daquele proveniente de transferências e, assim, constatarmos o grau
de autonomia dos municípios para elaboração de sua política educacional,
assim como o esforço de arrecadação por eles empreendido nesses últimos
dez anos, os quais têm sido determinantes, já que os recursos para educação
são vinculados ‘a receita;
4) ao grande movimento de despesa em educação quanto á despesa total, para
verificarmos o investimento em educação dos dois municípios e respectivos
Estados. Objetivamos, também comparar o movimento de despesa dos três
entes federativos: União, estado e município, nesses últimos dez anos;
5) ao movimento das despesas, por programa de trabalho, para verificarmos, nos
balanços, o percentual gasto em cada um dos níveis de ensino, nos
municípios estudados;
6) ao grande movimento de matrículas, no estado e município, para
verificarmos as competências por ente federativo e nível de ensino, Istoé,
para constatarmos se estariam ou não ocorrendo processos de
municipalização e estadualização, assim como para analisarmos se, na série
histórica estudada, estariam ocorrendo processos de publicização ou de
privatização;
7) a indicadores de qualidade, relativos a:
7.1) gasto/aluno
7.2) salário dos professores;
7.3) qualificação dos regentes de classes convocados e efetivos;
7.4) número de regentes de classe convocados e efetivos;
7.5) número de alunos por professor;
8) Indicadores de qualidade vinculados à gestão da educação:
8.1) eleição para diretores;
8.2) elaboração do regimento escolar;
8.3) Conselho Escolar
8.4) Conselho Municipal de Educação;
8.5) processo de implantação do sistema Municipal de Ensino;
8.6) gestão dos recursos financeiros.
Para uma melhor organização dos dados, dividimos o capítulo em três partes: uma
com as informações referentes a Campo Grade, a outra, as de Porto Alegre e a última
parte apresenta a comparação dos dois municípios.
3.1 Campo Grande
3.1.1 Caracterização do município
Campo Grande encontra-se na região Centro-Oeste. A cidade foi fundada em
1889 e, em 1979, com a divisão do Estado de Mato Grosso, passou a ser a capital de
Mato Grosso do Sul. Em 1996, o município tinha uma população de 600.069
(seiscentos mil e sessenta e nove) habitantes, o que corresponderia a 31,48% do total
do Estado. A taxa de urbanização da capital é de 98,66% .
Campo Grande é caracterizada, também, pela grande participação de
migrantes, 58%110, no contexto populacional do município.
A capital do MS contou com um percentual de 40,36% de receita própria em
1997, e sua arrecadação de ICMS correspondeu a 47,45% da arrecadação do Estado.
O comércio e os serviços são responsáveis por 84,37% dessa arrecadação, seguidos
da agricultura e da pecuária, com 10,12%. A indústria contribuiu com apenas 4,92%
no total da arrecadação.
Não há estudos sobre o PIB de Campo Grande, mas podemos verificar,
através da análise de sua evolução no MS 111, que, no período de 1980 a 1997, o PIB
manteve uma taxa média de crescimento superior à média nacional. Naquele Estado,
ele foi de 5,6%, enquanto o produto nacional cresceu, em média, 2,15% no mesmo
período. O setor terciário representou o maior peso na composição do PIB no MS,
tendo passado de 41,8%, em 1980, para 67,6% em 1997, ao contrário do setor
primário, que reduziu sua participação de 47,1%, em 1980, para 19,6% em 1997. O
setor secundário manteve-se em terceiro lugar, apresentando uma leve evolução de
11,1%, em 1980, para 12,8% em 1997. O PIB per capita foi de US$ 5.923,87. No
entanto, a renda da população economicamente ativa do Estado apresentou-se muito
concentrada: apenas 4,35% recebiam mais de 10 salários mínimos (sm), 32,34%
recebiam até 2 sm e 39,55% não possuíam rendimento; de 2 a 5 sm correspondiam a
17,18%, e de 5 a 10 sm, a 6,37%.
No plano político-partidário, há um rodízio: de 1983 a 1985, o prefeito foi
Lúdio Martins Coelho (hoje PSDB); de 1986 a 1988, foi Juvêncio Cesar da Fonseca
110 Fonte: IBGE 1980. 111 Secretaria de Estado de Finanças, Orçamento e Planejamento, Diretoria de Planejamento. Produto Interno
Bruto PIB/MS 1980/97.
(PMDB); de 1989 a 1992, voltou Lúdio Martins Coelho e, em 1993, novamente,
Juvêncio Cesar da Fonseca, ficando até 1996. Desde 1997, o prefeito é André
Puccinelli, também do PMDB.
3.1.2 Educação em Campo Grande
De acordo com o relatório de programas e projetos desenvolvidos pela rede
municipal de ensino, verificamos que, no período 1989-1992, as ações da Secretaria
Municipal de Educação da capital estiveram concentradas na expansão da rede física
dos estabelecimentos, quando foram ampliadas 30 escolas, construídas 21 e
reformadas 73. Ainda conforme o relatório, houve investimento em cursos e
treinamentos para capacitação de recursos humanos e a elaboração e implementação
de um plano plurianual, que contou com a participação de representantes do
magistério, sindicato da classe e de instituições ligadas à educação. Nesse período,
foi implantado o Laboratório de Currículo, visando a se buscarem alternativas nas
diversas áreas de ensino, na linha do Construtivismo.
Conforme se verifica através dos índices de matrícula, naquele espaço de
tempo, houve evolução em todos os níveis de ensino, mas o destaque foi no médio,
que passou de 583, matrículas em 1984, para 1.753 em 1991, o que foi justificado,
pelo plano, devido à perda de poder aquisitivo da classe média, que passou a
demandar ensino médio na rede pública. O relatório constatou, ainda, que, como essa
demanda foi maior do que a oferta, as salas de aula ficaram superlotadas.
O ensino pré-escolar também apresentou, nesse período, defasagem entre a
demanda por vagas e capacidade de atendimento, sendo que, até 1991, a
escolarização de cinco a seis anos não ultrapassou 46% da população dessa faixa
etária. Já no ensino fundamental, apesar de ele ter apresentado déficit de vagas, a
expansão, nessa fase, foi constante.
Em 1993, voltou ao governo Juvêncio Cesar da Fonseca, e sua administração
foi caracterizada pela implantação do Programa da Qualidade e Produtividade na
Gestão. Conforme documento da SEMED, a educação inserir-se-ia nessa proposta,
que visaria à “excelência em todos os aspectos, tendo como princípio básico o
gerenciamento de mudanças”, buscando um ideal de “qualidade, beneficiado nosso
cliente imediato”.112
Ainda em 1993, iniciaram-se as discussões do Plano Decenal de Educação
nas redes estadual e municipal de ensino. Em 1994, nas escolas da rede estadual,
foram realizados debates para construção do plano por escola. Esses planos foram
compatibilizados pelos técnicos dos núcleos, para a elaboração do Plano Decenal em
nível de núcleo.
Já a rede municipal realizou um estudo, através de seus técnicos, que foi
apresentado aos diretores de escola no I Seminário dos Administradores Escolares da
REME. Foi iniciado, também, o processo de discussão, nas escolas, para a
elaboração do plano por escola, que culminou com o II Encontro Municipal do Plano
Decenal, realizado em junho de 1994. De junho a julho daquele ano, os relatórios
foram compatibilizados e organizados em um documento113 seguindo orientação
nacional.
O Plano de Educação 1995-1996 apresentou, dentre seus objetivos,
“implementar a política educacional do município fundamentada no programa de
qualidade e produtividade” e “viabilizar a implementação e o gerenciamento de
propostas pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento integral do aluno”. Dentre
as metas, além da implementação gradativa do Projeto da Qualidade da Rede
Municipal de Ensino, que era coerente com o referencial de qualidade e
produtividade daqueles objetivos, havia a “promoção de uma visão crítica contínua
nos currículos dos cursos de ensino básico e superior propondo o resgate de valores
morais, éticos e humanos”, o que era parte de outro referencial de política
educacional. Isso demonstra que, mesmo entre a equipe dirigente da Secretaria
Municipal de Educação, havia, pelo menos, indícios de disputas por projetos de
política diferentes.
No que se refere à melhoria da qualidade da aprendizagem, foram fixados
percentuais como meta. O item reprovação, por exemplo, deveria ter uma redução de
5% como meta para o biênio; o nível de aprendizagem deveria melhorar em 80%,
tendo como base os PCN. As estratégias de ação propostas foram, basicamente,
112 Secretaria Municipal de Educação. Relatório 1983-1993. 113 Secretaria Municipal de Educação. Plano Decenal de Educação para todos – Relatório Final do Município de
Campo Grande 1993-2003. Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
cursos para professores, expansão da rede física e elaboração de instrumentos de
avaliação, além de implantação gradativa do pré-escolar na Rede Municipal de
Ensino.
O Plano de Ação a Curto Prazo 1997 previa, entre outras, algumas ações de
gerenciamento, como a reorganização do quadro de pessoal do Órgão Central,
reduzindo-o em cerca de 30%, a parceria com a Secretaria Estadual de Educação para
o atendimento à demanda da pré-escola e do ensino fundamental de 1ª a 8ª série e a
efetivação do repasse de recursos financeiros diretamente às escolas, para a
manutenção dos estabelecimentos, aquisição de materiais e realização de pequenos
reparos. Como o Plano não apresentou o modo como implementaria as ações e nem o
relatório de sua efetivação, até o momento, podemos registrá-las apenas como metas.
É importante assinalarmos que, em 1997, a SEMED apresentou um
regimento padrão que deveria ser implementado pelas escolas. A elaboração do
documento não foi discutida entre os membros dos estabelecimentos de ensino,
assim como não houve adaptações às realidades escolares: todas as escolas deveriam
seguir o mesmo regimento.
Não houve discussão, também, quando da implementação do Sistema
Municipal de Ensino, que foi criado pelo Prefeito André Puccinelli através da lei
3.404, de dezembro de 1997. Porém, até agosto de 1998, quando foram coletados os
dados para a pesquisa, em Campo Grande, não havia se verificado nenhum
movimento para que ocorresse, de fato, a sua implementação do Sistema.
A lei de criação do Fundo prevê a existência do Conselho Municipal de
Educação, que também só existe na lei,114 não tendo sido, ainda, posto em prática.
O Plano de 1998 propunha a construção de novas salas de aula e o aumento
de alunos por sala, com o objetivo de “colocar nossas unidades escolares em um
plano compatível com o desenvolvimento nacional”. Por coincidência, em 1998,
iniciou-se o FUNDEF, e verificamos que uma das estratégias do Plano era,
justamente, aumentar-se o número de alunos por sala, com o propósito de se
assumirem novas matrículas e, assim, receber-se mais verba do Fundo.
114 Lei número 3.438, de 13 de janeiro de 1998.
Tabela 3.1
Número de regentes de classe da rede municipal de Campo Grande – 1997 e 1998
Pré Fundamental Médio Total
1997 103 2182 110 2395
1998 127 2032 45 2204
Fonte: SEMED/CG Informática
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.2
Matrícula da rede municipal de ensino de Campo Grande 1997 e 1998
Pré Fundamental Médio Total
1997 3.002 47.805 2981 53.788
1998 3.265 52641 1584 57.490
Fonte: SEC/MS Informática
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.3
Número de alunos por professor na rede municipal de ensino de Campo Grande – 1997 e 1998
Pré Fundamental Médio Total
1997 29 22 27 22
1998 26 26 35 26
Fonte: SEC/MS e SEMED/CG Informática
Tabela elaborada pela autora
É possível verificarmos que, de 1997 para 1998, aumentou o número de
alunos do ensino fundamental, de 47.805 para 52.641, e diminuiu o número de
professores de 2.395 para 2.204, justamente no ano de implantação do FUNDEF.
Apesar de o FUNDEF ser um plano de valorização do magistério, na prática,
com o Plano de Carreira criado pela lei complementar municipal 19, de 15 de julho
de 1998, o adicional por tempo de serviço foi reduzido de 10% para 5%, a cada
cinco anos de trabalho. Além disso, os professores perderam o direito à licença-
prêmio, e a eleição direta para diretores da rede, que era uma reivindicação antiga
dos docentes, foi negada. O Plano de Carreira prevê, em seu capítulo III, art. 8 , que
“os cargos em comissão de direção de escola são de livre nomeação e exoneração do
Prefeito Municipal, mediante indicação do titular da pasta”.
Outra importante perda que se deu em função do FUNDEF registrou-se
através da emenda115 ao art. 171 da Lei Orgânica do Município, reduzindo-se de 30%
para 25% o percentual mínimo de aplicação na manutenção e desenvolvimento do
ensino. O mesmo aconteceu através da emenda à Constituição Estadual116, que
também reduziu esses recursos de 30% para 25%. O art.198 da Carta passou a ter a
seguinte redação: “A manutenção e o desenvolvimento do ensino do Estado far-se-á
mediante a aplicação dos dispositivos contidos na Constituição Federal”.
O Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo
(CMAS/FUNDEF/CG) foi criado pela lei n.º 31, de 19 de novembro de 1997.
Conforme o art. 2º, da Lei o Conselho seria composto por seis membros titulares e
por igual número de suplentes: um representante da Secretaria Municipal de
Educação, um do Conselho de Diretores da Rede Municipal, um representante dos
professores, indicado pelo sindicato da categoria, um representante da Associação de
Pais e Mestres e um representante dos servidores do grupo administrativo com
efetivo exercício nas unidades escolares. Conforme o presidente da ACP (Sindicato
Campo-Grandense dos Profissionais de Educação Pública), não houve eleição para
escolha do pai que representaria a Associação de Pais e Mestres, como era a proposta
do Sindicato. O representante dos pais foi indicado pelos diretores, que são
escolhidos pelo Prefeito.
O regimento do CMAS foi aprovado através do decreto n.º 7.677, de 07 de
julho de 1998. O regimento deveria ter sido elaborado pelo Conselho, mas, conforme
presidente da ACP, ele foi escrito pela Coordenadoria Geral dos Conselhos, que é
vinculada ao Executivo Municipal. Essa Coordenadoria, além de elaborar os
regimentos, não só do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo,
mas de todos os conselhos, é responsável, também, pelas atas, o que é questionável,
dado que o Conselho deveria ser autônomo. O regimento foi, portanto, aprovado e
submetido ao Conselho para emendas, mas não foi elaborado de acordo com o que
consta no seu art. 2. O CMACS/FUNDEF-CG também foi atrelado à Secretaria
Municipal de Educação. Como constatamos no art. 1 de seu regimento interno, o
Conselho é um órgão colegiado, de caráter permanente e fiscalizador, vinculado à
115 Emenda à lei orgânica municipal n.º 8/98, de 19 de junho de 1998. 116 Emenda Constitucional nº7/98, de 02 de julho de 1998.
Secretaria Municipal de Educação. Além disso, no art. 29 do documento, está escrito
que
Compete à Secretaria Municipal de Educação - SEMED,
providenciar a elaboração de Recursos Humanos, Materiais e
Financeiros, necessários ao pleno funcionamento e
representação do CMACS/FUNDEF-CG, da Secretaria e
Executiva e das Comissões Técnicas e Grupos de Trabalho
(Regimento Interno do CMACS/FUNDEF-CG, parágrafo
único do art. 29).
Os dados referentes:
1. à nomeação de diretores pelo Executivo, ao invés da realização de eleições diretas;
2. à implantação do Sistema Municipal de Educação sem ter havido discussão
nenhuma, tanto com os professores como com entidades vinculadas à educação;
3. ao Conselho Municipal, que existe apenas no papel;
4. ao repasse de dinheiro para as escolas para despesas básicas, o que não foi
implementado até o momento de elaboração da pesquisa;
5. à atrelagem do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do
Fundo, assim como dos outros conselhos municipais, ao Executivo; e
6. ao regimento escolar, que não está de acordo com a realidade escolar e tampouco
foi discutido, sendo padrão para toda a rede,
traçam um perfil de gestão de pouca participação efetiva da comunidade escolar nas
decisões relativas à política educacional do Município, na década de noventa.
3.1.3 A autonomia financeira do município Tabela 3.4
Receita de Impostos e Transferências do município de Campo Grande
e estimativa da receita vinculada a educação – 1988-1997
R$1,00
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997
Receita Própria 22.754.928,18 23.780.358,10 31.855.363,93 50.207.876,05 31.238.389,29 24.660.031,86 29.680.391,26 62.230.245,15 61.743.317,22 60.271.016,23
IPTU 10.493.306,84 2.958.093,89 6.196.410,41 23.903.600,53 10.921.644,32 5.777.087,14 4.778.410,48 36.044.567,90 35.233.504,87 32.925.897,68
ISSQN 12.261.621,34 11.776.070,17 16.683.594,04 17.755.637,32 14.509.592,72 12.816.190,98 17.961.218,74 19.680.647,60 20.590.931,89 21.556.057,82
ITBI 0,00 6.684.685,34 4.639.676,14 3.954.213,76 2.951.961,36 3.030.910,83 3.823.026,20 5.094.916,49 4.352.984,60 5.327.238,56
IVVC 0,00 2.361.508,70 2.881.894,49 2.815.053,05 2.855.190,89 3.035.842,91 3.117.735,83 1.410.113,15 35.233.504,87 0,00
0,00 0,00 1.453.788,85 1.779.371,39 0,00 0,00 0,00 0,00 1.510.783,21 461.822,17
Transferências da União 12.724.079,23 12.203.499,04 14.666.903,68 22.791.987,72 21.702.524,70 27.294.931,01 27.965.923,51 35.123.418,85 39.865.488,48 32.750.812,73
FPM 10.350.522,45 10.754.356,52 14.634.076,52 13.905.461,45 14.328.664,81 18.125.748,98 16.550.583,41 20.370.982,78 20.745.683,36 21.729.657,94
IRRF 1.311.633,46 1.285.337,05 0,00 0,00 1.175.242,72 1.482.993,94 1.469.875,74 3.691.080,72 3.048.701,31 1.980.397,15
ITR 83.769,29 30.995,05 7.831,06 49.694,84 0,00 127.143,02 10.663,13 27.286,26 272.085,59 209.116,26
Transferências do Estado 16.354.885,59 19.093.953,89 35.838.159,16 43.577.592,87 42.993.364,26 38.882.820,85 35.290.359,90 43.619.695,74 53.324.968,83 45.480.271,16
ICMS 13.202.251,08 18.158.559,68 34.573.314,98 41.533.640,25 39.475.619,19 35.986.990,36 30.999.361,02 37.388.416,09 36.074.923,05 33.963.061,52
IPVA 1.535.078,01 790.795,90 1.035.432,06 2.043,56 3.517.745,06 2.894.021,83 4.290.998,89 6.231.279,65 8.620.124,61 9.302.217,54
Div. At. +multa juros mora 2.993.398,40 5.220.626,05 4.346.938,02 7.432.415,45 5.190.880,22 9.329.479,88 4.314.200,86 8.184.653,16 8.058.554,05 10.823.191,76
Total 54.827.291,40 60.298.437,08 86.707.364,78 124.009.872,09 101.125.158,47 100.167.263,61 97.250.875,53 149.158.012,89 162.992.328,58 149.325.291,87
30% - Educação 16.448.187,42 18.089.531,12 26.012.209,44 37.202.961,63 30.337.547,54 30.050.179,08 29.175.262,66 44.747.403,87 48.897.698,57 44.797.587,56
25% - Educação 13.706.822,85 15.074.609,27 21.676.841,20 31.002.468,02 25.281.289,62 25.041.815,90 24.312.718,88 37.289.503,22 40.748.082,15 37.331.322,97
Fonte: Balanço Geral do Município de Campo Grande, 1988-1997
Obs. Em 1988 o ITBI e o IVVC eram transferências da União e não receita tributária própria
Tabela elaborada pela autora
16
7
171
Gráficos 3.1 e 3.2
Referentes à Tabela 3.4
É possível percebermos que, durante os anos 90, houve um aumento da
receita de impostos e transferências, que não foi contínuo: observamos uma elevação
em 1991, uma queda nos anos de 1992 a 1994 e uma nova elevação a partir de 1995,
sendo que, em 1997, a receita voltou a cair.
A receita própria do município de Campo Grande tem apresentado uma
elevação constante desde 1995. Contudo, as transferências da União reduziram-se,
de R$ 39.865.488,48 em 1996, para R$ 32.750812,73, em 1997 com uma perda de
R$ 7.114.675,75, sendo que a previsão de recursos, para 1998, era de
R$ 24.250.000,00, com uma perda de R$ 15.615.488,48 em relação a 1996. As
transferências do Estado sofreram uma redução, de 1996 para 1997, de R$
7.844.697,67, sendo que, em 1998, a previsão era de uma perda menor, de
R$ 224.968,83 em relação a 1996. Como conseqüência, os 30% que seriam
30% - Educação
0,00
10.000.000,00
20.000.000,00
30.000.000,00
40.000.000,00
50.000.000,00
60.000.000,00
1988
1990
1992
1994
1996
1998
30% - Educação
% elementos de receita CG
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
1988
1990
1992
1994
1996
1998
% Receita Própria
% Transf. União
% Transf. Estado
Div. At. +multa
juros mora
171
destinados à educação sofreram o mesmo processo de queda de 1997 e 1998, se
comparados a 1996, como verificamos na Tabela 3.4 e no gráfico 3.2.
3.1.4 Percentuais gastos em educação: na União, Mato Grosso do Sul e Campo
Grande117
Tabela 3.5
Percentual da despesa em educação na despesa total
no Mato Grosso do Sul – 1988-1998
Ano Despesa total despesa educação %
1988 1.217.277.038,28 192.835.219,48 15,84%
1989 1.186.326.104,25 179.590.883,88 15,14%
1990 1.367.829.613,14 282.474.286,53 20,65%
1991 1.300.484.463,05 299.720.230,48 23,05%
1992 1.056.421.975,26 237.979.716,36 22,53%
1993 1.173.198.050,09 203.778.240,22 17,37%
1994 1.527.124.860,92 225.428.533,97 14,76%
1995 1.126.292.661,28 216.511.492,77 19,22%
1996 1.266.962.456,91 243.937.659,10 19,25%
1997 1.187.202.725,50 164.568.367,82 13,86%
1998 1.629.553.900,00 208.470.400,00 12,79%
Fonte: Balanço geral da União, Estado e Município,1988 a 1997 e Orçamento Geral
da União, Estado e Município, 1998. Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio 98 Tabela elaborada pela autora
Através da Tabela 3.5, constatamos uma queda da despesa em
educação relacionada à despesa total nos últimos anos, culminando com o orçamento
de 1998, ano de implantação do FUNDEF, quando se verificou uma queda de 10,26
pontos percentuais em relação ao pico dessa despesa, em 1991. Nos anos de 90 a 96,
as despesas em educação ficaram na faixa dos 200 milhões. Considerando-se 1988-
1997, houve uma diminuição de 17%.
Tabela 3.6
117 Para verificar a despesa em educação comparada percentualmente às outras funções ver Tabela 3.52 (Despesa
por função Campo Grande).
171
Percentual da despesa em educação na despesa total
em Campo Grande - 1988-1998
Ano Despesa total despesa educação
1988 167.713.206,13 22.900.766,69 13,65%
1989 71.086.982,71 19.444.524,01 27,35%
1990 106.262.151,71 22.100.222,79 20,80%
1991 160.014.564,96 34.123.776,32 21,33%
1992 133.555.703,97 33.802.404,03 25,31%
1993 145.350.523,56 33.317.590,06 22,92%
1994 135.469.741,53 30.471.655,91 22,49%
1995 212.385.442,15 44.546.736,56 20,97%
1996 209.590.364,39 48.196.527,83 23,00%
1997 164.005.480,70 43.427.231,53 26,48%
1998 256.000.000,00 59.187.500,00 23,12%
Fonte: Balanço geral do Município,1988 a 1997 e Orçamento Geral do Município, 1998 Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio 98
Tabela elaborada pela autora
Já quanto à despesa com educação em Campo Grande, verificamos que o
percentual de crescimento de 1988-1997 foi de 89,63%. O ano de pico da despesa foi
o de 1989, quando ela representou 27,35% do total dos gastos. Em 1997, o índice,
que estava em torno de 21%, voltou a crescer, chegando a 26,48%. Em 1998, ano de
implantação do FUNDEF, a estimativa do orçamento demonstrava uma proporção
menor das despesas em educação relativamente a 97, ainda que Campo Grande
tivesse sido beneficiada com o Fundo em R$ 9.609.692,46.
Tabela 3.7
Percentuais das despesas em educação sobre a despesa total
da União, Mato Grosso do Sul e Campo Grande – 1988-1998
% União % MS % CG
1990 2,35% 20,65% 20,80%
1991 4,40% 23,05% 21,33%
1992 2,67% 22,53% 25,31%
1993 2,72% 17,37% 22,92%
1994 3,44% 14,76% 22,49%
1995 3,82% 19,22% 20,97%
1996 3,22% 19,25% 23,00%
1997 2,67% 13,86% 26,48%
1998 2,41% 12,79% 23,12%
Fonte: Balanço geral da União, Estado e Município, 1988 a 1997 e Orçamento Geral da União, Estado e
Município, 1998.
Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio 98 Tabela elaborada pela autora
Gráfico 3.3
Referente as Tabelas 3.5, 3.6 e 3.7
171
Comparando os dados da União, os do Estado do Mato Grosso do Sul e os do
município de Campo Grande, verificamos que a cidade tem tido uma participação
maior nas despesas, proporcionalmente ao Estado do MS, em relação à despesa total,
no decorrer desses últimos dez anos. Nos anos de 1995 e 1996, a despesa em
educação, comparada à despesa total, foi, praticamente, a mesma no Estado e no
município, e, em 1997, a do município apresentou um aumento, enquanto a do estado
diminuiu. Já em 1998, ano de implantação do FUNDEF, tanto Estado como
município reduziram seus gastos. A despesa da União, por sua vez, esteve,
proporcionalmente, sempre muito abaixo da de ambos.
% despesa educação
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
% União
% MS
% CG
3.1.4.1 Percentuais gastos por nível de ensino
Tabela 3.8
Despesas por programa de trabalho
Secretaria de Educação – Mato Grosso do Sul – 1988-1988
R$ 1,00 Educação Administração Educação 0 a 6 Ensino Fundamental Ensino Médio Educação Especial Ensino
Superior
Outros
1988 192.835.219,48 169.607.432,50 76.229,26 6.960.656,93 1.036.304,84 146.712,68 192.835.219,48
1989 179.590.883,88 156.349.081,37 0,00 7.759.437,80 1.250.138,96 525.746,51 179.590.883,88
1990 282.474.286,53 238.094.369,92 186.779,48 5147410,518 1.914.250,25 310.004,37 282.474.286,53
1991 299.720.230,48 196.776.441,59 651.413,90 1.319.424,37 1.286.394,32 276.648,21 299.720.230,48
1992 237.979.716,36 206.367.678,55 0,00 0,00 6.623.618,02 0,00 237.979.716,36
1993 203.778.240,22 188.079.531,47 0,00 0,00 1.202.912,76 0,00 203.778.240,22
1994 225.428.533,97 187.433.153,28 8.292.266,68 0,00 375.498,67 0,00 5.167.166,21 225.428.533,97
1995 216.511.492,77 184.460.123,21 5.635.736,05 0,00 0,00 0,00 6.326.008,14 216.511.492,77
1996 243.937.659,10 205.156.563,30 4.360.292,99 0,00 0,00 0,00 8.860.236,05 243.937.659,10
1997 164.568.367,82 143.297.367,30 2.838.159,06 0,00 0,00 0,00 7.192.584,39 164.568.367,82
1998 208.470.400,00 151124100 8327900 17580900 5191700 10.575.200,00 208.470.400,00
Fonte: Balanço geral do Estado 1988-1997 e Orçamento Anual 1998 Tabela convertida pelo IGP-DI valores de maio 98
O ensino superior é assumido pela rede estadual a partir de 1994.
Tabela elaborada pela autora
17
2
173
Ao visualizarmos a Tabela 3.8, torna-se gritante a ausência de dados
relativos às despesas por programa de trabalho, nos balanços estudados, do Estado do
Mato Grosso do Sul. A educação de 0 a 6 não foi contemplada nos balanços de 1989,
1992 e 1993, o ensino fundamental não constou dos balanços de 1992 a 1997, o
ensino médio esteve ausente de 1995 a 1997 e a educação especial, de 1992 a 1997.
Em frente dessa aberrante falta de transparência do emprego do dinheiro público
destinado à educação, resta-nos alertar os educadores para a importância do controle
dessas verbas, como já ressaltamos no início do item Financiamento, do capítulo 2.
Tabela 3.9
Despesas por programa de trabalho
Secretaria Municipal de Educação – Campo Grande 1988-1998
Ano Administração Educação 0 a 6 Fundamental Ensino Médio Educação Especial Outros Total
1988 458.327,78 1.145,10 20.941.588,23 1.344.127,67 155.577,92 22.900.766,69
1989 359.726,09 17.335.111,12 1.637.146,88 112.539,93 19.444.524,01
1990 20.951.154,04 608,03 1.143.989,35 4.471,37 22.100.222,79
1991 32.916.238,45 900.472,08 2.014,39 114,45 303.243,01 1.693,92 34.123.776,32
1992 30.598.434,79 217.768,14 1.907.060,24 9.907,65 170.037,21 899.196,00 33.802.404,03
1993 28.876.610,09 362.916,75 3.735.461,94 2.751,32 84.083,83 255.766,14 33.317.590,06
1994 21.027.948,43 2.213.215,69 3.926.913,89 1.774.749,97 1.528.827,94 30.471.655,91
1995 28.175.348,14 2.078.074,54 10.342.673,21 1.409.947,68 2.540.692,98 44.546.736,56
1996 30.822.014,09 411.709,12 14.187.369,54 32.168,64 2.743.266,44 48.196.527,83
1997 32.094.016,02 302.905,46 4.556.249,24 55.143,49 6.418.917,32 43.427.231,53
Fonte: Balanço Geral do Município (1988-1997) e Orçamento 1998 (Programa de Trabalho - Secretaria Municipal de Educação)
Nota: os dados foram inflacionados pelo IGP-DI, a preços de maio/98
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.10
Distribuição das despesas da Secretaria Municipal de Educação por programa de trabalho
Ano Administração Educação 0 a 6 Fundamental Ensino Médio Educação Especial Outros
1988 2,00% 0,01% 91,44% 5,87% 0,00% 0,68%
1989 1,85% 0,00% 89,15% 8,42% 0,00% 0,58%
1990 94,80% 0,00% 5,18% 0,00% 0,00% 0,02%
1991 96,46% 2,64% 0,01% 0,00% 0,89% 0,00%
1992 90,52% 0,64% 5,64% 0,03% 0,50% 2,66%
1993 86,67% 1,09% 11,21% 0,01% 0,25% 0,77%
1994 69,01% 7,26% 12,89% 0,00% 5,82% 5,02%
1995 63,25% 4,66% 23,22% 0,00% 3,17% 5,70%
1996 63,95% 0,85% 29,44% 0,00% 0,07% 5,69%
1997 73,90% 0,70% 10,49% 0,13% 0,00% 14,78%
Fonte: Balanço Geral do Município (1988-1997) e Orçamento 1998 (Programa de Trabalho - Secretaria Municipal de Educação)
Nota: os dados foram inflacionados pelo IGP-DI, a preços de maio/98
Tabela elaborada pela autora
17
4
185
Os dados referentes à administração incluem pagamento de pessoal, e,
portanto, as rubricas 0 a 6, fundamental e médio não refletem a despesa total gasta
em cada um destes níveis. Verificamos que, em alguns anos, não está discriminado o
gasto com ensino médio, de 0 a 6 ou especial, e, como esses níveis não deixaram de
existir nesse período, supomos que deixaram, simplesmente, de ser discriminados, o
mesmo tendo ocorrido nos balanços do Estado do MS, o que dificulta, em muito, o
trabalho de análise dos dados. Essa falta de cuidado para com a discriminação dos
dados indica também que, historicamente, pouco tem sido cobrado de transparência
para com o dinheiro público.
186
3.1.5 Municipalização, estadualização ou privatização? O grande movimento de
matrículas em Campo Grande
Tabela 3.11
Matrícula Inicial na Pré-escola, por dependência administrativa, Mato Grosso do Sul 1988-1998 ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR FEDERAL TOTAL
1988 10.805 33,41% 9.907 30,63% 11.566 35,76% 64 0,20% 32.342
1989 11.652 34,14% 11.063 32,42% 11.323 33,18% 89 0,26% 34.127
1990 11.101 31,87% 11.289 32,41% 12.236 35,13% 201 0,58% 34.827
1991 11.296 31,66% 12.258 34,36% 11.872 33,28% 249 0,70% 35.675
1992 11.691 31,96% 13.720 37,51% 10.975 30,01% 189 0,52% 36.575
1993 11.516 27,35% 17.028 40,45% 13.506 32,08% 51 0,12% 42.101
1994 11.693 26,17% 19.100 42,75% 13.864 31,03% 26 0,06% 44.683
1995 11.720 24,63% 19.837 41,70% 15.988 33,61% 31 0,07% 47.576
1996 11.689 23,88% 20.979 42,86% 16.246 33,19% 35 0,07% 48.949
1997 13.233 27,35% 21.800 45,06% 13.347 27,59% 0 0,00% 48.380
1998 1.699 4,44% 24.186 63,20% 12.383 32,36% 0 0,00% 38.268
Fonte: Coordenadoria de Estatística/COGEP/SED MS (1989-1998)
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.12
Matrícula Inicial Pré-Escola –por dependência administrativa, Campo Grande 1988-1998 ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 2527 25,10% 1.474 14,64% 6.068 60,26% 10.069
1989 2609 25,22% 1.493 14,43% 6.244 60,35% 10.346
1990 2460 23,57% 1.290 12,36% 6.689 64,08% 10.439
1991 2502 23,46% 1.621 15,20% 6.540 61,33% 10.663
1992 2632 24,33% 1.897 17,54% 6.287 58,13% 10.816
1993 2551 21,24% 2.099 17,47% 7.363 61,29% 12.013
1994 2806 22,63% 2.230 17,99% 7.362 59,38% 12.398
1995 2699 20,05% 2.233 16,59% 8.529 63,36% 13.461
1996 2682 18,87% 2.176 15,31% 9.358 65,83% 14.216
1997 4469 31,52% 3.002 21,17% 6.708 47,31% 14.179
1998 1616 14,26% 3.265 28,82% 6449 56,92% 11.330
Fonte: Coordenadoria de Estatística/COGEP/SED MS (1989-1998)
Tabela elaborada pela autora
Gráfico 3.4
Referente à Tabela 3.11
187
Gráfico 3.5
Referente à Tabela 3..12
A matrícula total na pré-escola no MS apresentou um crescimento pequeno,
mas constante, durante o período 1988-1997; já em 1998, registraram-se 534
inscrições a menos.
A matrícula total na pré-escola em Campo Grande apresentou um
crescimento de 13% durante o período de 1988-1997, a rede municipal, nesses dez
anos, cresceu 122% e a particular, 6%. Houve, ainda, uma diminuição de 2.849
matrículas na rede estadual, o que corresponde a menos 36%, número mais
significativo do que o do total do Estado do MS. Destacamos que 1998 foi o ano de
implantação do FUNDEF, fundo que não contempla a educação infantil.
Ao analisarmos a matrícula por dependência administrativa em Campo
Grande, verificamos que o ensino particular apresentou um pequeno aumento, de
Matrícula inicial por dependência
administrativa- MS - Pré-escola
55.005
10.00515.00520.00525.00530.005
1988
1990
1992
1994
1996
1998
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
FEDERAL
Matrícula inicial por dependência
administrativa - CG - Pré-escola
10003000500070009000
11000
1988
1990
1992
1994
1996
1998
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
188
6%, a rede estadual teve uma diminuição de 36%, enquanto a rede municipal cresceu
122%. Porém, em 1998, a rede estadual deixou de oferecer 2.853 vagas, que não
foram absorvidas pela rede municipal, que aumentou a oferta, somente, em 263
matrículas. Isso significa que 2.590 crianças deixaram de ser atendidas pelo setor
público em Campo Grande, provavelmente como conseqüência da implantação do
FUNDEF.
Tabela 3.13
Taxa de crescimento da população/ taxa de crescimento da matrícula/ taxa de escolarização na pré-
escola, crianças de 5/6 anos, Campo Grande, 1991/1996
Ano População matrícula taxa esc.
Total particular estadual municipal
1991 23.722 7.896 3.941 2.370 1.585 33,29%
1996 24.076 9.810 5.055 2.619 2.136 40,75%
taxa. Cresc. 1,49% 24,24% 28,27% 10,51% 34,76% 22,41%
Fonte: IBGE e SEC/MS Informática
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.14
Matrícula Inicial Ensino Fundamental por dependência administrativa – Mato Grosso do Sul – 1988-1998
ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR FEDERAL TOTAL
1988 230196 62,26% 101.000 27,32% 37.475 10,14% 1082 0,29% 369.753
1989 239036 61,44% 110.698 28,45% 38.217 9,82% 1122 0,29% 389.073
1990 244886 61,61% 110.621 27,83% 40.768 10,26% 1185 0,30% 397.460
1991 243874 60,38% 114.837 28,43% 43.636 10,80% 1549 0,38% 403.896
1992 249928 60,25% 123.102 29,68% 40.380 9,73% 1417 0,34% 414.827
1993 247068 57,29% 140.581 32,60% 43.101 9,99% 513 0,12% 431.263
1994 239622 55,37% 149.259 34,49% 43.282 10,00% 585 0,14% 432.748
1995 233287 54,24% 148.636 34,56% 47.393 11,02% 752 0,17% 430.068
1996 233653 53,96% 152.860 35,30% 45.694 10,55% 791 0,18% 432.998
1997 224596 50,96% 168.408 38,21% 46.461 10,54% 1289 0,29% 440.754
1998 233167 50,66% 184412 40,07% 42135 9,16% 511 0,11% 460.225
Fonte: Coordenadoria de Estatística/COGEP/SED MS (1989-1998)
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.15
Matrícula Inicial Ensino Fundamental por dependência administrativa - Campo Grande - 1988-1998
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 93 0,09% 51602 50,52% 31205 30,55% 19.244 18,84% 102.144
1989 105 0,10% 56456 51,30% 33.992 30,89% 19.487 17,71% 110.040
189
1990 0,00% 60182 52,54% 34.004 29,69% 20.353 17,77% 114.539
1991 0,00% 60694 51,41% 36.085 30,57% 21.277 18,02% 118.056
1992 0,00% 62291 50,88% 39.772 32,49% 20.361 16,63% 122.424
1993 0,00% 61835 49,01% 42.838 33,95% 21.491 17,03% 126.164
1994 0,00% 63292 49,48% 42.941 33,57% 21.677 16,95% 127.910
1995 131 0,10% 62167 48,51% 42.135 32,88% 23.726 18,51% 128.159
1996 265 0,20% 62208 48,08% 43.972 33,99% 22.931 17,72% 129.376
1997 457 0,34% 60557 45,71% 47.805 36,08% 23.673 17,87% 132.492
1998 511 0,37% 64328 46,34% 52641 37,92% 21324 15,36% 138.804
Fonte: Coordenadoria de Estatística/COGEP/SED MS (1989-1998)
Tabela elaborada pela autora
Comparando as Tabelas 3.14 e 3.15, verificamos que a matrícula total no
Mato Grosso do Sul cresceu 24%, enquanto que, em Campo Grande, cresceu 36%. A
rede estadual cresceu mais em Campo Grande (25%), do que no MS (1%); já a rede
municipal cresceu mais no MS (82%), do que em Campo Grande (69%). A rede
particular cresceu pouco nos dois entes federativos, com 12% no estado e 11% no
município.
Gráficos 3.6
190
Referente à Tabela 3.14
Gráfico 3.7
Referente à Tabela 3.15
Tabela 3.16
Taxa de crescimento da população/ taxa de crescimento da matrícula/ taxa de escolarização no ensino
fundamental, pessoas de 7-14 anos, Campo Grande, 1991/1996
Ano população Matrícula Taxa esc.
Total particular Estadual Municipal
1991 95.735 91.596 18.659 45.713 27.224 95,68%
1996 101.855 99.463 20.275 46.548 32.640 97,65%
tax. cresc. 6,39% 8,59% 8,66% 1,83% 19,89% 2,06%
Fonte: IBGE e SEC/MS informática
Tabela elaborada pela autora
Conforme a Tabela 3.16, a população de 7-14 anos cresceu 6,39%, e a
matrícula total dessa faixa etária, no período 1991-1996, elevou-se em 8,59%; tendo
Matrícula inicial por dep. adm. -
Campo Grande - Ensino Fundamental
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
Ano
s19
89
1991
1993
1995
1997
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
Matrícula inicial por dep. Adm. MS
ensino fundamental
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
1988
1990
1992
1994
1996
1998
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
FEDERAL
191
havido um acréscimo de 2,06% na taxa de escolarização, que passou de 95,68%, em
1991, para 97,65%, em 1995.
Lembramos que a taxa de escolarização refere-se apenas à população de 7 a
14 anos e que grande parte da demanda por escolarização nesse nível de ensino
ultrapassa essa faixa etária.
Tabela 3.17
Matrícula Inicial Ensino Médio por dependência administrativa – Mato Grosso do Sul - 1988-1998
ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR FEDERAL TOTAL
1988 28.678 67,31% 1.268 2,98% 12.661 29,72% 0 0,00% 42.607
1989 32.357 69,75% 1.575 3,40% 12.455 26,85% 0 0,00% 46.387
1990 34.016 71,57% 1.741 3,66% 11.770 24,76% 0 0,00% 47.527
1991 35.368 72,01% 1.949 3,97% 11.795 24,02% 0 0,00% 49.112
1992 39.662 74,09% 3.067 5,73% 10.801 20,18% 0 0,00% 53.530
1993 45.823 74,68% 3.724 6,07% 11.813 19,25% 0 0,00% 61.360
1994 51.210 75,31% 3.960 5,82% 12.833 18,87% 0 0,00% 68.003
1995 52.967 74,60% 3.485 4,91% 14.475 20,39% 70 0,10% 70.997
1996 57.055 76,11% 3.448 4,60% 14.322 19,10% 141 0,19% 74.966
1997 60.438 75,78% 3.465 4,34% 15.591 19,55% 262 0,33% 79.756
1998 66.655 79,01% 2.044 2,42% 15.339 18,18% 326 0,39% 84.364
Fonte: Coordenadoria de Estatística/COGEP/SED MS (1989-1998)
Tabela 3.18
Matrícula Inicial Ensino Médio por dependência administrativa – Campo Grande - 1988-1998
Anos FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 0,00% 6369 40,40% 1063 6,74% 8334 52,86% 15.766
1989 0,00% 8197 47,05% 1.285 7,38% 7941 45,58% 17.423
1990 0,00% 9251 52,54% 1.436 8,15% 6922 39,31% 17.609
1991 0,00% 10105 54,56% 1.680 9,07% 6736 36,37% 18.521
1992 0,00% 11401 55,90% 2.719 13,33% 6274 30,76% 20.394
1993 0,00% 12994 56,86% 3.213 14,06% 6647 29,08% 22.854
1994 0,00% 15298 59,19% 3.360 13,00% 7186 27,81% 25.844
1995 70 0,26% 15539 57,77% 3.058 11,37% 8233 30,61% 26.900
1996 141 0,51% 16279 58,67% 2979 10,74% 8347 30,08% 27.746
1997 262 0,86% 17700 58,33% 2981 9,82% 9399 30,98% 30.342
1998 326 1,03% 20783 65,50% 1584 4,99% 9037 28,48% 31.730
Fonte: Coordenadoria de Estatística/COGEP/SED MS (1989-1998)
Tabela elaborada pela autora
As matrículas no ensino médio no MS cresceram 98% nesses últimos dez
anos. O maior crescimento das matrículas ocorreu na rede estadual (132%). A rede
particular cresceu apenas 21%, e a rede municipal, de 1988 para 1998, cresceu 61%,
sendo que a segunda registrou um pequeno aumento em 1993 e 1994, voltando a
apresentar queda em 1997 e 1998. No ano de implantação do FUNDEF, houve uma
192
diminuição de 1.421 vagas na rede municipal no Mato Grosso do Sul, como podemos
visualizar no Gráfico 3.7:
Gráfico 3.8
Referente à Tabela 3.17
No município de Campo Grande, a rede estadual também preponderou quanto
ao ensino médio, tendo apresentado uma elevação de 226% de 1988 para 1998. A
rede particular foi a que menos cresceu no município, apenas 8%. A rede municipal
cresceu menos em Campo Grande (49%) do que no MS (61%). Nos anos de 1993 e
1994, essa rede apresentou um pequeno aumento, voltando a cair nos anos seguintes.
A rede municipal de Campo Grande também reduziu drasticamente suas matrículas
no ano de implantação do FUNDEF, representando menos 1.397 matrículas,
provavelmente mais uma conseqüência do Fundo, já que este se concentra apenas no
ensino fundamental. Podemos visualizar essa redução no Gráfico 3.8.
Gráfico 3.8
Referente a Tabela 3.18
Matr. In. Dep administ MS - Ensino médio
010000200003000040000500006000070000
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
FEDERAL
193
Matrícula inicial -Ensino Médio - Campo
Grande
05000
100001500020000250003000035000
Ano
s
1989
1991
1993
1995
1997
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
194
3.1.6 Indicadores de qualidade da educação
3.1.6.1 Gasto/aluno
Tabela 3.19
Gasto/aluno na rede estadual de Mato Grosso do Sul – 1988-1998
R$ 1,00
ano despesa matrícula gasto/
aluno
1988 192.835.219,48 269.679 715,00
1989 179.590.883,88 283.045 634,00
1990 282.474.286,53 290.003 974,00
1991 299.720.230,48 290.538 1.032,00
1992 237.979.716,36 301.281 790,00
1993 203.778.240,22 304.407 669,00
1994 225.428.533,97 302.525 745,00
1995 216.511.492,77 297.974 727,00
1996 243.937.659,10 302.397 807,00
1997 164.568.367,82 298.267 552,00
1998 208.470.400,00 301.521 691,00
Fonte: Matrículas, coordenadoria de estatística/COPEP/SED MS
e despesa Balanço geral do Estado 1988-1997 e Orçamento 1998
Tabela convertida pelo IGP-DI valores de maio 98 Tabelas do custo aluno (matriculas dividido pela despesa em educação)
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.20
Gasto/aluno na rede municipal de Campo Grande – 1988-1998
R$1,00
Ano despesa total despesa educação gasto/aluno
1988 167.713.206,13 22.900.766,69 687,07
1989 71.086.982,71 19.444.524,01 531,82
1990 106.262.151,71 22.100.222,79 599,31
1991 160.014.564,96 34.123.776,32 865,10
1992 133.555.703,97 33.802.404,03 747,68
1993 145.350.523,56 33.317.590,06 676,31
1994 135.469.741,53 30.471.655,91 613,59
1995 212.385.442,15 44.546.736,56 923,23
1996 209.590.364,39 48.196.527,83 965,28
1997 164.005.480,70 43.427.231,53 807,69
1998 256.000.000,00 59.187.500,00 872,83
Fonte: Matrículas, coordenadoria de estatística/COPEP/SED MS
e despesa Balanço geral do Estado 1988-1997 e Orçamento 1998 Tabela convertida pelo IGP-DI valores de maio 98
Tabela elaborada pela autora
195
Gráfico 3.9
Referentes às Tabelas 3.19 e 3.20
Para analisarmos o gasto/aluno em Campo Grande, dividimos o número total
de alunos do ensino municipal pela despesa da Secretaria Municipal de Educação do
ano correspondente. A obtenção do gasto/aluno no Mato Grosso do Sul seguiu o
mesmo processo, sendo dividida a despesa em educação dos respectivos balanços
pelo total de alunos matriculados na rede estadual.
Verificamos, pela Tabela 3.19, referente ao MS, que o ano de 1991 foi o que
apresentou o gasto/aluno maior, de R$ 1.032,00. Esse valor foi baixando nos anos
seguintes, chegando, em 1998, a R$ 691,00, sendo um pouco superior ao de 1997,
que foi de R$ 552,00.
O gasto/aluno em Campo Grande, até 1994, foi menor que o do Estado;
tendo subido consideravelmente em 1995, quando passou de R$ 613,00 para
R$ 923,23. Conforme verificamos na Tabela 3.20, o ápice foi em 1996, quando esse
gasto chegou a R$ 965,28; baixando, em 1997, para R$ 807,69. Para 1998, havia a
previsão de que ele aumentaria um pouco, passando para R$ 873,00. Porém, mesmo
com a destinação de mais de 9 milhões de recursos do FUNDEF, o gasto/aluno não
atingiu nem o patamar de 1996, quando não existia o Fundo.
Gasto-aluno MS/CG
0,00200,00400,00600,00800,00
1.000,001.200,00
1988
1990
1992
1994
1996
1998
CG
MS
196
3.1.6.2 Salário dos professores
Tabela 3.21
Vencimento básico dos professores da rede municipal de ensino de Campo Grande –25h – 1990-1998
R$1,00
Padrão 1990 1991 1992 1993 1995 1996 1997 1998
PH-1 144,66 152,21 135,58 136,75 134,22 179,89 163,89 163,66
PH-2 150,31 157,76 141,00 136,75 161,06 193,63 176,42 176,26
PH-3 153,20 174,13 155,10 104,94 233,55 221,13 201,48 207,97
PH-4 157,25 191,54 170,61 159,41 263,08 252,07 229,66 229,13
PH-5 172,87 210,70 187,67 175,36 289,92 277,28 252,63 252,04
PH-6 190,23 231,77 206,44 192,90 302,01 302,48 275,59 274,96
PH-7 209,18 254,95 227,08 212,19 315,43 313,94 286,03 297,87
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande Tabela convertida pelo IGP-DI valores de maio 98 Tabela elaborada pela autora
Antes de 1998
Ph1- professor leigo Plano de Carreira - 1998
Ph2- magistério Ph1- curso de nível médio
Ph3- licenciatura curta Ph2- curso de graduação (licenciatura plena)
Ph4- licenciatura plena Ph3- pós-graduação
Ph5- especialização (360h.) Ph4- pós-graduação - mestrado
Ph6- mestrado
Ph7- doutorado Ph5- pós-graduação - doutorado
O vencimento básico dos docentes em Campo Grande cresceu pouco e de
forma desigual entre os níveis de qualificação. O salário do professor com apenas
magistério subiu 13%, e o do professor com licenciatura plena subiu 46%, nos dez
anos estudados.
No gráfico que segue, podemos visualizar o movimento do salário, dos níveis
mínimo e máximo de qualificação, no período 90-98, conforme o plano de carreira
em Campo Grande:
Gráfico 3.10
Referente à Tabela 3.21
Vencimento básico professores 25
horas ph1 e ph7- Campo Grande
0,00100,00200,00
300,00400,00
1990
1991
1992
1993
1995
1996
1997
1998
PH-1
PH-7
197
3.1.6.3 Qualificação dos Professores
Tabela. 3.22
Qualificação dos professores da educação básica - 25h –
Campo Grande – 1997 e 1998
Níveis 1997 1998
PH-1 249 27% 213 21%
PH-2 60 7% 56 5%
PH-3 43 5% 45 4,%
PH4 380 41% 469 47%
PH-5 185 20% 220 22%
PH-6 1 0,1% 1 0,1%
SH-1 1 0,1% 3 0,3%
Fonte: SEMED/CG informática
Tabela elaborada pela autora
PH1- magistério 3 anos
PH2- magistério 4 anos
PH3- licenciatura curta
PH4- licenciatura plena
PH5- Pós-graduação
Ph6- Mestrado
Sh1- Professor leigo
Verificamos que, em 1997, 61,59% dos professores efetivos de Campo
Grande apresentavam qualificação (licenciatura plena e pós-graduação) e, em 1998,
68,52%; portanto, o número de professores qualificados subiu de 1997 para 1998,
mas a rede municipal ainda apresenta, em 1998, 31,48% dos professores com apenas
o curso magistério ou licenciatura curta.
198
3.1.6.4 Número de regentes de classe efetivos e contratados
Tabela 3.23
Número de regentes de classe por categoria funcional da rede municipal de Campo Grande – 1997 e
1998
efetivos Convocados total
1997 1601 752 2353
1998 1630 408 2038
Fonte: SEMED/CG informática Tabela elaborada pela autora
Conforme a Tabela 3.23, verificamos que, em 1997, 47% dos professores
regentes de classe em Campo Grande eram convocados e que 53% eram efetivos. Em
1998, diminuiu o número de convocados, que passaram a representar 25% do total
dos regentes de classe, enquanto que os efetivos totalizaram 75%. Mas, pelos
valores apresentados, constatamos que se reduziu, consideravelmente, o número de
professores regentes de classe, pois, de 2.353 em 1997, passou para 2.038 em 1998,
uma vez que menos professores foram convocados, mas não assumiu um
contingente igual ou superior de efetivos, provocando efeitos negativos sobre o
número de professores por aluno.
3.2 PORTO ALEGRE
3.2.1 Caracterização do município
Porto Alegre foi fundada em 1772, como paróquia de São Francisco.
Posteriormente, foi chamada de Porto dos Casais pelo povoamento de casais que
vinham da ilha dos Açores, em Portugal. Em 1773, a cidade passou a chamar-se
Nossa Madre de Deus de Porto Alegre e tornou-se capital da província de São Pedro
do Rio Grande do Sul.118
Em 1998, conta com uma população de 1.303.51 habitantes, um PIB de US$
8.640.682,49119 e uma média per capita anual de US$ 6.704,00; a capital é
118 Dados coletados na publicação Porto Alegre capital da democracia elaborado pela coordenação de
comunicação social da prefeitura de Porto Alegre em julho de 1997. 119 Os valores do PIB e PIBpc são referentes a 1996. Fonte: Secretaria de Industria e Comércio de
Porto Alegre.
199
considerada, por organismos internacionais, como a cidade de melhor padrão de vida
do País120.
A capital do Rio grande do Sul conta com um alto percentual de receita
própria, 46,98%, e a arrecadação do ICMS corresponde a 35,91% 121 da arrecadação
do Estado. O comércio e serviços correspondem a 96% da arrecadação do ICMS e a
indústria contribui com apenas 4% do total da arrecadação.122
Desde 1989 governada pelo Partido dos Trabalhadores, a capital do RS vem
aperfeiçoando processos de democratização da gestão pública. A principal ação nesse
sentido foi a implementação do Orçamento Participativo (OP), que se iniciou em
1989, com o objetivo de incentivar a organização independente e o respeito à
vontade popular.123
Em 1989, a população demandava obras e serviços, e o município estava com
98% da receita corrente comprometida com pagamento de pessoal. O governo, então,
resolveu discutir e decidir, com a comunidade, o problema, o que passou a nortear o
orçamento da cidade e seu plano de investimentos. Iniciava-se, assim, o Orçamento
Participativo.
Para se enfrentar o problema da falta de recursos, foi realizada uma grande
reforma tributária, com a progressividade na cobrança de impostos: “quem pode mais
paga mais, quem pode menos paga menos e quem não pode não paga”. A
progressividade124 e o maior rigor na fiscalização fizeram com que, já no segundo
ano, a arrecadação do município aumentasse 67%, o que permitiu concretizarem-se
as decisões do Orçamento Participativo. De 1988 a 1997, a arrecadação do IPTU125,
120 Em 1996, a ONU destacou a experiência do OP como uma das melhores 42 experiências de gestão
urbana do mundo. Durante a Conferência Habitat II, a Organização recomendou a prática de Porto
Alegre para os demais países. Em 1997, foi promovido o seminário internacional do OP e, como
conseqüência, Buenos Aires já iniciou o processo de discussão de OP e, em junho de 1998, trinta
vereadores e prefeitos espanhóis estiveram em Porto Alegre para acompanharem a segunda rodada do
OP com o objetivo de implantá-lo em suas cidades (Porto Alegre Agora, jornal da Administração
Popular de Porto Alegre, junho de 1998, ano X, p.6) 121 dado referente ao mês de agosto de 1996 ( Performance Fiscal, p. 4) 122 Fonte: Secretaria de Indústria e Comércio de Porto Alegre 123 Os dados referentes ao Orçamento Participativo são baseados na publicação Porto Alegre Capital
da Democracia, elaborada pela Coordenação de Comunicação Social da prefeitura de Porto Alegre em
julho de 1997. Os dados de 1998 foram coletados no Plano de Investimentos 1998, publicação
dirigida aos participantes da plenária do orçamento participativo do referido ano. 124 O IPTU tinha apenas duas alíquotas: 0,85% para uma quantidade ínfima de imóveis e 1,2% para a
grande maioria deles passando a ter alíquotas progressivas de 0,2% a 1,2%, de acordo com o valor
venal dos imóveis. 125 IPTU- Imposto Predial e Territorial Urbano
200
em Porto Alegre, cresceu 190%, a taxa de lixo, 240% e o ISSQN126, 108% em termos
reais127 (ver Tabela 3.25). Portanto, o Orçamento Participativo e a melhoria da
arrecadação estão relacionados, tanto porque foi essa a forma de a administração
viabilizar a demanda proposta no OP, quanto porque só com a base social organizada
e mobilizada através do OP foi possível a aprovação dessas medidas, ainda que
contrariando interesses econômicos e a Câmara de Vereadores oposicionista
(Augustin Filho, 1997).
No inicio, o OP enfrentou grandes dificuldades, pois a falta de vivência
democrática fazia com que poucas comunidades dele participassem, já que, além de
haver uma cultura clientelista, as instituições estavam desacreditadas. O
procedimento foi se aperfeiçoando, e a participação popular aumentou no decorrer
dos anos . Em 1989, apenas 150 associações de moradores participaram da primeira
experiência de discussão do orçamento, e, em 1997, mais de mil associações já
estavam envolvidas nesse processo. 128
As comunidades tiveram que chegar a acordos sobre as obras mais
necessárias, importantes e urgentes, o que foi um importante aprendizado, tanto para
a população que participava do processo, como para a administração municipal.
Assim, a sistemática foi sendo aperfeiçoada a cada ano.
Atualmente, a cidade está dividida em 16 regiões de acordo com critérios
geográficos, sociais e de organização comunitária. Em cada região, ocorrem duas
reuniões plenárias. Na primeira reunião, realizada no início de cada ano, a prefeitura
apresenta a prestação de contas do plano de investimentos do ano anterior e o plano
vigente. Nessa primeira plenária, os colegiados que serão formados para encaminhar
as discussões em cada região são eleitos.
126 ISSQN – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. 127 Conforme Meneghetti (1998, p. 18), “... no ano de 1996, a receita tributária de Porto Alegre
respondeu por 14% das receitas tributárias de todos os municípios gaúchos, e suas Transferências
Correntes abrangeram cerca de 38% de todos os municípios do RS”. 128 Número de pessoas que participaram do OP a cada ano:
1990 976
1991 3.694
1992 7.610
1993 10.735
201
Logo depois, iniciam-se as plenárias intermediárias, nas quais as
comunidades, de forma autônoma, apresentam as demandas e escolhem as
prioridades129 .
A fase seguinte é a de plenárias regionais, em que as comunidades
apresentam suas prioridades e elegem dois representantes por região para
participarem do Conselho do Orçamento Participativo. Os conselheiros aprovam a
proposta orçamentária da prefeitura, que é encaminhada para a Câmara de
Vereadores, e também elaboram o plano de investimentos para o ano seguinte.
Para se evitarem as disputas entre regiões, as prioridades são definidas
seguindo-se critérios traduzidos em cálculos matemáticos rigorosos. Esses critérios
consideram as desigualdades entre os bairros e regiões, observando:
1. a carência do serviço ou infra-estrutura urbana da região, recebendo maior
pontuação os bairros mais necessitados;
2. a população a ser beneficiada;
3. a coincidência entre a prioridade escolhida pela região e as prioridades definidas
pelo conjunto do Orçamento Participativo.
A partir de 1994, na gestão do Prefeito Tarso Genro, foram incluídas, no
processo, as Plenárias Temáticas: Circulação e Transporte, Desenvolvimento
Econômico e Tributação, Organização da Cidade e Desenvolvimento Urbano, Saúde
e Assistência Social e Educação, Cultura e Lazer. As Plenárias Temáticas seguem os
mesmos critérios das Plenárias Regionais. Por discutirem o todo da cidade e não as
prioridades por região, elas proporcionam a participação do movimento sindical e
das entidades ligadas aos temas.
A Plenária Temática Educação, Cultura e Lazer, no ano de 1998 estabeleceu
entre suas prioridades, a continuação do projeto SEJA (curso supletivo de
alfabetização de adultos), o auxílio a creches comunitárias e o MOVA (movimento
de alfabetização), sendo repassado, para a educação infantil e de adultos, o dinheiro
necessário para que esses setores da educação continuem funcionando apesar do
impacto do FUNDEF.
Em 1998, 20.000 pessoas participaram nas duas rodadas, reuniões
intermediárias e grupos temáticos e as prioridades escolhidas foram 1º) pavimentação
129 As prioridades apresentadas são cotejadas com as de outras regiões.
202
comunitária, 2) política habitacional, 3) saneamento básico, 4) saúde, 5) educação, 6)
áreas de lazer, 7) assistência social, 8) desenvolvimento econômico, 9) organização
da cidade, 10) esporte e lazer, 11) cultura, 12) transporte.
Na gestão do Prefeito Raul Pont, o processo foi, mais uma vez, aperfeiçoado,
com a inclusão do Plano Plurianual nas discussões do orçamento participativo, que é
elaborado no primeiro ano de mandato do prefeito e estabelece as diretrizes,
objetivos e metas da administração municipal para os quatro anos seguintes.
O Orçamento Participativo é responsável por gerir a totalidade dos
investimentos da prefeitura. Isso representa de 15% a 20% dos recursos, já que entre
60% e 70% é gasto com pessoal e, o restante destina-se ao custeio da máquina
administrativa.130
Além do Orçamento Participativo, no processo de gestão democrática
da Administração Popular destacam-se os Conselhos Municipais, que têm o objetivo
de formular políticas públicas.131
No Plano de Desenvolvimento Econômico do Município, são desenvolvidos
projetos, como o da Incubadora Empresarial Tecnológica, que fornece infra-
estruturas para a produção de novas tecnologias, e a Instituição Comunitária de
Crédito Portosol. Além disso, em conjunto com as universidades UFRGS e PUC/RS,
a Administração Popular desenvolve o projeto Tecnópole, que visa a se criarem as
condições necessárias para se tornar Porto Alegre um pólo científico e tecnológico.
Tabela 3.24 – Contabilidade Social , Porto Alegre, 1997
130 Alguns resultados já podem ser observados, principalmente nas regiões mais carentes da cidade,
como, por exemplo:
- a rede de esgoto, que, em 1989, atingia 46% da população em 1997, chegou a 85%;
- a pavimentação, que chegava, na média a 4km por ano, subiu para 30km anuais, através do projeto
Pavimentação Comunitária;
- com a construção de novas escolas, a matrícula municipal aumentou;
- em relação à saúde, estão sendo reequipadas 80 unidades sanitárias. 131 São eles: Conselho da Criança e do Adolescente, Conselho Municipal de Saúde, Conselho
Municipal de Comunicação, Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal de
Trânsito, Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia, Conselho Municipal de Acesso à Terra e
Habitação, Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal dos Direitos da Cidadania contra as
Discriminações e a Violência, Conselho Municipal do Meio Ambiente, Conselho Municipal de
Alimentação Escolar, Conselho Municipal de Transportes Urbanos, Conselho Municipal do
Patrimônio Histórico e Cultural, Conselho Municipal do Abastecimento e Agricultura, Conselho
Municipal dos Direitos da Mulher.
203
Contabilidade Social
Expectativa de vida 74,6 anos
População alfabetizada (acima de 10 anos) 91%
Homicídios 2,43 (por 10.000 hab.)
Abastecimento de água 98%
Coleta de Esgoto 76%
Mortalidade Infantil (1996) (por 1.000
hab.)
18
204
3.2.2 Educação em Porto Alegre
Dentre os marcos da política educacional em Porto Alegre, a partir de 1989,
podemos citar a gestão democrática e a qualidade de ensino, que são parte do projeto
Escola Cidadã, cujos objetivos são a compreensão coletiva do conhecimento e a
descentralização do poder132.
O projeto Gestão Democrática foi implementado, progressivamente, através
da reestruturação da SMED (Secretaria Municipal de educação), da eleição direta
para diretor de escola (1993), da implementação dos Conselhos Escolares (1993) e
do desenvolvimento do projeto Constituinte Escolar (1995).
O projeto Escola Cidadã foi desenvolvido em três eixos:
1. Gestão Democrática, tendo ocorrido um processo de discussão sobre
o significado dos Conselhos Escolares e as relações de poder
exercidas na escola e na sala de aula;
2. Reconstrução Curricular, a partir da discussão sobre a escola
existente e aquela pretendida, o que foi a base para o debate do
Congresso Constituinte;
3. Regimentos Escolares, que propõem a concretização da escola
debatida no eixo anterior: a proposta de escola cidadã.
Esse projeto desenvolveu-se em quatro fases. A primeira deu-se no interior da
escola, a segunda, através de encontros regionais, a terceira, em um Congresso
Municipal e a quarta novamente, no interior da escola.
1. Gestão Democrática
A eleição para Diretor de Escola133 prevê que terão direito a voto: os alunos
maiores de 10 anos, um dos pais ou responsáveis legais pelo aluno que tenham mais
de 18 anos de idade, os membros do magistério e os servidores públicos em efetivo
exercício na escola no dia da eleição. O processo eleitoral é conduzido por uma
Comissão Eleitoral.
132 Os dados referentes ao projeto Escola Cidadã foram baseados no texto Gestão democrática -
reestruturação curricular nas escolas públicas municipais de Porto Alegre, de Sônia Pilla Vares,
Jussara Lock, Silvio Rocha e Doloris Campos, 1996. 133 Normatizada pela lei 7365/93 e regulamentada pelo decreto 11.295/95.
205
O Conselho Escolar134 é o órgão máximo ao nível da escola, conforme a lei
292/93. Os Conselhos são constituídos pela Direção da escola e por representantes
dos segmentos da comunidade escolar135, tendo como funções consultiva,
deliberativa e fiscalizadora. Seus membros são eleitos pela comunidade escolar
através do voto direto e secreto, e a eleição pode ser uninominal ou se dar através de
chapas proporcionais. Quem dirige o processo é a Comissão Eleitoral, composta por
um ou dois representantes da comunidade escolar. O Presidente do Conselho Escolar
é escolhido por seus membros.
Dentre as atribuições do Conselho Escolar, destacam-se:
- criar e garantir mecanismos de participação efetiva da comunidade escolar na
definição do projeto político-administrativo-pedagógico da unidade escolar;
- divulgar, periódica e sistematicamente, informações referentes ao uso dos recursos
financeiros, qualidade dos serviços prestados e resultados obtidos;
- propor, coordenar a discussão junto aos segmentos e votar as alterações
metodológicas, didáticas e administrativas da escola, assim como alterações de
currículo, respeitada a legislação vigente;
- definir o calendário escolar, no que compete à unidade escolar, observada a
legislação vigente;
- fiscalizar a gestão administrativo-pedagógica e financeira da unidade escolar.
2. Reestruturação Curricular
A reestruturação curricular, debatida e aprovada no Congresso Municipal
Constituinte Escolar, tem como concepção de currículo: “O currículo, cerne da
educação escolar, é um fenômeno histórico. Resultado de forças sociais, políticas
e pedagógicas que expressa a organização de saberes vinculados à construção de
sujeitos sociais”. (Porto Alegre, Cadernos Pedagógicos, nº 9, 1996, p.7).
Dessa forma, conforme o relato do Congresso, mais do que debater
programas, conteúdos, grades e carga horária, o currículo deve responder a
134 Normatizado pela lei complementar 292/93 e regulamentado pelo decreto 10.725/93. 135 Art. 6º Todos os segmentos existentes na comunidade escolar deverão estar representados no
Conselho Escolar, assegurada a proporcionalidade de 50% para pais e 50% para membros do
magistério e servidores.
206
perguntas sobre o que se ensinar, quando ensinar, como ensinar, assim como
sobre quando e como se avaliar, pensando, assim, o futuro a se construir.
Dentre os princípios da reestruturação curricular, destacamos o de número 39:
O currículo deve buscar uma proposta político pedagógica
progressista, voltada para as classes populares na superação
das condições de dominação a que são submetidas
propiciando uma ação pedagógica dialética, onde se efetive a
construção do conhecimento, e a relação entre aprendizagem e
desenvolvimento da comunidade escolar.
3. Regimento Escolar
A elaboração do Regimento Escolar segue diretrizes resultantes do processo de
discussão realizado pelas escolas da rede municipal de Porto Alegre, que culminou
no Congresso Constituinte Escolar/95.
3.2.2.1 Sistema Municipal de Ensino de Porto Alegre
O Sistema Municipal de Ensino (SME) de Porto Alegre foi apresentado à
Câmara Municipal pelo vereador do PT José Valdir. A elaboração do projeto
contou com a colaboração da comunidade escolar através da ATEMPA136 (com
representantes das escolas)137, de representantes da Secretaria Municipal de
Educação, de representantes do gabinete do vereador José Valdir e de
representantes do Conselho Municipal de Educação.
A lei de criação do Sistema Municipal de Ensino possui quatro artigos sobre
os princípios e fins da educação no Município, sete artigos sobre a estrutura e
organização do sistema, três artigos sobre a gestão democrática do ensino público
e sete artigos sobre os trabalhadores em educação.
É interessante ressaltarmos que a lei de criação do SME dá amplos poderes ao
Conselho Municipal de Educação138 e ao Congresso Municipal de Educação139, o
136 ATEMPA - Associação dos Trabalhadores da Educação do Município de Porto Alegre 137 No primeiro momento, houve debate com o Conselho de Representantes das Escolas, e, no
segundo momento, as escolas apresentaram suas propostas, que foram votadas em assembléia. 138 Conforme o art. 10, são competências do Conselho Municipal de Educação:
“I- fixar normas, nos termos da lei, para:
a) a educação infantil e o ensino fundamental;
b) o funcionamento e credenciamento das instituições de ensino;
207
que, pela sua representatividade, tende a dar prosseguimento ao processo de
gestão democrática. Além disso, no título IV da lei, Gestão Democrática do
Ensino Público, fica estabelecida a eleição direta para diretores e para o conselho
escolar, a autonomia da comunidade escolar para estabelecer seu projeto político-
pedagógico e a autonomia de gestão financeira das escolas, em conformidade
com o projeto político-pedagógico, mediante prestação de contas, aprovado pela
mantenedora e pelo conselho escolar.
Isto é, ficaram garantidas, por lei, as conquistas de três gestões do Partido
dos Trabalhadores em Porto Alegre, consolidando as conquistas de gestão
democrática alcançadas pela comunidade escolar.
3.2.2.2 Financiamento da Educação em Porto Alegre
A descentralização financeira nas escolas municipais de Porto Alegre passou
por um processo que é parte do projeto maior de gestão democrática, o qual, desde
1989, tem avançado na concepção de um planejamento e orçamento participativos.
Em 1989, foi implementado o adiantamento de numerários para despesas urgentes e
de pequena monta. Em 1994, foi incluída, nos procedimentos anteriores, a entrega de
c) a educação infantil e o ensino fundamental destinados a educandos portadores de necessidades
especiais;
d) o ensino fundamental, destinado a jovens e adultos que a ele não tiveram acesso em idade própria;
e) o currículo dos estabelecimentos de ensino;
f) a produção, controle e avaliação de programas de educação a distância;
g) a capacitação de professores para lecionar em caráter emergencial;
h) a criação de estabelecimentos de ensino público de modo a evitar a aplicação inadequada de
recursos;
i) a elaboração de regimentos dos estabelecimentos de ensino;
j) a enturmação de alunos em qualquer ano, série ou etapa, exceto a primeira do ensino
fundamental, independente de escolarização anterior;
k) a progressão parcial, nos termos do art. 24, II, da LDB;
l) a progressão continuada, nos termos do art. 32, parágrafo 2, da LDB;
m) o treinamento em serviço previsto no art. 4, do art. 87 da LDB.
II- Aprovar
a) o Plano Municipal de Educação nos termos da legislação vigente;
b) os regimentos e bases curriculares das instituições educacionais do Sistema Municipal de Ensino;
c) previamente as transferências de bens afetos às Escolas Públicas Estaduais ou transferências de
serviços educacionais aos municípios”.
Há, ainda, mais doze atribuições, que não reproduzimos aqui pela sua extensão, já que o nosso
objetivo é ressaltarmos a importância do Conselho Municipal de Educação no novo SME. 139 Conforme o art. 16, “fica instituído o Congresso Municipal de Educação como órgão máximo de
deliberação dos princípios norteadores das ações das Escolas da Rede Pública Municipal, a ser
208
um kit básico, remetido bimensalmente aos estabelecimentos, com material que,
freqüentemente, era solicitado pelo conjunto das escolas. Em 1995, houve uma
adequação da listagem (kit) às peculiaridades de cada unidade.
Já em 1996, houve um aperfeiçoamento do processo, com a implantação do
Sistema de Crédito Escolar Trimestral, tornando-se o repasse de recursos
diferenciado, de acordo com a característica de cada escola. Os critérios do repasse
de recursos foram definidos com as direções e os Conselhos Escolares, que
construíram uma matriz de valores a serem creditados conforme o número de alunos
nos diferentes níveis e modalidades, área física da escola, turnos de funcionamento e
currículo.
Esse sistema caminhou rumo à descentralização pretendida, mas ainda
mantinha centralizada a gerência dos recursos. Para resolver esse problema, a
SMED140 elaborou uma minuta que deu origem ao decreto nº 11600 de 16/10/96141.
Com esse decreto, a comunidade escolar, representada pelos segmentos do Conselho
Escolar, tornou-se habilitada para gerir seus recursos financeiros142, passando a ter
conta própria, com o CGC da Prefeitura.
Para viabilização do decreto, houve a implantação do Projeto de Repasse
Trimestral de Recursos às escolas municipais. Como conseqüência desse projeto, no
exercício de 1997, as escolas gerenciaram, aproximadamente, dois milhões, duzentos
e treze mil e duzentos reais para a manutenção e desenvolvimento dos programas de
educação infantil, ensino fundamental (incluindo Seja e Mova), educação especial e
ensino médio.
Em 1998, houve um novo aperfeiçoamento do processo, com a inserção, no
Projeto de Repasse Trimestral, do Planejamento e Orçamento Participativo
Educacional Regionalizado. Conforme documento da SMED143, “definir as
prioridades entre tantas demandas requer análise, decisão, ação e crítica. Racionalizar
essas ações evitando o espontaneísmo, a fragmentação, o parcelamento ou
realizado, no mínimo uma vez, no período correspondente a cada gestão municipal”. O Congresso,
conforme o art. 17, contará com a participação da comunidade escolar. 140 A SMED elaborou a minuta após muitas consultas à Procuradoria Geral do Município, à Secretaria
Municipal da Fazenda e à Auditoria do Município, 141 O decreto nomeia o Diretor e o Vice como ordenadores das despesas e estabelece as competências
do Conselho Escolar, do Diretor e da SMED. 142 Recursos repassados pela Prefeitura e através de convênios dos governos federal e estadual.
209
superposição de ações isoladas é o objetivo do processo de planificação”. Foi com
esse objetivo que, mais uma vez, aperfeiçoou-se o processo de democratização e
descentralização do financiamento da educação em Porto Alegre, através do
Planejamento e Orçamento Participativo Regional/ NAI 144.
Com esse projeto, as regiões que integram os sete NAI’s passaram a constituir
novas instâncias de deliberação sobre a aplicação de recursos financeiros, que ocorre
em três instâncias: na escola, no Fórum Regional e na Comissão de Delegados
(representantes eleitos por escolas).
Este processo, além de socializar informações e os projetos
das regiões, conferirá aos partícipes uma visão mais macro e
globalizadora das ações, o que evitará a pulverização dos
recursos, a fragmentação de ações isoladas e recuperará a
dimensão de totalidade do sistema (idem, p.6).
Portanto, além dos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do
ensino, que as escolas recebem de acordo com o Projeto de Repasse Trimestral, foi
alocada uma verba a mais, pela SMED, para cada NAI. Para receberem os recursos
as escolas elaboram projetos, que são selecionados de acordo com critérios pré-
acordados,
1. propostas curriculares que tenham, por objetivos, o avanço do aluno e a redução
da evasão escolar e que contemplem os princípios do Congresso Constituinte
Escolar;
2. proposta de atividades culturais que contribuam para a efetivação da escola como
pólo cultural;
3. proposta de melhoria das atividades administrativas;
4. propostas curriculares que qualifiquem a integração de crianças e jovens
portadores de necessidades educativas especiais em escolas da RME;
5. propostas político-pedagógicas de constituição do espaço das EMI’s, enquanto
referência da educação infantil na região.
De acordo com o regimento interno do orçamento participativo educacional, a
primeira rodada deliberativa ocorre na escola. Cada escola elabora um plano político-
143 Secretaria Municipal de Educação, Assessoria de Planejamento e Orçamento Participativo na
Escola Cidadã . Regimento Interno. Nova lição de cidadania. Introdução. p. 1, 1998. 144 NAI - Núcleo de Ação Interdisciplinar.
210
pedagógico-administrativo anual e encaminha-o à Assessoria de Planejamento da
SMED. Os Conselhos Escolares coordenam o processo145, que deve observar as
diretrizes do Plano Plurianual da Prefeitura na temática educação. O projeto pode,
ainda, agregar outras escolas do mesmo nível de ensino.
A segunda rodada deliberativa ocorre no Fórum Regional do NAI146As
escolas apresentam os projetos, e todos os membros da comunidade escolar,
previamente credenciados na escola, votam em três projetos socializados em
plenária. Os votos serão computados de acordo com os critérios pré-estabelecidos e
os cálculos previstos no regimento.
A terceira rodada ocorre na Comissão de Delegados do NAI, composta pela
representação paritária das unidades de ensino que fazem parte de cada Região/NAI,
e os projetos são apresentados pelos respectivos delegados. A distribuição de
recursos destinados à região ocorre a partir do somatório geral (total) das pontuações
obtidas em cada instância, por ordem de classificação. A partir dessa classificação,
são selecionados os três primeiros projetos, que receberão o aporte de recursos
demandados no Planejamento e Orçamento Participativo Regional/NAI/SMED.147
Durante esse processo de descentralização programática e físico-financeira
dos recursos, não só dos provenientes do orçamento municipal, mas também
daqueles oriundos das transferências da União, o Governo Municipal foi
surpreendido, no ano de 1997, pela Resolução nº3, de março de 1997, MEC/FNDE,
que passava a transferir os recursos da União diretamente às escolas, resolução que
dá suporte legal ao projeto Dinheiro na Escola, do Programa de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental, financiado com recursos do FNDE.
Isso estaria de acordo com o processo de gestão democrática implantado pela
SMED, não fosse a exigência de CGC (Cadastro Geral de Contribuintes), e de conta
individual para repasse de recursos aos beneficiados que carateriza a Unidade
executora.
145 Os Conselhos poderão agregar membros da comunidade interessados em formar grupos de
trabalho. 146 Participei do Fórum Regional do NA2 e pude observar o processo de apresentação dos projetos e
votação, quando foi possível constatar a grande presença da comunidade escolar, com pais, alunos e
professores acompanhando as apresentações e votando os projetos. Segundo dados da SMED, 1.350
pessoas votaram. Foi interessante observar como a comunidade está inserida nos projetos da escola.
Muitos pais, inclusive com crianças de colo, participaram ativamente do processo. 147 Conforme Regimento Interno, art.1.619 e parágrafo primeiro, respectivamente.
211
A SMED insistiu, junto ao MEC, para que o dinheiro fosse repassado
utilizando-se a organização funcional e administrativa existente, no caso os
conselhos escolares, o que foi negado, obrigando a Secretaria a se adaptar às normas
determinadas pelo MEC, para que as escolas não deixassem de receber os recursos a
que tinham direito. Voltaremos a essa questão ao analisarmos o Projeto Dinheiro na
Escola, mas já podemos adiantar que um projeto aparentemente democrático do
MEC, propondo autonomia às escolas, pode ser o embrião, conforme já apontamos
no capítulo 1, quando apresentamos o projeto de reforma do Estado do MARE, de a
educação passar para o setor público-não estatal. Isso pela exigência do MEC de
CGC próprio de entidade paralela à escola para o repasse de recursos, iniciando-se
assim, o aparato burocrático do projeto do Ministério de organizações sociais,
gestoras do que não for considerado atividade exclusiva do Estado, como é o caso
das escolas, conforme o documento de reforma do Estado, também já examinado no
capítulo 1 deste trabalho.
212
3.2.3 Autonomia Financeira do Município
Tabela 3.25
Receita de Impostos e Transferências de Impostos do município de Porto Alegre e estimativa de receita vinculada à educação -1988-1998
R$ 1,00
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Receita Própria 78.172.435,66 91.454.418,88 133.596.119,71 144.858.274,30 153.762.706,35 114.684.225,43 143.763.417,09 188.890.471,03 206.648.736,92 224.148.832,97 206.869.950,00
IPTU 18.198.656,31 9.014.999,79 15.357.216,75 33.569.693,78 53.287.658,65 27.242.149,71 32.043.149,37 58.555.914,76 66.144.326,51 67.459.841,85 68.700.000,00
ISSQN 59.973.779,35 60.184.172,90 93.437.895,59 82.813.859,60 73.366.788,47 64.277.693,53 82.334.258,01 100.745.141,53 109.508.571,04 119.566.191,34 108.003.950,00
ITBI 0,00 16.860.977,54 17.089.872,35 21.209.735,34 20.067.330,22 16.609.336,23 23.555.556,80 26.180.850,18 30.729.470,99 37.103.816,58 30.166.000,00
IVVC 0,00 5.394.268,65 7.711.135,02 7.264.985,58 7.040.929,01 6.555.045,97 5.830.452,91 3.408.564,57 266.368,38 18.983,21 0,00
Transferências
da União
8.861.073,92 22.792.714,15 35.814.375,14 35.135.283,96 28.537.427,31 33.792.563,63 29.277.922,49 37.822.942,86 42.083.876,41 46.066.711,40 28.860.164,00
FPM 4.888.577,33 17.205.494,19 23.414.339,07 20.794.633,86 20.450.104,02 24.164.427,56 22.067.444,53 25.937.874,98 28.763.475,44 28.972.970,97 19.032.800,00
IRRF 3.952.547,39 5.573.610,54 12.364.936,38 14.302.365,39 8.082.643,71 9.601.718,06 7.204.136,98 11.878.507,43 13.296.230,07 17.085.148,19 9.742.400,00
ITR 19.949,20 13.609,42 35.099,69 38.284,72 4.679,58 26.418,02 6.340,98 6.560,45 24.170,91 8.592,24 84.964,00
Transferências
do Estado
82.912.365,06 110.527.677,53 148.727.175,03 143.984.309,48 150.530.930,33 133.819.915,76 164.155.763,99 176.036.964,18 186.226.372,76 182.185.415,67 160.300.600,00
ICMS 74.586.840,20 104.658.293,16 135.173.456,23 131.888.613,19 131.932.464,04 118.231.696,31 136.068.886,83 142.181.505,90 143.427.549,18 136.512.970,40 123.000.000,00
IPVA 8.325.524,86 5.869.384,37 13.553.718,81 12.095.696,30 18.598.466,29 15.588.219,45 28.086.877,15 33.855.458,28 42.798.823,58 45.672.445,27 37.300.600,00
Dív,at..trib.+
multas e juros
15.821.102,74 7.629.172,23 4.702.867,35 6.403.799,83 9.230.737,98 20.423.288,19 20.188.700,73 26.431.331,64 30.360.592,37 24.698.887,13 36.002.630,00
Total 185.766.977,38 232.403.982,80 322.840.537,23 330.381.667,58 342.061.801,97 302.719.993,02 357.385.804,30 429.181.709,71 465.319.578,47 477.099.847,16 432.033.344,00
30% - Educação 55.730.093,21 69.721.194,84 96.852.161,17 99.114.500,27 102.618.540,59 90.815.997,91 107.215.741,29 161.662.698,66 139.595.873,54 143.129.954,15 129.610.003,20
Fonte: Balanços Gerais do Município de Porto Alegre (1988-1998)e Orçamento 1998
Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio/98 Tabela elaborada pela autora
214
Gráficos 3.11 e 3. 12
Referente à Tabela 3.25
% elementos de receita - PoA
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
1988
1990
1992
1994
1996
1998
% Receita
Própria
%Transf. União
% Tranf.
Estado
% Dívida at.
Trib+ multas
30% - Educação
0,00
50.000.000,00
100.000.000,00
150.000.000,00
200.000.000,00
1988
1990
1992
1994
1996
1998
30% -
Educação
215
Verificamos que, durante os anos 90, houve um aumento contínuo da receita
própria do Município, o que se deveu ao esforço de arrecadação já mencionado neste
capítulo quando tratamos do Orçamento Participativo. Verificamos que o mesmo
aconteceu com a cobrança da dívida ativa tributária mais moras e juros, o que resultou
considerável aumento, no decorrer dos anos, do percentual destinado à educação. É
possível constatar-se, também, que o Fundo de Participação dos Municípios, que é
proveniente de transferência da União, não teve uma participação importante no total das
receitas da Capital nesses dez anos148, ao contrário do ICMS que tem uma importante
participação, como é possível verificar na Tabela 3.25.
Nesse sentido, o orçamento (1998) prevê uma queda substantiva de recursos,
especialmente de transferências federais, como verificamos na Tabela 3.25. Isso reduzirá
o valor correspondente aos 30% da verba destinada à educação, o que, somado à perda
que o Município terá para o FUNDEF, estimada em R$ 7.265.323,11 para 1998,
diminuirá, significativamente, os recursos destinados à educação na capital gaúcha.
148 Ver Meneghetti (1998), sobre a participação do FPM na Receita Total dos municípios gaúchos
conforme a população.
216
3.2.4 Percentuais gastos em educação: na União, no Estado do Rio Grande do Sul
e no município de Porto Alegre
As Tabelas que seguem referem-se à despesa em educação em relação à despesa
total. Isto é, do gasto total, quanto foi destinado à educação, do balanço do Estado do
RS, do município de Porto Alegre e também, a Tabela comparativa com o percentual
gasto pela União.
Tabela 3.26
Percentual da despesa em educação na despesa total no
Rio Grande do Sul – 1988-1998
R$1.000
Ano Despesa total despesa educação %
1988 5.939.536,31 900.167,10 15,16%
1989 6.224.615,36 1.166.656,38 18,74%
1990 7.320.817,11 1.315.991,46 17,98%
1991 5.978.310,56 939.588,07 15,72%
1992 7.356.442,65 1.102.618,73 14,99%
1993 7.218.252,19 1.024.532,30 14,19%
1994 7.663.018,66 977.258,36 12,75%
1995 7.773.398,69 783.462,25 10,08%
1996 8.764.896,33 1.382.642,34 15,77%
1997 9.513.200,12 990.919,07 10,42%
1998 9.691.690,89 2.267.468,59 23,40%
Fonte: Balanços Gerais do Estado do RS (1988-1998)e Orçamento previsto para 1998
Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio/98
Tabela elaborada pela autora
217
Tabela 3.27
Percentual da despesa em educação na despesa total em
Porto Alegre – 1988-1998
R$1.000
Ano despesa total despesa educação %
1988 292.857,29 64.859,71 22,15%
1989 363.845,77 47.334,96 13,01%
1990 444.281,49 57.014,45 12,83%
1991 479.719,73 77.259,56 16,11%
1992 505.513,00 96.290,13 19,05%
1993 507.228,12 101.536,74 20,02%
1994 525.263,03 88.261,87 16,80%
1995 497.418,69 99.671,23 20,04%
1996 600.615,18 110.879,21 18,46%
1997 808.634,47 115.035,19 14,23%
1998 826.197,00 118.870,00 14,39%
Fonte: Balanços Gerais do Município de Porto Alegre
(1988-1998) e Orçamento previsto para 1998 Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio/98
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.28
Percentuais das despesas em educação em relação à despesa total da União,
Rio Grande do Sul e Porto Alegre – 1988-1998
% União % RS % Poa
1988 15,16% 22,74%
1989 18,74% 13,01%
1990 2,35% 17,98% 12,83%
1991 4,40% 15,72% 16,11%
1992 2,67% 14,99% 19,05%
1993 2,72% 14,19% 20,02%
1994 3,44% 12,75% 16,80%
1995 3,82% 10,08% 20,04%
1996 3,22% 15,77% 18,46%
1997 2,67% 10,42% 14,23%
Fonte: Balanços Gerais da União Estado e município (1988-1997)
Tabela elaborada pela autora
O percentual gasto em educação, em relação à despesa total, com exceção de
1989 e 1990, foi maior no município do que no RS nesses últimos dez anos, apesar de
ter oscilado e apresentado queda em 1997. Considerando o período 1988/1997, houve
um crescimento de 77% dos recursos alocados à educação em Porto Alegre.
Considerando os mesmos anos, esse número é de 10% no Estado.
218
Gráfico 3. 13
Referente à Tabela 3.28
Gráfico comparativo
União/Estado/Município
0%
5%
10%
15%
20%
25%
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
% União
% RS
% Poa
219
3.2.4.1 Percentuais gastos por nível de ensino
Tabela 3.29
Despesas por programa de trabalho
Secretaria Municipal de Educação – Porto Alegre- 1988-1998
Ano Administração Educação 0 a 6 Fundamental Educação Especial Outros TOTAL
1989 2.435.753,30 36.476.678,28 8.422.524,89 47.334.956,47
1990 4.887.125,14 1.868.593,93 40.593.410,25 99.070,99 9.566.252,45 57.014.452,75
1991 177.563,35 993.830,83 36.658.938,18 3.005.437,68 36.423.791,01 77.259.561,05
1992 12.923.206,74 9.060.278,89 52.609.081,79 4.011.871,18 17.685.692,02 96.290.130,62
1993 14.872.740,36 4.053.469,40 51.561.724,13 714.232,70 30.334.569,58 101.536.736,16
1994 14.031.400,96 8.329.269,69 46.557.802,93 2.793.051,17 16.550.345,90 88.261.870,66
1995 14.084.790,80 11.255.291,42 48.934.944,46 10.122.283,82 15.273.918,13 99.671.228,63
1996 18.762.364,07 12.549.650,97 55.381.058,88 6.396.674,17 17.789.465,82 110.879.213,91
1997 17.985.837,94 11.629.351,83 51.319.819,16 5.927.589,12 28.172.594,54 115.035.192,59
1998 18.062.827,00 12.478.115,00 54.733.541,00 8.695.468,00 24.900.049,00 118.870.000,00
Fonte: Balanços Gerais do Município de Porto Alegre (1988-1998)e Orçamento 1998 Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio/98
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.30
Distribuição das despesas da Secretaria Municipal de Educação por programa de trabalho
Ano Administração Educação 0 a 6 Fundamental Educação Especial Outros
1989 5,15% 0,00% 77,06% 0,00% 17,79%
1990 8,57% 3,28% 71,20% 0,17% 16,78%
1991 0,23% 1,29% 47,45% 3,89% 47,14%
1992 13,42% 9,41% 54,64% 4,17% 18,37%
1993 14,65% 3,99% 50,78% 0,70% 29,88%
1994 15,90% 9,44% 52,75% 3,16% 18,75%
1995 14,13% 11,29% 49,10% 10,16% 15,32%
1996 16,92% 11,32% 49,95% 5,77% 16,04%
1997 15,64% 10,11% 44,61% 5,15% 24,49%
1998 15,20% 10,50% 46,04% 7,32% 20,95%
Fonte: Balanços Gerais do Município de Porto Alegre (1988-1998)e Orçamento 1998 Tabela convertida pelo IGP-DI a valores de maio/98
164
Gráfico 3.14
Referente à Tabela 3.29
As despesas por Programa de Trabalho da SMED/PoA apresentaram
oscilações durante a década, mas, se compararmos 1997 com 1989, veremos que o
gasto com administração cresceu 268 % e a despesa com a educação de 0 a 6 teve
um acréscimo de 522%, com a especial de 5.883%, e com o fundamental apenas,
26%. Quanto às despesas com o ensino fundamental, houve um aumento discreto no
período 1990-1997, o menor entre as áreas consideradas. A sua participação
percentual, nas despesas da Secretaria Municipal de Educação, diminuiu. O Ensino
fundamental representava 77% das despesas em 1990 e, em 1997, representou apenas
45%.
Despesa por Programa de Trabalho - PoA
0,0010.000.000,0020.000.000,0030.000.000,0040.000.000,0050.000.000,0060.000.000,00
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
Administração
Educação 0 a 6
Fundamental
Educação Especial
Outros
165
3.2.5 Municipalização, estadualização ou privatização? O grande movimento de
matrículas
Tabela 3.31
Matrícula Inicial na pré-escola, por dependência administrativa, Rio Grande do Sul – 1988-1998
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 153 0,12% 46.944 37,10% 38.019 30,05% 41.414 32,73% 126.530
1989 158 0,13% 47.218 37,97% 38.852 31,24% 38.134 30,66% 124.362
1990 137 0,11% 48.208 37,87% 40.605 31,90% 38.353 30,13% 127.303
1991 123 0,09% 51.761 38,83% 45.039 33,79% 36.371 27,29% 133.294
1992 206 0,15% 56.611 42,22% 47.102 35,13% 30.164 22,50% 134.083
1993 343 0,25% 59.056 42,24% 50.379 36,03% 30.029 21,48% 139.807
1994 271 0,19% 61.528 42,63% 52.889 36,64% 29.645 20,54% 144.333
1995 285 0,19% 61.654 40,88% 56.435 37,42% 32.441 21,51% 150.815
1996 0 0,00% 63.978 41,22% 61.470 39,61% 29.749 19,17% 155.197
1997 0 0,00% 63.020 40,18% 66.422 42,35% 27.383 17,46% 156.825
1998 0,00% 61.756 38,07% 73.170 45,11% 27.275 16,82% 162.201
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.32
Matrícula Inicial na Pré-escola, por dependência administrativa, Porto Alegre – 1988-1998
Anos ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 8.720 36,75% 2.010 8,47% 12.996 54,78% 23.726
1989 9.234 39,71% 2.655 11,42% 11.365 48,87% 23.254
1990 9.052 38,94% 2.448 10,53% 11.748 50,53% 23.248
1991 9.503 39,52% 2.415 10,04% 12.127 50,43% 24.045
1992 10.214 45,12% 2.448 10,81% 9.977 44,07% 22.639
1993 10.169 45,41% 2.607 11,64% 9.618 42,95% 22.394
1994 10.189 42,57% 4.565 19,07% 9.179 38,35% 23.933
1995 9.443 38,44% 5.487 22,33% 9.638 39,23% 24.568
1996 9.762 40,51% 5.412 22,46% 8.921 37,02% 24.095
1997 9.340 43,07% 5.269 24,30% 7.076 32,63% 21.685
1998 9.302 41,12% 5.558 24,57% 7.761 34,31% 22.621
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS
Tabela elaborada pela autora
A matrícula municipal de educação pré-escolar, no período 88-98, no Estado
do RS, cresceu 92%, enquanto que a estadual, apenas 32%, e a particular 52%, o que
demonstra que, durante esses dez anos, houve uma tendência maior de os municípios
assumirem esse nível de ensino. Em Porto Alegre, confirma-se essa tendência: a
matrícula estadual cresceu 6,7 %, enquanto a municipal cresceu 177% e a particular
67% . Esses dados confirmam que são os municípios que estão assumindo a
expansão da educação infantil. Em Porto Alegre, os dados revelam a disposição das
últimas administrações em priorizar a ampliação da rede municipal de educação
infantil, especialmente com a criação de Escolas Infantis, destinadas exclusivamente
166
ao atendimento das crianças de zero a seis anos. Como podemos verificar no gráfico
que segue:
Gráfico 3.15
Referente à Tabela 3.31
Gráfico 3.16
Referente à Tabela 3.32
matrícula pré-escola - PoA
0
5.000
10.000
15.000
1988
1990
1992
1994
1996
1998
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
matrícula pré-escola - RS
0
20.000
40.000
60.000
80.000
1988
1990
1992
1994
1996
1998
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
167
Tabela 3.33
Taxa de crescimento da população/ taxa de crescimento da matrícula/taxa de escolarização na pré-
escola, crianças de 5/6 anos, Porto Alegre, 1991/1996
Ano População Matrícula Taxa esc.
total Particular estadual Municipal
1991 44266 16477 6526 7836 2115 37%
1996 40928 16895 4894 8471 3530 41%
Tax. Cresc. -8% 3% -33% 8% 67%
Fonte: IBGE e SEC/RS Tabela elaborada por Nalú Farenzena e Vera Peroni
Tabela 3.34
Taxa de crescimento da população/ taxa de crescimento da matrícula no ensino fundamental/taxa de
escolarização na pré- escola , crianças de 5/6 anos, Rio Grande do Sul – 1991/1996
Ano População Matrícula Taxa esc.
total particular Estadual municipal
1991 365.537 103.696 22.222 44.390 37.033 28,37%
1996 355.426 123.898 17.943 56.359 49.596 34,86%
Tax. Cresc. - 2,84% 19,48% - 23,85% 26,96% 33,92%
Fonte: IBGE e SEC/RS
Tabela elaborada por Nalú Farenzena e Vera Peroni
Comparando as Tabelas 3.33 e 3.34 verificamos que:
O percentual de decréscimo da população de cinco a seis anos é maior em
Porto Alegre (-8%) do que no Estado do RS (-2,84%). Contudo, a taxa de
escolarização em 1996 foi maior no município (41%) do que a média estadual
(34,86%). Além disso, se compararmos 1991 com 1996, observaremos que, em Porto
Alegre, a média elevou-se de 37% para 41%, enquanto que, no RS, essa elevação da
taxa de escolarização passou de 28% para 34%.
No que se refere a matrícula, a rede particular decresceu 33% em Porto
Alegre e 23,85% no RS, e a rede estadual cresceu apenas 8% em Porto Alegre
enquanto que, no RS, cresceu 26,96%. A rede municipal, por sua vez, apresentou as
maiores taxas de crescimento, sendo de 67% em Porto Alegre e de 33,92% no RS.
168
Tabela 3.35
Matrícula Inicial no ensino fundamental, por dependência administrativa, Rio Grande do Sul – 1988-
1998
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 1.290 0,09% 755.889 51,18% 497.315 33,67% 222.527 15,07% 1.477.021
1989 1.387 0,09% 791.298 51,68% 522.932 34,15% 215.648 14,08% 1.531.265
1990 1.539 0,10% 811.670 51,52% 545.807 34,65% 216.363 13,73% 1.575.379
1991 1.676 0,10% 826.903 50,94% 580.931 35,79% 213.631 13,16% 1.623.141
1992 1.786 0,11% 880.010 52,75% 599.101 35,91% 187.444 11,24% 1.668.341
1993 1.673 0,10% 926.395 54,58% 589.782 34,75% 179.348 10,57% 1.697.198
1994 1.632 0,10% 952.145 55,69% 581.415 34,01% 174.546 10,21% 1.709.738
1995 1.515 0,09% 947.943 55,27% 582.243 33,95% 183.470 10,70% 1.715.171
1996 863 0,05% 961.878 55,34% 596.857 34,34% 178.416 10,27% 1.738.014
1997 899 0,05% 954.287 54,72% 618.164 35,45% 170.563 9,78% 1.743.913
1998 847 0,05% 927.975 52,52% 675.740 38,25% 162.285 9,19% 1.766.847
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.36
Matrícula Inicial no ensino fundamental, por dependência administrativa, Porto Alegre – 1988-1998
Anos FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 708 0,35% 125.524 62,59% 16.295 8,12% 58.036 28,94% 200.563
1989 785 0,37% 130.717 62,18% 20.057 9,54% 58.664 27,91% 210.223
1990 861 0,40% 132.170 61,55% 21.880 10,19% 59.837 27,86% 214.748
1991 924 0,42% 134.368 61,52% 23.117 10,58% 60.002 27,47% 218.411
1992 958 0,43% 141.442 64,11% 23.534 10,67% 54.697 24,79% 220.631
1993 957 0,43% 141.683 63,75% 27.789 12,50% 51.806 23,31% 222.235
1994 981 0,44% 140.622 63,78% 27.995 12,70% 50.876 23,08% 220.474
1995 932 0,42% 136.208 62,10% 28.819 13,14% 53.388 24,34% 219.347
1996 863 0,40% 133.069 60,97% 31.832 14,59% 52.482 24,05% 218.246
1997 899 0,42% 129.486 59,91% 35.076 16,23% 50.669 23,44% 216.130
1998 847 0,39% 128.190 59,41% 37.818 17,53% 48.927 22,67% 215.782
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS
Tabela elaborada pela autora
A matrícula total no ensino fundamental no Estado do RS cresceu 20% nesses
últimos dez anos. A rede municipal foi a que teve o aumento mais expressivo, de
36%, a rede estadual cresceu 23%, enquanto que a particular diminuiu 37%. Na
capital gaúcha, ocorreu o inverso: o município amplia sua rede em taxas bem mais
elevadas que a rede estadual. A rede municipal teve um acréscimo de 132% nas
matrículas, enquanto a rede estadual, de apenas 2%, e a rede particular, assim como
no Rio Grande do Sul, decresceu 16%. Nesses últimos dez anos, a matrícula total
cresceu menos que no Estado, apenas 8%.
169
Gráfico 3. 17
Referente à Tabela 3.35
Gráfico3.18
Referente à Tabela 3.36
Matrícula Fundamental - PoA
0
50.000
100.000
150.000
1988
1990
1992
1994
1996
1998
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
Matrícula fundamental - RS
0200.000400.000600.000800.000
1.000.0001.200.000
1988
1990
1992
1994
1996
1998
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
170
Tabela 3.37
Taxa de crescimento da população/ taxa de crescimento da matrícula no ensino fundamental/taxa de
escolarização no ensino fundamental – 7/14 anos, em Porto Alegre – 1991/1996
Ano população Matrícula taxa esc.
total Particular Estadual municipal
1991 187941 187819 54129 112505 20317 99,94%
1996 176926 183547 46895 109146 26789 103,74%
tax. Cresc. - 6,23% - 2,33% - 15,43% - 3,08% - 31,86%
Fonte: IBGE e SEC/RS Tabela elaborada por Nalú Farenzena e Vera Peroni
Tabela 3.38
Taxa de crescimento da população/ taxa de crescimento da matrícula no ensino fundamental/taxa de
escolarização no ensino fundamental – 7/14 anos, no Rio Grande do Sul – 1991/1996
Ano População Matrícula taxa esc.
total Particular estadual municipal
1991 1.487.060 1.397.481 191.131 682.423 522.387 93,98%
1996 1.481.691 1.454.710 157.724 779.867 516.402 98,18%
Tax. cresc. -0,36% 4,10% -21,18% 14,28% -1,16%
Fonte: IBGE e SEC/RS
Tabela elaborada por Nalú Farenzena e Vera Peroni
Comparando as Tabelas 3.37 e 3.38, verificamos que a situação é diferente
em Porto Alegre e no Estado do RS:
A população de 7 a 14 anos, de 1991 para 1996, decresceu na Capital assim
como na média do Estado, tendo Porto Alegre, contudo, um decréscimo mais
acentuado (- 6,23%), ao contrário do Estado (-0,36%)
A taxa de escolarização de 7-14 anos, no RS, subiu de 93,98% para 98,18%,
e em Porto Alegre, os dados demonstram que o ensino fundamental foi
universalizado, passando de 99,96% para 103% 149.
A matrícula total de crianças e jovens de 7-14 anos no RS teve um pequeno
aumento, da ordem de 4,10%, enquanto que, em Porto Alegre, houve um decréscimo
de 2,33%
A diferença mais significativa está nas taxas de crescimento da matrícula de 7
a 14 anos das redes estadual e municipal: em Porto Alegre, as matrículas da rede
171
estadual decresceram 3,08%, enquanto, no RS, a rede estadual cresceu 14,28%. Já a
rede municipal de Porto Alegre teve um crescimento significativo de 31,86%, ao
passo que a rede municipal do RS decresceu 1,16%.
Houve um processo de publicização no período estudado. No RS, foi a rede
estadual que absorveu a particular e, em Porto Alegre, foi a rede municipal que
assumiu a particular, como verificamos nas Tabelas acima. Constatamos, portanto,
que se trata de a rede estadual ou a municipal estarem assumindo a particular, e não
de uma rede estar assumindo a outra.
149 Os dados de 1996 são estimativas do IBGE, com base em pesquisas por amostragem e pode estar
subestimado, ou pode ter havido incompatibilidade na época de coleta de dados do IBGE e das
matrículas.
172
Tabela 3.39
Matrícula Inicial no segundo grau, por dependência administrativa, Rio Grande do Sul – 1988-1998
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 8.595 4,04% 134.286 63,18% 3.493 1,64% 66.172 31,13% 212.546
1989 8.579 3,93% 142.535 65,32% 3.945 1,81% 63.143 28,94% 218.202
1990 7.736 3,50% 146.972 66,41% 4.142 1,87% 62.468 28,23% 221.318
1991 8.884 3,91% 152.894 67,27% 4.312 1,90% 61.210 26,93% 227.300
1992 8.725 3,43% 183.166 72,07% 4.544 1,79% 57.713 22,71% 254.148
1993 9.838 3,49% 206.333 73,12% 4.638 1,64% 61.373 21,75% 282.182
1994 9.808 3,23% 223.117 73,47% 4.745 1,56% 66.001 21,73% 303.671
1995 9.458 2,94% 231.932 72,15% 4.916 1,53% 75.157 23,38% 321.463
1996 10.091 2,82% 261.407 73,10% 5.342 1,49% 80.764 22,58% 357.604
1997 10.658 2,75% 286.144 73,86% 5.760 1,49% 84.854 21,90% 387.416
1998 11.159 2,59% 324.796 75,43% 6.058 1,41% 88.596 20,57% 430.609
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.40
Matrícula Inicial no segundo grau, por dependência administrativa, Porto Alegre – 1988-1998
Anos FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
1988 1.462 3,46% 26.108 61,84% 1.347 3,19% 13.300 31,50% 42.217
1989 1.495 3,44% 26.956 61,95% 1.357 3,12% 13.702 31,49% 43.510
1990 1.421 3,18% 27.890 62,32% 1.344 3,00% 14.098 31,50% 44.753
1991 1.372 3,07% 27.979 62,54% 1.330 2,97% 14.059 31,42% 44.740
1992 1.402 2,81% 33.467 66,97% 1.375 2,75% 13.728 27,47% 49.972
1993 1.639 3,18% 34.265 66,39% 1.412 2,74% 14.299 27,70% 51.615
1994 1.578 2,83% 36.914 66,30% 1.361 2,44% 15.824 28,42% 55.677
1995 1.142 2,02% 36.588 64,66% 1.366 2,41% 17.492 30,91% 56.588
1996 1.563 2,59% 38.441 63,70% 1.448 2,40% 18.896 31,31% 60.348
1997 1.843 2,95% 39.332 63,04% 1.505 2,41% 19.714 31,60% 62.394
1998 1.755 2,62% 43.473 64,89% 1.549 2,31% 20.218 30,18% 66995
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS
Tabela elaborada pela autora
A matrícula no ensino médio no Estado do RS seguiu uma tendência de
estadualização nesses últimos dez anos, sendo que a rede estadual cresceu 142% no
Estado, e a rede municipal 73%, a metade. A rede particular foi a que menos cresceu,
nos dez anos estudados, 34%.
Em Porto Alegre, a rede estadual não seguiu o mesmo ritmo, crescendo
apenas 66% enquanto que a rede municipal ampliou-se em 15%, e a rede particular
52%, nesse mesmo período. Como podemos visualizar nos gráficos que seguem:
173
Gráfico 3.19
Referente à Tabela 3.40
Matrícula ensino médio - PoA
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
1988
1990
1992
1994
1996
1998
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
174
Tabela 3.41
Taxas de evasão, aprovação e reprovação do ensino fundamental, na rede de ensino de Porto Alegre -
1988-1997
Ano Matrícula total evadidos Taxa de evasão matrícula final aprovados taxa de
aprovação
taxa de
reprovação
1988 17.225 1.207 7,01% 15.031 10.762 72% 28%
1989 21.579 1.947 9,02% 18.288 13.026 71% 29%
1990 22.902 1.629 7,11% 19.912 14.563 73% 27%
1991 24.028 1.715 7,14% 21.240 16.336 77% 23%
1992 25.280 1.328 5,25% 24.507 19.197 78% 22%
1993 29.180 1.579 5,41% 26.244 18.731 71% 29%
1994 29.581 1.680 5,68% 26.739 18.731 70% 30%
1995 30.638 1.596 5,21% 27.622 20.389 74% 26%
1996 33.928 1.705 5,02% 30.532 24.286 80% 20%
1997 37.152 902 2,43% 34.468 29.470 85% 15%
Fonte: SE/RS (1988-1997) e SMED/PMPA (1993-1997) Tabela elaborada pela ASSEPLA SMED/PoA
Nos dez anos estudados, as taxas de evasão e reprovação diminuíram, e a
aprovação aumentou, como é possível visualizar no gráfico que segue:
Gráfico3.20
Referente à Tabela 3.41
taxa de evação, aprovação, repetência
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Ano
1989
1991
1993
1995
taxa de evasão
taxa de aprovação
taxa de reprovação
175
3.2.6 Indicadores de qualidade na educação
3.2.6.1 Gasto- aluno
Tabela 3.42
Gasto/aluno na rede estadual do Rio Grande do Sul150
R$ 1,00
Ano Despesa ed. Mat. Gasto aluno
1988 900.167.102,20 937.119 961
1989 1.166.656.382,52 981.051 1.189
1990 1.315.991.462,72 1.006.850 1.307
1991 939.588.067,01 1.031.558 910
1992 1.102.618.730,28 1.119.787 985
1993 1.024.532.302,37 1.191.784 860
1994 977.258.361,66 1.236.790 790
1995 783.462.246,35 1.241.529 631
1996 1.382.642.344,04 1.287.263 1.074
1997 990.919.068,63 1.303.451 760
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS e Balanço (1988-1997)
Tabela elaborada pela autora
Tabela 3.43
Gasto/aluno na rede municipal de Porto Alegre151
Ano despesa matrícula gasto/aluno
1988 64.859.707,65 19.652 3300
1989 47.334.956,47 24.069 1967
1990 57.014.452,75 25.672 2221
1991 77.259.561,05 26.862 2876
1992 96.290.130,62 27.357 3520
1993 101.536.736,16 31.808 3192
1994 88.261.870,66 33.921 2602
1995 99.671.228,63 35.672 2794
1996 110.879.213,91 38.692 2866
1997 115.035.192,59 41.850 2749
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS e Balanço (1988-1997)
Tabela elaborada pela autora
Comparando as Tabelas 3.42 e 3.43, verificamos que o gasto/aluno em Porto
Alegre é muito superior ao do RS. Porém, verificando a Tabela referente ao gasto por
aluno na capital, constatamos que a despesa em educação cresceu 77% enquanto o
150 O cálculo do gasto aluno foi feito dividindo o número total de matrículas da rede estadual pela
despesa em educação, nos dez anos estudados. 151 O cálculo do gasto aluno foi feito dividindo o número total de matrículas da rede municipal pela
despesa em educação, nos dez anos estudados
176
número de matrículas, na rede municipal, cresceu 113%, ocasionando, assim, uma
queda no gasto/aluno, já que a despesa não acompanhou o aumento das matrículas.
De 1988 para 1997, diminuiu em 20% o gasto/aluno, que era de R$ 3.300,00,
passando para R$ 2.646,00. Como podemos visualizar no gráfico 3.21:
Gráfico 3.21
Referente às Tabelas 3.42 e 3.43
Gasto aluno Poa/RS
0,00
1.000,00
2.000,00
3.000,00
4.000,00
1988
1990
1992
1994
1996
RS
PoA
177
3.2.6.2 Salário dos professores
Tabela 3.44
Vencimento básico dos professores da rede municipal de ensino de Porto Alegre - 20h – 1988-1998
R$1,00
Padrão 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1995 1996 1997 1998
m1 254,45 490,42 378,23 508,37 402,84 402,92 357,23 362,83 369,94 370,90
m2 286,88 558,27 434,97 584,62 463,26 463,52 410,72 417,20 425,39 426,40
m3 344,86 662,05 510,61 686,30 543,83 544,13 482,04 489,42 498,87 500,10
m4 349,76 760,09 586,26 787,97 624,40 624,75 553,62 562,22 572,99 571,20
m5 464,09 892,54 688,38 925,23 733,17 733,57 649,90 659,99 672,68 674,20
EM 307,88 668,93 515,91 693,41 549,47 549,78 487,14 494,74 504,43 505,70
Fonte: ASSEPLA –SEMED/PoA
Tabela elaborada pela ASSEPLA SMED/PoA em valores nominais e convertida pela autora
Gráfico 3.25
Referente à Tabela 3.44
Tabela 3.45
Comparação entre Estado e Município no ano de 1998:
R$1,00
Básico A1XM1 A5XM4 A6XM5
Estado 125,86 144,74 232,84 251,72
Município 370,90 370,90 574,20 671,20
Tabela elaborada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Boletim Informativo n 03
A1-M1= Habilitação de magistério segundo grau
A5-M4=Habilitação de nível superior de graduação representada por licenciatura plena
A6-M5= Habilitação de Licenciatura plena complementada por curso de especialização em nível de pós-
graduação, mestrado ou doutorado
Tabela 3.46
Comparação entre Estado e município 1988-1993/1995 e 1998
R$1,00 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1995 1998
PoA m1 254,45 490,42 378,23 508,37 402,84 402,92 357,23 370,90
RS m1 173,38 214,01 198,30 147,88 134,34 96,02 59,45 125,86
Fonte: CPERS e ASSEPLA/SMED/PoA
Tabela elaborada pela autora
Vencimento básico professores 20 h.
m1 e m5 - Porto Alegre
0,00
500,00
1000,00
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1995
1996
1997
1998
m1
m5
178
Gráfico 3.24
Referente à Tabela 3.46
Através da Tabela 3.46, constatamos que os salários do m1 ( magistério)
cresceram 45,7% se compararmos o vencimento de 1998 ao de 1988. Contudo,
comparando-o ao pico salarial desses dez anos, que foi no ano de 1991, o atual
salário teve uma queda de 37,06%. Os outros níveis seguiram os mesmos
percentuais, com pequenas variações.
Cotejando o Estado e o município, pela Tabela 3.45, verificamos que a
Capital paga 339,3% a mais que o Estado, tendo-se como referência o vencimento
básico.
Vencimento básico magistério público
municipal e Estadual
0,00
200,00
400,00
600,00
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1995
1998
PoA m1
RS m1
179
3.2.6.3 Qualificação dos professores
Tabela 3.47
Qualificação dos professores da Rede Municipal -20h-
Porto Alegre – 1988-1998 – (%)
Anos m1 m2 m3 m4 m5
1988 17,00 3,67 5,38 35,05 38,90
1989 18,36 3,41 4,65 42,55 31,02
1990 15,02 3,33 4,22 38,76 38,67
1991 14,33 2,92 3,91 39,07 39,77
1992 14,11 2,88 4,12 44,90 33,99
1993 12,89 2,62 3,88 41,79 38,82
1994 12,49 2,47 3,81 37,79 43,44
1995 11,36 2,30 3,80 37,22 45,32
1996 10,40 2,08 3,50 37,37 46,66
1997 9,97 1,83 3,24 38,08 46,88
1998 8,93 1,79 3,23 38,66 47,39
Fonte: ASSEPLA, SMED/PoA Tabela elaborada pela autora
M1:Habilitação de magistério de segundo grau
M2: Habilitação de magistério de segundo grau, com complementação pedagógica
M3:Habilitação de nível de graduação representada por licenciatura de curta duração
M4: Habilitação de nível superior e nível de graduação representada por licenciatura plena
M5: Habilitação de licenciatura plena complementada por curso de especialização a nível de pós-graduação,
mestrado ou doutorado
Tabela 3.48 Qualificação dos professores da Rede Estadual – (%)
Anos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
1988 42,49 1,05 12,61 0,11 2,79 28,57 0,28 0,42 1,54 4,69 3,63 0,22 1,60
1989 42,91 1,04 12,48 0,09 2,70 29,06 0,31 0,36 1,43 4,41 3,64 0,20 1,39
1990 44,90 0,96 12,76 0,10 2,62 28,40 0,29 0,30 1,40 3,78 3,16 0,16 1,17
1991 44,20 0,87 13,23 0,09 2,65 29,25 0,31 0,27 1,40 3,49 2,97 0,15 1,14
1992 44,92 0,84 13,36 0,07 2,72 29,19 0,28 0,24 1,38 3,23 2,67 0,13 0,99
1993 58,59 1,20 12,98 0,04 5,59 17,63 0,91 0,07 1,06 0,87 0,48 0,44 0,13
1994 58,29 1,16 13,18 0,04 4,88 17,53 1,15 0,05 1,21 1,08 0,92 0,35 0,15
1995 60,55 1,18 13,26 0,02 1,95 18,40 1,16 0,04 1,07 0,99 0,90 0,32 0,14
1996 51,77 1,88 10,32 0,11 0,96 25,77 3,62 0,32 1,26 2,49 0,91 0,13 0,44
1997 52,66 1,95 9,47 0,13 0,99 25,44 3,45 0,23 1,41 2,93 0,88 0,08 0,37
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS Tabela elaborada pela autora
1= Licenciatura Plena
7= Segundo grau com formação pedagógica
2= Bacharelado c/ formação pedagógica 8=Normal Primeiro grau
3= Licenciatura de primeiro grau 9=Bacharelado sem formação pedagógica
4= Suficiência 10=Segundo grau sem formação pedagógica
5=Estudos Adicionais 11= Primeiro grau
6=Magistério ou Normal Segundo grau 12= Ginásio
13= Primário
180
Conforme a Tabela 3.47, aumentou consideravelmente o número de
profissionais com licenciatura plena e pós-graduação na rede municipal de Porto
Alegre, somando 86,05% do total em 1998, enquanto os professores sem essa
habilitação somam apenas 13,95% do total.
O percentual de professores da rede estadual no Estado do RS com
licenciatura plena apresentou um aumento até 1995, chegando a 60,55% do total, nos
anos seguintes esse percentual foi caindo, enquanto se elevava o percentual de
professores apenas com a habilitação magistério.
Portanto, comparando as duas redes, verificamos que o número de
professores habilitados é maior percentualmente na rede municipal do que na
estadual. Como verificamos no gráfico 3.23.
Gráfico 3.23
Referente às Tabelas 3.47 e 3.48
Percentual de professores com
licenciatura plena e pós-graduação no
RS e PoA
0,00%
50,00%
100,00%
1988
1990
1992
1994
1996
PoA
RS
181
3.2.6.4 – Número de regentes de classe convocados e concursados
Todos os professores em Porto Alegre são concursados.
3.2.6.5 Número de alunos por regente de classe em Porto Alegre:
Tabela 3.49
número de alunos por regente de classe, rede municipal, em Porto Alegre
Anos prof. alunos Prof/alunos
1988 1.064 19.652 18
1989 1.032 24.069 23
1990 1.370 25.672 19
1991 1.505 26.862 18
1992 1.596 27.357 17
1993 1.387 31.808 23
1994 1.827 33.921 19
1995 1.746 35.672 20
1996 1.819 38.692 21
1997 1.965 41.850 21
1998 1.951 49.330 25
Fonte: Divisão de Informática, Departamento de Planejamento, SEC/RS Tabela elaborada pela autora
O número de alunos por professor regente de classe em Porto Alegre teve um
pequeno aumento no decorrer da década, sendo que atingiu o máximo de 25 alunos
em 1998, estando ainda dentro dos limites propostos de qualidade em educação.
Tabela 3.50
Número de alunos por regente de classe
rede municipal por nível de ensino –PoA
Anos pré Fundamental médio
1988 22 19 13
1989 24 25 13
1990 23 19 13
1991 20 18 12
1992 19 17 13
1993 22 24 15
1994 19 19 13
1995 20 21 14
1996 19 22 16
1997 19 22 18
1998 33 22 21
Fonte: Divisão de Informática,
Departamento de Planejamento, SEC/RS Tabela elaborada pela autora
182
Ao verificarmos o número de alunos por professor, por nível de ensino em PoA,
constatamos que o número tem oscilado nesses dez anos; o ensino fundamental, que
tem sido o mais estável, com 22 alunos por professor, o pré-escolar passou de 19
para 33 no último ano, o ensino médio também aumentou de 18 para 21 alunos.
Gráfico 3.22
Referente à Tabela 5.50
3.3 Comparação POA-CG
A seguir apresentaremos alguns dados para melhor caracterizar os municípios
1. Caracterização
Tabela 3.5
Caracterização dos municípios
Porto Alegre Campo Grande
Ano de Fundação 1772 1889
População em 1996 1.288 hab. 600.069
Eleitores em 1997 883.135 352.228
Receita Própria152 (1997) 46,98% 40,36%
Fonte: Secretaria de Indústria e Comércio/PoA e CG. Tabela elaborada pela autora
Ao analisarmos as despesas por função em Porto Alegre e em Campo Grande,
nesses dez anos, verificamos diferentes prioridades153:
152 Percentual em relação à receita total 153 ver tabela 3.6 - anexo 2
número de alunos por regente de
classe - rede municipal - PoA
01020
3040
1988
1990
1992
1994
1996
1998
pré
fundamental
médio
183
- Porto Alegre apresentou os maiores percentuais nas funções eleitas como
prioritárias no Orçamento Participativo: saúde e saneamento; assistência e
previdência e habitação;
- Campo Grande apresentou maiores percentuais do que Porto Alegre nas funções:
legislativa, administração, transportes e, em alguns anos, em habitação.
Dados de educação nos municípios
Tabela 3.7
Dados comparativos da educação em Porto Alegre e Campo Grande
Porto Alegre Campo Grande
População alfabetizada (censo de 1990) 94,94% 86,68%
Gasto aluno ano/1997 R$ 2.749,00 R$ 808,00
Salário 20h básico (1998) 370,90 163,89
Salário 20 h (1998) licenciatura plena 574,20 275,59
Aprovação (1996) 80% 76,7%
Evasão(1996) 5,02% 7,0%
Estabelecimentos de Ensino fundamental 42 86
Total de estabelecimentos 89 86
Matrícula Ensino Fundamental Municipal (1998) 37.818 52.641
Matrícula Inicial Ensino Fundamental Estadual
(1998)
128.190 64.328
Matricula pré-escola (municipal- 1998) 5.558 3.265
Matrícula Educação de Adultos154 (1998) 6.424 2.682
Matrícula ed. Especial municipal (1998) 343 0
Número de professores (1998) 3.404 2.038
Situação com o FUNDEF perde 7.265.323,11 ganha 9.609.692,46155
Tabela elaborada pela autora
3. Autonomia financeira dos municípios: série histórica 1988-1998 dos
grandes elementos de receita nos municípios de Porto Alegre e Campo Grande
O percentual de receita própria156, nos municípios estudados, apresentou
variações no período de 1988 a 1997. Esse percentual cresceu 4,9 pontos percentuais
em Porto Alegre, enquanto que, em Campo Grande, diminuiu 3,21 pontos,
confrontando-se os índices de 1997 com os de 1988. Porém, as duas cidades
154 Estão incluídos os alunos do MOVA (Movimento de alfabetização) e do SEJA (Educação de
jovens e adultos 155 Fonte: Secretaria de Estado de Educação, Diretoria de Execução Orçamentária e Financeira, 1997. 156 Ver anexo 3 tabela 3.8
184
apresentaram um percentual significativo de receita própria se comparados à maioria
dos municípios brasileiros157, o que representou mais autonomia para a previsão de
suas despesas. Assim, ficaram menos suscetíveis às políticas de isenção de impostos
(lei Kandir) e de incentivos (tendo em vista a guerra fiscal entre estados e
municípios), e à criação de Fundos especiais, como o FEF. Esse é um fator que
influencia a qualidade da educação, já que ela tem sua receita vinculada aos
impostos e transferências, como discutimos no capítulo anterior, no item sobre
financiamento.
No que se refere às transferências de recursos158, o município de Campo
Grande recebeu, durante toda a década, um percentual bem maior, por parte da
União, do que Porto Alegre. Porém, as transferências do Estado do Rio Grande do
Sul foram, percentualmente, maiores para Porto Alegre do que as de Mato Grosso do
Sul para Campo Grande.
Comparando o percentual de recursos vinculado à educação nos dois municípios,
constatamos que, na capital gaúcha, durante esses dez anos, aumentou,
consideravelmente, essa receita, enquanto que a de Campo Grande permaneceu
estável.
4. Percentuais gastos em educação: na União, Estados e municípios estudados - série
histórica do grande movimento de despesa em educação em relação à despesa total :
Analisando os gastos da União em educação, verificamos que reduziu os
gastos em educação comparativamente ao total de suas despesas, a partir de 1996.
Nesse ano, tal perda foi significativa, considerando-se que a despesa total foi
superior à de 1995, e a despesa em educação, menor. O mesmo aconteceu em 1997.
A previsão para 1998 era de que o gasto total seria menor, e o em educação, bem
menor, tendo uma redução de 1,41% se comparado ao índice de 1995.
Comparando o percentual de despesas da União, estados e municípios
estudados159, observamos que o percentual destinado à educação, relacionado à
157 Sobre a dependência dos municípios brasileiros, principalmente os de menos porte, das
transferências dos Estados e da União, ver Meneguetti Neto (1998) e Affonso & Silva (1995) . 158 ver tabelas 3.9, 3.10 e 3.11no anexo 3. 159 Ver tabela 3.13, no anexo 4.
185
despesa total, oscilou nesses dez anos, tendo sido maior em Campo Grande do que
em Porto Alegre, assim como no Estado do MS em relação ao do RS.
O RS apresentou queda dos recursos destinados à educação nesses anos, e o MS,
elevação até 1991, começando, após, a exibir declínio.
Não foi possível comparar o movimento das despesas por nível de ensino,
pois elas se apresentam, nos respectivos balanços, de forma diferente.
5. Comparação dos dados de matrícula entre os municípios de Porto Alegre e Campo
Grande nos níveis de ensino pré-escolar, fundamental e médio, redes estadual e
municipal.160
O percentual de matrículas na pré-escola, na rede estadual161, foi maior em
Porto Alegre do que em Campo Grande: naquela cidade, no ano de 1998, ele foi
13,07 pontos superior em relação ao total das redes. Porém, no decorrer dos dez
anos, Campo Grande aumentou essas matrículas em 24,6 %, e Porto Alegre, apenas
2,12%, considerada a rede municipal .
A matrícula inicial na pré escola na rede municipal162, também em Porto
Alegre, absorveu mais matrículas que em Campo Grande no decorrer dos dez anos,
mas as duas redes cresceram mais que 100%: enquanto que na primeira cidade, ela
cresceu 176%, na segunda, cresceu 121%, de 1988 a 1998. Em relação ao total de
matrículas, essa rede em Campo Grande, representou 28,82%, enquanto que em
Porto Alegre representou 24,57%.
Comparando os percentuais de matrícula na pré-escola, dos Estados e
municípios estudados com os da União163, verificamos que:
- a rede estadual em Campo Grande e no Mato Grosso do Sul seguem a mesma
margem percentual nacional. Já Porto Alegre e o Rio Grande do Sul têm um
percentual bem acima da média nacional, mais que o dobro.
160 A comparação dos dados de matrícula foi feita de acordo com o percentual do total de matrículas
por dependência administrativa de cada município. 161 Ver tabela 3.14, no anexo 5. 162 Ver tabela 3.15, no anexo 5. 163 Ver tabela 3.16, no anexo 5.
186
- a rede municipal nos municípios estudados está percentualmente bem abaixo da
média nacional. Os Estados estudados apresentam um percentual maior, mas
ainda abaixo do nacional.
- a rede particular em Campo Grande possui um percentual bem acima do
nacional; em Porto Alegre, a rede particular é menor que a de Campo Grande,
mas também acima da nacional. O Estado do Mato Grosso do Sul também possui
um percentual maior que o nacional, apesar de ser menor do que o dos
municípios. Apenas o Rio Grande do Sul, dos casos estudados, apresenta um
percentual menor do que o nacional na rede particular.
É interessante observar que a população na faixa etária, de 4 a 6 anos, em
Porto Alegre diminuiu 8%, de 1991 para 1996 e, em Campo Grande cresceu apenas
3%. A taxa de crescimento da matrícula na pré-escola foi maior em Campo Grande,
24,24%, do que em Porto Alegre, 3%.Mas, a taxa de escolarização em Porto Alegre e
em Campo Grande é a mesma 41%, em 1996.164
As matrículas no ensino fundamental na rede estadual165 apresentaram queda,
tanto em Campo Grande quanto em Porto Alegre, no que se refere ao total das redes:
em 1988, ele representava 62,59% e, em 1998, 59,41% em Porto Alegre; em Campo
Grande, em 1988, representava 50,52% do total e, em 1998, 46,34%. Porém, no
decorrer dos dez anos, a rede estadual de ensino fundamental em Porto Alegre
cresceu 2,1% e, em Campo Grande, cresceu 24,6%. Portanto, a rede estadual, nos
municípios estudados, decresceu em relação ao total de matrículas, uma vez que as
outras redes aumentaram seu percentual, mas cresceu em relação ao seu total, de
1988 para 1998.
As matrículas na rede municipal166 cresceram nos dois municípios. Em Porto
Alegre, aumentaram em 132% de 1988 para 1998, e, em Campo Grande, 69%, nesse
mesmo período. Porém, na última cidade, a rede municipal foi responsável por 38%
do total de matrículas, enquanto que, em Porto Alegre, esse percentual foi de 18%.
Verificamos, portanto, que o processo de municipalização do ensino de
Campo Grande, iniciou em um período anterior ao estudado neste trabalho.
164 Ver tabela 3.17, no anexo 5. 165 Ver tabela 3.18, no anexo 6. 166 Ver tabela 3.19, no anexo6.
187
Nos dois municípios, nesses últimos dez anos, a rede estadual diminuiu,
enquanto que a municipal cresceu.
Comparando os percentuais dos Estados e municípios estudados167 com os dados
com os percentuais nacionais de ensino fundamental, verificamos que:
- na rede estadual apenas o Mato Grosso do Sul tem um percentual bem abaixo do
percentual nacional.
- na rede municipal apenas Porto Alegre tem um percentual bem abaixo do
nacional
- na rede particular, Porto Alegre tem um percentual bem acima.
Comparando a taxa de escolarização168 nas duas capitais estudadas,
verificamos que em Porto Alegre a população de 7 a 14 anos diminuiu em 6% ,
enquanto em Campo Grande o aumento populacional desta faixa etária foi de 6%;
por isso, a taxa de escolarização em Porto Alegre foi maior que em Campo Grande.
Constatamos que na capital gaúcha essa faixa etária está totalmente atendida e na
capital do Mato Grosso do Sul apesar de faltar pouco (em torno de 2%) nem mesmo
essa faixa está totalmente atendida.
Alertamos que a taxa de escolarização apresentada refere-se apenas à
população de 7 a 14 anos e que a população que ainda demanda o ensino
fundamental normalmente está acima dessa faixa etária.
O percentual de matrículas no ensino médio, na rede estadual, cresceu nos
municípios estudados: em Campo Grande, essa elevação foi de 226%, isto é, mais do
que triplicou, e, em Porto Alegre, o percentual de crescimento, de 1988 para 1998,
foi de 66%.
Em 1998, a rede estadual169 foi responsável por 65% do total das redes e, em
Porto Alegre, esse índice foi de 64%, o que significa que, nas duas capitais, o ensino
médio foi, majoritariamente, assumido pela rede estadual.
Já a rede municipal170 diminuiu em relação ao total das redes nos dois
municípios. Em 1988, ela representava 6,7%, em Campo Grande, e, em 1998, 4,9%.
167 Ver tabela 3.20, no anexo 6. 168 Ver tabela 3.21, no anexo 6. 169 Ver tabela 3.22, no anexo 7.
188
Em Porto Alegre, essa rede correspondia a 3,19%, em 1988, e a 2,31% em 1998.
Contudo, Campo Grande ainda permanecia com um percentual maior que Porto
Alegre em relação ao total das redes.
Comparando 1998 a 1988, a rede municipal, em Campo Grande, aumentou 521 o
número de matrículas, e Porto Alegre, em 202, valores esses irrisórios para dez anos.
Isso indica que os dois municípios estiveram investindo, prioritariamente, nos
ensinos pré-escolar e fundamental.
Comparando os percentuais dos estados e municípios estudados com os
nacionais no ensino médio171, verificamos que:
- Na rede estadual, o Mato Grosso do Sul, Campo Grande e Porto Alegre possuem
um percentual mais baixo que o nacional, e o Rio Grande do Sul um pouco
acima.
- Na rede municipal, Mato Grosso do Sul possui um percentual bem acima do
nacional e Campo Grande também está acima. Porto Alegre e o Rio Grande do
Sul possuem um percentual abaixo do nacional de municipalização do ensino
médio.
Na rede particular, apenas o Mato Grosso do Sul tem percentual menor que o
nacional. O Rio Grande do Sul está um pouco acima, e os municípios estudados têm
praticamente o mesmo percentual, que está dez pontos percentuais acima do
nacional.
6. Alguns Indicadores de qualidade: gasto aluno, salário e qualificação dos
professores
O gasto/aluno172 foi maior em Porto Alegre do que em Campo Grande. Em
1998, a diferença foi de R$ 1.322,00, portanto 152% superior na capital gaúcha.
Comparando os vencimentos dos profissionais da educação173, verificamos
que, em 1998, em Porto Alegre, eles foram 126% superiores aos de Campo Grande.
Confrontando a qualificação dos professores174, verificamos que, em Porto Alegre, o
número de docentes com licenciatura plena e com pós-graduação foi maior que em
170 Ver tabela 3.23, no anexo 7. 171 Ver tabela 3.24, no anexo7. 172 Ver tabela 3.25, no anexo 8. 173 Ver tabela 3.26, no anexo 8.
189
Campo Grande. Em Porto Alegre, os profissionais com essa qualificação
representaram 86,05% do total e, em Campo Grande, 68,72%.
Na capital gaúcha, desde 1989, todos os professores passaram a ingressar no
quadro de magistério175 via concurso público; por outro lado, em Campo Grande,
como verificamos no quadro acima, 47% desses profissionais, em 1997, eram
contratados, percentual que se reduziu em 1998, ano em que menos professores
foram contratados. Porém, poucos efetivos assumiram, tendo havido uma
diminuição do número de regentes de classe.
174 Ver tabela 3.28, no anexo 9. 175 Ver tabela 3.29, no anexo 9.
190
12.Indicadores de qualidade vinculados à gestão em Porto Alegre e Campo Grande
Tabela 3.34
Dados de gestão da educação em Porto Alegre e Campo Grande
Porto Alegre Campo Grande
Regimento (forma de elaboração) Diretrizes foram debatidas durante o Congresso
Constituinte Escolar
Diretrizes elaboradas pela Secretaria
Municipal de Educação
Cada escola elaborou seu regimento Regimento padrão para todas as escolas
Escolha dos diretores
Eleição direta
Cargo de confiança nomeado pelo
prefeito
Conselho Escolar
Sim
Não
Sistema Municipal de Ensino
(processo de implantação)
Processo debatido com a comunidade escolar,
através da ATEMPA176 (com representantes das
escolas) da Secretaria Municipal de Educação, do
Conselho Municipal de Educação e de
representantes do gabinete do vereador que
apresentou o projeto
Não houve discussão com a
comunidade escolar
176 Associação dos Trabalhadores em Educação do município de Porto Alegre
191
11. Conselho Municipal de Educação
Tabela 3.35
Dados do Conselho Municipal de Educação em Porto Alegre e Campo Grande
Porto Alegre Campo Grande
Ano de
criação
1991 1998
Lei de criação Lei complementar nº248 Lei 3.438
Regulamentaçã
o
Decreto nº9954 de 12 de abril de 1991
Caráter Deliberativo, consultivo e normativo Deliberativo, consultivo e normativo
Composição três membros escolhidos pelo prefeito municipal,
sete pela entidade dos professores municipais,
um pelos estudantes do município,
um pelo movimento comunitário,
dois pelos pais de alunos,
um pelos funcionários das escolas municipais
dois representantes da Secretaria Municipal de Educação,
dois professores da educação infantil do município, em
efetivo exercício,
dois professores representantes da educação infantil do
ensino privado,
dois professores do ensino fundamental, em efetivo exercício
das atividades docentes
dois representantes da entidades classista dos professores
um representante da Universidade Federal do MS
um representante da educação especial do ensino público
municipal
um representante dos estudantes do ensino médio escolhido
entre as entidades representativas da categoria.
Forma de
escolha dos
membros
votação em plenária de cada entidade, específica para este
fim
Nada consta
infra-estrutura sede, telefone
Pautas Legislação do ensino fundamental, médio e educação Até a presente data só existe na legislação, por obrigatoriedade de criação ao
192
infantil (é atribuição do CME fixar normas para a educação
infantil e o ensino fundamental para o Sistema Municipal de
Ensino)
se instituir o Sistema Municipal de ensino.
Forma de
funcionamento
Plenário, Direção e Comissões (ensino, legislação e normas,
acompanhamento, controle e avaliação)
Periodicidade
das reuniões semanal (direção)
quinzenal (plenário 15 membros)
quinzenal (comissões)
Atribuições I - Elaborar regimento interno
II - Eleger presidente, vice-presidente e secretário.
III - zelar pela qualidade de ensino no município,
acompanhando-o, avaliando-o e propondo medidas para seu
aprimoramento.
IV - Promover estudo da realidade educacional;
V - Estabelecer critérios para expansão do ensino e para
conservação e ampliação da rede de escolas.
VI - Traçar normas para os planos municipais de aplicação
dos recursos em educação.
VII - Manifestar-se sobre assuntos e questões de natureza
educacional que lhe forem submetidos através do Poder
Executivo Municipal
VIII - Emitir parecer:
I- interpretar na órbita administrativa, os dispositivos da
legislação referentes ao ensino
II- propor modificações e medidas que visem à
organização, funcionamento, expansão e
aperfeiçoamento do ensino municipal;
III- autorizar experiências pedagógicas para os
estabelecimentos de ensino do sistema municipal;
IV- decidir sobre a autorização para o funcionamento de
estabelecimentos e também a autorização e
reconhecimento dos cursos de educação infantil e
ensino fundamental, criados e mantidos pelo poder
público municipal e educação infantil criadas e
mantidas pela rede privada;
V- editar normas relativas:
a) à organização e ao funcionamento do sistema municipal de
ensino
b) à situação de transferência de discente de um para outro
estabelecimento de ensino no que se refere ao inciso IV
193
a) concessão de auxílios e subvenções educacionais
b) convênios, acordos ou contratos relativos a assuntos
educacionais que o poder executivo pretenda celebrar.
IX - Estabelecer critérios para concessão de bolsas de estudo
a serem custeadas com recursos municipais.
X - Manter intercâmbio com o Conselho Estadual de
Educação (CEE) e com os demais Conselhos Municipais de
Educação
XI - Exercer atribuições que lhe forem delegadas pelo CEE.
XII - Aprovar o plano de aplicação dos recursos a serem
transferidos às escolas públicas municipais, destinados à
manutenção e ao custeio do ensino, e fiscalizar o repasse por
ele previsto.
XIII - Aprovar os planos municipais de educação de duração
plurianual,
XIV - Propor alterações na legislação municipal referente à
área da educação e a áreas afetas à mesma
c) à fiscalização dos estabelecimentos de que se refere o inciso
VI- autorizar a inclusão a inclusão de matérias do ensino
fundamental e educação infantil do sistema municipal
de ensino para constituir a parte diversificada dos seus
currículos plenos;
VII- emitir parecer sobre assuntos e questões de natureza
pedagógica e educacional que lhes sejam submetidas
pelo Secretário Municipal de Educação
VIII- exercer demais atribuições que lhe forem conferidas
pela legislação federal, estadual e municipal.
194
Ao compararmos os dados das duas capitais, constatamos o que segue.
1) Quanto à caracterização dos municípios, verificamos que a capital do Mato
Grosso do Sul possui a metade da população da capital gaúcha, talvez por aquele
Estado ter sido recentemente criado, em 1977, tendo apenas 77 municípios. O
Rio Grande do Sul, ao contrário, possui vasta história, inclusive de confronto
com o governo federal, e, abrigava 467 municípios. Tudo isso determina perfis
diferentes para a capital desses Estados. Por outro lado, as duas capitais têm, em
comum, o comércio e os serviços como suas principais atividades e o alto
percentual de receita própria. A gestão dos recursos públicos, em Porto Alegre, é
feita através do Orçamento Participativo, e, em Campo Grande, essa gestão é
mais centralizada. Porto Alegre, nos dez anos estudados, foi administrada pelo
Partido dos Trabalhadores, ao passo que Campo Grande teve seu governo
alternado entre o PSDB e o PMDB.
2) Os projetos de política educacional, no período estudado, mostraram que Porto
Alegre, até mesmo pela continuidade do perfil de suas administrações, teve um
projeto de educação – a escola cidadã -, que foi sendo aperfeiçoado ao longo dos
anos, principalmente no que se referiu à proposta de gestão democrática. Campo
Grande não teve, conforme verificamos pelos projetos estudados, a mesma
proposta de continuidade, sendo que, de acordo com o relato de pessoas
vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, houve dificuldade para se
encontrarem os projetos requisitados por esta pesquisa, pois, a cada nova
administração, as propostas anteriores eram esquecidas e, muitas vezes,
incineradas.
Verificamos ser essa descontinuidade uma das características da política
educacional de Campo Grande, sendo que a outra foi a de os projetos serem muito
fragmentados, nos quais a visão recorrente era a de qualidade total, apesar de, em
alguns momentos, eles terem apresentado um referencial mais crítico.
3) Quanto ao grande movimento de receita, verificamos que os dois municípios
tiveram um percentual significativo de receita própria, o que lhes permitiu uma
certa autonomia para elaboração das políticas sociais, já que as duas cidades não
ficaram totalmente à mercê das transferências de recursos por parte da União, ao
contrário do que ocorre com a maioria dos municípios brasileiros.
195
4) No movimento das despesas, verificamos que os municípios estudados
destinaram mais recursos para a educação do que os respectivos, Estados, e que,
comparativamente à despesa total, Campo Grande vinha destinando um
percentual maior de recursos à educação do que Porto Alegre.
4.1) Não foi possível efetuarmos a comparação entre as despesas por programa de
trabalho, a partir da qual visávamos a verificar os gastos por nível de ensino.
Isso porque, em Campo Grande, a despesa com pessoal, independente do
nível de ensino, foi computada na rubrica administração, da Secretaria de
Educação, enquanto que, em Porto Alegre, essa despesa foi orçada na rubrica
referente ao nível de ensino, o que significa que, por exemplo, as despesas
com os professores do ensino fundamental foram relacionadas na rubrica de
ensino fundamental, e, assim, não tivemos condições de analisar os gastos de
cada nível de ensino. Como a comparação entre as duas cidades ficaria
prejudicada, resolvemos estudar apenas os casos em separado, como consta
dos itens referentes a cada uma das capitais.
5) No grande movimento relacionado às matrículas, constatamos que, tanto em
Campo Grande como em Porto Alegre, durante os dez anos estudados, houve um
processo de publicização.
A matrícula em educação pré-escolar, na rede pública, passou de 45%, em 1988,
para 66% , em 1998, sobre o total de matrículas. Em Campo Grande, ela passou de
40% para 43% nos mesmos anos. Porém, em Porto Alegre, esse movimento foi
contínuo, e, em Campo Grande, o percentual chegou a 57%, em 1997, tendo baixado
para 43% em 1998. Essa queda no percentual de publicização da rede deveu-se à
ostensiva redução no número de matrículas na rede estadual em 1998. Como essa
queda deu-se no ano de implantação do FUNDEF, o qual não contempla esse nível
de ensino, podemos inferir que tal redução já foi conseqüência desse Fundo.
As matrículas do ensino fundamental também passaram por um processo de
publicização, apesar de pouco significativo, com um aumento de apenas cinco pontos
196
percentuais em Porto Alegre e de três pontos percentuais em Campo Grande. Isso,
em dez anos, não representa um grande avanço, mas, pelo menos, não tem ocorrido
um processo maior de privatização. Em Campo Grande, a rede pública abriga 84%
das matrículas, estando mais publicizada do que em Porto Alegre, onde é de 76%.
Conforme os estudos referentes à taxa de escolarização, em Porto Alegre, o ensino
fundamental de 7 a 14 anos foi universalizado, e, em Campo Grande, a taxa de
escolarização foi de 97,65%.
Em Campo Grande, a rede municipal é maior que em Porto Alegre. Naquela cidade,
a rede municipal representou 38% do total de matrículas em 1998 e, em Porto
Alegre, representou 18% . Porém, em Porto Alegre, a rede municipal cresceu mais de
1988 para 1998, com um índice de 132%, enquanto que, em Campo Grande, ela
cresceu 69%.
No ensino médio, também houve um processo de publicização nos últimos dez anos,
nos dois municípios estudados. Em Porto Alegre, a matrícula na rede pública passou
de 47%, em 1988, para 70% em 1998. Em Campo Grande, a matrícula na rede
pública representava 65% em1988, e, em 1998, 67%, tendo aumentado apenas dois
pontos percentuais em dez anos. Nas duas capitais, 65% das matrículas pertence à
rede estadual.
6 Quanto aos indicadores de qualidade
6.1. Gasto/aluno
O gasto/aluno foi maior em Porto Alegre do que em Campo Grande, no período
estudado.
6.2. Salário dos professores:
O salário dos professores de Porto Alegre foi mais que o dobro do que em Campo
Grande.
6.3. Qualificação
Em Campo Grande, 62% dos professores efetivos apresentaram qualificação
(licenciatura plena e pós-graduação) e, em Porto Alegre, esse índice foi de 86%.
6.4 . Efetivos/convocados
Em Porto Alegre, todos os professores eram efetivos, tendo sido selecionados por
concurso público177. Em Campo Grande, apenas 75% dos professores eram efetivos.
177 Conforme dados da ASSEPLA (Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre).
197
6.5 Número de alunos por professor
Porto Alegre apresentou um número menor de alunos por professor do que Campo
Grande. Os dois municípios sofreram o impacto do FUNDEF, possuindo, a partir de
1998, um número maior de alunos por professor, principalmente na pré-escola.
7. Os Indicadores de qualidade vinculados à gestão em Porto Alegre, nesses dez
anos, aperfeiçoaram a gestão democrática, através:
7.1. da eleição direta para diretores;
7.2. da elaboração coletiva do regimento escolar;
7.3 . do caráter participativo e de poder real do Conselho Escolar, que entre outras
atribuições, passou a ser o responsável pela gerência dos recursos financeiros da
escola;
7.4 . da composição e participação ativa do Conselho Municipal de Educação na
política educacional do município;
7.5. do processo democrático de discussões para a implantação do Sistema Municipal
de Ensino, do qual todas as entidades representativas vinculadas à educação
participaram;
7.6 . da gestão dos recursos financeiros, que é feita pelo Conselho Escolar.
Por outro lado, em Campo Grande, houve um processo de centralização das
decisões de gestão, uma vez que:
7.7. os diretores de escola continuam sendo nomeados pelo prefeito, não havendo
eleições diretas para o cargo;
7.8. o regimento escolar foi elaborado por técnicos da Secretaria Municipal de
Educação, sendo padrão para todas as escolas;
7.9. não se implantaram os conselhos escolares;
7.10. o Conselho Municipal de Educação, até o término desta pesquisa, só existia no
decreto que o criara. Esse decreto foi expedido porque, para a implantação do
Sistema Municipal de Ensino, deveria haver o Conselho;
198
7.11 a implantação do Sistema Municipal de Ensino não foi debatida com a
comunidade escolar;
7.12 a gestão dos recursos financeiros é centralizada na Secretaria de Educação.
Por tudo o que foi discutido, concluímos que, em Porto Alegre, o percentual
de municipalização do ensino fundamental é ainda pouco significativo, apesar de ele
ter se elevado nos últimos anos, tendo havido, contudo, um processo significativo de
descentralização da gestão. Em Campo Grande, houve um processo mais avançado
de descentralização, se a entendermos como municipalização de matrículas, mas
houve centralização quanto aos aspectos de gestão, tendo-se verificado pouco
controle social tanto no que se referiu à gestão, quanto ao financiamento.
199
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta pesquisa foi o de verificarmos o modo como estão se
materializando, na política educacional, as redefinições do papel do Estado nestes
anos 90, tendo como pressuposto o fato de que a política educacional não é,
simplesmente, determinada pelas mudanças que estão ocorrendo na redefinição do
papel do Estado, mas é parte constitutiva dessas mudanças.
Ao analisarmos os projetos de política educacional, nos âmbitos nacional e
local, assim como os dados de realidade dos municípios estudados, constatamos que
a redefinição do papel do Estado está se materializando nessa política,
principalmente através de dois movimentos:
1. de contradição Estado mínimo/Estado máximo, que se apresenta nos
processos de centralização /descentralização dos projetos de política
educacional;
2. no conteúdo dos projetos de descentralização.
Esse movimento de centralização/descentralização da atual política educacional,
no qual é descentralizado o financiamento e centralizado o controle, é parte da
proposta de redefinição do papel do Estado, como podemos constatar no Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (MARE, 1995, p.11):
A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da
redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto
pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e
serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse
desenvolvimento.
Ao analisarmos os projetos de política educacional, constatamos que,
por um lado, o governo federal, com essas reformas, vem se desobrigando do
financiamento das políticas educacionais, mas, por outro lado, ele objetiva
centralizar as diretrizes, principalmente mediante parâmetros curriculares nacionais e
avaliação das instituições de ensino. Definir-se o que vai ser ensinado em todas as
200
escolas do País e ter-se o controle, por meio da avaliação institucional, tornam-se
aspectos estratégicos neste período particular do capitalismo, pois, afinal, como
ressalta Mészáros:
Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades
sem as quais a atividade produtiva não poderia ser realizada, o complexo
sistema educacional da sociedade é também responsável pela produção
da estrutura de valores dentro da qual os indivíduos definem seus
próprios objetivos e fins específicos. As relações sociais de produção
capitalistas não se perpetuam automaticamente (Mészáros,178 apud
Frigoto, 1993, p.11).
Verificamos que os empresários tinham muito presente que as as relações
sociais de produção capitalistas não se perpetuam automaticamente, quando
afirmaram que, mais do que gerir escolas, interessava-lhes imprimir a lógica de
mercado na política educacional, como vimos no capítulo 2.
Constatamos que as justificativas para se reformar o Estado têm, como
premissa, a crise fiscal e apontamos, no capítulo 1, que, mais do que uma crise
fiscal, estamos em meio a uma grande crise do capital. A crise fiscal é apenas uma
das facetas dessa crise, e, portanto, toda a estratégia de reforma do Estado proposta,
além de resolver só parte do problema, fragiliza o Estado no que se refere às
políticas sociais.
Essa é uma questão básica, pois os projetos de política educacional estão
baseados nessa premissa, a de crise fiscal, e, portanto, propõem a racionalização de
recursos, sendo a descentralização parte da estratégia para se atingir esse fim.
De acordo com a caracterização do IPEA, como vimos no capítulo 1, a
descentralização pode ser restrita ao aparelho de Estado, dando-se tanto de uma
esfera de governo para outra, como no interior da mesma esfera de governo. No
segundo caso, ela se dá através da privatização no sentido estrito, da terceirização de
serviços de apoio à Administração Pública, da transferência da exploração de um
serviço público da administração pública para a gestão privada através dos institutos
178 MÉSZAROS, I. Marx: a teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p.260.
201
da concessão e da permissão (publicização, no enfoque do MARE), da participação
da população nas decisões coletivas, no planejamento e gestão dos serviços públicos
e no controle social das autoridades, instituições e organizações governamentais ou,
ainda, a descentralização ampla combinando todas essas formas descritas. (Brasil,
IPEA, 1994)
Verificamos que o Plano Diretor da Reforma do Estado, encaminhado pelo
MARE, propõe a descentralização sob esse mesmo enfoque, a publicização e a
terceirização.
Todavia, dentre as alternativas do conteúdo da descentralização propostas
pelo IPEA, estão a da participação da população na gestão pública e a do controle
social. Contudo, verificamos que esse conteúdo não está presente na proposta de
descentralização contida no Plano Diretor de Reforma do Estado de autoria do
MARE .
O mesmo constatamos quanto às políticas educacionais de caráter nacional,
sendo que ao analisarmos seus principais projetos, averiguamos que:
- o projeto do FUNDEF está inserido na proposta de descentralização de uma esfera
de governo para a outra;
- a elaboração dos projetos de Avaliação Institucional e dos Parâmetros
Curriculares Nacionais foi terceirizada.
Constatamos aqui, mais uma vez, a contradição centralização/descentralização, já
que os PCN e a Avaliação foram centralizados, como já mencionamos, como uma
forma de controle, mas ao mesmo tempo eles foram descentralizados, entendendo
descentralização como terceirização e não como participação e controle social dos
setores representativos da área da educação.
Apontamos, ainda, para o riscos de que os próximos estágios sejam a
publicização179 e a privatização no sentido estrito, principalmente:
- pela estratégia adotada pelo governo brasileiro de saída para a crise, que, como
analisamos, aponta para a minimização das políticas sociais, enquanto o Estado
179 Publicização, neste caso , como o proposto pelo MARE, no sentido da transferência da gestão da
administração da esfera pública para a privada e não como o processo de tornar público, como nos
referimos no cap. 3, que a educação foi publicizada.
202
atende às demandas do capital, principalmente as do especulativo, como
buscamos comprovar no capítulo 1; e
- porque, no plano do MARE (1995), as políticas sociais e, dentre elas, a
educacional, não serão consideradas atividades exclusivas do Estado, nem
pertencentes ao seu núcleo estratégico, e, que, portanto, a forma de propriedade
proposta não é a estatal, mas a pública não estatal e a privada, como verificamos
no Quadro 1.1 do capítulo 1.
Destacamos ainda, que, com o FUNDEF, o governo federal propõe uma
descentralização de responsabilidades e não de recursos; pois, com a emenda
constitucional que propôs o FUNDEF, esse governo diminui sua contribuição
financeira para com o ensino fundamental, tendo-se como referência aquela
prevista na Constituição, antes da emenda.
Com essa emenda, ainda, o governo acaba com a proposta de educação
básica, que é composta pelos ensinos pré-escolar, fundamental e médio, e
também com a educação de jovens e adultos, no momento em que determina que
os Estados e municípios deverão financiar o ensino fundamental em detrimento
dos outros.
Pelo autoritarismo dessa medida, verificamos que o governo centraliza as
decisões de política e gestão também no que se refere ao financiamento da
educação, pois estabelece que não cabe mais, aos municípios, decidir sobre onde
aplicar grande parte de seus recursos.
Isso tudo apesar do discurso oficial de descentralização e de autonomia da
escola. A descentralização proposta é, apenas, no sentido de se
responsabilizarem os municípios pelas matrículas do ensino fundamental.
Observamos aqui, mais uma vez, a tensão centralização/descentralização, no
momento em que a definição de gestão dos recursos é mais centralizada do que
antes da proposta da emenda.
Quanto às políticas educacionais de caráter local, nos municípios estudados,
verificamos que o conteúdo da descentralização apresentou perfis diferenciados,
revelando projetos de sociedade e de política educacional distintos.
203
Em Campo Grande, a descentralização seguiu os moldes descritos pelo
proposta do MARE, materializado na política educativa de caráter nacional: a de
descentralização do financiamento, já que o município apresentou um percentual
alto de municipalização do ensino fundamental e de centralização na gestão.
Os documentos de política educacional, em Campo Grande, apontaram para
um referencial bem apropriado à lógica da administração gerencial proposta pelo
MARE, a de qualidade total na educação, além de incorporarem as políticas
ditadas pelo governo federal referentes aos Parâmetros Curriculares Nacionais e à
Avaliação.
Em Porto Alegre, a proposta de descentralização que se verificou foi justamente a
negada pelo MARE, qual seja, a de participação da população na gestão pública e no
controle social, conforme analisamos no capítulo 3 deste trabalho.
Também os efeitos do FUNDEF, em consonância com a decisão centralizadora
do governo federal, de privilegiar o ensino fundamental em detrimento dos demais
níveis, foram diferenciados nos dois municípios.
Em Porto Alegre, na Plenária Temática Educação, foram estabelecidas, como
prioritárias, a educação infantil e educação de jovens e adultos. Isso significa que a
cidade, apesar das dificuldades enfrentadas, uma vez que perderia mais de sete
milhões devido ao Fundo, pretendia manter sua autonomia quanto à elaboração das
políticas educacionais. Verificamos esse grau de autonomia, também, na elaboração
das Propostas Curriculares e da Avaliação, que foram discutidas no Congresso
Constituinte Escolar, no qual os setores envolvidos no processo definiram o quê e
como seria ensinado e avaliado, não seguindo a centralização proposta pelo governo
federal.
Verificamos, assim, a complexidade do termo descentralização em se
tratando de políticas sociais no período histórico analisado, assim como a dificuldade
de se discutir o termo em si, desvinculado do tempo e do espaço. Constatamos que o
conteúdo da descentralização é construído no embate entre forças que defendem
projetos de sociedade e de educação antagônicos.
204
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