Introdução
A teoria da regulação e as transform ações contem porâneas do
sistem a internacional dos Estados e daeconom ia mundial
B r u n o T h é re t?
Embora alguns economistas brasileiros a citem, a teoria da
regulação desenvolvida por alguns economistas franceses há cerca de vinte anos é relativamente menos conhecida no Brasil do que na maioria
tios outros países latino-americanos. Prova disto é o pequeno número dc
traduções para o português de textos fundadores ou de balanços deste programa de pesquisa.1 2 Assim, parece-nos importante fazer com que o
público brasileiro conheça melhor esta teoria publicando aqui um conjunto de textos: com os quais tem-se uma visão panorâmica das
perspectivas, métodos, temas c análises desenvolvidos por esta corrente.
Esta iniciativa toma-se tanto mais oportuna quando nos últimos anos vai
ficando evidente que o processo de globalização capitalista enfrenta percalços que já colocam na agenda pública internacional a “ questão da
regulação” por oposição à ênfase predominante, até recentemente, na
dcsregulamentação e liberalização.
Os textos foram apresentados no Seminário Franco-Brasileiro ocorrido em abril dc 1995 na Fundação para o Desenvolvimento
1 fRIS-TS/Univensité de Parix-Dauphinc/ÇNRS.2 Apenas o livro dc Robert Boycr. Lu théorie de ta règulatà*i: une <utalyse critique foi
traduzido (cf. Boycr, 1990). Há também a publicação pela Universidade Federal do Espírito Santo dc um conjunto de ensaios sobre a teoria da regulação: ver Mendonça. Nafcalani & Carcanholo (1994).
s In lrodiiflo
Administrativo - FU ND AP de São Paulo.'1 Como coordenador científico
do Seminário, coube a mim organizar um confronto teórico da escola de
regulação com a “ escola de Campinas1’, levando em conta a proximidade
intelectual destas escolas, mas também suas diferenças significativas. Uma série prévia de intercâmbios individuais nos haviam permitido, com
efeito, perceber que os representantes das duas correntes partilhavam uma
visão dinâmico-estrutural da Economia que situa a ambas dentro de uma perspectiva de Economia Política, de História e de Instituições. O
interesse vivo e permanente por parte do público que assistiu ao
Seminário, bem como as trocas teóricas frutíferas que ocorreram,
confirmaram nossa opinião de que a abordagem regulacionista
correspondia às problemáticas desenvolvidas pelos economistas e cientistas políticos da UNICAM P.
Não se tratava unicamente de confrontar duas abordagens teóricas. Era necessário fazê-lo em tomo a questões concretas em jogo,
adotando assim ao pé da letra a expressão de regulação que serve de
bandeira de coesão aos economistas regulacionistas. Fize-mo-lo ao adotar
como questão o impacto do que é correntemente qualificado de
globalização econômica e financeira sobre os modos nacionais de
regulação econômica, problema central aqui e lá, ou seja tanto em São
Paulo como em Paris. Assim, partimos daquilo que faz a originalidade da
abordagem da regulação no campo da análise econômica. Daí a seleção de
cinco grandes temas de debate numa seqüência que vai desde o nível mais
teórico e relacionado ao longo prazo^histórico, quadro fundante da teoria da regulação, até as questões mais concretas e conjunturais colocadas pela
globalização. Estes temas que constituem a trama do presente livro são os
seguintes: a relação da Economia Política com a História e o que isto 3
3 A partir da iniciativa de Joio Manuel Cardoso de Mello. Liana Aurcliano e Sonia Draibe, este Seminário foi organizado pelo Instituto de Economia do Setor Público - IESP da FUNDAP, pdo Instituto de Economia e pelo Núcleo de Estudos dc Políticas Públicas da UNICAMP, bem como pelo IRIS. CNRS-Université Paris-Dauphine. da parte francesa. Foi financiado pela FUNDAP. pela Fundaç&o de Amparo & Pesquisa do Estado de SSo Paulo - FAPESP - tendo recebido igualmente apoio da COFECUB e da CAPES, no contexto do acordo de cooperaçSo franco-brasileira. A presente edíçáo foi apoiada pelo professor Geraldo Di Giovanni. diretor do Instituto de Economia da UNICAMP, e pelo professor Rui de Britto Álvares AíTonso. diretor do IESP. Registramos a colaboração editorial de Beatriz Lcfévre, da FUNDAP. Queremos agradecer ao conjunto de pessoas e instituições que empreenderam esta cooperaçSo.
Rmhm» I l i^ rn
implica quanto à modelização das condições de reprodução da economia
uipitalista; o papel do Estado na regulação nacional e internacional; as
li mis formações e as performances diferenciadas dos regimes salariais
nacionais segundo os países face â globalização; as relações de concorrência entre empresas e políticas industriais e/ou as políticas de
regulamentação destinadas a regulá-las; enfim a questão das respostas
políticas ã globalização examinadas do ponto de vista de determinadas
instituições monetárias e comerciais suscetíveis de lhes estabelecer
limites. Este recorte provém da mesma metodologia dos regulacionistas
que atribui uma importância fundamental á historicidade das sociedades contemporâneas c busca uprecndê-las distinguindo uma série de formas
institucionais parcialmente autônomas ainda que interdependentes entre
elas: a moeda, a relação salarial, as formas da concorrência, o modo de
inserção internacional, as formas do Estado.
O caráter pouco usual dessa metodologia torna útil, a nosso ver,
apresentar previamente â matéria específica deste livro um resumo sobre a
maneira geral pela qual os regulacionistas se apropriam do conceito de
regulação para rcposicioná-lo num quadro teórico original. Dada a
multiplicidade de temas tratados neste livro e a diversidade de ângulos de
abordagem adotados, cremos ser útil ao leitor apresentar-lhe a unidade de
preocupação que marca os autores aqui reunidos. Após esta apresentação
do quadro geral da teoria da regulação e dos relativo às contribuições que compõem este livro, terminaremos esta introdução com as observações
sobre os desafios colocados pela globalização aos modos dc regulação
nacionais, desafios concernentes tanto ao lugar do assalariamento nas sociedades contemporâneas quanto à natureza da relação entre economia e
política c o novo papel que nela executa a financeirização.
9
A abordagem da regulação: uma visão geral4
Para os regulacionistas, a teoria econômica padrão deve ser
superada na medida em que suas análises e proposições são, mais do que nunca, problemáticas. Seu individualismo metodológico ofensivo, sua
4 Em toda esla parte, inspiramo-nos diretamenie cm Boycr & Saillarcl (1995).
IO Introdução
mineração dos elementos colclivos da vida econômica, sua rejeição à
História e às transformações estruturais em nome do fechamento da
economia pura, que não precisa sc ocupar com movimentos sociais ou
com a complexidade dos processos políticos, fazem dela uma disciplina puramente normativa, prescritiva, amplamente inoperante para pensar o
que dc falo acontece, embora ela possa ser, quando necessário, uma arma
retórica eficiente nos dispositivos estratégicos das elites dirigentes.
N o entanto, “ 6 possível construir teorias econômicas alternativas mais respeitosas dos limites da racionalidade, do cmbricamento dos
fenômenos económicos nas sociedades ricas de outras relações sociais, imersas nas transformações que não deixaram dc marcar o
desenvolvimento e as crises do capitalismo. A teoria da regulação c uma
delas, posto que dedicou-se a elaborar um conjunto dc conceitos c dc
métodos que-permitem analisar as transformações estruturais como os
períodos de crescimento rápido e mais ou menos regular” (Boycr & Suillard, 1995: 11).
Com este fim, o programa dc pesquisa regulacionista parte de ‘‘quatro hipóteses fundadoras” .
• Hm primeiro lugar, é importante recompor o campo dc análise de fornia a constituir unidades pertinentes integrando a lógica econômica,
a preservação do laço social, a importância do político na solução
sempre provisória, dos conflito^ que não param de emergir de toda ordem socioeconômica. (H para este fim ) que a teoria da regulação
entende beneficiar aportes dc disciplinas vizinhas, como a história, a
sociologia, as ciências políticas, das quais aceita adotar algumas conclusões como hipóteses.
• Hm seguida, entende delimitar com precisão o espaço e o período durante os quais é legítimo postular uma certa adequação entre seus
conceitos de base e os fenômenos dos quais deveriam dar conta. A generalidade da teoria não vem dc uma derivação axiomática c sim de
uma progressiva generalização dc suas noções de base, dc suas ferramentas, de seus resultados. (...)
• Uma terceira hipótese fundadora trata da historicidade fundamental do processo de desenvolvimento das economias capitalistas: neste modo dc produção, a inovação organizacional.
AfiHM» I l i f r r l li
Kocial, tecnológica, loma-se permanente e aciona um processo no qual üs relações socioeconômicas conhecem uma transformação ora lenta e controlada, ora brutal e fugindo ao controle e à análise. (...) A aposta da teoria da regulação é assim historicizar as teorias econômicas.
• Por fim, enquanto a teoria neoclássica multiplica as hipóteses ad Itoc destinadas a dar conta seja das transformações técnicas, seja dos
.ivatares da construção européia ou ainda seja das dificuldades de lelorma das economias de tipo soviético, a teoria da regulação tem por
ambição explicar com o mesmo conjunto dc hipóteses o maior número
possível dos fatos estilizados que podem ser observados no período
dos anos cinqücnta até nossos dias (Boycr & Saillard, 1995: 12.).
Destas hipóteses decorre naturalmente que a abordagem da icgulnção tem uma vocação pluridisciplinar como ilustra o Bsqucma I. Com efeito, inspira-se, entre outras, na teoria marxista, em uma macroeconomia heterodoxa de inspiração mais kalcckiana do que kcyncsiana, na escola histórica dos Annalcs, na ciência política pública; e hnnlmcnte na sociologia estruturalista genética e suas categorias dc i ,impo e de habitus desenvolvidas por P. Bourdicu (Boyer, 1995: 24-5). I in suma, encontra sua origem e seu dinamismo “ em uma cultura • Atcnsiva, nas margens de diversas disciplinas das ciências sociais, embora a dominante continue sendo a economia. Como a economia está cmhricnda cm uma série de relações sociais, políticas, jurídicas e de oslcnms de valores. (...) importa (...) estabelecer a fronteira dos Iniômenos estudados segundo conjuntos que criam um sistema, ou seja, que percebem as principais interações entre esferas que são conhecidas »•orno pertencentes a campos disciplinares distintos“ (Boyer, 1995: 26-7):
A partir daí, ou seja, dc suas hipóteses e de suas fontes pliiridisciplinares, a Teoria da Regulação - T R “ forjou progressivamente um conjunto de ferramentas conceituais“ que convém lembrar inpidnmcnte agora. Com este fim, vamos nos limitar a retomar quase que totalinciite a excelente apresentação resumida que dela deram Robert Itoyer e Yves Saillard.5
'T rês níveis dc análise podem ser diferenciados segundo um nível dc abstração decrescente (...). No nível dc maior abstração, a T R analisa os modos de produção e sua articulação. A filiação às relações dc 1
1 Cf. Un pfécis.. <1995. cop. 5).
11 Im roduçio
produção de Marx é clara, mas a correspondência entre as relações de produção e o estado das forças produtivas foi abandonada, bem como a dicotomia entre estrutura econômica e superestrutura jurídica c política. No modo de produção capitalista, a forma das relações dc produção c dc troca impõe o primado do valor de troca sobre o valor de uso c faz da acumulação um imperativo do sistema
Em um segundo nível dc abstração, a TR carateriza as regularidades sociais e econômicas que permitem à acumulação descnvolver-se no longo prazo, entre duas crises estruturais. O conjunto destas regularidades é resumido pela noção de regime de acumulação. Neste nível, as regularidades são apenas constatadas: correspondem aos fenômenos que a modelização macroeconômica do crescimento de inspiração kaleckiana c cambridgiana formaliza. Localizar as regularidades não significa excluir as crises: a caracterização dos regimes de acumulação -é também a de sua evolução e de suas crises possíveis. Onde os neoclássicos c os pós-keynesianos procuram um modelo geral e invariante, os regulacionistas encontram uma variedade dc regimes dc acumulação, segundo a natureza c a intensidade das transformações técnicas, o volume c a composição da demanda, o tipo de modo dc vida assalariado. As relações capitalistas são compatíveis com regimes dc acumulação que se transformam no longo prazo, e que são, assim, variáveis tanto no tempo quanto no espaço.
Um terceiro nível dc análise trata das configurações específicas das relações sociais para uma época e um conjunto geográfico dados. As formas institucionais ou estruturais definem a origem das regularidades sociais e econômicas observadas. A TR atribui-se como programa caracterizar estas formas institucionais e seu agenciamento como também analisar suas transformações permanentes. A s formas institucionais socializam os comportamentos heterogêneos dos agentes econômicos e permitem a passagem du micro para a macroeconomia. A T R estabelece uma certa hierarquia entre estas formas institucionais segundo o modo de regulação cm vigor na época c para o país considerado. Para o fordismo do pós-guemi, a moeda de crédito, uma relação salarial original e uma forma dc concorrência oligopolista verificaram ser mais importantes do que a transformação do Estado entendido stricto sensu. Por outro lado, nos anos 90, o endurecimento da limitação monetária e a internacionalização da concorrência parecem preceder e formatar as transformações da relação salarial.
Hnino 'l l ié r e t »5
Esquema IGenealogia c fontes de inspiração üa teoria da regulação
Estrulurá- ÊcoU ties MaeVoeconomia
Im ro duyjo•4
A importância da fornia institucional ' ‘moeda” está ligada a seu papel de equivalente geral, de modo de conexão entre as unidades
econômicas. Muitas modalidades da forma da limitação monetária são
possíveis. Kxistem a priori tantos regimes monetários quantos modos de
compensar déficits e excedentes entre atores econômicos. Esta forma
institucional supera os limites nacionais para tratar também das relações
com os espaços de circulação e de trocas mais amplas. A imbricação das formas institucionais implica, para a TR, a rejeição das explicações
unívocas dos fenômenos econômicos. Assim, a origem da inflação não
pode ser apenas monetária e a moeda não pode ser “ neutra” .
O lugar privilegiado da relação salarial entre as formas institucionais singularizadas pela TR está ligado ao fato dela caracterizar o tipo de apropriação do lucro no modo de produção capitalista. As análises históricas e as comparações internacionais permitiram distinguir diversas formas da relação salarial:
- concorrencial, quando o consumo dos trabalhadores não está inserido na produção capitalista;
- taylorisla, quando u organização do trabalho permite uma produção de massa, sem que o modo de vida dos assalariados seja profundamente modificado;
- fordista, que conjuga o desenvolvimento de normas dc consumo e de normas dc produção.
As formas da concorrência indicam como se organizam as
relações entre os produtores. A TR está mais ligada panicularmente à
análise das formas da concorrência passíveis de acarretar a transformação dos regimes dc acumulação.
A s formas de adesão ao regime internacional caracterizam as
relações entre o Estado-Naçüo e o espaço internacional. Está na própria
definição do Estado exercer sua soberania política sobre um território
precisamente delimitado, de sorte que as relações de cada Estado-Nação com o resto do mundo resultam raramente dc relações de mercado puro e sim de escolhas políticas operadas durante períodos críticos: escolha de
um regime comercial, de uma gestão do câmbio, de uma abertura aos capitais estrangeiros, opções que definem a modalidade de inserção, e por
extensão, a viabilidade de um regime internacional. A TR tenta evitar as
ItfiiiHi l)irr« -t
oposições simples entre economia aberta e economia fechada, autonomia
nacional e limite externo, c propõe noções intermediárias como a de área estratégica para definir os tipos de estruturação do espaço internacional.6
Um regime internacional não determina sozinho o modo de
crescimento de um país: tudo depende das coerências estabelecidas entre
este regime c as outras formas institucionais do país. A idéia de regime
internacional ressalta que a multiplicidade dos arranjos institucionais que regem o comércio, o investimento direto, os fluxos financeiros e a
organização das trocas não poderíam se reduzir apenas a ajustes de
mercado. (...)
As formas do Rstado mostram como a organização das
autoridades públicas se insere no dinamismo econômico. A complexidade dos compromissos na origem das intervenções públicas exclui as
interpretações funcionulistas das ações do Estado. A configuração do
listado é dotada de uma autonomia bastante ampla em termos de
codificação do regime monetário, das formas da concorrência e da relação
salarial. Além disso, as relações entre sujeitos políticos c agentes
econômicos introduzem várias diferenças, em termos de taxação, de
acesso aos serviços coletivos produzidos ou organizados sob a égide do
Estado.
Mas a análise das formas dc articulação entre o Estado e a
Economia leva à interrogação sobre a natureza do Estado em geral. A
partir do momento em que se distingue claramente a lógica do poder político (expressão da soberania e da legitimidade autorizando a cobrança
fiscal) dos limites da acumulação privada, é possível construir uma série
de conceitos que dão conta da complexidade dos papéis fc das
configurações do Estado. A noção de regime fiscal-financeiro resume uma
correspondência entre as formas jurídicas c de gastos do Estado por intermédio do processo dc cobrança fiscal.7 A especificidade da TR ,
assim, é não isolar o Estado do sistema econômieo nacional, enquanto
exclui determinismos simples do econômico em relação ao Estado (Boyer & Saillard, 1995: 60-3).
6 Cf. Mistral (1986).7 Cf. Thdfci (1992).
Im r o ílu i jio
Após haver definido estas cinco grandes formas institucionais
(que também são conjuntos de instituições elementares independentes)
que canalizam a ação coletiva no contexto de um certo tipo de relação
social, a TR pode definir seu conceito central de modo de regulação que épara o social o que o regime de acumulação é para a economia. “O ajuste
entre as decisões dos agentes econômicos, múltiplos c descentralizados, e
cuja racionalidade é limitada, opera-se, para a TR , pela conjunção deprocedimentos e comportamentos efetivos, o modo de regulação” . Por
este termo, temos a intenção de insistir no processo dinâmico de ajuste
dos desequilíbrios no dia a dia e no caráter parcial dos procedimentoscodificados pelas formas institucionais. Com efeito, apenas a experiência
permite julgar a posteriori a viabilidade de um modo de regulação. Comrelação ao neoclassicismo fundamentalista, trata-se primeiro de substituir
um equilíbrio estático pela análise dos processos dinâmicos de soluçãodos desequilíbrios que a acumulação gera permunentemente, depois de
inserir os mercados em uma série de dispositivos institucionais que
socializam tanto a informação quanto os comportamentos, enfim, érestringir a racionalidade dos agentes às informações c capacidadescognitivas das quais realmente dispõem, ou seja, cm suma, adotar uma
racionalidade localizada, iluminada por unia rede densa de instituições.
Assim abre-se a possibilidade de que o modo de regulação difira
grandemente segundo a época c o lugar e que não seja a projeção de ummesmo modelo de equilíbrio geral, às imperfeições e fricções que seriam
introduzidas pelas “ especificidades” nacionais.*
Uni modo de regulação aciona um conjunto de procedimentos e
de comportamentos individuais e coletivos que devem simultaneamente
reproduzir as relações sociais através da conjunção de formas institucionais historicamente determinadas e sustentar o regime de
acumulação em vigor. Mais ainda, um modo de regulação precisa
assegurar a compatibilidade entre um conjunto de decisões
descentralizadas, sem que seja necessária uma interiorização pelos agentes dos princípios que governam a dinâmica do conjunto do sistema. Esta
definição recusa a distinção entre a economia pura e o social. A
imbricação da esfera econômica em um espaço mais amplo, de qualquer forma, permite acabar com a indeterminação à qual levaria uma lógica
Hnmo l l i f r r l ȕ
econômica pura. Graças a esta imbricação,8 é possível superar as crises
estruturais que, de outra forma, seriam ainda mais devastadoras.
Tres princípios dc ação das formas institucionais foram propostos para analisar seu papel dc canalização dos comportamentos individuais e coletivos: primeiro a lei. a regra ou o regulamento, ou seja, um princípio dc limitação; cm seguida o compromisso, ou seja, um princípio de negociação; por fim, a comunidade de um sistema de valores ou dc representações, ou seja, um princípio de rotina.
Esquema 2Uma visão sinóptica das noçócs dc base da teoria da regulação
REGIME DE ACUMULAÇÃO
COMPATIBILIDADE DINÂMICA ENTRE PRODUÇÃO. DIVISÃO DE RENDA E GÊNESE DA DEMANDA
FORMAS INSTITUCIONAIS
• Regime monetário
• Relação salarial
• Forma da concorrência
• Natureza do Estadu
• Inserção no rcgime internacional
MODO DE REGULAÇÃO
Din&mka social
• Canalização dos comportamentos individuais e coletivos em funçáo do regime dc acumulaçáo
• Reprodução das formas institucionais
Lenia evotuçúo itM fornas institucionais
neauetm ense.r
Enirwiu em amlraüi{-úo com tu formas institucionais "crise estrutural" ou grande crise
Fonte: Boyer & Saillant (1995:68).
8 Cf. Polanyi (1946).
IN InrrfxJtrçâo
Armada com estes conceitos de base, a T R define como seu programa analisar os modos de desenvolvimento,9 ou seja, como se estabilizam no
longo prazo um regime de acumulação e um tipo de regulação, e como
entram em crise e se renovam (ver Esquema 2) (Boyer & Saillard, 1995:
63-4).
Breve visão geral do conteúdo deste livro
Podemos agora voltar para o conteúdo deste livro apresentando de
forma sucinta seus diversos trabalhos.
Os dois primeiros trabalhos são relativos ao primeiro toma anteriormente anunciado, ou seja, a problemas gerais de método. São
obras respectivamente de Robert Boyer e de Frédéric Lordon que dedicam
sua exposição, por um lado, u importância dos contextos institucionais na
dinâmica (por isto histórica e geograficamente diferenciada) do
capitalismo, ppr outro à possibilidade e ao modo de modelizar esta
dinâmica histórica. Para a abordagem da regulação, já o ressaltamos, a
alternativa ao paradigma neoclássico dominante em economia passa pela
preocupação em aderir ao real histórico c portanto livrar-se da idéia de
que existiriam leis universais que se impõem seja qual for o contexto histórico e espacial. Daí vem o cuidado braudeliano dedicado por Robert Boyer ao primeiro trabalho (Economia e hutória: caminhando para nova» alianças?)10 às relações entre as ciências econômica e histórica e ao que
sua interação pode trazer paru os economistas. Para Boyer, os limites da
divisão de tarefas que prevaleceu há meio século entre economistas c
historiadores e as estratégias diferentes em termos de história econômica
que acarretou (axiomatização, matemulização, sofisticação das
ferramentas econométrica no caso dos primeiros, conquista de uma
multiplicidade dc novos territórios no caso dos segundos), aparecem hoje
claramcntc. Os resultados da cliometria, que consistiu em aplicar de forma retrospectiva (às vezes totalmente anacrônica) o modelo neoclássico
9 Pura uma aplicação na América 1-aiina, cf. Boyer. Miotli & Quenan (1998, no prelo).10 Este texto foi publicado ongirulmenle em francês nos Arutiilet: Êconomie, Síh íM x.
CMliwtums, n. 6. p. I.W-I42fi, nov./dez. 1989.
Bruno Tliérct '9
padrão considerado de alcance universal, “ são medianos, no melhor dos
casos, às vezes completamente decepcionantes’1. Da mesma forma,
“ nenhuma teoria ou modelo consegue dar conta da totalidade dos fatos estilizados dos anos 80 e a hipótese segundo a qual as crises se repetiríam
de forma idêntica foi desmentida em 1973, em 1979, bem como durante o
crash da Bolsa de outubro de 1987“ . Boyer advoga então “ em prol de uma
nova aliança que visaria forjar uma análise econômica original, aberta
para a historicidade e que seria construída a partir das aquisições e da tradição da Escola dos Atmales. Precisão c controle do objeto e do nível
de análise, (este das hipóteses e não só suas conseqüências, reconhecimento da multiplicidade dos princípios dc legitimidade e de
racionalidade permitiriam (segundo ele) uma revolução copórnica cm
termos de teoria econômica. Kla deveria formular tantos modelos quantas
forem as grandes configurações das relações sociais, do sistema técnico,
das formas de articulação da Economia com as outras esferas“ .
A mensagem dc Robert Boyer não é, muito pelo contrário, que é
preciso recusar qualquer modelização, ou formalização matemática,
embora a preocupação em aderir ao real histórico complique
singularmcnlc a tarefa do modelizador c deva levá-lo a diminuir suas pretensões formalizadoras. Com demasiada frequência, com efeito, a
partir do momento em que os economistas se interessam pela história, e
por conseguinte, procuram dar melhor conta da complexidade dos fenômenos econômicos e sociais, considera-sc que são obrigados a
abandonar qualquer formalização. Como esta c, para aqueles que
acreditam ser os portadores das normas da “ boa“ ciência económica a condição sine qua non da cicntiflcidadc, disto decorreria que o economista
preocupado com os ensinamentos da história estaria condenado a fazer apenas uma ciência ruim. O segundo trabalho (Para uma formalização da
dinâmica econômica histórica) 11 que se deve a Frédéric Lordon inscreve*
sc contra esta concepção ao mesmo tempo estreita e enganosa. Ele mostra, de fato, que duas grandes categorias de ferramentas matemáticas podem
scr mobilizadas para formalizar a dinâmica histórica. A primeira categoria
“ produz o que poderíamos chamar de uma historicidade “dinâmica” , 11
11 Este' texto foi orígiiulmcntc publicado cm francts em foiitumtte Apphtfuér. v. 44. n. I. p S5-H4. 1996.
lo I n t r o d u z o
“ formal” , apresentando diversas propriedades dc “dependência do
passado” ou atribuindo a determinados instantes críticos um papel decisivo na contingência histórica. A segunda categoria dc ferramentas é
destinada a perceber uma fornia mais profunda de historicidade ~
chamada “ estrutural” - que corresponde de forma mais próxima à posição regulacionista insistindo nas transformações históricas das estruturas do
capitalismo” . Lordon apresenta então um formalismo particular que ele
chama de “cndomctabólico” através do qual podem ser apreendidas as
dinâmicas de entrada em crise endógena dos regimes dc crescimento.
Durante o Seminário, estes textos provocaram uma discussão
introduzida por José Carlos Braga em tomo de A história e seus modelos econômicos que centrou-se principalmente em tomo de dois pares
conceituais: por um lado. a oposição rcgulação/crise com o que ela
implica em termos da percepção das descontinuidadcs históricas c das
variações geográficas nos sistemas institucionais que orientam o
desenvolvimento capitalista; por outro lado, a relação entre o conceito de
regulação e noção matemática dc equilíbrio - mobilizada para fonnalizar a idéia dc equilíbrio contida no conceito dc regulação - e suas
implicações em termos de formalização das trajetórias de
desenvolvimento e de mudança estrutural.
Os trabalhos seguintes tratam do que fo i o segundo tema do Seminário, o lugar do Estado na regulação econômica e social. Nestes trabalhos, Mario Dehove e Bruno Théret concluem algumas implicações desta especificidade da abordagem da regulação que já observamos acima e que é recusar-se a considerar o Estado de forma a-histórica e funcionalista definindo-o como a instância de regulação econômica por excelência. De forma demasiado freqüentc em Economia, como é notadamente o caso na economia neoclássica bem como no marxismo ortodoxo, é desprezando os ensinamentos empíricos da história e da ciência política que o Estado é concebido apenas através de seu papel instrumental de paliativo das falhas do mercado ou dos déficits de rentabilidade do capital. Diferentemente e sem contudo negar as falhas do mercado, entendidas pelos rcgulacionistas em termos de incompletude das relações mercantis, estes consideram as falhas do Estado, igualmente necessárias, recusando-se assim a fazer dele o engenheiro-sistema da regulação económica. Conforme já foi ressaltado, a T R considera que a
Rniiw Théret Zi
regulação é o resultado de uma configuração coerente de diversas formas institucionais privadas, públicas e mistas que estabilizam as contradições sociais, canalizam os conflitos, enquanto os compromissos que estas formas cristalizam não são questionados. Assim, o Estado tem um lugar e não o papel central na regulação econômica, lugar sem dúvida essencial mas que deve ser apreendido a partir da lógica própria do político e das formas de sua articulação com a lógica capitalista mercantil, c não como pura e simplesmente determinada por esta. Este lugar é encarado por Dehove e Théret segundo dois pontos de vista complementares, um ponto de vista que poderíamos chamar de extemalista e que o situa cm uma perspectiva histórica enquanto componente do regime internacional que estabiliza o sistema dos Estados, e um ponto de vista intemalista que o examina de ponto de vista teórico no seio das formações sociais nacionais. Com efeito, considerar o Estado sob este duplo aspecto é indispensável hoje pois, levando-se em conta as grandes manobras gcopolíticas em tomo da recomposição-diferenciação das escalas territoriais dos poderes públicos (processos contralendenciais de regionalização frente à globalização), c tendo em vista a “ revolução” neolibcral do referencial de política econômica que legitima a desrcgulamentação e a retração das finanças públicas, a cada um destes aspectos corresponde uma questão crucial do período relativo ao lugar futuro do Estado nacional na regulação.
Do ponto de vista extemalista que Dehove adota em seu trabalho (Elemento« «obre a génese das organizações internacionais),*^ O Estado
é percebido geneticamente enquanto elemento de um sistema
internacional dos Estados territoriais cuja constituição não podería sér diretamenle relacionada com uma lógica de ordem econômica. Por meio
dc uma reflexão baseada em uma análise de longa duração das origens das organizações internacionais que participam da regulação deste sistema
chamado dc "westfaliano” (pois pode-se datar simbolicamente sua origem
cm 1648, ano durante o qual foram assinados os tratados de Westfália que sancionam o início do fim do Império romano germânico), o autor nos
mostra que este conheceu uma sucessão de três grandes regimes dc
reprodução e que ele vive atualmente uma crise estrutural que requer u emergência de novas foras de organizàção dos poderes públicos em escala 12
12 Esics elementos sâo restituídos na perspectiva «la consinivfto européia por M,Dehove em «cu artigo escrito cm francês (Ver Dehove. 1997)
u Inrrm luçM
internacional. Trata-sc de unia mesma forma de relações internacionais
(que passa eventualmentc pelo uso cíclico generalizado, regulado ou
costumeiro, da violência guerreira) que se traduz nestes diversos grandes
regimes institucionais associados a organizações internacionais específicas. Caracterizar o mais rigorosamente possível a crise atual do
sistema das organizações internacionais dc Bretton Woods implica assim,
segundo o bom método regulacionista, dar conta de sua necessidade
passada, ou seja, identificar os princípios que condicionaram seu nascimento e as regras que testemunham sua lógica própria de
desenvolvimento c que ditaram sua transformação. Para Dehovc, é este
tipo de análise que permite afirmar que as organizações contemporâneas
do sistema das Nações Unidas não marcam, no nível dos princípios mais
gerais sobre os quais repousam, uma ruptura decisiva com relação ao passado, mas sãe, melhor dizendo, a forma última gerada pelo sistema
westfaliano dos Estados-NaçÕcs e o princípio formal da soberania
absoluta que as funda. Em compensação, para o autor, “ um conjunto dc indícios convergentes (no campo do meio ambiente, do humanitário, do
nuclear) mostra que, com a contestação interna dos Estados pelas
entidades infra-estatais de todos os níveis e a internacionalização em uma escala inédita das atividades econômicas reais e financeiras, desenvolve-
se um questionamento político paralelo da soberania, c com ela das
organizações internacionais que a ela estavam ligadas. Um longo período de estabilidade conceituai da soberania estaria no fim (...)“ ? Dehove
sugere fínalmcnte que o eventual “ pós-wcstfalismo” não seria constituído
por um reequilibrio dos poderes e competências entre os Estados c as
organizações internacionais em sua forma atual, mas implicaria uma
redefinição das principais noções e concepções práticas que organizam a
vida internacional (como no caso da emergência dos Estados territoriais que contestava o modelo estabelecido pelo Império) e fundar-se-ia sobre
uma noção a ser inventada de soberania partilhada que poderia adotar
como modelo as experiências que se pode observar atualmente cm algumas regiões do mundo e para determinadas competências (cf. a
evolução do Canadá e da União Européia).
Com o ponto de vista internalista adotado por Thérct no trabalho seguinte (Política económica e regulação: uma abordagem topológlca e
Brnin» Théret *1
«iitopotécíca), aborda-se o problema teórico do papel e das condições de
eficiência das intervenções estatais na regulação da acumulação do capital. Longe da soberania do Estado poder sc expressar no modo do
comando no âmbito da política econômica, esta supõe o jogo de um conjunto de mediações simbólicas (moeda, direito, representações sociais)
pelas quais passa necessariamente a institucionalização das interdependências entre as instâncias política e econômica que compõem
qualquer forma de política económica. Nesta perspectiva, os problemas colocados por ela não são apenas problemas de boa recepção por parte da
instância econômica de medidas adotadas e transmitidas pela instância política. Eles estão ligados ao fato de que estas medidas não tem o mesmo
sentido na instância política emissora e na instância econômica receptora.
Assim, para o autor, toda reflexão que toma por objeto a política econômica deve necessariamente começar distinguindo três de seus
momentos, o da produção intelectual dc seu modelo e dos valores a ele
associados, o da criação da base institucional e organizacional no seio da ordem política, c por fim o do modo de sua efetivação econômica, ou seja,
de sua inscrição efetiva na ordem econômica. Théret limita contudo sua
análise neste texto a este último momento, julgando-o menos explorado
embora mais crucial. Ele apresenta então a alternativa teórica que se
apresenta para tratar da questão da eficiência com relação a seus
objetivos, de uma política econômica dada. Duas concepções diferentes
do Estado são dc fato concorrentes: uma concepção que continua vendo
no Estado a última garantia da coesão social, o centro regulador ou o
|M»n(o mais alto da sociedade, e uma concepção cm que, ao contrário, a* sociedade não tem mais instituições centrais e é composta de subsistemas autônomos interdependentes no contexto de um modo de regulação que
organiza seu “acoplamento estruturar. A o mostrar que a T R está
logicamente mais próxima dc um modelo policêntrico do que de um
modelo centralista, o autor considera então que a questão dos efeitos reais
«In política econômica deve ser pensada por meio dc um modelo
comunicacional de ordem pelo barulho c dc cocvolução regulada, modelo
qoc encontramos desenvolvido notadamente pela teoria sociológica dos Mstcmas autopoiéticos (ou seja, fcthados operacional mente embora
atif rtos cognilivamcntc). O recurso a este tipo dc conccitualizaçao permite |H»r fim que Théret perceba algumas condições organizacionais para que
H In tr o d u z iu
uma política econômica que mobiliza as três alavancas institucionais que
sâo a moeda, o direito e o discurso técnico possa se inscrever realmentc e
de forma eficaz nas práticas dos agentes econômicos.
A discussão que seguiu a exposição destas idéias durante o
Seminário, discussão esta introduzida rcspectivamcnte por João Manuel
Cardoso de M ello c Carlos Estevan Martins, focalizou o alcance da
análise em termos de sistemas para conduzir uma analise da instância
política e das políticas públicas, sendo que a pertinência de uma
mobilização de uma teoria dos sistemas autopoiéticos para dar conta das
dificuldades de atualização das políticas econômicas foi questionada mais
particularmentc.
Em seguida, a relação salarial, os regimes de sua reprodução c de seu desenvolvimento bem como as formas mais ou menos eficientes e equitativas de divisão da renda sobre as quais estes regimes fundam-se são objeto dos trabalhos de Henri Nadei, Eve Caroli e Jaime Marques-Percira que debruçam-se sucessivamcntc sobre diversas evoluções recentes relacionadas ao processo de globalização e que afetaram as formas salariais de mobilização da força de trabalho. A relação salarial ocupa desde sua origem um lugar essencial na teoria da regulação. Ela está no centro da noção de “ sociedade salarial“ desenvolvida por Michcl Aglietta e por Anton Bender, (Aglietta & Bendcr. 1984; Castel, 1995) noção esta que se refere a uma sociedade em que o estatuto de assalariado é generalizada, pois é valorizada inclusive pelas classes dominantes, e em que a diferenciação social opera-se efitão dirctamentc no seio do regime de assalariado. Ora, desde o início dos anos 80, o tremi de socialização dos indivíduos em formas salariais parece interrompido, e isto tanto cm certos países do capitalismo tardio, notadamente os países latino- americanos, nos quuis prevalece uma dessalarização associada ao aumento do trabalho “ informal", quanto nas economias mais desenvolvidas onde ao crescimento do trabalho precário c dos empregos em meio período acrescenta-sc um desemprego de longa duração que adota proporções consideráveis c um crescimento das categorias sociais ditas “ não empregáveis", sendo que o todo leva ã rejeição para fora do regime dc assalariado de uma fração importante em idade para trabalhar.
Henri Nadei, (Crise da sociedade «alarial, nova pobreza), imerroga-se precisamente sobre as implicações desta situação no caso
•»•«HM» l l ié r c t H
li.incês situando seus efeitos políticos e sociais no nível do surgimento de
novas formas de pobreza e de formas assistenciais de intervenção social■ lo Ksiado dirigidas especificamente para u nova clientela de excluídos do
Muicado de trabalho. Para ele, enquanto o crescimento fordisla
■aompanhava uma dinâmica social que parecia dever afastar
dilinitivaniente o espectro de uma miséria provocada pelo
desenvolvimento do capitalismo, a ruptura desta dinâmica demonstra o questionamento das formas institucionais c das convenções implícitas que
0 nulavam a relação salarial na fase fordista dc generalização. Mais piecisamcnte, o autor mostra como, conforme as intuições de Marx, a
MK ieilade salarial e o Estado-Providência1'1 permitiram a criação de novas
< dações entre a Riqueza das Nações c o regime dc assalariado que, ao
pmmovcr o pleno emprego, eliminaram a pobreza entre os assalariados.
( nnstatundo que a situação de crise estrutural que se instalou a partir dc
mrtulos dos anos 70, com a modificação das relações das forças sociais
que dela resultou, modificou esta paisagem c as representações otimistas a
riu associadas, Nadei observa então a ambivalência dos dispositivos de
ivstílo desta “ nova pobreza" (essencialmente a RM I - Renda Mínima de
Inserção - no caso francês). Trata-se de um enriquecimento dos
mecanismos dc integração social próprios dos Estados-Providência ou, ao Miiiirário, da aceitação oficializada de uma fratura no seio das formas
Institucionais que enquadram a relação salarial, fratura no sentido cm que a sociedade sulurial só poderia se manter "expulsando para suas margens a
itrMAo" do novo processo de pauperizaçâo social. Para o autor, as políticas «Ir inspiração ncoliberai inclinam a balança para o lado do segundo termo .
«la alternativa c tendem a justificar uma situação dc aparthcid social entre,
«Ir um lado, cidadãos livres e sujeitos ativos, embora dependentes do
1 itpiiul, c do outro, cidadãos passivos c obedientes, dependentes do
llMmlo, Todavia, semelhante situação não poderia, para ele, ao menos nas «ui iodados européias cm que a ideologia individualista não poderia servir
■ Ir d o social como no caso dos Estados Unidos, desembocar cm um novo irgnm* salarial bem estabelecido, pois tem todas as chances de dar em
innii instabilidade social c política agravada.
I I Nâo havendo iradução consagrada para a expressAo francesa - tJúi-Prmidence - ncslc livn>: Eifado dc Hc>»-Esiar Social. •
16 I n t r o d ii f i i )
Quanto a Eve Caroli, (Formado « performances <le crescimento comparadas em 5 economias da OCDE), clil considera, em UITU» perspectiva comparativa, a relação salarial cm sua relação com o sistema educativo, que ela define em lermos de “ relação de formação” . Após haver mostrado a especificidade nacional das formas institucionais da relação salarial e do sistema educativo, a autora examina as vantagens comparativas respectivas dos diversos países frente às mudanças técnico* econômicas que se impõem a eles no contexto da globalização. Esta abordagem de Caroli ilumina outra questão crucial para o futuro das sociedades salariais posto que as vantagens comparativas assim percebidas também são índices de diferenciação das capacidades respectivas de resistência frente ao choque da globalização das diversas sociedades salariais cuja instituição sabemos ter sido sustentada por uma qualidade particular das relações dc formação que nelas prevaleceram. Para desenvolver esta tese do papel essencial no crescimento econômico da relação de formação, Caroli propõe uma análise modelizada da relação que prevalece entre os desempenhos económicos de um país e a qualidade de seu sistema nacional de ensino. Sua análise funda-se na noção dc “ qualificações intermediárias” , entendidas como o nível médio dc formação, geral e profissional, dos assalariados que ocupam empregos dc nível intermediário - operários, técnicos c contramestres —. Esta noção mostra-se dc fato particularmente discriminante, segundo a autora, para julgar difcrcncialmcntc os desempenhos alemão, francês, japonês, britânico e norte-americano cm termos de formação. Caroli mostra igualmcme que o nível destas qualificações em cada país está estreitamente determinado pelas características nacionais da relação de formação. A modelização dc inspiração kaldoriana que ela propõe com base nesta constatação evidencia num primeiro momento 0 impacto positivo de uma relação de formação eficiente sobre o ritmo dc crescimento e isto no conjunto das cinco economias consideradas. A análise detalhada dos mecanismos atuantes no seio do modelo permite- lhe, por outro lado, caracterizar os regimes de crescimento próprios de cada país “ segundo o peso relativo em sua dinâmica econômica dos efeitos-volume (da produção sobre a produtividade) e dos componentes da relação de formação” . Num segundo momento, a utilização do modelo para fins dc prospeção permite a Caroli “determinar a influencia dos parâmetros da relação de formação sobre os desempenhos de crescimento
Hrmto T hérct *7
nacionais, num contexlo de mudança do paradigma técnico-econômico” . Sc todo o resto for igual, segundo o modelo, a introdução das novas tecnologias devería, por um lado, verificar-se positiva cm curto prazo para o crescimento no conjunto das economias consideradas e, por outro lado, reforçar o caráter determinante dos parâmetros da relação de formação para a diferenciação dos ritmos dc crescimento segundo os países. Em outros termos, deixando de lado qualquer modificação do contexto c do impacto direto sobre a produtividade de inovações radicais, a mudança de paradigma técnico-econômico reforça, para a autora, a vantagem relativa associada a um sistema nacional de formação eficiente e a uma relação salarial participativa, ou seja, dito dc outra forma, no que çonceme os cinco países estudados (Alemanha, Japão, França, Reino Unido e Estados Unidos), reforça as posições estruturais dos dois primeiros na produção
mundial.
Quando lemos Caroli, entendemos quanto as prescrições
neoliberais podem ser suicidas para países que basearam seu crescimento
antecipando aquilo que foi depois qualificado de modelo pós-fordista, fundado sobre um alto grau de “ qualificação intermediária” , sobre a
eficiência do sistema de formação e sobre uma gestão participativa da
produção. Mas o raciocínio formalizado por Caroli pode ser estendido
para o conjunto das formas institucionais da proteção social, c até mesmo ás diversas instituições que garantem a paz social, a partir do momento cm
que estas são eficientes o bastante para dar â força de trabalho as
qualidades necessárias para seu emprego em boas condições dc
produtividade. Esta não depende apenas, de fato, da relação de formação e *
sim, de forma mais geral, da eficiência do conjunto das instituições de proteção social que dão à força de trabalho suas qualidades produtivas,
inclusive sua vontade de aderir ao jogo da inovação (que Caroli percebe
através da noção dc gestão participativa).
É colocando a questão da produtividade nestes termos mais
globais, ou seja, afinal do ponto de vista da qualidade do compromisso
estabelecido entre uma lógica de ordem econômica (exploração da mão- de-obra), que Jaime Marqucs-Fereira interroga no trabalho (Trabalho, cidadania « eficiência da regulação econômica: uma comparação
lutrodirçÃoZR
Puropa/América Latina) , 14 cm um plano comparativo intercontinental, o
caráter mais ou menos “ bom" ou “ ruim” das diferentes configurações
institucionais que concorrem para a reprodução de toda sociedade salarial.
Com efeito, ele considera o futuro da sociedade salarial dedicando-se a
mostrar que a evolução atual da relação salarial no sentido de uma revisão
para baixo da proteção salarial manifesta mais “ uma ruptura da coerência
das formas estruturais do capitalismo que leva a unia regulação
econômica ruim, e não uma adaptação funcional da gestão do trabalho
frente às mutações do regime internacional". A o fazer isto, Marques-
Pereira lembra que o campo político dispõe de uma capacidade autônoma
de resposta aos desafios da globalização econômica. Hle mostra a
importância das escolhas estratégicas na criação de um novo modo de
regulação que, em função das políticas privilegiadas, poderá assim scr
mais ou menos eficiente, mais ou menos virtuoso no campo dos
desempenhos econômicos e sociais. O critério último que o autor utiliza
para determinar se o modo de regulação é virtuoso ou viciado, é a
existência de uma coerência das formas institucionais da relação salarial
com aquelas da repartição macroeconômica das rendas que condiciona a
possibilidade de uma verdadeira cidadania democrática. Marqucs-Pcrciru
defende assim a hipótese dc que a forma adotada pela regulação do
mercado de trabalho determina o grau de eficiência democrática do modo
dc regulação económica, c a *partir daí sua capacidade de fazer da
industrialização a alavanca do desenvolvimento da sociedade salarial. Seu
raciocínio baseia-se em uma comparação das formas de interdependência,
que se consolidaram com a produção dc massa na Europa e na América
Latina, entre os três regimes de acumulação do capital, da proteção social
e das relações internacionais. Para o autor, trata-se de demonstrar que não
só a cidadania social instituída no contexto do welfare-state dos países
que foram os primeiros a se industrializar pode ser considerada como a
condição política da salarização da produção ativa e do forte crescimento
econômico que permite, como também é a questão crucial para uma
estabilização econômica que levaria a America Latina a um crescimento
14 Kstc (cxiu também foi publicado em StHittUul t EsuhUk v. 11, n. 2, p. 199-232,1996
ftfMIK) I h íW .l *9
sustentável» ou seja» compatível com a igualdade social requerida pela
democracia e com a eficiência econômica exigida pela globalização.
Na verdade, podemos nos perguntar sc, afinal, após a leitura
destes três trabalhos, a despeito da ' ‘beleza da forma salário” , esta vai
continuar a estar no fundamento das sociedades contemporâneas tanto
desenvolvidas quanto “ tardias” . Quais são as condições e as chances para
que a relação salarial continue estruturando estas diversas sociedades?
Que futuro para o Estudo-Providência no contexto atual em que, aló mesmo no centro do capitalismo, renovam-se formas dc pobreza que
pensávamos definitivamente afastadas ou rejeitadas para a periferia? Na
estimulante discussão introduzida por Sonia Druibe durante o Seminário,
acentuou-se principalmcntc o fato de que as respostas para estas perguntas não deveriam depender apenas da mudança dos contextos político e
internacional, mas também e acima de tudo da posição dos diversos países
na hierarquia do sistema mundial.
Chegamos depois ao quarto tema deste livro, a análise das novas formas da concorrência e dc sua regulação política. Este tema, que a TR
caracteriza em termos de regimes dc concorrência, ganhou um lugar crucial na reflexão económica com a retórica dominante da liberalização e
da dcsregulamentação. Mas será que o que está em questão neste
ressurgimento do questionamento sobre as formas da concorrência entre as empresas é dc fato uma volta ao mercado total? Em todo caso,
encontraremos duas respostas negativas a esla pergunta nas reflexões
propostas nos trabalhos de Bruno Amable e Pascal Pctit por um fado, c
por Alain Rallet por outro.
Bruno Amable e Pascal Petit (Ajustamento estrutural e política
Industrial: uma abordagem regulaciomsta), perguntam-SC primeiro se
não deveríamos, doravante, conceber as relações de concorrência como
situadas no ccme do novo modo de crescimento nos lugares da relação
salarial do período fordista. Desta hipótese, os autores deduzem que as mudanças estruturais e as transformações institucionais atuais constituem
uma nova cartada que infloeneja diferencialmente as ações de política
macroeconômica e de política industriai. Segundo eles, dc fato, apesar do
contexto político doravante dominado pela retórica neoliberal, a análise
V» IntriMÍuçÒo
das mutações estruturais e institucionais proposta pela TR leva a
considerar não que estamos assistindo a uma verdadeira retração do
Hstado, mas apenas a uma redefinição das condições da intervenção
pública. Enquanto a política macroeconômica keynesiana tradicional deve
defrontar-se com limites novos que maculam seriamente sua credibilidade, a política industrial, entendida em um sentido amplo, pode
ver suas perspectivas alargadas por causa do novo lugar que as formas de concorrência ocupam dentre da dinâmica institucional das economias
desenvolvidas. São estas evoluções relativas ao conjunto das instituições,
regulamentações c intermediações que enquadram o funcionamento dos
mercados, que apelam para a extensão do campo de ação das políticas
industriais e que permitem considerar o aumento de seu impacto sobre os
determinantes do crescimento econômico.
For seu lado, Alain Rallct (Mudança tecnológica e políticas
regulamencadoras: 09 determinantes do surgimento de um novo setor de crescimento), interroga-se sobre a emergência de novos setores
produtivos motores ligados á “ revolução da informação” e passíveis de
servir dc base para um novo regime dc acumulação. Ele põe em cheque
neste sentido a idéia dc que esta emergência poderia decorrer quase que naturalmenle das formas de concorrência reativadas pela globalização, ao
considerar que ela deverá, se ela se fizer, mobilizar políticas ativas de
regulação da concorrência. Não é porque estamos assistindo hoje a um
forte crescimento dos mercados* c a uma interpenetração cada vez mais
estreita entre os setores da informática, do audiovisual e das
telecomunicações sob o impulso de uma mudança tecnológica mais ampla, a digitalização da informação, que esta interpenetração vai
necessariamente desembocar por convergência na formação de um novo
setor passível de substituir o setor automobilístico como vetor principal do
crescimento e que, como este, seria dominado por uns poucos atores industriais. Pura Rallet, em primeiro lugar a convergência tecnológica está
longe dc ser realizada, o que toma mais difícil o controle do conjunto deste setor por um ou várias atores. Por fim, o ritmo de desenvolvimento
de um novo setor motor e as formas que adotará, notadamente seu grau de
convergência, são muito incertos pois são dependentes da capacidade em
tomar pagáveis os usos por um lado e cm encontrar os usos sociais de
Itruno Thérec .V
novas tecnologias de outro. Hm conclusão, o autor mostra toda a importância do jogo das instituições na estruturação possível do info-com
como novo setor motor. Fois, há “ indelerminação da organização
industrial pela tecnologia" e esta indeterminação só é resolvida ucom a introdução das políticas regulamentares e dos modos de construção social
du demanda c dos usos".
A discussão destes textos no Seminário, iniciada por Luciano
Cmitinho, não levou a uma contestação do papel fundamental atribuído pelos autores acima mencionados às políticas instituidoras, apesar da
imposição do discurso neoliberal relativo ao caráter espontâneo da
formação dos mercados. Demonstrou, além disso, uma desconfiança
generalizada frente ao determinismo tecnológico e um reconhecimento
partilhado do papel das instituições consideradas como estruturas de ação
coletiva, inclusive no que poderia ser considerado como o campo
exclusivo do engenheiro.
Os trabalhos devidos a Jucqucs Mazier, de um lado, e a Michcl
Aglietta c Pierre Deusy-Foumier, de outro, abordam diretamente o tema
da globalização e das regulações económicas e monetárias supranacionais,
lema este que só está presente nas entrelinhas e como contexto da reflexão
nos trabalhos anteriores.
Assim, Jucqucs Mazier (Europa: estagnação ou transição para
um novo regime d « crescimento)/ a partir do exemplo da União
Européia, evidencia os perigos, as dificuldades, quando não os fracassos das tentativas de reconstrução de novos conjuntos passíveis de reestruturar o comércio mundial nas localizações dos Estados-Nações. Com a
assinatura do A to único que criou o grande mercado interno europeu, o
recurso ao mercado apareceu como a solução mágica para superar os bloqueios da construção européia e enfrentar a crise econômica. Depois, a
liberalização financeira questionou novamente o sistema monetário europeu e desembocou no projeto de moeda única. Estas mutações
constituíram de fato, para Mazier, o início dc um modo de regulação supranacional em nível europeu. Mas longe de auxiliar na fundação de um 15
15 E'tc texi» foi inicialmcntc publicado cm francos cm l. Année At la RéRulatUm, v. I. |. I2V «>. IW7.
IniTm liifM
novo regime de crescimento, contribuíram para fechar os países europeus na estagnação durante os anos noventa, notadamente por causa das
modalidades consideradas para a transição para a moeda única no Tratado
de Maastricht. Mais grave segundo o ponto de vista do autor, o projeto
atual de união monetária é atravessado por profundas contradições ligadas à insuficiência dos mecanismos de reequilíbrío frente a choques
assimétricos e às dificuldades de coordenação das políticas econômicas.
Tanto no que tange ao regime monetário, às formas da concorrência, às
pressões exercidas sobre a relação salarial quanto no que tange à
renovação das formas de intervenção pública nos níveis nacional c europeu, Mazier considera que é preciso considerar uma perspectiva mais
aberta do que aquela que vem do projeto maastrictiano para perceber as
principais questões da construção européia do ponto de vista do crescimento. Embora a versão liberal da união monetária corresponda ao
cenário mais provável, ela corre o risco de levar à estagnação em um crescimento lento e a uma ascensão das tensões dificilmente sustentável
em médio prazo. Por certo, a estratégia seguida até então pode,
teoricamente, ser consertada, mas isto só poderá scr feito, segundo
Mazier, ao preço de mudanças institucionais profundas, particularmente
com progressos para certas formas de federalismo, que só receberam por ora um apoio reduzido da parte dos parceiros da França.
Por outro lado, como mostra corretamente Mazier, é difícil tirar uma conclusão qualquer no Campo do desenvolvimento das trocas comerciais internacionais e da constituição de blocos regionais sem considerar ao mesmo tempo a dimensão monetária e financeira das reestruturações que acompanham a globalização. Daí o interesse do próximo trabalho (Moeda internacional: concorrência e principio« organizadores) 16 cm que Miche) Aglietta c Picrre Dcusy-Foumier
dedicam-se a perceber as condições de estabilidade do que seria então um novo regime monetário internacional que garantiria u regulação das formas emergentes dc moeda internacional. Para eles, “ desde o abandono forçado do sistema do padrão-ouro, a economia mundial está buscando um sistema passível de resistir a choques violentos. O fracasso de Bretton Woods parece ter imposto uma organização descentralizada da concorrência entre as divisas“ . Entretanto, a viabilidade do sistema
16 liste lexio foi ongin.ilntcnic puhlicmln cm frnncís (Ver Agliclta A Dcusy-hiurnicr, 1995).
nniiMi rh ércit
monetário internacional depende de princípios de ação coletiva destinados u conter o jogo estratégico entre os operadores financeiros e as autoridades monetárias. A análise destas relações dinâmicas permite então que Aglictta e Deusy-Foumier mostrem que "os regimes intermediários podem ser mais robustos do que os regimes polares de câmbios fixos e de câmbios flexíveis” . Eles podem melhor, de fato, acomodar-se após os choques reais e absorver os choques financeiros na medida em que estão íundados em compromissos entre flexibilidade dos ajustes macroeconômicos pelas taxas de câmbio reais e previsibilidade das políticas econômicas que permitem coordenar as antecipações. Segundo os autores, por fim, sua análise “justifica regras de câmbio bastante flexíveis, bancos centrais independentes que tenham a mesma concepção da estabilidade monetária, um grau aceitável de co-rcsponsabilidade na gestão das crises de câmbio” .
Durante as discussões sobre este tema da regulação internacional no Seminário, discussões estas introduzidas por Luiz Gonzaga Belluzzo e losé Carlos Braga, perguntou-se primeiro sobre as possíveis respostas nacionais aos “ limites” da globalização c o grau de autonomia dos listados, sendo que o debate ccntrou-se principalmcnte nas possibilidades dc estabilização e as implicações econômicas, sociais e políticas da reestruturação territorial das fronteiras comerciais e das soberanias políticas correlatas. Por outro lado, Braga sublinhou o papel central da tinança na globalização, seja qual for o ângulo a partir do qual ela é observada, ou seja, quer nos interessemos à reestruturação do SM I, quer procuremos o que esta reestruturação implica para a instituição de novos tcgtmcs de política econômica. As novas relações instituídas entre finajiça privada e finanças públicas (via dívidas públicas externas e internas) não estariam de fato moldando doravante o modo como os regimes monetários nacionais estão submetidos a limites dc internacionalização?
An regulações nacionais e internacionais frente à globalização
Fm suma, dois temas essqnciais percorrem o conjunto do livro paia além dos temas abordados e da variedade dos autores. Um deles trata
do futuro das sociedades salariais no contexto de uma globalização que.
V* In tro d u ç S o
manifestadamente, ainda não criou as condições sociais e políticas para
sua pcrcnização ou para sua regulação, e o outro (rata do modo dc considerar a relação entre o económico c o político neste mesmo contexto.
0 futuro das sociedades salariais. Conforme foi sugerido por uma
série de intervenções, podemos nos perguntar se a relação salarial não se
tornou um elemento secundário na dinâmica presente do capitalismo.
Todavia, esta questão pode ser colocada de duas formas diferentes que
remetem a dois níveis de apreciação da profundidade e da temporalidade
da reestruturação em curso.
Se ficarmos no nível das form as Institucionais, podemos
primeiro considerar que a relação salarial deve sempre ser vista como “a
infra-estrutura” das sociedades modernas contemporâneas. Nesta
perspectiva, suo apenas as formas institucionais desta “ invariante” que são questionadas, de forma derivada, no jogo das forças portadoras da
globalização; estas forças privilegiam doravante nos processos dc
institucionalização as novas relações de concorrência e as novas
modalidades de inserção internacional. Como pensar então este problema da modificação da hierarquia na configuração das formas institucionais
das relações sociocconômicas? Aliás, será que devemos considerar que a
globalização financeira é um processo irreversível ao qual o conjunto das
formas institucionais da regulação deveria doravante se ajustar
necessariamente? Estes são dois temas de pesquisa que deveriam ser
aprofundados.
Sc nos situarmos agora no nível das estruturas em si e sc
admitirmos que o neoliberalismo não traduz apenas um momento
necessário de dcsinstitucionalização (desregulação), podemos então
considerar que a crise do regime de assalariamento é mais do que uma questão de reestruturação e de reconfiguração mais profunda das
instituições do capitalismo dc assalariamento. Sc o neoliberalismo ó
igualmcntc portador de uma reestruturação mais profunda do capitalismo, a finança deveria sobrepujar de forma duradoura o social e o capital
deveria se orientar para regimes de acumulação nos quais o capital
financeiro c sua base social de pessoas que vivem dc renda dominariam
então, via formas extremas dc flexibilização da força de trabalho c dc volalilização do capital-dinheiro, o capital produtivo e sua base salarial.
hi imo llié r c t 15
(orno conceber então regimes de acumulação de capital que sejam estáveis e passíveis de se estenderem escala mundial?
Mas não seria melhor, afinal, considerar que o fordismo foi um
legimc intrinsecamente ligado ã extensão do regime de assalariamcnto e que a crise do primeiro não passa, finalmente, de um resultado da
generalização do segundo, ou seja, da maturidade de um sistema social
que deve, por conseguinte, assumi-lo e encontrar uma configuração
institucional correspondente? Neste caso, os países de capitalismo tardio iHMieficiária de uma reserva de assalariamcnto deixariam de ter qualquer
motivo para se alinhar a políticas de ajuste correspondentes à conservação de relações sociais que ainda não estruturaram de fato o conjunto de sua
matriz social? Assim formulada, percebemos que a análise da
profundidade da crise das formas salariais de produção gira em tomo de uma questão política fundamental e imediata e não é do se espantar que
ela tenha estado no centro dos debates mais calorosos durante o
Seminário.
A relação entre economia e política. Este tema constitutivo em si
da economia política pode evidentemente ser declinado de múltiplas maneiras. Ao privilegiar como ponto de partida a ambivalência semântica
do termo economia em francês, ele pode todavia ser reduzido a duas séries
de questões referentes uma à relação entre a política e a economia como
discurso, c a outra à relação da esfera política com a econômica i onsiderada enquanto sistema dc práticas sociais:
A economia como saber é verdadeiramente um discurso enidiío
que dispõe de critérios de distinção e de autonomia com relação ao que sHiu apenas uma filosofia política? Esta é uma das questões cruciais no
limdamcnlo das modelizações que procuram superar o estágio da metáfora do real. Isto não significa que para que uma teoria possa ser um
vcidadoiro instrumento de política econômica e não apenas uma doutrina
dr legitimação de puras relações de forças, seja preciso que ela exista
untes como teoria científica, isto é, que possa ser avaliada enquanto tal a piulir ilas regras próprias da teorização, relativas a sua coerência lógica, a
Hii.i capacidade descritiva e a sua reíação com as outras ciências sociais?
I’ui outro lado, não fica posta a questão de saber se a teoria econômica é
widndciramente capaz de fornecer simultaneamente uma «descrição
Introduçãol 6
teorizada de situações concretas e dos critérios econômicos, sociais ou
políticos que permitem caracterizar estas situações como “ ruins” ou
“ boas” ? Se as noções microeconômicas normativas de eficiência e de
equidade da economia padrão parecem claramente pouco suscetíveis para
receber um sentido empírico compatível com as noções macropolíticas positivas de uma ordem social estabilizada e de um desenvolvimento
democrático, resta a questão de saber se a epistemotogia realista do tipo
daquela criada na abordagem da regulação com as noções semi-empíricas de círculos virtuosos ou viciosos está melhor adaptada para formular estes
critérios.
Está claro que não poderíamos responder a esta questão sem
interrogar a relação economia/política no espaço das práticas. Com
efeito, é apenas neste espaço cm que se joga a articulação'entre o regime salarial, o crescimento e a acumulação do capital de um lado, o regime
político, a organização dos poderes públicos e o regime dos direitos e
deveres constitutivos da cidadania de outro, que os critérios de escolha
das políticas econômicas como as noções de regulação boa ou ruim
perdem sua conotação puramente moral e/ou política. Podemos percebê-lo
imediatamente com o exemplo da relação postulada como virtuosa pela doutrina neoliberal entre crescimento da riqueza e desigualdade de sua
distribuição. Entretanto, de um ponto de vista macroeconômico, esta
relação é perversa posto que ineficaz no plano do desenvolvimento econômico na medida em quer limite ao mesmo tempo o potencial
produtivo do país c sua demanda interna, sendo que apenas um free-rider
pode tirar proveito da generalização internacional de uma relação que leva
a uma situação recessiva da demanda mundial. A lém disso, a crise atual e
a exacerbação das desigualdades entre países e no seio de cada país que a
acompanha nos ensinam que, na realidade, o ponto de vista microeconômico normativo leva à criação de políticas públicas
ncoliberais que reforçam e não mais reduzem as desigualdades produzidas
pelo mercado, participando assim de um círculo vicioso de aprofundamento das desigualdades que ameaça a estabilidade e a
civilidade política reduzindo a proteção social das populações. Ora, se podemos considerar que, de um ponto de vista econômico racional, a
estabilidade política e a adesão social suo necessárias para a manutenção
« mimo lltércC 37
tio um clima favorável ao investimento produtivo e a uma forte
pindutividade, neste caso ainda o argumento puramente moral inspirado
nu doutrina dos direitos humanos a favor de uma redução das desigualdades sociais pode ceder seu lugar para um argumento de tipo
imional passível de se impor melhor às elites tecnocrúticas. Podemos
assim deduzir que um modo de crescimento baseado em um aumento das
desigualdades corresponde a uma regulação “ ruim" do ponto de vista dos
iiitérios de otimização econômica e que ele traduz no máximo um tipo específico de relação de forças entre grupos sociais e não um tipo de hicionalidade de vocação universal.
Neste exemplo, por fim, a proximidade das problemáticas icgulacionista e neo-estruturalista aparece claramente, mesmo se estas não rstão ligadas ao tratamento dos mesmos problemas teóricos e empíricos, levando-se em conta contextos muito diferentes nos quais se desenvolveram. Daí decorre que, de um lado, a abordagem da regulação poderia enriquecer a abordagem neo-cstruturalista devido a sua insistência <m não redutibilidade do campo político a uma variável ou a um hiMnimcnto do campo econômico, insistência sobre a lógica própria das instituições políticas e o que estas implicam em termos de análise do impacto incerto das políticas económicas, sendo que a regulação da acumulação está menos ligada ao Estado do que à sociedade em seu miijiinlo. De outro lado, a abordagem nco-estruturalista, ao chamar a atenção para o impacto das estruturas de repartição e de distribuição das mulas sobre o regime de acumulação e o modo de desenvolvimento, adota um ponto que tende a ser deixado de lado pelos regulacionistas e que estes ganhariam muito cm aprofundar na linha dos trabalhos neo- cMiutorulistas.
K«*lcrêncra$ bibliográficas
At II lir iTA , M., BENDER, A. Les métamorphoses de ta société salariale. La 11aiicc en projet. Paris: Calmann-Léy, 1984.
DEUSY-FOURNIER, P. Cinquante ans après Bretton Woods/MichelAglicttu <Ed.). Paris: CEPI-Economica, 1995.
«NOYER. K. A teoria da regulação; uma análise crítica. São Paulo: Nobel,
IWO/Usboa: Dinalivro, 1990.
Introdução
BOYER, R. Aux origines de la théorie de la régulation. In:SAILLARD, Y. (Ed.). Théorie de la régulation; l’état des savoirs. Paris: La Découverte, 1995.
_________ , MIOTTI, L., QUENAN, C. (Ed.). Régulation et trajectoiresnationales en Amérique Latine. Paris: Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme, 1998 (no prelo).
_________ , SAILLARD, Y. Avant-propos. In: _________ , _________ (Ed.).Théorie de la régulation; l’état des savoirs. Paris: La Découverte, 1995.
_________ , _________ (Ed.). Théorie de fa régulation; l'état des savoirs. Paris:La Découverte, 1995. (tradução espanhola: Teoria de la regulación: estado de los conocitnicnlos. Buenos Aires: Oficina de Publicacioncs dcl CBC, Universidad de Buenos Aires, 1997. 2v.).
CASTEL, R. Les métamorphoses de la question sociale. Une-chronique du salariat. Paris: Fayard. 1995.
DEHOVE, M. L'Union européenne inaugure-t-elle un nouveau grand régime d’organisation des pouvoirs publics et de la société internationale? L ’Année de la Régulation, v. 1, p. 11-84, 1997.
MENDONÇA,‘ j.P-, NAKATANI, P., CARCANHOLO, R.A. (Org.) Crise ou regulação? Vitória: Editora Fundação C. A. de Almeida, 1994.
MISTRAL, J. Régime international et trajectoires nationales. In: BOYER, R. (Ed.). Capitalisme fin de siècle. Paris: PUF, 1986.
POLANYI, K. (1946). La grande transformation. Paris: Gallimard, 1983.*
THÉRET, B. Régimes économiques de l'ordre politique. Paris: PUF, 1992.
UN PRÉCIS de la régulation" In: BOYER, R., SAILLARD, Y. (Ed.). Théorie de la régulation; l’ état des savoirs. Paris: La Découverte. 1995. cap. 5.
Recommended