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A VACA QUE DAVA CHOCOLATE QUENTE
Dunno
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Captulo 1: A vaca Caprichosa no mais a mesma
Tenho algo a contar para voc. No sei se aconteceu de verdade, mas quem me
contou morava l pelas bandas do interior de Sergipe, onde dificilmente se assistia tev
nem muito menos se tinha acesso a computador.
Passou-se com o Pedrinho, um menino muito legal que conheci tempos atrs,
quando ele veio estudar na capital. O garoto me contou essa histria e eu no acreditei.
No acreditava at que me lembrei de uma coisa chamada imaginao, algo que a gente
perde quando vira adulto.
Pedrinho morava com os pais numa fazenda que criava gado, igual a muitas outras
espalhadas pelo Brasil. Eles eram apenas empregados, logo, no tinham luxo. Moravam
em uma casinha bem pequena, com apenas um quarto.
Todos os dias, nosso heri acordava s seis da manh para ordenhar a vaca da
famlia, uma das nicas coisas que eles possuam (a outra coisa era uma tev preto e
branco, que no pegava canal nenhum).
Aquela manh, porm, era especial. O sol parecia brilhar de um jeito diferente,
como se estivesse mudando de forma. A lua ainda no tinha ido dormir; resistia, como
se no quisesse perder o que estava para acontecer. E l foi Pedrinho, ordenhar a vaca
Caprichosa (esse era o nome dela), para garantir o caf da manh da famlia.
Entrou no curral, pegou o banquinho, sentou-se perto de Caprichosa e a
cumprimentou, como sempre fazia:
- Como vai, Caprichosa?
Caprichosa olhou para Pedrinho como se quisesse o cumprimentar de volta. O
menino colocou as mos nas tetas da vaca e apertou. Qual no foi sua surpresa quando
notou que o lquido que saa era marrom, e no branco!
- Oxente! O que houve com voc?
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Pedrinho apertou em outra teta e o que viu sair? O lquido marrom!
Depois de vrios oxentes e caras de espanto, ele saiu correndo para mostrar aos
seus pais o que havia acontecido.
- Mainha! Painho! ia o que a Caprichosa fez!
Seu Ivo e dona Maria apareceram na frente de casa, curiosos.
- O que foi, menino? - Perguntou seu Ivo. A vaca no quer dar leite?
- No! ia s pra isso. - Disse, apontando para o balde.
- Mas o que isso? - Os dois disseram juntinhos, em um s coro.
Pedrinho explicou como tinha acontecido, contando que repentinamente aparecera
aquele lquido marrom no lugar do bom e velho leite.
- Vamos perguntar para o compadre Bento o que esse troo a. - Disse seu Ivo.
- Vamos perguntar para o Patro, que quem sabe das coisas. - Dona Maria
replicou.
Captulo 2: O Patro sabe das coisas
Seu Ivo nem quis saber e foi correndo atrs do compadre Bento, amigo de longa
data da famlia, para que ele resolvesse o mistrio. Dona Maria nem quis saber da
opinio do marido e foi chamar o Patro, que era quem sabia das coisas.
Pedrinho ficou sozinho com o balde na mo, curioso que s ele.
- O que ser isso? Ai, ai, ai, eu no vou agentar, no. Remoendo-se de vontade
de descobrir o que era aquele lquido to estranho, ele declarou: - S vou descobrir se eu
tomar!
E l foi ele. Pegou uma xcara cheia do lquido marrom, segurou bem forte a
xcara, e foi quando percebeu que o lquido ainda por cima era quente.
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- marrom e quente! O que ser? Ser que veneno? Mas algum tem que
provar e vai ser eu.
Decidido, Pedrinho j estava levando o lquido boca, quando foi interrompido
por um grito:
- fio! O que voc t fazendo?
Era seu Ivo, que retornava trazendo compadre Bento.
- Eu ia beber, seno nunca vou descobrir o que isso. Esclareceu Pedrinho.
- Mas meu fio, e se for veneno?
- verdade, painho. Me desculpe.
Bronca dada, seu Ivo olhou para o compadre Bento:
- E a, compadre? Sabe o que esse troo a?
Compadre Bento olhou para o lquido no balde, pegou a xcara cheia, percebeu
que estava quente, e ficou to intrigado quanto todos ao seu redor.
- Eu no fao idia. Afirmou, acabando com a esperana de seu Ivo.
Mas nem tudo estava perdido. Falo isso porque no mesmo instante, entrava em
cena dona Maria, acompanhada do Patro.
- Eu sabia que o compadre no ia saber de nada. Disse ela, triunfante. E se
voltando para o Patro, continuou: - Pode entrar, Patro. Seja bem-vindo, viu? No
repare na casa.
O Patro parecia no entender nada. que dona Maria no havia contado de onde
aquele lquido tinha vindo.
- O que a senhora quer que eu faa? Perguntou, instigado pela pressa da
empregada.
- Olha s , Patro. Que negcio esse marrom? Dona Maria disse.
- Marrom e quente! Pedrinho acrescentou.
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O Patro olhou e ficou pasmo com a ingenuidade de seus empregados. Deu uma
risadinha de deboche, abriu os braos e decretou:
- Como vocs podem no saber o que isso? Isso chocolate quente!
O espanto foi geral.
- Chocolate quente? Disseram todos, expressando uma surpresa nunca vista.
Pedrinho no demorou. Logo bebeu o chocolate e lambeu os lbios, to gostoso
era aquele lquido marrom.
- Mas Patro, - disse Pedrinho O senhor sabia que foi a vaca que deu esse
chocolate quente?
Vendo a cara de descrena do homem, Pedrinho continuou:
- , sim. Eu estava indo tirar leite da nossa vaca, a Caprichosa, como eu fao todo
dia, n. A, quando eu apertei a teta dela, o que eu vi foi isso!
- Ento me mostre. O Patro ainda no acreditava.
- pra j!
Pedrinho levou o Patro at o curral onde estava Caprichosa. Claro que todos os
outros foram junto.
O lugar no era bonito, mas estava limpinho. No porque algum pobre que
vive sujo, jogado pelos cantos. A famlia de Pedrinho tinha esta caracterstica, sempre
fazia as coisas parecerem melhores do que eram na verdade.
Chegaram l, Pedrinho colocou o balde debaixo de Caprichosa, e a ordenhou.
Como resultado, apenas um mugido fraco da vaca. O menino olhou meio envergonhado
para o Patro, mas voltou-se novamente para Caprichosa e fez nova tentativa. E
funcionou! O chocolate flua pelas tetas da vaquinha, quente, quente. Aquilo fascinou o
Patro, que soltou uma exclamao:
- Impressionante!
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- Eu no disse? A minha Caprichosa agora mgica! Pedrinho estava orgulhoso.
- Foi voc quem descobriu isso? Perguntou o Patro.
O garoto fez um sim com a cabea. O homem continuou:
- Pedrinho, voc nem imagina o futuro que eu tenho para essa vaca!
- No imagino no, seu Patro.
- Pois eu quero comprar essa vaca de voc. Te pago bem!
Pedrinho estava intrigado. O homem nunca havia sequer olhado para sua vaquinha
Caprichosa. s vezes passava por perto do curral da famlia e esnobava, perguntando
ironicamente se os empregados estavam ganhando to bem que podiam ter vacas
premiadas. Agora se interessava to repentinamente pelo animal? Era de estranhar.
Mas nem houve tempo para Pedrinho dar uma resposta. Seu Ivo no era homem
de meias palavras e tomou logo a frente da conversa:
- Mas a Caprichosa no est venda, no senhor. Ela nossa nica fonte de leite.
Alm do mais, a gente tem um carinho muito grande por ela.
- Mas eu vou pagar acima do valor real! Vocs vo poder comprar at duas ou trs
vacas! Insistiu o Patro. Ele no gostava de ser contrariado. Queria sair ganhando em
tudo o que fizesse.
At esse momento, vocs devem estar pensando que se a famlia de Pedrinho era
to pobre, por que eles no vendiam a Caprichosa e investiam o dinheiro? Acontece que
o seu Ivo era pobre, mas no era tonto. Ele sabia muito bem que se o Patro estava
interessado na vaca, isso no era toa. Coisa boa ela devia ser, mesmo no dando leite
de verdade.
- Seu Patro, o senhor me desculpe, mas ns no vamos vender a Caprichosa e
ponto final.
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O Patro ficou furioso. Nunca saa de uma negociao derrotado. Sua fazenda era
das mais bonitas e extensas da regio. Podia comprar o que quisesse. Tinha gado a
perder de vista. Bois e vacas que ningum contava, bezerros aos montes. Mas nenhuma
das suas vacas leiteiras tinha o poder que Caprichosa tinha! E justamente ela, no
queriam lhe vender. Mas aquilo no ficaria assim. Revoltado, resolveu ameaar:
- Se voc no vender essa vaca para mim, ponho voc e sua famlia para fora da
minha fazenda!
O homem era mesmo covarde. Era dominado pela ambio. Fazendo cara de
quem tinha dado o golpe fatal, perguntou:
- Ento, vende ou no? a ltima chance.
Seu Ivo no hesitou:
- A Caprichosa tem dono: eu e minha famlia!
Naquele momento, o coraozinho de Pedrinho ficou apertado. Quis chorar, mas
segurou as lgrimas; no era a hora para isso; ergueu a cabea e fez sinal de afirmativo
para o pai. Dona Maria no era to controlada: desandou a chorar, mas em nenhum
instante duvidou da coragem de seu marido, afinal, ele devia saber o que estava
fazendo.
O Patro no tinha outra coisa a dizer a no ser:
- Pois ento, a porta da rua a serventia da casa. Vocs tem vinte minutos para
arrumar suas coisas e sair das minhas terras. Nunca mais quero v-los na minha frente,
entenderam?
Captulo 3: Pedrinho sabe o que fazer
No levaram nem quinze minutos. Os trs no tinham muita coisa. Empacotaram
as poucas roupas que possuam e partiram. Trs nordestinos sem rumo, sem nada alm
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de uma vaca que dava chocolate quente. Ah! Sem esquecer da tev preto e branco que
no pegava canal algum.
A partir da tudo o que se passava na cabea da famlia eram incertezas. Incertezas
a respeito do que o futuro lhes reservava. No dava para saber, afinal eles no tinham
estudo, no sabiam fazer outra coisa alm das tarefas da fazenda. Seu Ivo pensava que
seria muito difcil encontrar outro lugar que lhes desse abrigo como na fazenda. O
Patro podia ser tudo de ruim, mas nunca cobrara aluguel pela casinha onde moravam.
Ser que eles conseguiriam superar mais essa dificuldade?
Pedrinho se sentia culpado, pois tinha revelado de onde viera o chocolate quente.
Talvez se no falasse nada, o Patro nunca saberia. Mas tambm no dava para saber.
Ficar pensando no se no muda nada no presente. E o presente era aquele, triste e sem
esperana.
O frio estava insuportvel. Era inverno, o que no serto brasileiro quer dizer clima
muito mido e muita chuva. Chovera muito desde que eles tinham partido. Os quatro, a
famlia e Caprichosa, estavam andando h horas sem beber nada, e j estavam muito
cansados. Dona Maria j no chorava mais; suas lgrimas secaram. Caprichosa podia
no falar a lngua de gente, mas expressava sua tristeza em mugidos longos e
melanclicos.
Vendo seus pais, cabisbaixos e sem dizer uma nica palavra, Pedrinho era um
turbilho de pensamentos e imagens. Vinha-lhe mente a vaca dando aquele lquido
marrom, seus pais espantados, o Patro debochando da ignorncia deles e logo depois
ameaando e expulsando-os da fazenda. Mas ele tambm pensava no sbito interesse do
homem na Caprichosa. Qual seria o motivo para isso? Seus pensamentos foram
interrompidos pela voz de seu Ivo:
- E agora, mui? O que ns vai fazer? Onde a gente vai trabalhar?
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Diante do silncio de Dona Maria, eles avistaram ao longe um pequeno vilarejo,
formado por algumas casas, uma igrejinha e uma pracinha precisando de reforma. Seu
Ivo continuava questionando:
- Como que ns vai ganhar dinheiro?
- Ns podemo vender essa tev que no serve para nada. Pelo menos o almoo a
gente garante. Dona Maria finalmente falava alguma coisa.
- A gente vai acabar tendo que vender a Caprichosa. Mas eu no sei por que o
Patro queria tanto comprar esse bicho. Seu Ivo acrescentou.
Foi bem nesse momento que a mente de Pedrinho deu um estalo. Tudo se
encaixou perfeitamente. Caprichosa fornecendo chocolate, o Patro louco para se
apossar dela, a famlia precisando de dinheiro... No deu outra:
- Oxente, painho! Pedrinho exclamou E o chocolate da Caprichosa?
- O que que tem, Pedrinho?
- A gente pode vender! Quem que no vai querer tomar chocolate quente vindo
direto da vaca? O Patro ficou querendo comprar ela porque ele ia ganhar muito
dinheiro vendendo o chocolate que ela d!
Seu Ivo deu um sorriso como quem agora entendia o que estava acontecendo.
Depois disse:
- mesmo, fio. O Patro mesmo muito esperto. Queria ganhar dinheiro fcil.
Mas... No sei no, hein. Seu Ivo estava inseguro.
- No sabe o qu, painho! Vamo deixar de aproveitar?
- A gente nem sabe at quando a Caprichosa vai dar chocolate! Dona Maria
entrou na conversa.
- Por isso mesmo, mainha. A gente tem que aproveitar antes que ela pare!
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Enquanto a conversa prosseguia animada, vamos dar uma pausa para sabermos
como estava nossa to querida vaca. Caprichosa estava com o estmago roncando de
fome. Ela no comera nada desde que sara da fazenda. At que Pedrinho tentou fazer
com que ela se alimentasse, mas nada abria seu apetite. No momento em que a famlia
decidia seu futuro, a vaquinha s pensava naquele delicioso plantinha que havia comido
no dia anterior. No era igual a nada que comera antes. Macio, suculento e diferente!
Durante seu pensamento saboroso, ela avistou um mato igual quele. Apressada, saiu
em disparada e abocanhou o mato com toda vontade.
- ta fome braba, Caprichosa! Disse Pedrinho.
O que Pedrinho no percebeu que havia algo mais do que simples comida
naquele mato apetitoso...
Finalmente chegaram ao vilarejo. Pedrinho s falava em vender o chocolate da
Caprichosa, mas seu Ivo ainda tinha dvidas. J dona Maria concordava com o filho.
Ganhariam muito dinheiro com a vaquinha.
O menino no esperou mais nada. Apeou Caprichosa num toco de rvore e
comeou a propagar em alto som:
- Povo dessa terra! Venham ver a oitava maravilha do mundo! J se viu muita
coisa nesse mundo de Deus! Cavalo de duas cabeas, mula-sem-cabea, lobisomem,
alma penada sem destino certo, gente viajando pra lua, mquina de tirar sal da gua, o
tal do computador, at mui que tem dois marido! Mas uma coisa eu posso garantir:
vocs nunca viram nada igual a isso! A vaca Caprichosa, que ao invs de dar leite puro,
d chocolate quente! isso mesmo: chocolate quente! As pessoas comearam a se
aproximar, fazendo um pequeno alvoroo; Pedrinho continuava a proclamar: - No
inveno, no mentira, a mais pura verdade, o mais puro e delicioso chocolate
quente!
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A roda de gente aumentava. Pedrinho sentou-se prximo a Caprichosa, apertava
suas tetas, de onde saa o chocolate, quentinho, quentinho.
- Quem vai querer experimentar?
A aceitao foi geral. No houve uma alma viva no lugar que no quisesse
experimentar aquele fenmeno.
Uma vaca normal saudvel d at quinze litros de leite por dia. Mas aquela vaca
no era nada normal. Depois que comeu aquele mato saboroso, Caprichosa estava dando
muito chocolate. Deu para encher canecas, xcaras e copos de toda a populao, que no
era l muito grande.
Mas nada perfeito. Pedrinho no percebeu, mas havia algum no meio da
populao que no estava nada contente com o chocolate. Era um homem de aparncia
suspeita, que ao ver o que estava acontecendo, montou em seu cavalo e disparou em
direo fazenda.
Captulo 4: Uma arma na mo e uma ideia na cabea
O Patro no parava de pensar naquela vaca to diferente e fascinante. Ele no se
conformava em perder aquela mina de ouro. Mas como tinha enviado alguns capangas
seguirem a famlia de Pedrinho, acreditava que nem tudo estava perdido. Foi quando
entrou em casa Zeca, o homem que estava vigiando nossos heris.
- Patro! Patro! Disse ele, ofegante.
- O que foi, homem? Fale, logo! Onde eles esto?
- Andaram bastante, os cabra. Esto naquele povoadozinho h umas sete lguas de
distncia.
- Ainda esto com a vaca?
- E como esto! Ela t dando muito dinheiro!
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- Dinheiro? Mas no chocolate quente?
- Eu t falando que o moleque t vendendo o chocolate da vaca.
- Eu sabia! O Patro ps-se a coar a barba que estava por fazer. Continuou: -
Essa maldita vaca tem que ser minha. Eu no posso perder essa oportunidade.
Caminhou at o escritrio, abriu a gaveta de sua mesa e de l tirou uma arma,
herana de seu pai. Com aquele revlver, o fazendeiro j havia cometido muitas
injustias. Uma a mais ou a menos no faria a menor diferena. Entregou-a a Zeca e
com olhar sedento de vingana, disse:
- Pegue trs homens e v atrs da minha vaca. Ela vai ser minha, ou eu no honro
as calas que estou vestindo.
Captulo 5: Foi alguma coisa que a Caprichosa comeu
O vilarejo inteiro estava de barriga cheia com tanto chocolate. O dia j estava
acabando. Pedrinho estava exausto. Nunca havia trabalhado tanto. Ele pastoreava
Caprichosa, que parecia to cansada quanto seu pequeno dono. Repentinamente, a vaca
deu um salto de alegria. A to saborosa plantinha , a nica coisa que a satisfazia, estava
ali, pertinho dela. Rapidamente, disparou em direo comida.
Pedrinho finalmente percebeu que aquele mato era idntico ao que Caprichosa
havia comido horas antes de chegarem ao povoado.
Pensativo, o menino ponderou sobre as razes porque sua vaca no comia outra
coisa. Que planta ser essa?, ele pensou. Levantou-se, foi em direo planta e
colheu uma folha para ver mais de perto. No fao ideia do que . Como no ia
adiantar nada ficar ali tentando adivinhar a natureza daquela planta, resolveu procurar
seus pais. De planta eles entendiam.
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Seu Ivo e dona Maria estavam descansando um pouco embaixo de uma rvore
enorme, que dava uma sombra deliciosa. Pedrinho chegou com ar de curioso e disse:
- Vocs sabem que planta essa?
Os dois olharam bem e, para variar, disseram:
- Nunca vimos esta planta mais gorda, fio.
Um pouco frustrado, o menino sentou-se ao lado dos pais e fitou o horizonte. Ele
no sabia at quando Caprichosa teria aquele maravilhoso dom. Essas coisas nunca
acontecem mais de uma vez na vida da gente. Com a venda do chocolate da vaquinha, a
famlia havia comprado alguma comida, o bastante para uma semana de andana pelo
mundo. Mas o futuro continuava incerto.
Um barulho de caminho brecou os devaneios de Pedrinho. No era um caminho
qualquer; era um bem, bem grande. Na verdade no d para saber o tamanho exato, uma
vez que Pedrinho era uma criana quando viu o veculo, e as crianas veem sempre as
coisas maiores do que so de fato. Mas com certeza, o caminho era grande, porque at
seu Ivo e dona Maria ficaram impressionados!
O caminho vinha em alta velocidade, mas a estrada dentro do vilarejo estava
repleta de quebra-molas, o que obrigou o motorista a frear bruscamente. Quando freou,
alguma coisa caiu da carroceria. No era nada grande. Parecia muito com sementes. O
caminho continuou seu caminho, mas no sem antes Pedrinho conseguir ler (ele no
era analfabeto) escrito na parte de trs: Fazenda Novo Cacau.
- Painho, o que cacau? Perguntou o menino.
- uma fruta que se planta l pras banda do sul da Bahia. No d por aqui por
causa do clima, que mais seco. Ao menos isso seu Ivo sabia.
Pedrinho foi at onde havia cado as sementes e trouxe para seu pai olhar.
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- Eu s no sei se essas sementes so de cacau, porque eu nunca vi um p de cacau
antes. Disse seu Ivo.
- Pois eu vou tentar descobrir! Declarou Pedrinho.
Andando pelas redondezas, ele saiu perguntando aos moradores sobre a tal
fazenda Novo Cacau. Ele estava convencido que de alguma maneira aquelas sementes
estavam ligadas sbita transformao de Caprichosa. Depois de tanto pesquisar,
constatou que a fazenda ficava somente h uma lgua de distncia do vilarejo.
Descobriu tambm que o proprietrio costumava tomar uma cachacinha em um bar que
havia ali. Quando Pedrinho chegou no bar, l estava um homem com chapu de couro,
botas engraxadas, uma fivela que mais parecia um escudo de to grande e brilhosa. S
podia ser o fazendeiro que ele procurava. Nosso heri aproximou-se do homem, que no
notou sua presena.
- O senhor por acaso dono da fazenda Novo Cacau? Perguntou, meio sem
jeito.
- Sou sim. Por que a pergunta? O homem at que parecia ser gente boa.
- que eu queria saber para que serve essa fruta.
O homem deu uma risada, e disse:
- Ora, voc no sabe? Como pode no saber para que serve cacau?
- O senhor acha que se eu soubesse tava aqui perguntando?
- Tem razo. que eu pensei que todos soubessem que o cacau a fruta de onde
se faz o chocolate.
Pedrinho quase caiu para trs! Mostrou-lhe ento as sementes e a folha que havia
colhido minutos antes.
- Essas semente e essa folha so de cacau?
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- So, sim. Devem ter cado do caminho que est trazendo as mudas para c. Eu
estou tentando plantar cacau aqui em Sergipe. Mas como eu sei que o clima aqui seco
mesmo no inverno, encomendei umas sementes transgnicas.
- Trans... o qu?
- Transgnicas. So sementes alteradas geneticamente, sabe, em laboratrio. Uns
cientistas pegam as sementes puras e as transformam, para elas poderem fertilizar em
solos com clima diferente do sul da Bahia. Voc entendeu?
- Quer dizer ento que as sementes no so do mesmo jeito, no so iguaizinhas
quelas que o povo planta no sul da Bahia? So diferentes?
- Se no forem, no d para plantar por essas bandas.
- E o que acontece se a gente comer essas folhas?
- No acontece nada. Muitos testes foram feitos, meu filho, pode ficar tranquilo.
Sem dizer mais nada, Pedrinho saiu correndo. J tinha a resposta que precisava.
Ele se lembrava daquele caminho passando por perto de sua casa na fazenda do Patro.
Com certeza, as sementes caram, foram pisadas na terra, e cresceram. Caprichosa
andava muito pela beira da estrada que cortava a fazenda. Agora tudo fazia sentido!
Pedrinho mal podia esperar para contar a novidade para seu Ivo e dona Maria. Para
Caprichosa continuar dando chocolate quente, bastava continuar comendo a planta
milagrosa.
Quando Pedrinho chegou onde deixara a vaca, ela no estava mais l. Pensou que
seus pais deviam t-la levado para onde eles estavam. Seu Ivo e dona Maria
continuavam l, debaixo da rvore frondosa, dormindo feito pedras. Ficou preocupado:
- Painho! Mainha! Ele gritou. Cad a Caprichosa? Cad?
Ainda com os olhos pesados de sono, seu Ivo indagou:
- Oxente, Pedrinho, ela no tava com voc?
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- Ai, meu Deus! Minha vaca sumiu!
Captulo 6: A vaca minha e ningum tasca!
Caprichosa estava com medo. No via Pedrinho por perto. Tinha certeza que havia
alguma coisa errada. Quatro homens a rodeavam, e no tinham cara de muitos amigos.
Como os bichos entendem o que a gente fala, ela ouvia tudo o que eles diziam:
- Quando a gente chegar na fazenda, o Patro vai abrir uma garrafa de usque!
Acho que eu vou at pedir um aumento pra ele. Zeca estava animado, afinal fora ele
quem pegara a vaca to preciosa para o Patro.
- Voc muito broco, mesmo, Zeca. T achando mesmo que o Patro vai
agradecer gente? Tonho, outro capanga, discordava do colega Do jeito que o
homem , aposto que vai reclamar pela demora da encomenda.
- Eu s continuo nessa maldita fazenda porque no tenho outro lugar pra ir.
Quem falava era Mundo, nosso terceiro capanga Depois tambm, eu tenho famlia
pra sustentar.
O quarto homem no era de muitas palavras. Chamavam-no de Olho-Torto e o
motivo desse apelido se tornava bvio quando se olhava nos olhos dele. Na verdade,
ningum sabia muita coisa a respeito de Olho-Torto. No fazia muito tempo que ele
tinha chegado fazenda. No era de muitos amigos, mas se unira com os trs capangas,
com quem desenvolveu uma espcie de amizade. Ouvindo os colegas conversarem, tudo
o que fazia era soltar rudos, que ningum distinguia se eram de aprovao ou de dor de
barriga.
Os quatro homens continuavam sua jornada de volta fazenda, enquanto
Caprichosa pensava no que seria dela sem seus verdadeiros donos. J estava sentindo-se
mal, pois j no comia h horas, e no se via sinal algum da deliciosa planta. Em alguns
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momentos, tinha certeza que sua fome seria tanta que no mais se importaria em voltar a
comer o capim de sempre. No era to saboroso quanto a plantinha maravilhosa, mas
pelo menos servia para saciar seu apetite.
De longe, o Patro viu seus homens se aproximarem de suas terras. Ao chegarem
na sede da fazenda, ele no esperou nenhum momento: foi logo checar como estava sua
to ansiada vaca.
- Finalmente chegaram, hein, seus palermas. Suas primeiras palavras no foram
de elogios aos capangas, como previra Tonho Pensei que no viriam mais. Vocs so
uns frouxos mesmo. Levam tanto tempo para roubar uma simples vaquinha. O que
houve? Brigaram com ela? E pela cara de vocs, devem ter apanhado. Rebanho de
idiotas!
- Patro, ns... Zeca ia falar alguma coisa, mas foi logo interrompido pelo chefe
mal-agradecido.
- No quero saber de nada! Podem sair daqui. Tenho o que queria. Agora deem o
fora! Dirigiu-se a Zeca e disse: - Me d minha arma, Zeca. E saia!
Meio a contragosto, o capanga devolveu-lhe a arma.
Descartados, Zeca, Tonho, Mundo e Olho-Torto saram. No estavam nem um
pouco felizes com o tratamento que o chefe lhes dava.
O Patro no quis nem saber do fato de que a vaca provavelmente no daria
nenhum leite ou chocolate quela hora do dia. Sentou-se prximo a Caprichosa e a
ordenhou. Mas nenhuma gota caiu no balde.
- Maldio! Vou ter que esperar at amanh para comear a ganhar dinheiro!
Chamou um empregado e mandou-lhe que levasse o animal para o curral. Teria
que aguardar at o dia seguinte, o que pareceria uma eternidade.
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O que ele no sabia era que Pedrinho teria tempo suficiente para resgatar sua to
preciosa Caprichosa.
Captulo 7: As vacas tambm sonham
A noite chegou. No curral, Caprichosa sentia-se muito solitria. Claro que ela no
estava sozinha, tinha muitas vacas ali tambm. Ela at conhecia algumas delas, mas elas
eram muito esnobes, achavam-se muito boas, por serem premiadas, caras e paparicadas.
Andavam para l e para c sempre com o focinho empinado, como se tivessem o touro
na barriga.
Quando viram Caprichosa, perguntaram umas s outras:
- No a vaca que vive naquele curralinho de pobre?
- Como mesmo o nome dela... Caprichosa!
- Ela no pertence a uma famlia de empregados da fazenda?
- Por isso que to magrinha, com as costelas visveis.
Nossa querida vaquinha podia ouvir tudo o que as outras falavam, mas no queria
discutir. Sabia que era especial, ou no seria to disputada. Imaginava-se sendo
reverenciada, com as pessoas falando sobre ela, escrevendo livros, defendendo teses,
fazendo reportagens, compondo-lhe canes.
Continuaria em seu silncio, no fosse outra vaca chamada Irene lhe dirigir a
palavra.
- Voc foi comprada pelo Patro?
- Acho que no. Estava com meus donos verdadeiros e quando vi j no estava
mais. Temo que tenha sido roubada.
- Roubada? Mas por que o Patro iria roubar voc? O que voc tem de to
especial?
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- Hoje de manh no dei leite. O que saiu foi chocolate quente. Quando o Patro
soube disso, acho que mandou meus donos embora da fazenda.
- Chocolate quente? Voc deve estar louca. Nenhuma vaca d chocolate, minha
querida. Com certeza deve ser algum delrio seu. A gente j vem assim de fbrica:
dando leite branquinho. Imaginem s, meninas: uma vaca que d chocolate quente!
Ouvindo as risadas tomarem conta do curral, Caprichosa voltou a ficar calada.
Fechou os olhos e dormiu. E sonhou.
Estava em um pasto lindo, to grande que se perdia de vista. Mas no era um
pasto comum. Estava coberto de folhas de cacau. Quando ela comia as folhas, elas se
transformavam subitamente em capim comum. Olhava ao redor e via que outras vacas
se juntavam a ela e comiam das folhas tambm, contudo suas folhas no se tornavam
capim. De repente, ela era a nica vaca do pasto que no dava mais chocolate quente.
Pedrinho a ordenhava e s saa leite puro. Caprichosa comeava a chorar, mas no
conseguia mugir. Irene olhava para ela com desprezo para depois rir em alta voz,
zombando de sua situao.
- Voc acha que especial? Dizia Irene Ns que somos especiais.
Premiadas. Paparicadas. Amadas. Voc foi apenas uma moda passageira!
Moda passageira...
Moda passageira...
Moda passageira..."
Caprichosa foi acordada bruscamente. Ainda era madrugada.
Captulo 8: Pedrinho procura ajuda
Voltemos um pouco em nossa histria: Pedrinho acabara de perceber que sua vaca
desaparecera. Juntamente com seu Ivo e dona Maria, procurou em cada canto do
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vilarejo onde uma vaca pudesse se esconder, sem obter resultado algum. Sentou-se em
um toco de rvore e derramou uma lgrima.
- Ave, mainha. A Caprichosa da nossa famlia. Ela no ia fugir da gente.
- Com certeza, meu fio. Ento pra onde ela deve ter ido?
- Ora, mui. Ela s pode ter sido roubada! Disse seu Ivo, sabiamente.
- Roubada? Ela se surpreendeu. Mas quem ia querer roubar a Capricho... Mas
claro!
- Quem mais poderia ser, Maria!
Eles no combinaram nada, mas falaram numa s voz:
- O Patro!
No minuto exato em que a famlia tinha a terrvel constatao, aproximava-se
deles o homem com quem Pedrinho falara minutos antes. Depois que o menino saiu em
desabalada carreira do bar, o fazendeiro ficou curioso sobre o que estava acontecendo,
uma vez que acabara de chegar no vilarejo. O dono do bar contou-lhe tudo sobre a vaca
Caprichosa e seu extraordinrio dom. A despeito dos olhares desconfiados de seu Ivo,
ele disse:
- So vocs os donos da tal vaca que d chocolate quente?
- Somos sim, senhor. Respondeu Pedrinho.
- E onde est ela?
- Por que o senhor quer saber? Replicou seu Ivo, j no confiando em mais
ningum Eu nem conheo o senhor. No tenho que ficar lhe dando satisfao de meus
bens.
Percebendo o mau jeito, o fazendeiro resolveu se retratar:
- O senhor me perdoe. Meu nome Eronildo. Sou o dono da fazenda Novo Cacau,
que fica perto daqui, a uma lgua. Estendeu a mo para cumprimentar seu Ivo, que
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retribuiu com certo receio Conversei h pouco com seu filho, que me fez algumas
perguntas sobre o cacau.
O clima foi um pouco amenizado, tanto que seu Ivo devolveu as apresentaes:
- Meu nome Ivo. Essa minha mui Maria e esse o meu filho Pedrinho.
- O que que tem o cacau? Dona Maria entrou na conversa.
- Eu ia contar pra vocs, mas quando eu cheguei a Caprichosa tinha sumido.
Depois nem lembrei, de to aperreado que eu fiquei! Explicou-se Pedrinho.
Eronildo era um bom homem, um fazendeiro honesto. No costumava fazer pouco
dos mais pobres, tratava bem todos os seus empregados, e at ajudava algumas famlias
necessitadas. Estava ali, no porque estava interessado em comprar a Caprichosa, mas
porque havia sido cativado pelo olhar de Pedrinho e percebera que de alguma maneira
poderia ajudar sua famlia.
- Sua vaca sumiu? Mas como? O fazendeiro intrigou-se.
- Eu no sei! Mas a gente acha que foi nosso Patro.
E passou a explicar tudo o que acontecera at ali, nos mnimos detalhes. quela
altura, a noite j se aproximava e a conversa prosseguia, com Eronildo sempre muito
interessado na histria.
O fazendeiro j ouvira muitas histrias diferentes na roa onde se criara. Desde
lobisomens at mulas-sem-cabea. Mas nenhuma era verdadeira. Nada, porm, se
comparava a uma vaca que jorrava chocolate por ter comido folhas de cacau
transgnico. E era verdade!
Terminada a prosa, ele estava resolvido:
- Vou com vocs resgatar a Caprichosa! Eu conheo esse Patro de vocs. Ele
conhecido por humilhar as pessoas que emprega. No gosto dele desde que cheguei por
esses lados.
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Mais confiantes, Pedrinho, seu Ivo e dona Maria apertaram as mos de Eronildo.
Dona Maria falou:
- Deus o abenoe, seu Eronildo.
- S preciso resolver alguns negcios na minha fazenda, mas logo depois eu volto.
A gente vai na minha caminhonete.
O momento havia chegado. Pedrinho no tinha dvidas de que conseguiria ter sua
vaca de volta. Afastou-se para um canto, uniu as duas mos fazendo um gesto de orao
e dirigiu uma prece a Deus:
- Obrigado, meu Deus. Cuida da Caprichosa e diga a ela que vai ficar tudo bem,
como sempre foi. Amm.
Captulo 9: O Patro brincou com os homens errados
Vamos deixar Pedrinho e sua famlia onde esto, para darmos uma olhada no que
os capangas Zeca, Tonho, Mundo e Olho-Torto fizeram logo depois que o Patro
mandou que sassem de perto dele, no dando nem um elogio sequer pelo trabalho
arriscado que realizaram.
Foram juntos at a venda do Pereira, onde se podia conversar em paz. O primeiro
a expressar sua insatisfao foi Mundo:
- Querem saber de uma? Eu t cheio de ser tratado que nem lixo nesta porcaria
de fazenda. Se pelo menos o Patro pagasse bem, mas nem isso o homem faz!
Tonho tomou as dores do colega:
- Tem toda razo, Mundo. Ns t sendo humilhado por demais da conta. No
de hoje que esse Patro explora ns como se fosse gado.
- At o gado ele trata melhor que os empregado! Quem falava agora era Zeca
T mais do que na hora dele aprender uma lio.
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Olho-Torto, com seu jeito peculiar, fitou os colegas e murmurou alguma coisa
que ningum entendeu, mas todos concordaram:
- isso mesmo!
- Mas pera, gente. Tonho disse O que voc t querendo dizer com dar uma
lio no Patro? No sou homem de cometer crime, no.
- E o que ns fizemos hoje no foi crime? Disse Mundo, sendo bastante
razovel.
- E eu no t falando de nada grave. Completou Zeca, fazendo cara de quem
estava tendo um tipo de ideia genial e arriscada.
Intrigado, Olho-Torto virou-se para Zeca e desfilou mais alguns de seus
murmrios, querendo saber mais sobre o plano que tinha. O colega continuou:
- muito simples: a gente vai roubar a tal vaca mgica.
Fez-se um breve silncio. Para ser quebrado logo depois, pela voz rouca de
Mundo:
- Voc t doido, homem. Se o Patro descobre, ns t frito!
- Eu acho que essa a melhor coisa que a gente pode fazer pra se vingar:
roubando a vaca e sumindo no mundo.
- Eu no sei no... Disse Tonho, cauteloso.
- A gente pode ganhar muito dinheiro com ela! Por que que vocs acham que o
Patro tava to interessado nela? Ele sabe das coisas. Mas ns vai provar pra ele que
tambm somo esperto. Continuou Zeca, bastante convincente.
- ... Acho que isso pode dar certo. A gente pode agir na calada da noite, quando
no tem ningum acordado, nem o Patro. Mundo j estava abraando a ideia.
- Alm do mais, o Patro nunca vai desconfiar que ns tem coragem de fazer isso.
Ele acha que ns burro, que no pensa. disse Zeca.
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- Pois ele vai bufar na farofa! Tonho disse.
Os quatro amigos caram na gargalhada com a piada de Tonho.
No demorou muito, a noite caiu, trazendo consigo o momento perfeito para a to
ousada empreitada.
Quando o relgio marcava duas horas da manh, eles entraram no curral,
acordaram Caprichosa e deram no p. Na ponta dos ps, claro, torcendo para
Caprichosa no mugir.
Captulo 10: O socorro est a caminho
Pedrinho j no aguentava mais esperar, afinal, Eronildo tinha ido at a fazenda h
cerca de trs horas. J era madrugada, e o menino chegou a pensar que tudo no passava
de uma brincadeira muito sem graa do fazendeiro. Mas ele estava enganado. L pelas
duas da manh, a caminhonete de Eronildo despontava no horizonte. Ele correu at o p
de rvore e acordou seus pais:
- Anda, mainha! Vamo, painho! Seu Eronildo chegou! Vamo pegar a Caprichosa
de volta!
A caminhonete estacionou rente a Pedrinho, que mal aguardou Eronildo abrir a
porta. Foi logo entrando no carro, juntamente com seu Ivo e dona Maria. O fazendeiro
perguntou:
- E ento, demorei muito?
- Um pouco, n, seu Eronildo. Respondeu Pedrinho sinceramente Mas agora
voc t aqui. P na tbua!
Os pneus da caminhonete deixaram marcas bem fundas na estrada de terra do
vilarejo. Eram nossos valorosos heris do serto, embarcando na aventura de suas vidas!
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Sete lguas separavam o vilarejo da fazenda do Patro. Chovia muito naquela
madrugada, o que dificultava a direo e diminua a velocidade. Aflitos, Pedrinho e seus
pais no viam a hora de chegarem na fazenda e resgatarem o que lhes pertencia. Para
eles, Caprichosa era muito mais do que apenas uma vaca, um animal. Era parte da
famlia. Isso os motivava muito mais do que o fato dela ter o dom de dar chocolate ao
invs de leite. Era o amor pela vaquinha que os deixava to preocupados.
Trinta minutos depois, ia se aproximando o final da viagem. A caminhonete parou
perto da porteira que dava acesso sede da fazenda. Os quatro desceram do carro e
foram caminhando lentamente e com cuidado para no despertarem a ateno. Seu Ivo
apontou para Eronildo o caminho do curral principal. Vagarosamente, chegaram ao
lugar e abriram o porto. A chuva ainda caa. Pedrinho foi o primeiro a entrar. Pediu
que os outros esperassem do lado de fora. Quando ele saiu, tinha uma figura triste. Sua
voz quase no saiu:
- Ela no t aqui.
Captulo 11: Daqui ningum me tira!
Caprichosa mugiu bem alto, como se quisesse indicar onde estava. De nada
adiantava. J no estava mais perto da fazenda. Muito triste, olhou para trs, mas logo
Mundo puxou seu pescoo para frente, dando-lhe um tapa no traseiro.
- ta, vaca xarope essa! No para de olhar pra trs. Reclamou o capanga.
A vaquinha no estava nem a. S queria voltar para o carinho de Pedrinho. Alm
disso, ela estava morta de fome. No suportava mais. No parava de andar h meia hora.
Estava cansada, sedenta e faminta. Resolveu mugir de novo. Apenas para ganhar outro
tapa no traseiro de presente. Desta vez de Tonho, que disse:
- Para de fazer zoada, vaca de uma figa!
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- At parece que ela entende o que voc fala, Tonho. Ela s uma vaca, abestado!
Disse Zeca, sem saber o que falava.
Como as crianas sabem muito bem, as vacas no apenas entendem o que a gente
fala, como tambm pensam e organizam muito bem as ideias. Caprichosa no era
diferente. Mas com a fome que estava, os pensamentos vinham embaralhados, como se
estivesse bbada.
Foi ento que teve uma viso do paraso, bem ao seu lado: a to desejada
plantinha! Esticou o pescoo com toda a fora, tentando se desvencilhar da corda, e
abocanhou a folha com toda vontade. Mas no engoliu to rapidamente. As vacas
mastigam a comida vrias vezes e com muita calma. Isso faz com que elas aproveitem
melhor todo o sabor do alimento, e tambm permite que elas pensem durante a refeio.
Sem esquecer que elas jamais mugem de boca cheia. falta de educao.
A comida fez com que ela pensasse mais claramente. E teve uma ideia brilhante:
resolveu parar. Isso mesmo, parar. No se mexeu nem para a direita, nem para a
esquerda.
- Zeca! Chamou Mundo , Zeca! A vaca empacou.
- Essa, no. Era s o que me faltava.
- Deve t procurando mais folha! D capim pra ela. Observou Tonho.
- Mas ela no come capim. Ela no t comendo nada, s uma planta esquisita que
pegou agorinha mesmo. Disse Mundo.
- Se ela empacou, no tem chicote que d jeito. Zeca sentenciou Vamos ter
que esperar.
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Captulo 12: Eles que so fazendeiros, que se entendam
A cama estava bem aquecida. O sonho estava timo. Mas tudo foi interrompido
sem aviso prvio. Era o Patro, que j estava no dcimo sono enquanto o mundo caa l
fora. Algum batia na porta com muita fora. Assustado, calou os chinelos
apressadamente e arrastou-se at a sala. Ao abrir a porta, o vento trouxe um monte
dgua para dentro de casa, mas tambm trouxe um belo murro no meio do nariz, que
ele no pde ver de onde partiu. Cambaleante, percebeu que era seu mais novo desafeto:
Eronildo.
- Diga onde est a vaca! Eronildo falou com autoridade.
Olhou bem para as pessoas que acompanhavam seu inimigo, e viu Pedrinho, seu
Ivo e dona Maria. Finalmente entendeu o que estava acontecendo.
Levou as mos ao nariz, tentando achar um jeito de aliviar a dor. E disse:
- A vaca minha, ningum pode dizer que no .
Outro soco. No mesmo nariz. Outra ordem:
- A vaca no sua, pertence a esta famlia. Tenho todo o vilarejo por testemunha.
Agora, diga! Olhamos no curral e ela no est l. Onde est, ento?
A expresso de surpresa denunciou que ele sabia tanto quanto Eronildo, ou seja,
no fazia ideia do paradeiro de Caprichosa.
- Roubaram minha vaca! Disse o Patro.
Os quatro entreolharam-se, sem saber o que fazer.
- E agora, seu Eronildo? Indagou Pedrinho Se no est com o Patro, com
quem h de estar?
O Patro murmurou algo que s dava para entender aos pedaos:
- Aqueles... pegaram... traras... levaram... vaca... aude...
- O qu? Quem levou a vaca? Perguntou seu Ivo.
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- Ele disse alguma coisa sobre um aude. Disse Eronildo Qual aude?
- Deve ser o aude beirando o pasto de Severino! Lembrou-se dona Maria.
O Patro acabou desmaiando, de tanta dor que sentia. Mas antes de desmaiar,
disse:
- Eles... s podem... ter ido... pra l...
Nossos heris partiram em disparada. O Patro permaneceu alguns minutos
desacordado, mas logo voltou a si. O homem estava irado, claro. No hesitou: foi at
sua mesa, abriu a gaveta e pegou a arma que havia herdado de seu pai. Se era guerra o
que seus antigos empregados queriam, era o que eles teriam.
Captulo 13: Caprichosa contra o malfeitor cruel
O tal aude beirando o pasto de Severino nunca pareceu estar to longe da
fazenda. Mas era s uma falsa impresso, criada pela ansiedade de chegar o mais rpido
possvel, afinal, a caminhonete de Eronildo ia a toda velocidade.
Caprichosa empacara no momento certo, como se houvesse adivinhado que
Pedrinho estava a caminho. Os capangas mantinham-se espera de qualquer movimento
da vaca. Estavam impacientes e preocupados. Se o Patro acordasse e descobrisse o que
tinham feito, certamente no viveriam para contar suas histrias.
Foi quando viram luzes de farol e ficaram apavorados.
- Valei-me meu senhor Jesus Cristo! Tonho logo se desesperou o home! O
Patro! Vai matar ns!
Debaixo da chuva que caa, no dava para distinguir que tipo de carro vinha em
sua direo. Sem saber o que fazer, os quatro capangas no pensaram duas vezes:
- Vamo dar no p, minha gente! Exclamou Zeca.
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E deram mesmo. Foi um tal de corre para c, corre para l, pernas para que te
quero... Apenas um homem no correu. Olho-Torto, o cara misterioso que ningum
sabia de onde viera. Ele simplesmente permaneceu ali, parado, quase sem respirar.
Virou-se para Caprichosa e falou:
- Oc minha e ningum vai conseguir lhe tirar de mim.
A vaquinha assustou-se, mas olhou para trs de si e viu que o carro freava
prximo a ela. As portas se abriram e Pedrinho desceu da caminhonete, gritando com
coragem:
- Sai de perto da minha Caprichosa, homem!
Junto dele, seu Ivo, dona Maria e Eronildo tambm desceram do carro. Caprichosa
soltou um suspiro de alvio. Olho-Torto, porm, no parecia disposto a entregar seu
tesouro facilmente. Pedrinho no se preocupou; se o capanga era valente, seus pais e seu
mais novo amigo Eronildo tambm eram. Seu Ivo ameaou:
- melhor voc entregar a vaca pra quem de direito! Seno, prometo que vai se
arrepender.
Imagine a cena: Pedrinho e sua turma de um lado, Olho-Torto do outro lado,
Caprichosa entre eles, a chuva engrossando. Tudo isso acontecendo em uma estrada de
terra, que j se tornara um rio de lama. Olho-Torto no recuou. Falou de uma maneira
quase impossvel de compreender, com sua voz grave e sotaque carregado:
- Ocs num vo pegar essa vaca de eu! Eu hei de lutar at morrer, mas num perco
essa mina de ouro!
Seu Ivo transbordou de tanta raiva. Pulou para cima do capanga, mas levou um
soco no estmago que o deixou atordoado. Eronildo tomou as dores do amigo e partiu
para a briga com toda a fora. O clima esquentou. Eram dois homens contra Olho-Torto.
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Enquanto a luta se desenrolava, dona Maria era pura aflio. Quase acabou com as
unhas, de tanto nervosismo. Pedrinho dizia:
- Vai, painho! Vai, seu Eronildo!
Caprichosa preferiu no aguardar o fim da briga. Correu para os braos de seu
dono, que a abraou com alegria.
Entretanto, nada estava decidido ainda. Rolando na lama, os trs gladiadores no
poupavam esforos. At que, de repente, todos eles pararam. No dava para saber quem
havia vencido. Dona Maria gritou:
- Ivo!
Seu Ivo, porm, no respondeu. Do meio dos homens, levantou-se quem deveria
estar derrotado: Olho-Torto. Caminhou em direo Caprichosa.
- Voc no vai roubar ela de novo! Pedrinho disse, chorando.
- Ela minha, garoto. Pode dizer adeus.
Foi ento que aconteceu o que Pedrinho no esperava. Quando Olho-Torto pegou
no cabresto de Caprichosa, ela disparou! Tentando segurar a vaca, o capanga se
esforou ao mximo, mas tudo o que conseguiu foi ser arrastado pela lama, at perder a
conscincia.
- D-lhe, Caprichosa! Comemorou Pedrinho.
O menino correu para sua vaquinha, a abraou novamente e a beijou. Lentamente,
seu Ivo e Eronildo foram voltando ao normal. Levantaram-se e viram tudo resolvido.
Caprichosa fizera o que dois homens fortes no foram capazes. Mas ningum ficou com
inveja, afinal, o objetivo deles fra alcanado. A vaca estava a salvo e de volta para seus
donos!
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Captulo 14: A herana que o pai do Patro deixou
O dia j estava amanhecendo na fazenda Novo Cacau. Alguns funcionrios do
lugar j comeavam a trabalhar. Pedrinho, seu Ivo, dona Maria, Eronildo e Caprichosa
descansavam, pois a madrugada havia sido bastante difcil. Dormiam profundamente;
Pedrinho em um quarto e seus pais em outro. Nunca foram tratados to bem. Eronildo
levara a famlia para l, pois se afeioara a eles. Trabalhariam em sua fazenda, sendo
pagos de forma justa. Quanto a Caprichosa, resolveu que no a exploraria. Ela pertencia
a Pedrinho. Cabia a ele decidir.
Mas algum estava disposto a acabar com a alegria de nossos heris.
Vocs lembram que o Patro pegou sua velha arma, herana de seu pai? Pois ,
Pedrinho e sua famlia estavam esquecidos dele, mas ele no os esquecera. Quando
acordou, Eronildo abriu a porta de casa e deu de cara com o inimigo, arma na mo,
olhos enfurecidos, dentes rangendo.
- Pensaram que eu deixaria pra l? Acham o qu, que eu tenho sangue de barata?
Pois se enganaram. Eu quero a vaca e vou levar de qualquer jeito!
Ouvindo o barulho na sala, Pedrinho pulou a janela do quarto e correu at onde
estava Caprichosa. Era a hora da verdade. Escondeu a vaca atrs de um arbusto imenso
que ficava ao lado do curral.
Com a arma apontada para sua nuca, Eronildo adentrou o curral. No viu
Caprichosa, o que deixou o Patro ainda mais nervoso.
- T querendo brincar comigo? Vai me fazer usar a arma que meu pai deixou de
herana! Disse, transtornado.
- Calma, homem.- Eronildo disse, tentando controlar a situao.
De repente, o Patro sentiu algum lhe cutucando. Virou-se rapidamente, e
Pedrinho jogou um balde de chocolate quente em seu rosto. Gritando de dor, com a face
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queimada, o homem soltou a arma. Com agilidade, Eronildo avanou para ele e soltou
um murro que jamais esqueceria. Bem no nariz. O Patro, novamente, estava derrotado.
Horas depois, as coisas finalmente voltaram ao normal. O Patro estava preso,
Caprichosa ainda dando chocolate quente, Pedrinho e sua famlia estavam empregados.
O trabalho de seu Ivo e dona Maria rendeu-lhes muitos frutos. Ajudados por
Eronildo, a famlia comprou sua prpria casa. Pedrinho decidiu no vender o chocolate
quente da Caprichosa. Assim, teria todo chocolate que quisesse tomar, na hora que
quisesse. Todos os seus amigos experimentavam a bebida, e adoravam. Pedrinho ficou
conhecido em toda a regio. At uma equipe de televiso apareceu na fazenda para fazer
uma reportagem sobre Caprichosa, contando toda a aventura de Pedrinho em sua luta
para rever sua to querida vaquinha. D para imaginar o alvoroo que o pessoal da tev
causou entre os moradores do povoado! A vida do nosso heri nunca mais foi a mesma.
At que um dia, Pedrinho acordou bem cedo, como fazia todos os dias. Foi at o
curral de Caprichosa, sentou-se prximo a ela, como sempre fazia, e a ordenhou. Qual
no foi sua surpresa quando sentiu um cheiro diferente vindo do lquido marrom.
Resolveu experimentar a bebida.
- Oxente! Isso caf com leite!
Um barulho de um caminho freando interrompeu seus pensamentos. No
caminho estava escrito: Fazenda Novo Caf.
Mas esta uma outra histria...
FIM
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