EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA DA
CAPITAL.
RAUL BELENS JUNGMANN PINTO, brasileiro, solteiro, Vereador da
Cidade do Recife, identidade 964.067, SSP/PE, CPF 244.449.284-68,
Título de eleitor 0027.2871.0809, 4ª Zona do Recife, 12ª Seção,
domiciliado na Câmara Municipal do Recife, sita à Rua Princesa Isabel,
410, Boa Vista, Recife-PE., vem promover
AÇÃO POPULAR
POR ATOS LESIVOS AO PATRIMÔNIO DO MUNICÍPIO
contra o Município do Recife, pessoa jurídica de Direito Público Interno,
e o Exmo. Sr. Prefeito, Dr. GERALDO JÚLIO DE MELLO FILHO, ambos
domiciliados na sede da Prefeitura do Recife, Cais do Apolo, 925, Bairro
do Recife, nesta Cidade, pelos fatos e fundamentos que a seguir passa a
expor:
DOS FATOS
— ACÚMULO ILEGAL DE REMUNERAÇÕES
Conforme se verifica no Portal da Transparência da Prefeitura do Recife
(portaltransparência.recife.pe.gov.br), o Prefeito da Cidade, Dr.
GERALDO JÚLIO DE MELLO FILHO, recebe, além da remuneração como
2
funcionário de carreira do Tribunal de Contas do Estado, pela qual
optou, um valor de R$ 11.708,00 (onze mil, setecentos e oito reais),
sobre o quê incidem descontos de R$ 4.041,88, resultando num valor
líquido de R$ 7.666,12.
Nome Categoria Cargo Vencimento do Cargo
GERALDO JULIO
DE MELLO FILHO
EXTRA
QUADRO
PREFEITO
DA CAPITAL
11.708,00
Gratificação da Função
Total de Vantagens
Descontos Compulsórios Valor Líquido
0,00 11.708,00 4.041,88 7.666,12
O valor de R$ 11.708 representa 80% do subsídio normal do Prefeito,
que é de R$ 14.635 (quatorze mil, seiscentos e trinta e cinco reais).
O fato ganhou as redes sociais e a imprensa passou a noticiá-lo
amplamente. Veja-se a matéria do Jornal do Commercio, no dia 8 do
corrente1:
O prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), recebe remunerações da
Prefeitura e do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os dados constam nos
Portais da Transparência dos órgãos. Informações de março mostram que
o gestor recebeu do TCE salário bruto de R$ 17.532,91 – com os descontos,
ficou R$ 8.876,19 –, pelo cargo de técnico de auditor das contas públicas.
Pela PCR, no mesmo mês, ele ganhou R$ 7.666,12. O salário bruto foi
1http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica/pernambuco/noticia/2013/08/12/gera
ldo-julio-recebe-dois-salarios-93391.php
3
R$ 11.708,00. Do TCE, outras 34 pessoas cedidas a outras instituições
também acumulam subsídios.
Como foi noticiado (íntegra da reportagem anexa), o Sr. Prefeito
receberia em duplicidade com base na Lei municipal 17.732/2011, que
Dispõe sobre a remuneração dos servidores efetivos e comissionados da
Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Município do Recife e
de outras vantagens especificadas, a qual, por sua vez, alterou a Lei n°
14.728/85 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município do Recife).
A citada Lei 17.732/2011 assim dispõe no seu art. 33:
Art. 33. O §2º do Art. 128 da Lei nº 14.728/1985, alterado pelo Art. 63 da
Lei nº 17.108/2005, passa a vigorar com a seguinte redação:
...
“§ 2º Os servidores do Município ou de outro ente federado que o tenha
colocado a disposição do Município e que, nessa condição venham a
ocupar os cargos de Prefeito, de Vice-Prefeito ou de Secretário Municipal,
poderão optar pelo subsídio desses cargos ou pelas suas remunerações
do cargo ocupado na origem, com direito, nesse caso, a perceberem uma
verba de representação em valor correspondente a 80% (oitenta por
cento) do valor do subsídio do cargo político ocupado."
Como se pode ver, utilizou-se um meio data venia grosseiro de burlar o
mandamento constitucional.
A Constituição, embora admita que o funcionário público de carreira
possa optar pela remuneração do cargo efetivo, impede se acumulem a
remuneração de servidor com o subsídio de Prefeito. Uma coisa ou
outra.
4
Porém, a Lei municipal 17.732/2011 permitiu o acréscimo, aos
vencimentos do cargo efetivo, de uma “verba de representação” — de
nada menos que 80% (oitenta por cento) do valor do subsídio!
Deu-se o nome de “verba de representação” ao acréscimo, como se a
mudança do nome valesse mais que a regra Constitucional EXPRESSA.
A manobra é acintosa, além de ferir o Princípio da Moralidade
Administrativa. Ao invés de 100% + 100%, vedado pela Constituição, o
Prefeito receberia 100% + 80%.
O dispositivo, com a devida vênia, é manifestamente inconstitucional.
Urge, portanto, declarar-se a inconstitucionalidade, em face do caso
concreto, determinando-se a suspensão do pagamento.
DO DIREITO
A Lei 4.717/1965, no seu art. 1°, afirma: Qualquer cidadão será parte
legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos
lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, e dos Municípios.
No caso em tela, o Município do Recife vem praticando atos nulos,
consistentes no pagamento de 80% (oitenta por cento) do subsídio
destinado ao Prefeito, a título de “verba de representação”, que se soma
ao salário de servidor efetivo do Tribunal de Contas do Estado, do atual
mandatário.
Tal pagamento é inconstitucional, e lesa o erário público.
A inconstitucionalidade se dá em face, especialmente, do art. 38 da
Carta Magna, que proíbe a acumulação de vencimentos aos agentes
políticos municipais, excetuando-se apenas o caso dos Vereadores que,
5
por compatilidade de horários, permaneçam exercendo as funções do
cargo efetivo.
Diz a Constituição Federal, por meio do art. 38:
Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e
fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes
disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará
afastado de seu cargo, emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou
função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de
horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem
prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade,
será aplicada a norma do inciso anterior;
(...)
A Constituição do Estado, como não poderia deixar de ser, segue a Lei
Maior:
Art. 88. O Prefeito será substituído, no caso de impedimento ou ausência
do Município por mais de quinze dias, e sucedido, no de vaga, pelo Vice-
Prefeito, na forma que a lei estabelecer.
(...)
§ 5º Perderá o mandato o Prefeito que assumir outro cargo ou função na
administração pública direta, indireta ou fundacional, ressalvada a posse
em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, IV e V,
da Constituição da República.
6
Como se pode ver, a única possibilidade de acumular proventos é dos
Vereadores, desde que viável o exercício, de fato, das duas funções.
Para o Prefeito e o Vice-Prefeito vale a regra do inciso II: é facultado,
apenas, optar pela remuneração. Não lhes é dado acumular
remunerações de um e de outro cargo, a qualquer título.
Mesmo porque o Prefeito, o Vice-Prefeito, e demais agentes políticos
municipais, recebem SUBSÍDIO, fixado em lei específica.
E é da natureza do subsídio ser constituído de parcela única, vedando-se,
ademais, a acumulação de gratificações, ou mesmo a cisão do subsídio
em parcelas. O art. 29 da Constituição Federal especifica:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos,
com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos
membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os
seguintes preceitos:
(...)
V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais
fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem
os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela
Emenda constitucional nº 19, de 1998)
Disposição simétrica está no art. 88, §3°, da Carta Estadual:
§ 3º Os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais serão
fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem
os arts. 37, XI; 39, § 4º; 150, II; 153, III e 153, § 2º, I da Constituição da
República Federativa do Brasil. (Redação alterada pelo art. 1º da Emenda
Constitucional n˚ 16, de 4 de junho de 1999).
7
Na famosa obra Direito Municipal Brasileiro, de Hely Meirelles, com
atualização de Dalmo de Abreu Dallari (Coordenador), assinala-se2:
A remuneração do cargo de prefeito, a partir da Emenda Constitucional
19/1998, compõe-se unicamente de subsídio fixado por lei específica, de
iniciativa da Câmara Municipal, em parcela única, vedado o acréscimo de
qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação
ou outra espécie remuneratória (CF, art. 29, V, c/c os arts. 37, X e XI, 39
§4°, 150, II, e 153, III, e §2°,I). A essa lei a Constituição Federal assegura
revisão anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices
relativamente aos utilizados para a remuneração dos servidores públicos
em geral (art. 37, X).
(...)
O subsídio do prefeito é inacumulável com a remuneração ou subsídio de
qualquer outro cargo ou função pública, estatal, autárquica, fundacional
ou de empresas públicas e sociedades de economia mista, por incidir
vedação genérica do art. 37, XVII, da CF.
Chamar a parcela acrescida de “verba de remuneração” foi uma
tentativa malsucedida de burlar o princípio da inacumulabilidade.
A verba de representação, a priori, tem natureza indenizatória. Porém,
no caso presente, é visível que a alteração do nome foi, como já se disse,
uma tentativa grosseira de burlar o princípio da inacumulabilidade de
vencimentos. Mesmo porque tal verba, supostamente indenizatória, não
tem regras para ser gasta, muito menos prestação de contas.
Cita-se novamente a obra de Hely Meirelles3:
2 Meireles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 17ª ed. Atualização: Dalmo de Abreu Dallari (Coordenador). São Paulo: Malheiros, 2013, p. 743-744. 3 Idem, 743.
8
A Câmara pode conceder, ainda, ajuda de custo ao Prefeito, visando a
cobrir despesas com viagens e estadia fora do Município mas no
desempenho do cargo. Tais pagamentos não se confundem com o subsídio,
pelo quê podem ser alterados em cada exercício, suplementadas as
dotações, sem ofensa ao princípio da inalterabilidade da remuneração do
cargo durante o mandato; mas, como se destinará a compensar despesas
efetivas, ficam sujeitas a comprovação dos gastos e a prestação de contas
pelo Prefeito.
E, no caso, a inconstitucionalidade é mais gritante, porque, se o Prefeito
não tiver cargo público anterior, ele simplesmente não recebe a verba.
Ou seja, quem não possui ou não opta pela remuneração do cargo
efetivo receberá somente o subsídio. Quem possui um vencimento
superior ao subsídio, referente ao cargo efetivo, ganha sua remuneração
e mais 80% do que ganharia, se optasse pelo subsídio.
Que justificativa existe para uma verba, supostamente indenizatória,
que só é paga a quem ganha mais, e não a quem ganha menos?
Fica patente que, de indenizatória, a verba não tem nada.
Data venia, se uma manobra como essa, de mudar o nome da verba,
fosse suficiente para contornar o mandamento constitucional, a
Constituição perderia seu valor, pois bastaria alterar o nome de
qualquer instituto, a partir de uma lei local, e pronto: a Constituição
Federal não mais seria aplicada.
Matéria semelhante já foi tratada pelo Supremo Tribunal, que proibiu o
vice-prefeito de perceber a verba de representação do cargo, cumulando-
a ao salário de servidor efetivo4:
4 Íntegra do Acórdão em anexo.
9
RE 140269 / RJ - RIO DE JANEIRO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 01/10/1996 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação DJ 09-05-1997 PP-18139 EMENT VOL-01868-03 PP-00650
Parte(s) RECTE. : LUIZ CARLOS TANNOS RECDO. : PREFEITURA MUNICIPAL
DE TRAJANO DE MORAIS
EMENTA: - Recurso extraordinário. 2. Vice-Prefeito, que é titular de emprego
remunerado em empresa pública. 3. Não pode o Vice-Prefeito acumular a
remuneração decorrente de emprego em empresa pública estadual
com a representação estabelecida para o exercício do mandato eletivo
(Constituição Federal art. 29, V). 4. Constituição, art. 38, II. 5. O que a
Constituição excepcionou, no art. 38, III, no âmbito municipal, foi apenas a situação
do Vereador, ao possibilitar-lhe, se servidor público, no exercício do mandato,
perceber as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração do cargo eletivo, quando houver compatibilidade de horários; se não
se comprovar a compatibilidade de horários, será aplicada a norma relativa ao
Prefeito (CF, art. 38, II). 6. Hipótese em que o acórdão não reconheceu ao Vice-
Prefeito, que exercia emprego em empresa pública, o direito a perceber,
cumulativamente, a retribuição estabelecida pela Câmara Municipal. 7. Recurso
extraordinário não conhecido.
Decisão
Por unanimidade, a Turma não conheceu do recurso extraordinário.
Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Marco Aurélio e, neste
julgamento, o Senhor Ministro Francisco Rezek. 2a. Turma, 01.10.96.
O Supremo Tribunal Federal veda, até mesmo, a percepção do adicional
de 1/3 sobre as férias, no caso de agentes políticos que recebem
subsídio:
AI 850291 / RS - RIO GRANDE DO SUL
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 22/02/2012 | Publicado em 29/02/2012
10
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. VICE-PREFEITO.
ACUMULAÇÃO DE CARGOS REMUNERADOS: IMPEDIMENTO. ALEGADA
CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO E CONSOANTE À
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE
NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Agravo de instrumento contra decisão
que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base na alínea d
do inc. III do art. 102 da Constituição da Republica.2. O Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul decidiu: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
LEI N. 2.377/08, DO MUNICÍPIO DE SANANDUVA (ARTIGOS 3°, I, e 5°).
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO QUE NÃO SE OSTENTA. CARTA
ESTADUAL INCORPORANDO OS PRINCÍPIOS BALIZADORES DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 8°). SUBSÍDIO DO VICE-PREFEITO, VEDAÇÃO
DE PERCEPÇÃO DIFERENCIADA CASO EXERÇA ATIVIDADE PERMANENTE NA
ADMINISTRAÇÃO. REGRA DE FIXAÇÃO EM PARCELA ÚNICA, PROIBIÇÃO DE
ACRÉSCIMO DE QUALQUER NATUREZA (CF, ART. 39, § 4°, REDAÇÃO DA EC
N. 19/98). AGENTES POLÍTICOS, ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS
PÚBLICOS, VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 37, XVI). PREFEITO E
VICE-PREFEITO, GRATIFICAÇÃO DE FÉRIAS, DESATENDIMENTO À MESMA
REGRA PROIBITIVA DE QUALQUER ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO.
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL OU SUBSTANCIAL. PRINCÍPIOS AOS
QUAIS OS MUNICÍPIOS DEVEM OBEDIÊNCIA, NA FORMA DOS ARTIGOS 8° E
11, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS E
JURISPRUDENCIAIS. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA”(fl. 191).
Os embargos declaratórios opostos foram assim julgados:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA DA DECISÃO. LEI N. 9.868/99 (ART.
27). MATÉRIA NÃOENFRENTADA, OMISSÃO NO ACÓRDÃO. DIFERIMENTO,
PORÉM, DESATENDIDO.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE
ACOLHIDOS. UNÂNIME” (fl. 223). 3. A decisão agravada teve os seguintes
fundamentos para a inadmissão do recurso extraordinário: a) as
circunstâncias de que a “pretensa violação ao art. 5º, LV, da Carta Política
não se configura” (fl. 322 v.) e de que “é totalmente insubsistente a
11
alegação de que o acórdão não contém fundamentação” (fl. 323); e b) a
incidência das Súmulas n. 283 e 284 da Constituição. 4. O Agravante
argumenta que: “diferentemente do afirmado na decisão ora em exame,
restaram ofendidos os princípios do contraditório, da ampla defesa e da
motivação das decisões judiciais. (...) Desta forma, fazendo este
cotejo jurisprudencial, resta evidente o conflito de entendimento
entre a decisão então recorrida e a decisão paradigma antes invocada.
Ademais, conforme restou admitido pelo próprio relator, e retratado a
todo o momento no bojo do seu voto condutor, a Lei municipal
questionada foi diretamente confrontada com dispositivos da Carta
Magna e não da Constituição Federal [Estadual]. Logo, descabido o
argumento de que não se teria feito o confronto direto da norma local
com dispositivos da Constituição Federal” (fls. 20 e 24). No recurso
extraordinário, alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts.
5º, inc. LV, e 93, inc. IX, da Constituição. Sustenta que: “Na
prática, a Lei municipal [n. 2.377/2008] fixou, em parcela única,
subsídios diferentes para cargos e atividades diferentes que podem ser
exercidos cumulativamente pela mesma pessoa. (...) É inegável que o
escopo foi proteger o interesse da comunidade sananduvense impondo ao
ocupante do cargo de Vice-Prefeito a obrigação da labutar
permanentemente em favor dos munícipes e não apenas nas hipóteses de
substituição do titular do cargo de Prefeito. Não se trata de um
‘plus’, mas de uma forma lógica e razoável de acabar com a velha (e
nada louvável) prática de se pagar metade do subsídio dos Prefeitos
para Vices que, com exceção dos períodos de substituição, jamais
exerciam qualquer labuta em favor dos munícipes” (fls. 290-291).
Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 5. Razão jurídica não
assiste ao Agravante. Quanto à alegação de nulidade do acórdão por
contrariedade ao inc. IX do art. 93 da Constituição da República,
embora em sentido contrário à pretensão do Agravante, o acórdão
recorrido apresentou suficiente fundamentação. E, tal como se firmou
na jurisprudência deste Supremo Tribunal: “O que a Constituição exige,
no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a
12
fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de
direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente
assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está
satisfeita a exigência constitucional” (RE 140.370, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 21.5.1993). 6. O Desembargador
Relator afirmou: “De fato, a regra que fixa de forma diferenciada o
subsídio do Vice-Prefeito, conforme exerça ou não atividade permanente
na administração, com substancial acréscimo em caso positivo (art. 3º,
I), efetivamente desatende ao princípio estabelecido no art. 39, § 4º,
da CF (redação dada pela EC n. 19/98), que determina: ‘O membro de
Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os
Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente
por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer
gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou
outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto
no art. 37, X e XI’. (...) Na verdade, o acréscimo pelo exercício de
responsabilidades permanentes, na forma da lei questionada, representa
‘outra espécie remuneratória’, afrontando o princípio constitucional
que restringe a remuneração do detentor de mandato eletivo à parcela
única. Como também, consoante assevera a proponente, entra em testilha
com a vedação de acumulação remunerada de cargo público, que a mesma
Carta proíbe terminantemente, fora das exceções nela expressamente
previstas (CF, art. 37, XVI). Assim, estou em que o permissivo a que
alude o inciso I do artigo 3º da lei impugnada efetivamente padece de
inconstitucionalidade material ou substancial, malferindo os
princípios estabelecidos nos art. 39, § 4º, e 37, XVI, da CF, aos
quais os municípios se submetem, por força do que determinam os
artigos 8° e 11 da Constituição do Estado. Padece do idêntico vício
apontado, também, o artigo 5° da mesma lei, conferindo ao Prefeito
Municipal e ao Vice-Prefeito, este caso exerça atividades permanentes,
a gratificação de férias (correspondente a 1/3). Com efeito, trata-se
de gratificação própria do trabalhador rural ou urbano, público e
privado, estendendo-se ao servidor público por força do disposto no
13
art. 39, § 3º, da CF (redação dada pela EC n. 19/98), com a remissão
feita ao art. 7º, XVII, da mesma Carta, característica que,
desenganadamente, não têm os agentes políticos. Em realidade, na
condição de detentores de mandato eletivo, enfrentam aqui a mesma
restrição do já aludido no art. 39, § 4º, da CF, no sentido de que
serão remunerados exclusivamente em parcela única, vedada a percepção
de gratificação de qualquer natureza” (fls. 193-194). O Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul decidiu em consonância com a
jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou que o disposto no
inc. II do art. 38 da Constituição da República também se aplica, por
analogia, aos vice-prefeitos, que, por esse motivo, estão impedidos de
acumular remuneração de cargos públicos. Nesse sentido: “AGRAVO DE
INSTRUMENTO – VICE-PREFEITO – ACUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS E
SUBSÍDIO – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO INCISO II
DO ART. 38 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL – DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL
FIRMADA PELO SUPREMOTRIBUNAL FEDERAL – RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO” (AI 451.267-AgR, Rel.Celso de Mello, Segunda Turma, DJe
12.6.2009). 7. Ademais, esteSupremo Tribunal assentou que a alegação de
contrariedade ao princípioda legalidade e a verificação, no caso
concreto,da ocorrência, ounão, de ofensa ao direito adquirido, ao ato
jurídico perfeito, à coisajulgada ou, ainda, aos princípios do devido
processo legal, da ampladefesa, do contraditório e da jurisdição, se
dependentes de análiseprévia da legislação infraconstitucional (Código de
Processo Civil),configurariam apenas ofensa constitucional indireta. Nesse
sentido:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGADA
VIOLAÇÃO AOSPRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO
DEVIDO PROCESSOLEGAL E DO DIREITO ADQUIRIDO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSAINDIRETA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO
ART. 93, IX, DA CARTA MAGNA.ACORDÃO SUFICIENTEMENTE
FUNDAMENTADO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência desta Corte
fixou-se no sentido de que a afronta aos
princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do
14
contraditório, do direito adquirido, dos limites da coisa julgada e da
prestação jurisdicional, se dependente de reexame prévio de normas
infraconstitucionais, em regra, seria indireta ou reflexa.
Precedentes. II – A exigência do art. 93, IX, da Constituição, não
impõe que seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é
que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu
convencimento. III – Agravo regimental improvido” (AI 816.034-AgR,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 23.2.2011). A
decisão agravada, embasada nos dados constantes do acórdão recorrido,
está em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, razão
pela qual nada há a prover quanto às alegações do Agravante. 8. Pelo
exposto, nego seguimento a este agravo (art. 557, caput, do Código de
Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 22 de fevereiro de 2012.
TODAS as leis municipais que previam acumulação ou acréscimos ao
subsídio, e que chegaram ao STF, foram declaradas inconstitucionais. Os
precedentes são inúmeros. A jurisprudência é pacífica.
Veja-se mais este julgado:
AI 476390 AgR / MG - MINAS GERAIS
AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 22/03/2005 | Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação DJ 15-04-2005 PP-00014 EMENT VOL-02187-07 PP-01485
Parte(s) AGTE.(S): JOÃO ANTÔNIO DE ALMEIDA ADVDO.(A/S) : JOSUÉ
IRFFI JÚNIOR E OUTRO (A/S) AGDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
EMENTA: 1. Acumulação de vencimentos e subsídios: impossibilidade. O
Vice-Prefeito não pode acumular a remuneração percebida como servidor
15
público municipal (Escriturário III), e posteriormente como Secretário de
Obras do Município, com os subsídios do cargo eletivo: firmou-se o
entendimento do STF no sentido de que as disposições contidas no inciso II
do art. 38 da Constituição Federal, relativas ao Prefeito, aplicam-se, por
analogia, ao servidor público investido no mandato de Vice-Prefeito (ADIn
199, Pleno, Maurício Corrêa, DJ 7.8.1998). 2. Recurso extraordinário:
descabimento: questões que demandam prévio exame de legislação
infraconstitucional e dos fatos que permeiam a lide: incidência da Súmula
279. 3. Agravo regimental: necessidade de impugnação de todos os
fundamentos da decisão agravada (RISTF, art. 317, § 1º). 4. Agravo
regimental manifestamente infundado: aplicação da multa de 2% (dois por
cento) sobre o valor corrigido da causa (C. Pr. Civil, art. 557, § 2º).
A matéria, portanto, não comporta maiores discussões. Se a
Constituição excepcionou o acúmulo de vencimentos e subsídios
APENAS AOS VEREADORES, não poderia a legislação infraconstitucional
abrir novas exceções, ou, o que é pior, inventar artifícios para tentar
escapar do rígido e expresso mandamento constitucional.
A Lei municipal 17.732, de 29 de agosto de 2011, em seu art. 33, padece
de inconstitucionalidade, que há de ser reconhecida, declarando-se,
outrossim, a nulidade dos atos administrativos que importaram no
pagamento da dupla remuneração ao Sr. Prefeito.
DA TUTELA ANTECIPADA
Estão presentes os requisitos que autorizam a tutela de urgência:
1. Verossimilhança da alegação: não há dúvida sobre a matéria de
fato. O valor indevidamente recebido pelo Sr. Prefeito consta do
Portal da Transparência da Prefeitura.
16
2. Fundado receio de dano irreparável ou difícil reparação: trata-se
de dinheiro público, pago indevidamente, a quem já recebe salário
de cargo efetivo.
A persistência no pagamento acarreta prejuízo aos cofres públicos, que
se reflete na Administração.
Por outro lado, a suspensão do pagamento não comprometeria a
sobrevivência do Servidor, uma vez que este já recebe os salários do
Cargo que ocupava no Tribunal de Contas do Estado. Apenas deixaria de
receber o acréscimo ditado pela Lei 17.732/2011, do Município do
Recife.
Há interesse público relevante, que, se atendido, não trará grandes
prejuízos à parte adversa.
Requer, portanto, seja deferida a tutela antecipada, no sentido de
suspender o pagamento da “verba de representação” prevista na
inconstitucional Lei 17.732/2011.
DO PEDIDO
Ante o exposto, vem requerer:
a) seja concedida tutela antecipada, suspendendo-se o pagamento
da “verba de representação” hoje percebida pelo Prefeito do
Recife;
b) sejam citados os Demandados para, querendo, contestarem a
presente;
c) seja intimado o ilustre Representante do Ministério Público;
17
d) seja, a final, julgada procedente esta Ação Popular, reconhecendo-
se a inconstitucionalidade da Lei municipal n° 17.732/2011,
declarando-se a nulidade dos atos referentes ao pagamento, bem
assim determinando à Administração se abstenha de pagar o
benefício;
e) sejam os Demandados, ainda, condenados ao pagamento de
custas e honorários advocatícios, à razão de 20% do valor da
causa.
Protesta provar o alegado por todos os meios em Direito admitidos,
inclusive juntada ulterior de documentos e ouvida de testemunhas.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.00 (mil reais), para efeitos fiscais.
Termos em que,
Pede deferimento.
Recife, 20 de agosto de 2013.
PAULO CÉSAR MAIA PORTO
OAB/PE 12.726