EXCELENTÍSSIMO DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ____ VARA CÍVEL DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA.
ERNANI PIMENTEL, brasileiro, casado, empresário, RG
nº 1 266 016, expedida em 20.04.1997, pela SSP‐DF, residente e domiciliado no
Condomínio Mirante das Paineiras, conjunto 3, casa 8, Jardim Botânico, DF, em
pleno gozo de seus direitos políticos, por seu advogado infra‐assinado,
conforme procuração anexa(Anexo I) , este com escritório à SMLN Tr. 05 Ch.
214‐A, Lago Norte, Brasília‐DF, CEP 71.540‐055, em que recebe correspondência
processual, com supedâneo no art. 5º, LXXIII, CF, combinado com o Artigo 1º da
Lei 4.717/65, vem propor
AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de:
UNIÃO FEDERAL, Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, com centro
administrativo localizado na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto,
Brasília/DF, CEP 70150‐900;
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, doravante tratada pela sua sigla – ABL –
entidade civil de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 40.262.404.0001‐78,
com endereço à Av. Presidente Wilson, 203, Castelo, Rio de Janeiro, RJ, CEP
20030‐021;
Roberto Sobral [email protected]
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SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES NETO, brasileiro, diplomata, atualmente ocupando
o posto de Alto Representante‐Geral do Mercosul, com endereço profissional no
Ministério das Relações Exteriores, Esplanada dos Ministérios, Brasília, DF;
FERNANDO HADDAD, brasileiro, solteiro, atualmente exercendo o cargo de
Ministro da Educação, com endereço profissional no Ministério da Educação,
Esplanada dos Ministérios, Brasília, DF;
JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA, brasileiro, casado, RG n° 742.276, SSP/BA, ex‐titular
do cargo de Ministro de Estado da Cultura, então com endereço profissional no
Ministério da Cultura, Esplanada dos Ministérios, Brasília, DF; e
MARCOS VINICIOS RODRIGUES VILAÇA, brasileiro, advogado, atual Presidente
da Academia Brasileira de Letras, esta com endereço na Av. Presidente Wilson,
203, Castelo, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20030‐021;
o que faz em razão de dano expressivo ao patrimônio cultural brasileiro por via
de ilegalidades na execução do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, na
medida em que impuseram alterações ortográficas unilateralmente concebidas
pela Academia Brasileira de Letras, ora extrapolando ora contrariando pontos
acordados com os demais países signatários do Acordo de 1990, e sem que tais
alterações tenham sido submetidas à aprovação do Congresso Nacional,
contrariando assim o artigo 2º do DECRETO Nº 6.584, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008,
verbis:
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Protocolo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
As autoridades individualmente acima indicadas são
aquelas que, em razão dos cargos que ocupavam, encontravam‐se à frente dos
órgãos incumbidos pelo Presidente da República para a implementação do
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa por meio do DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE
SETEMBRO DE 2008, verbis.
Art. 1º Nos termos do artigo 2º do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os Ministérios da Educação, da Cultura e das Relações Exteriores, com a solicitação de colaboração da Academia Brasileira de Letras e de entidades afins nacionais e dos Países signatários do Acordo, adotarão as providências necessárias para elaboração de vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa.
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I. DA LEGITIMAÇÃO DAS PARTES E DAS RAZÕES QUE LEVARAM O AUTOR
A COMPREENDER COMO NECESSÁRIA A SUBMISSÃO DA CAUSA AO
PODER JUDICIÁRIO.
O Autor é cidadão brasileiro em pleno exercício de sua
capacidade política, conforme comprovam os documentos que atestam o seu
cumprimento das obrigações eleitorais (Anexo I), portanto encontra‐se apto
para o ajuizamento de AÇÃO POPULAR, aqui manejada como indispensável e
adequado instrumento de contribuição democrática para preservação e
aperfeiçoamento do maior patrimônio cultural brasileiro, a Língua em que se
expressa o peculiar modo de existir de toda esta Nação.
Embora a plena capacidade política seja o que basta para a
legitimação da presente propositura, importa consignar que o Autor é
professor, estudioso e conhecido autor de livros didáticos na disciplina Língua
Portuguesa (em suas visões descritiva e normativa) por mais de 45 anos.
Situação pessoal em que, consciente da importância da causa, somente decidiu
pugnar pelo interesse coletivo de ver respeitado o espírito do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 após ver ignorado pelos Poderes
Públicos e pela Academia Brasileira de Letras todo o conjunto probatório e
argumentativo que produziu de modo a demonstrar as graves impropriedades
técnicas que, em lugar de cumprir o propósito para o qual foram mentadas,
comprometem o próprio Acordo.
Algumas dessas impropriedades beiram verdadeiras
agressões filológicas que não lograram aceitação em nenhum dos demais países
signatários, rejeição que também se atribui ao processo antidemocrático por
meio do qual foi elaborado o referido Acordo.
A atual Reforma Ortográfica de 1990 é fruto do
voluntarismo político de governantes naquela época ainda marcados pelos
pensamentos políticos totalitários da história recente de seus países, tanto
assim que não foram chamados a contribuir os segmentos sociais qualificados,
interessados e legitimados, necessários e aptos para tão rica quanto complexa
missão de interesse coletivo supranacional.
Antes, pequenos grupos enclausurados das aristocráticas
academias de letras de Brasil e Portugal tomaram a si a tarefa, todos esquecidos
e indiferentes à contribuição cidadã daqueles que tinham, repita‐se,
qualificação, aptidão e interesse para fazê‐lo.
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E que não se tente apequenar o discurso democrático sob
o argumento de que a minuciosa tarefa jamais poderia ser feita por todos os
interessados, ou seja, diretamente por toda a população. Evidente que as
sociedades organizadas contemporâneas têm meios corporificados de
expressão para uma democracia representativa, para além da simples
representação parlamentar. Assim, como ignorar que a Associação Brasileira
de Imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil, as entidades representativas
da Magistratura e de membros do Ministério Público, dentre outras, têm
legítimos direito e interesse na construção gráfica do meio de expressão em
que vivem os seus representados?
Pois foi o que fizeram: ignoraram. E, com perdão da dura
palavra, debaixo da mais completa desfaçatez, na medida em que claramente
descumpriram a letra do próprio Acordo, conforme se lê nos excertos abaixo
negritados:
ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Considerando que o projeto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional, Considerando que o texto do acordo que ora se aprova resulta de um aprofundado debate nos Países signatários, a República Popular de Angola, a República Federativa do Brasil, a República de Cabo Verde, a República da Guiné‐Bissau, a República de Moçambique, a República Portuguesa, e a República Democrática de São Tomé e Príncipe, acordam no seguinte: Artigo 1o É aprovado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que consta como anexo I ao presente instrumento de aprovação, sob a designação de Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) e vai acompanhado da respectiva nota explicativa, que consta como anexo II ao mesmo instrumento de aprovação, sob a designação de Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990). Artigo 2o Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas. Artigo 3o
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O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa. Artigo 4o Os Estados signatários adotarão as medidas que entenderem adequadas ao efetivo respeito da data da entrada em vigor estabelecida no artigo 3o. Em fé do que, os abaixo assinados, devidamente credenciados para o efeito, aprovam o presente acordo, redigido em língua portuguesa, em sete exemplares, todos igualmente autênticos. Assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. PELA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA JOSÉ MATEUS DE ADELINO PEIXOTO Secretário de Estado da Cultura PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL CARLOS ALBERTO GOMES CHIARELI Ministro da Educação PELA REPÚBLICA DE CABO VERDE DAVID HOPFFER ALMADA Ministro da Informação, Cultura e Desportos PELA REPÚBLICA DA GUINÉ‐BISSAU ALEXANDRE BRITO RIBEIRO FURTADO Secretário de Estado da Cultura PELA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE LUIS BERNARDO HONWANA Ministro da Cultura PELA REPÚBLICA PORTUGUESA PEDRO MIGUEL DE SANTANA LOPES Secretário de Estado da Cultura PELA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE LÍGIA SILVA GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO COSTA Ministra da Educação e Cultura
Aliás, antes que se registre o descumprimento ao que se
ali aprovava em 1900, vê‐se que o Acordo, desde a sua origem, parte de um
“considerando” que não se cumpriu. Consabido que não houve nenhum
aprofundado debate nos Países signatários. Embora iluminados pelo espírito de
aperfeiçoamento e reforço da expressão da comunidade dos países de língua
portuguesa, que em nenhum momento pode ser renunciado como aspiração,
aqueles então governantes dos países signatários, empolgados com o sonho
comum, esqueceram‐se de que a forma consubstanciaria o ato, e o ato o
produto.
Sim, porque a tradição jurídica de Brasil e Portugal, ao
menos destes, jamais permitiria esquecer que o cometimento, dentro do
âmbito de cada Estado, “através das instituições e órgãos competentes” para adoção
das “providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um
vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa”, deveria traduzir‐se em um
monumental ATO JURÍDICO‐ADMINISTRATIVO, complexo e, no plano
internacional, multilateral, a ser observado em seus peculiares requisitos
constitucionais, na conformidade da ordenação interna de um por um dos
países signatários.
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Desta forma, embora meritória a expectativa de
celeridade na construção de uma velha aspiração comum nunca antes realizada
na extensão pretendida, o que se viu foi um completo atropelamento dos mais
sagrados princípios constitucionais da Ordem Democrática e do Direito
Administrativo a esta conformada. Pois, nem houve “aprofundado debate nos
Países signatários”, nem foi elaborado “o vocabulário ortográfico comum da
língua portuguesa”, embora já bastante superado o prazo estabelecido, “até 1º
de janeiro de 1993”.
E não há como negar a corresponsabilidade da UNIÂO
FEDERAL, que por seus Ministérios da Educação, da Cultura e das Relações
Exteriores, deixou de exercer o indelegável múnus público de zelar pela
elaboração precisa e pelo fiel cumprimento do Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, ônus do qual não se desincumbiu pela simples atribuição
de responsabilidade técnica para a Academia Brasileira de Letras, até porque tal
cometimento não poderia se dar de modo exclusivo para aquela entidade
privada, como se fez ignorando o chamamento à colaboração de entidades afins
nacionais e dos Países signatários do Acordo, descumprindo o artigo 1º do
Decreto nº 6.586 de 2008, verbis:
Art. 1o Nos termos do artigo 2o do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os Ministérios da Educação, da Cultura e das Relações Exteriores, com a solicitação de colaboração da Academia Brasileira de Letras e de entidades afins nacionais e dos Países signatários do Acordo, adotarão as providências necessárias para elaboração de vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa.
É bem verdade que o comportamento da UNIÃO, deixando
ao alvedrio da ABL a condução do processo de reforma ortográfica, embora
inaceitável em face do novel regime democrático brasileiro inaugurado em
1988, tem antecedentes históricos. A Academia Brasileira de Letras, fundada no
final do século XIX sob a inspiração e à semelhança da Academia Francesa, é
respeitável instituição nacional de natureza privada a quem o Governo Federal,
desde o Governo Provisório de Getúlio Vargas, em 19311, de modo mais ou
1 Idealizada no período de transição do Império para a República, a Academia Brasileira de Letras realizou a sua sessão inaugural em 20 de julho de 1897, numa sala do Pedagogium, na Rua do Passeio, Rio de Janeiro, “ na qual estiveram presentes dezesseis acadêmicos. Fez uma alocução preliminar o presidente Machado de Assis. Rodrigo Otávio, 1º secretário, leu a memória histórica dos atos preparatórios, e o secretário‐geral, Joaquim Nabuco, pronunciou o discurso inaugural.” Fonte: portal da ABL na internet. Já em 1915, contudo, a Academia Brasileira de Letras decidiu harmonizar a sua ortografia com a portuguesa, em seguida à reforma ortográfica realizada em Portugal no ano de 1911,
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menos expresso em Decretos vinha atribuindo a missão pública de dispor sobre
a ortografia.
Desse modo, antes da publicação do DECRETO Nº 6.586,
DE 29 DE SETEMBRO DE 2008, a ABL via‐se como única responsável pelo
estabelecimento da ortografia oficial, o que se dava de modo excludente de
todos os segmentos sociais igualmente legitimados e qualificados para tão
relevante missão.
Fato que nunca chegou a ser juridicamente contestado,
inobstante a violação ao Princípio Democrático que consubstancia o Estado
Brasileiro. Afinal, não há como negar inaceitável autoritarismo e usurpação de
direitos no já citado alijamento da contribuição de associações de filólogos, de
pedagogos, de professores de Língua Portuguesa, de magistrados, de membros
do Ministério Público, de advogados e da própria Imprensa, dentre outras
instituições que somente na palavra escrita, ou de modo primordial por este
meio, ontologicamente, existem.
Com a Carta magna de 1988, todavia, não se pode
tolerar que do povo seja retirado o poder de interferir no processo de
formação da sua própria ortografia, afinal “A língua portuguesa é o idioma
oficial da República Federativa do Brasil” (art.13 da CF), patrimônio cultural de
máxima magnitude dentre os bens protegidos pela norma insculpida no artigo
216 da Carta Magna, forma de expressão por via da qual “são fixados
conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais
e regionais” (art. 210 da CF), motivos pelos quais determinou o constituinte
que “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa”, o
que se estende aos demais níveis de ensino.
Assim, a respeitável Academia Brasileira de Letras, ABL,
sem prejuízo de sua venerável e histórica notoriedade, aqui aparece como
legitimada passivamente para uma Ação Popular por desconsiderar que a
grandiosidade da reforma ortográfica da língua portuguesa tem natureza de ato
administrativo público e, como tal, não poderia ser levado a efeito sem o estrito
respeito ao feixe normativo que informa seu peculiar processo.
E a desobediência ao feixe normativo, como se verá,
culminou com a criação de unilaterais alterações ortográficas procedidas
fora do texto do Acordo. O que seria suficiente para acolhimento desta
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Ação Popular, que pretende, ao fim, prorrogar a data final de
implementação do Acordo, até aqui prevista para dezembro de 2012, a
tempo de permitir que seja reconduzida aos trilhos da legalidade a
reforma ortográfica que não reproduz a motivação, a finalidade nem
corresponde ao espírito com que foi concebido o Acordo de 1990,
destinado a ser fundamento de uma Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa.
Esta Ação vem proposta como desdobramento necessário
do movimento “Acordar Melhor”, que, contando com o apoio de mais de
dezoito mil assinaturas, não desconhece a oportunidade e conveniência de
que se faça a necessária reforma ortográfica, a qual não corresponde, todavia, a
que se está a impor.
A sua propositura, por outro lado, não significa solução
de continuidade, antes, evitará que os prejuízos já causados consolidem‐se em
lesividade definitiva, porquanto, se não se impuser um freio de legalidade ao
que está sendo implementado, o Acordo resultará em definitivo desacordo
entre os povos envolvidos, que longe estão de demonstrar aceitação ao que foi
feito à revelia dos seus interessados.
Reações essas que se entendem como naturais
consequências da mais grave de todas as violações ao Acordo de 1990, o
desrespeito ao comando normativo abaixo negritado:
Artigo 2o Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.
Do que se registra o absurdo: o VOCLP, vocabulário
ortográfico comum da língua portuguesa nunca foi elaborado, inobstante
afirmação em sentido contrário por parte da Academia Brasileira de Letras,
segundo interpretação meramente literal que fez em relação ao artigo
imediatamente acima reproduzido, que ao final demonstrar‐se‐á inconsistente.
E esta é uma das razões pela qual o Acordo não foi
implementado em nenhum outro país, excetuado o Brasil, onde se tem um
VOLP ‐ Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (sem o “c” de comum,
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atributo ínsito ao conceito de Comunidade de Língua Portuguesa), chancelado
como se fora a legítima tradução interna do Acordo de 1990, porém de adoção
cogente tão logo expire o prazo de vacatio que vai até dezembro do próximo
ano, 2012, corporificado pela própria ABL na publicação da 5ª edição, vendida a
um preço unitário em torno de R$120,00 (cento e vinte reais).
Este VOLP colima o descompasso entre a aspiração por
um vocabulário comum a todos os países signatários e o pífio resultado
unilateral de uma reforma mais‐que‐imperfeita, em que não faltam até
improvisações desautorizadas pelo próprio Acordo que sequer foram
submetidas ao Congresso nacional, em ofensa direta ao supracitado artigo 2º do
Decreto nº 6.584, de 29 de setembro. Tudo por obra da ensimesmada equipe
técnica a serviço da Academia Brasileira de Letras.
Considerações essas que não desmerecem todo o
esforço empregado, exigível para a produção de tão rica obra, inventário maior
da lexicografia portuguesa no Brasil, cuidadosamente finalizado em seu projeto
gráfico, cuja capa adiante se reproduz:
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Em face do que até aqui se apresentou, em breve
introdução, verificando um estado de letargia dos Poderes Públicos nesse
cenário, o AUTOR passou a trabalhar em favor do aperfeiçoamento do processo
de reforma ortográfica através da mais legítima forma de contribuição
democrática: a exortação ao debate público, em cujo sentido criou um
movimento popular a que deu o nome de “ACORDAR MELHOR”, voltado para a
concretização do verdadeiro espírito do Acordo Ortográfico de 1990, no que
concerne à sua intenção de simplificar a ortografia e de construir um verdadeiro
vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, o que só será possível
com a efetiva participação das sociedades envolvidas por via de “aprofundados
debates”, como literalmente expressa o Acordo.
Com tal propósito, por via do rádio, da televisão e da
imprensa escrita, conforme comprovado no anexo III aqui colacionado,
participando de palestras em universidades, faculdades, colégios, órgãos
públicos e privados, o Autor tem buscado, de modo árduo e ininterrupto, desde
o ano de 2009, criar um espaço público para um verdadeiro debate sobre essa
Reforma Ortográfica de magna relevância para o aperfeiçoamento do
patrimônio maior da cultura viva de todo o povo brasileiro.
Para concentrar o recebimento das contribuições e críticas
que vem obtendo como respostas, fez publicar o site
www.acordarmelhor.com.br, onde se encontram o manifesto “Acordar melhor
enquanto há tempo” e “Nova Ortografia e Escravidão (continuação do
manifesto)” (Anexo III).
Deste esforço, inobstante ausente apoio oficial de
qualquer órgão público, resultou um crescente movimento de incentivo que já
conta com mais de 18 mil assinaturas em favor do aprofundamento do debate
para melhor reformar a ortografia de uso comum.
Diferentemente do modus operandi da ABL, como se vê, o
Autor não tem laborado sobre o tema de modo isolado, nem com pequeno
número de especialistas sob sua direção ou condicionamento. Até chegou a
provocar o Congresso Nacional para que realizasse Audiência Pública da qual
participou em 04/11/2009, onde apresentou o “Convite à Reflexão e à Solução”
(Anexo III), devendo registrar‐se que a essa mesma audiência deixaram de
comparecer, apesar de convidados, o Ministério da Educação e a Academia
Brasileira de Letras.
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Em lugar de apresentar respostas diretas aos
questionamentos, todavia, a ABL através do seu líder para o assunto, o
Eminente Professor Bechara, apresenta evasivas, argumentos fundados na sua
pretensa exclusiva autoridade, tentativas de desqualificação do Autor,
chegando a desrespeitar até a liberdade de imprensa, como o fez em carta de
admoestação à Revista do Congresso nacional, censurando‐a por ter publicado
entrevista com o Autor desta Ação (Anexo III). Em resposta, o Diretor de
Redação da Revista do Congresso Nacional escreveu:
“Pelo respeito a merecer qualquer publicação apartidária e independente, a Revista CONGRESSO NACIONAL não admite a crítica de “desserviço aos leitores e um atropelo desavisado à implantação do Acordo tão necessário”, como o ilustre Sr. Evanildo Bechara conclui a sua correspondência, justamente por entender ser de boa valia ao nosso qualificado público leitor a divulgação de tudo o relacionado ao importante Acordo Ortográfico.
Por outro lado – agora, trata‐se de nossa posição editorial – ao nos recriminar pela boa acolhida ao reconhecido estudioso e pesquisador da língua portuguesa, o também ilustre professor e escritor Ernani Pimentel, o ilustre senhor representante da ABL demonstra clara e publicamente aversão ao debate, por sinal, também se confirmando as críticas ao reprovável quedismo da entidade guardiã da nossa língua, língua essa falada pelo povo, qualquer seja sua origem e/ou qualificação social, portanto, de interesse nacional.
Por isso mesmo, a Revista CONGRESSO NACIONAL estranha essa espécie de censura, quando, isso sim, deveria estar sendo incentivada a promover o diálogo, tão importante ao aprimoramento lingüístico no Brasil e junto aos sete outro países subscritores do tão esperado Acordo Ortográfico.
Finalmente, ilustre senhor doutor Evanildo Bechara, se tal propósito o incomoda, antecipadamente lhe comunicamos, seguiremos, exatamente, o nosso projeto editorial, ou seja, no propósito de continuarmos auscultando a tudo e a todos, direta e indiretamente, exatamente em favor da nossa querida Língua Portuguesa.
Silvio Leite Campos – Diretor de Redação.’
Assim coerente com a resposta acima oferecida à
indelicada carta, o Redator, como bom profissional, não perdeu a oportunidade
de provocar a ABL para enfrentar a questão em audiências públicas a serem
realizadas nas duas casas do Congresso Nacional. Do que resultou a matéria
trazida no exemplar da Revista CongressoNacional, de junho de 2011 (ver Anexo
III). .
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Importa consignar que o Autor, à frente do movimento
por ele criado – o ACORDAR MELHOR – não se posiciona contrário à
necessidade nem ao espírito do Acordo, segundo as suas próprias palavras:
“Cabe esclarecer que o www.acordarmelhor.com.br não se propõe destruidor ou demolidor do Acordo, pois defende a importância histórica do primeiro documento normativo da grafia de língua portuguesa assinado por oito países, contudo sente-se na obrigação de mostrar que os modelos de trajes, de equipamentos e pensamentos de 1975, época em que nasceram as ideias desse Acordo, não são mais usados hoje. A sociedade evolui e a ortografia também.... Esse Acordo é de um tempo em que as pessoas não possuíam nem utilizavam computadores em seu dia a dia. É fruto da máquina de escrever, da eletricidade, da tecnologia mecânica, do ensino decorado... precisa ser adaptado à era da eletrônica e da mecatrônica, da tecnologia digital, da internet, da pedagogia consciente e racional adequada à instantânea ubiquidade das comunicações transcontinentais.
Questões menores à parte, precisamos construir uma ortografia adequada ao século XXI, que seja mais fácil de ensinar e aprender, que barateie o ensino – hoje se gastam, no fundamental e médio, 400 horas/aula de ortografia, para o aluno passar o resto da vida, como nós, consultando na hora de escrever um agá, um gê, um jota, um hífen...
Com regras coerentes, concatenadas, lógicas, sem exceções e sem duplas grafias, em menos da metade desse tempo se aprenderá a escrever com muito mais eficiência e independência dos dicionários. A educação barateia, os impressos escritos barateiam. Ganham tempo, qualidade de vida e segurança gráfica todos os cidadãos além de... inclusão social. E isso vale para todos os países signatários.’
Embora ao longo desta peça jurídica sejam expendidos
substanciosos argumentos e trazidos suficientes elementos probatórios que
evidenciam diversas violações a textos legais em meio ao processo de
Reforma Ortográfica em curso, é de se considerar que o poder da Academia
Brasileira de Letras não é pequeno, e bem se pode percebê‐lo quando se sabe
que dentre os Imortalizados Acadêmicos conta‐se com a presença de
influentíssimas autoridades, como é o caso do atual Presidente do Senado,
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José Sarney, bem assim de ilustres formadores da opinião pública, como é o
caso do Jornalista Merval Pereira, da Rede Globo de Televisão.
Aliás, as relações políticas nunca foram esquecidas pela
Academia Brasileira de Letras para a escolha dos seus ilustres membros. Basta
lembrar que elegeu para integrar o quadro das maiores expressões literárias
brasileiras, em pleno regime militar, o General Aurélio de Lyra Tavares, Ministro
do Exército que chegou a governar o Brasil através de uma Junta Militar.
A presente Ação Popular é uma manifestação de fé na
independência do Judiciário Brasileiro. Este que se reafirma a cada intimorata
decisão da Justiça Federal, a quem se roga a devida prestação jurisdicional,
sem a qual se tende à perpetuação do que já não se comporta sob um Estado
Democrático de Direitos Fundamentais: a tanto ilegal quanto ilegítima
imposição da grafia da Língua Portuguesa, gestada em um processo sem a
participação do seu destinatário, o próprio Povo Brasileiro, segundo um feitio
elitista e autoritário, para cujas erronias e impropriedades os seus autores, em
lugar de apresentarem respostas técnico‐científicas, manifestam‐se por
injunções lastreadas em argumento da própria autoridade em que se sentem
investidos.
II. RESUMO HISTÓRICO DAS REFORMAS ORTOGRÁFICAS NO PERÍODO
REPUBLICANO, do processo para a implementação do Acordo de 1990 e
a reação social dentro dos países signatários.
À época da Proclamação da República a obra mestra em uso
chamava‐se Bases da Ortografia Portuguesa, de Gonçalves Viana.
Com a “fundação da Academia Brasileira de Letras, a
instituição atribuiu‐se como tarefa essencial o cultivo da língua e da literatura
nacional. Nesse sentido, a Casa de Machado de Assis tem publicado a sua
Revista, obras de Acadêmicos, e se empenha em preparar o dicionário da língua,
depois de se ter ocupado da organização do Vocabulário ortográfico da língua
portuguesa” (excerto do portal da ABL, na internet).
Nascida em um contexto histórico em que era possível a
clara identificação dos melhores expoentes da elite cultural brasileira, da qual
veio a formar seu quadro, a Academia Brasileira de Letras decidiu harmonizar a
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sua ortografia com a portuguesa, já em 1915, sensível à primeira reforma
ortográfica realizada em Portugal no ano de 1911,
Mas, foi em 1924, segundo registro do Portal da Língua
Portuguesa, que a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de
Letras deram início a um trabalho de busca de uma grafia comum.
Após alterações unilaterais produzidas no Brasil, em 1931
é aprovado o primeiro Acordo Ortográfico entre o Brasil e Portugal, visando à
supressão de diferenças, unificação e simplificação da língua escrita. Naquele
mesmo ano, publica‐se o Decreto Federal nº 20.108, que dispunha sobre o uso
da ortografia simplificada do idioma nacional nas repartições públicas e nos
estabelecimentos de ensino, segundo o texto que se segue:
Decreto Federal do Brasil nº 20.108, de 15 de junho de 1931 Dispõe sobre o uso da ortografia simplificada do idioma nacional nas repartições públicas e nos estabelecimentos de ensino. O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Considerando a vantagem de dar uniformidade à escrita do idioma nacional, o que somente poderá ser alcançado por um sistema de simplificação ortográfica que respeite a história, a etimologia e as tendências da língua: Resolve: Art. 1º Fica admitida nas repartições públicas e nos estabelecimentos de ensino a ortografia aprovada pela Academia Brasileira do Letras e pela Academia de Ciências de Lisboa. Art. 2º No Diário Oficial e nas demais publicações oficiais será adotada a referida ortografia. Art. 3º Revogam‐se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, em 15 de junho de 1931; 110º da Independência e 43º da República. GETÚLIO VARGAS
Seguiu‐se o Decreto Federal 23.028 de 1933 que tornava
“obrigatório o uso da ortografia resultante do acordo entre a Academia
Brasileira de Letras e a Academia das Ciencias de Lisbôa”, nos seguintes termos:
O Chefe do Govêrno Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Considerando que o acôrdo ortográfico celebrado entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisbôa, foi aprovado pelo Decreto nº 20108, de 15 de junho de 1931; Considerando que já está publicado o vocabulário oficial da Academia Brasileira de Letras, organizado segundo o sistema ortográfico decorrente
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do acôrdo, e que, portanto, fácil se torna a prática de um sistema gráfico que uniformize definitivamente a escrita do idioma nacional; Usando das atribuições contidas no art. 1º, § único, do Decreto nº 19398, de 11 de novembro de 1930; Decreta: Art. 1º Fica obrigatório o uso da ortografía resultante do acôrdo entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisbôa, a que se refere o decreto n. 20.108, de 15 de junho de 1931. no expediente e publicações dos orgãos do Pôder Público, nas Universidades, nos colégios ou ginásios, nas escolas primárias e demais estabelecimentos de ensino, públicos ou fiscalizados. Art. 2º Será tambem exigido o uso dessa ortografia em todos os requerimentos e documentos submetidos á administração pública e no expediente e publicações de emprêsas, companhias ou sociedades que gozem de favor oficial. Art. 3º A partir do dia 1 de janeiro de 1935 não serão admitidos nos estabelecimentos de ensino, os livros didáticos escritos em divergência com o sistema a que se refere o presente decreto. Art. 4º As dúvidas e as lacunas verificadas no formulário ortográfico, aceito pelas duas Academias signatárias do acôrdo, serão fixadas por portaria do Ministério da Educação e Saúde Pública, mediante proposta da Academia Brasileira de Letras, em conformidade com a Academia das Ciencias de Lisbôa. Art. 5º Revogam‐se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1933, 112º da Independência e 45º da República. GETÚLIO VARGAS
Em 1938, pela terceira vez na era Vargas sobreveio novo
diploma normativo sobre ortografia nacional:
Decreto‐lei Federal do Brasil nº 292, de 23 de fevereiro de 1938 Regula o uso da ortografia nacional. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o Art. 180 da Constituição, Decreta: Art. 1º É obrigatório o uso da ortografia resultante do acordo, a que se refere o decreto nº 20.108, de 15 de junho de 1931, entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa, no expediente das repartições públicas e nas publicações oficiais de todo o país, bem como em todos os estabelecimentos de ensino, mantidos pelos poderes públicos ou por eles fiscalizados. Parágrafo único. A acentuação gráfica, nos termos das bases do acordo de que trata este artigo, fica fixada nas regras, que acompanham este decreto‐lei.
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Art. 2º Será publicado pelo Ministério da Educação e Saúde, e terá uso obrigatório, nos termos do Art. 1º deste decreto‐lei, um vocabulário ortográfico da língua nacional, no qual serão resolvidos os casos especiais de grafia não constantes do acordo entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa. Art. 3º A partir de 1 de junho de 1939, não serão admitidos, nos estabelecimentos de ensino oficiais ou reconhecidos oficialmente, livros didáticos escritos em ortografia diferente da referida no artigo 1º deste decreto‐lei. Art. 4º Revogam‐se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1938, 117º da Independência 50º da República. GETÚLIO VARGAS.
Este Decreto‐lei viria a ser revogado pelo Decreto‐lei
Federal do Brasil 5186 de 1943:
DECRETO‐LEI Nº 5.186, DE 13 DE JANEIRO DE 1943. Regula o uso de ortografia em todo o país. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, Decreta: Art. 1º Até que seja adotado em definitivo o vocabulário oficial, em, elaboração, que consubstancie, de modo seguro, o acordo celebrado em 1931, entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa, vigorará, em todo o pais, como formulário ortográfico, o do "Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa organizado pela Academia Brasileira de Letras de acordo com a Academia das Ciências de Lisboa", publicado em 1932. Art. 2º O Ministro da Educação e Saude fixará os prazos de obrigatoriedade relativa à ortografia dos livros didáticos e, bem assim, resolverá; por instruções, toda a matéria atinente, à ortografia. Art. 3º Fica revogado o parágrafo único do art. 1º do decreto‐lei 292, de 23 de fevereiro de 1938, e outras disposições que contrariem o presente decreto‐lei. Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1943, 122º da Independência e 55º da República. GETÚLIO VARGAS
E após o Formulário Ortográfico de 1943, fruto da
Convenção Ortográfica Brasil‐Portugal, veio o Decreto‐lei 8.286 de 5 de
dezembro de 1945 trazendo um dispositivo diferenciado quanto a oficial
atribuição, com força de obrigatoriedade de uso e “independentemente de
nova aprovação do Governo, os Vocabulários organizados pela Academia
Brasileira de Letras”, conforme disposto no Art. 4º, abaixo destacado :
Decreto‐Lei nº 8.286, de 5 de Dezembro de 1945
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Aprova o Acôrdo Ortográfico para a unidade da Língua Portuguesa. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, DECRETA: Art. 1º Fica aprovado o Acôrdo para a unidade ortográfica da língua portuguesa, resultante dos trabalhos da Conferência Interacadêmica de Lisboa, e publicado em anexo ao presente Decreto‐lei. Art. 2º Em cumprimento das condições do Acôrdo Ortográfico, incumbir‐se‐á a Academia Brasileira de Letras de adaptar às normas nêle fixadas as instruções para a publicação do Vocabulário da Língua, Portuguêsa. Art. 3º A Academia Brasileira de Letras encarregar‐se‐á, igualmente, da elaboração de um Vocabulário Ortográfico Resumido, exemplificativo das normas estabelecidas no Acôrdo, e de nova edição, consequentemente refundida, de seu Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguêsa. Art. 4º Terão caráter oficial, servindo de padrão à escrita vernácula, assim para o ensino no pais, como para as repartições públicas, e independentemente de nova aprovação do Governo, os Vocabulários organizados pela Academia Brasileira de Letras, nos têrmos das instruções a que se refere o art. 2º. Art. 5º O Ministério da Educação e Saúde baixará oportunamente portaria em que consigne a obrigatoriedade, nas escolas, da ortografia regulada pelo Acôrdo interacadêmico, tendo em vista as conveniências de ensino, a suficiente difusão dos Vocabulários acadêmicos e os prazos que forem razoáveis para a adaptação dos livros didáticos, sem prejuízo de autores e editôres. Art. 6º O presente Decreto‐lei entrará em vigor na data da sua publicação. Art. 7º Revogam‐se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1945, 124º da Independência e 57º da República. JOSÉ LINHARES
Este Decreto‐Lei viria a ser revogado pela Lei Nº 2.623, DE
21 DE OUTUBRO DE 1955, embora mantida a atribuição da Academia Brasileira
de Letras para o estabelecimento do sistema ortográfico por via do seu
"Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa":
LEI Nº 2.623, DE 21 DE OUTUBRO DE 1955 Restabelece o sistema ortográfico do "Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa" e revoga o Decreto‐lei nº 8.286, de 5 de Dezembro de 1945. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL manteve e eu promulgo nos têrmos do Art. 70, § 3º, da Constituição Federal, a seguinte Lei: Art. 1º ‐ É restabelecido o sistema ortográfico do "Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", organizado em 1943 pela Academia Brasileira de Letras. Art. 2º ‐ O sistema referido no artigo anterior, vigorará até que seja dado cumprimento no Artigo II da Convenção Ortográfica, assinada em Lisboa, pelo Brasil e Portugal em 29 de dezembro de 1943.
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Art. 3º ‐ É revogado o Decreto‐lei nº 8.286, de 5 de dezembro de 1945. Art. 4º ‐ Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação. Rio de Janeiro, em 21 de outubro de 1955; 134º da Independência e 67º da República. João Café Filho
A reforma de 1971, igualmente, veio por meio de Lei que
repetiu a atribuição de elaboração do vocabulário oficial para a Academia
Brasileira de Letras:
LEI Nº 5.765 ‐ DE 18 DE DEZEMBRO DE 1971
Aprova alterações na ortografia da língua portuguêsa e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º De conformidade com o parecer conjunto da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa, exarado a 22 de abril de 1971 segundo o disposto no artigo III da Convenção Ortográfica celebrada em 29 de dezembro de 1943 entre o Brasil e Portugal, fica abolido o trema nos hiatos átonos; o acento circunflexo diferencial na letra e e na letra o, a sílaba tônica das palavras homógrafas de outras em que são abertas a letra e e a letra o, exceção feita da forma pôde, que se acentuará por oposição a pode; o acento circunflexo e o grave com que se assinala a sílaba subtônica dos vocábulos derivados em que figura o sufixo mente ou iniciados por z. Art. 2º A Academia Brasileira de Letras promoverá, dentro do prazo de 2 (dois) anos, a atualização do Vocabulário Comum a organização do Vocabulário Onomástico e a republicação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguêsa nos têrmos da presente Lei. Art. 3º Conceder‐se‐á às emprêsas editoras de livros e publicações o prazo de 4 (quatro) anos para o cumprimento do que dispõe esta Lei. Art. 4º Esta Lei entrará em vigor 30 dias após a sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Brasília, 18 de dezembro de 1971; 150º da Independência e 83º da República. EMÍLIO G. MÉDICI
Tem‐se que em 1975 a Academia das Ciências de Lisboa e
a Academia Brasileira de Letras teriam elaborado novo projeto de acordo
ortográfico, todavia aquele não fora oficialmente aprovado.
Em 1986, José Sarney, então
presidente do Brasil, promoveu um encontro dos sete países de língua oficial
portuguesa ‐ Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique, Portugal e
São Tomé e Príncipe ‐, no Rio de Janeiro. Ali foi apresentado o Memorando
Sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Resultaria deste encontro o
Acordo Ortográfico de 1986, que viria a ser amplamente discutido e contestado
pela comunidade linguística, nunca chegando a ser aprovado.
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Já em 1990, a Academia das Ciências de Lisboa veio a
convocar novo encontro. Assim, com a participação da Academia Brasileira de
Letras surgiu a base do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, documento
que entraria em vigor, de acordo com o seu artigo 3º, no dia "1 de Janeiro de
1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto
do Governo da República Portuguesa”:
ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Considerando que o projeto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional, Considerando que o texto do acordo que ora se aprova resulta de um aprofundado debate nos Países signatários, a República Popular de Angola, a República Federativa do Brasil, a República de Cabo Verde, a República da Guiné‐Bissau, a República de Moçambique, a República Portuguesa, e a República Democrática de São Tomé e Príncipe, acordam no seguinte: Artigo 1º É aprovado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que consta como anexo I ao presente instrumento de aprovação, sob a designação de Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) e vai acompanhado da respectiva nota explicativa, que consta como anexo II ao mesmo instrumento de aprovação, sob a designação de Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990). Artigo 2º Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas. Artigo 3º O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa. Artigo 4º Os Estados signatários adotarão as medidas que entenderem adequadas ao efetivo respeito da data da entrada em vigor estabelecida no artigo 3o. Em fé do que, os abaixo assinados, devidamente credenciados para o efeito, aprovam o presente acordo, redigido em língua portuguesa, em sete exemplares, todos igualmente autênticos. Assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. PELA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA
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JOSÉ MATEUS DE ADELINO PEIXOTO Secretário de Estado da Cultura PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL CARLOS ALBERTO GOMES CHIARELL Ministro da Educação PELA REPÚBLICA DE CABO VERDE DAVID HOPFFER ALMADA Ministro da Informação, Cultura e Desportos PELA REPÚBLICA DA GUINÉ‐BISSAU ALEXANDRE BRITO RIBEIRO FURTADO Secretário de Estado da Cultura PELA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE LUIS BERNARDO HONWANA Ministro da Cultura PELA REPÚBLICA PORTUGUESA PEDRO MIGUEL DE SANTANA LOPES Secretário de Estado da Cultura PELA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE LÍGIA SILVA GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO COSTA Ministra da Educação e Cultura
O texto do Acordo encontra‐se reproduzido no Anexo II.
A partir de então começa a saga da implementação de
uma reforma ortográfica que nunca chegou a ser alvo de um “aprofundado
debate” em qualquer dos Países signatários, ao contrário do que se afirmara no
“considerando” preambular do acordo, mais acima negritado.
Frustrando‐se a data prevista para entrada em vigor, 1º de
janeiro de 1994, o Acordo Ortográfico de 1990 foi aprovado pelo Decreto
Legislativo nº 54, de 1995, conforme o texto assim publicado:
DECRETO LEGISLATIVO Nº 54, DE 1995 Aprova o texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º É aprovado o texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. Parágrafo único. São sujeitos à apreciação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do referido acordo, bem como quaisquer atos que, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art. 2º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação. Senado Federal, 18 de abril de 1995. SENADOR JOSÉ SARNEY Presidente
Contudo, como ato de Estado, apenas Portugal, Brasil e
Cabo Verde haviam ratificado o Acordo até 1996, inobstante as críticas e
resistências que se fizeram expressar, especialmente em Portugal.
Em 1998, na cidade da Praia, veio a ser assinado o
Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
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oportunidade em que, reconhecendo‐se “Que o vocabulário ortográfico comum da
língua portuguesa deverá ainda ser concluído”, conforme abaixo destacado em
negrito, foi retirada do texto a data da implementação, mantendo‐se a condição
de que todos os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP) deveriam ratificar as normas propostas no Acordo Ortográfico de 1990.
Eis o texto do Protocolo:
PROTOCOLO MODIFICATIVO AO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Considerando que até à presente data o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em dezembro de 1990, ainda não foi ratificado por todas as partes contratantes; Que o referido texto original do Acordo estabelecia, em seu artigo 3, que o referido Acordo entraria em vigor no dia 1 de janeiro de 1994, após o depósito dos instrumentos de ratificação de todos os Estados junto ao Governo da República Portuguesa; Que o artigo 2 do Acordo, por sua vez, previa a elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, referente às terminologias científicas e técnicas; Que o vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa deverá ainda ser concluído; Decidem as partes dar a seguinte nova redação aos dois citados artigos: “Art. 2 – Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas. Art.3 – O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa”. Feito na Praia, em 17 de julho de 1998.
Tal Protocolo foi objeto do Decreto Legislativo
nº120/2002:
DECRETO LEGISLATIVO Nº 120, DE 2002 Aprova o texto do Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, feito em Praia, em 17 de julho de 1998. O CONGRESSO NACIONAL DECRETA: Art. 1º Fica aprovado o texto do Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, feito em Praia, em 17 de julho de 1998. Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do referido Acordo, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. Senado Federal, em 12 de junho de 2002 SENADOR RAMEZ TEBET
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Presidente do Senado Federal
Mais de dez anos após a data em que deveria ter sido
implementado o acordo, em 2004 os Ministros da Educação dos vários países da
CPLP reuniram‐se em Fortaleza, no Brasil, para a aprovação do Segundo
Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Ali,
“reiteraram ser o Acordo Ortográfico um dos fundamentos da Comunidade”. Assim,
entenderam buscar simplificação para o processo de superação de diferenças
nacionais em torno do Acordo reduzindo a três países o quórum necessário de
ratificações para que o Acordo Ortográfico pudesse entrar em vigor. O Timor‐
Leste, tornado independente em 2002, passou a integrar a comunidade. Eis o
texto do Segundo Protocolo:
Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa A República de Angola, a República Federativa do Brasil, a República de Cabo Verde, a República da Guiné‐Bissau, a República de Moçambique, a República Portuguesa, a República Democrática de São Tomé e Príncipe e a República Democrática de Timor‐ Leste: Considerando que, até à presente data, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, a 16 de Dezembro de 1990, ainda não pôde entrar em vigor por não ter sido ratificado por todas as partes contratantes; Tendo em conta que, desde a IV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), ocorrida em Brasília a 31 de Julho e 1 de Agosto de 2002, se adoptou a prática, nos Acordos da CPLP, de estipular a entrada em vigor com o depósito do terceiro instrumento de ratificação; Recordando que, em 2002, por ocasião da IV Conferência de Chefes de Estado e de Governo, a República Democrática de Timor‐Leste aderiu à CPLP, tornando‐se o oitavo membro da Comunidade; Evocando a recomendação dos Ministros da Educação da CPLP que, reunidos, em Fortaleza, a 26 de Maio de 2004, na V Reunião de Ministros da Educação, reiteraram ser o Acordo Ortográfico um dos fundamentos da Comunidade e decidiram elevar, à consideração da V Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, a proposta de se aprovar o Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que, além de permitir a adesão de Timor‐Leste, define a entrada em vigor do Acordo com o depósito dos instrumentos de ratificação por três países signatários; DECIDEM as partes: 1. Dar a seguinte nova redacção ao Artigo 3 do Acordo Ortográfico: Artigo 3º
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"O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa". 2. Acrescentar o seguinte artigo ao Acordo Ortográfico: Artigo 5º "O presente Acordo estará aberto à adesão da República Democrática de Timor‐Leste". 3. Estabelecer que o presente Protocolo Modificativo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte à data em que três Estados membros da CPLP tenham depositado, junto da República Portuguesa, os respectivos instrumentos de ratificação ou documentos equivalentes que os vinculem ao Protocolo. Feito e assinado em São Tomé, a 25 de Julho de 2004. Pelo Governo da República de Angola Pelo Governo da República Federativa do Brasil Pelo Governo da República de Cabo Verde Pelo Governo da República da Guiné‐Bissau Pelo Governo da República de Moçambique Pelo Governo da República Portuguesa Pelo Governo da República Democrática de São Tomé e Príncipe Pelo Governo da República Democrática de Timor‐Leste
Já sob a nova regra, em 2006, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e
Príncipe ratificaram o documento, como também o fez Portugal em 2008,
ficando este país de implementar a reforma em 2010. Observa‐se que, pela
nova regra, já em 2006, ainda que sem Portugal, o Acordo poderia ser
implementado!
E aí, em 2008, antes que qualquer outro país signatário assim o
procedesse, o Brasil fez promulgar o Acordo, tornando‐o obrigatório, ainda
que não estivesse elaborado o pressuposto para o mesmo: o vocabulário
ortográfico comum da língua portuguesa.
Sem embargo da ausência desse requisito fundamental, quatro
Decretos foram assinados no mesmo dia, 29 de setembro de 2008, todos
conducentes a fazer com que o Acordo Ortográfico de 1990 viesse a produzir
efeitos já em 1º de janeiro de 2009, dezenove anos após a sua elaboração, ou
seja, em pouco mais de três meses após a publicação do novo feixe normativo.
São eles:
DECRETO Nº 6.583, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008. Promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e
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Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo nº 54, de 18 de abril de 1995, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990; Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação do referido Acordo junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, na qualidade de depositário do ato, em 24 de junho de 1996; Considerando que o Acordo entrou em vigor internacional em 1º de janeiro de 2007, inclusive para o Brasil, no plano jurídico externo; DECRETA: Art. 1º O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, entre os Governos da República de Angola, da República Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da República de Guiné‐Bissau, da República de Moçambique, da República Portuguesa e da República Democrática de São Tomé e Príncipe, de 16 de dezembro de 1990, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém. Art. 2º O referido Acordo produzirá efeitos somente a partir de 1º de janeiro de 2009. Parágrafo único. A implementação do Acordo obedecerá ao período de transição de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida. Art. 3º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 29 de setembro de 2008; 187º da Independência e 120º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Celso Luiz Nunes Amorim
DECRETO Nº 6.584, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008. Promulga o Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Praia, em 17 de julho de 1998. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo nº 120, de 12 de junho de 2002, o Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Praia, em 17 de julho de 1998; Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação do referido Acordo junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, na qualidade de depositário do ato, em 3 de setembro de 2004; Considerando que o Protocolo Modificativo entrou em vigor internacional em 1º de janeiro de 2007, inclusive para o Brasil, no plano jurídico externo; DECRETA:
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Art. 1º O Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, entre os Governos da República de Angola, da República Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da República de Guiné‐Bissau, da República de Moçambique, da República Portuguesa e da República Democrática de São Tomé e Príncipe, de 17 de julho de 1998, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém. Art. 2º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Protocolo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 29 de setembro de 2008; 187º da Independência e 120º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Celso Luiz Nunes Amorim DECRETO Nº 6.585, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008. Dispõe sobre a execução do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em São Tomé, em 25 de julho de 2004. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e Considerando que foram cumpridos os requisitos para a entrada em vigor do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa; Considerando que o Governo brasileiro notificou o Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, na qualidade de depositário do ato, em 20 de outubro de 2004; Considerando que o Acordo entrou em vigor internacional em 1º de janeiro de 2007, inclusive para o Brasil, no plano jurídico externo; DECRETA: Art. 1º O Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, entre os Governos da República de Angola, da República Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da República de Guiné‐Bissau, da República de Moçambique, da República Portuguesa, da República Democrática de São Tomé e Príncipe e da República Democrática de Timor‐Leste, de 25 de julho de 2004, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém. Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 29 de setembro de 2008; 187º da Independência e 120º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Samuel Pinheiro Guimarães Neto Fernando Haddad João Luiz Silva Ferreira
DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.
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Dispõe sobre a implementação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e em observância ao disposto no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990, aprovado pelo Decreto Legislativo no 54, de 18 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto no 6.583, de 29 de setembro de 2008, no Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Praia, em 17 de julho de 1998, aprovado pelo Decreto Legislativo no 120, de 12 de junho de 2002, e promulgado pelo Decreto no 6.584, de 29 de setembro de 2008, e no Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em São Tomé, em 25 de julho de 2004, e internalizado pelo Decreto no 6.585, de 29 de setembro de 2008, DECRETA: Art. 1º Nos termos do artigo 2º do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os Ministérios da Educação, da Cultura e das Relações Exteriores, com a solicitação de colaboração da Academia Brasileira de Letras e de entidades afins nacionais e dos Países signatários do Acordo, adotarão as providências necessárias para elaboração de vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa. Art. 2º Os livros escolares distribuídos pelo Ministério da Educação à rede pública de ensino de todo o País serão autorizados a circular, em 2009, tanto na atual quanto na nova ortografia, e deverão ser editados, a partir de 2010, somente na nova ortografia, excetuadas a circulação das reposições e complementações de programas em curso, conforme especificação definida e disciplinada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ‐ FNDE. Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 29 de setembro de 2008; 187º da Independência e 120º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Samuel Pinheiro Guimarães Neto Fernando Haddad João Luiz Silva Ferreira
Conforme mais acima destacado, promulgou‐se o Acordo
e decretou‐se a sua implementação sem que o vocabulário comum da língua
portuguesa estivesse pronto. Tanto assim que neste Decreto nº 6.586 vê‐se a
determinação aos Ministérios da Educação, da Cultura e das Relações Exteriores
para que adotassem “as providências necessárias para elaboração de vocabulário
ortográfico comum da língua portuguesa”. (destacado em negrito)
De tal modo legislado, o Acordo Ortográfico de 1990
encaminha‐se para a obrigatoriedade de sua observância, no Brasil, em 31 de
dezembro de 2012, data em que se pretende findar a dupla ortografia vigente
no período de transição.
Roberto Sobral [email protected]
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Quadro absolutamente diverso do que se dá no âmbito
dos integrantes do que se convencionou chamar Comunidade de Países de
Língua Portuguesa.
Angola e Moçambique ainda não ratificaram o Acordo e
algumas de suas autoridades educacionais alegam o que todos os países sabem
ser verdadeiro: “os professores não aprendem tais regras”2. Os demais ainda
não o implementaram. Em Portugal as reações adversas são intensas e
reiteradas o suficiente para que se ponha em dúvida a efetiva possibilidade de
que venha a sê‐lo. São fortes os indícios de que venha a sofrer prorrogação de
2015 para 2018.
E por justas razões, destacando‐se como principal a
ausência de participação democrática de setores legitimados pelo interesse e
pela qualificação para participar do processo de uma reforma ortográfica na
língua pátria.
Veja‐se, a título de exemplo, a forte reação de importante
intelectual português, o deputado e filólogo Vasco Moura3, que pela adequação
de suas oportunas críticas merece a reprodução de seus textos, que se segue:
PARTES DE ÁFRICA
Vasco Graça Moura
Diziam os docentes do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa na posição que tomaram em 1986 e que já citei aqui por mais de uma vez: "Estranha‐se que, sendo este um acordo de unificação ortográfica entre países da África, da América e da Europa que usam o português, não tenham sido previstas regras de adaptação para a ortografia de palavras provenientes de línguas africanas que já se tenham integrado ou venham a integrar‐se no português."
2 Comentário insistentemente ouvido nos corredores da Conferência Internacional sobre o Futuro da
Língua Portuguesa no Sistema Mundial, promovida pelo Ministério das Relações Exteriores e
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ‐ CPLP, Palácio do Itamarati, Brasília – DF, em março de
2010.
3 Vasco Graça Moura é um escritor, ensaísta e político português. Nasceu no Porto, em 1942, e formou‐se em Direito. Em 1999, foi eleito deputado ao Parlamento Europeu, vivendo, desde então, entre Lisboa e Bruxelas. É colaborador de jornais, revistas e de canais de televisão. Tem muitas das suas obras traduzidas para italiano, francês, alemão, sueco e espanhol. Para lá da poesia e da prosa, é autor de numerosos ensaios, alguns deles premiados, e de excelentes traduções literárias. Recebeu diversos prémios nacionais e internacionais.
Roberto Sobral [email protected]
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Isto, que se aplicava ao Acordo Ortográfico de 1986, aplica‐se inteiramente ao actual... Quer‐se uma demonstração deveras picante? Pois o Novo Dicionário Universal da Língua Portuguesa (Texto Editores), o tal que se proclama "conforme o Acordo Ortográfico", regista nada menos de três grafias, três, para a unidade monetária de Angola: "cuanza", "kuanza" e "kwanza"... O Acordo só cura de arrumar a questão entre Portugal e o Brasil.
... Não se preocupa minimamente com o facto de as pronúncias africanas não estarem bem estudadas. Nem com regras para a grafia de palavras provenientes das línguas africanas (ou do concanim, ou do chinês, ou do tétum), como acima se diz. Nessa perspectiva, não enuncia nenhuma orientação para as distinções gráficas a que se refere a Base III: entre ch e x, entre g e j, entre s, ss, c, ç, e x, entre x e z...
... São questões de ordem linguística a que os defensores do Acordo continuam a não se dignar dar resposta no mesmo plano, tal como não a dão quanto às objecções de idêntica índole que têm sido levantadas no tocante às variedades lusitana e brasileira do português. É a tal ausência de debate científico que Albertino Bragança, representante de S. Tomé e Príncipe, há uma semana, referia na Assembleia da República. Será isto contribuir para a "unidade" da língua? Alguém se admira ainda por a Guiné‐Bissau, Angola e Moçambique não terem ratificado o Acordo nem os Protocolos Modificativos? http://www.filologia.org.br/ visualizado em 25/03/2011
E a mesma alienação de diversos setores interessados no
Brasil foi levada a efeito, sorrateiramente, pelo Governo de Portugal, segundo
Vasco Graça Moura, que chegou a conclamar a população à reação, dizendo : "é
um acto cívico batermo‐nos contra o Acordo Ortográfico", que qualificou de
inconstitucional. Eis o texto publicado em LUSA ‐ Agência de Notícias de
Portugal, S.A. 03 abril de 20084:
O escritor e eurodeputado, que falava na Livraria Byblos em Lisboa a convite da Associação Portuguesa de Editores (APEL) e Livreiros e da União de Editores Portugueses (UEP), disse que "o acordo não leva a unidade nenhuma" e antes de qualquer ratificação havia que chegar a um vocabulário técnico‐científico comum. Graça Moura disse que ratificar este Acordo era inconstitucional pois "não se pode aplicar na ordem interna um instrumento que não está aceite internacionalmente" e nem assegura "a defesa da língua como património, como prevê a Constituição nos artigos 9º e 68º".
4 visualizado em //ww1.rtp.pt/noticias/?article=165192&visual=3&layout=10
Roberto Sobral [email protected]
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Vasco Graça Moura considerou o Governo "irresponsável", acusando‐o de agir apressadamente" e de ter mentido ao afirmar que consultou a Associação Portuguesa de Escritores e Livreiros (que não existe), e mesmo querendo referir‐se á APEL ‐ disse ‐ não o fez. "O Governo não consultou nem a APEL nem a UEP, por isso está a mentir", acrescentou.
... Segundo enfatizou, no caso do Acordo há duas Academias, a brasileira e a portuguesa, a dialogar entre si, enquanto do lado africano são representantes dos respectivos Governos, "para não falar do simbolismo de Goa e Macau".
... Por outro lado, acrescentou, o Governo nem consultou pareceres anteriores, nomeadamente os das direcções dos ensinos básico e secundário que em 1986 "manifestaram‐se contra o Acordo". O escritor lembrou ainda que nessa altura "houve uma forte contestação de toda a sociedade ao Acordo que é o mesmo que agora querem ratificar". Graça Moura criticou ainda "o silêncio, em matéria tão crucial como esta, a que se remeteu a actual ministra da Educação", Maria de Lurdes Rodrigues.
... A ex‐ministra (da Cultura, Isabel Pires de Lima), reputada especialista na obra literária de Eça de Queiroz, disse que não tem "nem muito nem pouco entusiasmo pelo Acordo", mas também não participa "nas cruzadas pró ou contra".
... Zita Seabra, deputada do PSD e editora, falou da sua experiência, nomeadamente a compra em conjunto por editores portugueses e brasileiros dos direitos de obra. "Combinámos que nós fazíamos a tradução e eles a revisão e numa outra obra trocávamos, mas tivemos de desistir pois ficava mais caro e era mais complicado rever a partir da tradução do que directamente da língua original", disse a responsável pela Alêtheia. Os editores que intervieram no debate foram todos contra a ratificação do Acordo.
visualizado em //ww1.rtp.pt/noticias/?article=165192&visual=3&layout=10
Dois destaques acima foram feitos para que não se perca
de perspectiva o fato que aqui se denuncia: o Acordo evolui em um diálogo
exclusivo entre as Academias de Letras de Portugal e do Brasil, e os resultados
são levados à consagração em encontros nos quais se reúnem os
representantes dos demais governos dos países signatários, os africanos aos
quais se somou o asiático Timor‐Leste, cujos dirigentes revelam‐se solenemente
indiferentes ao que de tudo isso pensam os seus respectivos concidadãos.
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Não se sabe o que é pior: se a contundência das
expressões de Vasco Moura, em Portugal, ou se a absoluta indiferença da
intelectualidade dos países africanos, nos quais, simplesmente, ignora‐se o
Acordo ou não se problematiza o que se sabe que não será implementado.
Importa consignar, contudo, que no plano interno
brasileiro considera‐se “que o Acordo entrou em vigor internacional em 1º de
janeiro de 2007, inclusive para o Brasil, no plano jurídico externo”, na
conformidade do que expressamente se encontra disposto no DECRETO Nº
6.583, de 29 de setembro de 2008.
Se, em princípio, não haveria reparos a fazer quanto à
diligência governamental de fazer cumprir o que Estado acordara, o mesmo não
se pode dizer, entretanto, quanto ao modo e conteúdo da imposição que se faz
no Brasil, como resultado anômalo do Acordo: a adoção de um Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa gravemente maculado por inadequação
temporal, ao qual foram acrescidas algumas impropriedades técnicas em um
processo eivado de ilegalidades, conforme se demonstrará no corpo desta Ação.
Ao final, restará clara a necessidade de prorrogação do
prazo definido para o fim da dupla ortografia hoje consentida e efetiva
implantação do referido Acordo Ortográfico, elemento temporal de
importância fundamental para o reajustamento deste, em forma e substância,
à sua finalidade legal.
III. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS PARA A PRESENTE AÇÃO POPULAR
EM FACE DO CONTEXTO FÁTICO.
A constituição federal de 1988 ampliou a abrangência da
Lei 4717/65, que disciplina a Ação Popular, ao dispor que “qualquer cidadão é
parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o
autor, salvo comprovada má‐fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência” (art. 5º, LXXIII).
Desse modo, passou‐se a incluir no âmbito protetivo da
Lei, para além dos interesses pecuniários, o patrimônio histórico e cultural, o
Roberto Sobral [email protected]
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que faz desse diploma o instrumento necessário e adequado à defesa do
interesse coletivo que constitui o objeto da presente Ação.
Quer seja entendida a AÇÃO POPULAR como instrumento
de interesses coletivos (Hely Lopes Meireles), quer se reconheça nesta a
natureza jurídica de instrumento do Cidadão para postular direito próprio de
participação na vida política do Estado Democrático de Direito (José Afonso da
Silva), os requisitos jurídicos para a sua propositura aqui se encontram
presentes: condição de cidadão brasileiro do Autor (provado por título de
eleitor em pleno gozo dos seus direitos cívicos e políticos) e ilegalidade de atos
concretamente lesivos ao patrimônio cultural brasileiro (STJ: “Para ensejar a
propositura de ação popular, não basta ser o ato ilegal, deve ser ele lesivo ao
patrimônio público”. Resp n.º 111.527‐DF, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU
20/04/98, p. 23).
O primeiro requisito, “A condição de cidadão brasileiro do
Autor”, já se comprovou como preenchido.
Por sua vez, o requisito da Ilegalidade há de reconhecer
como presente, em número e formas diversas ao longo do processo de
implementação em curso. Algumas até em claras violações constitucionais, aqui
evidenciadas. Sem embargo de tais ocorrências, até por impossibilidade jurídica
do pedido em face das limitações do instrumento “Ação Popular”, não constitui
objeto desta o reconhecimento de inconstitucionalidade, em abstrato, das
normas de regência, conquanto existam razões suficientes para clamar por uma
Ação pertinente, desde que algum legitimado para tanto assim o queira.
Antes mesmo que sejam apontados os atos ilegais
praticados pela Autoridades aqui apontadas e pela ABL, pessoas incumbidas da
execução do Acordo, veja‐se a temeridade com que foi legislado o DECRETO Nº
6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008, observando‐se os destaques negritados e
sublinhados dos seus artigos abaixo transcritos:
DECRETA: Art. 1º Nos termos do artigo 2º do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os Ministérios da Educação, da Cultura e das Relações Exteriores, com a solicitação de colaboração da Academia Brasileira de Letras e de entidades afins nacionais e dos Países signatários do Acordo, adotarão as providências necessárias para elaboração de vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa. Art. 2º Os livros escolares distribuídos pelo Ministério da Educação à rede pública de ensino de todo o País serão autorizados a circular, em 2009, tanto na atual quanto na nova ortografia, e deverão ser editados, a partir
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de 2010, somente na nova ortografia, excetuadas a circulação das reposições e complementações de programas em curso, conforme especificação definida e disciplinada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ‐ FNDE. Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 29 de setembro de 2008; 187º da Independência e 120º da República.
Usando uma expressão bem lusitana, é brutal a
temeridade do que acima se legislou: esquecendo‐se de que desde 1990 as
academias brasileira e portuguesa de letras não cumpriram a missão recebida
de elaborar o vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa,
estabeleceu‐se, em setembro de 2008, um prazo inexequível para que a
monumental tarefa ficasse pronta a tempo de permitir que os livros escolares
fossem escritos, produzidos e distribuídos com a nova ortografia já em 2009.
E, desta feita, os Ministérios envolvidos receberam a
determinação de adotar:
“as providências necessárias para elaboração de
vocabulário ortográfico comum da língua
portuguesa”, com a solicitação de colaboração da
Academia Brasileira de Letras e de entidades afins
nacionais e dos Países signatários do Acordo.
O grande mérito deste preciso dispositivo consiste no
respeito ao Princípio Democrático, segundo o qual um acordo ortográfico da
língua portuguesa não poderia continuar a ser conduzido em ambiente a portas
fechadas, como aqueles em que se reuniam as duas academias, de Brasil e
Portugal, sem a participação dos interessados, legitimados e qualificados para
tanto.
Mas, resta difícil entender, ainda que com o mais
benevolente dos raciocínios, como seria possível identificar e convidar as
“entidades afins”, congregá‐las, estabelecer método para o trabalho coletivo,
debater as colaborações finalmente produzidas, ajustar a consistência do
trabalho final, levá‐lo à aprovação para, só então, a partir daí, publicar o
produto, reproduzi‐lo e divulgá‐lo, tudo isso a partir de 28 de setembro de 2008
a tempo de promover a adoção da nova ortografia no Brasil já em 2009 e 2010?
E não se diga que o texto se refere à aceitação da dupla
ortografia ao longo de 2009, o que levaria a entender que não precisaria se ter
Roberto Sobral [email protected]
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tudo pronto em pouco mais de três meses. Pois bem: ainda que se considerasse
todo o ano de 2009 como prazo para tal elaboração, este elástico entendimento
não afastaria a realidade de que, além de todas as demoradas providências
apontadas no parágrafo anterior ainda faltariam aquelas próprias do seguinte
(inevitável) processo: (1) trabalho dos autores de livros didáticos para a
adaptação dos livros, segundo a exclusiva adoção da nova ortografia para 2010;
(2) projeto gráfico de cada livro; (3) produção gráfica industrial; (3)
encaminhamento para a central do FNDE; (4) distribuição às unidades de
ensino.
Supondo‐se que estas últimas providências ocupassem, ao
menos, todo o segundo semestre de 2009, restaria exigível que, antecedendo‐
as, em apenas pouco mais de nove meses (de 29 de setembro de 2008 a 30 de
junho de 2009) se desse a “elaboração de vocabulário ortográfico comum da
língua portuguesa“, com a “colaboração da Academia Brasileira de Letras e de
entidades afins nacionais e dos Países signatários do Acordo”. Um parto mais
que prematuro, impossível.
Claro, olhando para trás, sabe‐se que desta fase de que
trata o parágrafo anterior nunca se cuidou.
A ABL, depois que o Autor passou a publicar a crítica acima
exposta, passou a defender‐se sob o argumento de que o Vocabulário
Ortográfico Comum da Língua Portuguesa foi pensado tão somente para
inventariar os termos técnicos e científicos, para uso comum, nunca tendo sido
pressuposto para um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o VOLP,
que assim poderia ser elaborado independentemente do vocabulário COMUM.
Como assim o fez.
Ainda que o sucesso da presente demanda não dependa
do acolhimento deste ponto que a ABL busca controverter (vez que sobejam
outras ilegalidades sobre as quais se fundam a presente Ação) é de se
examinar a pertinência lógica de tal tese. Reveja‐se o que diz o Acordo
assinado em 1990, em seu artigo 2º:
Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.
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À primeira vista, esquecendo‐se das interpretações
sistemática e teleológica, assim reduzindo‐se à literal interpretação do que se
encontra entre vírgulas ‐ “..., tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto
possível,” – como predicativos a intervalar a expressão “elaboração, até 1 de janeiro
de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa... ...no que se refere às
terminologias científicas e técnicas”, até parece lógico. Do que resultaria, entretanto,
um vocabulário comum reduzido a mero repositório dos vocábulos técnicos e
científicos.
Mas, é de se perguntar: qual o sentido de uma assim
instituída Comunidade de Países de Língua Portuguesa vir a lançar‐se em um
grandioso e demorado esforço de elaboração de uma reforma ortográfica,
capaz de unificar a língua escrita dos povos envolvidos, todavia reduzindo‐a a
um vocabulário comum de termos técnicos e científicos?
Neste papel melhor ficaria a ABNT‐ a Associação Brasileira
de Normas Técnicas e suas congêneres dos países signatários. É preciso um
enorme esforço de boa vontade, para não dizer leniência, para entender que
não se busca um dicionário comum que reúna o vocabulário comum da língua
portuguesa, tão completo quanto possível. No que concerne aos termos
técnicos e científicos, tão normalizador quanto possível.
Ou seja, o texto, necessariamente interpretado de modo
teleológico, segundo o propósito original do Acordo Ortográfico da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa, só pode conduzir à compreensão de que os
predicativos, situados entre vírgulas, estão associados cada a um a um
específico substantivo. Veja‐se:
1) ...”um vocabulário ortográfico comum da língua
portuguesa, tão completo quanto desejável”;
2) ...“e tão normalizador quanto possível, no que se refere
às terminologias científicas e técnicas.
Discrepa do espírito original do Acordo, tido como
fundamento da CPLP, que o Vocabulário Comum da Língua Portuguesa venha a
ser reduzido a termos técnicos e científicos. Beira a má‐fé a argumentação que
se conduz neste sentido, que só serve como tentativa de justificação do que se
precipitou.
Considerando a finalidade do Acordo, portanto, só se pode
aceitar a interpretação que conduz ao entendimento de que quando se fala em
“tão completo quanto possível” está a se falar de um acervo ortográfico
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comum; e quando se fala em “tão normalizador quanto possível” a referência
desloca‐se para termos técnicos e científicos. Normas, normalizar e até
normatizar, são expressões correlacionadas a normas técnicas.
Aliás, contradizendo‐se, neste aspecto, veja‐se o segundo
parágrafo da nota editorial da 5ª edição do VOLP, em que a comissão de
lexicografia da ABL diz: “Neste sentido, a 5ª edição do VOLP pretende fazer um
registro o mais completo possível não só dos vocábulos de uso comum como
também da terminologia científica e técnica.” (grifo nosso)
Ou seja, a própria ABL, reconhecendo a distinção entre
“vocábulos de uso comum” e a “terminologia científica e técnica”, na 5ª edição
do seu VOLP apresenta‐se com a pretensão de ter realizado “um registro o mais
completo possível não só dos vocábulos de uso comum como também da
terminologia científica e técnica”.
Mas, de tal pretensão pode‐se entrever aí incluso o
“vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa” ou de entender a sua
prescindibilidade para a implementação do Acordo no Brasil?
Evidentemente que não. Em primeiro lugar, não se pode
desprezar ou confundir as duas acepções para a palavra “COMUM” que exigem
distinção: enquanto vocábulo de uso “comum” refere‐se à diferenciação relativa
do que não é vocábulo próprio da “terminologia científica e técnica”, a
expressão “vocabulário comum”, no presente contexto, remete ao conceito de
COMUNIDADE de Países de Língua Portuguesa.
Ora, ora, ora! Em segundo lugar, com que raios de
interesses haveria de se buscar um Acordo Ortográfico para a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa senão para tratar da ortografia da língua COMUM,
conforme a segunda acepção?
Dizer que o AOLP não pretendia um vocabulário
ortográfico comum a todos os países signatários que reunisse, do modo mais
completo possível, os vocábulos de uso comum e os de uso próprio da
terminologia científica e técnica (segundo expressão da própria ABL) é um
grosseiro sofisma a buscar verossimilhança em uma interpretação literal de
excerto de texto legal de modo absolutamente dissociado da finalidade original
do próprio Acordo Ortográfico de 1990.
E não é difícil imaginar, diga‐se, com esforço mínimo de
imaginação, o rico inventário que resultaria de um vocabulário comum da língua Roberto Sobral [email protected]
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portuguesa, com todos os particulares significados de cada vocábulo que se usa
adotar em cada país signatário do Acordo. O que não seria nenhuma novidade,
senão quanto à riqueza do acervo, vez que Caldas Aulete e Houaiss, dentre
muitos outros notáveis, já exibiam, entre parênteses, a origem de cada
particular acepção.
O que não prejudicaria que em cada país fossem
organizados dicionários diferenciados pela exibição primeira da acepção local
mais comum para cada vocábulo, sem perda da riqueza do registro do que se
diz por via desse ou daquele vocábulo em Angola, São Tomé e Timor, por
exemplo.
Inegável resta, contudo, que o que se pretende
implementar no Brasil desvia‐se fortemente desse objetivo maior, que seria
reforçar a base ortográfica dos países da comunidade de língua portuguesa, o
que só será possível quando se retomar o caminho de construção do
vocabulário ortográfico comum.
Um desvio de finalidade que tem um claro objetivo:
justificar a publicação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa editado
pela Academia Brasileira de Letras, como se a simples reedição do clássico
“Pequeno Dicionário” com a adoção das regras ortográficas acordadas em 1990
fora suficiente (o que mais adiante se demonstra que também não se fez de
modo fiel ao que se acordara).
Mas não é. Não é suficiente a simples adaptação dos
vocábulos de uso comum de um país isolado, porquanto isso não traduziria o
que renitentemente os textos de acordo, protocolo e decretos exigem: um
“vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa”. E o reconhecimento de
que o vocabulário “comum” ainda não houvera sido concluído veio reiterando‐
se em todos os textos, até o Decreto n º 6586 de 28 de setembro de 2008,
aquele que ordenara a implementação do Acordo.
Fato é que, apesar da pretensão, o VOLP em sua 5ª edição
– impresso e publicado em 19 de março de 2009, ou seja, menos de seis meses
depois do Decreto acima citado ‐ não logrou realizar “registro o mais completo
possível não só dos vocábulos de uso comum como também da terminologia
científica e técnica.”
Por uma simples razão: não se inventariou as diversas
acepções para um mesmo vocábulo que se dá nos diversos países signatários, e
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sem o quê não há que se falar em vocabulário “comum”. Não é sem razão que
as vozes d’África registram a remanescência do colonialismo português e a
exsurgência de um imperialismo brasileiro sobre o Acordo Ortográfico de 1990.
As duas academias de letras desses dois países conduziram e conduzem o feito
a ser imposto aos africanos e timorenses. Como também, a nós outros.
Considerando a interpretação teleológica acima procedida,
resta compreender qual era a perspectiva de quem assinava o Decreto em
setembro de 2008, o Excelentíssimo Presidente da República.
Será que o Presidente foi convencido de que era possível
implementar o Acordo Ortográfico sem que estivesse pronto aquilo que acima
se demonstrou como o seu pressuposto, o Vocabulário Ortográfico Comum da
Língua Portuguesa?
Ou será que foi convencido de que o VOCLP já estava
pronto, ainda que reduzido a simples inventário de expressões técnicas e
cinetíficas?
Ou ainda, convenceram‐no de que seria possível em prazo
tão curto proceder ao cumprimento de todas as etapas mais acima esboçadas,
do que resultara um decreto assinado de modo temerário, enganando‐se todos
quanto à complexidade da tarefa?
Assumida a hipótese em que se pressupõe pronto o
VOCLP, pergunta‐se: onde ele está? Como nunca foi exibido. O que até aqui se
imprimiu e se fez circular foi o VOLP da ABL, nunca o VOCLP.
Mas esta hipótese não pode ser aceita, porque implicaria o
paradoxo do dispositivo que manda solicitar apoio de todas aquelas entidades
afins para elaborar o que já estaria pronto. Ora, um decreto não pode mandar
fazer o que já foi feito. Se mandou fazer é porque reconhecia que não o fora,
restando admitir a temeridade com que se legislou o dispositivo mandamental
da missão temporalmente impossível.
Fala‐se em temeridade para salvaguardar o princípio da
boa‐fé. Afinal, também os de boa‐fé se enganam.
Boa‐fé, todavia, difícil de ser explicada para todos os pais e
mães que, convencidos e obrigados intimados a aceitar “o fato” de que o VOLP
correspondia à consolidação do Acordo de 1990 em terras brasileiras, tiveram
que comprar novas gramáticas e ainda comprar os demais livros renovados
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segundo a “nova ortografia oficial”, com o que tiveram de jogar fora todos
aqueles volumes que serviriam para os irmãos menores. 5 Para estes, tudo havia
de ser comprado sob a nova ortografia, exclusiva e obrigatória, a partir de 2010.
Sem falar no dispêndio público de R$ 690.000.000,00
(seiscentos e noventa milhões de reais) apregoado como gasto pelo governo na
distribuição dos livros didáticos de 2010, conforme notícia divulgada pelo
próprio Governo Federal:
Investimento em livros para rede pública de ensino será de R$ 690 milhões
Escrito por Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República Seg, 08 de Fevereiro de 2010 11:26
Os investimentos do governo federal para abastecer as escolas públicas brasileiras com obras didáticas de qualidade somam R$ 690 milhões em 2010.
Somente para os livros a serem usados por alunos do 1º ao 5º ano (português, matemática, entre outros) serão R$ 427,6 milhões de investimento em aquisição e R$ 85,8 milhões em distribuição. Além disso, livros de reposição serão comprados e distribuídos para estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental (R$ 80 milhões) e das três séries do ensino médio (R$ 97 milhões).
No ensino fundamental, os alunos do 1º e 2º ano recebem livros de alfabetização matemática e alfabetização linguística. Há ainda a distribuição de obras reutilizáveis de ciências, história, geografia, matemática e língua portuguesa.
...Já para o ensino médio, a distribuição envolve livros de língua portuguesa, matemática, história, geografia, biologia, química e física.Em 2009, o governo federal investiu R$ 577,6 milhões na compra de livros didáticos para a educação básica e R$ 112,8 milhões na distribuição dessas obras para todo o País.
A ação é resultado dos três programas do Ministério da Educação (MEC) relacionados à questão do livro didático - o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA) – executados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que distribui os livros.
Bibliotecas nas escolas
O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado em 1997 para facilitar o acesso à cultura e à informação, além de incentivo ao hábito da leitura em alunos, professores e comunidade. É por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência que o MEC apoia o cidadão no exercício da reflexão, da criatividade e da crítica.
Para 2010, os acervos serão compostos por títulos de poemas, contos, crônicas, teatro, textos de tradição popular, romances, memórias, biografias, ensaios, histórias em quadrinhos e obras clássicas. São cerca de 10,7 milhões de livros, que serão distribuídos a todas as escolas públicas da educação infantil -- 31.526 escolas para crianças até 3 anos e 81.607 para alunos de 4 e 5 anos; 122.742 escolas do ensino fundamental (anos iniciais); e 39.696 escolas da
5 Uma família que contava com dois adolescentes em anos sucessivos do ensino médio amargou um prejuízo de mais de seiscentos reais na compra de novo material didático que veio a substituir aquele que poderia ter sido reutilizado.
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educação de jovens e adultos.
PNBE Professor 2010
Em 2010, os professores da rede pública terão livros específicos para orientá-los como ensinar em cada disciplina da educação básica. Além do cunho metodológico, as obras focarão a prática com o aluno durante as aulas e serão divididas em cinco segmentos: anos iniciais do ensino fundamental; anos finais do ensino fundamental; ensino médio; ensino fundamental da educação de jovens e adultos; e ensino médio da educação de jovens e adultos.
Outra iniciativa para 2010 será a distribuição de periódicos às bibliotecas das escolas públicas. As revistas servirão como complemento à formação e atualização dos docentes e demais profissionais da educação. Para serem adquiridas pelo FNDE, as publicações precisam comprovar no mínimo um ano de circulação e apresentar periodicidade de quatro a 12 edições anuais.
Além desses adicionam‐se as perdas significativas dos
estudantes particulares e demais consumidores de livros didáticos, gramáticas,
dicionários etc.
Como bem se vê, não se pode dizer que não houve
consequência material expressiva do que se legislou, em face dos gastos
públicos e particulares assim comprometidos. Aos quais se acrescentam
inúmeras outras consequências dispendiosas, como formulários das repartições,
placas de sinalização, manuais técnicos etc.
Do que deriva comprometido o princípio da eficiência,
requisito constitucional (artigo 37 da CF) ausente naquele Decreto de
implementação do Acordo.
Agora, examine‐se o pressuposto objetivo daquele
Decreto, o motivo, sob a inteira lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Motivo é o pressuposto do fato que autoriza ou exige a prática
do ato. É, pois, a situação do mundo empírico que deve ser tomada em
conta para a prática do ato. Logo, é externo ao ato. Inclusive o
antecede. Por isso não pode ser considerado como parte, como
elemento do ato.
O motivo pode ser previsto em lei ou não. Quando previsto em
lei, o agente só pode praticar o ato se houver ocorrido a situação
prevista.”6
6 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio in Curso de Direito Administrativo, 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pg.354.
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Ora a situação prevista, como antecedente lógico para a
produção e distribuição da gigantesca massa de livros didáticos, era a
elaboração do VOCLP, que, repita‐se: não chegou a existir.
Prossegue o Professor Celso Antônio:
“Quando não há previsão legal, o agente tem liberdade de
escolha da situação (motivo) em vista da qual editará o ato. É que,
mesmo se a lei não alude expressamente aos motivos propiciatórios ou
exigentes de um ato, nem por isso haverá liberdade para expedi‐lo sem
motivo ou perante um motivo qualquer. Só serão de aceitar os que
possam ser havidos como implicitamente admitidos pela lei à vista
daquele caso concreto, por corresponderem a supostos fáticos idôneos
para demandar ou comportar a prática daquele específico ato,
espelhando, dessarte, sintonia com a finalidade legal, Vale dizer:
prestantes serão os motivos que revelem pertinência lógica,
adequação racional ao conteúdo do ato, ao lume do interesse
prestigiado na lei aplicada. (destaques)7
Considerando que a finalidade legal do Decreto, como
todos sabem, é a concretização do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
segundo o compromisso assumido pelo Brasil perante os demais signatários, o
que não se obteria ausente o pressuposto fático do VOCLP, segue‐se a
conclusão da doutrina aqui acolhida:
“Além disto, em todo e qualquer caso, se o agente se embasar
na ocorrência de um dado motivo, a validade do ato dependerá da
existência do motivo que houver sido enunciado, isto é, se o motivo que
invocou for inexistente, o ato será inválido.”
Do que decorre a lógica conclusão: inexistente o VOCLP,
pressuposto fático do Decreto, e não havendo a menor adequação racional ao
conteúdo do ato (quem apontaria racionalidade, adequação dos meios ao fim
pretendido no demandar a portentosa tarefa no indigitado tempo inexequível?)
é de se ter como inválido o Decreto, por meio do qual foi encomendada a
grandiosa tarefa, desconsiderando‐se que desde 1990 são fixados e
descumpridos todos os prazos razoáveis fixados para tal fim.
Escrevendo sobre Ação Popular, em obra atualizada por
Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes, registra o saudoso Hely Lopes Meireles
que esta “tem fins preventivos e repressivos da atividade administrativa ilegal e
7
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lesiva ao patrimônio público”, e, fazendo referência aos atos lesivos ao
patrimônio público, conforme o texto constitucional relativo à matéria (art. 5º,
LXXIII), lembra que na “ampla acepção administrativa, ato é a lei, o decreto, a
resolução, a portaria, o contrato e demais manifestações gerais ou especiais de
efeitos concretos, do Poder Público e dos entes com funções públicas delegadas
ou equiparadas”.8
Conjugando as lições dos doutos Celso Antônio e Hely
Lopes ressalta cristalina a invalidade do ato consubstanciado no decreto de
implementação do Acordo Ortográfico de 1990, já pelo que acima se aduziu.
Observa‐se que em uma mesma data, com propósitos concatenados, foram
publicados quatro decretos:
1. DECRETO Nº 6.583, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008:
“Promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990”.
2. DECRETO Nº 6.584, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008:
“Promulga o Protocolo Modificativo ao Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Praia,
em 17 de julho de 1998”.
3. DECRETO Nº 6.585, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008:
“Dispõe sobre a execução do Segundo Protocolo
Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, assinado em São Tomé, em 25 de julho de
2004”.
4. DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008:
“Dispõe sobre a implementação do Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa”.
O que logo acima se lê é o resultado do mais puro
voluntarismo político, pouco responsável, com que este assunto foi conduzido.
E, na linguagem própria dos Administrativistas, pergunta‐se: ajusta‐se o ato ao
fim colimado? Pode‐se apoiar algo assim, impensado, em discursos
conservadores de oportunidade e conveniência?
8 MEIRELES, Hely et alii, “Mandado de Segurança e Ações Constitucionais”, São Paulo: Malheiros, Pg. 177.
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Evidente que não.
Se o Presidente da República e três Ministros de seu
Governo foram induzidos em erro por aqueles que teriam dado a entender
como pronto o Vocabulário Comum que nunca veio a ser elaborado, não se
sabe. Configurando‐se tal hipótese é de vir a ser examinada pelo Ministério
Público Federal, em face de possível infração penal.
De toda sorte, do quadro exposto desdobram‐se as
seguintes ilegalidades:
1. O descumprimento por parte dos Ministérios da
Educação, da Cultura e das Relações Exteriores, primeiros incumbidos de adotar
as providências para a elaboração do Vocabulário Comum, quando
efetivamente não adotaram, bem assim a inobservância do dever de solicitar a
colaboração “de entidades afins nacionais”, prosseguindo no antidemocrático
cometimento de exclusiva atribuição da tarefa para a ABL;
2. A distribuição dos livros escolares à rede pública com
base no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa que nunca
chegou a ser concluído, segundo a atuação executiva do Ministério da
Educação, Órgão do Governo que se incumbiu dessa atividade.9 E ainda que mal
se entenda que o VOCLP não seria requisito para o VOLP, este, em sua 5ª edição
não poderia ser tido como produto oficial do Acordo Ortográfico, e assim
imposto à produção e distribuição, nem servir de base para a alteração de todos
os livros escolares, porquanto introduz alterações unilaterais com violações às
regras do próprio Acordo a que deveria se submeter, como pretenso veículo de
sua implementação. Das inovações unilaterais que representam violações ao
acordado e que nunca foram submetidas ao Congresso Nacional, mais adiante
se tratará.
Todo aquele esforço governamental, com forte e
crescente inversão de dinheiro público (os impressionantes R$ 690 milhões,
somente em 2.010) foi realizado no ano de 2010 como decorrência das novas
bases ortográficas estabelecidas em desconformidade com a Lei.
3. Da parte da Academia Brasileira de Letras registra‐se
como primeira ilegalidade a atuação contrária ao interesse manifesto do
9 De se lembrar, em todo esse processo, a importância do FNDE, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, autarquia federal criada pela Lei no 5.537, de 21 de novembro de 1968, vinculada ao Ministério da Educação, órgão de execução das políticas públicas de investimento em livros para distribuição gratuita para rede pública de ensino.
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Acordo de 1990 desde o nascedouro, quando participante e representante do
Brasil na construção daquele movimento levou a impressão de que o texto que
ali surgia era fruto de um debate aprofundado no País. Tanto assim que o
Acordo foi publicado expressando a seguinte consideração:
Considerando que o texto do acordo que ora se aprova resulta de
um aprofundado debate nos Países signatários,...
Artigo 1o
É aprovado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que consta
como anexo I ao presente instrumento de aprovação, sob a
designação de Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) e vai
acompanhado da respectiva nota explicativa, que consta como anexo
II ao mesmo instrumento de aprovação, sob a designação de Nota
Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Pois bem, ali surgia o Acordo com todas as suas regras,
fruto de produção exclusiva da Academia Brasileira de Letras, no que concerne à
participação brasileira, o que fez em face da omissão dos Ministérios da
Educação, da Cultura e das Relações Exteriores, mantendo a atitude de quem
tem atribuição exclusiva para adotar as providências ali apontadas como
“necessárias para elaboração de vocabulário ortográfico comum da língua
portuguesa”.
Eis a razão pela qual a ABL recusou a representar‐se na
audiência pública no Congresso Nacional, comportamento evasivo igualmente
adotado pelo Ministério da Educação. As “entidades afins nacionais” jamais
foram solicitadas ou admitidas ao círculo restrito da tarefa técnica que, até por
isso, não chegou a ser cumprida: a “elaboração de vocabulário ortográfico
comum da língua portuguesa”.
Se as “entidades afins” nacionais não foram solicitadas a
contribuir, pior se deu com relação às possíveis entidades contribuintes dos
países signatários do Acordo.
No plano interno basta que se indague aos dirigentes da
Associação Brasileira de Imprensa, da Ordem dos Advogados do Brasil, das
associações de Magistrados e de Membros do Ministério Público, se
efetivamente foram convidados a participar da reforma ortográfica?
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E se estas não forem consideradas “entidades afins”, quais
seriam? Quem dera fossem chamados, por suas entidades, poetas,
compositores, dramaturgos, filólogos, professores de português. Não! Não se
tem notícia de qualquer convocação neste sentido. Pelo contrário,
didaticamente, comportando‐se como dona do idioma, a ABL mantém em seu
endereço eletrônico um acesso para esclarecimento de dúvidas a respeito da
nova ortografia, atitude de quem dispõe desse patrimônio comum,
desconhecendo qualquer autoridade que não seja ela mesma para o assunto.
E como entidade que atuava sob delegação estatal,
consciente das normas de Regência, é de ser responsabilizada a ABL pelo
comportamento exclusivista no tratamento da matéria, indiferente às normas
estabelecidas.
4. Como segunda ilegalidade a ser imputada à ABL
sobreleva em importância o não cumprimento do dever de registro o mais
completo possível não só dos vocábulos de uso comum como também da
terminologia científica e técnica. Cometida a tal tarefa desde 1990, a ABL não
só não o fez, como, muito provavelmente iludiu as autoridades que nela
confiaram dando a impressão de que já existia tal produto ou de que este não
era pressuposto para a implementação do Acordo.
5. E como terceira ilegalidade a ser imputada à ABL,
assim surgiu o VOLP, sem a expressão “comum”, Vocabulário Ortográfico da
Língua portuguesa, que ganhou a chancela de obra oficial, cujo conteúdo
tornou‐se referencial cogente por tudo que vier a ser produzido na linguagem
escrita do Brasil. Ainda que se admita que as autoridades não chegaram a ser
iludidas pela ABL, contudo, nada justifica o descumprimento ao mais claro
objetivo do Acordo, qual seja, a não elaboração do Vocabulário Ortográfico
Comum da Língua Portuguesa.
Registre‐se, retomando a análise sobre o tema acima
realizada, que para o Eminente Acadêmico Professor Evanildo Bechara o VOLP
não desrespeita o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, AOLP, na medida
em que a determinação de elaboração de um vocabulário ortográfico comum
estaria restrita às terminologias científicas e técnicas. Por este raciocínio, a ABL
estaria livre para fazer o seu VOLP independente do vocabulário comum.
O que, aduzindo por acréscimo ao que já foi dito, seria
verdade se fossem observados, ao menos, três pressupostos: a de que tal
repertório técnico‐científico efetivamente fosse elaborado; que o VOLP incluísse
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tal repertório em seu acervo; e que não se falasse em regras ortográficas
comuns e cogentes para todos os que escrevem em língua portuguesa, como se
tais regras fossem decorrentes do Acordo, aquele que foi assinado sob a
pretensão de expressar o resultado de aprofundados debates nos países
signatários.
Nenhum dos pressupostos, todavia, foi observado. Não se
fez o tal Vocabulário Comum das Expressões Técnicas e Científicas, que,
inexistente, por óbvio não veio a estar incluído no VOLP e não se teve o pudor
de esclarecer que o VOLP jamais poderia ser considerado expressão de um
vocabulário ortográfico comum da língua escrita na comunidade dos países de
língua portuguesa.
Pelo contrário, a boa‐fé da cidadania brasileira vem
sofrendo a adoção de regras imprecisas do VOLP acreditando que está a pagar o
preço pela comunhão da Língua Comum, segundo o sonho de valorização do
patrimônio que conforma essa particular comunidade Internacional formada
por Portugal e suas ex‐colônias.
E para arrematar a cabal demonstração de ilegalidade, no
que concerne a este ponto, veja‐se o absurdo dos absurdos: ainda que se
admita como verdade que toda a imensa publicidade que se fez em torno da
importância do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, o Acordo, em
verdade, não passava de um mero registro de expressões técnico‐científicas,
como explicar, que ainda assim a ABL conseguiu descumprir o Acordo?
Ora pois, pois! Assim foi. A ABL desrespeitou o Acordo
grafando expressões científicas contrárias as regras trazidas em seu
texto. E, somente para registrar o que se inicia pela letra “A”, veja‐se: o VOLP
prescreve as grafias anidro, anidrido ou anídrido, da química; anidrita, da
mineralogia; anidrose, da medicina e botânica; anidrobiose, da biologia;
anepático, anepatia, da medicina... todas em desobediência ao Acordo, que
orienta para essas palavras o uso do hífen em an‐hidro, an‐hidrido, an‐
hidrose etc.
Ou seja, se os Estados signatários, em desrespeito ao
artigo 2º, não elaboraram o VOCLP, condição básica para a implantação do
Acordo, quem teria dado autorização para alterar terminologias científicas e
técnicas e assim incluí‐las no VOLP? Ninguém. Mas, como visto acima, a equipe
liderada pelo Professor Bechara assim o fez.
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5. Aí já se adentra no campo da quarta ilegalidade a ser
imputada à ABL: o desrespeito às regras do próprio ortográfico que se sentia
incumbida de impor ao Brasil. Assim, descumprindo o Acordo, a ABL legislou
de modo unilateral, grafando palavras desviando‐se das regras preestabelecidas
sem a ninguém consultar e sem, ao fim, levar as suas alterações à discussão e
aprovação do Congresso Nacional, destarte descumprindo o texto diversas
vezes repetido nos decretos que trataram da matéria, dentre os quais se inclui o
vigente Decreto 6.584 de 2008, verbis:
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Protocolo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
E para que não se busque justificar tais alterações
unilaterais, ilegais, como sendo criação brasileira para melhorar alguns
problemas técnicos do acordo, impõe‐se considerar, ainda que com algum
prejuízo para a continuidade do texto que aqui se desenvolve, o exame da
lesividade ao patrimônio cultural linguístico brasileiro que resulta do Acordo
Ortográfico de 1990.
Aqui a “lesividade”, requisito tido como indispensável à
Ação Popular, verifica‐se em face de bem não material, ainda que dela possa
resultar prejuízo desta natureza, consoante entendimento de Hely Lopes
Meirelles:
“Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão
administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração,
assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais,
ambientais ou históricos da comunidade.”...”Na verdade, tanto é lesiva
ao patrimônio público a alienação de um imóvel por preço vil, realizada
por favoritismo, quanto a destruição de um recanto ou de objetos sem
valor econômico, mas de alto valor histórico, cultural, ecológico ou
artístico para a coletividade local.”...“Desse entender não dissente
Bielsa, ao sustentar, em substancioso estudo, que a Ação Popular
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protege interesses não só de ordem patrimonial como, também, de
ordem moral e cívica”.10
Sem dúvida, o conceito jurídico de lesividade há que ser
considerado em face da relevância da Causa aqui trazida a Juízo, que não é de
pequena dimensão.
Da importância de uma reforma ortográfica e o
subsequente estabelecimento de um dicionário ortográfico da língua
portuguesa o que diriam Rui Barbosa e Machado de Assis, este que foi o
primeiro presidente Academia? Sem a língua escrita o que destas
personalidades, cultoras do idioma, restaria? Basta lembrar a severidade do
ataque do Acadêmico Rui contra o texto do Código Civil de Bevilácqua de 1916,
acerba crítica fundada de modo primordial nas falhas no manejo da língua
escrita, para que se tenha ideia do rigorismo com que o grande intelectual
baiano, o Águia de Haia, trataria a inadequação da Reforma de 1990 ao fim
colimado.
Com certeza não escaparia da arguta percepção de Rui
que o principal documento que formaliza a existência do Acordo Ortográfico
exibe um manifesto descuidado com regras gramaticais consolidadas, como é o
(des)caso do tratamento dado aos numerais, com prejuízo ao que se ensina em
todas as escolas brasileiras quanto ao registro das datas. Veja‐se, abaixo
destacado, que no artigo 2º se lê “1 de janeiro” e no 3º, “1º de janeiro”.
Artigo 2º Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos
competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua
portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.
Artigo 3º
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa.
Este é apenas um dos muitos descuidos gramaticais do
referido Acordo, sintomático de tantos outros em outras áreas, como a jurídica
10 MEIRELES, Hely et alii, “Mandado de Segurança e Ações Constitucionais”, São Paulo: Malheiros, Pg. 173. Apud Rafael Bielsa, “A ação popular e o poder discricionário da Administração”, RDA 38/40.
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e a pedagógica. A título de exemplo e de descontração leia‐se, no Anexo III,
texto da lavra de Everardo Leitão, em que o respeitado Professor das disciplinas
Redação e Análise de Texto, destaca:
1. Desprezando o significado da expressão latina
abreviada et cetere, etc, que significa “e as demais
coisas”, razão pela qual não pode ser antecedida por
vírgula, o Acordo grafa uma vírgula precedente. De
modo que em lugar de “banana, laranja, maçã etc.”
agora escreve‐se “banana, laranja, maçã, etc.”, ou seja
um subentendido conectivo “e” depois de uma vírgula,
contrariando a lógica gramatical.
2. O que usar em uma enumeração depois de dois
pontos? No texto do acordo fez‐se uma miscelânea, no
mínimo desorientadora. Veja‐se:
EXEMPLO 1 Anexo I, Base XVIII, 2º: a) Por uma só forma vocabular, se constituem, de modo fixo, uniões perfeitas: i. do, da, dos, das; (…); ii. no, na, nos, nas; (…).
EXEMPLO 2 Anexo I, Base XIX: 1º) A letra minúscula inicial é usada: a) Ordinariamente, em todos os vocábulos da língua nos usos correntes. b) Nos nomes dos dias, meses, estações do ano: segunda-feira; outubro; primavera.
EXEMPLO 3 Anexo I, Base II: 2º) O h inicial suprime-se: a) Quando, apesar da etimologia, a sua supressão (…); b) Quando, por via de composição, passa a interior (…).
Comenta o Professor Everardo:
No exemplo 1, inicial minúscula depois dos dois-pontos que antecedem a enumeração (do, no) e ponto e vírgula para separar os itens. No exemplo 2, inicial maiúscula (Ordinariamente, Nos) e ponto para separar os itens. No exemplo 3, inicial maiúscula (Quando, Quando) e ponto e vírgula para separar os itens. Em outras palavras, uma salada. Não é que exista aí um padrão que possamos adotar como regra. Antes fosse. O que existe aí é uma confusão imperdoável, que desorienta o usuário. Assim é que a resposta para a pergunta sobre qual o padrão para uso de letra inicial e pontuação depois dos dois-pontos nas enumerações só pode ser uma: tanto faz. Tanto faz? É. Afinal, o
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acordo – aprovado por todos os países lusófonos e documento emitido justamente para tratar de assuntos da língua portuguesa – tem autoridade mais que suficiente para ditar regra naquilo que orienta explicitamente e naquilo que orienta implicitamente pelo uso. Portanto, quem quiser obedecer ao ditame inequívoco da autoridade só tem uma saída: fazer o que lhe der na telha.
Anomia como expressão de liberdade? Seria superestimar
o que aí se vê. Atecnia, ou simplesmente desleixo? Mas, desleixo em uma
regulação dessa magnitude!
Como desconsiderar que sob a forma da expressão escrita
de hoje reescreve‐se o passado, registra‐se o presente e condiciona‐se o
escrever do futuro imediato?
Considerando a curva exponencial de criação de novos
conhecimentos, acelerada em íngreme aclive a partir do início do século XX,
época em que surgiam o rádio, o telefone, os automóveis, prenunciando‐se a
televisão e o que demais se seguiria em vertiginosa velocidade, em especial a
computação e a internet, fica evidenciada a necessidade de formação de novos
vocábulos para expressar as novas realidades, muitas sequer imaginadas em
menos de um século passado.
Por óbvio, os novos vocábulos obedecem a leis de
formação que lhes são precedentes. Leis que trazem em si, como atributo
necessário, uma lógica normativa própria da cultura que pretende regular. A
lógica da construção de padrões ortográficos, como se pode antecipar pelo
raciocínio, serve de elemento de coesão da unidade linguística, valor cada vez
mais necessário em face da pletora de invasões de neologismos de todos os
campos do conhecimento, em sua maioria alienígena.
Razão pela qual hão de se desdobrar, os pesquisadores
linguísticos, os filólogos, professores, estudiosos e todos os produtores culturais
na reconstrução cotidiana da linguagem dentro de critérios assimiláveis, porque
lógicos. O que significa dizer que, nessa novíssima ambiência da pós‐
modernidade, decorar exceções sem sentido lógico é velho absurdo, cada vez
mais inaceitável.
Mas, veja‐se o que tais considerações têm a ver com a
reforma Ortográfica de 1990, aqui contestada:
1. Anacronismo. Não se podem, em pleno século XXI, admitir
regras que não se coadunam com o raciocínio e a compreensão. Esse
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Acordo foi pensado em 1975, quando a computação não era disseminada
de forma pessoal e quase ninguém sabia o que era e muito menos o que
viria a ser a internet. Eram tempos de mimeógrafo, maquinas de escrever
e papéis carbono, que exigiam delicado cuidado no apagar e retificar
qualquer palavra datilografada errada. De tal tempo vem a concepção do
Acordo que veio a ser assinado em 1990, de modo que se pode entender
até então compatível com a velha prática educacional do ensino por via
da memorização. A Pedagogia moderna, que se firmou a partir das
últimas décadas do último milênio, tem por preceito o entendimento e o
uso da lógica e da racionalidade. O Acordo, por ser de outra época,
apresenta regras que se contradizem, que se baseiam em pressupostos
antagônicos, com várias listas de exceções, intermináveis, pois seguidas
de reticências. Aos jovens do século XXI não faz sentido perder tempo.
Ou o que se lhes ensina é lógico, prático, ou não lhes desperta interesse.
Essa já é uma grande conquista atribuída à pedagogia atual. Não se quer
saber de decorar. Quer‐se entender. É necessário simplificar e trazer
essas regras ao espírito do nosso tempo, até para baratear a Educação e
torná‐la mais eficiente, beneficiando todos os países envolvidos.
2. Fuga do objetivo: Como o próprio nome diz, o Acordo é ortográfico e não
ortofônico, ou seja, deve‐se ater à grafia, à maneira de se escrever, sem
que se afete a pronúncia... como anteriormente mudara‐se ley para lei,
fallar para falar, pharmacia para farmácia. Mas, esse Acordo
estranhamente eliminou o trema, que, em sua essência, é um marcador
de pronúncia. Será que os responsáveis por esse Acordo não sabiam
disso? Não importa a resposta, o trema é indiscutivelmente ortofônico e
só deveria ser extinto se tivesse sido criado um outro mecanismo
identificador da pronúncia... Em estilingue, equidistante e trilíngue, o gue
tem realizações fônicas que o leitor, com o trema, sabia distinguir e, sem
ele, terá de perder tempo no dicionário. Quem estiver a acompanhar
uma criança (ou qualquer pessoa) em processo de alfabetização verá a
dificuldade da distinção com a supressão do trema em face da palavra
“equino”. Sem o trema, que tão adequadamente diferenciava, ficará a
dúvida se o som será ekino ou ekuíno; portanto inútil, indevida e
prejudicial alteração ortofônica sem autorização legal.
3. Contradição de Princípios: Nas palavras compostas em que o segundo
elemento começa com h, qual o princípio? Manter‐se o h, ou eliminá‐lo?
Uma regra lógica só se fixa com princípios definidos, coerentes e não
contraditórios. Quando o Acordo diz que se deve usar hífen antes de h
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(extra‐humano), está dizendo que o h é importante e deve ser mantido.
Quando diz que em des+humano se deve grafar desumano, está
pregando contraditoriamente a desimportância e eliminação da referida
letra. Para permanência do h, deveria escrever‐se extra‐humano, des‐
humano (opção coerente); para sua eliminação, escrever‐se‐ia
desumano, extraumano (opção também coerente). Seria também
coerente e até mais prático eliminar‐se definitivamente o uso do hífen,
como se fez na língua alemã. Mas, o Acordo que tinha a sua razão de
existir na simplificação da ortografia, manteve regras que mal se mantêm
como tais, diante de tantas exceções sem sentido lógico.
4. Imprecisão de conceitos: O Acordo chama de aglutinadas as palavras
“girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista,
etc.”, mostrando desconhecer que “glut” significa comer, engolir... e, por
isso, aglutinação pressupõe algum som engolido ou alterado (filho de
algo = fidalgo; perna alta = pernalta; alto sonante = altissonante...). A
sequência dos exemplos dados no texto do Acordo mostra compostos em
que se unem palavras sem que haja alteração ou perda de qualquer
fonema (girassol... pontapé... paraquedas...) e que, por isso, não são
aglutinadas, mas justapostas, segundo todos os nossos gramáticos. Tal
imprecisão trouxe a muitos professores a ideia de que foram alterados os
conceitos de justaposição e aglutinação, o que foge absolutamente ao
escopo do Acordo. A pergunta é como pode a redação de um Acordo de
natureza linguística apresentar conceitos equivocados?
5. Ilogicidade e excepcionalidade inúteis: a) Todos, absolutamente todos os
topônimos compostos não iniciados por grão e grã, por verbo e que não
contenham artigo grafam‐se sem hífen (Mato Grosso, São Paulo, Espírito
Santo, Rio Grande, Cabo Verde, Castelo Branco), porém Guiné‐Bissau e
Timor‐Leste fogem à regra. Por quê? Não seria mais fácil e econômico
seguirem a regra, para ninguém precisar decorar exceções? b) Todas,
simplesmente todas as locuções perderam o hífen, com exceção de água‐
de‐colônia, arco‐da‐velha, cor‐de‐rosa, mais‐que‐perfeito, pé‐de‐meia, ao
deus‐dará, à queima‐roupa... (note‐se que a relação termina em
reticências). Por quê? Não seria mais fácil e econômico seguirem a regra,
para ninguém precisar decorar exceções? E, veja‐se, as reticências
parecem sugerir que há alguma lógica de formação subentendida. Só que
esta lógica não existe, pelo contrário: por que água‐de‐colônia tem hífen
e água de cheiro, não? Por que pé‐de‐meia é hifenado e pé de chinelo,
não? Porque cor‐de‐rosa usa hífen, mas cor de jasmim, não? Por que
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futuro do presente e futuro do pretérito, nomes de tempos verbais são
escritos sem hífen se mais‐que‐perfeito, também nome de tempo
verbal, é hifenado? Como justificar que guarda‐chuva tem hífen e
mandachuva não, se ambos são compostos de verbo+substantivo e a
extinção do hífen sequer alteraria a pronúncia, fazendo‐o
desnecessário? Giravolta não tem hífen, mas gira‐mundo tem. E no que
concerne à relação entre primitivos e derivados: por que há duas grafias
corretas para pré‐embrião e preembrião e somente uma para o derivado
pré‐embrionário? Os derivados deveriam seguir a lógica do primitivo.
Mas, se algum estudioso quiser descobrir aí alguma regra, logo verá um
exemplo inverso, em que do primitivo pré‐esclerose resultam possíveis
duas grafias para seu derivado que se pode escrever como
preesclerótico e pré‐esclerótico. Não há qualquer lógica, só decorando.
Qual a razão para tais absurdos? Obrigar todos à aquisição do novo
dicionário que veicula o Vocabulário Ortográfico, “fruto” do Acordo de
1990? Exemplos outros de ilogicidade, muitos e sem pretensão de
exaurir a imensa lista, estão descritos no folheto anexado à presente
Ação sob o título “Convite à Reflexão” (ver Anexo III).
6. Improvisação: A ortografia da Língua Portuguesa sempre foi tratada de
maneira superficial e cada proposta de alteração (foram nove só no
século passado – 1911, 1931, 1943, 1945, 1971, 1973, 1975, 1986, 1990)
não passou de um exercício tímido de atualização. Nunca se fez, e já é
tempo e necessário que se faça um verdadeiro inventário dos radicais da
língua portuguesa, um trabalho profundo e tão exauriente quanto
possível da base etimológica da língua. Para quem opuser a reconhecida
dificuldade de assim se proceder, convém lembrar a extrema minudência
com que os modernos cientistas inventariam cadeias genéticas de
elevada complexidade, para cujo mister contam com aparatos adequados
da ciência da computação. Por que não se fazer tal esforço com vistas à
estruturação racional da ortografia? Pessoas e recursos não faltarão. As
Faculdades de Letras, e são muitas em todo o país, sem dúvida teriam
com que colaborar. Enquanto algo sério não se produzir, a cada Acordo
verificar‐se‐á um infindável cerzir ou remendar puídos de um tecido
frágil. Remenda‐se aqui, rompe‐se acolá; cerze‐se acolá, desfia ali;
costura‐se ali, esgarça noutro lugar. Em tempos passados, calava‐se ante
tais superficialidades. Hoje, com o compartilhamento do saber,
proporcionado pela rede mundial, não é mais possível usurpar o tempo
do cidadão com improvisações. Há de se ter coragem de tecer, substituir
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o pano. A Língua é viva, forte, viçosa, bela, no entanto envolta em trapos
de múmia. O problema não está na Língua, está na ortografia, que
precisa ser reestruturada, reconstruída com a visão deste século, para os
parâmetros atuais, mais racionais, claros, objetivos e práticos.
7. Onerosidade: É caríssimo o ensino de ortografia em Português. Do
Fundamental ao final do Nível Médio, segundo pesquisa com professores
da rede pública do Distrito Federal, o aluno terá assistido a 400 horas‐
aula para aprender efetivamente quase nada e passará pela
universidade, e abraçará uma profissão e, durante toda a vida, mesmo
que viva mais de um século, continuará inseguro, a recorrer ao dicionário
para saber como se escreve esta ou aquela palavra. Quantos milhares de
horas um cidadão que viva 80 anos despende em consultas ortográficas?
Multiplique‐se esse total por duzentos e cinquenta milhões de cidadãos...
Um desperdício desmesurado de tempo e dinheiro para o Brasil e para os
demais países signatários do Acordo. Que tempo desmesurado se perde
nas redações e revisões da indústria editorial e gráfica!
São razões que levam a concluir que lançar uma Reforma
Ortográfica já na segunda década deste terceiro milênio, reproduzindo velhas
regras ilógicas com inumeráveis exceções, é algo que há de receber reprovação
por absoluto desprezo ao Princípio da Eficiência, que não se pode desconsiderar
em razão das repercussões econômicas adversas que de tal quadro advêm,
mormente quando se considera o tempo desnecessário de aprendizagem
decorada.
Mas, não bastassem os prejuízos provindos de uma
Reforma em que voluntarismo político e oportunismo sobrepõem‐se ao bem
público que deveria se alcançar, a ABL ainda ousou mais. Ousou alterar, sponte
sua, diversas outras regras do próprio Acordo sem consulta aos demais países
signatários e sem submeter ao Congresso Nacional as suas criações.
Simplesmente inovou e fez assim publicar em seu dicionário, o VOLP, 5ª edição.
O quadro exibido a seguir, em duas colunas, traz o suficiente para comprovar o
desrespeito ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, AOLP.
Desrespeitos do VOLP (5ª edição) ao AOLP (17.7.2011)
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AOLP – Acordo Ortográfico da L.P Assunto: Uso do hífen. Bases XV e XVI
VOLP – Vocabulário Ortográfico da L.P. (pág. LI, LII e LIII) Nota Explicativa da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL.
Base XV – 1º - Obs.: “Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.” Base XV – 4º - Obs.: “Em muitos compostos, o advérbio bem aparece aglutinado com o segundo elemento, quer este tenha ou não vida à parte: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença, etc. - Essa “Obs.” mostra exceções ao uso do hífen estipulado no parágrafo anterior. A expressão “etc.”, ao fim da lista, aponta para a existência de outras excepcionalidades não ali relacionadas. Base XV – 6º:” Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colônial, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa).” - A expressão “como é o caso de” indica que a lista admite outras palavras não mencionadas ali. Base XVI – 1º - Obs:” Não se usa, no entanto, o hífen em formações que contêm em geral os prefixos des- e in- e nas quais o segundo elemento perdeu o h inicial: desumano, desumidificar, inábil, inumano, etc. - Essa “Obs.” mostra exceções ao estipulado no parágrafo anterior. A expressão “etc.”, ao fim da lista, aponta para a existência de outras excepcionalidades não aí relacionadas.
VOLP, 5ª edição, pág. LII: no item 5, orienta a “Limitar as exceções de emprego de hífen às palavras explicitamente relacionadas no Acordo, admitindo apenas as formas derivadas e aquelas consagradas pela tradição ortográfica dos vocabulários oficiais, como passatempo, varapau.” 1- Esse texto altera as várias passagens do Acordo, citadas ao lado. 2- Provoca ambiguidade, porque “formas derivadas” pode referir-se a qualquer outra palavra derivada, mesmo não relacionada nas listas de exceções, ou pode restringir-se apenas às derivadas das relacionadas nessas listas”. 3- Desconsidera o fato de os vocabulários oficiais estarem sempre atrasados em relação às novas palavras que se criam diuturnamente na língua, e de o Acordo dever oferecer parâmetros para a população escrever esses neologismos, antes mesmo de registrados nos vocabulários.
- Este item 5, da página LII do VOLP altera vários pontos do Acordo original.
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- A própria redação é um exemplo lastimável de ineficiência, por imprecisão. Base XV – 2º - Obs.: Os outros topônimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen: América do Sul, Belo Horizonte, Cabo Verde, Castelo Branco, Freixo de Espada à Cinta, etc. O topônimo Guiné-Bissau é, contudo uma exceção consagrada pelo uso. - Na parte por nós sublinhada, constata-se, na lista de exceções, apenas um topônimo.
VOLP, 5ª edição, pág. XLIX: no Art. 1º, aparece “República Democrática de Timor-Leste...” (com hífen). VOLP, 5ª edição, pág. L: no 1º e no 5º parágrafo do preâmbulo e no Art. 5º, (aparece três vezes Timor-Leste (com hífen).
Como se vê, o Acordo admite apenas uma exceção com hífen (Guiné-Bissau), mas o VOLP apresenta duas (Guiné-Bissau e Timor-Leste). A quem o Ministério da Educação e o cidadão devem seguir, a lei (Decreto Presidencial 6.583, de 29 de setembro de 2008) que promulga o Acordo, ou o VOLP? Base XVI – 1º. “Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-...)”, só se emprega o hífen nos seguintes casos: a) Nas formações em que o segundo elemento começa por h: anti-higiénico /anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro...”
VOLP, 5ª edição, pág. LII: no item 9, determina “Excluir o prefixo co do caso 1º, letra a, da Base XVI ... Assim, por coerência, co-herdeiro passará a coerdeiro”. VOLP, 5ª edição, pág. LII: no item 14, manda “Excluir o emprego do hífen com o prefixo an-, quando o segundo elemento começar por h-, letra que cai à semelhança do que preceitua o texto do Acordo para os prefixos des- e in-: anistórico, anepático.”
- Por melhor que a alguns possa parecer a justificativa, o Acordo prescreve uso do hífen em co-herdeiro, an-histórico e an-hepático, no que é desrespeitado pelo VOLP, que orienta a eliminação do hífen (coerdeiro, anistórico, anepático). O Acordo tem uma Lei que o promulga, tem, portanto, força de Lei, o que o VOLP não tem. A quem o MEC e o cidadão devem seguir: o VOLP ou a Lei? Base XVI – 1º. “Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-...)”, só se emprega o hífen nos seguintes casos: a) Nas formações em que o segundo elemento começa por h: anti-higiénico /anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro...”
VOLP, 5ª edição, pág. LII: no item 11, dispõe que se deve “Registrar a duplicidade de formas quando não houver perda de fonema vocálico do primeiro elemento e o elemento seguinte começar por h-, exceto nos casos já consagrados, com eliminação desta letra: bi-hebdomadário e biebdomadário, carbo-hidrato e carboidrato, mas só cloridrato.”
- Consoante o Acordo, já está claro que existe uma só grafia para bi-hebdomadário e carbo-hidrato, pois seguem anti-higiénico /anti-higênico (a diferença da
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acentuação se deve à diferença de pronúncia entre Portugal e Brasil), circum-hospitalar, co-herdeiro. - Porém, aparece o VOLP e complica. Primeiro, porque traz ao texto um assunto mal resolvido, o de palavras ora iniciadas com h, ora sem h. Segundo, porque oficializa uma péssima solução para o ensino: a dupla grafia. Terceiro, porque faz referência a uma lista em aberto: “os casos já consagrados”. Deve cada cidadão, a partir de agora, para conhecer “os casos já consagrados”, adquirir todos os dicionários dos oito países signatários, porque não há um dicionário ortográfico comum a todos? Onde ficou o espírito de união do Acordo? Base XV – 3º. “Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor... bem-te-vi (nome de um pássaro).” - O Acordo fala apenas em espécies botânicas ou zoológicas
VOLP, 5ª edição, pág. LII: no item 7, determina “Incluir no caso 3º da Base XV, relativo às denominações botânicas e zoológicas, as formas designativas de espécies de plantas, flores, frutos, raízes e sementes, conforme prática da tradição ortográfica: azeite-de dendê, bálsamo-do-canadá, água-de-coco”. - O VOLP acrescenta “espécies de plantas, flores, frutos, raízes e sementes” e apresenta como exemplos “azeite-de-dendê, bálsamo-do-canadá, água-de-coco”, que sequer constituem flores, frutos raízes ou sementes.
Há outro texto do Volp sem os exemplos “azeite-de-dendê, bálsamo-do-canadá, água-de-coco”. Há ainda outro texto do VOLP em que aparecem os exemplos “azeite-de-dendê, bálsamo-do-canadá, água-de-coco” antecedidos da expressão “produtos afins”. O Acordo, a lei, diz, o VOLP desdiz. O MEC e o cidadão devem seguir o VOLP ou a Lei? Base XVI – 1º. b) – Obs.:”Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.
VOLP, 5ª edição, pág. LII: no item 10, impõe “Incluir, por coerência e em atenção à tradição ortográfica, os prefixos re-, pre- e pro- à excepcionalidade do prefixo co-, referida na letra b do caso 1 da Base XVI: reaver, reeleição, preencher, proótico.”
- O Acordo, que é a lei, manda escrever re-haver, re-eleição, pre-encher, pro-ótico (Base XVI, caso 1, letra b). Já o VOLP define como corretas as grafias reaver, reeleição, preencher, proótico. O VOLP não respeita a lei e desrespeita o Acordo. Contemplando o irrefutável quadro de desvios acima
apresentado, pode‐se até pretender justificar as mudanças com base na grafia
costumeira, ou em alguma pontual justificativa técnica. Mas, resta indiscutível
que se está alterando o acordado e, neste passo, onde ficará a pretendida
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unidade ortográfica? O Acordo é internacional. O compromisso firmado pelo
Estado Brasileiro é de unidade ortográfica. Proceder às alterações sem
submetê‐las ao Congresso Nacional e aos parceiros é prática que se traduz em
claro desvio de poder, por parte dos que ficaram responsáveis pelo encargo. E
desvio de finalidade, quanto à substância do Acordo.
Vislumbram‐se, adicionalmente, violações concernentes
ao campo do Direito Internacional Público, especialmente no que concerne a
um Acordo que se diz comum a todos os países lusófonos, embora possa dar‐se
como firmado bastando três assinaturas. Tal enfrentamento, bem assim quanto
aos elementos visíveis de violações constitucionais, aqui não vem a ser
encetado. Sem prejuízo das respectivas identificações, são matérias que melhor
conviriam em uma Ação Civil Pública ou em uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade.
Assim ponderando, aqui se deixa de atacar o Acordo
Ortográfico de 1990, em si, considerando tratar‐se de importante iniciativa,
carecedora de todo o cuidado e de denodado esforço de aperfeiçoamento até
que culmine por merecer implementação por todos os Países Signatários.
Fosse o Acordo cumprido conforme assinado em 1990, na
data prevista de 1993, todo o processo histórico que daí decorreria tornaria
possível a criação de mecanismos de aperfeiçoamento do próprio Acordo. Mas,
o fruto passou do tempo. Agora, duas décadas depois, vê‐se com nitidez o
conjunto de inadequações decorrentes do descompasso histórico com que
Decreto 6586/2008, em um arroubo de voluntarismo, buscou elaborar em
apenas três meses o Vocabulário Comum antes não realizado, sobrevindo a
estapafúrdia imposição do Acordo tal qual concebido no passado já distante da
década de setenta, tendo como pressuposto o que não se conseguiria fazer
entre setembro de 2008 e janeiro de 2009.
E, neste ponto, não há justificativa ou evasiva que disfarce
a realidade: ou se tentou implementar o Acordo de 1990, como um fruto mais
do que passado pelo tempo, desprezando o descumprimento da obrigação
pressuposta, a construção do até hoje inexistente vocabulário comum, ou se
imaginou que seria possível plantar e colher algo assim em cerca de três meses,
sega temerária que se percebe claramente imatura.
Melhorar o Acordo, levar à consecução do bem público
almejado, contribuir para a simplificação e unificação possível da escrita da
Língua Comum de mais de duzentos e cinquenta milhões de seres, eis o espírito
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do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, para o qual não se há de
admitir desvio de rumo.
Neste sentido, prestar contribuição, no limite das
possibilidades de uma Ação Popular que trata de um tema de elevada
magnitude, como esta, configura um verdadeiro problema. Daí a
responsabilidade do que se vai pedir, certo de que se o que se espera é uma
sentença razoável o pedido há de ser razoável.
Como generalidade, os pedidos, com os quais se delimita a
porção desta lide trazida em juízo, hão de voltar‐se, de imediato, para a
cessação de um estado de progressiva lesividade e, em segundo momento,
conduzir a possíveis reparações do dano já causado à ortografia da Língua
Portuguesa.
Aqui ressalta o caráter predominantemente
desconstitutivo da decisão que se pretende obter, com vistas a minorar a
disseminação do fruto mal amadurecido do Acordo Ortográfico de 1990, que se
projeta contaminando até as sementes do que virá.
No mais, desde logo se renuncia à expectativa de um
impossível retorno ao status quo ante, por submissão à lógica do que já se tem
como realidade irreversível: a lesividade irreparável de uma gigantesca
distribuição de dicionários e livros didáticos nos quais são empregados
vocábulos escritos em contrariedade às regras do Acordo. A perda será mesmo
dos cofres públicos, do tesouro nacional, vez que nisto se traduz a condenação
da União Federal.
Mas a lesividade não se limita aos seiscentos e noventa
milhões gastos com a distribuição de livros didáticos em 2010, nem com uma
derivada proporcional deste cálculo para 2011. Um número incalculável de
horas‐aula está sendo ministrada, dia após dia, para a imposição de regras
ortográficas ilegais, como são todas aquelas acima apontadas para as quais não
houve pronunciamento do Congresso Nacional.
Cessar esta lesividade cotidiana é preciso. Modular os efeitos de uma
decisão anulatória do Decreto, igualmente, mostra‐se imprescindível. Assim,
salvo melhor Juízo, impende requerer ao Excelentíssimo Juiz Federal da
presente causa a declaração de nulidade do artigo segundo do DECRETO Nº 6.586,
DE 29 DE SETEMBRO DE 2008, que “Dispõe sobre a implementação do Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa”, verbis:
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Art. 2º Os livros escolares distribuídos pelo Ministério da Educação à rede pública de ensino de todo o País serão autorizados a circular, em 2009, tanto na atual quanto na nova ortografia, e deverão ser editados, a partir de 2010, somente na nova ortografia, excetuadas a circulação das reposições e complementações de programas em curso, conforme especificação definida e disciplinada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ‐ FNDE.
Consabida a consagração da técnica de modulação de
efeitos decisórios pelo Supremo Tribunal Federal11, aqui se vislumbra a
possibilidade de emprego de tal recurso para assegurar minimização de efetivo
prejuízo social ante um processo que há de ser remendado sem solução de
continuidade, assim como um avião se repara em pleno voo.
11 A segurança jurídica tem sido o valor invocado pelo STF para assegurar medidas de preservação, ou de minimização de prejuízo, para aquelas situações jurídicas constituídas e consolidadas em tempos anteriores à declaração de inconstitucionalidade da norma de regência que as possibilitaram. Este modelo de dotação de efeitos modulados, por alguns chamado de ‘consequencialismo’, coerente com a prudente valoração de bens constitucionais sujeitos à ponderação quando faceados em confronto, vê-se hoje estendido ao Controle Difuso de Inconstitucionalidade, segundo o que se colhe do julgamento dos RREE 556664, 559882, 559943 e 560626, nos quais a Corte
decidiu pela inconstitucionalidade da lei ordinária que fixou prazos de decadência e prescrição
em matéria tributária, vindo, em um seguir a restringir os efeitos da decisão, modulando-os. Do
“blog” http://supremoemdebate.blogspot.com/2008/06/conseqencialismo‐e‐modulao‐de‐
efeitos.html, retira‐se o seguinte excerto do voto do Min. Gilmar Mendes:
“É verdade que, tendo em vista a autonomia dos processos de controle incidental ou concreto e
de controle abstrato, entre nós, mostra-se possível um distanciamento temporal entre as
decisões proferidas nos dois sistemas (decisões anteriores, no sistema incidental, com eficácia
ex tunc e decisão posterior, no sistema abstrato, com eficácia ex nunc). Esse fato poderá
ensejar uma grande insegurança jurídica. Daí parecer razoável que o próprio STF declare,
nesses casos, a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc na ação direta, ressalvando,
porém, os casos concretos já julgados ou, em determinadas situações, até mesmo os casos
sub judice, até a data de ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade. Essa ressalva
assenta-se em razões de índole constitucional, especialmente no princípio da segurança
jurídica. Ressalte-se que, além da ponderação central entre o princípio da nulidade e outro
princípio constitucional, com a finalidade de definir a dimensão básica da limitação, deverá a
Corte fazer outras ponderações, tendo em vista a repercussão da decisão tomada no recurso
extraordinário sobre as decisões de outros órgãos judiciais nos diversos processos de controle
concreto. Dessa forma, tem-se, a nosso ver, adequada solução para o difícil problema da
convivência entre os dois modelos de controle de constitucionalidade existentes no direito
brasileiro, também no que diz respeito à técnica de decisão”.
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No curso desta pretensão, a dilação do prazo previsto no
parágrafo único do artigo segundo do Decreto Nº 6.583, DE 29 DE SETEMBRO DE
2008, por conseguinte, apresenta‐se como medida adequada e proporcional,
necessária ao primeiro propósito, o da cessação da progressiva lesividade:
Art. 2º O referido Acordo produzirá efeitos somente a partir de 1º de janeiro de 2009. Parágrafo único. A implementação do Acordo obedecerá ao período de transição de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida.
Ou seja, o Pedido consiste em prorrogar o período de
transição até que sejam restabelecidos os pressupostos legais para a
implementação do referido Acordo. Pedido que, uma vez atendido, além de
mostrar‐se coerente com a causa de pedir imediata – consistente no propósito
de restabelecer a Ordem Violada – cria as condições de possibilidade de
melhorar o Acordo, superar as suas deficiências com a participação de todos os
interessados, até aqui ilegalmente alijados do processo.
Também em benefício da implementação legal do próprio
Acordo volta‐se o pedido de condenação da União, este consistente no
pagamento de valor equivalente ao gasto de um único ano na distribuição
gratuita de material didático, tendo‐se por referência o valor declarado no ano
de 2010 – R$ 690 milhões ‐ quantia a ser depositada em conta específica do
FNDE, com vista a assegurar a mesma distribuição gratuita do futuro material
conformado ao Acordo Legal.
Por outro lado, o pedido de condenação da Academia
Brasileira de Letras, restringir‐se‐á nos valores brutos auferidos com a
comercialização da 5ª edição do seu VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua
portuguesa, valor a ser objeto de específica liquidação para compor um fundo
específico destinado a devolução aos adquirentes da referida obra composta em
desacordo com o Acordo Ortográfico de 1990. Fundamentam o pedido de
condenação as seguintes violações legais:
1. descumprimento do Acordo consistente em omitir‐se
na elaboração do Vocabulário Comum;
2. pela violação unilateral das regras estabelecidas no
próprio Acordo que ajudou a formatar;
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3. pela não submissão de tais alterações ao Congresso
Nacional;
4. pela violação ao dever de lealdade para com as
Autoridades signatárias dos decretos 6583, 6584, 6585
e 6586 de 2008, quando (presume‐se) deixou de
esclarecer que nunca se chegara a um Vocabulário
Comum, pressuposto para que tais decretos
impusessem a implementação do Acordo, ou quando,
em conduta alternativa, mostrou‐se conivente com a
temeridade do que ali se decretava – a ordem de
elaboração de um Vocabulário Comum a ponto de ser
concluído, impresso e distribuído em pouco mais de
três meses – conivência agravada por ter a ABL atuado
como mente e braço técnico brasileiro do referido
Acordo.
Com relação às responsabilidades do Presidente da
República, dos Ministros da Educação, da Cultura e das Relações Exteriores,
bem assim daquele que atuou em nome da Academia Brasileira de Letras, é de
se registrar que não há indícios de improbidade ou de aproveitamento de
caráter pessoal em qualquer dos atos aqui impugnados.
Contudo, não há escolha a ser feita por parte do Autor da
presente demanda senão atuar conforme o entendimento de que na Ação
Popular a “legitimação passiva será sempre múltipla. Vale dizer: formar‐se‐á
litisconsórcio necessário no pólo passivo da relação processual”, conforme
assinala José dos Santos Carvalho Filho, destacando:
“De acordo com a lei reguladora, “a ação será proposta contra
as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º,
contra as autoridades, funcionários ou administradores que
houverem autorizado, aprovado, retificado ou praticado o ato
impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à
lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo”. (art. 6º de Lai
4.717/65)”.
“É fácil notar que o legislador pretendeu introduzir no pólo
passivo do processo todos aqueles que, de alguma forma, tenham
interesse no desfecho da causa e na apuração da lesão aos bens
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tutelados, Poderíamos, por questão de método, agrupá‐las em três
categorias:
1) a pessoa jurídica de onde promanou o ato;
2) os servidores, de qualquer nível, que de algum modo tenham
contribuído para a lesão; e
3) os terceiros beneficiários diretos do ato lesivo.”
Registra Luís Roberto Barroso que na ação popular
preponderam os caracteres declaratório ou constitutivo negativo, vindo a ser
acessório o pedido condenatório das pessoas responsáveis pelo dano. Ainda
que assim se compreenda, sobrevêm os pedidos condenatórios, mesmo que
com caráter simbólico em relação às pessoas legitimadas passivamente por suas
qualificações como Autoridade. Diferenciando‐se, todavia, daqueles que se faz
em face da União Federal e da Academia Brasileira de Letras, vez que o
litisconsórcio que se forma, neste passo, é necessário, mas não é unitário.
IV. DA SUSPENSÃO LIMINAR DO ATO LESIVO IMPUGNADO.
A Lei 4.717/65, norma de regência da Ação Popular,
contempla a possibilidade de medida urgente apta a facear o periculum in
mora da prestação jurisdicional. Para este fim prevê no § 4º do seu art. 5º que
“na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo
impugnado”.
Tal perigo evidencia‐se diante do curso do prazo para
implementação do Acordo Ortográfico de 1990, com termo final estabelecido
para 31 de dezembro de 2012, data em que cessa o emprego da dupla
ortografia, tornando‐se obrigatória e exclusiva a ortografia que aqui se
demonstrou desenvolvida em descumprimento ao feixe normativo a que estava
obrigada.
Contudo, sem embargo da clara presença do fumus boni
juris ‐ pelo que deu a conhecer o Autor, através de documentos idôneos e da
clara exposição de frontal violação aos textos legais aqui reproduzidos ‐ a
complexidade da causa e a sua magnitude desaconselham que tal medida seja
solicitada sob a cláusula inaudita altera pars. A própria sociedade a quem serve
esta Causa não pode ser abalada por qualquer decisão que prescinda de uma
razoável, para não dizer sólida, cognição dos fatos e da conjuntura em que se
desenvolvem.
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Também o respeito que aqui se manifesta pela
independência e máximo senso de responsabilidade pública da Justiça Federal,
valores reconhecidos e mais que respeitados por todos os seus Julgadores,
conforme se extrai da exemplificação cotidiana do Tribunal Regional Federal da
1ª Região, tudo aconselha que sejam ouvidos os argumentos suficientes de
quem quiser se opor ao que aqui se pede, sem que se deixe de considerar,
entretanto, a necessidade de tempestiva decisão e prorrogar o termo final para
implementação do Acordo até que sejam observados os ditames legais até aqui
desobedecidos. Pode‐se deduzir que o grau de lesividade ao patrimônio público
resultante dos atos aqui repulsados mantém‐se em relação de
proporcionalidade ao tempo em que estes vierem a ser impugnados. Quanto
mais tardio vier o reconhecimento de tais ilegalidades e suas consequentes
declarações de nulidade, maior será o prejuízo, sempre progressivo.
A prudência com que se pede a liminar, portanto, não a
desmerece como necessária, antes quer situar tal pedido em um patamar
intermediário entre um simples pedido de urgente preferência na prestação
jurisdicional e uma concessão de liminar inaudita altera pars.
Em nome da razoabilidade, atento aos fins colimados, o
que pretende o Autor é que não se perca a prestação do Juízo. Não se pede
qualquer condenação prematura, nem mesmo a desconstituição imediata do
que se fez ao arrepio da Lei. Pede‐se, tão somente, em prudente liminar, que
seja prorrogado o período da dupla grafia até que seja estabelecida sob critérios
legais aquela que já deveria estar sendo implementada, considerando o que lá
em 1990 havia sido decidido e encomendado.
V. DOS PEDIDOS.
Ademais, expostos os fatos e os fundamentos jurídicos que
consubstanciam a presente Ação Popular, tendo sempre como presente e
determinante o interesse público perseguido, pede o Autor:
1) Que seja julgada procedente a Ação e seja declarada a
nulidade do artigo segundo do Decreto nº 6.586, de
29 de setembro de 2008, que “Dispõe sobre a
implementação do Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa”, no que concerne a obrigatoriedade
exclusiva da nova grafia que já se demonstrou
produzida em desrespeito ao conjunto normativo as
que devia obedecer;
Roberto Sobral [email protected]
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2) que seja prorrogado o período de vigência da dupla
ortografia ‐ estabelecido no § único do artigo 2º do
mesmo Decreto, verbis: “ A implementação do Acordo
obedecerá ao período de transição de 1º de janeiro de 2009
a 31 de dezembro de 2012, durante o qual coexistirão a
norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma
estabelecida” , passando o termo final a ficar
condicionado ao cumprimento das normas de
regência sobre a matéria, a saber:
a. Sujeição à aprovação do Congresso Nacional
daqueles “atos que impliquem revisão do referido
Acordo, bem como quaisquer ajustes
complementares que, nos termos do inciso I do art.
49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional”,
disposição literalmente ordenada através dos Decreto Legislativo Nº 54, DE 1995, Decreto
legislativo Nº 120, DE 2002, artigo 3º do Decreto
6.583 de 29 de setembro de 2008 e artigo 2º do
Decreto 6.584, de 29 de setembro de 2008.
b. A sujeição da Reforma Ortográfica em curso no
Brasil às determinações legais no sentido de que
“ O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, entre
os Governos da República de Angola, da República
Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da
República de Guiné‐Bissau, da República de
Moçambique, da República Portuguesa e da
República Democrática de São Tomé e Príncipe, de
16 de dezembro de 1990, apenso por cópia ao
presente Decreto, será executado e cumprido tão
inteiramente como nele se contém.”,
mandamento reproduzido nos artigos
primeiro dos Decreto nº 6.583, 6.584 e
6.585,todos de 29 de setembro de 2008;
c. O cumprimento à clara determinação trazida no
artigo primeiro do Decreto nº 6.586 de 2008, no
sentido de que “Nos termos do artigo 2º do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa, os Ministérios da
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Educação, da Cultura e das Relações Exteriores, com a
solicitação de colaboração da Academia Brasileira de
Letras e de entidades afins nacionais e dos Países
signatários do Acordo, adotarão as providências
necessárias para elaboração de vocabulário ortográfico
comum da língua portuguesa. (Sublinhadas pelo Autor
as partes reiteradamente desobedecidas);
3) que a UNIÃO FEDERAL seja condenada ao pagamento
equivalente a maior quantia dentre aquelas que foram
dispendidas nos anos de 2010 e de 2011 na produção e
distribuição gratuita de livros didáticos para todo o
país, quantia esta a ser depositada em favor do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação, cujo valor
relativo a 2010 estima‐se em R$ 690.000.000,00
(Seiscentos e noventa milhões de reais), valor a ser
depositado em conta específica do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação, vinculada ao fim de
assegurar a distribuição gratuita do material didático a
ser produzido de modo fiel ao Acordo Ortográfico, este
implementado segundo as devidas disposições legais.
4) que a Academia Brasileira de Letras seja condenada a
publicar e disponibilizar, em volume equivalente ao
que fez publicar a 5ª edição do seu Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa, especial edição com
a dupla grafia, seja como anexo ou como completa
reedição, e ainda compelida ao ressarcimento dos
valores eventualmente reclamados para devolução dos
exemplares que sejam objeto de tal solicitação.
5) que, em face da exigência normativa para
responsabilização das autoridades comissivas ou
omissivas das ilegalidades apontadas, sejam
condenados os Excelentíssimos Samuel Pinheiro
Guimarães Neto, Fernando Haddad e João Luiz Silva
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Ferreira, que á época da assinatura do Decreto aqui
impugnado ocupavam os cargos de Ministros de Estado
das Relações Exteriores, da Educação e da Cultura,
respectivamente, cada um no pagamento da quantia
de R$ 1000,00 (hum mil reais), valor a ser recolhido em
favor do FNDE, Fundo nacional de Desenvolvimento da
Educação;
6) que, a igual modo, seja condenado o presidente da
Academia brasileira de Letras, o Acadêmico Marcos
Vinicios Vilaça, no pagamento da quantia de R$
1.000,00 (hum mil reais), valor a ser recolhido em favor
do FNDE, Fundo nacional de Desenvolvimento da
Educação;
7) que durante o período em que estiver prorrogada a
dupla ortografia, esta assim seja admitida em todos os
processos/procedimentos oficiais, em especial no que
concerne aos exames seletivos para preenchimento de
cargos públicos e vagas nos vestibulares;
8) que sejam citados os demandados para que possam vir
contestar, assim querendo, assistidos, quando
pertinente, pela Advocacia Geral da União;
9) que seja deferida a produção de provas documentais,
testemunhais e periciais, se necessário, em especial o
que se possa produzir a partir do depoimento das
partes;
10) o parecer do Ministério Público Federal.
Dá‐se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 690.000.000,00 (seiscentos e noventa
milhões de reais).
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Manifestando o sincero interesse de, por meio desta Ação
Popular, servir a tão relevante causa democrática, o Autor pede Deferimento.
Brasília, 29 de agosto de 2011.
Roberto Catarino da Silva Sobral
OAB Nº 13.839/DF