Instituto de Ciências da Natureza
Curso de Geografia – Licenciatura
JHONATAN DA SILVA CORRÊA
AMOR, FÉ E CONFLITO: FESTA DE SÃO BENEDITO
EM MACHADO-MG
Alfenas - MG
2018
JHONATAN DA SILVA CORRÊA
AMOR, FÉ E CONFLITO: FESTA DE SÃO BENEDITO
EM MACHADO-MG
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentada como parte dos requisitos
para obtenção do título de Licenciado
em Geografia pelo Instituto de
Ciências da Natureza da Universidade
Federal de Alfenas-MG.
Orientação: Prof. Dr. Flamarion Dutra
Alves.
Alfenas - MG
2018
JHONATAN DA SILVA CORRÊA
AMOR, FÉ E CONFLITO: FESTA DE SÃO BENEDITO
EM MACHADO-MG
A banca examinadora abaixo
assinada, aprova a Dissertação
apresentada como parte dos requisitos
para a obtenção do título de
Licenciado em Geografia, pelo
Instituto de Ciências da Natureza da
Universidade Federal de Alfenas,
Minas Gerais. Área de Concentração:
Geografia Humana – Geografia
Cultural.
APROVADO EM:
PROF° Dr. Ana Rute do Vale Assinatura:
Universidade Federal de Alfenas
PROF° Dr. Nádia Cristina da Silva Assinatura:
CEFET – Divinópolis
PROF° Dr. Flamarion Dutra Alves Assinatura:
Universidade Federal de Alfenas
Este trabalho é dedicado à:
Leonor Gonçalves Corrêa (in memorian)
Edgar Gonçalves Corrêa
Maria Josefina da Silva Corrêa
Avelino Pio da Silva
E a todos empenhados na constituição da
Festa de São Benedito em Machado-MG,
principalmente aos Congadeiros do
município.
AGRADECIMENTOS
Sou muito grato por todos aqueles que me ajudaram nessa caminhada e que
fizeram este trabalho possível de ser realizado. Foi com um enorme prazer e carinho que
desenvolvi este trabalho de conclusão de curso falando sobre a Festa de São Benedito
realizado no município de Machado-MG, festividade que tenho uma profunda admiração
e consideração.
Agradeço primeiramente aos meus pais por terem possibilitado a realização de um
sonho: a graduação no Curso de Geografia/ Licenciatura na Universidade Federal de
Alfenas-MG. Acreditaram e me apoiaram nos momentos mais difíceis, servindo o tempo
todo como um alicerce. Também agradeço à minha Irmã e meu irmão. Agradeço a todos
os familiares que de forma direta ou indireta contribuíram para a materialização desse
ciclo tão importante e magnífico de minha vida.
Agradeço aos meus amigos e amigas que durante essa caminhada me
proporcionaram momentos inesquecíveis, no qual vou lembrar para sempre. Pelas
conversas, conselhos, pelos momentos felizes onde toda tensão acadêmica se esvaia, sem
essas parcerias a jornada seria mais cansativa e difícil. Vocês sem dúvidas fizeram esses
anos mais felizes.
Possuo uma grande gratidão a todos os professores que fizeram parte da minha
vida: desde a primeira professora que me ensinou as primeiras letras até os atuais
professores na Academia. Em especial, agradeço ao Professor Dr. Flamarion Dutra Alves
por ter me aceitado como orientando e pela parceria na desenvoltura desde o projeto de
Iniciação Cientifica até a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso. Agradeço ao
Grupo de Estudos Regionais e Socioespaciais (GERES) e Universidade Federal de
Alfenas-MG.
Agradeço a Biblioteca Municipal de Machado-MG, a Casa da Cultura do
município de Machado-MG, a Associação dos Congadeiros Chico Rei de Machado- MG.
Aos ex-presidentes da Associação dos Congadeiros professor José Vitor da Silva,
Arnaldo da Silva e o atual presidente Claudio Aparecido de Carvalho. Aos Capitães dos
Ternos que não vou falar os nomes para não me esquecer de alguém, sou imensamente
grato por vocês terem me aceitado e se mostrarem dispostos a ajudar, sem vocês o
trabalho não seria possível, muitos se tornaram grandes amigos. Agradeço a Capitã
General da Guarda dos ternos de Congo e secretário de Cultura do município de
Machado-MG e ao diretor da Escola Estadual Paulina Rigotti de Castro.
Ademais, sou grato a todos que se dedicam e trabalham arduamente para que a
Festa de São Benedito aconteça. Este trabalho é uma pequena contribuição para uma
enorme festividade, principalmente quando relacionada a toda sua grandeza histórica e
cultural radicada na grandeza de seu povo constituinte.
“Viva o Brasil, viva Minas Gerais
Viva o Brasil, Viva Minas Gerais
Viva o povo dessa terra
Morador desse lugar..”
(Congada de Minas Gerais – Martinho da
Vila)
RESUMO
A Festa de São Benedito passou por diversas transformações ao longo dos seus mais de
cem anos de existência, tanto por agentes internos como externos. Existe na composição
da festividade dois espaços diferentes são eles: o sagrado e o profano, ou como os
Congadeiros preferem chamar: espaço religioso, espaço das Congadas e espaço de
exploração comercial. A Festa de São Benedito teve sua gênese através das populações
marginalizadas do município, principalmente a população negra, que paulatinamente vem
sendo retirada da centralidade festiva. Devido a isso, o presente trabalho tem como o
principal objetivo a compreensão das territorialidades festiva, juntamente com a cultura
do lugar buscando entender as transformações sofridas ao longo do espaço-tempo que
culminaram em sua atual conjuntura: tanto na questão territorial como cultural. Para a
elaboração da pesquisa foi indispensável a realização de uma revisão bibliográfica sobre
os principais conceitos norteadores e, também, uma revisão pautada na história da Festa
visando um melhor entendimento conjuntural do território. Ademais, houve realização de
entrevistas com diversos membros relacionados a constituição da Festa e populares,
acompanhado a inúmeros trabalhos de campo nas datas festivas e não festivas. A Festa
de São Benedito em Machado-MG, desde seu início passou por diversas transformações,
sendo uma delas o registro ou “tombamento” no ano de 2010, passando a ter três
organizadores sendo: a Paróquia, a Associação dos Congadeiros e Prefeitura. A
perpetuação cultural no município outrora feita somente através da educação informal,
sendo uma cultura oral, hoje as escolas contribuem com uma educação não-formal através
dos ternos mirins. É notório que o território referente a manifestação cultural aos poucos
vem sendo diminuído gerando conflitos entre a economia, a parte cultural da Festa e a
Paróquia. Ademais, cabe ressaltar que há uma falta de unicidade entre os capitães de
ternos, o que dificulta a estruturação de uma classe mais organizada politicamente para a
resolução dos problemas e luta por melhorias. Existe na Festa de São Benedito na parte
profana a realização de uma feira ligada ao circuito inferior da economia. A questão
comercial da Festa de São Benedito, junto com as manifestações culturais e parte sagrada
juntas atraem um grande público para a festividade. Contudo, o que se pode perceber é
que o território comercial em uma área específica está avançando sobre o território
destinado as apresentações culturais. Outra questão que é histórica, relaciona-se a
apropriação da Igreja sobre a Festa de São Benedito, sendo o poder relacionado a
população de gênese e as manifestações culturais os mais esfacelados durante todo esse
um século de Festa. Portanto, cabe ressaltar que não se trata de tentar extinguir as demais
territorialidades, mas sim trabalhar essa questão com um princípio isonômico, buscando
respeitar quem já estava ali há muito mais tempo, os progenitores da festividade. Devido
a isso, é necessário trabalhar tanto na Associação dos Congadeiros como nos ternos a
unicidade entre seus integrantes, buscando, assim, na formação política uma melhor
instrumentalização do poder desvendando melhorias perante as apropriações culturais e
econômicas existentes ao longo do espaço-tempo festivo.
Palavras-chave: Cultura. Territorialidade. Poder.
ABSTRACT
The Feast of St. Benedict underwent several transformations throughout its more than one
hundred years of existence, both by internal and external agents. There are two dofferent
spaces in the composition of the Feast: the sacred and the profane, or as the Congadeiros
prefer to call it: reigious space, space of the Congadas and space of comercial exploration.
The Feast of St. Benedict had its genesis through the marginalized populations of the
municipality, especially the black population, which has slowly been withdrawn from the
festive centrality. Due to this, the main objective of the present work is the understanding
of the festive territorialities, together with the local culture, trying to understand the
transformations suffered during the space-time that culminated in its current conjuncture:
both territorial and cultural issues. For the elaboration of the research it was indispensable
to carry out a bibliographical review on the main guiding concepts and also a review
based on the history of the Feast aiming at a better conjunctural understanding of the
territory. In addition, there were interviews with several members related to the
constitution of the Feast and popular, along with numerous fieldwork on festive and non-
festive dates. The Feast of St. Benedict in Machado-MG, since its inception underwent
several transformations, one of them being the registration in 2010, having three
organizers: the Parish, the Congadeiros Association and the City Hall. The cultural
perpetuation in the municipality once only made through informal education, being an
oral culture, today the schools contribute with a non-formal education through the little
suits. It is well known that the territory referring to the cultural manifestation has
gradually been reduced, generating conflicts between the economy, the cultural part of
the Feast and the Parish. It is noteworthy that there is a lack of unity between captains of
suits, which makes it difficult to structure a more politically organized class to solve
problems and fight for improvements. There is at the Feast of St. Benedict in the profane
part the holding of a fair linked to the lower circuit of the economy. The commercial issue
of the Feast of St. Benedict, together with the cultural and sacred manifestations together
attract a large audience for the festivity. However, what can be perceived is that a
commercial territory in a specific area is advancing on the territory destined the cultural
presentations. For more, it must be understood that the church has always appropriated
the Feast of St. Benedict; being power related to population of genesis and cultural
manifestations most crumbled during all that one century of Feast. Therefore, it is
important to emphasize that it is not a question of trying to extinguish the other
territorialities, but rather to work on this issue with an isonomic principle, seeking to
respect those who have been there for much longer, the progenitors of the festivity.
Therefore, it is necessary to work both in the Congadeiros Association and in suits the
unicity of the Congadeiros, seeking a political formation for a better instrumentalization
of the power seeking improvements before cultural appropriations and economic existent
to the logo of space-time in the Feast.
Keywords: Culture. Territoriality. Power.
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RESUMEM
La Fiesta de San Benito pasó por diversas transformaciones a lo largo de sus más de cien
años de existencia, tanto por agentes internos como externos. En la composición de la
festividad, dos espacios diferentes son: lo sagrado y lo profano, o como los Congadeiros
prefieren llamar: espacio religioso, espacio de las Congadas y espacio de explotación
comercial. La Fiesta de San Benito tuvo su génesis a través de las poblaciones marginadas
del municipio, principalmente la población negra, que paulatinamente viene siendo
retirada de la centralidad festiva. Debido a ello, el presente trabajo tiene como principal
objetivo la comprensión de las territorialidades festivas, junto con la cultura del lugar
buscando entender las transformaciones sufridas a lo largo del espacio-tiempo que
culminaron en su actual coyuntura: tanto en la cuestión territorial como cultural. Para la
elaboración de la investigación fue indispensable la realización de una revisión
bibliográfica sobre los principales conceptos orientadores y, también, una revisión
pautada en la historia de la Fiesta para un mejor entendimiento coyuntural del territorio.
Además, hubo realización de entrevistas con diversos miembros relacionados a la
constitución de la Fiesta y populares, junto con innumerables trabajos de campo en las
fechas festivas y no festivas. La Fiesta de San Benito en Machado-MG, desde su inicio
pasó por diversas transformaciones, siendo una de ellas el registro en el año 2010,
pasando a tener tres organizadores siendo: la Parroquia, la Asociación de los Congadeiros
y Ayuntamiento. La perpetuación cultural en el municipio otrora hecha solamente a través
de la educación informal, siendo una cultura oral, hoy las escuelas contribuyen con una
educación no formal a través de los trajes mirins. Es notorio que el territorio referente a
la manifestación cultural poco a poco viene siendo disminuido generando conflictos entre
la economía, la parte cultural de la Fiesta y la Parroquia. Cabe resaltar que hay una falta
de unicidad entre los capitanes de trajes, lo que dificulta la estructuración de una clase
más organizada políticamente para la resolución de los problemas y lucha por mejoras.
Hay en la fiesta de San Benito en la parte profana la realización de una feria ligada al
circuito inferior de la economía. La cuestión comercial de la Fiesta de San Benito, junto
con las manifestaciones culturales y partes sagradas juntas atraen a un gran público para
la festividad. Sin embargo, lo que se puede percibir es que un territorio comercial en un
área específica está avanzando sobre el territorio destinado a las presentaciones culturales.
Para más, hay que entender que la iglesia siempre se apropió de la Fiesta de San Benito;
siendo el poder relacionado con la población de génesis y las manifestaciones culturales
lo más desfasado durante todo este siglo de la fiesta. Por lo tanto, cabe resaltar que no se
trata de intentar extinguir las demás territorialidades, sino trabajar esa cuestión con un
principio isonómico, buscando respetar a quienes ya estaban allí hace mucho más tiempo,
los progenitores de la festividad. Para ello, es necesario trabajar tanto en la Asociación de
los Congaderos como en los trajes la unicidad entre los Congadeiros, buscando una
formación política para una mejor instrumentalización del poder buscando mejoras ante
apropiaciones culturales y económicas existentes al logo del espacio-tiempo en la Fiesta.
Palabras clave: Cultura. Territorialidad. Poder.
LISTA DE GRÁFICOS, ILUSTRAÇÕES E MAPAS
Mapa 1 – Localização do município de Machado – MG ..................................................14
Ilustração 1 – Características dos dois Circuitos da Economia Urbana dos Países
Subdesenvolvidos ................................................................................................................24
Ilustração 2 – Comemoração ao centenário com diversas fotografias históricas da
festividade............................................................................................................................49
Ilustração 3 – Cartaz da Festa de Congo, constituinte dos últimos três dias festivos, tida como
manifestação profana...........................................................................................................73
Ilustração 4 – Cartaz de divulgação, Festa de São Benedito 2017, mostrando a modificação
tendo o espaço religioso e o espaço da Congada.................................................................75
Gráfico 1 – Porcentagem sobre o conhecimento da história da festividade do público
entrevistado..........................................................................................................................79
Gráfico 2 – Porcentagem de públicos entrevistados que acham a Festa religiosa..............80
Gráfico 3 – Porcentagem de entrevistados que já participaram de um Terno de
Congadas..............................................................................................................................81
Mapa 2 – Territorialidades e Conflitos na Festa de São Benedito em Machado-
MG........................................................................................................................................83
Mapa 3 – Manifestação do Circuito Inferior......................................................................94
Gráfico 4 – Porcentagem de barraqueiros que trabalham por conta própria ou para
outros....................................................................................................................................96
Gráfico 5 – Trabalhadores que compõem as barracas..........................................................96
Gráfico 6 – Origem das mercadorias vendidas pelos barraqueiros......................................97
Gráfico 7 – Diminuem os preços com o decorrer da Festa .................................................98
Gráfico 8 – Formas de pagamento......................................................................................99
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 – Terreiro de Chão Batido...............................................................................37
Fotografia 2 – Terreiro de São Benedito pós a reforma de 1967 e nova Capela.................37
Fotografia 3 – Última reforma no terreiro...........................................................................38
Fotografia 4 – Nova capela de São Benedito........................................................................39
Fotografia 5 – Associação dos Congadeiros........................................................................42
Fotografia 6 – Placa em bronze sobre o registro da Festa de São Benedito........................47
Fotografia 7 – Fotos de ternos do município de Machado-MG, ternos novos e tradicionais
..............................................................................................................................................50
Fotografia 8 – Transformação do espaço, comparação do cotidiano com o período
festivo...................................................................................................................................53
Fotografia 9 – Abertura da Tenda do Congo com Terno Demonstração............................54
Fotografia 10 – Bandeira e Mastro de São Benedito............................................................55
Fotografia 11 – Guardas cruzando as espadas.....................................................................56
Fotografia 12 – Subida do mastro, marco simbólico inicial da festividade.........................56
Fotografia 13 – Procissão dos Ternos Mirins da cidade de Machado-MG..........................58
Fotografia 14 – Embaixada, agosto de 2017 ..................................................................59-60
Fotografia 15 – Boi Bumba seguindo para o Terreiro de São Benedito..............................60
Fotografia 16 – Retirada do Caiapó do mato, agosto de 2017.............................................61
Fotografia 17 – Procissão – saindo da Praça Antônio Carlos em direção ao terreiro de São
Benedito................................................................................................................................62
Fotografia 18 – Reinado..................................................................................................63-64
Fotografia 19 – Premiação e apresentação dos ternos de congadas do município de
Machado-MG..................................................................................................................64-65
Fotografia 20 – Descida do Mastro .....................................................................................66
Fotografia 21 – Terno Demonstração...................................................................................69
Fotografia 22 – Barracas com cadeiras do lado do fora.......................................................85
Fotografia 23 – Terno de município de Machado-MG, se apresentando em Carvalhópilos-
MG........................................................................................................................................87
Fotografia 24 – Rua Airton Rodrigues Leite e os barragueiros............................................95
SUMÁRIO
1. Introdução.............................................................................................................14
2. O Organizacional: como tudo aconteceu ................................................................ 17
3. Festa de São Benedito em Machado-MG: uma reflexão conceitual.................20
3.1 O profano e o sagrado ..................................................................................20
3.2 Uma reflexão ............................................................................................... 21
3.3 A Questão econômica ................................................................................... 23
3.4 A cultura e a sua importância para o homem................................................25
3.5 Uma Festa de Caráter Popular.......................................................................27
3.6 A Nova Geografia Cultural e o entendimento das expressões culturais........30
4. Da Gênese ao Contemporâneo: uma breve história da Festa de São Benedito em
Machado-MG..................................................................................................................32
4.1 A crescente descentralização de um povo....................................................35
4.2 O comércio e a constituição da Associação dos Congadeiros......................39
4.3 As estruturas festivas....................................................................................43
5. Período Festivo e a Transformação do Cotidiano Citadino.................................52
5.1 A programação festiva e seus momentos......................................................54
5.2 A Cultura Ontem e Hoje................................................................................66
5.2.1 Entre o Sagrado e o Profano.......................................................................72
6. A Diversidade da Territorialidade Festiva e seu Público......................................79
6.1 O Comércio e a territorialidade festiva.........................................................82
6.2 Políticas Públicas Para a Melhoria e as Garantias de Continuidade.............86
6.2.1 A Cultura e o comércio..............................................................................90
6.2.2 União de Classe em busca de melhorias....................................................91
7. Notas sobre o Circuito Inferior da Economia........................................................94
8. Conclusão................................................................................................................101
9. Referências..............................................................................................................104
10. Apêndices................................................................................................................109
14
1. INTRODUÇÃO
O município de Machado está localizado na Mesorregião Sul/Sudoeste de Minas
Gerais, conforme mostra o mapa 1. De acordo com o IBGE (2017) no último censo
demográfico realizado no ano de 2010 o município tinha uma população de 38. 638
habitantes e com uma estimativa de 41.920 habitantes para o ano de 2017. Em
consonância com Silva (2001) a ocupação da região Sul Mineira, principalmente referente
a localização de Machado-MG e arredores se deu somente com o término do ciclo do
ouro. No século XVIII, mais precisamente em sua metade, começou a surgir o povoado
de Machado e em 1881 obteve sua emancipação se tornando uma cidade.
Mapa 1 – Localização do município de Machado – MG
15
Fonte: Elaborado pelo autor, agosto de 2017.
A Festa de São Benedito, desde a década de quarenta do século vinte, ocorre
tradicionalmente no mês de agosto em sua segunda quinzena. É tradicionalmente
composta por doze dias festivos onde se encontram: nove dias ligados as questões
religiosas (Novena) referente a programação religiosa e três dias de programações
culturais totalizando doze dias festivos, sendo assim geralmente sua estruturação.
Tudo indica que as origens da Festa de São Benedito em Machado-MG, advém
do período escravocrata brasileiro onde os negros mantinham suas manifestações
religiosas e devido à resistência resultou no sincretismo. Portanto, a festividade mantém
em seu cerne uma forte ligação entre as manifestações culturais religiosas afro-brasileiras
e o Catolicismo popular. Originária da zona rural, posteriormente passou a ser realizada
na área urbana do município.
O primeiro registro escrito da Festividade se trata do começo do século XX, no
ano de 1914, onde foi realizada devido ao esforço da população do lugar em sua maioria
negros e pobres. Ou seja, populações mais marginalizadas do município. A festividade
sofreu diversas transformações ao longo de sua existência, como o incremento de um
forte comércio. Com isso, alguns aspectos foram incorporados em detrimento de outros
que foram retirados culminando no que a festividade é hoje com mais de um século de
existência.
Durante todos esses anos a Festa de São Benedito de Machado-MG, centenária e
tradicional, tem em seu cerne manifestações culturais folclóricas: folguedos populares
que por muito tempo foram tidos como profanos, em contrapartida as manifestações
ligadas a Igreja Católica como sagrada. Isso perdurou por um longo período para a
insatisfação entre os Congadeiros do município.
A festividade passou por muitos momentos dispares entre eles os que culminaram
em apropriações culturais e econômicas, onde o território festivo se alterou nem sempre
voltado para os aspectos culturais. A Igreja Católica foi a principal organizadora por
muito tempo da Festa. Com a constituição da Casa dos Congadeiros ou Associação dos
Congadeiros, houve um “rompimento” com este poderio autoritário e mais tarde com o
registro ou tombamento da Festa como Patrimônio Imaterial do povo machadense houve
o incremento do poder público municipal como organizador. Para completar a dinâmica
16
territorial não se pode esquecer-se dos barraqueiros1, outro constituinte das relações
territoriais.
Logo, com toda essa transformação restaram as questões: será que a festividade
ainda mantém as questões tradicionais ou se transforma de tal forma que vem perdendo
elementos centrais de sua cultura? A festividade é de cunho popular, mas como se
encontra essa população em relação a Festa? Ainda se encontram no cerne festivo?
A presente pesquisa possui como objetivo geral a compreensão da territorialidade
festiva, dos aspectos relacionados a cultura e a territorialidade do lugar e apropriações e
transformações sofridas ao longo do espaço-tempo tanto econômicas como culturais. Os
objetivos específicos estão relacionados: a fazer um resgate histórico da Festa de São
Benedito em Machado-MG, analisar as territorialidades festivas e seus conflitos,
compreender a população festiva e seus ensejos, entender a perpetuação cultural no
município e suas transformações. Ademais, também se busca entender a economia
existente na feira para a caracterização nos circuitos da economia de Santos (2004) e
trabalhar a relação existente entre o espaço sagrado e profano na Festa de São Benedito
em Machado-MG.
Para atingir os objetivos a pesquisa foi estruturada em 5 capítulos onde no
primeiro há realização de uma análise conceitual sobre o tema aqui proposto. O segundo
capítulo traz a história da Festa de São Benedito em Machado-MG. Dando continuação,
no terceiro capítulo é explorado a transformação do cotidiano citadino e as modificações
culturais sofridas na festividade ao longo do espaço-tempo. O quarto capítulo é trabalhado
a diversidade do público festivo e os conflitos existentes nas territorialidades festivas
contemporâneas. No quinto e último capítulo retrata a manifestação do circuito inferior
da economia na feira da Festa de São Benedito em Machado-MG.
1 Vendedores que montam suas barracas no período da Festa de São Benedito.
17
2. O ORGANIZACIONAL: COMO TUDO ACONTECEU
Para constituição da pesquisa, primeiramente foram realizadas revisões
bibliográficas onde houve a intenção de compreender a história da Festa de São Benedito
em Machado-MG e como a mesma surgiu. Para estes fins, foi necessário consultar tanto
a Biblioteca Municipal, a Casa da Cultura no município de Machado-MG, o jornal Folha
Machadense e Associação dos Congadeiros – através das reuniões mensais com os
Capitães de terno2. Concomitantemente, houve a realização de pesquisas no campo
teórico abordando os principais conceitos científicos discutidos neste trabalho como:
Sagrado e o Profano, Território e a Territorialidade, Cultura, Poder, Lugar e o estudo dos
Circuitos da Economia.
Ademais, foram feitos inúmeros trabalhos de campo nos anos de 2016, 2017 e
2018 cujo os interesses foram compreender as atividades que transformam os espaços e
os configuram dando as formas ali vigentes, constituindo as paisagens do lugar. Os
trabalhos aconteceram não somente nos dias festivos, pois, muitas entrevistas foram
realizadas em um espaço-tempo não condizente com o calendário da Festa de São
Benedito em Machado-MG.
A pesquisa tem uma abordagem que leva em consideração a história oral
valorizando os relatos, informações referentes a vivência dos indivíduos e suas histórias
que em alguns casos se não registradas podem se perder com o tempo. De acordo com
Lima (2006) a finalidade dessa técnica é produzir histórias, ou seja, depoimentos de
pessoas que vivenciaram momentos importantes para o contexto da pesquisa, resultando
na formulação de dados e informações. O autor ainda mostra que basear somente em
relatos podem gerar equívocos. Portanto, é importante buscar para além das entrevistas
outras fontes como complementação do tema abordado.
Além disso, compreender as simbologias inerentes aos espaços sendo ela sagrada
ou profana se tornou necessário. Ademais, houve observações sobre a forma de
perpetuação e transformação cultural no município referente a Festa de São Benedito em
2 Terno: Grupo de pessoas que dançam o congo onde se têm os santos e um nome para a identificação do
grupo. O número de participantes dos ternos chegam a ter grande variabilidade no município, podendo ser
de 30 integrantes a até mesmo terno com mais de 100 integrantes
18
Machado-MG. Para mais, nos momentos nos quais as hierofanias3 se fazem presentes é
essencial a presença do pesquisador.
A pesquisa de campo deve ser incentivada como instrumento metodológico,
pois permite ao pesquisador uma maneira privilegiada de obtenção de dados
etnográficos confiáveis da religiosidade do crente em suas manifestações na
paisagem religiosa e no lugar sagrado. (ROSENDAHL, 2012, p. 27).
Entender o público festivo também foi uma preocupação. Logo, foram realizadas
entrevistas no ano de 2016 com o público participante para assimilar a diversidade festiva:
abordando os diversos seguimentos ali existentes. Por isso, foram realizadas 40
entrevistas com atores sociais dispares presentes na festividade e escolhidos de forma
aleatória. Com isso, houve a intenção de compreender a dinâmica existencialista do lugar
junto a questão fenomenológica atribuída aos diferentes ensejos estabelecidos pelo
público da Festa.
De acordo com Holzer (2010), a ontologia contemporânea traz para a discussão o
mundo que construímos e a representação do ser pautada nas divergências existenciais.
Assim será abordado a geograficidade do lugar, essencialmente, culminando na questão
do ser-no-mundo onde o espaço passa a ser adjetivado.
Em relação às entrevistas realizadas com os barraqueiros, foram feitas através de
uma amostra referente a 20% dos comerciantes ali presentes em seus diversos
seguimentos comerciais como: vestimentas, eletrônicos, utensílios domésticos, entre
outros. O número aproximado de barraqueiros em 2016 foi 300, logo houve a realização
de 60 entrevistas nesta territorialidade. As entrevistas referentes aos barraqueiros foram
materializadas por meio de um questionário com duração média de 15 minutos. Com o
intuito de formalizar um material sobre a questão econômica festiva para o entendimento
referente ao circuito inferior e sua organização.
Além do mais, houve entrevistas com ex-presidentes da Associação dos
Congadeiros e o atual presidente. Capitães e donos de ternos também foram entrevistados,
a Capitã General da Guarda dos Congadeiros, o secretário de cultura do município entre
outros participantes ativos na constituição da Festa de São Benedito em Machado-MG.
As entrevistas aconteceram em sua maior parte por intermédio de um roteiro
semiestruturado, “o entrevistador segue um determinado número de questões principais
3 Manifestação do sagrado
19
e específicas, em uma ordem prevista, mas é livre para incluir outras questões” (LIMA,
2006, p. 27), dando possibilidade para o acréscimo de outras informações.
Entretanto, houve também entrevistas abertas: onde através das conversas com
diversas pessoas era possível adquirir conhecimento sobre diferentes temáticas
envolvendo a Festa de São Benedito no Município de Machado-MG. Estas conversas
realizadas através de entrevistas não estruturadas aconteciam mais frequentemente na
praça de São Benedito, onde sempre era possível conversar com pessoas mais idosas que
ali se encontravam.
A entrevista é uma conversa que pode ser mais ou menos sistemáticas, cujo
objetivo é obter, recuperar e registrar as experiências de vida guardadas na
memória das pessoas. O entrevistador tem um papel ativo na busca de
lembrança e reflexões, mas isso deve ser feito sem que haja uma indução em
busca de respostas que se quer ouvir. (LIMA, 2006, p.26)
As entrevistas semiestruturadas tiveram duração média entre 50 minutos e
abordavam questões históricas e aspectos ligados as percepções dos entrevistados. Todas
eram gravadas com o intuito de não se perder informações em relação as falas concedidas.
Ademais, ressalta-se que todas as gravações foram feitas através da permissão dos
entrevistados que estavam cientes da prática.
Portanto, percebe-se a formulação de dados primários sendo eles produzidos nos
anos de 2016, 2017 e 2018. Além disso, há também o uso de fontes secundárias para a
formalização da pesquisa como já elucidado acima.
Ademais, como parte do trabalho, foram feitos mapas sobre a localização do
município e da territorialidade festiva e seus conflitos através do uso de softwares.
Também houve a produção de um material fotográfico, onde todas as fotos referentes ao
ano de 2017, feitas pelo autor, foram concedidas a Associação dos Congadeiros e
Congadeiros do município de Machado-MG através de diferentes mídias físicas e não
físicas. Não com o intuito de realizar uma espetacularização conforme mostra Lacoste
(2016), mas com o desejo de mostrar um pouco do trabalho e documentar momentos que
através das fotografias podem ser mais expressivos e palpáveis.
20
3. FESTA DE SÃO BENEDITO, MACHADO-MG: UMA REFLEXÃO
CONCEITUAL
3.1 O Sagrado e o Profano
Para entender melhor a Festa de São Benedito, possuidora de vertentes religiosas,
é muito importante tratar de interpelar a religião e sua interpretação na Geografia.
A abordagem da religião vem impondo reflexões sobre a experiência dos
indivíduos e dos grupos sociais na construção de espaços fortemente
vinculados ao sagrado. [...]. Os estudos exemplificam as relações entre espaço
e religião, na quais dois pontos são fundamentais na interpretação: sagrado e
profano. (ROSENDAHL, 2012, p.25).
O espaço sagrado e o espaço profano mantêm uma relação entre si, vivem em uma
simbiose. De acordo com Resendahl (1999) não há sacralidade no espaço profano.
Entretanto, há um vínculo em ambos. Para Rosendahl (2012) o profano só existe em
relação ao sagrado não obtendo esta referência cai em sua inexistência. Ademais, para
Eliade (1962); Rosendahl (2002) com a manifestação do sagrado costuma haver uma
alteração no espaço-tempo vivido pelo homem, onde se rompe com o habitual, causando
assim uma interrupção do profano modificando seus modos comportamentais ante as
hierofanias.
Em consonância com Rosendahl (2012) a constituição do sagrado vai além do
plano material, como templos e santuários devido ao fato da experiência estar ligado ao
ser no mundo suas emoções e sentimentos. Por isso, o sagrado não está somente ligado
ao físico espaço onde a religião se manifesta. Mas também em cada devoto em sua
subjetividade e modo de lidar com moções mediante a conexão com o divino. Segundo
Eliade (1962); Rosendahl (2002) a existência de um indivíduo profano não se constitui
em sua totalidade devido ao fato do homem não conseguir abolir de forma concreta o
comportamento religioso. Até a vida mais profana possui uma valorização do mundo em
aspectos religiosos, ou seja, ele é um herdeiro das imagens, símbolos e mitos.
No decorrer da vivência social, o sagrado tem variações de acordo com o seu
público. Segundo Sacchi (2011) o sagrado é um conceito que está presente em todas as
religiões. No entanto, para a religião hebraica ou que emergiram da mesma o conceito é
melhor difundido obtendo maior destaque.
21
Para Rosendahl (2002) a presença do sagrado é forte se tratando do urbano,
entretanto, medi-la é extremamente difícil. Com as transformações advindas do espaço-
tempo e conforme as atividades realizadas pelos agentes sociais vão se desvinculando das
amalgamas sagradas, os espaços vão se transformando, uns continuam com seu caráter
religioso e outros vão perdendo estas características com o decorrer do tempo.
As práticas religiosas configuram a relação do homem com o sagrado,
englobando ritos e rituais, orações e outros. Os ritos são heranças culturais
religiosas que determinam formas espaciais de viver as crenças,
nomeadamente o culto e a devoção pessoal. Os rituais religiosos são gestos,
palavras, procedimentos imbuídos de simbolismo, que efetivam os ritos
religiosos, sendo resultados das normas estabelecidas por normas religiosas.
[..]. (COUTINHO, 2012, p. 179, grifo do autor).
Logo quando se fala de sagrado ele pode estar fundamentado sobre várias
possibilidades de religiões, é uma vivência pessoal, que pode ser percebido por algumas
pessoas e por outras não culminando na incredulidade de alguns. “O sagrado não
consegue reificar, concretizar, pela impossibilidade de assegurar a sua existência terrena.
Para uns o sagrado é real e para outros é construção humana.” (COUTINHO, 2012, p.
177).
O ocidental moderno experimenta um certo mal-estar diante de inúmeras
formas de manifestação do sagrado: é lhe difícil aceitar que, para certos seres
humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou em árvores, por
exemplo. Mas, como não tardaremos a ver, não se trata de uma veneração da
pedra como uma pedra, de uma árvore como uma árvore. A pedra sagrada, a
árvore sagrada, não são adoradas como pedra ou como árvore, são-no
justamente porque são hierofanias, porque qualquer coisa que
já não é pedra nem é árvore, mas o sagrado [..]. (ELIADE, 1962, p. 21, grifo
do autor).
Logo, a caracterização do sagrado e profano vai depender do lugar onde o mesmo
se encontra, perpassando estruturas religiosas. O indivíduo através de sua vivência e
bagagem cultural pode atribuir a diferentes componentes a capacidade de sagrado perante
a sua existência.
3.2 Uma reflexão
A atividade antrópica transforma o espaço terrestre resultando em uma
organização que através de seus aspectos o humaniza. Portanto, ao interferir em um
22
espaço o homem passa a deixar sua marca. Conforme mostra Luchiari (2001) a Geografia
Cultural trouxe contribuições mostrando como a paisagem materializada pode expressar
o sentido que a sociedade dá ao meio buscando, com isso, compreender a
representatividade da paisagem atrelada ao imaginário coletivo.
Por meio da habilidade humana, a natureza é transformada em objetos
culturais. [..]. As representações de mundo são construídas na produção desses
objetos culturais que, reunidos no tempo e no espaço, transformam a paisagem
em lugar. (LUCHIARI, 2001, p. 22)
Conforme mostra Souza (2015) o lugar não representa uma localidade, mas sim
tem como característica ser um espaço dotado de forte carga simbólica onde há relação
com a imagem possuidora de significado podendo o mesmo ser ambíguo: sendo bom e
hospitaleiros para alguns e ruim e até mesmo perigoso para outros. “O lugar é um mundo
de significado organizado”. (TUAN, 2013, p. 219).
Segundo Claval (2014) os lugares estão relacionados as lembranças dos
ancestrais, dos momentos felizes e tristes da vida de cada indivíduo. O homem necessita
dar significado ao mundo que o cerca. Logo, há uma grande carga cósmica ou presença
do divino. Em contraste com o profano e rotineiro existe o sagrado onde os lugares
visitados ou habitados pelos gênios, espíritos ou príncipes invisíveis possuem uma
dimensão tão real podendo ser mais verossímil que o mundo material.
Para Corrêa (2014) o lugar se tornou conceito chave na Geografia Cultural
Humanista. Enquanto isso, o conceito de espaço refere-se para muitos autores como
espaço vivido. Assim sendo se levado em consideração os espaços vividos e suas
diversidades pode o mesmo estar atrelados a uma religião ou não. Em vista disso, percebe-
se então uma relação assimétrica onde a política se faz presente e, assim, uma
materialização conflituosa em relação ao território.
De acordo com Haesbaert (2002), o território advém de uma relação desigual de
forças onde se envolve a subordinação tanto política como econômica do espaço. Nele
não se manipula somente aspectos físicos, mas também questões relacionadas a
identidade social. Para Souza (2015) observar o que se passa no cotidiano dos indivíduos
há necessidade de uma escala reduzida, podendo ser analisado nessa questão “fronteiras”
que estejam relacionadas a uma rua ou até mesmo a um fragmento de uma rua onde se
pode manifestar um território: sendo essa escala reduzida chamada pelo autor de
23
“nanoterritório” onde se tem uma abordagem necessária para entender os conflitos
territoriais existentes em uma rua como ocorre na Festa de São Benedito em Machado-
MG.
Para Raffestin (1993), o território se produz através das relações de poder, é um
local onde se teve a projeção do trabalho, da energia e informação. A produção, troca e
consumo existente no território é o que caracteriza a territorialidade. Todo sistema
territorial possui sua territorialidade, ou seja, a territorialidade é inerente ao território.
Nas territorialidades há continuidades e descontinuidades no tempo e no
espaço. As territorialidades estão intimamente ligadas a cada lugar: elas dão-
lhe identidade e são influenciadas pelas condições históricas e geográficas de
cada lugar. (SAQUET, 2015, p. 84)
É nas territorialidades festiva que acontecem às relações é onde o poder se
manifesta resultante de dois polos que se fazem face a face ou que estejam em
discordância criando, assim, o campo do poder que é definido segundo Raffestin (1993)
como uma combinação de energia e informação, visando o controle e a dominação da
situação. Essa territorialidade e poder foi emanado por muito tempo de forma majoritária
pela Igreja Católica. No entanto, o capital vem se apropriando da territorialidade e se
infiltrando modificando toda estrutura e desenvolvendo e uma nova conjuntura
econômica. Há, portanto, uma modificação na territorialidade com o incremento de novos
territórios tornando a festividade mais dinâmica.
3.3 - A questão econômica
A Festa de São Benedito possui em sua territorialidade um campo econômico bem
diversificado e atrativo com infinidades de produtos vendidos em uma feira. É possível
compreender através dos circuitos de Santos (2004) esta organização, classificando a
mesma em inferior ou superior de acordo com o autor.
Para Santos (2004) há dois circuitos na economia de países subdesenvolvidos
sendo: o circuito superior da economia e o circuito inferior da economia, conforme mostra
a ilustração 1.
24
Circuito Superior Circuito Inferior
Tecnologia
Organização
Emprego
Assalariado
Estoques
Preços
Crédito
Margem de lucro
Relação com a clientela
Custos fixos
Publicidade
Reutilização dos bens
Ouverhead capital
Ajuda Governamental
Dependência direta do exterior
Capital intensivo
Burocrática
Importantes
Dominante
Grande estoque
Alta qualidade
Fixos (em geral)
Bancário e institucional
Reduzido por unidade, mas
importante pelo volume de
negócio (exceção produtos de
luxo)
Impessoais e/ou com papéis
Importantes
Necessária
Nula
Indispensável
Importante
Grande atividade voltada para o
exterior
Trabalho intensivo
Primitiva
Reduzidos
Volumoso
Não-obrigatório, pequena
quantidade – qualidade inferior
Submetido à discussão entre
comprador e vendedor (haggling)
Pessoal não-institucional
Elevado por unidade, mas
pequena em relação ao volume de
negócios
Diretas e personalizadas
Desprezíveis
Nula
Frequente
Dispensável
Nula ou quase nada
Reduzida ou nula
Ilustração 1 - Características dos dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos
Fonte: SANTOS, 2004, p. 44
No primeiro referente ao circuito superior há maior sistematização culminando
em uma demasiada burocratização e capitais volumosos. Já o segundo relacionado a um
mercado informal onde se tem maior proximidade entre vendedor e freguês, podendo ser
escasso de modernidade e possuindo pequenas dimensões e capitais reduzidos.
Segundo Corrêa e Rosendahl (2003) a questão econômica é presente e faz parte
do espaço sagrado e profano. Imediatamente, entender esta questão se torna importante
devido ao fato deste aspecto ser relevante na história da Festa e hoje constituir uma
territorialidade no espaço festivo, difusora de poder que paulatinamente foi se
estruturando e adentrando o território.
Portanto, há de se compreender que existe uma penetração do capital nas
manifestações culturais e, com isso, estabelecendo um domínio dos gostos culminando
na homogeneização um mercado de massa. Logo, o capitalismo cria imagens e símbolos
25
que são propagados. Os espaços efêmeros se tornam um atrativo, sendo assim, explorado
e apropriado pelo capital para as suas finalidades (HARVEY, 2009).
Logo, a Festa de São Benedito no município de Machado-MG possuí uma grande
atração para o Capital, o que pode causar ao longo do tempo: mutações e até mesmo
revoluções na estruturação Festiva sendo o último caso danoso a toda a sua
representatividade histórica e tradicional.
3.4 A cultura e a sua importância para o homem
Os indivíduos são essenciais para a existência da cultura. Por eles a mesma é
transmitida, enriquecida através da incorporação, transformada, difundida e utilizada.
Somente o instinto não é suficiente para amparar os seres humanos há na cultura um modo
de existir dispondo, assim, de meios para a sobrevivência (CLAVAL, 2014). Ainda
segundo Claval (2014) a cultura tem por essência a transformação, demostrando
normalmente demasiado grau de maleabilidade sendo difícil barrar a incorporação de
novas estruturações adquiridas como uma substituição ou complementação do que já
existe. Logo o autor mostra que as culturas passam por metamorfoses através de duas
formas que se consistem em uma modificação e a outra em uma ruptura, podendo ser
denominadas como: mutação e revolução. Sendo a última um rompimento com o que ela
é, dando origem ao novo.
De acordo com Corrêa (2009); Bauman (2012) o conceito cultura é polissêmico,
portanto, muito difícil de discorrer sobre. Para tanto, segundo Bauman (2012) o conceito
vem se transformando ao longo do espaço-tempo, tendo conotação diferente em cada
período, de acordo com sua contemporaneidade. Para Claval (2014) a cultura é algo que
está em constante “movimento” podendo assimilar elementos externos, de outros grupos,
ou também pode haver transformações internas. A cultura seria para ele todas aquelas
bagagens de conhecimentos e valores carregadas no âmago de um ser, muitas adquiridas
e repassadas por gerações. Ainda segundo Claval (2014) os seres humanos humanizam o
espaço, tornando o mesmo em partes funcionais e partes simbólicas. A cultura o marca
através de uma grande disparidade de formas, moldando-o através dos valores aplicados
a um determinado grupo: constituindo o lugar onde há representação cultural relacionado
a identidade dos atores sociais que ali se encontram.
26
Além do mais pode se pensar cultura, também, através de um olhar pautado em
uma geografia radical onde em consonância com Cosgrove (2003) existe no pensamento
de Gramsci uma hegemonia cultural que se trata de uma formulação cultural comandada
por uma elite tendo por consequência a dominação cultural instituída por uma classe
dominante.
Como as grandes atrações da Festa de São Benedito no município de Machado –
MG está relacionado aos folguedos populares referente a cultura popular do município.
De acordo com Bosi (1996) a educação informal é que mantém a cultura viva, sem ela a
mesma fenecia já que não encontraria um alicerce colocando em risco a perpetuação
cultural e, por conseguinte, sua longevidade.
Na educação informal, não há lugar, horários ou currículos. Os conhecimentos
são partilhados em meio a interação sociocultural que tem, como única
condição necessária e suficiente, existir quem saiba e quem queira ou precise
saber. Nela, ensino e aprendizagem ocorrem espontaneamente, sem que, a
maioria das vezes, os próprios participantes do processo deles tenham
consciência. (GASPAR, 2002, p. 173)
Cabe destacar a importância da oralidade na perpetuação cultural do município e
sua hereditariedade. Ademais, hodiernamente há um processo de aprendizagem cultural
no município que se aproxima da educação formal, com o incremento dos ternos mirins
onde se criou uma nova forma de perpetuar a cultura na cidade:
[..] há outras formas de transmissão cultural originárias da complexidade e do
avanço continuo de nossa civilização. Algumas, muito próximas da educação
formal, definidas por muitos pesquisadores como educação não-formal, têm
também disciplinas, currículos e programas, mas não oferecem graus ou
diplomas oficiais. Nessa educação não-formal, inclui-se o estudo das línguas
estrangeiras e de espacialidades técnicas, artísticas ou semelhantes, oferecido
presencialmente em escolas com horários e períodos letivos bem definidos, ou
à distância, via correio postal ou eletrônico. (GASPAR, 2002, p. 173, grifo do
autor)
Portanto, a educação não-formal, atualmente tem cumprido um papel importante
na manutenção cultural do lugar através da inserção das escolas como uma das difusoras
culturais no município.
Contudo, apesar da concentração e esforços tanto não-formais como informais,
nos é mostrado por Adorno (1995) que a sociedade continua a ser heterônoma,
submetendo assim a parâmetros ditados por grupos externos, o que de certa forma
27
compromete a autonomia e unicidade de um determinado grupo deixando-os mais
susceptíveis as transformações. O homem passa então a ser genérico, as apropriações
modificam as estruturas vigentes trazendo novos conceitos e novas formulações
(ADORNO & HORKHEIMER, 1947). Para Morin (2002), essa massificação começou
na década de trinta do século vinte nos Estados Unidos da América. Desde então vem se
apropriando de diversas formas culturais em prol do Capital, onde o importante é agradar
a todos, ou seja, uma festa que possui seu radical advindo de uma resistência/sincretismo
tem suas metamorfoses com fins de atrair o público, expondo no comércio as tendências
do momento com um preço “animador”.
As sociedades modernas possuem por características as mudanças constantes,
ligeiras e permanentes, sendo assim uma forma pertencente a mesma que a distingue por
exemplo da sociedade tradicional, onde os centros possuem maior rigor. (HALL, 2015).
Logo, percebe-se que o cerne da Festa de São Benedito no município de Machado-MG
se transforma o que é natural. Entretanto essas transformações quando deixam de cumprir
com a representatividade cultural do lugar, deixa de exaltar simbolicamente seus
progenitores transformando-se de forma deletéria as prosperidades culturais do
município.
Claval (2014) mostra que quando mais maleável for um centro cultural, mais
susceptível ele estará para mudanças. Desta forma, pegando a contribuição de Hall
(2015), referenciado a cima, entende-se que estas centralidades modernas possuem uma
fragilidade maior o que as tornam de certa forma mais disposta para a penetração do
Capital em sua estrutura.
3.5 Uma Festa de caráter popular
De acordo com Duvingnaud 1973, apud Claval 2014, a festa rompe com o
habitual, de forma coletiva e individual, sendo esta uma característica notória da mesma.
Mais importante ainda são as festas que marcam os tempos da vida coletiva,
religiosa ou cívica. Elas são organizadas em datas fixas que correspondem
frequentemente aos grandes momentos dos ciclos cósmicos e aos
acontecimentos maiores da vida da cidade. As festas manifestam-se por
procissões, danças, música e espetáculos. Cada um é ao mesmo tempo ator e
espectador, e vive um momento de intensa emoção, comunhão e evasão.
(CLAVAL, 2014, p. 139).
28
A festividade em Machado-MG se caracteriza por uma cultura popular.
Relacionada primeiramente a um determinado povo de uma classe social não privilegiada
do município, sendo constituída majoritariamente de negros e pobres em sua gênese.
Quando é dito povo, refiro-me ao termo utilizado de forma sociológica.
[..] apesar de o Novo Dicionário Aurélio definir a palavra povo como “o
conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos,
afinidades e interesses, uma história e tradições comuns” em termos
sociológicos, ela adquire uma característica muito importante: a condição
socioeconômica. Por mais que nos esforcemos, não podemos dizer que a classe
dominante tem os mesmos costumes e hábitos e tradições, comuns, iguais ou
menos parecidas com as das classes subalternas. Retomando a definição do
dicionário, a única identidade possível e indiscutivelmente é o idioma.
(CALDAS, 2008, p. 84, grifo do autor).
De acordo com Caldas (2008), a cultura popular se diferencia da cultura das
classes dominantes e pode estar presente em vários lugares. Umas das características
destas culturas é o anonimato, contendo a posse pública, também pode se caracterizar em
criações coletivas.
“[..] no caso brasileiro, imediatamente nos ocorre o samba, o carnaval, e o
futebol como expressões máximas da nossa cultura popular. Outras
manifestações, porém, não podem ser deixadas de lado: as festas religiosas e
profanas, os bailados, os ritos, as danças dramáticas como a do Moçambique,
bumba-meu-boi, o cateretê, catira, quero-mama, dão-dão, cana-verde, etc.[..]”.
(CALDAS, 2008, p. 83).
A cultura afro-brasileira neste momento aflora, mostrando assim seus semblantes
simbólicos relacionados a esta população e todos seus aspectos advindos de uma
segregação racial existente no que hoje é o território brasileiro, vinda de um período
anterior ao da constituição do Brasil como um Estado. Freyre (1992) mostra que na casa
grande sempre houve grande intimidades com os santos, que eram utilizados até mesmo
para guardar objetos de valores como joias e ouro. O autor ainda explicita que as imagens
eram respeitadas naquele período. Portanto, ladrões não ousariam adentrar o sagrado para
subtrair adereços de uma imagem sacra; exceto se ela fosse negra – como destaca o autor
– mostrando o já existente ato de roubar São Benedito tido como argumento que negros,
“naquela época”, não poderiam se dispor de luxo. Quadro que ilustra bem o Brasil de
outrora e o contemporâneo.
29
Além do mais, o preconceito racial está tão impregnado em nossa sociedade o país
ainda não aprendeu a lidar com sua heterogeneidade resultando em uma visão distorcida:
onde através de um olhar etnocêntrico julgamos uma cultura desconhecida aos nossos
olhos como inferiores, ou até mesmo uma pessoa com traços diferentes como estranha,
agindo de forma etnocêntrica:
A atitude mais antiga e que se baseia indiscutivelmente em fundamentos
psicológicos sólidos, (já que tende a reaparecer em cada um de nós quando nos
situamos numa situação inesperada), consiste em repudiar pura e simplesmente
as formas culturais: morais, religiosas, sociais, estéticas que são as mais
afastadas daquelas com as quais nos identificamos. "Hábitos de selvagem", "na
minha terra é diferente", "não se deveria permitir isto", etc., tantas de reações
grosseiras que traduzem esse mesmo calafrio, essa mesma repulsa diante de
maneiras de viver, crer ou de pensar que nos são estranhas. (LEVÍ-STRAUSS,
1952, p.4).
Para Carneiro (2014) conceito de religiões afro-brasileiras tem sua gênese na
academia em um determinado espaço-tempo, possuindo uma diferenciação ligada a um
preconceito racial, social e cultural onde o africano em comparação com o branco era tido
como menos evoluído. Isso acontecia porque tinha um sistema religioso politeísta e tido
como fetichista e o branco possuía uma crença monoteísta. Cabe ressaltar, que este é um
pensamento relacionado ao fim do século XIX. Depois de mais de um século o termo
passa a ser normalizado, já não possuí mais uma vertente discriminatória como antes.
Doravante o termo se torna um orgulho para os religiosos e se relaciona a uma identidade
etnológica, ou seja, passou por uma revolução em seu significado.
As religiões de matrizes africanas, segundo Ramos (2007) devido aos povos
dominantes passaram por distorções que resultaram no sincretismo com o catolicismo e
espiritismo ou também tinha a possibilidade de ser proibida a manifestações desses cultos.
“E assim vemos o fetichismo, religião natural, torna-se feitiçaria, isto é culto esotérico,
de efeitos maléficos que lhe foram atribuídos pelos brancos”. (RAMOS, 2007, p. 27).
Ademais, tal distorção ainda perdura na sociedade brasileira.
30
3.6 A Nova Geografia Cultural e o entendimento das expressões
culturais
De acordo com Corrêa (2001) as diversas críticas à escola de Berkeley em parte
ajudaram a emergir a Nova Geografia Cultural, que teve seu início no final da década de
1970. Segundo Claval (2001) as críticas relacionadas ao modo de abordagem advindos
da primeira metade do século XX, tinham como um de seus argumentos que a
intensão/visão, do período, buscava descrever o mundo e não tentar entende-lo. O autor
ainda destaca o forte peso do rural devido à influência da paisagem e gênero de vida.
Ademais, também se dava destaques a questões pretéritas e era desprovida de
atenção às demandas sociais. Além disso, há de se destacar a falta de interesse sobre:
festas e revoluções mostrando não ter uma preocupação com a subjetividade das pessoas
que estão amplamente relacionadas às suas vivências.
Para Claval (2001) as ciências sociais começam a não corresponder com o ensejo
dos pesquisadores devido sua abordagem neopositivista, por volta dos anos sessenta do
século XX. De acordo Claval (2001) a insatisfação advinda tanto dos geógrafos que
obtinham correntes filosóficas relacionadas a fenomenologia, como os que tinham como
base a crítica radical. Ambos fundando críticas diferentes, mas permeados pela mesma
insatisfação. Para mais, estão de acordo que as interpretações sociais não podem ser
entendidas como um fato natural. Portanto, agora se percebe a constituição de novas
epistemologias.
Doravante, a epistemologia das ciências humanas na década de setenta do século
vinte começou passar por mudanças. A Fenomenologia se desenvolveu dando forte ênfase
a experiência do lugar. Para mais, a filosofia crítica marxista traz em seu âmago a
concepção de que o positivismo pode tender, quando relacionado as questões sociais a
um conservadorismo. Portanto, emerge uma grande tendência de trabalhar a perspectiva
crítica nas relações sociais. (CLAVAL, 2002).
Logo, conforme mostra Corrêa (2009) a renovação epistemológica não deixa de
entender o passado. Contudo, o presente assume uma função privilegiada ou um passado
não tão distante. Devido a isso o que a nova abordagem tem de diferente é a análise de
significados relacionados à representatividade do homem, sendo assim possuí um foco
31
relacionado às significações concernentes as diversas manifestações culturais humanas:
tanto no passado como no presente e futuro.
Ademais, cabe ressaltar que a escola de Berkeley e Sauer contribuíram
amplamente para o avanço epistemológico, sendo a Nova Geografia Cultural existente
devido as antigas abordagens, que ao longo do espaço-tempo e o contexto vivido
permitiram sua instituição.
32
4. DA GÊNESE AO CONTEMPORÂNEO: UMA BREVE HISTÓRIA
DA FESTA DE SÃO BENEDITO EM MACHADO-MG
A Festa de São Benedito ocorre tradicionalmente no mês de agosto, mais
precisamente, na sua segunda quinzena. A festividade possui em seu âmbito uma forte
ligação entre a Igreja Católica e a Cultura afro-brasileira, resultado relacionado a
aculturação existente no país no período colonial e a resistência dos negros para manter
sua cultura.
O primeiro registro escrito da festividade trata-se do ano de 1914 onde houve uma
manifestação festiva em louvor a São Benedito, no mês de maio.
No primeiro livro de tombo da Paróquia da Sacra Família e Santo Antônio
encontra-se o registro da celebração de uma festa em louvor de São Benedito,
no dia 13 de maio de 1914, “devido principalmente à população de cor”.
(REBELLO, 2006, p. 184, Tomo II).
A festividade composta em dois espaços sendo eles: o espaço sagrado e o espaço
profano. O espaço sagrado ligado às atividades relacionadas ao que a Igreja Católica
entendia como religioso. Já o espaço profano relaciona-se as atividades complementares
ao sagrado como as manifestações culturais festivas – folguedos populares – somado as
áreas destinadas ao comércio.
De acordo com Gonçalves e Reis (1979) a Festa de São Benedito nem sempre foi
realizada no mês de agosto, houve variações na década de trinta e quarenta do século
vinte. Com o advento da década de quarenta houve realização da festa no mês de setembro
e em 1942 começou a ser realizada no mês de agosto, sendo assim até o presente
momento.
Ademais, segundo Gonçalves e Reis (1979) as festas relacionadas as populações
negras como a de São Benedito, têm costume de acontecer no mês de maio devido a
abolição da escravatura e por ser em maio o mês consagrado de Nossa Senhora. Mas,
então, por que agosto? Agosto seria uma época propicia onde as pessoas se encontrariam
com dinheiro devido à colheita do café principal fonte econômica do município na época
em que a data foi selecionada, sendo assim até o presente momento.
Percebe-se, então, os porquês da Festa de São Benedito ocorrer no mês de agosto.
Há de se entender também que a festa é de âmbito popular, os Congadeiros em sua maioria
33
são trabalhadores rurais de origem humilde. Ademais, a gênese festiva está ligada as
camadas periféricas da sociedade majoritariamente: negros e pobres ligadas as classes
marginalizadas do município. “[..] são os pretos os responsáveis pelo brilho da festa que
remonta aos primitivos tempos do período colonial, fase em que teve o início a escravidão
em nosso país”. (CARVALHO, 1985, p. 160).
Segundo Rebello (2006) no ano de 1923 houve uma mudança de ponto da
irmandade do Rosário, com isso, trocando o nome da Festa do Rosário para Festa de São
Benedito. Até a década de vinte do século XX, os Congadeiros não possuíam um lugar
determinado para suas práticas culturais, as danças eram realizadas na Grama conforme
relatado no jornal Folha Machadense (n° 672, de 1987, apud, Araújo, 2014).
De acordo com a Revista Imagem & Conteúdo (2014), os Congadeiros chegaram
a construir uma pequena capela, entretanto a mesma foi demolida sendo posteriormente
de acordo com Rebello (2006) construída uma nova Capela. Essa construção, ainda
segundo o autor, ocorreu graças a uma festa realizada com o intuído de arrecadar fundos
no ano de 1923 tendo como consequência a inauguração da Capela no ano de 1930.
No ano de 1932 como é mostrado por Rebello (2006) não houve a festividade no
município de Machado-MG devido a Revolução Constitucionalista. Contudo, nos anos
de 1938, 1939 e 1940 ocorreram de forma satisfatória – conforme mostra Rebello ao
consultar o livro de tombo da Paróquia.
Ademais, cabe ressaltar que as congadas no município de machado sempre
passaram por dificuldades não tendo apoio da Igreja. Para mais, Gonçalves e Reis (1979)
mostram que é possível observar que através dos registros existentes de Tombo da
Paróquia de Machado-MG, havia no município na década de quarenta do século XX uma
postura de não aceitar a participação dos Congadeiros na festividade religiosa.
Ainda de acordo com Gonçalves e Reis (1979) isso acontecia devido os padres em
sua maioria estrangeiros da congregação “Missionários do Sagrado Coração de Jesus”
indiferentes às manifestações populares culturais brasileiras não aceitavam a
complementação do profano, como as congadas eram entendidas por eles, ao secular e
sagrado. Portanto, no ano de 1942 segundo Rebello (2006) as congadas funcionaram
independentes da festividade. Além do mais no ano de 1943 encontra-se anotado no livro
de tombo: “sem os ruidosos festivais dos outros anos, mas com muito mais fruto
espiritual” (REBELLO, 2006, p. 184, Tomo II). Mostrando uma posição preconceituosa
dos que estavam vinculados a Igreja.
34
Segundo Gonçalves e Reis (1979) os missionários anglo-saxões ficaram à frente
da Paróquia até o final da década de cinquenta do século XX. Contudo, as congadas nunca
se sucumbiram mostrando seu caráter de resistência e permanência durante as atrocidades
a ela conferida. A relação entre o clero e os zeladores da capela de São Benedito não era
amistosa, o que acabou resultando no Litígio: um triste episódio da história da Festa de
São Benedito de Machado-MG.
Em consonância com Silva (2014) na década de quarenta já havia um
desentendimento do zelador com o vigário sobre os modos como a festividade estava
sendo dirigida e sobre as rendas recebidas pelo mesmo. Ademais, houve a suspeita que a
Capela de São Benedito não havia sido construída no terreno doado pela Câmara. Mas,
em um terreno próximo no qual havia sido adquirido por um dos membros das dispares
comissões que ajudaram na materialização da Capela.
Durante o período houve contestações por parte da Igreja onde seus membros
queriam que a escritura fosse passada para a ela, com o pretexto de não realizar a Festa
enquanto o pedido não fosse acatado. Quando o conflito entre a Igreja e o zelador atingiu
maiores proporções, tornou-se um caso com maior notoriedade.
Em conformidade com Rebello (2006) no ano de 1946 não houve apoio do clero
para a realização da festividade. De acordo com Gonçalves e Reis (1979) no mesmo ano
foi trocado o cofre que existia na Capela, pela “Comissão da Festa de São Benedito”
sendo instalado um novo e as chaves foram escondidas. Rebello (2006) mostra que em
1947 a Festa de São Benedito foi realizada sem padres somente com esforço dos
Congadeiros, sendo eles mesmos os organizadores da procissão.
No ano de 1948, segundo Gonçalves e Reis (1979), com a venda da Capela e a
retirada de objetos sacros da mesma a situação acabou se direcionando a justiça. No
mesmo ano Silva (2014) mostra que houve o ato de repudio do zelador: tendo como ação
a não entrega das chaves da Capela para a Paróquia. Por isso, houve a interdição da Capela
pelo Bispo. Para mais, o padre pediu à polícia a proibição das realizações religiosas na
Capela, construída pelos próprios Congadeiros. Por conseguinte, houve a obstrução até
mesmo da consolidação da festividade já programada.
O caso só teve fim conforme mostra Rebello (2006) no ano de 1951, após chegar
no Supremo Tribunal Federal, onde foi concedido a Igreja Católica a posse da capela e
dos terrenos onde a mesma foi construída. No ano seguinte em 1952 houve o reinício da
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Festa de São Benedito em Machado-MG. A Capela foi reformada e voltou a cumprir com
suas funções sacras.
4.1 A crescente festiva e a descentralização de um povo
A Festa de São Benedito em Machado-MG, não era uma festividade de grandes
proporções como hodiernamente. Nem era principal festa do calendário litúrgico do
município, muito menos a principal festa da cidade. Portanto, carecia de atenção e além
do mais, era circundada de olhares preconceituosos por se tratar de uma festa ligada a
população negra.
Em 1.963, as comemorações beneditinas ainda eram depreciativamente
denominadas “uma espécie de quermesse de pretos”, no histórico do Ginásio
São José”. Com o tempo a animosidade cessou porque os brancos dominaram
a Festa, e a Paróquia resolveu explorá-la como fonte de renda. Ela se
desenvolveu e assumiu características atuais a partir de 1.965, quando aqui
chegou o Cônego Wálter Pulcinelli. Ele acabou com duas celebrações
religiosas (São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida) para concentrar esforços
na de São Benedito, obtendo um retorno financeiro esperado. (REBELLO,
2006, p. 186).
Para mais, há relato do Cônego Walter M. Pulcinelli falando sobre a sua chegada
em Machado-MG:
Cheguei em Machado no dia 10 de janeiro de 1965 e, aos poucos, fui tomando
conhecimento da realidade paroquial e suas tradições. Meses depois defrontei-
me com a obrigação de realiza a Festa de São Benedito. [..] A festa era
pequena, já que a promoção economicamente falando era de São Sebastião
realizada na praça Antônio Carlos, sempre no mês de abril. Inteirei-me dos
pormenores da comemoração e logo percebi a necessidade de melhorá-la, não
no espírito religioso, mas no folclórico e popular. Não havia, então, interesse
maior das autoridades em relação à festa, nem entidade alguma que
representasse o folclore das congadas. Os ternos eram apenas 11, com limitado
número de integrantes em cada um e a festa se realizava na Praça de São
Benedito, então de chão batido, sem calçamento. Ainda não se faziam
presentes os “barraqueiros”; o que predominava era restaurantes e locais para
jogos, coelhinho, argolas etc. (REVISTA CONGADAS, 2004, p. 40).
De acordo com Gonçalves e Reis (1979) o avanço da Festa de São Benedito tem
como um dos motivos à eliminação da Festa de São Sebastião. Também, como nos
mostrou Rebello (2006) houve um “embranquecimento” da população festiva. A festa
passou a ter um investimento maior, inclusive de grandes Fazendeiros. Segundo
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Gonçalves e Reis (1979) houve na época esforços para aumentar a produção de café do
município, onde o Prefeito da cidade Walter Palmeira e o Cônego Walter M. Pulcinelli,
através de medidas públicas de incentivos a plantação do café foram atrás de lideranças
(fazendeiros) com o intuído de implementar as medidas. O esforço alcançou resultado,
aumentando a produção de café do município.
Isso explica, de uma vez por todas, a modificação do panorama econômico da
Festa de São Benedito. Um povo bem aquinhoado financeiramente e de fé
religiosa convicta é um povo que colabora com a Igreja. (GONÇALVES e
REIS, 1979, p. 24).
Ainda de acordo com Gonçalves e Reis (1979) ciente da importância das congadas
o Cônego tratou de aproximá-las da Igreja. Contudo, não se obteve ajuda financeira e os
ternos do município continuaram passando dificuldades para se manter e abrilhantar a
festividade.
O terreiro4 de São Benedito passou por transformações ao longo de sua existência.
De acordo com a revista Imagem & Conteúdo (2014), a primeira modificação no terreiro
se deu no ano de 1961. Ocorreu devido às características topográficas do lugar, houve
uma terraplanagem. Em consonância com Gonçalves e Reis (1979) o terreiro de São
Benedito era de chão batido, conforme mostra a fotografia 1, o que ocasionava em muita
poeira devido ao acréscimo de pessoas no lugar.
Eu comecei a dançar a pracinha de São Benedito era uma terra só, você estava
dançado ali de repente olhava para cima vinha aquele calor de poeira, o pessoal
que estava chegando você olhava para cima aquele calor de poeira, era tão
gostoso[..]. (SILVA, Mario Antônio da5).
4 Como algumas pessoas chamam a praça de São Benedito. Doravante, será como a praça de São Benedito
será abordada. É chamada de terreiro pois nas antigas fazendas os negros faziam suas manifestações
culturais nos terreiros e há também nessa questão o sincretismo religioso entre o catolicismo popular e as
religiões de matrizes africanas 5 Congadeiro há mais de cinquenta anos no município de Machado-MG e Capitão do Terno Demonstração
– [agosto de 2017]. Entrevistador: Jhonatan da Silva Corrêa. Machado-MG, 2017
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A) B)
Fotografia 1: Terreiro de Chão Batido
A) Terreiro de São Benedito e algumas barracas de alimentação, sem data.
B) Terreiro de São Benedito sem ter passado por nenhuma reforma, sem data.
Fonte: Revista Imagem & Conteúdo, 2014, p. 47 e 67
Posteriormente a terraplanagem houve em 1968, de acordo com a Revista Imagem
& Conteúdo (2014), uma grande reforma no terreiro. Nesta ocasião o Cônego W.M.
Pulcinelli já havia chegado no município. Conforme mostra Gonçalves e Reis (1979)
houve o calçamento com pedras, construção de banheiros públicos e também algumas
partes foram gramadas. Um ano antes, ou seja, em 1967 no dia 2 de abril se teve a
inauguração da nova capela, sendo demolida a antiga e construído outra sobre seus
alicerces. Na fotografia número 2 é possível perceber o terreiro com pedras calçadas e a
nova capela.
A) B)
Fotografia 2: Terreiro de São Benedito pós a reforma de 1967 e nova Capela A) Terreiro de São Benedito reforma de 1968 e nova Capela inaugurada em 1967
B) Terreiro de São Benedito nos anos 70 do século XX, em dia festivo
Fonte: Revista Imagem & conteúdo, 2014, p. 67-69
No ano de 2007 o terreiro de São Benedito passou por mais uma reforma. Segundo
a Revista Imagem & Conteúdo (2014) foi executado a construção de sanitários na parte
inferior do terreiro, sendo a parte superior preenchida com laje. Apesar da tentativa de
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melhorar o espaço festivo, a reforma do terreiro não alcançou aprovação total. Há muitas
reclamações dizendo que o espaço poderia ter sido melhor aproveitado.
A) B)
C) D)
Fotografia 3: Última reforma no terreiro
A) Placa informativa sobre a reforma e revitalização do terreiro de São Benedito
B) Sanitários e sala, característica desta última reforma
C) Espaço do terreiro
D) Parte que poderia ter sido melhor aproveitada, aumentando o espaço para as
manifestações culturais
Fonte: Jhonatan da Silva Corrêa, dezembro de 2017
No ano de 2013 houve uma reforma da Capela de São Benedito um ano antes do
centenário festivo. De acordo com Araújo (2014) a obra foi iniciada no dia 7 de maio de
2013. Existia um receio de não conseguir terminar a tempo, pois, faltavam um pouco mais
de cem dias para iniciar a festividade daquele ano. Houve uma grande movimentação para
que tudo se estabelecesse dentro do prazo esperado. O objetivo foi alcançando, conforme
mostra a fotografia número 4.
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A) B)
C)
Fotografia 4: Nova capela de São Benedito
A) Capela de São Benedito vista de outro ângulo
B) Capela de São Benedito vista de frente
C) Placa da reinauguração da Capela de São Benedito
Fonte: Jhonatan da Silva Corrêa
A reinauguração aconteceu em agosto de 2013, no dia 16, tendo uma missa
realizada pelo padre da Paróquia Sagrada Família e Santo Antônio de Machado-MG.
Ademais, cabe ressaltar que a reinauguração aconteceu no primeiro dia da Festa de São
Benedito no ano de 2013.
4.2 O Comércio e a constituição da Associação dos Congadeiros
A Festa de São Benedito não se faz somente no terreiro, as ruas começaram a
receber barracas onde se estabeleceu uma feira comercial na qual se tem uma grande
variabilidade de produtos. A feira que se instalou na festividade atrai comerciantes de
diversas localidades, é uma grande detentora da atenção do público festivo junto com a
cultura do lugar. Devido os preços mais baixos, trazendo grande entusiasmo a população
de Machado-MG e região. “É verdade que nem sempre essa feira existiu e que no seu
40
início não tinha as mesmas proporções atuais. Contudo hoje ela é parte integrada da festa
e isso não mais se discute: constata-se”. (GONÇALVES e REIS, 1979, p. 22).
De acordo com Rebello (2006) a Festa de São Benedito cresceu de forma, podendo
se dizer, descontrolada. Logo, começou a ter problemas. De acordo com o autor a Festa
de São Benedito já chegou a ter cerca de 1500 barraqueiros, onde se era possível ver
barracas nas ruas: Joaquim Teófilo e Barão do Rio Branco. Percebe-se então que durante
o período festivo há ruptura com o cotidiano do lugar.
Muitos moradores aproveitavam a situação conforme mostra Rebello (2006) e
vendiam energia elétrica, comida, alugavam garagem e banheiros para os barraqueiros. O
autor relata que a infraestrutura do lugar deixava a desejar. Além do mais, não pode deixar
de ressaltar que a forma como os barraqueiros se instalavam era feita de forma ilegal,
pois, havia uma cobrança indevida do espaço público realizada desde a década de sessenta
segundo o autor.
Dessa forma é perceptível que o comércio paulatinamente foi conquistando
território na festividade constituindo, assim, uma territorialidade e passando a ter
influência no território e importância para a sua manutenção.
Um outro grande acontecimento na estruturação da festividade foi a consolidação
da Associação dos Congadeiros, sendo uma representação política dos interesses dos
Congadeiros, que por muito tempo ficaram desamparados.
No início dos anos 80, a quantidade de ternos em Machado já ultrapassava uma
dezena. O número de congadeiros aumentava a cada ano, mas eles não
possuíam um local onde pudessem se reunir e ali discutirem seus problemas,
as coisas do seu interesse. Não tinham um órgão representativo da classe.
(REVISTA IMGAEM & CONTEÚDO, 2014, p. 48)
Conforme mostra a Revista Imagem & Conteúdo (2014) a Associação foi
construída através de mutirões que foram organizados pelos próprios Congadeiros, e a
obra custeada pela prefeitura do município. O terreno onde se deu a construção foi fruto
de uma doação da COHAB-MG6 sendo construído no bairro Santo Amaro em Machado-
MG. O início da obra foi no dia 02 de setembro de 1980.
Em consonância com Rebello (2006), a Associação dos Congadeiros teve sua
fundação no ano de 1981, no dia 30 de agosto ainda não estava totalmente concluída,
6 Companhia Habitacional