Anais do 6º Interprogramas de Mestrado
da Faculdade Cásper Líbero
(São Paulo, SP, 5 e 6 de novembro de 2010)
ISSN: 2176-4476
Texto original como enviado pelo/a autor/a
A LINGUAGEM MOTION GRAPHICS NOS VIDEOCLIPES BRASILEIROS:
Uma batida perfeita entre imagem e música.
Luciano de Souza1
Resumo
A produção do videoclipe pode proporcionar experimentações estéticas e narrativas. Uma das
inovações utilizadas nos últimos anos é a linguagem motion graphics que se caracteriza pela
composição e manipulação de imagens em movimento, por computador, permitindo animar
diferentes tipos de representação audiovisual. Por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental,
esse trabalho visa identificar e conceituar os aspectos característicos da linguagem do videoclipe e
do motion graphics, além de analisar a utilização estética e narrativa deste recurso, tendo como
objeto de estudo o clipe À procura da batida perfeita, do cantor Marcelo D2.
Palavras-chave: Videoclipe 1. Motion Graphics 2. Animação 3. Audiovisual 4. Marcelo D2 5.
Introdução
1 Luciano de Souza é mestrando em Comunicação pela USCS (Universidade Municipal de São Caetano do
Sul) dentro da linha de pesquisa “Inovações na linguagem e na cultura midiática”. Professor do curso de
Rádio e TV da USCS nas disciplinas de Roteiro para Televisão, Edição e Pós-Produção, Técnicas de Direção
e Produção e Projetos Experimentais. Profissional da área de edição de imagens, animação e pós-produção. E-
mails: [email protected]; [email protected]
Desde suas origens na década de 1970 até os dias de hoje, o videoclipe tem sido um
gênero audiovisual que proporciona campo extenso para experimentações estéticas e
narrativas. Historicamente, segundo Machado (2000) e Bryan (2005), as referências
artísticas dos videoclipes sempre estiveram ligadas às linguagens de outros gêneros como o
cinema e a publicidade, além do intercâmbio natural com outras estéticas como a arte pop e
a videoarte. Portanto, o design, a animação e a computação gráfica encontraram um campo
fértil na produção de videoclipes e, do encontro entre música e gráficos em movimento,
surgiu o que hoje chamamos de motion graphics2.
A linguagem motion graphics (MG) se caracteriza pela composição visual e
manipulação de imagem em movimento, por computador, permitindo assim animar
diferentes tipos de representação audiovisual (vídeos, fotos, tipografia e elementos
gráficos). Segundo João Velho, a definição do termo pode ser resumida da seguinte forma:
Em suma, proponho o entendimento do termo motion graphics como uma área de
criação que permite combinar e manipular livremente no espaço-tempo camadas de
imagens de todo o tipo, temporalizadas ou não (vídeo, fotografias, grafismos e
animações), juntamente com música, ruídos e efeitos sonoros. (Velho, 2008:19)
De acordo com Krasner (2004), esse tipo de linguagem tem suas raízes nas primeiras
experimentações de animação das décadas de 1920 e 1930 que buscavam sincronização
entre imagem e som utilizando a colagem, a interferência direta na película e a técnica de
animação stop-motion. Um bom exemplo é o filme Simphonie Diagonale (1923) realizado
pelo músico e pintor sueco Viking Eggeling que era simpatizante do Dadaísmo. As diversas
formas que aparecem ao longo do filme são animadas variando a orientação, o tamanho e a
espessura numa tentativa de sincronização com a música. Esse tipo de recurso é muito
utilizado na linguagem MG. Mais tarde, na década de 1930, o alemão Oskar Fischinger
produziu várias animações abstratas na tentativa de reproduzir o que ele chamava de
“música visual”, sendo posteriormente contratado por Walt Disney para compor a equipe
de animação que produziu o filme Fantasia (1940). O termo motion graphics se
2 No Brasil, o profissional de motion graphics pode ser conhecido por outras denominações, como por
exemplo, videografista, “motion designer” ou até mesmo “motion graphic designer”.
popularizou a partir de 1960 quando John Whitney, um dos pioneiros da computação
gráfica, fundou uma nova empresa chamada Motion Graphics Incorporated.
Com o advento e desenvolvimento das tecnologias digitais de edição, animação e
pós-produção, e a incursão definitiva do design gráfico na TV, no cinema e no vídeo, o
motion graphics tornou-se uma alternativa acessível para a realização total ou parcial de um
videoclipe. Por meio dele, tem-se construído uma nova linguagem nos clipes, buscando
cada vez mais originalidade e inovação narrativa.
Por se tratar de uma linguagem que incorpora elementos de outras, é possível
destacar o caráter de hibridização que compreende as mais diversas combinações e misturas
no campo visual. De acordo com Santaella, “há apenas três matrizes lógicas, a partir das
quais, por processos de combinações e misturas originam-se todas as formas possíveis de
linguagem e processos de comunicação. Essas matrizes são: a sonora, a visual e a verbal”
(Santaella, 2007:76). E nesse contexto, o MG está inserido por incorporar principalmente o
design gráfico às linguagens já conhecidas do cinema e do vídeo, como indica Manovich:
“o termo motion-graphics (gráfico animado) expressa o mesmo desenvolvimento: a
subordinação ao código gráfico da ação cinematográfica ao vivo” (Manovich, 2006:4).
Com a observação do videoclipe da música “À procura da batida perfeita”, do
compositor e cantor Marcelo D2, este estudo se propõe a analisar em que aspectos
inovadores o motion graphics é utilizado para o resgate da memória e da história do samba
e do hip-hop carioca. Tanto o samba como a cultura hip-hop tem suas raízes nas
comunidades mais periféricas das cidades e, por conta disso, são formas de tradução da
realidade suburbana. O rap, um dos símbolos do hip-hop, retrata na maioria das letras a
violência, as drogas, o racismo e a falta de perspectiva dos jovens.
O objetivo dessa análise é identificar os signos que representam e fortalecem
principalmente a questão da memória evidenciada durante todo o clipe utilizando como
referencial teórico os conceitos estabelecidos na Semiótica da Cultura. Isto será possível
pela identificação dos diversos elementos utilizados no motion graphics como fotos,
tipografia, vídeos, animações e texturas, além das imagens do cantor, que direcionam a
atenção do espectador para o cenário musical carioca com uma narrativa que remete tanto
ao rap como à tradição do samba.
Marcelo D2: a conexão entre o samba e o rap
Em 5 de novembro de 1967, no Rio de Janeiro, nasce Marcelo Maldonado Peixoto
que mais tarde seria conhecido no Brasil inteiro por Marcelo D2. Durante sua infância,
morou em diversos bairros do subúrbio carioca, como Andaraí, Madureira, Maria da Graça
e Padre Miguel. A família era de classe média baixa e, desde cedo, o cantor manteve
contato com o movimento hip-hop e o samba que acabariam por ser a mais forte influência
em suas músicas. Em sua biografia, Marcelo D2 diz: “Samba, soul music... Minha mãe
gostava de Barry White. Mas me lembro do dia em que meu pai chegou em casa com um
compacto do Afrika Bambaataa. Ouviam muito rádio, João Nogueira... Meus tios gostavam
muito de samba.” (apud Levinson, 2007:23).
Em 1995, Marcelo D2 despontou no cenário musical brasileiro como vocalista do
grupo de rock Planet Hemp. Em 1998, após quatros discos com o grupo, Marcelo D2
lançou uma bem sucedida carreira solo. O primeiro álbum chamado Eu tiro é onda
impressionou a crítica musical pela ousadia e criatividade em misturar o hip-hop com
elementos do samba e da bossa nova. Neste primeiro trabalho, o cantor ressalta a sua
posição de artista que traduz o espírito da periferia, alguém que “saca a cidade” e configura
o rap brasileiro como um gênero musical que faz uma interlocução da realidade.
Transplantado para a periferia do país da exclusão, o hip-hop aproxima-se cada vez mais do
samba, como demonstra, em sua segunda aventura solo (À procura da batida perfeita),
Marcelo D2, do Planet Hemp. Depois de Eu tiro é onda (1998), Marcelo aprofunda a idéia
de fusão, mas inteligentemente deixa a obra em aberto, crivada de ambigüidades e
questionamentos. (Souza, 2003:305)
O disco “À procura da batida perfeita”, lançado pela Sony Music em 2003, é o
segundo CD solo do cantor. Praticamente todas as faixas podem ser enquadradas no gênero
musical rap, apesar da sonoridade estabelecer um diálogo constante com o samba mais
popular, também conhecido como “samba de quintal” ou de “partido alto”, e a história de
vida do próprio cantor. Assim como o samba, o rap é um modo de expressão musical
ligado à poesia oral.
De uma maneira generalista, pode-se dizer que Rap é um modo de expressão musical ligado
à poesia oral tendo como base um ritmo criado sobre uma batida 4/4 tocada de modo
reiterativo. Essa batida é forjada no encontro da mixagem dos vinis com as bases rítmicas.
O DJ acabou se afirmando na cultura musical contemporânea como um músico bricoleur.
(Janotti Jr., 2003:40)
Assim como o rap, o chamado samba de partido-alto tinha como característica a
improvisação, como define Lopes:
Improvisação repentina, cantada em feitio de contenda, numa espécie de duelo verbal, como
outras modalidades de cantoria, o partido-alto tem a distingui-lo a circunstância de que se
realiza e completa, na roda do samba, e sempre de forma bem-humorada e brincalhona.
(Lopes, 2005:18)
A capa do disco de À procura da batida perfeita (Figura 1.), criada pelo estúdio de
design chamado Motim, já evidenciava que o cantor Marcelo D2 procurava estabelecer
relações entre a tradição do samba e os aspectos cosmopolitas do rap. Além do desenho
estilizado do rosto do cantor, observa-se um pandeiro, uma cuíca, um atabaque, uma pick-
up (toca-discos) e uma mesa de som, além de outros elementos gráficos característicos do
universo do samba e do hip-hop, como, por exemplo, o grafite.
Fig.1- Capa do CD À procura da batida perfeita
O DVD À procura da batida perfeita (Figura 2.) foi lançado no ano seguinte (2004)
e basicamente era todo composto por videoclipes do cantor, além de um documentário do
encontro entre sambistas do partido-alto com artistas do rap e inúmeros extras como
making-ofs, entrevistas e trechos de shows.
Fig.2- Encarte externo do DVD “À procura da batida perfeita”
Para essa análise foi escolhido o videoclipe da música-título do DVD: À procura da
batida perfeita. O vídeo foi produzido totalmente na linguagem motion graphics pelo
estúdio de design chamado Apavoramento Sound System.
Análise do videoclipe
O clipe da música À procura da batida perfeita personifica a figura do cantor
Marcelo D2 no cenário pop brasileiro como alguém capaz de produzir algo original, unindo
dois gêneros tão distintos musicalmente, mas com identificação nas camadas mais
populares do Brasil. Durante todo o vídeo são colocados elementos que retratam a memória
do samba e reforçam os pontos em comum existentes com o rap brasileiro, além de apontar
as misturas de linguagens e sonoridades presentes no trabalho de Marcelo D2 e que
permearam sua carreira artística e sua história de vida.
Em relação aos conceitos explicitados por Aumont (2001), podemos destacar a
questão central da linguagem MG: combinar e animar livremente camadas de imagem de
todo o tipo (vídeo, fotografias, elementos gráficos diversos, tipografia e animações). O
motion graphics cria a ilusão representativa do movimento de imagens bidimensionais,
geralmente dentro de um ambiente virtual tridimensional. Essa animação é realizada
principalmente com elementos que são representações visuais da realidade. (Figura 3.) De
acordo com Manovich, “o motion graphics produzido profissionalmente e outros projetos
de imagem-movimento rotineiramente misturam conteúdos na mesma mídia e/ou de
diferentes mídias”. (Manovich, 2007:7)
Fig.3- Imagens de animações de figuras bidimensionais através da linguagem motion
graphics.
Outro aspecto apresentado por Aumont (2001), e presente no videoclipe, é o
conceito de rememoração e de reconhecimento, ou seja, gráficos e imagens não possuem
sentido sozinhos, dependem de cada interpretação dos indivíduos. É preciso um
conhecimento das imagens relativas à tradição do samba para interpretá-las na sua
totalidade. Num momento do vídeo, o cantor aparece sobreposto a uma imagem animada
do disco cujo selo interno indica a gravação do mítico Pelo telefone, de 1917, marco da
popularização do termo “samba”. (Figura 4.) De acordo com Miranda (2007), Napolitano e
Wasserman (2000), independente da sua discutível autoria e da sua proximidade com o
maxixe, Pelo telefone teve sua importância por levar o samba para fora dos espaços sociais
restritos aos músicos negros e populares.
Fig.4- Imagem ao fundo do disco de samba (Pelo Telefone, 1917).
Algumas palavras que aparecem ao longo do videoclipe também caracterizam
especificamente o cenário do samba como “partideiros” e “bambas”. Os bambas são os que
têm muito conhecimento sobre o samba e “partideiros” se refere àqueles que participam do
partido-alto, um sub-gênero do samba caracterizado pelo improviso nos versos em forma de
duelo e pelo encontro para dançar e cantar. (Figura 5.)
Fig.5- As palavras “bambas” e “partideiros” presentes no vídeo.
Ao observar as imagens no clipe, o espectador reconhece e identifica as
transformações que cada uma delas apresenta e as relaciona às informações já arquivadas
em sua memória pessoal e coletiva, como formas, cores e dimensões, surgindo novas
interpretações.
Numa outra imagem, ao fundo, no momento em que Marcelo D2 canta “...Proteja a
raiz pra que tenha bons frutos / Já diz o velho ditado: Quem tá junto tá junto", aparece uma
árvore com alguns nomes importantes do samba carioca como Xangô da Mangueira,
compositor de mais de 150 sambas e com uma obra comparável a Nelson Cavaquinho e
Cartola. (Figura 6.)
Fig.6 – Imagem da árvore ao fundo com nomes importantes da história do samba.
Durante todo o clipe, a tipografia presente ora remete ao movimento hip-hop
(grafite), ora remete a jornais e folhetos do ano de 1967, o ano de nascimento do cantor e
título de uma das faixas deste CD. Há, portanto, uma representação do real que recria a
realidade existente naquela época caracterizada, principalmente, pela textura sépia presente
em todo o clipe. A mesma textura representa um tom opaco e amarelado, semelhante a de
páginas antigas de jornais e folhetos, além de todas as imagens atuais em vídeo também
estarem com a coloração alterada para um visual característico dos anos 1970, mais
próximo das imagens em Super-8 presentes naquela época.
Segundo Janotti e Soares (2008), para o estudo de um videoclipe, é impossível fazer
uma análise da imagem sem associá-la à análise verbal e sonora. Além disso, as capas de
álbuns, encartes e cartazes de shows auxiliam na construção imagética do artista diante do
público. Por exemplo, a imagem do muro, do grafite e do asfalto remetem ao cenário hip-
hop, e essas imagens associadas permitem apontar e condicionar determinadas leituras que
nos farão reconhecer os gêneros musicais associados a um artista.
No próprio título da canção À procura da batida perfeita já está presente toda
relação entre samba e rap com a palavra “batida”. Na sonoridade, a base é o rap, mas no
refrão entra uma voz feminina que representa a tradição do samba de partido-alto.
Um aspecto dos estudos de Lotman (2000) e Machado (2005) pode ser aplicado ao
videoclipe: o fato de que ele é um sistema codificado que exige um aprendizado do
espectador para uma interpretação completa do audiovisual. Em alguns clipes há um
excesso de codificações que geram uma complexidade. A própria linguagem motion
graphics já é capaz de gerar uma linguagem abstrata em que cada pessoa produz os seus
significados. É o conceito de que existem diversos textos dentro de um único texto. Apesar
de existir uma intertextualidade (fundo, partículas, grafismos, etc.), existe sempre um
dominante ao longo do vídeo que é o próprio cantor.
O conceito de fronteira estabelecido por Lotman (2000) configura uma superfície
heterogênea de uma zona de contato entre sistemas semióticos. O MG trabalha na fronteira
do vídeo, do design, da animação e dos efeitos visuais. O clipe do Marcelo D2 pode ser
colocado dentro da fronteira entre o videoclipe e o motion graphics.
O videoclipe, como produto audiovisual, tem uma multiestruturalidade, pois é um
conjunto formado por música, gráficos, edição, direção de arte, efeitos visuais, animação e
tipografia que juntos configuram um texto. Quanto à estrutura do motion graphics presente
nesse clipe, é preciso identificar os elementos que traduzem o “presente” e quais
representam o “passado”. O samba partido-alto, que teoricamente representa o “passado”,
está nítido nos seguintes pontos do clipe:
- nos grafismos em quase todo o clipe (manchetes de jornais, folhetos, capas de
discos de figuras importantes do samba carioca, fotos de sambistas tradicionais, etc.);
- nas fotos de máscaras de carnaval;
- na textura de fundo (sépia) que lembra uma folha de jornal ou folheto de
divulgação antigo.
O “presente” é representado principalmente pelas imagens de Marcelo D2 e, na
parte final, com as imagens de um documentário produzido especialmente para o DVD que
registra um encontro de sambistas famosos e alguns rappers cariocas. A própria imagem do
cantor, durante todo o tempo em que aparece cantando, está aplicada ao fundo, ou seja, isso
representa como ele se apresenta no cenário musical: alguém capaz de unir o samba e o
rap.
Em um determinado momento do vídeo, são apresentadas fotos de pessoas que
aparecem numa grande “fotocolagem”. Essas fotos são de figuras importantes do rap, do
samba e também ídolos da infância do cantor, além de figuras polêmicas, fazendo mais uma
vez uma ligação com a história de vida do Marcelo D2. Já a maioria dos vídeos
apresentados no clipe faz uma mistura de materiais antigos e novos, reforçando a mescla da
contestação do rap, de um lado, com a malandragem do samba, de outro.
Mas, sem dúvida, o ponto mais explícito no videoclipe é o conceito de memória.
Segundo Machado (2005), a memória é a “faculdade que alguns sistemas, naturais ou
artificiais, possuem para conservar e acumular informações com o objetivo de criar e
processar mensagens, tal como foi definida pela teoria da informação e pela cibernética”
(Machado, 2005:163). A todo o momento, usamos da memória para construir o nosso
futuro. Esse conceito é amplamente difundido na letra e reproduzido no vídeo com o
motion graphics.
Primeiramente, a letra da música constrói referências claras à vida do cantor e à
importância que o samba teve na sua formação musical, mesmo que hoje ele seja
identificado como representante do rap brasileiro. Com esse trabalho ele faz uma
reverência às principais figuras do samba carioca, com ênfase no chamado partido-alto que
teve seu auge justamente durante a infância de Marcelo D2. Observe o trecho abaixo da
letra da música que retrata fielmente a importância do samba nas composições musicais do
cantor:
“Iate em Botafogo/ Apartamento em Ipanema/ Uma vida de bacana se eu entrasse pro
esquema/ Mas eu busco na raiz e lá tá o que eu sempre quis/ Não é um saco de dinheiro
que me deixa feliz/ E sim a força do Samba/ a Força do Rap/ O MC que é partideiro/
Bumbo que vira scratch/ É o meu som que mostra muito bem o que eu sou/ Onde cresci
onde ando onde fica onde eu vou”.
A transmissão de significados está diretamente ligada à memória presente em várias
imagens e gráficos do videoclipe:
- a imagem do cantor dentro de uma televisão típica da década de 1970;
- o gráfico de uma importante escola de samba: GRAN SAMBA - Grêmio
Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, fundado por Antônio Candeia
Filho, o Candeia, que estava inconformado com o rumo que as escolas de samba tomavam,
submetidas às regras dos patrocinadores. (Figura 7.) Tornou-se um movimento de
resistência na defesa das tradições culturais e manifestações artísticas populares;
Fig.7 - Imagem da escola de samba GRAN SAMBA.
- as capas de discos referenciais de sambistas famosos como Xangô da Mangueira,
Ismael Silva, Bezerra da Silva, Cartola, etc. (Figura 8.);
Fig.8 – Imagens de capas de discos de samba
- as imagens antigas de um dançarino de break, uma das identidades marcantes do
cenário hip-hop juntamente com o rap (Figura 9.);
Fig.9 – Imagem, do lado esquerdo, de um dançarino de break.
- a “colagem” realizada com motion graphics que destaca figuras importantes para a
vida e a carreira artística de Marcelo D2 (Figura 10.);
Fig.10 – Colagem com diversas figuras importantes para a vida de Marcelo D2.
- em um gráfico com o título “Os Bambas do Samba”, D2 aparece cantando em
meio a várias figuras de destaque da Velha Guarda das escolas de samba do Rio de Janeiro
(Figura 11.);
Fig.11 – Imagem de Marcelo D2 junto aos “Bambas do Samba”.
- nas cenas finais há uma edição de imagens antigas e recentes de pessoas negras em
rodas de samba, além de imagens de um grafiteiro, que caracterizam o rap e o samba como
forma de expressão artística das camadas mais populares do Brasil.
Considerações Finais
Por meio das reflexões propostas neste estudo, podemos perceber como o motion
graphics se caracteriza cada vez mais por uma linguagem híbrida que incorpora elementos
do design gráfico com a linguagem do cinema e da televisão. Apesar da relação comercial
que define videoclipe como peça de divulgação de um produto da indústria da música, ele
se apresenta como um produto audiovisual que permite a experimentação de novas
linguagens e um grande potencial criativo.
A análise do clipe À procura da batida perfeita, do cantor Marcelo D2, permitiu
entender como a linguagem motion graphics possibilitou, de forma inovadora, uma nova
construção narrativa, principalmente quanto ao resgate da memória da tradição do samba
carioca. Por meio dessa linguagem, foi possível representar visualmente o final da década
de 1960 e criar um elo com o rap.
O roteiro utilizado na análise utilizando conceitos da Semiótica da Cultura se
mostrou eficaz na medida em que ficaram evidenciados os principais conceitos de memória
presentes durante todo o videoclipe. Além disso, ficaram evidentes alguns aspectos
estéticos importantes relacionados ao motion graphics e as relações existentes entre
imagem e som dentro de um videoclipe.
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