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Diretoria da ABET
Presidente Tiago de Oliveira Pinto (USP)
Vice-presidente Alice Lumi Satomi (UFPB)Secretrio Accio Tadeu de Camargo Piedade (UDESC)
2 Secretrio - Francisco Simes Paes (USP)
Tesoureira Flvia Camargo Toni (USP)
2 Tesoureiro Marcelo Simon Manzatti (USP),
Editora - Maria Elizabeth Lucas (UFRGS)
Editor Assistente Hugo Leonardo Ribeiro (UFBA)
Conselho Fiscal
Titulares:
Maria Ignez Cruz Mello (UDESC)
Deise Lucy Oliveira Montardo (UFSC)
Elizabeth Travassos Lins (UNIRIO)
Suplentes:
Edilberto Jos de Macedo FonsecaMartha Tupinamb de Ulha (UNIRIO)
Carlos Sandroni (UFPE)
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Comisses do III Encontro da ABET
Conceito Geral
Tiago de Oliveira Pinto
Coordenao cientfica:
Alice Lumi SatomiTiago de Oliveira Pinto
Comit Cientfico:
Kilza Setti
Marcos Branda Lacerda
Jos Geraldo Vinci de MoraesJos Roberto Zan
Comisso Organizadora do Evento:
Alice Lumi Satomi
Flavia Camargo Toni
AccioTadeu Piedade
Nicholas Rauschenberg
Marcelo ManzattiFranscisca Marques
Priscila Ermel Barrak
Equipe local de organizao:
Nicholas Dieter Berdaguer Rauschenberg
Henrique Genereze da Silva
Rafael Nobre de Sousa
Pedro Cillo RodriguesEquipe do SESC Pinheiros
Agenda:Nicholas Dieter Berdaguer Rauschenberg
Programao de apresentaes musicais:Marcelo Manzatti
Programao de vdeos:
Priscila Ermel
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Padronizao dos textos recebidos (para os Anais):
Joslia Ramalho
Erivan SilvaAlexandre Nder
Igor Coimbra
Luiz Fernando N. Costa
(alunos de Ps-Graduao em Etnomusicologia da UFPB)
Correes, Diagramao e Editorao Eletrnica
Marciano da Silva Soares
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III Encontro da Associao Brasileira de Etnomusicologia:
Universos da Msica: Cultura, Sociabilidade
e a Poltica de Prticas Musicais
Apesar de relativamente jovem enquanto associao profissional, a ABET neste seu IIIEncontro j comprova que a etnomusicologia no mais uma disciplina em fase inicial deimplantao no pas, mas se encontra em franca expanso e mesmo solidificada em diversosprogramas universitrios. O III Encontro rene pesquisadores de 15 estados brasileiros detodas as regies do pas, que inscreveram aproximadamente 200 trabalhos, a seremapresentados e discutidos durante trs dias em sesses de comunicaes, mesas redondas eoficinas. Participam destes eventos tambm especialistas que representam 16 instituies de 9pases diferentes da Europa e das Amricas. Os temas gerais que foram propostos para o III
Encontro da ABET
(1) Teoria, mtodos e tcnicas da documentao etnomusicolgica, (2) Escrita e oralidade,roteiro e improviso, texto e contexto na performance musical, (3) Formas de Urbanidade e de
Mundializao na Msica, (4) Transculturao, nacionalismos, regionalismos deslocamentose estilos individuais, (5)Interaes e frices entre trabalho de campo, sociedade e pesquisa,(6) As pesquisas musicais e os saberes de mestres e de autoridades e (7) Msica Popular,dana e sua repercusso miditica
esto inseridos no debate que vai alm das questes brasileiras, sintonizados, portanto, ao quevem a ser uma etnomusicologia mundial coerente em relao a questes preeminentes deste
incio de sculo.
Entre os vrios aspectos que saltam vista ao observarmos a tnica das comunicaesselecionadas, gostaria de destacar aquele em que a etnomusicologia apresenta um alto grau deaplicabilidade junto a comunidades, cujas prticas musicais so documentadas, estudadas edifundidas. A experincia da disciplina no Brasil especialmente rica em exemplos onde osaber do pesquisador se estende para atividades de mediao, que levam ao auto-reconhecimento e mesmo a uma forma de auto-pesquisa entre determinados grupos.
O ttulo geral do encontro, Universos da Msica, pode parecer uma contradio, selembrarmos que um dos lemas da etnomusicologia justamente o veredito de que a msica
no uma linguagem universal, ou seja, no compreendida de maneira inequvoca por todosos habitantes do globo. Estamos cientes, porm, de que msica universal enquantomanifestao do homem no existe povo ou sociedade sem msica e que semelhante lngua falada, ela adota diferentes caractersticas de acordo com as diferenas que distinguemas culturas umas das outras. Os universos da msica, portanto, no devem apenas sercompreendidos na sua dimenso espacial, histrica e regional, mas como modos de expressomusical que permeiam inmeros momentos e ensejos das atividades humanas. O interesse e ofascnio por esta multiplicidade de universos que guiar os participantes do congresso daABET de 2006 no SESC Pinheiros em So Paulo.
A realizao deste III Encontro s possvel graas ao esforo, ao trabalho e dedicao demuitos dos nossos colegas da ABET e da equipe da instituio parceira, que est sediando oevento, o SESC SP Pinheiros. Cumpre um reconhecimento especial ao SESC SP, que atravsde sua unidade de Pinheiros oferece condies ideais para um encontro como este. Muito mais
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do que espao fsico, o SESC porm compartilha de muitos dos nossos anseios, o que seevidencia na programao musical da instituio, pioneira em muitos aspectos, e mantenedorade um alto padro de qualidade e de originalidade h dcadas.
Agradeo a todos os envolvidos na preparao deste III Encontro, diretoria do SESC SP, equipe da unidade Pinheiros, aos meus colegas da diretoria da ABET e a todos osparticipantes, em especial tambm aos de fora, que no hesitaram em vir a So Paulo, paracontribuir com a sua participao ao xito do evento.A todos desejo um timo III Encontro com mltiplos e inspiradores Universos da Msica!
Prof. Dr. Tiago de Oliveira PintoPresidente da Associao Brasileira de Etnomusicologia (ABET)
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Conferencia (CO)
Gerhard Kubik(Universidade de Viena):
"Emoo e coneces mltiplas na pesquisa musical. Relatos de vida na frica.
Tera feira, 20:00, Auditrio Principal
Gerhard Kubik nasceu em Viena, ustria, no ano de 1934. Enquanto garoto no ps-guerra de sua cidade natal, ocupada pelas tropas americanas, travou contato com o blues ecom o jazz, participando de vrias bandas de msica, onde tocava a guitarra e a clarineta.
Estudou antropologia e musicologia na universidade de Viena. Sem ter concludo os seusestudos, fez sua primeira grande viagem frica em 1958, quando saiu de carona de Viena,chegando semanas mais tarde em Uganda. Neste pas da frica Oriental fez seus primeirosestudos prticos de msica tradicional africana. Estudou com Evaristo Muyinda, o ltimogrande sobrevivente dos msicos da corte do reino de Buganda. Desde esta experincia, quedurou aproximadamente um ano, Gerhard Kubik no deixou de visitar e de pesquisar na maiorparte da frica ao sul do Saara. Entre as experincias que teve, destacam-se os anos em quepassou no interior de Angola e de Moambique, registrando performances e rituais entre 1962e 1965, que nas dcadas subseqentes ficaram devastadas pelas guerras de libertao, emespecial destes dois pases. Gerhard Kubik domina com fluncia trs idiomas nativos docontinente africano, e sempre defendeu nas suas pesquisas a importncia da lngua nativa, acognio, a sociabilidade e as teorias nativas nas suas pesquisas musicais. Autor de mais de300 publicaes sobre msica, cultura, psicologia, idiomas e sociedades africanas, GerhardKubik possui inmeras condecoraes internacionais, lecionou em universidades europias,na frica, nos EUA e no Japo. Conheceu o Brasil em 1974. Retornou mais duas vezes,efetuando pesquisas de campo na Bahia, no interior de So Paulo e no Mato Grosso. Sobre oBrasil publicou artigos e dois livros: Angolan Traits in Black Music, Dances and Games in
Brazil(Lisboa 1979) eExtensionen afrikanischer Kulturen in Brasilien(Aachen, 1990).
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Apresentaes de Msica Regional do Estado de So Paulo
22/11, quarta feira, praa, 13:00hs: Os Favoritos do Catira/ Guarulhos, SP23/11, quinta feira, praa, 13:00hs: Fandango de Chilena/ Capela do Alto, SP
23/11, quinta feira, praa, 20:00hs: Batuque de Umbigada/ Piracicaba, SP
24/11, sexta feira, praa, 13:00hs: Moambique de So Benedito/ Cunha, SP
Show de encerramento
24/11, sexta feira, Teatro, 21:00hs: Djalma Correa, Kachamba Brothers e Banda de Pfanos de
Caruaru (juntos)
Mesa Redonda (MR)
Teatro, 10:00 - 12:00
MR 1, quarta feira
O Estudo da Msica Brasileira no Contexto Global
Mediadora: Suzel Ana Reily, Queens University Belfast, na Irlanda do Norte
Jesse Wheeler, UCLA
Welson Tremura, Universidade da FlridaFrederick Moehn, Stony Brook, New York
MR 2, quinta feira
Pesquisadores Criadores
Mediador:Aberto Ikeda, UNESP
Marlui Miranda (pesquisadora e compositora)
Djalma Correa (percussionista e pesquisador)
Kazadi Wa Mukuna (pesquisador)
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MR 3, sexta feira
A msica nas Ciencias Humanas
Mediador:Tiago de Oliveira Pinto
Jos Miguel Wisnik, USP
Jos Vinci de Moraes, USP
Rafael Jos de Menezes Bastos, UFSC
Workshops (WO)
Workshops 01
Auditrio do 3 andar
Dagfinn Bach(ArtsPages Int., Noruega)
"Descobrir os arquivos de msicas do mundo atravs do MPEG-7"
Auditrio do terceiro andar
Workshops 02
Oficinas 2andar
Kachamba Brothers
Msica Africana
Sala de Atividades 2
Workshops 03
Oficinas 2andar
Marlui Miranda
Msica Indgena
Sala de Atividades 2
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Msica popular, expresso e sentido: comentrios sobre a
teoria das tpicas na anlise da msica popular brasileira
Accio Tadeu de Camargo Piedade
[email protected](UDESC)
Resumo: A presente comunicao pretende comentar a aplicao do que pode intitular teoriadas tpicas em anlise musical para o caso da msica popular brasileira. A retomada do pla-no expressivo-retrico na anlise musical se deu recentemente, com autores ligados aborda-gem semitica que se dedicaram ao perodo clssico da msica europia. Esta teoria iluminade forma importante a compreenso das msicas analisadas pelo fato de, atravs da anlisemusicolgica e da interpretao de pontos expressivos no texto musical, apresentar nexos cul-
turais da musicalidade em foco. O objetivo principal desta comunicao discutir a aplicabi-lidade desta teoria no campo da msica popular brasileira.
Palavras-chave: Msica popular brasileira. Expresso musical. Significao musical.
A quantidade de estudos acadmicos sobre msica popular brasileira tem crescido
rapidamente desde a dcada de 80. Estas investigaes, produzidas tanto no Brasil como no
exterior, tm se fundamentado uma vasta quantidade de prticas atravs de variadas perspec-
tivas tericas e metodolgicas. Uma parcela destas pesquisas trabalha sob a perspectiva musi-
colgica, utilizando um de seus recursos mais tpicos: anlise musical de partitura. Ocorre queo papel da partitura no mundo da msica popular bastante particular, envolvendo sistemas
de notao e conceitos especficos: cifragem de acordes, lead-sheet, edio de songbooks, etc.
Alm disso, grande parte da msica popular no est registrada em partitura, mas sim em gra-
vaes fonogrficas1. Por isso, o analista muitas vezes tem que transcrever gravaes e criar
sua partitura de trabalho para empregar os mtodos analticos. Em geral, o foco da anlise a
esfera meldica (e sua segmentao em temas, frases, motivos, etc.) e a forma (organizao
da apresentao das estruturas musicais no tempo), porm a compreenso da msica popular
muitas vezes exige a abordagem de outros aspectos como, por exemplo, performance e recep-
o. Mesmo assim, a anlise musical uma ferramenta fundamental no estudo de qualquer
repertrio musical, pois um caminho para iluminar o texto musical propriamente. No mbito
da msica popular, contudo, s recentemente comeou-se a empregar de forma intensiva os
recursos das vrias teorias de anlise musical. De fato, a anlise musical foi, durante muitos
anos, pensada como vlida somente para a msica erudita, pelo fato desta circular atravs do
suporte escrito da partitura, objeto representacional que serve de base para a anlise. Muitos
1Note-se que a msica popular, em sua dimenso histrica, no pode ser compreendida isolada da histria dafonografia: fonografia e msica popular se desenvolvem de forma irmanada ao longo do sculo XX.
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autores comentam os aspectos culturais e ideolgicos que esto por trs desta preferncia pela
msica erudita e da excluso da msica popular do horizonte musicolgico com base em uma
suposta inferioridade musical no que tange complexidade formal e harmnica (ver Hamm,
1995; Middleton, 1990).
Anlises paradigmticas da msica tm um rendimento notvel em determinados re-
pertrios musicais de povos tradicionais, como as sociedades indgenas. Recortando as unida-
des musicais do discurso (motivos ou frases meldicas e/ou rtmicas, seqncias harmnicas,
etc.) e dispondo-as frente a frente em uma mesma coluna, quais termos homlogos, revelam-
se, para alm da prpria feio particular, a posio que ocupam no discurso, esta posio
sendo um dado importante na anlise estrutural da musicalidade. As unidades musicais em
questo so, muitas vezes, atribudas de qualidade ou eths, isto por meio de conveno cultu-ral (diga-se, histrica e tcita). Nesta direo encontra-se o que alguns autores denominam
oportunamente topics, e que envolve uma teoria da expressividade e do sentido musical que se
pode chamar de teoria das tpicas, sendo tpicas um termo oriundo do conceito aristotli-
co topo, parte do jargo filosfico dos estudos de Retrica. Os autores mais importantes desta
perspectiva at o momento so Ratner (1980), Agawu (1991) e Hatten (2004). O universo es-
tudado nestas obras o da msica europia do perodo clssico, e algumas das tpicas traba-
lhadas por estes autores so: alla breve, aria, brilliant style, empfindsamkeit, fanfare, hunt st-yle, learned style, pastoral, Sturm und Drang, entre outras. Trata-se aqui de tpicas de um pe-
rodo refletindo uma viso de poca. H uma distncia muito grande desta weltanschauung
para o caso da msica brasileira, tratada aqui como uma unidade scio-cultural em consolida-
o ao longo dos sculos XIX e XX. Porm, creio que h tambm uma viso de mundo que
permeia este longo perodo e este territrio simblico, e que esta teoria uma interessante via
para a compreenso da significao musical e da musicalidade brasileira, principalmente no
mbito da construo de identidades em jogo no texto musical.Tpicas seriam, portanto, as figuras da retrica musical. A idia de figura e de retri-
ca musical pressupe, portanto, uma compreenso da msica enquanto discurso. As unidades
musicais deste discurso so, muitas vezes, atribudas de qualidade ou eths, isto por meio de
conveno cultural (diga-se, histrica e tcita). O encadeamento destas unidades compe parte
do discurso musical e sua lgica. Para Meyer, por exemplo, o uso de convenes deste tipo se
d como controle da expectativa, da satisfao ou suspenso das tenses musicais geradas nos
processos formais da msica tonal, o que comprovaria a importncia da emoo e do signifi-
cado na msica (Meyer, 1956).
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Gostaria de enfatizar que, alm de funcionarem como figuras da retrica musical, t-
picas so tambm topo-lgicas, ou seja, sua plenitude significativa se d no apenas por sua
feio interna, mas tambm pela posio de sua articulao no discurso musical. Pode-se
pressupor, assim, uma significao implcita na progresso destas posies na cadeia sintag-
mtica de um discurso musical. O problema no se limita a encontrar ou fixar as tpicas en-
contradas no discurso musical, mas a explicar como estes governam a sucesso dos afetos,
gestos e tpicas (Meyer, 2000:263). No caso de msica escrita, a cadeia de tpicas expressi-
vas se encontra determinada na partitura, onde tpicas a serem descobertas podem se articular
em diferentes momentos e ordenaes. J em improvisaes, podem ser mveis, tendo o car-
ter de espao de possibilidade que se abre em determinados pontos do discurso musical. Creio
que as tpicas de um discurso musical (entendidas como posies estruturais dotadas de qua-lidades determinadas) so experimentadas pelos prprios intrpretes na sua prtica musical,
bem como pela audincia. Por meio desta avenida terica, tenho me dedicado ao estudo das
relaes entre retrica, potica e msica, bem como busca de possveis tpicas da musicali-
dade brasileira, isto atravs de anlises de partituras e de transcries de improvisaes. Co-
mentarei aqui alguns universos de tpicas que venho estudando.
Alguns mecanismos e frases musicais revelam um lado brincalho, isto de forma a
exibir alguma virtuosidade instrumental. Ao mesmo tempo esta tpica difere do scherzandopor seu carter malicioso e desafiador. A figura do malandro na cultura carioca e brasileira em
geral alude a este conjunto de tpicas que estou chamando de brejeiro: o malandro que ginga
com os ps, esperto e competente (na ginga), desafiador (quem me pega?). A expresso
musical deste carter da brasilidade se d atravs do brejeiro, que envolve transformaes
musicais presentes, inicialmente, no choro. Muitas vezes est em jogo um tipo de ataque fal-
so de nota, no qual um deslize cromtico no agudo faz crer que houve erro e, no entanto,
se trata de uma transformao brejeira. Outras vezes, a tpica se manifesta mais na dimensortmica, como o caso de certas quebras e deslocamentos irregulares que parecem brinca-
deiras rtmicas que desafiadoramente (para os acompanhantes e ouvintes) atravessam os tem-
pos como que brincando, sem se deixar perder.
H um outro conjunto de tpicas que estou chamando de poca de ouro, onde reinam
maneirismos das antigas valsas e serestas brasileiras, imperando a nostalgia de um tempo de
simplicidade e lirismo. Como que em forma de mito, manifesta-se aqui um Brasil profundo do
passado atravs de volteios meldicos (vrios tipos de apojatura, grupetos) e certos padres
motvicos (escala cromtica descendente, atingindo a tera do acorde em tempo forte) que es-
to fortemente presentes no mundo do choro e em vrios outros repertrios de msica brasi-
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leira, tanto na camada superficial quanto em estruturas mais profundas. Nas Valsas de Es-
quina, de Francisco Mignone, em certos trechos das composies de Hermeto Pascoal, as t-
picas poca de ouro se apresentam sempre evocando brasilidade, lirismo e nostalgia.
Menciono ainda o grande conjunto de tpicas nordestinas: a musicalidade nordestina
um recurso fortemente empregado na expresso da brasilidade (Piedade, 2003, 2005). Desde
cedo este nordeste profundo se apresentou musicalmente em diversos repertrios musicais. O
baio e a escala mixoldia, usada mediante uma srie de padres, se tornaram ndice de identi-
dade nacional, por exemplo, nas composies nacionalistas de Camargo Guarnieri, Guerra-
Peixe e de outros compositores que se opunham ao atonalismo do movimento Msica Viva
dos anos 40.
Como concluso deste breve artigo, afirmo o grande rendimento de investigaes dadimenso expressiva da msica brasileira e da anlise musical detalhada dos textos musicais
deste vasto repertrio, dissolvendo as fronteiras entre o mundo erudito e popular. O estudo da
retrica musical e a teoria das tpicas so ferramentas de anlise que superam o mero forma-
lismo ao envolver simultaneamente conhecimentos musicais, figuras de expresso e interpre-
taes histrico-culturais, funcionando como via de acesso significao e aos nexos cultu-
rais.
Referncias citadas
Agawu, V. Kofi. 1991. Playing with signs: a semiotic interpretation of classic music, Prince-ton: Princeton University.
Hamm, Charles. 1995. Putting popular music in its place. Cambridge (UK): Cambridge Uni-versity.
Hatten, Robert S. 2004.Interpreting musical gestures, topics, and tropes: Mozart, Beethoven,Schubert. Bloomington and Indianapolis: Indiana University.
Meyer, Leonard B. 1956. Emotion and meaning in music. Chicago: University of Chicago.______ Spheres of music: a gathering of essays. Chicago: University of Chicago Press, 2000.
Middleton, Richard. 1990. Studying popular music, Milton Keynes: Open University.
Piedade, Accio Tadeu de C. 2003. Brazilian jazz and friction of musicalities. In: E. TaylorAtkins (ed.) Planet Jazz. Jackson: University Press of Mississippi, pp. 41-58.
______2005. Jazz, msica brasileira e frico de musicalidades.Revista Opus, 11, pp. 197-207.
Ratner, Leonard G. 1980. Classic music: expression, form, and style. New York: SchirmerBooks.
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Duas pequenas peas para falar de msica e pensamento, doena e cura,
feitiaria e sociedade no alto Xingu
Accio Tadeu de Camargo Piedade
[email protected](UDESC)
Resumo: Nesta comunicao, com base na etnografia de um ritual de flautas sagradas entreos ndios xinguanos Wauja, pretendo comentar um trecho do ritual que consiste em duas pe-as do repertrio. Estas peas so avaliadas de forma especial pelos mestres flautistas, sendoconsideradas mais sagradas e mais perigosas. Tais peas so objeto de vrias restries quesero comentadas aqui. A partir do discurso nativo e da anlise musical destas peas, pretendodiscutir questes como pensamento musical, cosmologia, cura e feitiaria, socialidade no uni-
verso indgena do alto Xingu.
Palavras-chave: Cosmologia Wauja. Cura e feitiaria. Flautas sagradas. Pensamento musical.
Durante meu trabalho de campo de doutorado, entre os ndios Wauja do alto Xingu,
em 2001, observei alguns rituais de flautas sagradas kawok.1Em uma destas ocasies, fo-
ram tocadas vrias sutes de msica de kawok, cada sute sendo constituda por um grande
nmero de peas curtas tocadas sucessivamente entrecortadas por breves pausas. O ritual le-
vou dois dias, com pausas pela manh. No total, foram 72 peas, perfazendo um total de 2 ho-
ras e 18 minutos de msica. No meio da madrugada fria, os flautistas tocaram duas peas se-
guidas que me chamaram a ateno, pois ocorreu mudana de andamento e textura. Termina-
das estas peas, as outras retomaram as caractersticas daquelas que eu vinha ouvindo at en-
to.
Como rotina do trabalho de campo, nos dias seguintes dos rituais, eu mostrava as
gravaes para o mestre flautista, e gravava seus vrios comentrios e respostas s minhas
perguntas. Alguns dias aps aquela noite, fui casa do mestre para realizar este trabalho. E,
como era usual, fumando bastante, ele escutou atentamente, me apontando o nome da suteque estava sendo executada, os marcadores de incio e fim de sute, o incio de uma nova, a-
lm de alguns comentrios sobre o significado daquelas peas. s vezes estes comentrios se
estendiam, de modo que eu pausava a execuo do minidisc playerpara ouvir uma longa est-
ria sobre uma pea. Invariavelmente, eu tinha algum problema na compreenso de uma ou ou-
tra palavra da lngua nativa, e o que tomava algum tempo at esclarecer. Enfim, estas provei-
tosas reunies musicolgico-lingsticas levavam longas tardes xinguanas, e estvamos acos-
tumados a esta rotina, pois eu j vinha trabalhando com ele desta forma h meses.1No h espao suficiente aqui para uma descrio introdutria do contexto etnogrfico. Para tal, remeto o leitorinteressado minha tese de doutorado, da qual se origina o material desta comunicao (Piedade, 2004).
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Naquela ocasio, quando o mestre ouviu a primeira das peas diferentes, ficou em si-
lncio. Nenhuma palavra na pausa entre esta e a segunda. Somente ao final da segunda pea,
ele disse que no era para eu ter gravado aquelas duas peas, elas eram kakaiapai(precio-
sas) e kawokapai (perigosas). Sua expresso era to grave que eu achei que eu perguntei se
ele queria que eu apagasse as faixas, o que eu faria imediatamente, mas ele disse que no pre-
cisava, j estava gravado, s tinha que cuidar. Esta comunicao uma reflexo sobres estes
cuidados.
De incio, h que se pensar sobre o pensamento musical nativo e sua capacidade de
expressar esta distintividade em termos musicais. As duas peas formam um subgrupo: o mes-
tre me explicou que as duas peas so makukuonaapa (canto do macuco), sendo que se trata
de um pssaro, o qual infelizmente no pude identificar. Este subgrupo foi executado ao longoda sute kisowagakipitsana (msica-timbre do escurecer), que um repertrio exclusiva-
mente tocado na noite funda, muiyakak. Nesta sute h vrios subgrupos de peas, tais como
tejuionaapa (canto do gavio), kumesionaapa (canto do beija-flor), iustionaapa (canto
do peixe-cachorra),pisuluonaapa (canto do grilo), molajoonaapa (canto do jac), entre
muitos outros. Todos estes repertrios so estveis, do ponto de vista do gnero musical e dos
elementos formais e motvicos da sute.
No subgrupo makuku, entretanto, h notveis diferenas. J de incio, um pulso rela-tivo muito lento (de cerca de 58 b.p.m., nas peas anteriores e posteriores, para cerca de 24).
Os dois flautistas acompanhantes tocam suas notas longas somente no primeiro tema, reali-
zando um acompanhamento com uma nica nota, muito mais sinttico que o normal. No se-
gundo tema, os acompanhantes param de tocar e o flautista mestre toca sozinho, diferente-
mente de todas as outras peas que ouvi. Pela primeira vez, em todo o ritual, com exceo dos
toques de abertura e de encerramento, ocorre um solo de flauta. O tema apresenta pausas que,
com o pulso lento executado pelas batidas do chocalho de tornozelo do mestre, abrem espaossonoros onde se ouve os diversos sons da madrugada. Outra particularidade que ambas as
peas no apresentam as sees formais toque de iniciao e toque central, que podem ser
encontradas em todas as outras peas que ouvi. Na verdade, o primeiro tema, idntico nestas
duas peas, funciona como um grande toque para os solos no segundo tema. Na segunda pea
h, portanto, um dilogo com a primeira. No segundo tema da segunda pea h uma maior e-
laborao variacional: motivos que so aumentados e diminudos, excluso de pausa e inser-
o de motivo novo, fuso de motivos previamente separados, entre outros princpios que a
anlise musical revelou. Enfim, h um jogo motvico bastante intenso nestas duas peas, para-
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lelo ao aspecto minimal do acompanhamento, constituindo notveis distines ocorrendo no
plano musicolgico.
Outros aspectos a considerar so referentes cosmologia nativa. Na msica de kawo-
k, h um importante nexo com o mundo dos espritos apapaatai. Kawok um deles, con-
siderado o mais perigoso, causador de doenas e morte. Enquanto toda msica ritual Wauja
de apapaataie tocada para apapaatai, a execuo das estruturas musicais coloca, lado a la-
do, o belo e o perigoso. Quanto mais belo, mais correto, awojopai, menos perigoso. O erro, a
incorreta enunciao do jogo motvico, perigosa: na msica de flautas kawok h, sobretu-
do, ordem, a correta ordenao das sutes, das peas dentro da sute, dos temas dentro da pea,
das frases dentro dos temas, dos motivos dentro das frases, das clulas dentro do motivo, en-
fim, o belo-correto est na ordem em todas os segmentos da msica. E o cerne da ordem estna dimenso temtica do canto executado pelo flautista mestre, apai, o ncleo para o qual tu-
do o mais se faz periferia (Menezes Bastos, 1999), para onde convergem os ouvidos dos flau-
tistas xinguanos e dos apapaatai. Como as mscaras em situao ritual, a flauta um objeto
ativado cosmicamente pela potncia da presena imediata do apapaatai: no caso de kawok, a
msica esta sua presentificao. Nas peas makuku, extremamente valiosas e perigosas, o
canto do flautista mestre potencializado pelo silncio dos acompanhantes, a densidade da pre-
sentificao do apapaatai proporcional minimalidade da textura musical e elaboraoextrema no canto principal.
O mestre de flautas (kawokatop) mais do que um mestre de msica: ele parece
configurar um paj musical. Ele aquele que conhece todo o repertrio musical dos rituais de
flautas, sabe construir os instrumentos e toc-los com virtuosismo. Ele ensina outros flautis-
tas, tanto a parte do acompanhamento quanto os cantos da voz principal, e conhece toda a eti-
queta do ritual2. Alm de todos estes conhecimentos, tem a capacidade especial de memorizar
as msicas que os apapaataitocam. A percepo musical apurada um dos aspectos princi-pais em um mestre de flautas: ouvir uma pea e memoriz-la, podendo reproduz-la depois,
uma capacidade analtica saliente dos mestres3. O mestre de flautas , a seu modo, um paj.
Pois assim como os pajs iakapso os nicos que podem abrir o mundo dos apapaataina
sua viso, o kawokatop o nico que pode reproduzi-lo musicalmente: esta capacidade a-
2O kawokatop deve saber previamente todo o procedimento para o ritual com segurana (para o bem da sadedos Wauja). Na performance musical, esta segurana funciona como ajuda para os flautistas acompanhantes queno conhecem ou no se lembram bem dos temas, que podem realizar bem o acompanhamento prestando
ateno no flautista mestre, principalmente olhando seus dedos.3 Memorizar envolve anlise. O ouvido analisa a msica, encaixa partes correspondentes, isola motivoshomlogos, entre outros procedimentos associativos (ver Snyder, 2001). No caso da msica de flautas kawok,me parece que o ouvido varre as sees da pea e concentra-se nos motivos-de-tema.
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proxima o mestre de flautas do mundo do xamanismo. Os mestres de flauta so pajs clari-
audientes, em contraposio aos pajs iakap, que so clarevidentes4.
O clarividente flautista mestre me alertou com relao s gravaes das duas peque-
nas makukuonaapa: no devem ser ouvidas por outros flautistas xinguanos, com exceo dos
Wauja. Este o cuidado especial com relao a estas peas. Sim, pois esta preciosidade
um perigo potencial se cair nos ouvidos do outro. Os flautistas xinguanos possuem, como di-
zem, gravadores na cabea. Alm de vrios flautistas Wauja que observei na aldeia, pude
constatar a agudeza do ouvido musical de um mestre Kamayur em minha casa, onde lhe
mostrei o CDMusiques du Haut Xingu(Schiano, 1992). Fiquei impressionado com a rapidez
e acuidade de seu ouvido, que reconhecia de imediato o repertrio em questo e o grupo que o
executava, confirmando os dados do bookletdo CD, e ainda indicando por vezes a pessoa queestava tocando ou cantando. Ele afirmou, em portugus, que sua cabea um gravador5.
A idia do gravador mental, alm de remeter rea da percepo e psicologia cog-
nitiva da msica e questo da habilidade musical (ver Sloboda, 1994), suscita tambm pen-
sar sobre propriedade intelectual das msicas: as novas peas kawok so trazidas do sonho,
mas o sonho no uma produo da mente do indivduo, uma vivncia (Graham, 1994),
uma experincia na qual se pode ouvir a msica que tocada pelos apapaatai. As peas so
como doaes, presentes dos apapaataiaos sonhadores, so dirigidas para eles. Se o sonhadorser capaz de memorizar e reproduzir, no da alada do apapaatai, mas, a sim, do indiv-
duo. Uma nova pea no afirmada como sendo criada pelo flautista, mas como lembrada6.
Entretanto, na esfera do coletivo, a noo de propriedade intelectual-artstica das msicas se
torna muito sensvel. H certas peas que nunca so tocadas na presena de estrangeiros, e o
repertrio que utilizado na grande festa intertribal de flautas exclui estas peas mais interna-
lizadas, consideradas mais valiosas. Da que a gravao (eletrnica) deste repertrio se torna
um perigo, pois para um mestre xinguano basta ouvir uma vez que ele rapidamente grava apea no ouvido, roubando-a para o seu grupo. Este repertrio, um conjunto de peas que
4 A idia de clariaudincia (Schafer, 2001) aponta para a capacidade excepcional de ouvir claramente adimenso sonora dos apapaatai.5Dizer, como fazem os flautistas xinguanos, que a cabea escuta e memoriza, funcionando como um gravador,lembra o Deputado Juruna, que andava sempre com um gravador mini-cassete em mos, no exatamente parapoder gravar as palavras (mentiras) dos brancos. Isto ele podia fazer com seu prprio gravador mental. Mas parareproduzir a voz que denuncia a mentira, como uma evidncia cientfica. Cacique Juruna fazia, nos anos 80, o
que se continua fazendo hoje atravs de laboratrios sofisticados: mostrar que a voz de algum realmente falouaquela coisa constatar o que os Wauja chamam depitsana.6Meu sogro falava nutsixutsapai apapaataionaapa nisp , eu me lembro da cano do apapaataino meusonho (literalmente: eu+abdmen+causa+estativo apapaatai+canto eu+sonho).
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podem ser tocadas dentro das tradicionais sutes do kawok, top secret: no pode ser ouvido
por estas cabeas gravadoras de outrosputakanau(xinguanos).
Mais do que um problema de direitos autorais ou propriedade de bem imaterial7,
creio que h aqui um nexo com as cosmologias xinguanas. O ouvido musical xinguano pode
realizar uma espcie de predao, pois o objeto em questo, as peas de kawok, constitui al-
go muito sensivelmente ligado ao mundo dos apapaatai. A msica de kawok tem um papel
importante na economia poltica csmica que sustenta a vida cotidiana, especialmente este re-
pertrio sagrado. O mestre Wauja recomendou-me muito enfaticamente para nunca mostrar
minhas gravaes para xinguanos no-Wauja. A nfase neste discurso, e o modo como outros
homens Wauja trataram desta mesma questo, me fez pensar que talvez, para alm de um
roubo, possa haver aqui um perigo ligado ao universo da feitiaria. Este sentido aponta paraa dimenso da feitiaria: msicas que so atiradas contra o inimigo, qual feitio (ver Menezes
Bastos, 1990; Monod-Bequelin, 1975)8. Aqui tambm ouvir, gravar na cabea, roubar
uma pea pode ser entendido como tomar um objeto precioso da vtima em potencial, que po-
der ser lanado de volta contra ela.
Desta forma, as duas pequenas peas em questo revelam diversas facetas da sociali-
dade xinguana e da filosofia Wauja, segundo a qual a categoria ouvir tem um carter onto-
lgico com a espacialidade, aparece conectada ao mundo do xamanismo e da feitiaria, seunexo cosmolgico sendo indissocivel de seu aspecto sensorial.
Referncias citadas
Bastos, Rafael J. de M. 1990.A Festa da Jaguatirica : uma partitura crticointerpretativa.Tese de Doutorado em Antropologia, USP.
______. 1999a.A Musicolgica Kamayur: para uma antropologia da comunicao no Alto-Xingu. Florianpolis: Editora da UFSC.
______. 1999b. Apap World Hearing: on the Kamayur phono-auditory system and the an-thropological concept of culture. The World of Music. 41/1: 85-96.
Bastos, Rafael Jos de Menezes e Piedade, Accio Tadeu de C. 1999. Sopros da Amaznia:sobre as msicas das sociedades tupi-guarani.Mana. 5/2: 125-143.
7 O problema da propriedade intelectual extremamente importante no mundo atual, onde a lgica doliberalismo econmico predomina. H enormes impasses nesta arena que impem srios riscos aos saberesindgenas, como por exemplo, o registro de propriedade do urucum, feito por uma empresa britnica decosmticos. No caso da chamada propriedade imaterial, na qual se encaixam os rituais e as msicas, no diferente. H uma vasta literatura sobre esta temtica, e como no cabe desenvolver uma reflexo aqui, remeto o
leitor a Piedade (1997 -anexo Etnografia e Copyright: um momento delicado), Bauman (1991), Feld (1996),Frith (1993), Seeger (1991, 1992, 1996), McCann (2002).8Menezes Bastos comenta que, no ritual Yawari, uma cano kanupaponta para o envio do odor das relaessexuais para o adversrio ritual, no sentido de enfeiti-lo e causar seu insucesso (1990:155, 337).
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Graham, Laura. 1994. Dialogic Dreams: creative selves coming into life in the flow of time.American Ethnologist, 21/4: 719-741.
Mello, Maria Ignez C. 1999. Msica e Mito entre os Wauja do Alto Xingu,dissertao deMestrado em Antropologia Social. PPGAS/UFSC.
______. 2005.Iamurikuma: msica e mito e ritual entre os Wauja do Alto Xingu. Tese dedoutorado em Antropologia Social. PPGAS/UFSC.
Mello, Maria Ignez Cruz e Piedade, Accio Tadeu de C. 2005. Diferentes escutas do espao:hipteses sobre o relativismo da percepo e o carter espacial da audio.Anais do I Simp-sio Internacional de Cognio e Artes Musicais.Curitiba: Deartes, 84-90.
Piedade, Accio Tadeu de C. 2004. O Canto do Kawok: msica, cosmologia e filosofia entreos Wauja do Alto Xingu. Tese de doutorado em antropologia social. UFSC.
Schafer, Murray. 2001.A afinao do mundo. So Paulo: Editora Unesp.
Snyder, Bob. 2001.Music and Memory: an introduction. Cambridge: The Mit Press.
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Efeitos da migrao na msica e na dana de forr
Adriana Fernandes
[email protected] (UFG)
Resumo: O objetivo deste trabalho analisar o dilogo estabelecido entre a msica e a danade Forr, seus praticantes, e o estrato social no qual eles esto mergulhados, dando subsdios
para um melhor entendimento dos fatores que envolvem as migraes para as grandes cida-des, no s de pessoas como tambm de suas expresses artsticas, e a interven-o/participao da cultura cosmopolita, citadina, dentro deste processo.
Palavras-Chave:Forr. Migrao. Classe baixa. Moderno.
O deslocamento espacial de seres humanos um fato que est intrinsecamente ligadoao povoamento do planeta, s modificaes genticas sofridas pela espcie, a diversidade de
agrupamentos culturais existentes, s condies geo-climticas, sociais, econmicas e polti-
cas, alm das vontades individuais e, porque no dizer instintivas, dos seres humanos de aven-
tura, explorao e conhecimento, a exemplo de outros animais. As teorias sobre a migrao
humana tendem a explicar as razes das migraes muito racionalmente sob o ponto de vista
principalmente econmico e poltico (Wilson 1993; Kearney 1986; Matos Mar 1961; Pearse
1961) deixando encoberto este ltimo aspecto exatamente devido ao seu aspecto imprevisvele impondervel. No entanto, ao conduzir trabalho de campo no meio de uma comunidade de
migrantes nordestinos em So Paulo, capital, de 2000 a 2001, a vontade e a pr-disposio in-
dividual ou coletiva de migrar foi detectada como a principal razo para o deslocamento. Nes-
te caso h todo um preparo e planejamento para tamanha empreitada, e, por exemplo, fazse
necessrio trazer na mala o instrumento que toca, ou os discos que mais gosta, ou o ingredien-
te especfico de uma determinada comida. Foi isso que aconteceu com o Forr, um gnero
musical danante, eminentemente nordestino, ligado aos festejos juninos e as festas de come-
morao da colheita de milho. Ele veio na mala junto com o acordeom, a zabumba, o tringu-
lo, o pandeiro, a rabeca, o violo, e impresso na identidade cultural do indivduo migrando em
direo a So Paulo.
Este estudo d um pequeno exemplo de como, no processo de migrao, um ingredi-
ente cultural, no caso o Forr, acompanha o migrante para o local de destino da migrao e o
ajuda a se adaptar ao novo ambiente quando ele prprio, o Forr, sofre mudanas e adapta-
es. uma relao dialtica que se estabelece entre o nordestino migrante e o Forr que ele
pratica, pois medida que so criadas novas relaes no novo contexto social, tambm novos
elementos vo sendo acrescentados ao Forr e vice-versa. E estas configuraes so diferentes
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se considerarmos os nichos sociais onde diferentes aspectos do local de destino da migrao
se fazem presentes. Neste estudo eu analiso o Forr e o migrante nordestino no contexto de
classe baixa que onde se pode encontrar o maior nmero de migrantes, na tentativa de en-
tender tambm o grau de absoro de valores e padres culturais do local de destino.
No contexto de classe social baixa, eu tomo como ponto de anlise uma noite no For-
r da Catumbi, no bairro do Belenzinho, zona leste de So Paulo. Este local um ponto de re-
ferncia para os migrantes nordestinos em So Paulo, pois, foi por mais de vinte anos o co-
nhecido Forr do Pedro Sertanejo, a primeira casa de Forr com estrutura de nightclubque
teve um longo perodo de atividades exercendo influncia nas posteriores casas de Forr aber-
tas no s em So Paulo, mas tambm em outras cidades e regies do pas. Na poca do tra-
balho de campo, 2001, o Forr tinha acabado de ser reaberto sob nova direo. A noite de23/24 de fevereiro em particular teve como principal atrao em meio ao carnaval, uma apre-
sentao de Frank Aguiar, o cozinho dos teclados. Cheguei por volta das 23:00 horas, en-
trei, fui at a bilheteria e paguei aproximadamente dez reais por um ingresso. Haviam segu-
ranas vestidos de preto que me revistaram, recolheram o bilhete e liberaram a minha subida.
L em cima havia por volta de trezentas pessoas e ainda no estava cheio. Havia muitos segu-
ranas espalhados pelo espao que era bastante amplo e ainda com um mezanino nas laterais.
Do outro lado da entrada, havia um palco, no muito alto. O pblico em geral tinha na faixados 30 anos de idade e casais mais velhos. No mezanino havia um pblico mais jovem. Uma
grande variedade de pessoas chamou a minha ateno: brancos, negros, mulatos, vrios tipos
de cabelo, roupas, maquiagens. A decorao do ambiente tambm era bastante particular: mu-
lheres nuas (em estilo grafite), jangadas, a catedral de Braslia, o Memorial da Amrica Latina
e o Rancho Fundo. Na outra lateral haviam janelas e pessoas vendendo material promocional
de Frank Aguiar (cachorrinho de pelcia tocando teclado, chapus brancos como os usados
por Aguiar, Cds, camisetas, fotos autografadas).Durante a noite at por volta das duas e meia da manh ocorreu uma sucesso de di-
ferentes artistas no palco que tinham em comum o acompanhamento de um teclado (Korg,
Yamaha) e que cantavam sucessos de forr atuais ou no conhecidos atravs da mdia (rdio,
televiso). A bateria usada praticamente para todos os nmeros aquela que vem pr-
estabelecida no teclado alterando apenas a velocidade, que tendeu a ser sempre mais rpido do
que o conhecido. Desde o incio o nmero de pessoas danando era grande, e a conformao
de casais bastante variada: eu tanto vi casais mais jovens quanto casais mais velhos e ainda
casais com grande diferena de idade entre si. Tambm observei um casal um tanto incomum:
uma senhora na faixa dos seus sessenta anos com um rapaz de aproximadamente trinta anos e
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ela era quem liderava a dana e os movimentos. Importante notar que, apesar deste desfile
tecnolgico de teclados no palco, a dana executada pelo pblico era a dana conhecida de
Forr, onde o casal abraado faz movimentos de avano/recuo e laterais sobre um suposto ei-
xo central. Quando havia algum intervalo entre as bandas, umplaybacktocava algum sucesso
do momento como, por exemplo, Esperando na Janela de Targino Gondim, interpretado por
Gilberto Gil e trilha sonora do filme Eu, Tu, Eles, ou ainda algum sucesso do grupo Fala-
mansa ou do Rastap, todos eles alinhados com o que estava sendo chamado pelo pblico em
geral em So Paulo de Forr universitrio, um Forr voltado para a juventude universitria
paulistana, executado principalmente por migrantes nordestinos e depois os prprios universi-
trios comeam a formar as suas bandas de Forr.
No Forr da Catumbi, um grupo que chamou a ateno foi os Irmos Quops, com-posto por dois teclados Korg tocados por um musico cabeludo, um acordeonista e duas garo-
tas: uma que danava em trajes escassos e a outra com um vestido curto que cantava. Alm de
terem sido aplaudidos entusiasticamente e tocado preferencialmente sucessos do momento, ao
final, o acordeonista solou dois nmeros virtuossticos: Milonga das Misses de Renato
Borghetti e Brasileirinho de Waldir Azevedo, chegando ao ponto de se deitar no cho e
continuar tocando, mostrando suas habilidades que foram ovacionadas pelo pblico.
Depois de mais alguns grupos e com um pblico de aproximadamente mil pessoas,finalmente Frank Aguiar veio ao palco com seus dois teclados (Korg e Technics), um acorde-
onista e um saxofonista (tenor), acompanhados de duas garotas loiras, menores de 18 anos,
que danavam e faziam backvocal. No repertrio, o grupo de Frank Aguiar tocou um sucesso
de lambada dos anos 1980: Chorando se foi, e tambm tocou Esperando na Janela, e logo
depois os seus prprios sucessos como aquele que diz que mulher madura o bi-
cho/lavou/enxugou/t nova, e ainda loira no burra/tem preguia de pensar. Tambm fez
parte da seleo apresentada o Xote das Meninas de Luiz Gonzaga (embora em tempo bas-tante rpido), Morango do Nordeste, Pequenina assim como verses em portugus de an-
tigos sucessos originalmente cantados em ingls. O estilo do grupo seguia a seguinte seqn-
cia: introdues lentas, instrumentais, sem percusso ou bateria, um breque ou suspenso e
ento se iniciava a bateria em tempo rpido e o canto. O acordeom apenas preenchia espaos
sonoros (fill-ins) e ocasionalmente havia um solo de saxofone. As garotas faziam movimenta-
es corporais apenas acompanhando as msicas e estavam visivelmente cansadas. O pblico
prximo ao palco apreciava o show como grandes fs, de forma mais passiva. O restante, de
maneira geral e principalmente com quem eu conversei, danava sozinho ou em pares, pois o
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grande motivo de se ir ao Forr, segundo meus informantes naquela noite, era a vontade de
danar.
Com este pequeno recorte possvel se tirar alguns dados sobre o processo de migra-
o e sua relao com um determinado fenmeno cultural, no caso o Forr. O pblico que es-
tava presente nesta casa de Forr era bastante ecltico, mas de maneira geral todos da classe
trabalhadora (eu falei com donas de casa, empregadas domsticas, pedreiros, vendedores).
Havia migrantes nordestinos entre eles, assim como tambm no palco, mas de nenhuma forma
eu pude perceber algum tipo de separao ou discriminao na platia. Esta atitude confir-
mada na variedade de formao de casais mencionada acima. Nem mesmo considerando o
mezanino como um local em separado, as pessoas o usavam como local de descanso ou de
namoro, havendo um trnsito grande para a pista de dana no piso principal. Pode-se percebercom clareza que o pblico presente se preparou para ir ao Forr. um evento social, de diver-
timento, encontro, namoro, lazer. Para isso, as pessoas se vestem de maneira mais especial, se
banham, se perfumam, se enfeitam. O fato de ser um local reconhecidamente para danar
tambm interfere nesta preparao, pois o indivduo no quer ser rejeitado na dana por pare-
cer sujo ou maltrapilho.
A decorao do local, como em outros Forrs que eu freqentei, tinha como tema al-
guns cones reconhecidamente envolvidos com o nordeste e o povo nordestino. Neste caso, ajangada (embarcao de trabalho, turismo nas praias), a catedral de Braslia (religiosidade e
trabalho), o rancho fundo (que se refere ao povo que vem do interior do pas, o sertanejo, e
neste caso o sertanejo nordestino tambm), o monumento da Amrica Latina (trabalho, cultu-
ra) e finalmente o grafite que cobre boa parte dos muros de So Paulo e aqui se faz presente
como um elemento caracterstico da cidade de destino.
Mas na msica e nas performances que, a meu ver, a questo da migrao e da ne-
gociao que se estabelece entre o migrante e a cidade de destino se faz mais enftica. O des-file de diferentes grupos se apresentando um aps o outro no palco me faz lembrar um pro-
grama de domingo na televiso, como Fausto ou Silvio Santos. Esta mesma conformao foi
encontrada em outras casas de Forr de classe baixa na capital paulista, mas no em um Forr
na periferia da cidade de Recife, no nordeste. Isso significa que o pblico migrante tambm
assduo telespectador destes programas de auditrio exibidos na televiso, e que tal atividade
integra a sua nova vida na cidade grande de forma mais regular. Isso compreensvel visto
que atividades de lazer e divertimento na cidade so de modo geral pagos e este custo pesa no
salrio ganho ao final do ms, que tem mltiplos destinos prioritrios (como enviar dinheiro
para a famlia que ficou no nordeste, por exemplo). A presena marcante de teclados, ao invs
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do acordeom, , a meu ver, um dos elementos mais reveladores do processo migratrio. Em-
bora o Forr seja uma manifestao que tem quase que por smbolo (usando o termo no senti-
dopeirceano) o acordeom, ou mais comumente chamada de sanfona, durante o deslocamento
para a cidade grande o msico migrante trocou a sanfona pelo teclado. De acordo com uma
senhora que estava presente no Forr, isso se deve ao fato de que a gente tem que moderni-
zar. Ela j havia tido aulas de sanfona, mas agora estava estudando teclado. Um fato interes-
sante de se notar e que muitas vezes passa despercebido quando se considera a migrao de
Luiz Gonzaga, um dos principais cones da musica nordestina para danar. Gonzaga aprendeu
a tocar sanfona de boto, tambm conhecida porp-de-bodeou sanfona de oito baixos, com o
pai, no interior do nordeste. Quando Gonzaga migra para o Rio de Janeiro, ele vai adotar a
sanfona de teclado, de cento e vinte baixos, que ele aprende com Domingos Ambrsio emMinas Gerais. A meu ver, esta mudana tambm estava relacionada com a questo da mo-
dernizao e com a migrao. A sanfona de teclados vista no meio popular como um piano
porttil, e neste caso a palavra piano significa classe mdia e alta, dinheiro, status e sofisti-
cao. O mesmo significado por traz do hodierno teclado. Portanto, tocar Forr com um te-
clado significa adaptar o Forr cidade grande, uma tentativa de incluso, modernizao e
ascenso social. O indivduo migrante est quotidianamente empenhado em se adaptar cida-
de, aos horrios, ao esquema de trabalho, comida, ao sistema de transporte, ao modo de vi-ver a vida, e embora, ele necessite continuar danando, tocando, e praticando o Forr, a ade-
so ao teclado mostra com clareza a sua disposio para esta adaptao, pois ele abre mo de
um signo muito prximo do seu contexto natal, no caso a sanfona, trocando-o por um signo
encontrado na cidade, o teclado.
Mas esta transio no feita muito facilmente, e, na poca, o fato da mdia estar
dando muita importncia ao chamado Forr universitrio que priorizava o trio de sanfona, za-
bumba e tringulo criado por Gonzaga, influenciava as conformaes dos grupos, por isso nos Frank Aguiar estava se apresentando acompanhado de acordeom, mas tambm os Irmos
Quops. No entanto, com Frank Aguiar o acordeonista apenas executa pequenos motivos, li-
gaes meldicas efill-ins. No conjunto dos Irmos Quops o acordeom faz dois solos virtuo-
ssticos, chamando a ateno para a capacidade sonora do instrumento e para a habilidade tc-
nica do msico, procedimento que comum em Forrs no nordeste.
Pode-se perceber que a adaptao do migrante na cidade feita numa base diria e
quase que em tempo integral. Esta adaptao extremamente dinmica e fluida. Existe uma
grande predisposio para experimentar, testar, conhecer o novo. Tambm existe uma forma
de recalque que se auto-valoriza inferiormente e tende a supervalorizar os signos da cidade
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como melhores e se tornam objetos do desejo. Esta percepo resultado de uma ampla di-
vulgao feita principalmente pela indstria cultural e pelos meios de comunicao de massas,
que em si j so vistos como signos de superioridade, tecnologia, e modernidade. Mas a di-
nmica da vida no permite que apenas estes valores sejam considerados, e o que eu posso
perceber uma necessidade de equilbrio entre as inovaes e o que j conhecido. Da que
possvel encontrar sanfona e teclados juntos no palco. Tambm possvel encontrar um Forr
com uma estrutura de nightclub, pois a cidade e o indivduo migrante esto interagindo.
Portanto a casa de Forr no contexto de classe social baixa na cidade de So Paulo
um local onde possvel se detectar claramente os procedimentos envolvidos na adaptao
dos migrantes nordestinos na cidade e ainda perceber o importante papel exercido pela mdia
e os meios de comunicao de massas para sinalizar quais os signos considerados modernose representantes da cidade que passam a ser almejados como fetiches, que ao serem adquiri-
dos e absorvidos colocaro o migrante mais prximo do seu objetivo: a completa adaptao
cidade grande, a sua aceitao pelo restante da comunidade citadina no mais como um mi-
grante ignorante e caipira, mas como um cidado moderno. Mas neste processo, a cidade
tambm obrigada a ceder e absorve o migrante e o seu Forr.
Referncias citadasFernandes, Adriana. 2005.Music, migrancy, and modernity:a study of Brazilian Forr. Tese(Doutorado em Msica, Etnomusicologia). Urbana: University of Illinois at Urbana-Champaign.
Kearney, Michael. 1986. From the invisible hand to visible feet: anthropological studies ofmigration and development.Annual Review of Anthropology15: 331-61.
Matos Mar, J. 1961. Migration and urbanization The Barriadas of Lima: an example ofintegration into urban life. In: Urbanization in Latin America,edited by P. M. Hauser. NewYork: Columbia University Press, UNESCO.
Pearse, Andrew. 1961. Some characteristics of urbanization in the city of Rio de Janeiro. In:Urbanization in Latin America, edited by P. M. Hauser. New York: Columbia UniversityPress, UNESCO.
Wilson, Tamar Diana. 1993. Theoretical approaches to Mexican wage labor migration.La-tin American perspectives20(3): 98-129.
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Comentrios sobre o mundo do choro atual
Adriano Maraucci Ra
[email protected](UDESC)Accio Tadeu de Camargo Piedade
[email protected](UDESC)
Resumo:A presente comunicao pretende discutir aspectos do mundo do choro na atualida-de, enfocando especialmente as novas tendncias e suas tenses em relao ao choro mais tra-dicional. Partindo de uma viso geral dos estudos sobre choro dos ltimos anos, comentare-mos alguns nomes e grupos atuais, discutindo tambm questes referentes forma musical,aspectos fraseolgicos, modelos de improvisao, harmonia, entre outros. Alm disso, trata-
remos de investigar, atravs do discurso nativo, a construo identitria relativa s diferentesconcepes deste gnero musical, as correlaes entre choro e msica instrumental e a formacomo os msicos encaram a situao do choro no Brasil hoje.
Palavras-chave: Choro. Tradio. Novas tendncias.
Segundo a historiografia da msica brasileira, o choro surgiu no final do sculo XIX
como uma das conseqncias artsticas de uma srie de fatos importantes. A abertura dos por-
tos no inicio do sculo XIX traz de forma intensa a cultura europia, suas orquestras e danas
de salo, aumentando a circulao de partituras. Com a hospedagem definitiva dos monarcasno Brasil, mostrou-se necessria uma transposio estrutural-cultural que trouxe consigo no-
vos hbitos e idias, transformando rapidamente a cidade do Rio de Janeiro. Neste cenrio,
consolidou-se a nova e emergente classe mdia no pas. Ao longo do sculo XVIII, era co-
mum o chamado trio de pau e corda (cavaquinho, violo e flauta, que na poca era de ma-
deira de bano) e desta formao surge o choro, que inicialmente designava esta prpria for-
mao instrumental. Somente aps este momento inicial que a palavra choro passou a de-
signar uma certa forma de tocar as msicas europias em voga. A classe mdia emergente
formava o pblico que consumia e produzia msica na segunda metade do sculo XIX. Al-
guns funcionrios pblicos eram msicos e tocavam choro em suas reunies. O choro, nesta
sua fase inicial, era a forma de tocar as melodias j consagradas na Europa e outras j conhe-
cidas do repertrio clssico, que eram interpretadas de modo mais leve e brincalho, sobretu-
do quanto ao ritmo. Tinhoro (1991:63) aponta para o fato de que o maxixe surgiu como uma
necessidade interpretativa dos msicos que tocavam na Cidade Nova (regio popular da ci-
dade do Rio de Janeiro), de aproximar o que tocavam ao tipo de dana que eles acompanha-
vam. Assim, como polca havia chegado da Europa em meados da segunda metade do sculo
XIX e virado uma verdadeira febre, o choro surgiu como esta maneira peculiar de interpret-
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la. Nesse perodo de passagem entre o sculo XIX e XX, formaram-se no Rio de Janeiro gru-
pos como o Choro Carioca (considerado um dos primeiros), que se tornaram muito popula-
res em festas caseiras, transformando-se em um marco inicial do gnero (Cazes, 1999).
Na sua trajetria rumo constituio como gnero musical, o choro como formao
instrumental se transformou em modo de tocar. Ou seja, indo da sonoridade instrumental
performance, o caminho do choro mostra como o som dos violes e cavaquinho, pandeiro e a
flauta, foi se tornando importante na cultura brasileira. Porm, a interpretao das danas eu-
ropias atravs desta sonoridade se dava atravs de um jeito carioca, de fundo de quintal
(Moura, 1983: 52), e este seu modo performtico, que inclua elementos estruturais, como a
polifonia da baixaria do violo de 7 cordas, isto e outras coisas, fez o choro ir alm de um
modo de tocar e para consolidar-se como um gnero que iria atravessar um sculo cultural-mente muito conturbado, para chegar com fora e identidade no sculo XXI. Vejamos como o
choro vai seguindo este percurso.
Para uma compreenso mais abrangente do choro que vem sendo tocado a partir de
meados da dcada de 80, preciso destacar o perodo de consagrao identitria do choro,
compreendido no perodo entre 1930 e 1960. possvel enxergar esse perodo como um espa-
o de tempo de profundas modificaes no universo da msica popular, e, no obstante, do
samba e do choro, pois, por volta da dcada de 30, Noel Rosa (aliado a outros sambistas comoGeraldo Pereira e Moreira da Silva) por fim estilizaram o samba que tinha a cara do Rio de
Janeiro, se descolando um pouco daquela sonoridade mais baiana (ou afro). Muitos chores
haviam tido contato com este samba mais afro, e agora participaram desta mudana de para-
digma (Sandroni, 2001), que introduziu no samba novas sncopas e extenses na formas.
Muitos chores (como o prprio Pixinguinha) conviveram com os sambistas nas rodas das tias
baianas: fundamental considerar a importncia desse dilogo samba-choro, j que a histria
do choro no pode ser compreendida sem a histria do samba, ambos sendo fabricaes deum Brasil que se constitua na capital da Repblica (Vianna, 1995), em seus lugares chave,
como a casa da Tia Ciata (Moura, 1983). Entre os anos 20 e 30, assim, Pixinguinha comea a
formular o que se tornaria uma das principais caractersticas do choro: a sua forma em trs
partes. Na dimenso meldica, consolidaram-se padres de repeties, arranjo, contracanto e
maneirismos meldicos que viriam, posteriormente, a extrapolar o mbito do choro. Para Pie-
dade (2006), h um aspecto na musicalidade brasileira que claramente chorstico, que migra,
na forma de tpicas (figuras de retrica musical) para outros gneros e discursos musicais.
Passados mais ou menos 30 anos dessa prtica estandardizada, no final dos anos 50 o
choro iniciou seu perodo de adormecimento que iria durar at os anos 80. Relacionam-se a
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este fenmeno fatos como os movimentos culturais dos anos 60, a globalizao cultural, a cri-
se do modernismo, a chegada poderosa da televiso, o aumento na velocidade de transferncia
da informao e as fortes ondas do estrangeiro, como os movimentos hippie, o rocknroll;
enfim, h vrios fatores que causaram esta retrao no apenas no choro, mas que sufocaram
tambm o samba e o bolero neste perodo.
A partir de meados dos anos 80, grupos que comeam a arranjar temas clssicos do
choro, isto atravs de substituies harmnicas e novos caminhos contrapontsticos, menos li-
neares e tonais (Zagury, 2005), alm de utilizarem, na instrumentao, baixo eltrico, guitarra
e bateria, como o grupo N em pingo dgua. Durante os anos 90, o Brasil fez parte da onda
mundial de valorizao das identidades tradies locais, aps a desterritorializao e a frag-
mentao identitria causada pela globalizao (ver Harvey, 1993). Jovens msicos buscaramas fontes da musicalidade brasileira nos repertrios que estavam abandonados pela mdia e pe-
los estudos musicais: gneros nordestinos como frevo, baio e maracat, gneros afro-
bahianos como afox e samba-de-roda, entre muitos outros. Surgiram vrias fuses, como o
Mangue Beat, e grupos que procuram executar os repertrios autnticos da msica brasilei-
ra, como o choro. O conservadorismo chorstico encontrou neste momento uma fora para o
restabelecimento de seu tempo mtico, anterior s experimentaes e aberturas dos anos 80:
o velho choro consolidado na poca de Pixinguinha voltou com tudo, e a sonoridade do regi-onal volta a agitar a cultura brasileira, e cresce o interesse dos jovens por este rico mundo
conservado, autenticamente brasileiro.
Os grupos de choro mais recentes, como o Trio Madeira Brasil, parecem preservar
apenas a instrumentao como legado do choro-raiz, pois tocam msicas de muitos compo-
sitores no considerados chores. J o grupo carioca Tira a Poeira, realiza a provocao de
seu nome executando choros clssicos com a sonoridade clssica, porm como inovaes mu-
sicais no mbito das improvisaes e na insero de sees novas. Muitos violonistas atuaistocam choro com viola caipira, pandeiristas acompanham cantores de MPB e tocam em trios
de jazz; hoje se toca jazz com instrumentos do choro, msica erudita na viola, etc. Alguns ins-
trumentistas atuais, como Hamilton de Holanda, Rogrio Caetano e Gabriel Grossi, tiveram
sua iniciao musical no choro, mas depois expandiram seus repertrios: possvel v-los a-
companhando velhos mestres do choro, mas tambm tocando com cones da musica instru-
mental brasileira, como Hermeto Paschoal e Guinga (Campos, 2005). Esta circulao carac-
terstica da poca atual, embora haja muitas tenses entre estes dois gneros: o choro e a m-
sica instrumental. Esta tenso tem a ver com o fortalecimento das identidades que retomou
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certa tradio conservadora do choro e com estas fronteiras nubladas que dividem os gneros
(ver Piedade, 2005).
Portanto, o choro atual saiu de seus obscuros anos 60 e 70 com uma nova fora: o in-
teresse jovem. Da resistncia e da estratgia de sobrevivncia baseada em ncleos familiares
conquista de um pblico fiel, idealizao do choro como patrimnio musical do Brasil, ao
surgimento de gravadoras exclusivas (como a carioca Biscoito Fino), bem como de uma fa-
tia do mercado editorial (os songbooks e mtodos). Atravessador de sculos, o choro passou
da condio de trio de pau e corda para um modo de tocar, saiu do quintal, consolidou-se na
musicalidade brasileira, resistiu s foras inimigas no seio da famlia e, hoje, est sendo estu-
dado, tocado e apreciado por um pblico crescente.
Referncias citadas
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Cazes, Henrique. 1999. Choro, do quintal ao municipal. Rio de Janeiro: Editora 34.
Harvey, D. 1993.A condio Ps-moderna. So Paulo: Loyola.
Moura, Roberto. 1983. Tia Ciata e a pequena frica no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fu-narte.
Piedade, Accio Tadeu de Camargo. 2005. Jazz, Msica Brasileira e Frico de Musicalida-des.Revista Opus. 11: 197-207.
______ 2006. Msica Popular, Expresso e Sentido: comentrios sobre a Teoria das Tpicasna Msica Brasileira. Papera ser apresentado na III Encontro Nacional da Associao Brasi-leira de Etnomusicologia (ABET), (em preparao).
Sandroni, Carlos. 2001. Feitio decente: transformaes do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Zahar.
Tinhoro, Jos Ramos. 1991. PequenaHistria da Msica Popular: da modinha lambada.6 edio. So Paulo: Art Editora.
Vianna, Hermano. 1995O Mistrio do samba.Rio de Janeiro:UFRJ.
Zagury, Sheila. 2005. Neochoro Os novos grupos de choro e suas re-leituras dos grandesclssicos do estilo.Anais do XV Congresso Nacional da ANPPOM. Rio de Janeiro.
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Ensino e aprendizagem de conhecimentos musicais na
Barca Santa Maria, Joo Pessoa-PB
Alexandre Milne Jones Nder
[email protected] (UFPB)
Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar caractersticas dos processos de ensino eaprendizagem de conhecimentos musicais, utilizados pelo mestre Deda na preparao dos in-tegrantes do grupo de manifestao cultural Barca Santa Maria para a realizao das apresen-taes. O trabalho de pesquisa tem como suporte metodolgico uma ampla investigao bibli-ogrfica, que busca construir nexos interpretativos para as situaes de ensino-aprendizagemque emergiram de forma marcada e recorrente durante os ensaios e apresentaes da barca,
bem como um trabalho sistemticode investigao no campo, contemplando observao par-ticipante, captao de relatos orais, na forma de entrevistas e histrias de vida, registros sono-ros, fotogrficos e em vdeo. A partir dos resultados preliminares, tendo em vista que a pes-quisa ainda est em andamento, foi possvel descrever, compreender e refletir sobre aspectosque constituem a transmisso de conhecimentos musicais no grupo, atentando para os proce-dimentos bsicos de ensino e aprendizagem de msica reincidentes na manifestao: a imita-o, a improvisao e a corporalidade.
Palavras-chave: Nau Catarineta. Ensino. Aprendizagem. Paraba.
A Barca, tambm conhecida como Nau Catarineta, uma dana j registrada em v-
rios estados do Brasil. O escritor Mrio de Andrade a considerava uma dana dramtica,
pois envolve no s a dana e a msica, mas tambm um entrecho teatralizado que pe em
cena vrios personagens relacionados ao universo nutico das conquistas portuguesas. Cmara
Cascudo, no seu dicionrio do Folclore Brasileiro, no verbete Nau Catarineta, caracteriza esta
manifestao sendo uma xcara (forma potico-narrativa cantada) que foi includa no auto do
Fandango. No verbete, registra as vrias acepes do termo, entre elas a de designao de um
auto popular, tambm conhecido como Marujada (no leste e sul do Brasil), Chegana de Ma-
rujos e Barca (no Norte e Nordeste). A Barca Santa Maria, que realiza seus ensaios no CSU(Centro Social Urbano), no bairro de Mandacaru, Joo Pessoa, Paraba organizada pelo mes-
tre Deda (Jos de Carvalho Ramos). Segundo Deda, esse grupo teve incio com Joaquim Lus
da Silva popularmente conhecido como mestre Joaquim Vinte e Um, que segundo dados da
Misso de Pesquisas Folclricas enviada por iniciativa de Mrio de Andrade, aprendeu com
mestre Eduardo em 1918. Essa manifestao completa formada por cinqenta e seis compo-
nentes- vinte e oito oficiais e vinte e oito marinheiros-, a Saloia (nica mulher presente) e a
dupla Rao e Vassoura, personagens cmicos da manifestao. Os instrumentos presentes naorquestra, grupo responsvel pela execuo musical, so, entre outros, violo, cavaquinho,
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pandeiro, surdo. O grupo hoje formado por pessoas do grupo da melhor idade1, brincantes
que j participavam da manifestao ainda sob direo de outros mestres, jovens e organiza-
dores de outras atividades culturais.
Neste trabalho de pesquisa que venho realizando, tenho por objetivo revelar os ele-
mentos centrais da msica na Nau Catarineta Santa Maria, dando nfase aos processos utili-
zados pelo organizador da manifestao para transmitir os conhecimentos musicais, aprendi-
dos quando brincante, para os integrantes do grupo. Buscando relacionar os processos de
transmisso com uma interpretao cultural dos dados, investigo as transformaes pelas
quais passou a manifestao ao longo do tempo em relao s condies sociais e culturais de
seus produtores e mudanas ocorridas no seu contexto de produo. Sendo a orquestra res-
ponsvel pela execuo musical, busco compreender arelao de seus integrantes com a ma-nifestao.
Em sua pesquisa, o trabalho tem como suporte, uma metodologia que contempla re-
ferencial terico capaz de construir nexos interpretativos para aquelas situaes de ensino-
aprendizagem que emergiram de forma marcada e recorrente durante os ensaios e apresenta-
es, utilizando-se da perspectiva etnomusicolgica e antropolgica no estudo de processos
de transmisso musical, atentando para as inter-relaes de contexto, colaboradores envolvi-
dos e suas prticas sociais e musicais. Para colher informaes sobre os brincantes, foram fei-tas entrevistas em grupo, nas quais as manifestaes de que haviam participado, e em que cir-
cunstncias deu-se essa participao. Foramcolhidos relatos orais do mestre e dos msicos
que me possibilitaram entender as transformaes ocorridas ao longo do tempo em relao ao
modo de organizao do grupo e das apresentaes. A pesquisa de campo realizada atravs
da observao participante, captao de registros sonoros, fotogrficos e em vdeo.
No estudo da Barca, compreendo essa manifestao como algo em constante proces-
so de mudanas vinculadas ao seu contexto de produo. Combato a idia que sua idade deouro deu-se no passado, nesse caso as modificaes por que passaram esses objetos, concep-
es e prticas so compreendidas como deturpadoras e desconhecidas (Arantes, 1986: 36).
Entendo a cultura popular como um processo dinmico que est sempre se renovando, consi-
derando, assim, inadequada uma leitura da manifestao relacionada essncia e ao entendi-
mento por modelos pr-estabelecidos, que tm funo de estruturao. Essa perspectiva de es-
sncia e carter genuinamente popular est relacionada a uma viso homogenizadora, estti-
ca, excludente e em certa medida, arbitrria, do universo focado (Ayala, 1987: 3).
1Nome dado ao grupo de recreao para idosos no CSU.
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Os componentes estruturais e o contexto social do suporte para que as manifesta-
es populares se modifiquem, mantenham-se ou desapaream. Numa pesquisa que procura
entender melhor assuntos relacionados cultura popular, necessrio que sejam analisados
aspectos como grupo social, conflitos, interesses, condies econmicas e culturais, para evi-
tar uma compreenso apenas superficial.
A msica pensada como parte integrante da cultura, nela determinante e por ela de-
terminada, pode ser considerada como veculo universal de comunicao, no sentido que
no se tem notcia de nenhum grupo cultural que no utilize a msica como meio de expres-
so (Nettl, 1983). Vale ressaltar que esta afirmao no implica em conceber a msica como
uma linguagem universal, uma vez que tal concepo seria errnea, tendo em vista que cada
cultura tem formas particulares de elaborar, transmitir e compreender a sua prpria msica(Queiroz, 2004). Ela no pode ser estudada em si mesma, ou seja, deve ser relacionada com
seu contexto de produo. Distines entre a complexidade de diferentes msicas e tcnicas
no nos acrescentam nada sobre propostas expressivas e sua fora em determinado contexto
ou sobre a organizao intelectual envolvida em sua criao (Blacking, 1973).
A partir da participao nos ensaios, foi possvel entender a relao corpo, ritmo e
canto. Danar, representar e cantar se apresentam como atividades totalmente interligadas,
sendo assim fundamental o entendimento dessas relaes para levantarmos inferncias sobre aaprendizagem musical. Durante os primeiros ensaios entendia as coreografias relacionadas
apenas com a representao dos entrechos cnicos-dramticos. Outro ponto que me deixava
intrigado era que o mestre no ensinava isoladamente as msicas a serem cantadas, sua res-
posta era sempre a mesma:
- Deixa a dana entrar, que depois a gente v a msica.
No decorrer dos ensaios, com o aprendizado das jornadas2o mestre corrigia algum
que estava cantando fora do ritmo segurando em seus ombros e fazendo com que ele relacio-nasse o movimento corporal com o canto. Fui ento percebendo que a dana determinava o
andamento da msica e auxiliava na memorizao dos pontos acentuados na melodia. Atravs
do apito e coreografia o mestre passa informaes caractersticas da msica. Cantar e danar
esto intimamente relacionados. Durante um dos ensaios de sbado, estvamos aprendendo
um passo conhecido por Tombo, que no marca o pulso, mas sim, faz o rtmico com os ps,
que acompanha a jornada cantada. Vendo que um dos participantes no estava conseguindo
realizar o passo, o mestre comea a danar na sua frente servindo de referncia. No adiantou,
2 Jornadas so as msicas cantadas durante a apresentao. Elas auxiliam, atravs da letra a compreenso daparte encenada.
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o garoto no conseguiu acompanhar. Nesse momento Deda pede para o rapaz expressar uma
parte da msica que correspondia a clula rtmica da jornada, utilizando apenas a slaba T.
Depois de repetir vrias vezes, ficou claro o ritmo utilizado e o rapaz conseguiu realizar a co-
reografia.
A dana a principal responsvel pela manuteno da pulsao coletiva. H, portan-
to, uma relao rtmica entre a coordenao dos ps, a melodia cantada, o acompanhamento
da orquestra e tudo isso aliado a uma escuta do todo. Toda vez que pedi para algum danante
me ensinar determinada jornada ela sempre vinha acompanhada da coreografia. Notei que pa-
ra melhorar meu desempenho era preciso incorporar a coreografia. Na Barca, quando um dan-
ante afirma que sabe cantar ele quer dizer tambm que pode realizar suas coreografias.
Podemos notar a partir desses exemplos o quanto o ensino e a aprendizagem ocorremsem a interveno de palavras ou frases de sobre o que fazer e como. A transmisso musical
ocorre pela ateno nos gestos corporais e nas construes de pontes entre a coreografia reali-
zada e o canto.
Vendo a gravao em vdeo de uma apresentao da Barca, realizada pela da misso
de pesquisas folclricas em 1938, nota-se uma diferena na coreografia em relao as apre-
sentaes com o grupo atual, algumas vezes os passos eram mais acelerados, duravam mais
ou era realizada um esforo corporal e expressivo mais intenso. Essa idia tambm foi refor-ada pela memria dos que participaram da manifestao danando ou apenas assistindo
quando relatavam que esta exigia esforo fsico tambm por seu longo tempo de durao.
Conversando com o mestre sobre essas modificaes, ele me disse que sabia como fazer os
passos certos (os apresentados na gravao de 1938), mas que estava adaptando as condies
atuais. Afinal de contas o grupo hoje formado em sua maioria por adultos e pessoas idosas
que por suas condies fsicas no conseguiriam realizar os passos sem que fossem adaptados
s novas condies.No grupo, muitos integrantes j tinham participado de manifestaes culturais popu-
lares, facilitando o aprendizado de alguns passos, visto que foram assimilados em outras brin-
cadeiras. Depois da familiarizao com a manifestao, houve momentos onde se deu nfase
ao aprendizado das respostas e outros na qual a parte dramtica foi mais exigida. Danar no
ritmo, para as pessoas que no haviam brincado, veio tambm medida que relacionavam
msica e dana, auxiliados pelos mais experientes, colocados na frente e no centro. Atravs da
imitao e do fazer em equipe, so captadas as instrues.
A orquestra no grupo da Barca foi inicialmente formada pelo cavaquinho, caixa e
pandeiro; durante os ensaios, integrou-se o violo. Por ter mais de um instrumento tonal, ne-
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cessria a afinao conjunta dos instrumentos. Embora no tenham a msica como sua princi-
pal fonte de renda, os msicos sempre tm a expectativa de receber algum dinheiro por sua
atuao. Algumas vezes, como os msicos no estiveram presentes, ensaiamos com um CD,
gravado pela organizao no-governamental Cachoera!, em 1996, na casa do mestre Deda.
A orquestra no vista como parte integrante do grupo. O dinheiro recebido paga, primeira-
mente, os msicos e depois dividido entre o mestre e os participantes. Nos ensaios, mesmo
sem receber, o mestre pede contribuies entre os colaboradores para pagar os msicos. Vale
ressaltar que os integrantes da orquestra tocam em vrias manifestaes. Isso no s ocorre
com eles, mas tambm com os brincantes. Formando assim umuniverso de pessoas que parti-
cipam de vrias manifestaes.
Com base nesse estudo, foi possvel concluir, mesmo que de forma preliminar, queno existe de forma isolada uma situao de transmisso de conhecimentos musicais dentro
dos ensaios. H, sim, o entendimento da performance como um todo: qualquer explicao de
como se dana ou se canta feita dentro dos ensaios articulada com outros elementos (jorna-
da, parte encenada...) ecentrada na dinmica da oralidade. Existem momentos em que so da-
das informaes sobre as partes dramticas, mas em relao dana e ao canto o aprendizado
realiza-se principalmente de duas formas; com auxlio do mestre, quando com as mos nos
ombros do danante atenta-o para o ritmo da msica, ou no momento que um participantemais antigo dana e canta a seu lado servindo de referncia. O movimento corporal auxilia no
canto, na memorizao e estruturao das partes. A msica da Barca Santa Maria no resul-
tado isolado e sim produto da relao existente entre tradio, aspectos modernos e condies
apresentadas que, para serem aceitos, devem passar pelo crivo de normas, dadas pelo mestre,
que estabelece o que pode e o que no fazer parte da manifestao.
Referncias citadas
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Blacking, Jhon.How musical is man?Washington: University of Washington press, 1973.
Brando, Carlos Rodrigues. O que folclore?So Paulo: Brasiliense, 1982.Cascudo Lus da Cmara.Dicionrio do folclore brasileiro. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia;So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1988.
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Garca Canclini, Nestor.Culturas hbridas: estratgias para entrar e sair da modernidade. Tra-duo; Heloza Pezza Cintro e Ana Regina Lessa. 2. ed. So Paulo: Editora da Universidadede So Paulo, 1998.
Queiroz, Luis Ricardo S. Educao musical e cultura: singularidade e pluralidade cultural noensino e aprendizagem da msica.Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 10, p. 99-107, 2004.
Queiroz, Maria Isaura Pereira de.Relatos orais: do indizvel ao divisvel.In: -Experimentos com histrias de vida.So Paulo: Vrtice, Revista dos Tribunais, 1988, p.14-43.
Schafer, R. Murray.A afinao do mundo. Traduo de Mariza T. Fonterrada. So Paulo: Ed.Unesp, 2001.
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A imigrao japonesa cantada por okinawanos
Alice Lumi Satomi
[email protected](UFPB)
Resumo: O trabalho focaliza algumas das canes (re)criadas, diletantemente, na terra recep-tora, cujos textos literrios reportam fatos e locais marcantes da imigrao japonesa, na espe-cificidade da minoria okinawana. Tais peas foram recolhidas em Casa Verde e Vila Carro subrbios ao norte e leste de So Paulo, onde se encontram as maiores subsedes da Associa-o Okinawa do Brasil. A abordagem da mostra de canes concentra-se na imagem potica,
j que se tratam de pardias, cuja manuteno do texto sonoro garante a nostalgia e o ufanis-mo pela terra natal. Aps esboar as possveis razes da existncia rarefeita de criaes musi-cais, o artigo apresenta quatro exemplos de cantigas, de autoria de dois professores de msica
vernacular, e termina, buscando explicar esse comportamento musical em contexto transterri-torializado de uma minoria totalmente integrada na sociedade brasileira, mas que se mantmcoesa e, relativamente, isolada na megalpole. Embora o texto potico relate as aventuras edesventuras da imigrao, sempre h um texto subjacente de reconstrues de valores ances-trais como as de unio, esperana e nostalgia.
Palavras-chave: Recriaes. Minorias. Imigrao japonesa. Msica okinawana.
Causas do ato rarefeito de compor
O presente artigo retoma a temtica sobre as recriaes musicais da minoria japonesa
esboadas no captulo As criaes musicais ou kaeuta (Satomi, 1998) e em seus outros
desdobramentos (Satomi, 2002 e 2004). Vale ressaltar que essas ponderadas reinvenes
musicais no se encontram, normalmente, presentes no cenrio da performance, ou seja,
embora apresentem semanticamente uma realidade singular, no so reconhecidas pela
comunidade enquanto repertrio.
Primeiramente, devido resistncia cultural bastante acentuada do okinawano desde
a terra de origem, pois Ryky1 foi um reino independente, at o sc. XIV, numa regio
estratgica, despertando a cobia dos imprios vizinhos. Assim, j foi reino subordinado
comercialmente China, ao Japo, a partir do sculo dezessete, e, politicamente controlado
por este ltimo desde a era Meiji. Um hiato, do ps-guerra at 1972, manteve a ilha sob
comando dos Estados Unidos, que ainda hoje ocupam 11% da ilha principal com suas bases
militares2. Conseqentemente, o rykyano apega-se firmemente sua autonomia cultural,
preservando dialeto, religio e as artes tradicionais.
1 Arquiplago ao sul do Japo que contm 146 ilhas divididas em trs partes: Amami (da prefeitura deKagoshima), ao norte, Okinawa e Sakishima. A maioria dos imigrantes veio da parte central Okinawa.2Ocasionalmente, brotam resqucios de sentimento anti-americano. Certa vez um dos professores de msicaclssica desabafou: prefiro ouvir msica sertaneja [a miditica], que eu no entendo nada, do que a msica enka
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Na realidade brasileira, em se tratando de uma minoria da minoria, h motivos
redobrados para reforar o sentimento de pertena, enfim, a resistncia cultural, como se pode
comprovar nas seguintes falas de niseiokinawanos. Aproximando da minoria nordestina, Beth
Shimabukuro3define: Somos o pessoal da msica mais cadenciada, da pele mais escura, dos
olhos mais redondos, da alma mais tropical e do bolso mais pobre do Japo. O jornalista
Humberto Kinj4ainda ressalta com uma analogia bem paulistana: ser okinawano como ser
corinthiano: sofredor, mas orgulhoso; pobre, mas com garra. Mas, fundamente fiel!
Em segundo lugar, valoriza-se mais a interpretao do que a composio. Shuhei
Hosokawa (1993: 141) observou que no Brasil comum disputar a melhor interpretao de
msicas novas, mas nos concursos de amadores da Colnia, normalmente, disputava-se a
melhor interpretao de msicas antigas.O presente trabalho se detm no enfoque do texto literrio, onde acontece o ato
criativo. A criaes recolhidas so, predominantemente, pardias. Segundo relato de
imigrantes, a tradio das pardias instalou-se desde a viagem do navio, uma maneira de
afugentar a ansiedade, medo, e, mais tarde, em terra firme, para desabafar a decepo e as
agruras.
Oscausoscantados
No dito popular o termo causos remete a estrias, mas na presente abordagem a
fantasia refere-se apenas potica gerada sobre fatos reais, comeando com uma verso
romanceada da prpria aventura da imigrao. Ouvi, pela primeira vez, a cano Nosso amor
na chegada de Santos numa das aulas das senhoras da AOB. Elas aprendiam sem conter a
alegria de entoar no ritmo da terra de origem um texto identificvel com o prprio passado,
pois pelas mos calejadas aparentavam ter vindo no pr-guerra, poca em que todos os
imigrantes vieram de navio e enfrentaram a vida rdua na lavoura. Nobuo Agena (1939-
1998), o autor da maioria dos exemplos, foi um dos principais dinamizadores da cultura
okinawana, principalmente no bairro da Casa Verde, onde residia. rfo da segunda guerra
emigrou para o Brasil, aos 20 anos, tentando a vida primeiro como lavrador e depois como
feirante. Em 1993, assim que obteve o ttulo de professorshihan, em Okinawa, fundou a Filial
[gnero urbano], contaminada de termos do ingls.3Entrevista concedida a Dorrit Harazim, na matria intitulada Vidas em suspense, na revista Veja(27/24: 62-
6), publicada em 1998. A jornalista destaca a ateno esmerada da esposa e seis filhas sobrevida de treze anosdo sr. Paulo Shimabukuro, explorando as causas culturais daquela admirvel dedicao.4Matria Racismo e orgulho assinada pelo editor do jornal Utin News(1/3: 3), jornal mensal, em portugus,da comunidade okinawana, em 1996.
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Brasileira da Preservao Rykyana deMiny msica de tradio popular para distinguir
de msica da corte.
A traduo aproximada da primeira estrofe do poema seria:
Voc e eu, viu Chiruzinha? / Sim Ahizinho! / Embarcamos nonavio via frica. / Por Hong Kong, ndia e frica / Superamos ondasagitadas e calmas / Voc e eu / Nosso amor na chegada de Santos.
As estrofes subseqentes resumem a primeira fase do plantio de caf e os projetosfuturos da segunda fase, quando o imigrante se conforma em no vislumbrar o retorno a terra
natal, mantendo um cunho otimista. A estrutura potica similar a um jogral, com a seguinte
seqncia alternada pelos intrpretes, que encenam um casal: pergunta e resposta, solo e coro.
O instrumento adotado para acompanhar a msica vernacular, clssica ou popular, o
tricrdio de brao l