Daladier Lima dos Santos
Igarassu, Fevereiro de 2014 - Daladier Lima dos Santos
Síntese histórica
No princípio era uma Assembleia de Deus. Oops! Era, mais precisamente, a Missão
da Fé Apostólica, primeiro nome em terras tupiniquins. Missionária desde o
início, ecoando os princípios da Igreja Primitiva. Quando foi necessário fazer o
registro civil, afinal era uma associação com personalidade jurídica, Gunnar
Vingren, numa estação de bonde com alguns irmãos, sugeriu duas opções: o nome
que conhecemos, utilizado nos EUA, ou Igreja Pentecostal. A primeira opção foi
unanimidade.
Assim nasceu nossa querida Assembleia de Deus, evocando os princípios
congregacionais das igrejas americanas e suecas que, em parte, financiaram a
empreitada missionária dos dois pioneiros e da própria Igreja Batista da qual
eram oriundos os 21 membros iniciais e seus fundadores. O termo assembleia
carregava aquele nobre sentimento de igualdade, fraternidade e compromisso
mútuo. É significativo o registro captado neste trecho de um livro sobre nossa
história: ...tanto nos periódicos como nas cartas, os suecos ao falarem uns dos
outros, ou de outros pastores brasileiros, sempre se reportam ao “irmão Vingren”, “
irmão Berg”, “irmão Nystron”. Note-se bem: esse tratamento paritário que os
pastores (inclusive os pastores-presidentes das igrejas-sede) usam entre si, é o
mesmo que todos os crentes, gente comum e sem título, usa entre si. Óbvio, todos são
irmãos1.
Tanto Gunnar Vingren, quanto Daniel Berg, tidos, indiscutivelmente, como
fundadores nunca tiveram pendores patrimonialistas. Nunca registraram templos
ou bens em seus nomes ou de parentes indefinidamente. Ao transferir o controle
para os brasileiros, por volta do ano 1930, nada exigiram como reparação para si
ou para outrem. Não há registro de indenizações ou reparações pecuniárias, nem
mesmo após suas mortes. E seus filhos e descendentes nunca reclamaram algo
neste sentido. O mesmo se pode dizer dos demais missionários estrangeiros que
os auxiliariam nos anos mais decisivos da denominação. Ninguém estava fazendo
investimento ou acumulando poupança! O detalhe é que eram pessoas humildes,
tendo, inclusive, se dirigido aos EUA, entre outras razões, por conta de
desemprego e crises financeiras em seu país de origem. Com a explosão numérica
da denominação poderiam ter crescido o olho, amealhando quinhões e vantagens.
Outro traço marcante dos anos iniciais de nossa Igreja era que os pastores
circulavam livremente em todo Território Nacional. Ou seja, não havia feudos em
cidades ou Estados que impedissem a atuação ou grupos reunidos em
Convenções distintas. Curiosamente, Vingren nunca gostou da ideia de se ter uma
1 Alencar, Gedeon, Matriz Pentecostal Brasileira, 2012, Editora Novos Diálogos
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Convenção Geral2! Talvez sua mentalidade batista conservasse a ideia de que
cada Igreja deveria seguir o modelo da autogestão. Ele pastoreou igrejas tão
distantes quanto Belém e Rio de Janeiro. Berg, por sua vez, instalou-se em Vitória
(ES) em 1922, apenas onze anos após a fundação da Igreja. Cinco anos depois
pastoreou Santos (SP)! Lendo as biografias dos pioneiros presenciamos tal
distância de destinos em praticamente todos eles. Tanto faz estarem nos rincões
do Nordeste, embrenhados em alguma região amazônica, quanto adentrarem nos
templos do Sul do País. Era uma só casa, uma só família, uma só igreja, um só
rebanho.
Por que mudou?
Calma. A história é longa. Em 1930 foi realizada uma Convenção Geral, onde
Vingren e Berg foram questionados a respeito de certas práticas, como a
consagração de mulheres ao diaconato e a evangelistas, entre outras coisas. Frida
Vingren, esposa de Gunnar, era uma delas, tinha vindo como evangelista da
Suécia, Emília Costa, consagrada a diaconisa em São Cristovão e Deolinda
consagrada a evangelista em 1929. Gunnar assumiu o pastorado no Rio de Janeiro
de 1924 a 1932. Mas a razão principal do questionamento era controle. Vivíamos
um processo político nacionalista que culminaria no Estado Novo em 1937. Neste
contexto ter uma igreja em ascensão nacional sob controle estrangeiro não
agradava aos líderes natos.
Até aquela data nenhuma igreja da denominação detinha o controle de seus
ministérios. O líder por dedução era Gunnar Vingren. Na igreja de origem, Belém,
ministrava o Pr. Samuel Nystrom, que, também, não era brasileiro, e o substituía
em suas viagens. Não por acaso a reunião ocorreria em Natal. Era no
Norte/Nordeste que reinava a maior insatisfação. O Pr. Levi Pethrus registra as
circunstâncias da seguinte maneira:
O trabalho no Norte foi fundado há 20 anos, e ali existem
agora muitas e grandes igrejas com experimentados pastores
e dirigentes, de modo que o trabalho pode ser entregue
inteiramente a eles... Um trabalho missionário tem de ter
como alvo, sempre que possível, entregar o trabalho aos
obreiros nacionais.
Cento e sessenta igrejas e mil membros foram repassados aos obreiros locais sem
custo algum. Note-se que algumas destas igrejas foram financiadas pela missão
sueca e americana. Daí em diante temos o fenômeno dos campos, cujos pastores 2 Para os suecos as igrejas seriam comunidades livres. Para termos ideia de como levaram o pressuposto a
sério, somente em 2004 nasceu a primeira convenção naquele país
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passaram a demarcar seus territórios, inicialmente nos Estados e depois nas
Convenções3. Como consequência da demarcação dos campos se consolida a
figura do pastor presidente. Um pastor sobre os demais.
Em cinquenta anos, consolidaram-se a passagem de poder de modo patriarcal e
familiar, o patrimonialismo e o empoderamento pessoal e financeiro da alta
cúpula. A concentração de poder e as constantes divisões que se intensificaram
com o desmembramento da Assembleia de Deus de Madureira, em 1989 (aliás, foi
a Madureira, em 1958, que instituiu o termo, pastor presidente, para seu líder
máximo, Pr. Paulo Leivas Macalão4), fizeram com que os pastores presidentes
estabelecessem seus direitos sobre a membresia e a própria Igreja. Não raro
tratando-a como extensão de sua própria família, no que tange a dinheiro e poder,
personalizando sua atuação a ponto de determinados ministérios serem tão
diferentes uns dos outros, fugindo totalmente dos ideais de Berg e Vingren. O
sociólogo Gedeon Alencar, estudioso da denominação, a classifica assim:
moderna, mas conservadora; feminina, mas machista; urbana, mas periférica;
comunitária, mas hierarquizada. Donde concluímos: totalmente contraditória!
3 Em 1932, Vingren retorna, definitivamente, à Suécia, morreria no ano seguinte. Daniel Berg só faleceria em
1963, mas também na Suécia para onde havia retornado um ano antes.
4 Alencar, Gedeon, Matriz Pentecostal Brasileira, Editora Novos Diálogos
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Em 1959, o pastor Alcebíades Pereira de Vasconcelos, registrava nas páginas do
Mensageiro da Paz, órgão informativo das Assembleias de Deus, o seguinte:
As ameaças de perda do cetro e a prevalência deste modelo vertical desaguaram
na vitaliciedade. Que se tornou em nada mais do que resguardar direitos
indefinidamente. O pastor John Phillip, preletor inglês especialmente convidado
para pregar durante a Convenção Geral de 1981 -- no Estádio Jornalista Felipe
Drummond (conhecido por “Mineirinho”), em Belo Horizonte, MG, 8 anos antes
da maior divisão de nossa história, falando sobre I Coríntios 3 disse o seguinte:
Tanto o grande Paulo como o eloquente Apolo não passavam
de dois jardineiros. Tudo o que você pode ter é um pedaço de
pau para furar o chão e nele plantar a semente, ou um balde
d’água com que regar as plantas. Nada mais. De fato, nós
mesmos nada somos. Por isso precisamos uns dos outros. De
nada adianta plantar, se não houver quem regue. De nada vale
regar, se ninguém plantou. Somos, isto sim, cooperadores.
Juntos formamos uma grande unidade com Deus.5
5 http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/331/eu-sou-de-sao-cristovao-e-eu-sou-de-madureira
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Muitos já não confiavam no dono do jardim. Muito menos em seus auxiliares. De
fato, há diversos relatos de viradas de mesa, aqueles casos em que o pastor perde
o domínio sobre suas igrejas e passa a sofrer necessidades, abandonado. Não
deixa de ser uma possibilidade, mas ela se deve muito mais à desorganização
administrativa (leia-se falta de um estatuto adequado, entre outras coisas) do que
à ameaça em si mesma. Há na internet, um site que faz a mudança em estatutos,
trabalhando exatamente com este medo. Vejamos6:
O conceito da vitaliciedade foi importado de dois lugares: da Igreja Católica, onde
o Papa só é substituído com a morte, exceto, quando renuncia como aconteceu
com Bento XVI, recentemente, e do Poder Judiciário. Em nossas igrejas, porém,
todas as tentativas de justificar a manutenção do cetro nas mãos de uma só
pessoa por tanto tempo, desabam com uma análise mais apurada de fatos e
circunstâncias.
É bíblico?
Os que a defendem amparam-se nos exemplos de Moisés, Saul, Samuel e Davi,
levantados por Deus para o exercício administrativo até sua morte. Mas a ironia é
que a teocracia não existe mais! Como também não existe mais o sacerdócio
levítico. Evocar que o pastor é sacerdote para justificar a vitaliciedade é uma
agressão à inteligência do ouvinte/leitor. Primeiro, não somos filhos de Levi,
segundo, havia eleição anual até para o cargo de sumo sacerdote (João 11:49)!
Por fim, a figura do sumo sacerdote desde os tempos apostólicos foi encerrada em
Cristo, portanto...
Outra vertente se arvora na prerrogativa do Ungido. O pastor presidente, uma vez
escolhido por Deus para determinada função, não deve ser retirado do seu cargo,
senão por pecado ou solicitação pessoal porque é o Ungido. Parece lógico, mas,
por que a premissa não se aplica a todos os demais pastores? Por que somente o
6 http://www.faculdadegospel.com.br/abra-sua-igreja/02-alteramos-e-modificamos-estatutos-antigos-para-
que-os-pastores-possam-ter-cargos-vitalicios-nomear-diretoria-e-nao-ter-eleicoes-e-se-filiar-a-nos, acessado em janeiro de 2014
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presidente é um ente divino a não ser removido? Afinal, ele mesmo escolhe
aqueles que vão ser colocados nas congregações, pessoas, julga-se, santas e
separadas para aquela tarefa, por que retirá-los por mero capricho? Deus deu
pastores à Igreja e não igrejas a pastores. Não é o mantra de nove entre dez EBOs?
É ele quem escolhe do pastor mais importante e expressivo ao menor. Ou nas
igrejas onde há eleição o pastor é menos ungido?
Para jogar a pá de cal no argumento temos a Convenção Geral, colegiado de
ministros, e por isso tida não como Igreja, mas como associação (o que as igrejas
são perante a Lei!?) na qual se faz eleição! Se a CGADB faz eleição, por que não as
igrejas, em geral? Por que a Convenção não é Igreja! Responderá alguém mais
apressado. E por que quando se reúne segue a liturgia de um culto assembleiano
típico? É uma contradição para Sherlock Holmes!
É legal?
O artigo 59 da Lei 10.406/2002 preconiza que os participantes de determinada
associação, respeitada a vontade soberana da assembleia, destitui ou institui seus
administradores. Bem sabemos que a Igreja é espiritual, mas suas ações refletem
as leis do País, às quais está subordinada. Logo, compreendemos que tal
prerrogativa é da assembleia e não de uma oligarquia ou de interesses obscuros e
inconfessáveis. Não custa lembrar que a própria Igreja Católica faz seu conclave
para escolher o sucessor de Pedro, como assim dizem. Não há nome aclamado
como ousamos fazer7.
Mas, vamos analisar a questão da importação do Judiciário. Primeiro, pelo fim. A
vitaliciedade no STF, instância máxima da Justiça brasileira, é de 70 anos de
idade, com aposentadoria compulsória, em nossas igrejas é até a morte ou
incapacidade senil. Segundo, a vitaliciedade existe na Justiça para blindar os
juízes de arbitrariedades de outros Poderes. Se o Governo Federal e o Legislativo
pudessem se sobreporiam a muitas decisões dos juízes ou influenciariam suas
carreiras, como demonstra o noticiário. Para evitar tal influência, existe a
vitaliciedade. Ela não garante, notemos, a arbitrariedade do juiz sobre si mesmo
ou sobre seus atos. Ele é soberano nos autos, mas há instâncias às quais uma
parte de determinada ação pode recorrer, para fazer prevalecer seus direitos. Em
7 A UMADENE (União de Ministros das Assembleias de Deus no Nordeste) foi mais longe ainda. Na última
eleição, 2013, os ministros associados já foram com os eleitos postos em seus cargos, uma vez que os pastores presidentes já haviam escolhido os tais, ao arrepio da Lei 10.406/2002. É o Nordeste na vanguarda do retrocesso mais uma vez! E olha que muitos dos componentes daquele órgão são advogados e, portanto, sabem que é ilegal tal escolha. Qualquer membro poderia, de pleno direito, evocar a anulação da aclamação. Isto não aconteceu por pura bondade...
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diversas situações o juiz é obrigado a votar num colegiado, para que sua decisão
seja avaliada por seus pares.
Para piorar, um juiz, por exemplo, não tem gerência administrativa de sua
comarca, não destina recursos a seu bel prazer, não estabelece seu próprio
salário, não ultrapassa sua cota de reembolsos, não prioriza parentes (impedido
que está em Lei, inclusive), não acumula bens e capitais em decorrência de seu
cargo. Vive somente dos seus vencimentos. Ele apenas não pode ser demitido!
Justamente o contrário dos pastores presidentes.
Ainda do ponto de vista da Lei, se a assembleia decidir livremente que seu Pastor
Presidente terá mandato vitalício não há impedimento legal algum. Porém, nem
tudo que é legal, é moral. Ou seja, nem tudo aquilo que se serve da omissão da Lei
ou da conivência de um grupo é lícito. É a tal assertiva paulina: todas as coisas me
são lícitas, mas nem todas me convêm fazer. A não ser por justificativa pessoal. Aí
já não estamos no terreno do Espírito, mas da carne!
É lógico?
Aqui o argumento é sobre a dedicação que o cargo exige. Uma vez que o pastor se
desprende de suas atividades, vivendo integralmente para as necessidades da
Igreja, é lógico que ele tenha sustento garantido por toda a vida. Há algumas
considerações a fazer:
O pastor pode optar por não querer assumir uma função que atrapalhe suas
atividades seculares. Quem o faz, se joga de corpo e alma na labuta eclesiástica.
A exaustão física, mental e emocional é tão notória e histórica que ninguém
pode dizer: Eu não sabia...;
Todos os pastores responsáveis tem algum nível de dedicação à Igreja, salvo
de sua congregação for muito pequena ou se for relapso ou se não atuar
diretamente numa. Logo o princípio que se aplicaria ao presidente se aplica a
todos em menor ou maior grau;
Se não há confiança para um desprendimento total, o que dirão os demais
pastores comissionados para tarefas em geral e cuidado de igrejas? Como
obreiros que arvoram a bandeira do Evangelho nos rincões poderão confiar?
Usarão do mesmo artifício? Como fica a situação dos missionários, sabendo
que não têm estabilidade alguma? É um caminho perigoso...
Pastorado é sacrifício. Ou assumimos os desafios ou corremos! Não é bolsa de
apostas, nem poupança, nem investimento. Via de regra, o pastorado é
encarado como uma loteria, da qual determinada pessoa deverá auferir
benefícios pela vida afora. Primeiro, a regra não se aplica a todos os pastores,
abaixo do presidente. Segundo, o sofrimento, a vida pregressa, as dificuldades
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não podem chancelar a prevalência de direitos de uns sobre outros,
especialmente numa igreja. A ser assim, os irmãos que já passaram por
privações extremas como fome e nudez teriam direito a um quinhão maior!?
De fato, o argumento tem servido para uma privatização dos recursos da
Igreja!
Ouvimos pastores de Norte a Sul dizer que quando assumiram a Igreja era
pequena, tinha poucos templos, poucos recursos, agora que cresceu, todo
mundo cresceu o olho. É isso mesmo? Primeiro, houve um trabalho concorde
de milhares de anônimos, não foi uma pessoa só. Segundo, o trabalho é de
Deus, nós somos atores temporais, fazendo o que está à nossa mão da melhor
maneira possível. Terceiro, a prevalecer esta mentalidade todo mundo deve
levar pra casa um pedaço da Igreja, pois todos os membros e líderes de
alguma forma contribuíram para o crescimento da Obra, especialmente os
mais antigos. O que Daniel Berg e Gunnar Vingren não deveriam ter herdado,
então? Foram eles que investiram tempo, juventude, família, saúde e história
em mais larga escala para nosso usufruto hoje!
O que é lógico é a Igreja se estruturar para assistir adequadamente TODOS seus
pastores, quer estejam na presidência ou não! E não o que aconteceu a nossos
pioneiros, que morreram pobres e esquecidos na Suécia. Via de regra, os valores
são mal administrados neste quesito, há pouca previsão estatutária, uma
vergonhosa consagração de obreiros que crescem tanto em número que o caixa
não pode sustentá-los. Outrossim, há tanta concentração de renda que concorre
para o esvaziamento dos cofres, se adotada uma solução que satisfizesse a todos.
É eclesiástico?
A Assembleia de Deus americana, portanto, nossa congênere, é congregacional e
todos os pastores são eleitos8. Em todos os lugares aonde ela implantou igrejas,
exceto no Brasil (pelas razões acima citadas) se segue o mesmo modelo.
Perguntamos: os pastores de tais igrejas são menos chamados que os nossos? São
menos escolhidos por Deus que os nossos? A Igreja é menos bíblica que a nossa?
Está na contramão da História? A resposta é um reverberante: NÃO!
Tem mais. As igrejas batistas e congregacionais (no que tange à denominação)
adotam este mesmíssimo modelo aqui mesmo no Brasil. Há eleições e o pastor se
reelege indefinidamente, tantas vezes quantas queira a assembleia. Será que Deus
só não esposou tal modelo para a Assembleia de Deus tunipiquim? Há casos de
pastores que já estão à frente de igrejas congregacionais (o modelo) há 30, 40, 50
anos, sendo reeleitos repetidamente por seus préstimos. Deus nos fez melhores?
8 http://ag.org/top/about/structure.cfm, acessado em janeiro de 2014
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Bem perto de nosso Estado, mais precisamente na Paraíba, temos a COMADEP,
presidida pelo Pr. José Carlos de Lima, que faz bienalmente sua eleição9.
O que dizer da Igreja O Brasil Para Cristo, cujo fundador, Manoel de Mello, era um
diácono oriundo de nossa igreja10. O último estatuto fundamentou algumas
diretrizes que nós não conseguimos, com tantos anos à frente, instituir:
1. Eleição de quatro em quatro anos para o pastor presidente Estadual (vários
casos históricos de recondução);
2. Eleição congregacional para o pastor no estilo batista. A congregação pode
recorrer ao Conselho Estadual para a substituição do pastor, obviamente,
fundamentando sua solicitação;
3. Quarenta por cento da arrecadação bruta da congregação fica com o pastor da
mesma (ou dois salários mínimos, o que for maior), o restante vai para a
Convenção Estadual;
4. Quarenta por cento do que vai das igrejas para a Convenção Estadual é a
remuneração do Pastor Presidente Estadual, o restante vai para o Conselho
Nacional da Igreja;
5. O pastor tem trânsito nacional, podendo desenvolver suas atividades a convite
de um pastor presidente estadual em qualquer Estado do País e até mesmo em
outros países.
Conclusão: basta querer!
Aspectos positivos da vitaliciedade
Nem tudo é ruim na vitaliciedade. Citaríamos alguns aspectos positivos, quais
sejam:
1) Ausência de competição
Infelizmente, nossos líderes não são politizados, aliás, um eco estrutural da
formação sociológica brasileira. Via de regra, nossas eleições são uma
balbúrdia, que se veja o caso das mesmas na CGADB, porque vencedores e
perdedores não estão preocupados senão consigo mesmos. É estranho para a
maioria de nós participar de eleições condominiais, de associações de bairro,
de representações quaisquer inerentes à democracia.
Com a vitaliciedade eliminamos o problema da formação de chapas, da eleição
propriamente dita e da administração dos conflitos decorrentes dela. Mas isso
9 http://www.tiagobertulino.com/2014/01/comadep-pastor-jose-carlos-e-reeleito.html, acessado em janeiro
de 2014 10
http://site.conselhonacional.org.br/?page_id=2, acessado em janeiro de 2014
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não mostra nada, senão a ausência de grandeza intelectual. Um perdedor tem
que reconhecer o resultado de uma disputa, especialmente, em se tratando de
Igreja. Já o ganhador não pode perseguir os concorrentes, negando-lhes
espaços, por exemplo, pelo mesmo motivo. E, não menos importante, o nível
ético de uma eleição deve condizer com nosso testemunho cristão.
2) Rapidez nas decisões
Igrejas nas quais existe a centralização administrativa oriunda da vitaliciedade
(episcopais) tendem a decidir mais rápido. Mas há inúmeros casos de velhice,
problemas de saúde, mania de perseguição, falta de visão estratégica que
depõem contra este argumento. A tendência de médio e longo prazo é a
acomodação.
3) Projetos de longo prazo são iniciados e mantidos
Tendo em vista a transitoriedade de mandatos, projetos de longo prazo são
adiados ou alterados. Com a vitaliciedade projetos que englobam muitos anos
são tocados com mais comodidade. Porém, iniciar e manter tais projetos é
muito mais fruto de argúcia visionária do que propriamente do modelo. Por
vezes, a vitaliciedade acaba justamente atrapalhando tais projetos de longo
prazo, porque o gestor se beneficia da acomodação, como registramos acima.
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Aspectos negativos da vitaliciedade
Infelizmente, há muitos mais aspectos negativos. Vejamos:
1) Gestão baseada no carisma
O carisma é a característica nata do líder evangélico em geral. Porém, a
vitaliciedade exacerba do atributo ao transmitir a cosmovisão do líder como se
fosse a única maneira correta de enxergar o mundo. Modos de vestir, falar, se
dirigir às pessoas, classificar pecados e erros, muitas vezes baseados apenas
em usos e costumes, acabam permeando o modus vivendi da membresia, em
oposição a outros líderes que não compactuam desta visão. De modo que em
uma Assembleia de Deus algo é pecado e em outra não, às vezes, dentro do
mesmo Estado. Trocando os gestores tais referenciais, prejudiciais até certo
ponto, se perdem e a membresia fica sem saber a que modelo seguir.
Personaliza-se o ethos da Igreja!
Por outro lado, os resultados são omitidos e, por vezes, até indesejáveis pois
revelariam tibieza e falta de foco. Os planos estratégicos ficam à mercê da boa
vontade do gestor, que, por sua vez, não se importa, acomodado que está em
sua cadeira. Ao invés de uma gestão baseada em resultados, temos o carisma.
O correto seria um balanceamento dos dois itens.
Outro problema do carisma é o saldo histórico. Passa-se a viver do que
fizemos há anos passados impondo características deste ou daquele líder
como vigentes no momento vivenciado. A Igreja é feita de pessoas, mas é
impessoal. Somos atores históricos, visando dar nossa contribuição para
determinado instante e contexto. Passaremos com e como toda história. Não é
preciso esquecer o que alguém fez, porém, precisamos estar atentos ao que é
necessário fazer. Precisamos entender que cada tempo tem seu próprio
desafio, sua própria moldura, seus próprios atores. Por exemplo, nossos
pioneiros andavam em cavalos, hoje andamos em carros modernos. Não
podemos nos martirizar por isso, nem eles ou seus filhos e admiradores,
podem impingir-nos alguma culpa. Se eles vivessem em nosso tempo,
iniciando a denominação agora, certamente lançariam mão de todos os
recursos disponíveis e o fariam de modo totalmente diferente de então.
2) Nepotismo
Por uma questão lógica, um presidente vitalício tende a se cercar de pessoas
da mais estrita confiança. Ele tem medo de sofrer um golpe ou compartilhar
informações estratégicas e/ou sigilosas. Acaba delegando tarefas chave a
pessoas de seu círculo familiar. Filhos, netos, cunhados, genros são agraciados
com os cargos mais elevados. E muitas vezes com salários incompatíveis com
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seu currículo. Não é raro criar um cabide no qual tais parentes não trabalham,
ou trabalham muito pouco em relação aos demais, tal e qual prefeituras e
sinecuras governamentais, somente para garantir-lhe apoio em alguma
demanda. Tudo isso bancado com dízimos e ofertas.
Na sucessão vitalícia o poder é hereditário. Passa de pai para filho11. Muitas
vezes, não importando se o mesmo está capacitado para o exercício do cargo.
O que importa apenas é manter o poder em família. Na doença do titular, não é
raro filhos e esposas assumirem o controle, deixando à deriva a administração
da Igreja. Longe de nós pensar que não há filhos e parentes de pastores
presidentes capazes, via de regra, porém, se dá o contrário.
O Brasil enfrenta ainda outra questão neste quesito: o usufruto da Igreja para
fins políticos privilegiando parentes. Ou seja, o pastor presidente usa seu
prestígio para, por exemplo, impor à Igreja parentes de sua confiança para a
candidatura a cargos eletivos o que é, inclusive, expressamente proibido em
Lei12.
3) Oligarquia
Oligarquia é a forma de governo em que o poder político está concentrado
num pequeno número de pessoas. Essas pessoas podem distinguir-se pela
nobreza, a riqueza, os laços familiares, empresas ou poderio militar.
Infelizmente, algumas de nossas igrejas são verdadeiros reinos oligárquicos
nos quais o poder está concentrado em poucas mãos. Os gestores têm medo de
compartilhar o dia a dia da Igreja. Não raro porque tantas e tão escusas
decisões aéticas foram tomadas que eles têm medo de se expor.
Compartilhando o poder com um número pequeno de pessoas ele pode
minimizar os riscos. Quanto mais o núcleo de gerência cresce, menos poder ele
tem sobre o mesmo.
4) Absolutismo
Houve um período da história mundial no qual os reis tinham domínio
absoluto sobre a vida das pessoas. Podiam matar, degredar, prender sem
quaisquer questionamentos. Não havia instância para a qual apelar. Com a
vitaliciedade tal poder absoluto se instaura. Pessoas que são defenestradas ou
isoladas por discordância ou outros delitos menores, até que passe aquele
reinado estão isoladas. Para que esse isolamento se torne realidade basta, por
11
Recentemente, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo passou de sogro para genro. Em Belo Horizonte, o pastor Anselmo Silvestre, transferiu o controle para seu neto. 12
A Lei 9.504/97 proíbe a propaganda política em templos e até mesmo a doação financeira de igrejas para campanhas políticas. A razão é simples: não há isonomia na apresentação de outros candidatos.
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exemplo, questionar uma decisão. A alternância permitiria uma reavaliação de
tais situações, sem ranço pessoal.
Conclusões
Entendemos que as igrejas de gestão congregacional não são perfeitas, há
problemas e muitos, como acontece em qualquer grupo social. A questão que
levantamos é que nos parece divino proceder de modo episcopal, mas não é. E
muitos não ousariam dizer que é uma agressão ao chamado de um ou outro
pastor. Na realidade é uma opção que está apenas arraigada em nosso
inconsciente coletivo, podendo ser mudada a qualquer momento para o bem da
Igreja, se esta entender assim. Neste ínterim destacamos que o modelo
congregacional era o modelo da Igreja Primitiva, como bem frisou o nobre pastor
Alcebíades. O crescimento da Igreja é que agregou tais concepções.
Entendemos, também, que a eleição não irá resolver todos nossos males. Mas
poderá fazer com que avancemos em direção a um modelo mais bíblico e menos
verticalizado, seguindo os ditames da Igreja Primitiva.
Por fim, um estatuto moderno e adequado deverá prover as premissas
necessárias às eleições, ao sustento pastoral ideal de ex-presidentes, à igualdade
de oportunidades dentro da estrutura de administração eclesiástica, visando
sempre a Igreja como a beneficiária primordial de todas as gestões. O modelo que
temos, infelizmente, tem se omitido no quesito e está visivelmente esgotado.
Mantendo-se à custa ora de uma manipulação grosseira dos textos bíblicos, ora
por comodismo da assembleia, ora por interesses os mais inomináveis.
Sugestões e questionamentos a este documento: [email protected].