Anna Godbersen – Série Luxo 2 - Intriga
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Intriga
Abas da Frente:
Essa é a Manhattan de 1899: lindas meninas em belos vestidos dançando em festas até de manhã,
meninos irresistíveis de sorrisos maliciosos e cheios de más intenções.
A trágica morte de Elizabeth Holland, uma das meninas da alta sociedade de Nova York, gera um
intrigante burburinho. Todos os olhares estão voltados para os seus conhecidos mais próximos: sua irmã, a
voluntariosa Diana Holland, é agora a única esperança de salvação para a família: seu noivo, o mais notório
playboy de Nova York, Henry Schoonmaker, que nutre por Diana uma paixão incontrolável: sua melhor
amiga, a sedutora Penelope Hayes, que está mais que pronta para herdar tudo o que Elizabeth deixou,
incluindo Henry, e até mesmo sua ex-criada, a ardilosa Lina Broud, que descobre que, embora dinheiro e
berço sejam importantes, a informação é a moeda mais valiosa que existe.
Abas de Trás:
Velhos amigos se tornam rivais e as mais deslumbrantes Socialites Da Manhattan do final do século
XIX veem seus futuros ameaçados por intrigas do passado. Nada é mais perigoso que um escândalo... Nem
mais precioso que um segredo.
―Mistérios, romance, ciúmes, traições, humor e uma incrível pesquisa de costumes da época. Quando
comecei a ler Luxo não consegui parar mais!‖
- Cecily Von Zegesat. Autora dos bestsellers da série Gossip Girl.
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Contra-Capa:
ANNA GODBERSEN nasceu em Berkeley, na Califórnia, estudou na Universidade Barnard e
atualmente vive no Brooklyn com seu marido. Intriga é o seu segundo livro da Série The Luxe.
Para saber mais sobre a Série The Luxe entre no site www.harpeteen .com/luxebooks e
www.theluxebooks.com.
Para Jake e Niki
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Prólogo
Acabei de ser convidado para uma muito discreta, embora decerto também muito luxuosa, celebração
em Tuxedo Park, organizada por uma das melhores famílias de Manhattan. Precisei jurar que guardaria
segredo sobre o evento por enquanto, mas prometo a meus fiéis leitores que contarei tudo quando a semana
chegar ao fim e todos estiverem comentando...
NOTA DA COLUNA “GAMESOME GALLANT”, DO JORNAL
NEV/YORK IMPERIAL, DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 1899
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S CLASSES MAIS BAIXAS DE NOVA YORK JÁ ESTÃO ACOSTUMADAS a
vislumbrar a aristocracia nativa nas ruas da cidade, entrando aos tropeços para tomar
café no Sherry’s após uma de suas festas épicas, ou talvez andando de trenó no
Central Park, aquele lugar tão democrático. Mas, aqui no campo, é diferente. Aqui, os
ricos não precisam suportar o ultraje de serem observados por mil pares de olhos.
Aqui, nessas colinas nevadas que ficam a sessenta quilômetros a noroeste de Manhattan, as negociatas,
transações e diversas violências que estão sendo cometidas na cidade não podem tocá-los. Só eles podem
passar pelos portões.
Nos últimos dias gélidos do ano de 1899, o beau monde escapou de Nova York silenciosamente, em
pequenos grupos, seguindo as instruções dadas por seus anfitriões. Na véspera do Ano-Novo, os últimos já
haviam chegado à cidadezinha de Tuxedo Park num trem especial, desembarcando na estação privada do
clube privado que frequentavam. Muitos trens especiais surgiram ao longo da tarde: um repleto de
orquídeas, outro de caviar e carnes nobres, outro de caixas de champanhe Ruinart. E agora vinham os
Schermerhorn, os Schuyler, os Vanderbilt e os Jones. Todos eram recebidos na estação por carruagens
recém-pintadas nas cores do clube Tuxedo, verde e dourado, e decoradas com sinos de prata da joalheria
Tiffany, que os carregavam através do pátio coberto pela neve que acabara de cair e os levavam ao salão de
baile onde o casamento ocorreria.
Os que possuíam residências propositalmente rústicas em Tuxedo Park — como mansões com
telhados cobertos de musgo e líquen, por exemplo — se dirigiam a elas antes. As senhoras haviam trazido
suas joias de família, seus enfeites de diamantes e penas para o cabelo, suas luvas de seda. Elas colocaram os
mais novos e mais belos vestidos na bagagem, embora algumas já não tivessem mais esperança de serem
vistas com as roupas que já haviam sido descritas pelos jornais durante aquela temporada tão infeliz. A mais
encantadora socialite de Nova York, Elizabeth Holland, fora engolida pelas águas há três meses, e todos
estavam constrangidos demais para demonstrar alegria em público desde então. As melhores pessoas
passaram a temporada esperando pelo mês de janeiro, quando finalmente poderiam escapar para cruzeiros
no Mediterrâneo e outros pontos do leste. Agora, tão perto do Ano-Novo, com uma inesperada, mas muito
bem-vinda festa no horizonte, parecia que a atmosfera ficaria menos lúgubre. Algumas das mulheres
mencionaram em voz baixa, enquanto colocavam gotas de perfume atrás das orelhas, que a noiva usaria o
vestido de casamento de sua mãe na cerimônia, o que daria um tom de humildade à celebração. Mas isso era
uma tradição, e não um motivo para que os convidados se privassem de seus tramais elegantes.
Eles já estavam sendo levados por criados uniformizados ao de baile do prédio principal do clube.
Estavam recebendo minhas de cristal com ponche quente, e notando as mudanças haviam sido feitas no
salão do Tuxedo para a ocasião.
No chão de parquete havia agora um corredor, ladeado por camadas de pétalas de rosa branca de
alguns centímetros de altura e, no centro do salão, havia arcos feitos de crisântemos e lírios do campo. Os
convidados entraram, comentando aos sussurros como tudo estava belo, e como diversas figuras importantes
haviam comparecido apesar de os convites terem sido entregues apenas poucos dias antes. Lá estava a sra.
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Astor, com o rosto coberto por um véu negro, presente apesar de seu estado de saúde, que havia lhe mantido
em casa pela maior parte da temporada e feito circular rumores de que ela estaria pronta para abdicar do
trono de rainha da alta sociedade dc Nova York. Ela estava de braço dado com Harry Lehr, um galante
cavalheiro que ainda não havia se casado e que era famoso por sua habilidade em dançar e em dizer a coisa
certa na hora certa.
Lá estavam William Schoonmaker e sua esposa se encaminhando para a fileira da frente. A jovem
sra. Schoonmaker — que era a segunda mulher do cavalheiro — mandou beijos e ajeitou seus cachos louros
e sua tiara de rubi conforme atravessava o corredor. Lá estavam Frank Cutting e a esposa, cujo único filho,
Teddy Cutting, era um amigo tão próximo do filho de William, Henry Schoonmaker, apesar de os dois só
terem sido vistos juntos algumas vezes desde o meio de dezembro. Lá estavam Cornelius Vanderbilt III,
conhecido como Neily, e sua esposa, cujo nome de solteira fora Grace Wilson e que em sua época de
debutante tivera fama de libertina e quase fizera com que seu marido fosse deserdado. Ela estava muito
elegante agora, usando um vestido de veludo com renda nas mangas e com seus cabelos ruivos penteados
em elaborados cachos, encaixando-se perfeitamente na família Vanderbilt. Mas, apesar da presença de tantos
bem-nascidos tomando seus lugares, havia algumas ausências conspícuas. Pois, entre os cerca de cem
convidados — uma lista muito mais seletiva do que a dos quatrocentos que frequentavam o salão de baile da
sra. Astor —, não havia sequer um representante de uma das grandes famílias de Manhattan.
A omissão pareceu estranha a muitos e, disfarçados pela gentil melodia que anunciava que a
cerimônia estava prestes a começar, alguns dos convidados trocaram sussurros sobre a ausência. Enquanto
isso, do lado de fora, o vento uivava, e o gelo que pendia das calhas cintilava. Os últimos a chegar foram
levados apressadamente a seus assentos, e então os padrinhos dos noivos, usando casacas, e não smokings,
que são menos formais, caminharam com passos firmes até seus lugares.
O último deles, Teddy Cutting, olhou para trás para se certificar de que seu amigo estava pronto. A
música ficou mais alta e os convidados assentiram satisfeitos ao ver Henry Schoonmaker indo até o altar,
com os cabelos escuros alisados para o lado e o belo rosto demonstrando uma nova maturidade. Será que
havia um toque de nervosismo misturado à perene malícia de sua expressão? Estaria ele ansioso ou
hesitante? Nesse momento, Henry e todos os outros que estavam ali voltaram os olhos para o início do
corredor, onde surgiram as mais adoráveis debutantes de Nova York, usando vestidos de chiffon azul-claro.
Elas marcharam lentamente, uma a urna, passando entre as pequenas montanhas de pétalas de rosa e se
dirigindo à frente do salão.
Quando as primeiras notas da marcha nupcial de Wagner foram ouvidas, a noiva, parecendo uma
sílfide, surgiu debaixo do primeiro arco coberto de flores. A beleza da menina na ocasião Impressionou até
mesmo sua família e seus amigos, que soltaram murmúrios de aprovação. Ela estava usando o vestido de
noiva de sua mãe e segurando um imenso buquê de flores brancas com as duas mãos. Seu rosto estava
coberto por um ornado véu, o que tornava impossível discernir a emoção que estava sentindo, mas ela
caminhou para o altar resolutamente.
Quando a noiva se posicionou ao lado de Henry, a porta se abriu e um jovem criado surgiu, ofegante,
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e foi sussurrar algo no ouvido da mulher que estava ao lado da entrada. Um golpe de ar gelado penetrou o
salão, seguido por uma exclamação surda e um burburinho quase inaudível. Os convidados, que vinham
sussurrando aqui e ali desde o início da cerimônia, ficaram muito mais agitados, e o ruído de seus
comentários não cessou nem mesmo quando o reverendo limpou a garganta e começou a falar. Os olhos
escuros do noivo percorreram o salão. Até mesmo a noiva se empertigou.
A voz monótona do reverendo persistiu, mas os rostos dos presentes não estavam mais tão plácidos e
tampouco tão alegres. Um desconforto crescente atingira a alta classe mesmo aqui, no calor de seu palácio
de inverno, mesmo nos fascinantes minutos que precediam a união de dois de seus membros mais
importantes. As sobrancelhas dos convidados estavam erguidas; suas bocas, abertas. Foi como se,
subitamente, a selvageria da cidade que eles haviam deixado para trás estivesse mais perto do que se
imaginara. Algo acontecera, algo que mudaria para sempre a forma como eles se lembrariam dos últimos
dias de 1899.
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Um
Os últimos meses em Nova York foram sombrios, devido à morte da srta. Elizabeth Holland — uma
das mais queridas jovens da alta sociedade — e à tempestade de neve que atingiu a cidade no final de
novembro, deixando-a soterrada por diversos dias. Mas a elegante Nova York ainda tem esperanças de viver
um belo inverno, com noites na ópera e bailes alegres. E o que chamou nossa atenção em mais de uma
ocasião foi o novo comportamento recatado da srta. Penelope Hayes, que foi a melhor amiga da srta.
Holland durante sua curta vida. Será que a srta. Hayes herdará a graça e o decoro impecável da falecida?
NOTA DA REVISTA CITÉ CHATTER, SEXTA-FEIRA,
15 DE DEZEMBRO DE 1899
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— COM LICENÇA, MAS É A SENHORITA MESMO?
Fazia um frio revigorante apesar do sol e, quando Penelope Hayes virou lentamente a cabeça na
direção da ruela de paralelepípedo à sua esquerda, onde a multidão se acotovelava, ela exalou uma nuvem
visível de vapor quente. Penelope pousou seus enormes olhos azuis no rosto ansioso da menina, que não
devia ter muito mais do que catorze anos. Ela provavelmente emergira de um daqueles prédios vagabundos
que se erguiam aos montes por ali, em ângulos imprecisos, atrás do local onde as pessoas estavam reunidas
naquele momento. Um emaranhado de fios negros saía dos tetos dos prédios, recortando o céu. A menina
vestia um casaco preto que já estava quase cinza de tão gasto, e seu rosto, naturalmente rosado, ficara
vermelho-vivo por causa do frio. Penelope encarou-a e abriu seus lábios carnudos no sorriso mais amável do
mundo.
— Sou eu, sim.
Ela esticou a coluna, para mostrar ainda melhor seu corpo esguio, seu elegante rosto oval, sua pele
incandescente. Há algum tempo, Penelope fora conhecida apenas como a bela filha de um novo-rico, mas,
recentemente, ela passara a usar vestidos brancos ou em tons pastel, assim como as mais discretas meninas
de sua idade, que sabiam da conotação conjugal que tais cores possuíam. Hoje, porém, devido ao estado das
ruas que ia atravessar, ela escolhera um matiz mais escuro. Penelope estendeu a mão enluvada para a garota
que lhe abordara e disse:
— Eu sou a srta. Hayes.
— Eu trabalho na Weingarten, a loja de peles — afirmou a menina timidamente. — Já vi a senhorita
algumas vezes de lá dos fundos.
— Oh, então devo agradecer por seus serviços — disse Penelope graciosamente.
Ela inclinou o corpo para a frente num gesto que quase poderia ser descrito como uma mesura,
embora a grande gola Médici de seu casaco azul-marinho com bordados dourados a impedisse de mover a
cabeça de forma realmente humilde. Penelope olhou novamente nos olhos da menina e perguntou:
— Gostaria de ganhar um peru?
A parada já estava seguindo em frente. A banda tocando músicas natalinas passara para o quarteirão
seguinte, e Penelope ouviu a voz do sr. William Schoonmaker falando num megafone logo atrás dos
músicos. Ele estava desejando um feliz Natal à multidão que se espalhava pelas calçadas, e lembrando
sutilmente quem fora o responsável por aquela festa. Pois a parada havia mesmo sido ideia do sr.
Schoonmaker, que pagara pela banda, pelo carro alegórico com o presépio em cima e pelos perus, e também
convidara diversas matronas e debutantes que conhecia para entregar as aves aos pobres. Elas é que eram a
verdadeira atração da ocasião, pensou Penelope ao se voltar para seu leal amigo Isaac Phillips Buck e enfiar
a mão no imenso saco de aniagem que ele carregava.
Penelope estava usando luvas de couro, e o peru estava embrulhado em jornal, mas, mesmo assim,
ela sentiu a superfície fria e molenga do animal. Ele era pesado e difícil de segurar, e ela tentou não
demonstrar sua repulsa ao entregá-lo à menina. A menina olhou para o embrulho como se não entendesse, e
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o sorriso desapareceu de seu rosto.
— Aí está — disse Penelope, tentando não parecer ansiosa, embora estivesse desesperada para que a
garota pegasse a ave de suas mãos. — Para você, para sua família. Dos Schoonmaker... e de mim.
O silêncio se prolongou, mas então o sorriso da menina ressurgiu. Sua boca se escancarou de alegria.
— Oh, srta. Hayes! Muito obrigada! Agradeço por mim e... e... pela minha família também! — disse
ela, pegando a pesada ave e dirigindo-se a suas amigas que estavam no meio da multidão. — Olhem, a srta.
Penelope Hayes me deu este peru pessoalmente!
As amigas olharam atônitas para a preciosa ave e observaram timidamente a menina de casaco azul-
marinho. Era como se já a conhecessem, de tanto que já tinham visto seu fantástico nome nas colunas
sociais. Para elas, Penelope Hayes era a herdeira do lugar que sua melhor amiga, Elizabeth Holland, ocupara
no coração do povo antes de se afogar tragicamente poucos meses antes. É claro que Elizabeth não se
afogara de fato e continuava muito viva — algo de que Penelope tinha perfeita consciência, tendo ajudado a
―virginal‖ srta. Holland a desaparecer para que ela pudesse fugir com o criado por quem aparentemente
havia se apaixonado. E também para que ela própria pudesse retomar posse daquilo que lhe pertencia: o
noivo que Elizabeth deixara para trás. A ascensão de Penelope estava quase completa, tanto que as mais
importantes senhoras da alta sociedade, assim como os colunistas que descreviam suas atividades, já
comentavam como ela vinha ficando cada vez mais parecida com Elizabeth.
Antigamente, Penelope não teria considerado isso um elogio, pois sua opinião privada era de que o
recato não era exatamente uma virtude. Mas ela começara a compreender que ele tinha suas vantagens.
Penelope compensou a adulação da menina permanecendo ali durante mais alguns segundos, com os
olhos brilhando e o sorriso radiante. Então, voltou-se para Isaac, altamente chamativo no terno cinza
quadriculado, camisa âmbar e casaco de pelo de castor que cobriam todo o seu corpanzil.
— Você precisa me tirar daqui — sussurrou Penelope. — Não vi Henry o dia todo, estou com frio, e
se encostar em mais um desses perus nojentos...
Isaac interrompeu-a com um olhar, demonstrando que já compreendera.
— Pode deixar — disse ele.
As feições de Isaac eram suaves por causa do excesso de gordura em seu rosto, e suas sobrancelhas
louras haviam sido esculpidas de forma a lhe dar uma aparência canina. Outras senhoras com seus chapéus
de aba larga e casacos de golas ornadas passaram, com a banda vindo logo atrás. Penelope olhou na direção
de onde vinha a voz do mais velho sr. Schoonmaker, e imaginou que seu filho, Henry, com seus olhos
escuros e seu ar maroto, devia estar atravessando a rua ao seu lado. Ela sentiu um leve desânimo. Então,
virou-se para Isaac, que já formulara um plano.
lsaac tinha mais de um metro e oitenta de altura e seu corpo se estendeu de forma imponente para a
frente no momento em que ele se posicionou para proteger a mulher a quem era mais leal no mundo, como
já fizera tantas vezes antes. Isaac não tinha dinheiro de nascença, embora afirmasse fazer parte da famosa
família Buck, cujos membros em sua maior parte viviam em mansões decadentes do Hudson Valley. Mas
ele era valiosíssimo para qualquer anfitriã que desejasse dar uma grande festa, e, por isso, muitas vezes
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ganhava presentes caros. Penelope cobriu o rosto com o véu do chapéu e seguiu Isaac, que estava
atravessando a multidão. Quando os dois já se encontravam a salvo das massas, Isaac jogou no chão aquele
incômodo saco de perus e ajudou Penelope a entrar na carruagem que lhes esperava.
Enquanto Isaac dava algumas instruções a seu cocheiro, Penelope recostou-se no assento de veludo
negro e suspirou. Dentro de sua carruagem, todas as superficies eram macias como penas de ganso ou feitas
de ouro. Penelope sentiu um alívio em suas têmporas; tudo voltara a seu lugar. Ela removeu suas luvas
rapidamente e atirou-as pela janela do veículo. Isaac observou-as cair numa poça de lama, e depois entrou e
sentou-se ao lado da amiga. As rodas começaram a girar por sobre a rua esburacada, e Isaac se inclinou para
a frente e tirou uma caixa de madeira polida de debaixo do banco.
— Luvas de couro? — perguntou ele. — Ou você prefere de seda?
Penelope examinou seus dedos brancos e longos ao esfregá-los uns contra os outros. A maioria das
meninas como ela, cujos pais eram empresários, presidentes de bancos ou donos de corretoras de seguros,
trocava de luvas três ou quatro vezes por dia, conforme iam tomar chá, jantar ou assistir a espetáculos de
música. Penélope, no entanto, considerava suas mãos superiores e preferia trocar de luvas dez ou onze vezes
todos os dias. Ela jamais usava o mesmo par duas vezes, mas sua nova personalidade virtuosa a havia
inspirado a doar os pares descartados de vez em quando.
— De couro. Não está fazendo calor, e nunca sabemos quem vamos encontrar quando saímos de
carruagem.
— De fato — concordou Isaac, pegando um par de luvas de couro costuradas à mão para Penelope.
— Especialmente quando eu dou as instruções ao cocheiro.
— Obrigada.
Penelope calçou as luvas e sentiu que voltara a ser ela mesma, o que considerava sempre uma coisa
muito positiva.
— Você foi perfeita hoje — comentou Isaac casualmente.
— Pena que seja tudo tão insuportável — retrucou Penelope, pousando sua linda cabeça sobre o
veludo. — Quantos pobres cabem em Nova York? E será que eles nunca se cansam de comer peru?
Ela tocou suas proeminentes maçãs do rosto com os dedos enluvados.
— Meu rosto está doendo de tanto sorrir.
— É realmente enfadonho ficar sempre fingindo ser boazinha — admitiu Isaac. — Mas você jamais
esquece seus objetivos.
— Não — concordou Penelope. — E estou muito bem lembrada do objetivo atual.
Nesse momento a carruagem estacou, e Isaac colocou a mão na manivelinha de ouro para baixar a
janela. Penelope se inclinou sobre o amigo e viu que estavam na frente da parada, bem na interseção que
dava para o início da procissão. Lá estava William Schoonmaker, alto e grandalhão, vestido com um terno
negro. Ao seu lado estava a sra. Schoonmaker, cujo nome de solteira fora Isabelle de Ford. Ela ainda era
jovem, e estava muito bonita com seu vestido de renda e seu casaco de peles. Os dois estavam ladeados
pelos prédios pobres daquela região, e pararam ao ver a carruagem que se encontrava à sua frente. No
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segundo seguinte, Henry surgiu ao seu lado.
Penelope prendeu a respiração ao vê-lo. Há não muito tempo ela e Henry se viam todos os dias,
tendo chegado a conhecer a fundo a intimidade um do outro e aqueles recantos das mansões de seus pais que
eram perfeitos para esconder um tipo de comportamento nada apropriado para jovens damas da alta
sociedade. Os dois haviam feito o tipo de coisa que meninas como Elizabeth Holland eram famosas por não
fazer — até que um dia Henry anunciara estar noivo da srta. Holland. Num jantar em que Penelope estava
presente. Era o suficiente para levar qualquer um a vomitar, e fora isso mesmo que Penelope fizera logo
depois de ouvir a notícia.
É claro que sua reação violenta àquele fato repugnante fora, desde então, substituída pela tolerância.
Isaac ajudara Penelope a compreender a situação. Ele havia explicado que o sr. Schoonmaker tinha enormes
pretensões — seu maior desejo era ser prefeito de Nova York — e que, sem dúvida, gostava da ideia de ver
seu filho casado com uma menina tão comportada e adorada por todos. Penelope tinha quase certeza de que
conseguiria fazer qualquer coisa tão bem quanto Elizabeth e, já que esta fora uma nora em potencial tão
desejável, então era isso que ela se tornaria.
Penelope mal vira Henry desde então, e sua aparição agora foi como receber uma dose concentrada.
Sua figura esbelta estava vestida de negro, e sob a sombra de sua cartola era possível ver a bela linha de seu
queixo aristocrático. Penelope notou que Henry ainda usava fumo no braço, para indicar que estava de luto.
Ela fixou seu olhar nele, sabendo que ele ia encará-la. Após alguns segundos, Henry olhou-a nos olhos.
Penelope fez o ar mais recatado que conseguiu, deu um sorrisinho tímido e cobriu novamente o rosto com o
véu.
— Foi uma linda parada, sr. Schoonmaker — disse ela, colocando a mão sobre a janela semiaberta da
carruagem.
Penelope recostou-se mais uma vez no assento de veludo e ouviu Isaac mandar o cocheiro seguir em
frente. Mas não pensou em seu próximo destino. Pensou em Henry e em como, em breve, ele não estaria
mais de luto por Elizabeth. Ela estava certa de que, naquele momento, ele estava se lembrando da mulher
que ela era por detrás daquela máscara de virtude, lembrando-se de tudo que havia ocorrido entre eles. Dessa
vez, não seriam apenas beijos roubados nos corredores dos fundos. Não haveria segredo, nem humilhação.
Dessa vez, seria para valer.
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Os principais líderes da alta sociedade de Nova York têm estado preocupados com um de seus
membros. A sra. Holland — cuja dignidade e bom gosto a foram reverenciados pelas pessoas mais
importantes — está de luto pelo marido há quase um ano, mas, apesar disso, a escassez de seus recursos tem
sido notada. Alguns vêm sugerindo que a fortuna dos Holland diminuiu com o passar dos anos e que a
família do falecido sr. Edward Holland está vivendo quase na miséria em sua casa cm Gramercy Park. Com
a trágica morte de sua filha mais velha, a adorável Elizabeth, que estava noiva do sr. Henry Schoonmaker, a
sra. Holland certamente passará a considerar opções matrimoniais para sua caçula, Diana, de dezesseis anos,
que ainda é muito jovem, mas já foi vista sem chapéu cm público.
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO JORNAL NEW YORK NEWS OF
THE WORLD GAZETTE SEXTA-FEIRA, 15 DE DEZEMBRO DE 1899
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OS GALHOS COR DE MALVA DAS ÁRVORES, QUE ESTAVAM inteiramente sem folhas,
rodopiavam de forma frenética em torno do pequeno lago congelado do Central Park. Eles se moviam
horizontalmente por entre uma faixa cinza de céu e uma multidão de pessoas com as bochechas
avermelhadas pelo frio. Essa paisagem foi passando cada vez mais rápido, até que, subitamente, Diana
Holland empurrou a parte frontal de seu patim com força contra o gelo, fazendo uma parada dramática. Ela
respirou fundo para se firmar, extasiada, e sentiu-se tonta e feliz por estar naquele refrescante ar invernal.
Então, lembrou-se de quem estava acompanhando-a aquela tarde: Percival Coddington.
— Srta. Holland — disse ele, vindo aos tropeços em sua direção.
Embora Diana quisesse mais do que qualquer coisa estar longe de Percival, ela não pôde deixar de
temer um pouco por ele — e por qualquer um que estivesse ao seu alcance — ao vê-lo cambaleando na
ponta dos patins e abanando os braços em desespero, na tentativa de se equilibrar.
Diana estava se esforçando muito para não rir de Percival, pois descobrira naquela tarde que ele não
gostava nem um pouco de ser alvo de zombaria. Percival reagira a todas as piadas de Diana com mau humor
e acidez, e diversas vezes comentara que ela não estava se comportando da forma como uma menina que
pretendia se casar deveria. A única coisa a fazer em situações como aquela era rir mesmo, mas Diana estava
sinceramente tentando resistir. Para impedir Percival de notar a expressão divertida em seu rosto, ela
ofereceu-lhe a mão.
— Srta. Holland — repetiu Percival, agarrando-a com força.
Diana agradeceu a Deus pelo fato de que havia duas luvas entre a palma de sua mão e a do
cavalheiro, e rezou para que ele não a derrubasse consigo.
— Sr. Coddington, ―srta. Holland‖ era a maneira como todos se referiam à minha irmã e, para mim,
esse nome ainda pertence a ela. Eu prefiro srta. Diana.
Percival, cujos cabelos pareciam um tapete ensebado e cujas narinas se dilatavam de uma forma que
só poderia ser descrita como grotesca, abaixou os olhos respeitosamente. Diana não havia sido inteiramente
sincera ao dizer o que acabara de dizer. Apesar de ter passado os últimos dois meses fingindo estar de luto
fechado e sentindo uma melancolia profunda, ela não estava triste ou sequer um pouco aborrecida. Mas
sentia que possuía o direito de usar o falso falecimento de sua irmã como desculpa, já que havia sido sua
partida secreta de Nova York que tornara necessárias tardes como aquela, passadas na companhia de rapazes
solteiros e detestáveis. Pois, assim que a sra. Holland se recuperara do choque de perder Elizabeth, ela
redirecionara sua ambição por um casamento vantajoso para sua filha mais nova. Isto apesar de ter passado
quase todo o outono adoentada.
Fora a sra. Holland quem insistira para que Diana aceitasse o convite de Percival para andar de patins
naquele dia, e também fora ela — acreditava Diana — quem sugerira a atividade a ele. Percival tinha muitos
defeitos, é claro, mas Diana possuía um motivo principal para querer atirar a sua mão longe: seu coração
pertencia a outro. E a sra. Holland jamais toleraria tal objeção.
Além disso, era típico de Elizabeth se ausentar da vida de Diana bem no momento em que finalmente
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tinha uma história interessante para contar. Pois ela havia fingido se afogar no rio Hudson por causa do amor
que sentia por um menino chamado Will Keller, que fora cocheiro da família Holland e era tão bonito que
Diana já se perguntara em mais de uma ocasião como seria beijá-lo. Liz fora ajudada por sua traiçoeira
amiga Penelope Hayes, e então partira para a Califórnia recusando-se a abrir mão de seu romance, que era
fascinante justamente por ser trágico. Elizabeth havia contado a verdade a Diana, mas, desde então, só
mandara informações muito limitadas sobre seu endereço atual.
Por isso, embora Diana apoiasse a decisão de sua irmã de não abandonar seu amor verdadeiro, e
embora estivesse muito curiosa para saber tudo sobre o caso, não deixava de sentir que uma das
consequências imprevistas do ato de Elizabeth fora deixá-la à mercê de uma campanha matrimonial para a
qual ela não se sentia nem um pouco preparada.
Diana continuou a fazer uma expressão triste enquanto patinava com Percival em meio à multidão de
pessoas felizes, esperando que, se continuasse a parecer arrasada, ele não se animaria a conversar com ela.
Seu rosto em forma de coração e seus brilhantes olhos negros estavam voltados para baixo quando ela notou
a rachadura no gelo.
— Lamento por tê-la feito pensar na srta. Holland mais uma vez — disse Percival com hesitação.
Diana o puxou para longe do buraco que havia na margem do lago, já sentindo a umidade de sua mão
através da luva de tricô. Ela não pôde deixar de compará-lo ao rapaz que mais adorava — e que era superior
a Percival em todos os aspectos — e isso só a fez ter mais vontade de arrancar sua mão dali.
— A senhorita não se comporta muito como ela, mas isso não significa que não mereça a mesma
compaixão de todos nós — continuou o cavalheiro.
— Oh, não se preocupe — disse Diana.
Ela tentou controlar a irritação que sentira ao ouvir o último comentário, e lembrou que Percival não
tinha muitas chances de ser seu acompanhante em outra ocasião social. E também notou que, embora
Percival não a considerasse parecida com Elizabeth, isso não o impedira de avaliar discretamente o formato
de seu corpo diversas vezes ao longo da tarde.
Diana deu dois fortes impulsos com os pés. Sua velocidade aumentou, e o peso morto de Percival
Coddington foi arrastado por ela ao redor do lago. Ela virou-se para ele timidamente e deu um sorriso
sedutor.
— Certamente o senhor consegue patinar mais rápido, não é, sr. Coddington?
O pai de Percival fora um grande empresário, e sua mãe uma menina feia e asmática da família
Livingston. Todos que prestavam um pouco de atenção no rapaz concluíam que sua personalidade e
aparência haviam sido herdadas do lado materno. Do pai, Percival herdara a fortuna, e por isso não se
preocupara em se tornar uma figura importante nem no mundo dos negócios, nem na alta sociedade.
Ele era conhecido por colecionar armas de outros países, mas não tinha fama de ser corajoso e nem
de ser bom dançarino. Diana seguiu em frente, cada vez menos consciente dos gritos das crianças, da música
que tocava ao longe, das árvores, do céu e até do frio que fazia. Ela agora estava se movendo de forma
determinada, e sentiu os músculos de suas pernas trabalhando conforme seus patins deslizavam pelo gelo.
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Eles se aproximaram de novo da rachadura perto da margem, e Diana avistou a água negra do lago.
Ela sorriu novamente para Percival, deu mais dois impulsos e então fez um movimento brusco para
trás com o braço. Diana disfarçou o propósito real de seu gesto fazendo uma curva e uma espécie de mesura
antes de começar a patinar de costas. Percival observou-a apertando os olhos, e por um minuto pareceu
impressionado com o seu truque. Mas logo estava girando os braços para tentar se equilibrar, deixando claro
que não sabia como dar meia-volta. Seus patins continuaram a deslizar em linha reta e, quando Percival viu
para onde estava indo, seu rosto paralisou-se numa expressão de terror. Diana não ficou ali para testemunhar
a inevitável queda do rapaz. Ela continuou a atravessar o lago patinando de costas despreocupadamente,
com os cachos castanhos batendo em seu pequeno queixo pontudo.
Quando Diana ouviu os pedidos de ajuda e viu a multidão correr para o local da rachadura, soube que
Percival ia ficar bem. Ela colocou a mão enluvada sobre a boca e permitiu-se dar uma risadinha. Estava
patinando com muito mais leveza agora, e sentiu-se muito satisfeita por ter mostrado a Percival que, apesar
de não possuir tantas qualidades quanto sua irmã, ainda assim não estava à venda. Um rápido banho de água
gelada serviria para lembrar ao rapaz que ele não merecia se casar com nenhuma Holland. Diana só
lamentou o fato de Henry Schoonmaker não estar lá para apreciar a maquinação daquela merecida vingança.
Já fazia mais de um mês que ela não falava com Henry. Ele também estava de luto por Elizabeth
pois, embora não houvesse ficado noivo por amor, não sabia que ela estava viva. Para Henry a morte de Liz
fora real, e o fizera amadurecer bastante. Mas era Diana quem ele amava de verdade. Pelo menos fora isso
que havia lhe parecido há um mês, quando Henry visitara sua mãe e sua tia Edith, em mais uma daquelas
ocasiões melancólicas em que ninguém dizia nada, apenas ficava sentado, imóvel, olhando para o chá morno
em sua xícara. Ele ainda a amava. Diana tinha certeza.
Ela chegou à margem do lago e deu alguns passos desajeitados até um banco de madeira. A multidão
havia formado uma parede escura em torno do local onde ela largara a mão de Percival, e a paisagem atrás
da cena estava branca e imóvel, com o solene edifício Dakota erguendo-se por sobre as árvores. Diana se
inclinou e desamarrou os cadarços dos patins habilmente. Antes mesmo de os haver tirado dos pés, um
menino surgiu de uma cabana ali perto com suas botas de couro preto. Ela enfiou a mão no bolso do casaco
para pegar uma gorjeta para o garoto, mas ele deveria estar ansioso para ver o que estava acontecendo no
gelo, pois nem esperou. Ninguém resiste a um bom desastre.
Diana acabara de colocar as botas nos pés quando percebeu que um homem surgira do meio da
multidão e estava deslizando em sua direção. Ele usava um chapéu de pele e um terno marrom-claro que não
parecia ser quente o suficiente para um dia no gelo, e estava patinando com as mãos atrás das costas, o que
pareceu bastante elegante a Diana — como uma pose que Henry faria. Quando ela percebeu que os ombros
do homem eram largos demais para ser os de Henry e que ele era um pouco menos esbelto, Diana sentiu a
tristeza terrível de alguém que é subitamente despertado no meio de um sonho delicioso.
A poucos metros de Diana o homem parou, ergueu o chapéu e inclinou a cabeça para ela. Diana
achou que ele, com suas enormes bochechas, nariz encurvado e sobrancelhas peludas, lhe era familiar; seus
cabelos eram escuros e cortados bem curtos, e possuía o olhar de um homem que era sempre atencioso. Ele
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colocou o chapéu na cabeça e disse:
— Creio que seu acompanhante não vai poder levá-la para casa.
— É mesmo? — perguntou Diana inocentemente. — Então essa é a causa de tanta comoção?
— Eu me chamo Davis Barnard — disse o homem, oferecendo a mão para Diana apertar, sem
parecer achar nada de estranho em seu comportamento. — Posso lhe dar uma carona.
— Sr. Barnard... — disse Diana, tendo diversas lembranças ao pronunciar o nome. — O senhor
escreve a coluna ―Gamesome Gallant‖, não é mesmo?
O cavalheiro deu um pequeno sorriso e assentiu. Ele tirou os patins e colocou os sapatos, e então os
dois andaram até sua carruagem em silêncio. Diana sabia que não era polido aceitar caronas de homens que
mal conhecia, mas não se considerava uma menina convencional, e sempre quisera ver um jornalista de
perto. Foi só depois de ela estar sentada no banco de couro do veículo, com uma manta sobre as pernas, que
o sr. Barnard se explicou.
— Sempre fui um grande admirador de sua irmã — começou ele, quando os cavalos deram um passo
e a carruagem foi levada para a frente com um tranco.
— Sim, eu me lembro — disse Diana, sabendo que não deveria dizer mais nada, mas não resistindo.
— O senhor escreveu tantas coisas bonitas sobre ela. Mamãe sempre gostava.
— Foi uma tragédia — disse o senhor Barnard, obrigando Diana a fazer a expressão de tristeza que
repetira tantas vezes nos últimos meses. — Tem sido muito difícil escrever sobre sua família desde a morte
dela.
Diana, sem saber o que ele queria dizer, permaneceu em silêncio.
— Mas ainda leio tudo, é claro. Como aquela nota no Gazette de hoje, especulando sobre...
O senhor Barnard se interrompeu e observou a reação de Diana.
Ela não conseguiu impedir que o sangue lhe subisse às faces, e nem tentou disfarçar sua irritação. Era
verdade que os Holland, uma das famílias mais antigas e sofisticadas de Manhattan, estavam com problemas
financeiros no momento, e, embora Diana não fosse materialista, ela não gostava de ser objeto de pena.
— Especulando sobre o quê? — perguntou ela com petulância.
— Não importa — disse Barnard, apoiando o queixo em sua enorme mão e avaliando Diana. — O
que quero dizer é que a senhorita não vem de apenas uma família importante, mas de duas, e que mesmo que
algum colunista escreva coisas vulgares sobre os Holland, vocês ainda estarão entre as pessoas mais
importantes da alta sociedade. É por isso que estou muito feliz por tê-la conhecido hoje. E por isso gostaria
de dizer que, se a senhorita algum dia ficar sabendo de uma história interessante, qualquer história que possa
ser considerada interessante por moi, eu saberia demonstrar minha gratidão.
Barnard fez uma pausa, olhando-a nos olhos e certificando- se de que ela compreendera.
— A senhorita deve saber que sou muito discreto.
A carruagem deixou o Central Park, e os lábios de Diana se curvaram num pequeno sorriso. Logo,
eles estariam na Quinta Avenida, Barnard sorriu de volta para ela, que não pôde deixar de jogar a cabeça
para trás do jeito que lhe era tão peculiar e dar uma gargalhada.
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Não acredito que eu possua qualquer informação interessante, sr. Barnard, embora tenha sido muito
gentil de sua parte me oferecer essa carona. Espero que o senhor me chame para dançar da próxima vez em
que estivermos no mesmo baile — concluiu Diana.
Ela achou que aquela era uma maneira simpática de deixar claro que não tinha intenção de contar
coisa alguma ao sr. Barnard. E olhe que sua cabeça andava tão cheia de segredos românticos que Diana nem
sabia como estava conseguindo guardá-los há tanto tempo.
— Muito bem, srta. Diana — disse o sr. Barnard com o mesmo sorrisinho misterioso. — E fico feliz
em poder dizer que, agora que a vi tão de perto, tenho certeza de que é tão adorável quanto a irmã.
Eles se despediram cordialmente na frente da casa dos Holland, o número 17 da rua Gramercy Park
South. O sr. Barnard ajudou Diana a descer da carruagem, beijou sua mão e pediu-lhe que não esquecesse
sua oferta. Ele insistiu para que ela ficasse com seu cartão e, antes de partir, falou mais uma vez de sua
discrição. Diana virou-se e subiu os degraus de pedra que levavam ao portão de ferro trabalhado de sua
mansão, sorrindo ao se imaginar precisando vender informações por dinheiro. Pois, embora a fortuna de sua
família houvesse mesmo sido reduzida a quase nada, havia outro segredo guardado em seu peito.
Numa carta que Elizabeth escrevera logo antes de desaparecer, ela dissera a Diana que sabia que ela
amava Henry. Ela sabia sobre a noite que eles haviam passado juntos na estufa dos Schoonmaker, e sobre os
diversos bilhetes que haviam mandado um para o outro durante o malogrado noivado de Elizabeth e Henry.
E Elizabeth até mesmo aprovava seu namoro.
Por isso, Diana sabia que, assim que fosse apropriado — assim que Henry não estivesse mais de luto
por Elizabeth —, ela o veria em todos os lugares. Na ópera, nos bailes, e em todas as festas de Natal de
Nova York. Logo, logo, Henry a pediria em casamento, e Diana já tinha permissão para aceitar o pedido da
única pessoa que lhe importava.
Então, Diana jamais teria de ver os outros expressando piedade, ou fazendo a vil insinuação de que
ela deveria se importar com algo como dinheiro. E estaria livre de tardes passadas com rapazes como
Percival, ou da deprimente expectativa de passar a vida casada com um deles. Pois Henry, além de muito
bonito e diabolicamente divertido, também era bastante rico, o que lhe dava a habilidade de fazer com que
todos aqueles problemas desaparecessem. Além disso, Diana sabia que sua vida com ele seria tão
maravilhosa e excitante que ela nem teria tempo de se preocupar com nada.
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Três
Houve uma época em que esse estado estava repleto de mineiros procurando ouro. Mas estamos
prestes a entrar em um novo século, e a Califórnia mudou desde 1849. As novas bordas estão atrás de ouro
negro. Só há uma palavra nas mentes de todos os homens: petróleo!
PUBLICADO NO JORNAL BAKERSFIELD SUN, SEXTA-FEIRA,
15 DE DEZEMBRO DE 1899
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O CAMPO DE VEGETAÇÃO DOURADA SE ESTENDIA, ENGANANDO OS olhos e fazendo
com que Elizabeth Holland em um momento achasse estar quase lá, dando-se conta no segundo seguinte dos
quilômetros que ainda havia pela frente. Ela parou e olhou para trás, erguendo a aba do chapéu que pouco
fizera para proteger a pele de porcelana pela qual ela já fora conhecida. Seu rosto em forma de coração, com
feições delicadas e boca pequena e redonda, possuía agora um tom marrom que Elizabeth jamais vira numa
mulher antes, e seus cabelos louros acinzentados haviam ficado quase brancos por causa do sol. Elizabeth
olhou para a cidadezinha de San Pedro, de onde estava vindo. Era impossível para ela saber há quanto tempo
estava andando ou o quão perto estava de seu lar.
Embora ―lar‖ não fosse a palavra certa para designar aquela casa. O lar de Elizabeth, durante seus
dezoito anos de vida, fora uma imponente mansão em Gramercy Park. Três gerações da família Holland
haviam habitado aquele lugar, preenchendo os cômodos com toda sorte de bibelôs e obras de arte, com os
sons suaves de conversas educadas e com o aroma de chá. Fora naquela mansão que seu pai passara sua
curta vida. Através das enormes varandas envidraçadas da sala de estar era possível ver o belo parque
exclusivo da rua, frequentado apenas por pessoas elegantes. Seu lar estava muito distante agora.
Mas Elizabeth era uma verdadeira Holland, e trouxera um pouco daquela vida consigo até ali, nas
imensas pradarias da Califórnia. Ela estava usando o mesmo vestido de algodão listrado de azul e branco
que vestia no dia em que deixara Nova York, com a cintura marcada, mangas três quartos e gola quadrada.
O branco já não estava mais tão branco mas, mesmo nesse fim de mundo, Elizabeth fazia o que podia para
deixá-lo limpo. Ela ainda mantinha as costas eretas e os ombros para trás enquanto andava, e deixava as
mãos cruzadas diante do corpo de forma bem feminina. Elizabeth seguira seu coração, e ninguém jamais se
arrepende de fazer isso. Mas ela ainda pensava em sua mãe, em a irmã e em sua tia Edith lá em Gramercy
Park, abandonadas à pobreza. Pois Elizabeth é quem deveria tê-las salvo casando-se o rico Henry
Schoonmaker. Mas, em vez de fazer isso, ela simplesmente desaparecera.
Não tão simplesmente — ela sabia que não poderia estar sendo simples. Não tinha certeza de como
estava a situação de família, pois sua irmã Diana escrevia pouco e mal, e ela não podia exigir mais cartas por
medo de ser descoberta. Só se permitira enviar duas missivas a Diana, uma lhe contando que estava viva o
outra para lhe dar o endereço da agência do correio em San Pedro. Diana mencionara, em uma de suas raras
e enigmáticas cartas, que o estado de saúde da mãe delas não estava muito bom. Elizabeth andava até a
cidade sempre que podia, ansiosa por mais informações, mas se decepcionara mais uma vez hoje. Ela
comprara o jornal de Bakersfield, para o caso de haver alguma referência a novidades do leste do país, e
começara a longa caminhada de volta.
Antes de chegar à Califórnia, Elizabeth só ouvira falar de duas cidades naquele estado tão distante:
Los Angeles e São Francisco, ambas mencionadas por Will. Ela fora até São Francisco, sem saber bem
como faria para encontrá-lo, mas determinada a fazê-lo. E, então, ali estava Will, esperando na estação pelo
trem, como se soubesse que ela estaria lá dentro. Na verdade, ele explicara mais tarde, Will fora à estação
todos os dias, esperando ver sua Lizzy saindo de um dos vagões negros e correndo em sua direção. Pouco
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tempo depois, eles atravessaram o Central Valley, passando por cidades com nomes como Merced, Modesto
e San Joaquin, lugares cheios de poeira com casas que pareciam feitas de papelão e calçadas construídas
com madeira. Ainda não haviam conseguido chegar a Los Angeles.
No início, Elizabeth havia sentido tanta saudade de casa que chegara a ficar doente. Em Nova York,
ela fora uma menina para quem a perfeição — na aparência, nos modos, na reputação — era uma espécie de
hábito. Havia sido difícil deixar esse modo de vida para trás. Mas agora, após dois meses no oeste, onde
ninguém se vestia nem se comportava seguindo elaborados livros de etiqueta, ela se encontrava num estado
quase onírico. Havia aquele imenso céu azul sobre sua cabeça — um azul profundo, diferente do tom do céu
de Nova York — e o som do vento quente na grama ocre pela qual ela passava. Mais nada.
Elizabeth ainda não se acostumara ao silêncio, a um mundo sem carruagens, sem o trem passando ao
longe, sem os murmúrios das lavadeiras e das meninas da cozinha no porão da casa. Ela seguiu em frente,
segurando a aba larga de seu chapéu de palha para proteger o rosto, e focando o olhar em duas coisas: no
arco de céu azul e nas colinas amarelas que ondulavam para cima e para baixo até onde a vista alcançava.
Para Elizabeth, o ruído que seus pés faziam ao esmigalhar a grama, jogando poeira e pedregulhos para todo
lado, era quase como o som de uma orquestra.
Subitamente, o som de cascos de cavalo surgiu atrás dela. Elizabeth sentiu o cheiro de um animal
grande, que parecia com o cheiro da terra, e ouviu seu apelido sendo gritado:
— Lizzy!
Seu coração quase parou de susto, mas, ao olhar para cima, ela viu Will, seu WilI, galopando em
torno dela no velho cavalo malhado que comprara em Lancaster.
Ele estava sorrindo.
— Aonde você pensa que vai? — perguntou Will, divertido.
Elizabeth mordeu o lábio, lutando contra o impulso de rir também. Ela sabia qual era a graça: uma
menina capaz de compreender as sutilezas de qualquer situação social, desde a mais fraca das risadas até a
menor das pausas, ainda era incapaz de entender os hábitos daquele vasto descampado. Elizabeth deveria ter
se dado conta de que Will estava se aproximando, mas não escutara coisa alguma.
— Eu estava indo para... casa.
— Fiquei com medo de você estar fugindo de mim — continuou Will,com o mesmo sorriso —
quando a vi passar a cem metros da nossa casa e continuar andando, indo para o oeste com tanta
determinação.
Elizabeth virou-se com um movimento brusco, protegendo do sol com o jornal dobrado. Ela agora
viu perfeitamente a pequena cabana de madeira e lona que Will construíra, do outro lado da ribanceira.
Estava bem longe, mas bem visível.
— Você mudou essa casa de lugar! — disse Elizabeth para ele, balançando o dedo com um tom de
acusação falsa. — Ela não estava ali havia vinte minutos! Tenho certeza!
Ela esperou pela resposta dele, e levou um longo minuto para se dar conta de que Will não ia dizer
nada. Seus olhos azuis tão claros, distantes um do outro em seu rosto bronzeado, estavam encarando-a, e
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seus lábios grossos, cujas extremidades faziam uma pequena curva, não pareciam prestes a se mover. Ele
estava observando Elizabeth atentamente, e ela não sabia o que estava pensando. Talvez estivesse espantado
com o quanto ela mudara. Antes da morte de seu pai, Will Keller fora seu criado, e suas feições firmes
sempre o haviam distinguido dos Henry Schoonmaker do mundo. Mas, depois que eles cresceram, Elizabeth
se espantara com o quanto Will ficara bonito, e considerava a composição agradável de seu rosto um
segredo pessoal seu.
— Você gosta que eu corra atrás de você, não é? — disse Will finalmente.
— Gosto — respondeu Elizabeth, sorrindo.
Ela respirou fundo e deu um passo na direção dele.
— Você vai me levar para casa?
— Não — disse Will, passando a perna sobre as largas costas do cavalo e pousando no chão do outro
lado. — Queria lhe mostrar uma coisa antes.
Ele pegou as rédeas com uma das mãos e a mão de Elizabeth com a outra e, juntos, eles seguiram na
direção norte, subindo uma leve inclinação. Elizabeth se movia um pouco mais devagar do que ele,
segurando sua mão com força. O topo de sua cabeça mal batia nos ombros largos de Will.
— Vi isso aqui outro dia, quando estava explorando o território — continuou WiIl.
Mas Elizabeth não precisava de explicações. Atravessara o país inteiro atrás dele, compreendendo
apenas vagamente seu plano de fazer fortuna no oeste, e não precisava de mais palavras para convencê-la a
subir uma colina e ver a vista das terras que eles haviam alugado. Ela olhou para baixo e viu um campo
qualquer coberto de delicadas flores de laranjeira, tão brilhantes quanto qualquer candelabro da Quinta
Avenida. Elizabeth apertou a mão de Will com mais força.
— Que lindo — sussurrou ela.
—Não é?
— Sempre havia tantas flores lá em casa... mas elas não eram assim.
— É porque essas são flores do campo. E aquela não é mais a sua casa.
Elizabeth não soube o que responder e por isso apenas sorriu para Will. Sorriu até que ele pegasse
seu rosto com ambas as mãos e a beijasse. Então, Will a puxou para perto de si, apertando seu corpo
pequeno com os braços e fazendo-a esquecer que um dia houvera outro lugar no mundo além daquele.
Em Nova York, o tempo que Elizabeth passava com Will e a afeição de um pelo outro fora secreta, e
eles só se encontravam no meio da noite ou de manhã bem cedo. Agora, no oeste, sem ninguém para
observá-los além do velho cavalo que comia grama e o imenso céu azul, ela se sentia ligada a Will com uma
intensidade assustadora. Elizabeth supunha que era devido a todo aquele tempo perdido. Will ergueu-a no ar
e levou-a para perto do cavalo, abrindo um dos alforjes e tirando um pedaço de tela.
— Srta. Elizabeth — disse ele, olhando-a cheio de amor e cuidado.
Will ainda a chamava assim, embora ela implorasse para que não o fizesse. Era um hábito que ele
tinha dificuldade em deixar para trás. Elizabeth ainda estava no ar, com o corpo apoiado no braço dele e as
mãos em torno de seu pescoço. Will sacudiu a tela áspera que segurava e deixou-a cair no chão. Então,
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inclinou-se e deitou-a sobre ela.
— O que você ia dizer? — perguntou ela quando ele se deitou ao seu lado.
Elizabeth virou-se e apoiou-se sobre o cotovelo. Will tirou seu chapéu e começou a brincar com os
seus cabelos, com o ar pensativo.
— Ia dizer que, um dia, vou construir uma casa de verdade para você — disse ele, baixinho. — Com
uma sala de jantar, uma sala de estar e tantos jarros que você vai poder ter todas as flores de laranjeira que
quiser.
— Eu tenho certeza que vai!
Elizabeth jogou a cabeça para trás e riu, puxando o braço dele e trazendo-o para cima de si,
bloqueando o céu. Ela deitou na lona, sentindo as flores abaixo do tecido apoiando sua cabeça como
almofadas. Seus cabelos se soltaram e se espalharam, e ela sorriu ao ver a expressão séria no rosto de Will.
Os cabelos dele estavam tão grandes que precisavam ser enfiados debaixo da gola da camisa, e a cor, quase
negra, havia se tornado avermelhada por causa do sol. Era como se a cidade sempre houvesse sido o lugar
errado para Will e aqui, bem longe, naquele descampado, ele houvesse atingido seu ápice. Will tocou os
lábios de Elizabeth com os seus com uma força deliciosa e, quando se afastou novamente para olhá-la, ela
sentiu-se corar no rosto e no pescoço.
Elizabeth ficou leve, quase sem poder acreditar na sequência de eventos que a levara até ali. O
silêncio que se seguiu ao beijo foi estranhamente longo e, de início, ela se perguntou se Will não teria outra
surpresa. Mas havia tempos Elizabeth estudava os silêncios de Will. Ela soube, após poucos segundos, que
ele vinha querendo lhe dizer alguma coisa.
— Não foi só por sorte que nós estamos aqui — disse ele, com aquela seriedade obstinada que fora o
que conquistara Elizabeth em primeiro lugar.
Will se afastara dela, e agora se sentava ao seu lado.
— Ah, não? — disse ela, alegremente.
— Não. Eu já tinha ouvido falar nesse lugar. Seu pai me falou dele.
Elizabeth respirou fundo e sentiu uma umidade em seus olhos. A lembrança de seu pai lhe trazia uma
emoção confusa. Ele fora a encarnação da alma sensível e graciosa dos Holland, mas jamais soubera lidar
com finanças. Gastara sua herança de maneira imprudente, sem pensar no dia de amanhã. Elizabeth se
ergueu sobre os cotovelos para tentar espantar a tristeza.
— Mas como...?
— Na época em que eu era cocheiro dele, nós conversávamos — disse Will, enunciando cada palavra
com cuidado, como sempre fazia quando já pensara muitas vezes no que ia falar. — Ele me falava dos
lugares que visitou. Seu pai me falou de diversos lugar aonde sabia que eu gostaria de ir, mas esse lugar ele
menciou porque era para cá que eu deveria vir se quisesse ficar rico. Ele o descreveu minuciosamente. Disse
que seria...
— Ah, Will — interrompeu Elizabeth, sentindo sua nuca ficar gelada, logo abaixo do local onde seus
cabelos nasciam. — Papai dizia muitas coisas bonitas, mas ele era um sonhador. Você sabe muito bem
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disso.
Will olhou para a cabana que construíra, sem dizer nada.
— Só não quero que você sonhe tão alto — disse Elizabeth. — Esta manhã, estava lendo no jornal
sobre como é difícil encontrar petróleo, sobre a quantidade de homens que vêm da Pensilvânia e não
conseguem nada. E olha que eles já tinham experiência no assunto. Mas não conseguiram competir com as
empresas grandes; só elas que estão se dando bem.
— Vou lhe dar uma vida tão boa quanto a que você deixou para trás — afirmou Will, olhando para
ela e tocando a base de seu pescoço. — E foi seu pai que me disse como fazer isso.
Era nesses momentos que Elizabeth mais tinha vontade de beijar Will.
— Não preciso de dinheiro, Will — sussurrou ela, aninhando- se no corpo quente dele e beijando-o
mais uma vez.
Mais tarde, quando estavam voltando para a cabana, apertando-se um contra o outro o máximo
possível, Elizabeth sentiu-se completamente feliz mais uma vez. A felicidade era tão absoluta que, durante
um momento, ela até parou de se perguntar se a última coisa que dissera — que não precisava de dinheiro —
era mesmo verdade.
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Quatro
QUERIDA LADIES’ STILE MONTHLY: Vocês poderiam, por favor, esclarecer-me algo que me
preocupa muito? Qual é o período apropriado de luto para um jovem que perdeu a pessoa com quem ia se
casar? Os livros de etiqueta discordam sobre o assunto, que é melancólico, porém importantíssimo.
Querido leitor: Você não é o único a se perguntar isso no momento, pois um exemplo muito
conhecido de um caso como esse está ocupando as mentes de muitos membros da alta sociedade. Embora o
falecimento de um noivo ou noiva seja uma ocorrência grave, é preciso lembrar que os noivos ainda não são
casados, e tampouco têm qualquer relacionamento de sangue. E, é claro, os cavalheiros em geral podem
guardar um período de luto mais curto do que as damas. Por isso, um luto privado e respeitoso é essencial,
mas dois meses são mais que suficientes.
PUBLICADO NA REVISTA LADIES’ STYLE MONTHLY
EM DEZEMBRO DE 1899
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7
HENRY SCHOONMAKER ESTAVA PARADO NA INTERSEÇÃO DE DUAS ruelas da parte
velha da cidade, perguntando-se quando conseguiria escapar da parada de seu pai. A carruagem onde
Penelope Hayes estava quando piscara o olho para ele já havia desaparecido — ela seguira na direção do
estreito East River, embora seu destino final fosse quase com certeza a Quinta Avenida, onde Penelope
morava. A família de Henry também vivia ali, numa das imensas mansões do lugar, embora sua chegada,
tanto à Quinta Avenida quanto à alta sociedade de Nova York, houvesse ocorrido muitos anos antes da
chegada da família Hayes. Mas isso não parecia mais importar. Ninguém mais se incomodava com quando
os Hayes haviam surgido, e nem de onde vieram. Penelope conseguira até ir embora mais cedo da parada
sem perder o ar de defensora dos pobres. Ela era esperta — e Henry a admirava por isso.
— A srta. Hayes é mesmo uma jovem adorável — disse o pai de Henry, William Sackhouse
Schoonmaker, caminhando pela interseção.
Henry observou seu pai atravessar a rua de paralelepípedos com passos determinados.
— Foi muito gentil da parte dela participar de nossa parada e ficar tanto tempo assim.
— E você sabe como ela deve ficar cansada — disse a mulher dele, Isabelie. — Todas as damas
sempre ficam.
Aos vinte e cinco anos, ela era apenas cinco mais velha do que Henry, e sua voz fina e infantil a fazia
parecer sempre tonta de alegria. Isabelle estava usando um casaco de pele de jaguatirica e um chapéu repleto
de rosas de seda e pardais de pelúcia. Apesar de estar segurando o braço de seu marido com força, ela ainda
assim conseguia dar pulinhos ao andar.
— A srta. Hayes mudou para sempre, assim como todos nós — continuou o sr. Schoonmaker para o
repórter do New York World que passara a tarde toda ao seu lado, pacientemente anotando tudo o que ele
dizia —, com a perda da srta. Holland. O Senhor pode ver como o meu filho está outra pessoa.
Os dois homens se viraram para observar Henry, que estava alguns passos atrás. Ele usava uma
cartola e um casaco preto que ia até os joelhos e caía bem em seu corpo esguio. Pois, embora a morte de
Elizabeth Holland houvesse de fato quase acabado com a maneira imprudente com que ele costumava
encarar a vida, Henry não mudara tanto a ponto de não se importar com o que vestia.
— Veja, ele está inconsolável — disse o sr. Schoonmaker, olhando novamente para a frente. — A
forma com que o atual feito lidou com a morte de Elizabeth é, é claro, um dos principais motivos de eu ter
decidido concorrer contra ele nas próximas eleições.
O sr. Schoonmaker continuou a falar, mas Henry deixou de prestar atenção — já ouvira aquele
discurso muitas vezes antes.
Seu pai recentemente havia decidido, apesar de já possuir uma imensa fortuna e do poder de que
desfrutava, que também queria participar da política. Seu desejo de ser prefeito da recém - consolidada
Grande Nova York foi um dos motivos pelos quais Henry fora obrigado a ficar noivo de Elizabeth Holland
e, portanto, também um dos motivos pelos quais ela tivera um fim tão trágico. Pois Henry vira sua noiva no
último dia de sua vida, e a sua imagem — sozinha e assustada no meio de Manhattan — havia sido bem
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simples de interpretar.
Elizabeth permanecera imóvel durante alguns segundos, encarando Henry. Os dois estavam noivos
havia apenas poucas semanas e, devido à pressão de suas famílias, iam se casar dali a dias. Henry não se
orgulhava de seu comportamento durante aquele período, embora tenha sido uma das poucas épocas de sua
vida em que ele fora completamente honesto com uma menina. Mas não fora a menina de quem estava
noivo. Ele também não se orgulhava de seu comportamento durante os anos que precederam ao noivado, que
haviam lhe dado uma merecida fama de cafajeste.
Apesar de tudo isso, Henry não conseguia se arrepender inteiramente do que fizera logo antes de ver
Elizabeth naquela esquina — na noite anterior ao dia em que ela se afogara. Pois, naquela noite, ele
convidara a irmã mais nova de Elizabeth, Di, ir visitá-lo na estufa dos Schoonmaker.
Aquela havia sido uma noite casta, o que não era comum para Henry; Diana passara-a inteira
acordada, sussurrando em seu ouvido e beijando-o com uma doçura e uma inocência que não podiam ter
sobrevivido ao que ocorrera logo depois. Elizabeth havia visto Henry e Diana juntos na manhã seguinte, e
ele sabia, pelo olhar molhado dela, que ela compreendera tudo. Era provável que aquilo a houvesse levado a
se matar — afinal, ninguém simplesmente caía num rio e nunca mais aparecia. Henry não podia deixar de
encarar aquele fato devastador.
Mas, para Henry, ele não era o único culpado. Seu pai também era, e esse era um dos motivos pelos
quais ele não podia suportar ouvir W. S. Schoonmaker falando de Elizabeth mais uma vez, como se ela fosse
uma mártir de sua causa política. Henry se voltou e passou pela banda que vinha atrás deles na parada.
Acima de sua cabeça erguiam-se edifícios de apartamentos para alugar, alguns deles pertencentes à empresa
de seu pai, com suas fachadas enfadonhas e ornamentos vagabundos imitando a arquitetura italiana. Aqueles
pequenos adornos de gesso, que estavam sempre caindo, deixavam Henry profundamente deprimido. Seu
cotovelo bateu num trombone, fazendo com que alguns dos músicos colidissem uns contra os outros, e a
música estremeceu por um segundo. Mas a banda devia saber quem estava pagando a conta, pois não houve
sequer um murmúrio de reclamação. Afinal, eles estavam usando uniformes nas cores dos criados dos
Schoonmaker: azul-celeste e dourado.
Henry seguiu em frente, passando pela banda, com seus instrumentos de sopro ensurdecedores, e
pela multidão de senhoras que vinha logo atrás, usando luvas brancas e enormes chapéus. Ele ouviu as
mulheres dizendo seu nome, e sabia que elas estavam se virando para observar aquele jovem indo para o
centro da cidade, na direção contrária à da parada organizada por seu próprio pai. Henry ia levar uma bronca
por causa daquilo, é claro. Seu pai adorava ameaçar deserdá-lo se ele não se comportasse como o filho de
um futuro prefeito. Mas essas ameaças haviam ficado menos frequentes desde que o sr. Schoonmaker
percebera que podia basear sua campanha nos erros do prefeito, ao lidar com a morte de uma debutante e no
espetáculo que era a tristeza de seu filho.
— Schoonmaker!
Os olhos de Henry passaram pelos rostos das pessoas amontoadas na calçada e daqueles que
participavam da parada, até encontrarem as feições de seu velho amigo Teddy Cutting. Ao lado de Teddy
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estava sua irmã mais nova, Alice, que era loura como o irmão e tinha os mesmos olhos cinzentos, agora
voltados timidamente para o chão. Henry, certa vez, beijara Alice no jardim da casa de campo dos Cutting
em Newport, e desde então ela não havia conseguido mais encará-lo. Ele achava que Alice era a mais nova
das irmãs de Teddy, mas não tinha certeza. Teddy era mesmo o tipo de homem que possuía irmãs de mais.
— Srta. Cutting — disse Henry, pegando a mão enluvada da menina e beijando-a. — É sempre um
prazer vê-la.
Teddy olhou para Henry, deixando claro que ele devia tomar cuidado.
— Parece que você bebeu um pouco demais — comentou ele.
Henry deu seu sorriso charmoso de sempre para os dois irmãos e disse:
— Estou bêbado que nem um gambá.
— Vamos embora, então.
Teddy colocou a mão no ombro de Henry. Ele fora um dos primeiros a consolá-lo desde o terrível
acontecimento de outubro.
— Conheço um restaurante aqui perto — disse Teddy.
Eles se despediram de Alice, que se juntou a um grupo de jovens senhoritas, e atravessaram a plebe
de cabeça baixa. O brilho da cartola negra de Henry e o maravilhoso corte de seu casaco de lã teriam
deixado claro para qualquer um que eles eram membros da elite da cidade, assim como a pele macia da
jaqueta de vicunha de Teddy, ou a marca do elegante chapeleiro da Union Square visível em seu chapéu-
coco. Mas eles conseguiram não atrair os olhares de ninguém na multidão e, quando emergiram numa rua
lateral do outro lado, chamaram a primeira carruagem de aluguel que viram.
O restaurante que Teddy havia mencionado era limpo e brilhante, com um chão de azulejos
octogonais brancos e espelhos convexos nas paredes. Eles se sentaram numa pequena mesa redonda feita de
madeira escura e resistente e pediram duas cervejas alemãs, que chegaram em copos grandes com limões nas
beiradas. Henry ficou feliz por estar cercado de tranquilidade após passar tantas horas sendo observado, e
sentiu-se grato a Teddy, que esperou até que ambos dessem um gole na cerveja antes de falar.
— Como você está aguentando? — perguntou Teddy, colocando o copo de volta na mesa.
Ele havia tirado o chapéu, e seus cabelos louros estavam bem penteados para o lado. Henry deu um
sorriso cansado, e Teddy continuou:
— Não suporto ouvir os discursos de seu pai, e olha que nem sou parente dele. Ele mal conhecia
Elizabeth, e agora está usando a morte dela para se dar bem na política...
Teddy se interrompeu, balançando a cabeça sem acreditar.
— Vamos falar de outra coisa — sugeriu Henry, dando um longo gole de cerveja e percebendo que
seu humor melhorara bastante. — Se formos por esse caminho vai ser só tristeza e hipocrisia, e ninguém
quer isso, quer?
— Tudo bem — disse Teddy, sorrindo de volta para ele. - Então vamos ficar felizes por não estarmos
mais naquela parada ridícula, e deixar o resto para lá.
Eles brindaram e beberam mais. No breve silêncio que se seguiu, Henry perguntou-se como deveria
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fazer para abordar um assunto que havia discutido brevemente com Teddy dois meses antes.
— Você vai ter de encontrar uma maneira de deixar Alice mais tranquila—avisou Teddy antes que
Henry pudesse dizer qualquer coisa. - Ela fica muda sempre que o vê.
Ele estava tentando olhar para Henry com desaprovação, mas não pôde evitar um sorriso ao constatar
que o amigo ainda tinha o mesmo efeito nas mulheres, apesar de andar tão melancólico.
— Sua irmã é boa demais para mim — respondeu Henry, rindo. — Ela logo vai perceber isso, e o
problema estará resolvido.
— Ela não vai gostar de saber disso — disse Teddy animadamente. - Mas não posso dizer que
discordo de você.
Henry deu mais um gole e, ao colocar a cerveja de volta em cima da mesa, olhou nos olhos cinza de
Teddy.
— Você deve saber que meu luto oficial está quase acabando.
— Eu sei. Graças a Deus — disse Teddy, bebendo também e balançando a cabeça. — O mundo tem
estado muito chato sem você.
— A gente se diverte, não é?
— É — disse Teddy, deixando de prestar atenção em Henry por segundo, quando uma memória lhe
passou pela mente. - Podemos jantar no Sherry’s para comemorar, ou ir caçar em Tuxedo.
Henry girou a cartola que estava em seu colo.
— Acho que vou à abertura da temporada na ópera. Até meu pai gosta da ideia, pois vai ajudá-lo a
falar mais sobre a maneira como Van Wyck lidou com a morte de Elizabeth. Vai haver um monte de
jornalistas lá, e a ópera vai ser Roméo et Juliette.
— Bom, podemos planejar alguma coisa para depois, então.
— Podemos.
Henry olhou para sua cartola e girou-a para o outro lado. Ele encarou Teddy novamente e decidiu
mencionar o assunto afinal.
—Tem mais uma coisa — disse ele.
As belas sobrancelhas louras deTeddy se ergueram sutilmente.
— Em dado momento, meu pai vai querer que eu pense em cas noivo de outra moça... — continuou
Henry, fazendo uma pausa para limpar a garganta. — E eu estou pensando em ficar noivo de Diana Holland.
Os copos de Henry e Teddy estavam vazios, e um dos garçons usando longos aventais brancos surgiu
para tirá-los da mesa. Teddy pediu que o homem trouxesse mais duas cervejas, e olhou para o amigo com
um misto de piedade e censura. Henry raramente lembrava que Teddy era mais velho do que ele, mas agora
os dois anos de idade que os separavam voltaram à sua memória.
— É impossível — disse Teddy baixinho, olhando em volta para se certificar de que ninguém estava
ouvindo.
— Por quê?— perguntou Henry, sem conseguir esconder sua exasperação. — Você sabe muito bem
que Elizabeth estava até menos interessada em mim do que eu nela. Esses boatos sobre o dinheiro delas,
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sobre as Holland estarem pobres... deve ser por isso que ela aceitou meu pedido de casamento. Ela não
conseguia nem sorrir para mim. E Diana vai estar na mesma posição que a irmã, mas, diferentemente de
Elizabeth, tem uma chance de ser feliz comigo. Eu seria feliz com ela.
— Você sabe que a sociedade não vai permitir.
Henry balançou a cabeça e observou o restaurante lotado.
— Eles vão esquecer o que aconteceu com Elizabeth.
— Não quero saber o que ocorreu entre você e a jovem srta. Holland — disse Teddy, interrompendo-
se quando as cervejas chegaram e dando um breve gole antes de continuar. — Mas, se você realmente gosta
dela, e parece que gosta mesmo, então precisa parar de ser tão burro. A irmã dela era sua noiva, e ela morreu
em circunstâncias que ninguém compreende. Circunstâncias que, você mesmo sugeriu, podem estar ligadas
ao futuro casamento de vocês. Diana pode estar encantada por você agora, mas, quando crescer, quando
entender melhor o que é a morte, o que são os laços de família, quando entender o quão profundamente traiu
Elizabeth ao se casar com seu ex-noivo, isso vai destruí-la. E você sabe muito bem com que frequência ela
será lembrada disso. Eles nunca vão esquecer o que aconteceu.
Henry estava dando grandes goles em sua cerveja e tentando não ficar furioso com seu amigo ao
ouvi-lo falar de forma negativa de um futuro imaginário que ele se prometera durante os piores momentos
dos últimos dois meses. Henry passara as primeiras semanas de seu luto observando Diana na sala de estar
da sua família e sonhando com o momento em que ela o olharia nos olhos de novo. Aí, toda aquela dor ia
passar e eles poderiam realmente ficar juntos. De todas as meninas que ele conhecera na vida, Diana era a
única que o inspirara a se imaginar casado.
— Ela vai acabar se odiando, e odiando você também — disse Teddy.
Por algum motivo essa frase fez com que Henry se lembrasse novamente da expressão devastada de
Elizabeth na manhã de sua morte, e ele começou a se perguntar se ela fizera o que fizera por saber que ele
vivia perseguindo rabos de saia. Sua noiva o vira com sua irmã mais nova; talvez esse houvesse sido o único
motivo a levar uma moça jovem e linda a deixar de querer viver.
— Vamos embora — disse Teddy gentilmente.
Henry terminou de beber sua cerveja e colocou uma nota em cima da mesa. Ele já havia falado
daquele assunto com Teddy antes, e desejara depois não tê-lo mencionado. Agora, não havia mais nada a
dizer.
No passado, Henry sempre havia ignorado os conselhos do amigo, e no momento ainda não estava
conseguindo se livrar da imagem de Diana que tinha na mente. Ele sorriu resignadamente e colocou a
cartola, pensando nos cachos dos cabelos dela, em sua pele fresca e na maneira inconsequente com que ela
levava a vida, sendo tão temerária quanto ele.
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Muitas mulheres me param na rua e exigem saber como podem transformar suas filhas em damas da
sociedade. Eu sempre digo: se elas não nasceram com um nome, e se não são extraordinariamente belas —
pois poucas meninas de hoje em dia transcendem a beleza comum — têm de casar com quem puderem. Para
tanto, roupas são essenciais. Um bom lugar para começar, digo a essas mães ansiosas, é uma loja de
departamentos num bom ponto da cidade, onde é possível encontrar um vendedor de confiança...
TRECHO DO LIVRO COLETÂNEA DE COLUNAS SOBRE
A CRIAÇÃO DE JOVENS DE CARÁTER, DA SRA.
HAMILTON W. BREEDFELT, EDIÇÃO DE 1899
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LINA BROUD GIROU E GIROU, DOMINADA POR UM DESEJO QUE AINDA era novo para
ela. Para onde quer que olhasse havia objetos com fios de ouro nas margens, bordados elaborados ou penas
decorativas. Eles estavam empilhados em mesas de mogno que se estendiam até onde a vista alcançava, ou
pelo menos até esbarrarem com um dentre as centenas de espelhos pintados que refletiam inúmeras vezes a
opulência do interior da loja de departamentos Lord & Taylor.
— Tristan — chamou Lina com a voz bem projetada.
Ela vinha melhorando sua dicção, e há pouco concluíra que acústica das grandes lojas de
departamento da cidade era ideal para tal esforço. Em sua vida anterior, Lina raramente via a parte de dentro
dessas lojas, que ficavam na Quinta Avenida e na Broadway acima da Union Square, atraindo as mulheres
que ela costumava servir. Essas mulheres vinham para cá apesar de haver inúmeras lojas elegantes a poucos
metros de Gramercy Park, onde elas viviam. Ou onde a maior parte delas ainda vivia.
— Adorei essas luvas — comentou Lina.
Tristan Wrigley, que era um vendedor da Lord & Taylor e o primeiro amigo que ela fizera em sua
nova vida, se aproximou — talvez alguns centímetros a mais do que os homens deveriam se aproximar em
público de mulheres das quais não eram parentes — e disse:
— É claro, srta. Carolina. Permita-me ajudá-la.
Embora Lina não tivesse vergonha de ser vista em público com as mãos nuas — afinal, passara a
maior parte de sua vida assim — ela ficou um pouco tímida quando Tristan tirou suas luvas e colocou o
novo par. Ela imediatamente percebeu que aquele par de luvas cinza-claro feito à mão era muito superior ao
par que estivera usando. Eles se ajustaram a seus dedos de forma quase sobrenatural, e a maciez da seda
contra sua pele fez com que ela, em um segundo, se sentisse muito, muito rica.
— A senhorita aprova?
Como todos os vendedores da Lord & Taylor, Tristan fora contratado por ser bonito e possuir a
habilidade de atrair a clientela feminina, e falava sempre de forma polida e elaborada. Lina o considerava
perfeito para ajudá-la a praticar sua nova personalidade e, por isso, às vezes permitia que ele a levasse para
passear no parque ou para tomar chá em seu hotel. Mas só às vezes — ela estava apenas praticando, e não
queria que Tristan ficasse muito íntimo. Seu coração pertencia a outro.
— Aprovo, sim.
Tristan tinha um rosto comprido, um nariz perfeito e maçãs do rosto que tornavam sua aparência
superior, mesmo naquele lugar cheio de homens belos. Ele estava usando um colete marrom e uma camisa
cor de marfim abotoada nos pulsos. Seus olhos castanho-claros tinham uma cor tão hipnótica que, em alguns
momentos, Lina achava difícil encará-los por mais de dois segundos. Mas ela não se incomodava de desviar
o olhar. Aliás, fazer isso regularmente era bom para a ilusão que vinha tentando a de que era a herdeira de
uma fortuna feita no mercado de cobre, e que viera do oeste do país (mais precisamente de Utah, teria dito
Lina se alguém houvesse insistido em saber) após perder ambos os pais.
A princípio, Lina ficara surpresa com a facilidade com que Tristan engolira sua história. Ela o havia
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conhecido nos momentos iniciais de sua nova vida, quando cometera um erro terrível: entrara num bar e
bebera cerveja pela primeira vez, e a experiência havia acabado mal. Aquele episódio poderia ter provado o
que um milhão de pequenos passos em falso sugeria: que Lina não era na dama, e que suas origens eram
mais do que humildes.
Mas, desde então, ela vira — tanto em sua nova casa, o New Netherland Hotel, quanto em suas
visitas à Lord & Taylor com Tristan — que os verdadeiros milionários do oeste eram ainda mais vulgares e
mais capazes de cometer gafes do que ela. Pois Lina Broud — ou Carolina, como ela vinha tentando se
chamar, mesmo em pensamento — conhecia algumas das regras que ditavam o que uma senhorita deveria
dizer e vestir. Ela as aprendera época em que havia trabalhado como criada pessoal da falecida Elizabeth
Holland. Uma das principais observações fora saber que, se uma pessoa parece não se importar com nada,
isso mostra aos outros que ela própria devia ser muito importante.
Fora Elizabeth, dona de uma fortuna e de uma conhecida beleza com as quais Lina não podia
competir, quem roubara o de Will Keller, o cocheiro dos Holland, por quem Lina havia sido apaixonada
durante um longo tempo. Esse era um dos motivos pelos quais ela contara à ex-amiga de Elizabeth,
Penelope Hayes, que Elizabeth e Will passavam diversas noites juntos no estábulo. Aquela informação
valera quinhentos dólares, o que parecera uma fortuna a Lina, mas que já havia sido reduzida à menos da
metade devido aos jantares, diárias de hotel, vestidos e bugigangas pelos quais ela agora pagava, tentando se
diferenciar da menina feiosa que costumava ser.
Lina ficara muito desapontada ao descobrir que uma soma tão fantástica não durava muito para uma
menina como Elizabeth. E ela também não ficava orgulhosa de saber que sua vida de senhorita, ou de quase
senhorita, só fora possível devido a uma transação tão sórdida. Mas Lina precisara fazer aquilo. Seu objetivo
não era virar uma verdadeira dama da sociedade — ela só queria ficar o mais parecida possível com
Elizabeth para, quando estivesse preparada, ir para o oeste do país. Assim, Will veria que era Lina quem ele
desejara a vida inteira. Ou, pelo menos, quando soubesse da morte de Elizabeth, saberia que aquela Lina
nova e brilhante poderia preencher o vazio em seu coração.
Lina sempre havia ficado contente em receber as coisas velhas que Elizabeth lhe dava e não se
importaria nem um pouco em herdar Will, embora soubesse que só tinha chances com ele agora por causa da
morte da ex-patroa. Ela ainda queria encontrá-lo, mais do que nunca. Acreditava que a hora estava quase
chegando — teria de chegar, ou seu dinheiro acabaria antes.
Tristan estava embrulhando o par de luvas que Lina havia escolhido, o pequeno xale de renda, o
regalo de karakul e o novo par de meias-calças pretas que custavam dois dólares e 25 centavos. Lina nem
sabia que meias-calças existiam antes de conhecer Tristan, mas agora não podia mais viver sem elas. Cada
item foi colocado em uma caixinha diferente, com o mesmo lindo papel-seda. Lina observou com uma
tontura de felicidade e uma vaga sensação de medo enquanto os objetos eram dobrados e encaixotados. Uma
vez que estivessem dentro das caixas, já eram dela, e isso significava que teria de pagar por eles.
— Devo enviá-los para o seu hotel?
— Não... — respondeu Lina, fazendo uma pausa e desviando o olhar.
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A luz do fim de tarde estava entrando pelas enormes janelas neorromânticas que davam para a rua. O
dia já estava lhe escapando pelos dedos, e ela não podia dizer que estava mais majestosa do que quando ele
começara. Quando Lina saísse da loja seria noite, e toda a plebe de quem ela queria distância estaria se
acotovelando diante das vitrines da loja para ver a decoração de Natal. Em momentos como esse, ela não
conseguia deixar de se sentir um pouco triste e lembrar de como fora devastador quando, depois de anos de
amor secreto, ela confessara o que sentia por Will e fora rejeitada por ele. Lina queria ter certeza de que isso
não aconteceria de novo, e decidiu que precisava aperfeiçoar sua transformação antes de vê-lo.
— Vou pegar uma carruagem, é claro... posso levá-los eu mesma. Mas, por favor, envie a conta para
o meu hotel.
Recentemente, Lina havia parado de carregar toda a sua fortuna consigo — o que fora uma espécie
de obsessão no início de sua nova vida — e começado cuidadosamente a aproveitar o luxo de poder comprar
a crédito. Ela guardava o dinheiro de Penelope numa pequena bolsa de seda com um fecho de couro, dentro
de sua gaveta de roupas de baixo. Lina lembrava que havia um certo tabu em torno dessa gaveta na época
em que ela trabalhara como criada; ela imaginava que as empregadas do hotel se sentissem assim também, e
que por isso não a vasculhassem com muito cuidado.
— É claro, senhorita — Tristan fez uma pausa e sorriu de uma maneira que uma dama de verdade
provavelmente teria considerada familiar demais. — Posso acompanhá-la, se precisar de assistência.
— Não se preocupe — Lina virou o rosto e ergueu sutilmente o nariz. — Apenas ajude-me a colocar
o casaco para que eu possa ir.
*****
Lina desceu na esquina da Quinta Avenida com a rua 59. Depois de elaborar sua história e melhorar
alguns detalhes de sua performance, ela saíra de um hotel vagabundo na rua 26 e se mudara para o New
Netherland, onde os mensageiros usavam uniformes na cor azul royal. Era um prédio largo, com torreões,
janelas em arco e uma magnífica fachada marrom, que se erguia sobre as construções em volta como um
formidável castelo de areia. Lina ouvira dizer que o Netherland era o hotel mais alto do mundo, e fora por
isso que escolhera hospedar-se lá, e não no Savoy, seu vizinho, ou no Plaza, no lado oeste da avenida. Os
três hotéis formavam uma esquina em torno da entrada sudeste do Central Park, e abaixo deles ficavam as
mansões de famílias como os Huntington, Vanderbilt e Hayes. Quando Lina lembrava que morava perto de
pessoas daquele calibre, ainda sentia um agradável choque elétrico percorrendo-lhe o corpo.
Seu quarto não era o melhor do hotel, mesmo assim, custava 29 dólares por semana. Lina sabia que
não podia continuar gastando desse jeito para sempre. Mas isso não importava, pois ela logo estaria com
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Will. Will era forte e capaz — ele tomaria conta dela. Enquanto isso não acontecia, Lina esperava absorver
um pouco da elegância daquela vida. Além disso, gostava de voltar ao quarto e encontrar o carpete varrido e
a cama feita por algum tipo de mecanismo invisível. Gostava de sair do hotel e ver que havia uma carruagem
ali fora, como que esperando por ela.
Lina olhou para o cocheiro e fez um gesto, indicando que ele deveria ajudá-la a carregar as compras.
Ela estufou o peito e caminhou até a entrada em arco, andando da maneira como vinha praticando. Apesar
das sardas que se espalhavam por seu nariz e deixavam sua pele mais escura mesmo no inverno, havia algo
de digno em sua aparência. Sua boca formava um biquinho permanente, seus olhos eram verde-escuros e seu
nariz era arrebitado. Ela estava usando um casaco bege justo com lapelas dramáticas, que marcava sua
cintura e suavizava a forma de seus ombros muito largos, e um chapeuzinho da mesma cor com uma pena
negra que oscilava a cada passo que dava.
— Boa-tarde, srta. Broud — cumprimentou-a o recepcionista franzino de detrás do enorme balcão de
mogno.
Lina se concentrou em esconder o prazer que seu novo habitat lhe dava, como sempre fazia em
momentos como aquele. O chão era feito de um opulento mosaico com bordas brilhantes, e a luz elétrica do
candelabro se refletia na escadaria de mármore como deveria fazer nas entradas das cortes da Europa. O
lobby tinha cheiro de perfume e café, e insinuava silenciosamente a todos que entravam que aquele era o
lugar certo para se estar. Se Will pudesse me ver nesse exato segundo, pensou Lina quando pisou ali. Ele
esqueceria que um dia havia amado Elizabeth e veria que havia uma mulher perfeita bem diante de seu
nariz: um diamante bruto.
Lina inclinou a cabeça, cumprimentando o homem sem dizer uma palavra.
— Minha chave, por favor, sr. Cullen.
Foi só depois que o recepcionista se voltou que ela se deu conta de que havia alguém ali atrás. Lina
virou a cabeça com irritação, pois achava que havia deixado claro que o cocheiro deveria esperar na porta
até que um dos mensageiros viesse pegar suas coisas. Mas ela se deparou com um homem muito mais bem-
vestido que o cocheiro.
Ele usava um paletó de smoking cor de vinho e calças pretas, e a gola de sua camisa marfim ia até
seu queixo cuidadosamente barbeado. Suas feições eram belas, com exceção do nariz, que indicava que ele
gostava de beber demais. Estava sorrindo para Lina, e ela achou que talvez estivesse flertando com ela. Não
podia ter certeza, pois ele era mais velho — um cavalheiro velho demais para flertar com uma jovem de
dezessete anos. Mas havia muito que Lina ainda não compreendia.
O recepcionista retornara com a chave, mas estava observando o homem com grande respeito e não
fez menção de entregá-la a Lina. Ela esperou que o cavalheiro dissesse algo. Os segundos foram passando e
seu coração começou a bater mais forte; Lina temeu que ele soubesse seu segredo.
— São suas coisas? — perguntou ele, apontando para o cocheiro, que estava de fato esperando
pacientemente ao lado da porta com o chapéu na mão, olhando para a abóbada do teto com expressão de
espanto. — Pergunto porque os mensageiros daqui... perdoe-me por mencionar isso, George... são
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inexperientes demais. Não se pode confiar objetos tão delicados a eles.
Lina jamais estivera em uma situação como aquela antes e não tinha ideia de qual seria a reação
apropriada. Ela olhou para o recepcionista, que se recusou a encará-la.
— Mil perdões — disse o cavalheiro, inclinando-se para a frente numa espécie de mesura sem tirar
os olhos de Lina. — Sou o sr. Longhorn, seu criado.
O nome completo era Carey Lewis Longhorn. Lina sabia disso porque o passatempo preferido de sua
irmã Claire era ler as colunas sociais dos jornais. Ele era mais velho do que Lina suspeitara, e também mais
rico — herdeiro de um banqueiro milionário, se é que ela não estava confundindo-o com outro. O sr.
Longhorn era conhecido por ter desfeito inúmeros noivados em sua juventude, por ter se envolvido com
diversas condessas e outras senhoras elegantes de meia-idade, e por possuir uma coleção de retratos pintados
das mais belas senhoritas da alta sociedade. Lina percebeu, espantada, que ele ainda estava sorrindo para ela.
Seus olhos eram azul-claros e cheios de vivacidade, e suas bochechas encovadas se erguiam quando ele
sorria.
— Obrigada — disse Lina.
Ela sabia que sua hesitação e confusão estavam aparentes, mas não havia nada que pudesse fazer.
Lina viu que o criado do sr. Longhorn já estava pegando suas caixas e pagando o cocheiro. O recepcionista
ofereceu a chave ao cavalheiro com deferência imaculada, sem demonstrar que sabia que aquele objeto
pertencia a Lina. O sr. Longhorn afastou-se da recepção, e Lina seguiu-o.
— A senhorita está no hotel com seus pais? — perguntou o sr. Longhorn quando eles entraram no
elevador.
O ascensorista estava fechando a porta de mogno e vidro pintado. Lina olhou para o teto de ferro
trabalhado, e aquela gaiola ornamentada começou a mover-se na direção dos andares de cima. Ela desviara o
olhar por ainda se espantar com a mecânica do transporte vertical, e não por haver sido dominada pela
tristeza ao ouvir a pergunta. Mas não ficou aborrecida com a frase seguinte do sr. Longhorn.
— Não, foi isso que eu pensei. Já a vi no hotel diversas vezes, sempre sozinha. O mundo não é fácil
para ninguém, mas os órfãos são um caso especial. Lamento pela sua perda.
Lina abaixou os olhos, observando o chão de azulejos pretos e brancos.
— Ele morreu nas minas — mentiu ela. — Era uma inspeção de rotina. Papai sempre insistiu em
fazê-las ele mesmo em vez de delegá-las a um empregado. Papai tinha minas de cobre, muitas minas.
Mamãe não suportou o choque e teve um ataque do coração menos de um mês depois. Eles trabalharam
tanto para que eu pudesse usufruir disso tudo...
Ela pausou, fez um gesto mostrando o elevador dourado e deixou que seu lábio inferior tremesse só
um pouco.
— E, embora não seja sempre fácil para mim, creio que eles ficariam felizes em me ver aqui.
As sobrancelhas grisalhas do sr. Longhorn ergueram-se levemente e, por um segundo, Lina temeu ter
dito algo impróprio. Pois, embora partes de sua história fossem verdade — afinal, seu pai e sua mãe estavam
mesmo mortos, o que a tornava tecnicamente uma órfã — ela não era herdeira de nada, e, às vezes, sentia- se
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uma imensa fraude. Mas, aparentemente, Longhorn ficara impressionado, pois ele sorriu com compaixão e
disse:
— Uma menina forte. É assim que deve ser.
— Nono andar — anunciou o ascensorista quando o elevador parou com um tranco.
O rapaz abriu a porta e, quando Lina passou, viu que ele também desviou o olhar do sr. Longhorn.
Ela não pôde deixar de ficar impressionada com toda a reverência que aquele homem quase velho inspirava.
Ele ofereceu-lhe seu braço e conduziu-a até a porta de seu quarto, atravessando com ela o corredor
acarpetado. Lina ouviu os passos do criado logo atrás, carregando suas preciosas caixinhas.
Quando eles chegaram ao quarto, o sr. Longhorn inclinou-se de para a frente para destrancar a pesada
porta de carvalho. Para alivio de Lina, ele não fez menção de entrar. Apenas entregou-lhe a chave e disse:
— Se a senhorita permitir, Robert colocará suas coisas na mesa.
O quarto de Lina era pequeno demais para ter uma mesa, mas ela pensou rápido numa alternativa:
— Ele pode colocá-las no sofá perto da janela.
O criado obedeceu de forma silenciosa e eficiente.
— Foi um prazer conhecê-la, senhorita...
— Broud. Carolina Broud.
— Srta. Broud.
O velho cavalheiro inclinou-se para pegar sua mão e beijá-la. O criado saiu do quarto e ficou
esperando pacientemente ali atrás.
— A senhorita foi muito gentil em permitir que eu a acompanhasse por alguns momentos, e espero
que repita o favor esta noite.
Lina olhou para o criado, como se ele pudesse confirmar que tudo aquilo era bastante inesperado e
talvez um pouco impertinente. Mas o homem não a encarou.
— Sabe — continuou o sr. Longhorn, e Lina pensou ter visto um brilho novo em seus olhos, —
comprei um camarote na ópera para essa temporada. Hoje é a abertura, e não tenho ninguém além de Robert
para compartilhá-lo comigo. A senhorita faria a gentileza de me acompanhar?
A pobre e feiosa Lina num camarote na ópera; ela não teria ficado mais surpresa se o sr. Longhorn
houvesse lhe presenteado com uma tiara de diamantes e a coroado rainha da Pérsia. Lina passara a manhã
toda vestida como uma dama e, hoje à noite, em vez de permanecer invisível em seu quarto como sempre
fazia, teria a oportunidade de estar entre a alta sociedade. Todos a olhariam e veriam como ela era bela,
assim como faziam com aquela menina por quem Will pensara estar apaixonado. A primeira coisa que Lina
pensou em fazer foi pedir desculpas a Robert por ter roubado seu lugar, mas, então, ela lembrou que deveria
sorrir e se deu conta de que já estava fazendo isso.
— Sim, sim — disse ela, sem conseguir disfarçar sua alegria. — Eu adoraria.
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Nos últimos anos a moda tem sido usar roupas muito modernas e exageradas, mas, aparentemente, a
simplicidade é a nova ordem. As melhores pessoas estão frequentando apenas jantares íntimos e usando
vestidos diurnos feitos de musselina sem estampa. Mas lembrem-se: existe a simplicidade e existe a
exiguidade, e ser simples e elegante ao mesmo tempo nem sempre é tão fácil quanto parece.
TRECHO DE MATÉRIA DA REVISTA DRESS DEZEMBRO DE 1899
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HAVIA POUCOS OBJETOS NA CABANA DOS KELLER, MAS Will fizera questão de adquirir
todos que ali por causa de Elizabeth. No meio do chão de terra havia uma mesa quadrada que Will
construíra, e num canto, uma cama velha de latão que ele havia comprado de um homem em Lancaster que
viera para o oeste tentar achar petróleo e perdera todo o seu dinheiro. Fora o mesmo homem quem havia
vendido o cavalo a eles. Havia também um espelho oval de latão acima de uma bacia de água de estanho —
ambos obtidos no mesmo lugar- e era lá que Elizabeth ainda penteava seus cabelos antes do jantar, todas as
noites, em geral prendendo-os num coque alto e fofo como uma almofada. Com os cabelos arrumados e a
água já trazida do poço, ela agora se preparava para iniciar uma tarefa que não sabia realizar muito bem.
Elizabeth Holland ia, mais uma vez, tentar fazer o jantar.
Havia um ramo das flores de laranjeira que ela pegara no campo ontem dentro de um pote de vidro
no centro da mesa, que estava coberta pela mesma lona que eles usavam para tudo. Ao lado do pote estava
uma pequena pilha de livros de Will:
Técnicas geológicas para localizar petróleo embaixo da superficie da terra e Como cavar um poço
no deserto. Elizabeth conseguira acender um fogo no pequeno fogão de ferro, mas abrir as latas de feijão
estava sendo difícil demais para ela. O abridor estava enferrujado, e Elizabeth suspeitava que Will o
encontrara no chão em algum lugar. Aquela era uma maneira de economizar, e ela teria considerado o ato
admirável em qualquer outro momento — mas, agora, ele estava exasperando-a tanto que lhe dava vontade
de gritar.
E foi mesmo o que ela fez. Elizabeth deu um grito que imaginou ser, ao sentir sua garganta vibrando
e todo o ar saindo de seus pulmões, o som mais alto que já emitira na vida. Ao terminar, viu que ainda
estava sozinha — mas sentiu-se melhor. Colocou a mão sobre o abdômen, fechou os olhos e deu um
pequeno sorriso. Afinal de contas, era um pouco engraçado pensar em estar tão distante de toda aquela
etiqueta que aprendera com tanta dificuldade, e ver que não conseguia realizar nem as menores tarefas.
Elizabeth não estava acostumada a se sentir incapaz, assim como não estava acostumada a explodir daquela
maneira.
Ela colocou a lata sobre a mesa e se sentou. Aquela era a parte do dia em que se dava conta de que
estivera sozinha por um longo tempo, pois Will estava explorando o terreno há muitas horas com Denny, o
sócio que encontrara em Oakland. Essas horas estavam fora do alcance de Elizabeth, e ela nem tentava
compreender o que eles faziam lá fora. O mundo do trabalho sempre pertencera a Will, e sempre fora um
mistério para ela. Isso havia sido um fato consumado durante muito tempo, mas estava começando a fazê-la
se sentir culpada. Elizabeth sabia que Will perdera tempo arrumando a casa para eles, algo que outro tipo de
jovem teria feito naturalmente, permitindo que ele empregasse aquelas horas em suas explorações. Ela
queria apenas estar com Will, mas, em momentos como esse — naquela hora do dia em que, em Nova York,
o sol já teria se posto —, desejava poder seguir em frente no mesmo ritmo que ele. Afinal, Elizabeth ainda
era uma perfeita dama da alta sociedade. Era por isso que queria conseguir abrir latas de feijão com a mesma
graça e desenvoltura com que conseguia conversar com os convidados de domingo na sala de estar de sua
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família.
Elizabeth ficou sentada durante algum tempo, pensando em todas as pessoas que deixara para trás e
nos milhares de quilômetros que os separavam agora. Ela não sentiria tanta falta delas se pudesse saber mais
sobre suas vidas, se aquela distância não fosse tão imensurável. De tempos em tempos, Elizabeth encontrava
um jornal velho que mencionava notícias de Nova York. Mas isso só a deixava mais preocupada, pois as
notícias sempre indicavam que sua mãe não era mais a mesma — e que Diana não havia mudado nada.
— Lizzy! — gritou Will lá de fora.
Elizabeth olhou para cima e, antes mesmo de vê-lo, foi erguida e girada no ar. Ela apertou o pescoço
de Will com força e agarrou-se a ele, sentindo mais uma vez que estava no lugar certo. Sentiu o seu cheiro,
aquela mistura de suor, sabão barato e algo parecido com almíscar que não sabia definir muito bem.
— Hoje, nós tivemos sorte — disse Will baixinho.
Ele colocou-a no chão e, quando seus pés tocaram o solo, ela o observou. O rosto de Will estava
iluminado, e seus olhos eram os de um homem que realmente se sentia sortudo.
— Como assim, sorte?
— Achamos!
Will fez uma pausa, apertando os lábios grossos e encarando-a. Sua respiração ofegante estava
fazendo seu peito subir e descer sob a camisa puída de mangas arregaçadas que usava. Nos locais onde não
haviam ficado mais claros por causa do sol, seus cabelos estavam mais negros do que nunca, devido ao suor.
— Denny e eu achamos. Petróleo. Um óleo brilhante e preto. Dá até para sentir o cheiro lá fora.
Tenho certeza de que há um lago dessa coisa aqui embaixo. Está saltando do solo. E o ar está cheio de
enxofre. A gente vai fazer o que meu livro manda: cavar um poço e vender o petróleo para uma refinaria em
Lancaster. Aí, vamos poder contratar mais alguns trabalhadores. Durante algum tempo, vamos ter de investir
tudo o que ganharmos. Mas está aqui. Bem aqui, debaixo de nossos pés. O petróleo que vai nos deixar ricos.
Will estava falando de forma tão rápida e excitada que teve de parar e respirar fundo algumas vezes.
Mas a energia continuou presente em seu rosto e seu corpo, transbordando dele. Ele tirou as calças de sarja
que usava todos os dias, pois elas estavam sujas daquela substância negra e grudenta, e colocou as ceroulas
que vestia na hora de dormir. Enquanto fazia isso, Will falava sobre o processo de extração do petróleo,
sobre o quanto achava que havia naquele terreno e sobre o preço de um barril de óleo bruto. Elizabeth
pendurou as calças na cabeceira da cama, para que elas não sujassem mais nada, e observou Will abrir a lata
de feijão enquanto falava sobre a equipe que eles teriam de contratar e quanto lucro poderiam obter.
Elizabeth deu um de seus sorrisos radiantes, que antigamente costumavam ser desperdiçados em
tecidos bordados, joias ou musse de salmão. Mas ficou surpresa ao se dar conta de que não estava sorrindo
por causa dessa promessa de fortuna — ela ainda lhe parecia uma fantasia distante. Sorriu ao pensar no
futuro de Will. Ele seria bem-sucedido, fosse com o petróleo ou qualquer outra coisa e, depois, se tornaria
um daqueles homens sobre os quais eles escreviam em revistas de aventura. Haveria matérias sobre o quanto
ele era jovem, sobre o jeito que tinha para negócios, sobre todas as escolhas inteligentes que fizera em sua
carreira. Will seria esperto e duro de vez em quando, mas também seria justo e admirável. Seria um chefe de
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família, e ajudaria os necessitados.
Seu rosto deixaria de ser tão suave, mas seu nariz torto continuaria igual. Eles envelheceriam juntos e
veriam o mundo mudar. Os dois se olharam durante alguns segundos e então Elizabeth se aproximou de
Will, pressionando o corpo contra o dele e sentindo o coração batendo em seu peito.
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Sete
Diversas fontes me informaram que o sr. Henry Schoonmaker irá a seu primeiro evento social desde
a morte de sua noiva, a srta. Elizabeth Holland: a abertura da temporada de inverno do teatro Metropolitan,
que será hoje à noite. Embora o período apropriado de luto tenha sido observado, alguns estão comentando
que o ressurgimento do rapaz ocorrerá um pouco cedo demais...
NOTA DA COLUNA “GAMESOME GALLANT”, DO JORNAL NEW
YORK IMPERIAL, SÁBADO, 16 DE DEZEMBRO DE 1899
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— VOCÊ NÁO PODE SIMPLESMENTE ATIRAR UMA pessoa num lago gelado — disse a sra.
Edward Holland, cujo nome de solteira era Louisa Gansevoort, e que ainda possuía um pouco daquela
presença social inigualável sugerida pela combinação de dois sobrenomes tão importantes.
Ela trajava luto por duas pessoas, seu marido e sua filha mais velha, e estava sentada num canto do
quarto de Diana, com seus olhos obsidianos e atentos iluminados pelas lâmpadas a gás. Mas seu físico fora
reduzido, e havia uma sombra sobre sua estatura, outrora tão majestosa. Diana, de tempos em tempos, dava-
se conta de que sua mãe estava doente, embora, às vezes, achasse que seu estado era apenas resultado de um
mau humor que acabaria assim que sua filha caçula se casasse.
— Atirar é um certo exagero — disse ela com ar travesso.
Estava sentada na penteadeira, com a atenção voltada para os cachos castanhos que emolduravam seu
rosto rosado em forma de coração. Sua criada pessoal, Claire, que a ajudara a se vestir, esperava ali atrás.
Diana não estava se esforçando muito para fingir interesse nas preocupações da mãe.
— Não é culpa minha se Percival Coddington é tão desajeitado — continuou ela, fazendo um leve
movimento com a cabeça para olhar para sua tia Edith, que estava deitada na cama rosa clara, usando apenas
uma camisa de botão e uma saia marfim.
—É um milagre que não tenha saído nos jornais — disse a Holland, irritada. — Ou que ele não tenha
se machucado gravemente. Mas há muitos olhos nesta cidade, Diana, e muitas bocas. Logo, todos vão
começar a comentar que você não sabe se comportar. Depois que uma reputação é confirmada muitas vezes,
as pessoas não a esquecem jamais.
Um pensamento qualquer distraiu a sra. Holland, e ela se afundou um pouco mais na poltrona, cujo
estofado dourado estava um pouco gasto. Era naquela poltrona que Diana se aninhava quando lia romances
sobre heroínas apaixonadas por homens deslumbrantes e, até pouco tempo atrás, seus sonhos mais
espetaculares haviam sido sobre esses amores. Mas isso mudara. Hoje em dia, as lembranças mais excitantes
em sua mente eram as de Henry Schoonmaker.
Diana sorriu de leve para seu reflexo. Então, ela se controlou e, encarando Claire peio espelho,
esperou a frase seguinte de sua mãe.
— Quando eu era jovem — começou a sra. Holland —, dizia-se que o nome de uma mulher devia
aparecer nos jornais apenas em três ocasiões: seu nascimento, seu casamento e sua morte.
— Bem — disse Edith, recostando a cabeça no braço dobrado sobre o travesseiro —, acho que nossa
geração acabou com essa tradição.
O nome de Diana já aparecera nas colunas sociais diversas vezes, sendo que na maioria delas sua
mãe ficara envergonhada com a menção. Mesmo assim, naquele momento, ela imaginou uma fotografia dela
e de Henry descendo a escadaria de uma igreja, encimada pela manchete “Srta. Holland casa-se com
Henry Schoonmaker.”
Claire se aproximou e arrematou o penteado de Diana com uma fita verde-clara que combinava com
o vestido que ela estava usando. O vestido esculpia sua cintura, deixava suas clavículas nuas e decorava seus
ombros com peninhas que haviam sido tingidas para ficar da mesma cor que o conjunto. Era parisiense e
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fora comprado por Elizabeth durante o verão que ela passara na Europa. Todos haviam achado um pouco
macabra a ideia de mandar o vestido de uma falecida para apertar no alfaiate. Mas não havia dinheiro para
comprar roupas novas, como sua mãe não parava de repetir, e assim o ajuste acabara sendo encomendado.
— Se seu nome aparecer nos jornais daqui em diante — retrucou a sra. Holland, ignorando o
comentário da cunhada —, que não seja porque você quase assassinou Spencer Newburg.
Diana levantou-se ao ouvir isso e voltou-se para a mãe, com a curiosa mistura de duas emoções
divergentes estampada no rosto. Sentiu vontade de dizer àquela diminuta matriarca que, se ela não estivesse
tão desesperada para lhe arrumar um marido, não teria de se preocupar com a segurança daqueles
cavalheiros. Isso parecia tão óbvio a Diana que chegava a lhe causar irritação. Mas o nome de Spencer
Newburg era como música para seus ouvidos. Não devido a quaisquer características do sr. Newburg, um
viúvo de vinte e sete anos cujo rosto comprido ficara ainda mais longo desde que a sra. Newburg morrera de
febre reumática. Mesmo assim, o som de seu nome era doce para Diana desde aquela manhã, pois ela lera
nos jornais que a noite que passaria ouvindo ópera ao lado dele lhe daria também a primeira oportunidade de
ver Henry em muitas semanas. Seu coração se acelerava quando ela pensava que estaria sob o mesmo teto
que ele naquela noite, que talvez pudessem se olhar de longe, que talvez suas mãos pudessem se tocar. E
Spencer Newburg teria um pouco de mérito em tudo isso, o que o tornava querido a Diana.
A sra. Holland levantou-se. Seu pescoço estava coberto de veias proeminentes, e seu rosto estava só
pele e ossos.
— De qualquer forma, minha anfitriã será a sra. Gore, e eu nem tenho certeza se vou encontrar o sr.
Newburg — disse Diana, aparentando inocência.
Mas ela sabia muito bem que, embora houvesse sido convidada para sentar-se no camarote da família
pela irmã mais velha de Spencer Newburg, a jovem dama deixara bem claro, em ambas as ocasiões em que
visitara as Holland, que estava fazendo aquilo em nome de seu irmão. Além disso, todos haviam ouvido
falar que a esposa de Grover Gore decidira que sua missão para aquela temporada era encontrar uma menina
que aliviasse a dor do coração partido do sr. Newburg. E Diana também tinha consciência de que a sra.
Holland se dava muito bem com a família Gore havia muitos anos.
— Bem, se eu o encontrar, prometo ser delicada — concluiu ela.
O pescoço da sra. Holland pareceu esticar-se, e ela voltou seu queixo na direção das filigranas do
reboco branco do teto. Diana observou-a, esperando que ela dissesse alguma coisa, mas a tensão nas feições
de sua mãe desapareceu e seu corpo todo relaxou. Ela parecia prestes a desmaiar.
— Acho que vou me deitar — anunciou a sra. Holland abruptamente. — Comporte-se, Diana.
A atmosfera do quarto continuou pesada mesmo após ela sair e fechar a porta atrás de si. Diana
piscou os olhos algumas vezes e dirigiu-se à tia:
— Está vendo? Eu assusto até minha mãe.
— Você está linda, Di — disse Edith da cama, dando-lhe uma piscadela simpática.
A irmã do falecido sr. Holland tinha diversos traços parecidos com os de suas sobrinhas, e era
conhecida por ter sido bastante impulsiva na juventude. Ela fora infeliz em seu casamento com um nobre
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espanhol, de quem se divorciara, e voltara a usar seu nome de solteira. Sempre gostara de observar Diana se
arrumando para sair.
— Acho que você não precisa se preocupar, pois o sr. Newburg certamente não será o único a notar
isso — disse Edith de forma significativa, o que fez Diana se perguntar se sua tia havia adivinhado seus
desejos.
Diana aproximou o rosto do espelho para se observar uma última vez, e teve de concordar: não
precisaria contar com o sr. Newburg para receber um pouco de atenção. Seus olhos escuros eram oblíquos e
belos; sua boca, pequena e redonda. Ela só temeu que um pouco de sua beleza já estivesse apagada quando
finalmente encontrasse Henry. Mas estava alegre de novo, e continuou assim ao lembrar que, quando sua
mãe compreendesse que ela e Henry se amavam, toda essa ansiedade para arrumar-lhe um casamento rápido
desapareceria.
Eles chegaram atrasados ao teatro Metropolitan, na esquina da 3roadway com a rua 40, como era o
costume dos membros de sua classe. A rua ainda estava cheia de carruagens quando Diana e a sra. Gore
desceram e se juntaram às outras mulheres de xales bordados a ouro e prata que se encaminhavam para a
entrada feminina, na lateral do prédio. Elas perderam toda a cena do baile de máscaras, mas sentaram no
camarote bem na hora em que o barítono começou a cantar “Mab, la Reine des Mensonges”, para a
felicidade de Diana. Seu pai, que se importava profundamente com essas coisas, considerava a ópera Roméo
et Juliette, de Gounod, uma obra menor. Mas Diana apreciava qualquer tipo de música emocionante,
particularmente quando contava a história de amantes separados pelo destino cruel.
O olhar de Diana percorreu o aposento, passando pelas fileiras de assentos lá embaixo e pelas
camadas de camarotes mais altos, que eram menos disputados. Todos os lugares estavam repletos de tecidos
coloridos, joias cintilantes e rostos corados parcialmente escondidos por leques. Ela se sentou ao lado da sra.
Core, que usava um vestido de veludo azul, cobrindo formas tão generosas que não pareciam pertencer à
menina que até pouco tempo se chamava Lily Newburg. Seu irmão mais novo não dissera quase nada
durante o trajeto, e agora se sentara na saleta íntima do camarote e estava fumando um cigarro com cara de
poucos amigos.
Sua jovem convidada não se importou. Diana mal conteve a vontade de se inclinar sobre o parapeito
de metal polido e observar o palco lá embaixo ao ouvir a música vivaz e majestosa; ela sempre gostara do
mistério melancólico daquelas palavras na literatura, e amou ouvi-las em formato de ópera. Durante um
segundo, conforme as notas subiam e desciam, a perspectiva de ver Henry quase foi esquecida por ela.
Quase.
— Ouvi dizer que Henry Schoonmaker vai estar aqui hoje à noite — disse a sra. Gore, abaixando o
binóculo cravejado de diamantes que estivera usando para observar seus arredores. — Mas não o vi no
camarote da família.
Diana quis levantar seu binóculo e procurar por ele em pessoa, mas apenas disse, recatadamente:
— É mesmo?
— Que pena que sua irmã não pôde se casar com ele. É um rapaz adorável, daria um marido ideal.
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A sra. Gore não se deu conta da rudeza de seu comentário, pois estava concentrada demais em pensar
no desperdício que era um jovem belo e rico sem estar noivo de ninguém. Ela colocou o binóculo de novo
acima do nariz e começou a investigar os outros camarotes, onde estavam todos os nova-iorquinos da sua
classe, espiando-se uns aos outros e pairando acima dos lugares mais baratos do teatro, onde pessoas muito
diferentes iam simplesmente para ouvir música.
— Sabe — continuou a sra. Gore com a mesma falta de tato —, ouvi um boato de que sua irmã não
estava morta. Disseram-me que o corpo dela certamente teria aparecido, que a história não faz sentido, e que
ela provavelmente perdeu a memória ou foi sequestrada por um bando de criminosos... Suponho que sua
família não pode confirmar a veracidade dessas histórias, pode?
Diana balançou a cabeça de leve e decidiu não olhar na direção do camarote dos Schoonmaker por
pelo menos mais dez minutos. Estava tentando parecer escandalizada, na esperança de que isso impedisse
quaisquer especulações futuras da parte da sra. Gore. Ela manteve os olhos fixos no palco, onde Julieta
acabara de entrar, com seus cachos negros cascateando pelas costas. O candelabro no centro do aposento
rebrilhou, iluminando os inúmeros colares e tiaras de diamantes dos camarotes, que complementavam as
suntuosas sedas dos vestidos e as peles brancas das damas que os usavam. Diana sentiu a luz em sua pele
também, e desejou ser admirada. Por isso, após um solitário minuto, ela virou-se e viu que, de fato, no
camarote dos Schoonmaker havia a sra. Schoonmaker — resplandecente num vestido rosa chá — e a figura
desleixada da irmã mais nova de Henry, Prudence. Não era possível discernir nenhum movimento na
penumbra escarlate atrás delas.
Diana desviou o olhar e tentou não ficar muito desapontada, fixando sua atenção no palco, onde uma
diva de peito amplo e pálido ofegava com uma paixão que apenas ela podia compreender. Então, seus olhos
encontraram uma diáfana Penelope Hayes, alguns camarotes para a direita.
As pálpebras de seus enormes olhos azuis estavam cerradas, o que lhe dava um ar de enfado, e sua
cabeça estava levemente inclinada para o lado. Penelope usava um vestido negro com uma fita negra
marcando o decote e uma pena da mesma cor no cabelo. Seus longos braços brancos estavam dobrados
sobre o colo de forma recatada, o que devia fazer parte do novo comportamento de santa que as colunas
sociais tanto comentavam. Mesmo assim, Diana se lembrou — como sempre lembrava quando via Penelope
— da palavra que Henry usara para descrevê-la na vez em que eles haviam passado a noite toda
conversando: selvagem. Elizabeth também lhe mandara tomar cuidado com ela. Mas, naquele momento,
Diana não se sentiu alerta, mas vulnerável.
Pois não pôde deixar de lembrar que Penelope, sentada no camarote dos Hayes com um vestido novo
feito especialmente para ela, com os cabelos presos num coque alto sem nem um cachinho bobo sequer à
vista, conhecera Henry muito mais do que ela. Talvez não o conhecesse melhor, mas convivera com ele
durante mais tempo, e tivera mais intimidade no sentido físico. No palco, Romeu vira Julieta pela primeira
vez, e o tenor cantava sobre sua paixão instantânea. Diana olhou para a ópera por um momento e, quando se
virou novamente para Penelope, viu que a expressão em seu rosto havia mudado por completo. O tédio se
fora, e sua postura demonstrava desejo e autoconfiança. Naquele segundo, um murmúrio começou a circular
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pelos camarotes. Os olhos de todos haviam se voltado para a esquerda de Diana; ela olhou também, e foi
então que o viu.
Henry estava se sentando logo atrás de sua irmã. Seu pai se moveu pesadamente até o assento ao lado
do dele, mal sendo notado pelo filho.
— Preciso admitir que ele ainda parece triste — disse a sra. Gore, que com esforço controlara o
impulso de usar seus binóculos para avaliar melhor a situação. — Mas não está nem um pouco menos
bonito. Tenho certeza de que vai concordar comigo, embora ele quase tenha se tornado seu irmão.
Diana não foi capaz de responder. Tampouco se deu conta do movimento na parte de trás do
camarote dos Newburg, onde Webster Youngham, arquiteto favorito dos novos-ricos de Nova York, havia
surgido. Sua aparição fez com que a sra. Gore prestasse atenção em outra coisa além de Henry, pelo menos
por alguns segundos.
— O senhor conhece a Holland? — perguntou a anfitriã de Diana, o que significava que ela teria de
parar de olhar para Henry e reparar em como a gola branca de sua camisa contrastava sua pele dourada. —
Ela é a filha mais nova do sr. Edward Holland.
— Holland — disse o sr. Youngham, beijando sua mão. — Meus pesâmes por sua irmã. Que
surpresa ver a senhorita aqui. Mas precisarei elogiá-la da próxima vez em que vir sua mãe... é realmente tão
bela como dizem.
Diana sorriu e baixou os olhos. Em setembro, ela beijara o assistente daquele homem numa saleta
usada para guardar casacos, durante um baile na nova mansão da família Hayes. Tinha quase certeza de que
o sr. Youngham não estava ciente daquele fato, devido à quantidade de vinho que consumira naquela noite.
E é claro que isso acontecera antes de seu mundo mudar por completo. Diana espiou o camarote dos Hayes
e, para sua decepção, viu que Penelope estava observando a ação no palco com o mesmo ar imperturbável de
antes.
Os murmúrios dos camarotes ou haviam cessado ou haviam ou sido disfarçados pela música, que
voltara a aumentar. Diana se virou, fazendo um aceno com a cabeça para o sr. Youngham.
— Queira me desculpar, mas a música está um pouco alta demais para mim — mentiu ela.
Ao se afastar de seu assento, Diana se voltou apenas uma vez, e viu que Henry estava olhando em
sua direção. Isso a fez mover-se ainda mais depressa, passando pela saleta interna do camarote — onde
estava o sr. Newburg, que abriu os olhos apenas para lançar-lhe um olhar de censura — e pelo corredor em
curva do teatro. Era um lugar escuro, iluminado apenas por uma lâmpada presa à parede aqui e ali, e lá só
havia alguns cavalheiros a caminho de um camarote ou outro. Ela chegou rapidamente ao Camarote 23, que
sabia, graças ao programa, ser o dos Schoonmaker naquela temporada. Diana fez uma pausa para ajeitar o
vestido, mas a cortina escarlate já estava sendo aberta por dentro.
As belas feições de Henry estavam obscurecidas, e ela mal pôde ver seus olhos ou a expressão que
havia neles. Sua respiração pareceu-lhe fazer um barulho tão alto quanto o de uma locomotiva. Na
imaginação de Diana, ela e Henry haviam compartilhado o máximo da intimidade possível entre duas
pessoas e, por isso, ela sussurrou a frase que praticara diversas vezes nos últimos meses:
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— Eu estava me perguntando, Schoonmaker, quando terei de novo o prazer de visitar a sua estufa.
Diana nunca falara tão baixo, nem com tanta delicadeza. A pronúncia de estufa foi como uma carícia;
aquela palavra possuía conotações mágicas para ela desde a noite passada na estufa de Henry.
— Di... — disse Henry, finalmente.
Diana deu um pequeno passo à frente e sorriu de leve, esperando que ele sorrisse também,
confirmando que não parara de pensar nela durante aquele tempo todo. Mas ela estava errada.
— Diana.
O tom de Henry ficou muito mais sério. Diana notou que a gola de sua camisa estava tão engomada
que ele não podia inclinar a cabeça de forma confortável.
— A senhorita sabe que isso será impossível.
Subitamente, o chão de madeira abaixo de seus pés, a galeria abaixo dele, as cavernas subterrâneas
que escondiam cenários, sabe Deus mais o quê, nada lhe pareceu firme. Diana sentiu um rubor subir-lhe às
faces, e lembrou-se da certeza com que os olhos azuis de Penelope haviam olhado para o palco.
— Mas eu não entendo — sussurrou ela.
— Talvez a senhorita tenha achado que poderíamos...
Henry interrompeu-se novamente, e balançou a cabeça como tivesse espantando uma mosca. Quando
continuou, sua voz estava gelada:
— Não pode mais pensar isso. Sei que lhe fiz belas promessas, mas a senhorita agora deve saber que
elas jamais poderão ser realizadas.
Diana franziu o cenho ao ouvir aquela curiosa formalidade, e deu um passo atrás. Henry admitira ter
tido diversas amantes e,subitamente, ela achou que era apenas mais uma. Na verdade, nem sabia se poderia
tecnicamente ser chamada de amante de Henry.
— É por causa de Penelope?
A expressão de Henry relaxou e ele quase sorriu.
— Não... de jeito nenhum. Por que você... não, não é.
Diana teve dificuldades em enunciar cada palavra:
— Então, por quê...?
— Eu estava falando sério, Di, quando fiz aquelas promessas.
Henry estendeu o braço e pegou a mão dela, mas a distância entre os dois continuou enorme. Afinal,
ele era um profissional em enganar mulheres, e é claro que tentaria todos os seus truques com ela agora.
— Não é por causa de Penelope. Não é por causa de nenhuma outra menina. Mas seria errado. Você
pode pensar que não se importa com essas coisas agora, mas fui noivo de sua irmã. E sua irmã — ele se
interrompeu, fechando os olhos e engolindo em seco — está morta.
Quando Henry terminou de falar, seu amigo Teddy Cutting surgiu no corredor. Ele também fora
amigo de Elizabeth, Diana sabia. Seus cabelos louros estavam partidos num lado e penteado para o outro, e
ele se aproximou deles devagar, com um olhar preocupado de desaprovação.
— Mas...
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Diana não terminou a frase, e a sombra de um sorriso desapareceu de seu rosto. Mas Elizabeth não
está morta, ela quis dizer a Henry, quis gritar para que todos ouvissem. Só que não podia, é claro —
prometera a sua irmã que não contaria o segredo a ninguém. Aquilo poderia arruinar a vida dela.
Chegou a hora do intervalo, e agora dúzias de homens de casaca negra passaram pelo corredor para
fazer suas visitas. A fumaça de seus charutos surgiu junto com eles. Diana sentiu Henry largando sua mão e
soube que não havia nada a fazer além de ir embora dali. Ela virou-se rapidamente, torcendo para que nem
ele, nem Teddy houvessem visto sua expressão arrasada.
Diana andou o mais orgulhosamente possível na direção do camarote dos Newburg, embora soubesse
que perdera toda sua capacidade de sorrir. O vestido arrastou-se atrás dela. Há pouco minutos, ela se sentira
bela dentro dele, mas agora ele era apenas um estorvo. Semanas de ansiedade haviam sido transformadas em
pó em poucos segundos, mas Diana estava se sentindo apenas irritada.
Mais tarde, quando estivesse em seu quarto, olhando para os quadrados escuros deixados no papel de
parede adamascado pelos quadros vendidos pela família, ela veria que suas esperanças haviam sido
destruídas. Só então se sentiria tão mal, tão desesperada, que seria como se um enorme buraco houvesse sido
cavado dentro dela, um buraco que jamais seria preenchido.
Por enquanto, Diana ainda estava na ópera. Ela pensou em sua mãe e baixou os olhos, escondendo
seu orgulho ferido. Soltou murmúrios recatados, da maneira que a sra. Holland havia ensinado, para o sr.
Newburg, a sra. Gore e todos os visitantes que apareceram no precioso camarote dos dois. No palco. Romeu
começou a cantar “L’amour, l’amour!”. Mas Diana não conseguiu mais sentir prazer com a música.
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Oito
Os homens são sempre promíscuos em suas visitas aos camarotes dos outros quando estão na ópera.
É por essas e outras coisas que essas ocasiões são suportáveis.
TRECHO DO LIVRO O AMOR E OUTRAS TOLICES DAS FAMÍLIAS RICAS DA
VELHA NOVA YORK, DE MAEVE DE JONG
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HENRY JÁ OBSERVARA DIANA SE AFASTANDO DELE com passinhos firmes antes, mas,
dessa vez, não achou graça nenhuma na situação. Outras mulheres também já haviam se afastado, mas,
quando isso acontecera, Henry sempre estivera cansado delas, com seus olhos focados em outra direção
mais desejável. Agora, ele não sentiu vontade de desviar o olhar, e por isso permaneceu imóvel, com uma
sensação de perda que lhe era nova, e bastante desagradável. Henry ficou grato por Teddy, que ainda estava
ao seu lado, permitir que aquele momento chegasse a seu triste fim sem dizer palavra. Ele sentiu um gosto
amargo na boca.
Homens de camisas engomadas e gravatas brancas estavam surgindo dos camarotes, e Henry se deu
conta de que devia estar na hora do intervalo. Os homens haviam saído para beber um drinque ou encontrar
uma companheira do sexo feminino, cujos sentimentos delicados estariam abalados pela música romântica,
deixando-a mais suscetível a galanteios.
— Vamos? — disse Henry, voltando-se e olhando nos olhos acinzentados de Teddy.
— Vamos para onde? — perguntou Teddy.
Henry deu de ombros com uma certa violência involuntária. Nunca em sua vida houvera uma
distância tão grande entre aquilo que ele queria fazer e aquilo que de fato fez; para Henry, seus desejos
sempre haviam sido uma espécie de compasso moral, levando-o alegremente e sem questionamentos a
lugares cada vez mais fantásticos. Ele não era, como o herói daquela ópera, um amante do amor. Sempre
procurara apenas diversão e novidade em seus affairs. Mas, em Diana, Henry encontrara um objeto de
desejo que possuía uma beleza perfeita, e ainda assim era intangível. Ela era volúvel, inconstante e sempre
pronta para tudo como ele, mas Henry a rejeitara. E Diana nem havia protestado.
— Para o bar? — sugeriu ele.
E seu velho amigo Teddy levou-o até lá. O pequeno bar ficava num caminho dos fundos do salão dos
cavalheiros, e o barman, que se chamava Sam e tinha um enorme bigode, estava esperando debaixo das
lâmpadas em forma de globo, com seu colete estampado e gravata-borboleta preta, para dar merecidos
refrescos àqueles que vinham se refugiar das fofocas dos camarotes.
— Dois uísques com água — disse Teddy quando eles se aproximaram.
— Sem água para mim.
— Pode deixar, sr. Schoonmaker — respondeu Sam, com ar de quem compreendera tudo. — Devo
colocar na conta do seu camarote, sr. Cutting?
— Deve, Sam. Obrigado.
Os dois rapazes se encostaram no bar e, quando os drinques chegaram, ergueram seus copos. Henry
sentiu que Teddy queria dizer alguma coisa e, depois de colocar o copo no balcão e fazer um gesto
indicando que queria mais um, ele virou-se para o amigo e perguntou:
— Por que está me olhando desse jeito?
Teddy ignorou o tom irritado de Henry e respondeu com a caIma de sempre.
—Você agiu bem.
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Henry assentiu friamente, sem demonstrar convicção ou discordância. Ele seria obrigado a confiar
em Teddy, pois não estava acostumado a agir bem, e não sabia como era a sensação. Mas sabia que não era
boa. Sua governanta sempre lhe dissera que fazer a coisa certa já é a própria recompensa; que quem escolhe
o caminho correto fica preenchido por uma luz interior.
— É simples para um homem esquecer sua natureza — começou Teddy —, perder-se no presente e
esquecer-se de quem já foi, e de quem será. Mas eu conheço você, e estou aqui para lembrar- lhe de sua
personalidade. Você perde o interesse, Henry. Não sei o que sente por Diana no momento, mas a
probabilidade de o sentimento desaparecer... e, depois que isso acontecer, o estado de espírito em que ela vai
ficar... Você pode arruinar as Holland, Henry, se não tomar cuidado.
Henry olhou para Sam, que estava enchendo seu copo mais urna vez.
— Você não tem como ter certeza do que está dizendo.
— É verdade — admitiu Teddy.
Ele estava falando rápido, e Henry sabia que era porque se sentia culpado. Estava tentando justificar
o aro de Henry para eles dois.
— Mas estou sendo cuidadoso por sua causa — continuou Teddy. — Você pode achar que é possível
se divertir com Diana, — mas a ligação que há entre vocês dois... Ela ia precisar de mais do que as
inúmeras meninas com quem você já se envolveu. Vai haver outras, Henry. E aposto que o tempo que você
permanece com uma mulher só vai diminuir com o passar dos anos, e não aumentar.
Henry deu um gole. Ele não tinha como discutir com Teddy, que estava apenas especulando. E, por
um momento, aquela ideia o animou. Era verdade que suas atenções mudavam rapidamente de menina para
menina, e logo a sensação horrível que ele estava tendo ia desaparecer. Haveria outras distrações, e sua vida
— a vida que levara antes de ficar noivo de Elizabeth Holland — voltaria ao normal. Mas, assim como a
sugestão de que ele agira bem, pensar isso não o fez se sentir melhor, e Henry continuou com a mesma
vontade de ir encontrar Diana e lhe dizer que fora um idiota, que não soubera o que estava fazendo, que ela
precisava perdoá-lo e mais um milhão de outras coisas que lhe ocorreram naquele momento.
— Elizabeth sabia se controlar, mas Diana é impulsiva demais. Se a fizer se apaixonar por você,
Henry, não há como...
— Teddy, será que nós não podemos... — interrompeu Henry, mostrando o copo cheio com o
cotovelo, sem ter certeza se era sua terceira ou quarta dose.
— Podemos.
Eles brindaram sem entusiasmo e beberam em silêncio, O terceiro ato já começara quando os dois
chegaram aos tropeços no Camarote 23. O ritual de visita aos camarotes estava a todo o vapor, e ninguém
mais fingia escutar a música. Com exceção de Diana Holland, que estava no camarote dos Newburg, situado
bem no meio do arco formado pela lateral do teatro e na primeira fileira onde as melhores famílias se
sentavam. Ela estava levemente inclinada para a frente, com um ombro mais baixo do que e os lábios
entreabertos, e olhava para os cantores no palco eles fossem os responsáveis por seu coração partido.
Teddy estava sentado ao lado de Prudie, tentando obediente conversar com ela, algo que Henry lhe
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pedira para fazer e eles saírem do salão masculino. Prudence fizera dezesseis havia pouco tempo, mas não
ficara mais bonita — sua aparência a e suas maneiras mostravam que passava horas de mais trancada no
escuro. Ela só respondia a Teddy com monossílabos, e Henry se perguntou se encorajara aquela conversa
como uma forma de punir o amigo. Se Teddy pensara a mesma coisa, certamente não estava demonstrando
e, quando Henry se recostou na cadeira, ele começou alegremente:
— Sua irmã entende tudo de ópera.
Prudence fixou seus olhos felinos em Henry, certificando-se de que ele escutara.
Henry, que não estava conseguindo se concentrar em nada depois de tanto uísque, murmurou algo,
concordando. Então, olhou para o outro lado do imenso teatro e viu Penelope Hayes. Ela estava observando-
o com a sombra de um sorriso no rosto e, quando viu que ele a olhava, ergueu seu leque de penas de águia
até os olhos e abanou-se algumas vezes. Henry olhou mais para baixo, para aquela imensa fileira de
camarotes, onde as damas, em pares, sussurravam umas para as outras por detrás de seus leques, ou
assistiam à cena através de seus binóculos, enquanto seus companheiros faziam comentários sarcásticos em
seus ouvidos. Elas estavam avaliando-o, achou Henry, examinando-o para ver se ele estava triste o suficiente
por causa de Elizabeth, perguntando-se o quão arrasado estaria, e quanto tempo teriam de esperar antes de
voltar a discutir o épico assunto de quem se casaria com o herdeiro da fortuna dos Schoonmaker.
Henry ergueu a mão num gesto que tinha a intenção de ser sarcástico e gritou, numa voz alta o
suficiente para ser ouvido no camarote ao lado:
— Olá!
Seu grito requisitava algo que Henry não sabia identificar. Mas não importava: a ópera continuou a
se desenrolar no palco e, nos assentos em volta dele, ouviu-se apenas silêncio.
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Nove
Você não gostaria de visitar meu camarote hoje à noite?
P.
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— ISSO FOI PARA MIM? — sussurrou PENELOPE.
Ela não perdeu tempo voltando-se para encarar a pessoa a quem a pergunta havia sido dirigida, mas
continuou olhando para Henry, que acabara de gritar um ―olá‖ alto o suficiente para ser ouvido em todos os
camarotes do teatro. Ele se recostara na cadeira de novo e, como estava com os olhos baixos, observando os
braços que cruzara sobre o peito, não havia como saber para quem fora o cumprimento.
— Talvez — respondeu Isaac.
Ele estava sentado logo atrás de Penelope e à direita de Ogden Hayes, avô dela, que não possuía mais
uma audição boa o suficiente para usufruir a música, mas cuja visão, quando ele não estava cochilando, era
tão aguda que lhe permitia avaliar com autoridade os mais belos seios do aposento. Ogden jamais se
preocupara em aprender a etiqueta da alta sociedade de Manhartan, apesar de haver passado a vida toda
tentando ingressar nela, mas fizera questão de que seu filho fosse diferente. Richmond Hayes, o pai de
Penelope, absorvera rápido tanto as regras do mundo dos negócios quanto as do mundo social, e era por isso
que passava a ópera toda na saleta íntima do camarote da família - ou melhor ainda, no salão de fumar
reservado aos cavalheiros — sem encarar ninguém.
— Não foi, não. Você que é um bajulador — ralhou Penelope carinhosamente. — Henry só está
querendo dar o que falar.
— E isso que se diz hoje em dia? — perguntou a sra. Hayes, que estava sentada ao lado da filha, de
frente para o parapeito.
Por um segundo Penelope sentiu-se apenas surpresa, pois sua mãe em geral estava preocupada
demais em observar o que os outros faziam para ouvir as conversas dela. Então a sra. Hayes colocou
novamente o binóculo sobre seus olhos agitados, e voltou a procurar um escândalo qualquer na plateia. Isso
levou Penelope a refletir sobre o desagradável formato do queixo que aquela senhora possuía, sobre a
opacidade de seus cabelos, que eram pintados há anos, e sobre a aparência vulgar que aquela grossa camada
de maquiagem dava a seu rosto.
— Dar a eles o que falar, quero dizer — disse Penelope.
Ela abaixou os olhos e tentou forçar o sangue a subir-lhe às faces. Sua pele era naturalmente muito
branca, e era preciso muito para fazê-la enrubescer de fato. Mas, após algum tempo, conseguiu fazer surgir
um rosa claro em suas maçãs do rosto — não era muito, mas seria o suficiente para convencer qualquer
matrona ou colunista social que por acaso estivesse olhando-a de binóculo de que a jovem srta. Hayes sentia
vergonha de sua grotesca mãe. Penelope então cobriu o rosto com o leque, voltou-se e disse:
— Isaac, você me faria um pequeníssimo favor?
— Mas é claro.
Ela escrevera o bilhete havia horas. Na verdade escrevera-o quatro vezes, para certificar-se de que o
papel estivesse rasgado de maneira casual e de que sua letra estivesse legível, porém espontânea. Penelope
pensara em Henry ao traçar cada letra daquelas dez palavrinhas, e agora apanhou o papel e esticou o braço
tocando a mão de lsaac com a sua.
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— Por favor, leve isso ao Camarote 23 — sussurrou ela.
Isaac inclinou a cabeça galantemente e levantou-se. Um segundo antes de o corpo dele bloquear sua
visão da saleta do camarote, Penelope viu um jovem de casaca preta e camisa branca entrar ali. Ela teve
certeza de que era Henry e de que não precisaria se dar ao trabalho de enviar o bilhete por Isaac. A pele de
seus ombros formigou de excitaçâo. Mas então um segundo se passou, e Penelope viu claramente, para seu
horror, que as feições acima da gravata-borboleta branca pertenciam a Amos Vreewold.
— Sr. Vreewold — disse Isaac. — Preciso fazer algumas visita. Por favor, tome meu lugar e faça
companhia à srta. Hayes.
Amos apertou a mão de Isaac e então pousou mais uma vez seus olhos levemente curvados em
Penelope. Ele era alto, possuía um enorme nariz inchado no meio e seus cabelos negros eram incapazes de
decidir em que direção queriam ir. Houvera uma época, que agora parecia muito distante a Penelope, em que
ele e ela costumavam sumir juntos durante algumas festas, escondendo-se atrás das árvores dos jardins. Por
isso, Amos tinha muitos motivos para olhar para Penelope daquela maneira, como se sua postura recatada
fosse uma encenação feita apenas para diverti-lo. Mesmo assim, toda aquela familiaridade irritou-a.
— Srta. Hayes, é sempre um prazer — disse Amos, inclinando- se para beijar a mão que Penelope
havia oferecido.
Ele sentou-se atrás dela, fazendo voar a cauda de sua casaca na cadeira que segundos atrás havia sido
ocupada por Isaac.
— Sra. Hayes, a senhora esta encantadora hoje à noite — afirmou Amos, embora a mãe de Penelope
estivesse usando um vestido de cetim vermelho que, na opinião de sua filha e de todos presentes ali,
marcava de forma perturbadora seu excesso de gordura.
— Obrigada, Amos — disse a sra. Hayes, sem tirar os olhos do binóculo. — São diamantes de
verdade mesmo que sua mãe está usando no corpete?
— Ah, sim — respondeu ele, fazendo um esforço para não dar um sorrisinho de desprezo.
Penelope lamentou que sua nova personalidade não lhe permitisse brigar com a mãe em público, e
deu um sorriso adorável para seu visitante.
— Sr. Vreewold, o que o trouxe ao nosso camarote?
— A senhorita, é claro. Não a vejo assim tão linda desde o terrível acontecimento de outubro.
— Sim, creio que o senhor tem razão.
— A senhorita deve ter ficado arrasada. É o que todos dizem.
— Bem— disse Penelope, voltando os olhos lentamente para o palco, como se estivesse sentindo
uma dor terrível. — Fiquei mesmo.
— Se precisar de um companheiro para fazer reminiscências sobre Elizabeth...
— Obrigada — agradeceu Penelope com um soluço falso.
— Também ouvi outros rumores...
— É mesmo?
Penelope conseguiu manter a cabeça erguida e o olhar no palco, mas não pôde impedir que um leve
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brilho retornasse a seus enormes olhos azuis.
— Sim, todas as meninas estão falando sobre isso. Sobre como Henry está triste, como você está
melancólica, e como seria um final digno de um romance se vocês dois acabassem se casando. Minha irmã
ordenou que eu descobrisse se há fundamento nesses boatos — explicou Amos, inclinando-se e falando a
última frase no ouvido de Penelope. — Espero que não.
Penelope cobriu seu sorriso com o leque e torceu para que a sensação quente de triunfo que se
espalhara em seu corpo não estivesse evidente em sua postura.
— É claro que não há fundamento — respondeu ela, baixinho. — É terrivelmente impertinente de
sua parte falar de um romance envolvendo Henry Schoonmaker tão pouco tempo após a tragédia.
Nesse momento, os olhos pequenos da sra. Hayes voltaram- se na direção de Penelope, que sentiu
duas emoções conflitantes. Ela sabia que esse rumor, que lhe era tão agradável, também satisfazia a ambição
social de sua mãe, o que lhe deixou ao mesmo tempo radiante e irritada com a mesma notícia.
— Muito bem. Falemos de outra coisa, então — respondeu Amos despreocupadamente, recostando-
se na cadeira sem demonstrar qualquer constrangimento.
E foi o que ele fez: começou a falar sobre cães de caça e estilos de lapela, fazendo com que Penelope
lembrasse por que se cansara dele. Enquanto Amos tagarelava e a sra. Hayes piscava o olho insolentemente
para qualquer um que a encarasse, Penelope viu pelo canto dos olhos que Isaac entrara no Camarote 23. Ela
ergueu o binóculo com ar de inocência. Era a primeira vez na noite que cedia àquele impulso, e levou alguns
segundos — durante os quais sentiu um verdadeiro pavor de estar perdendo qualquer movimento — para
encontrar o camarote que procurava.
Então, viu Henry bem de perto, emoldurado pelo círculo negro do binóculo, cumprimentando Isaac
com o mesmo ar blasé de sempre. Penelope não conseguiu discernir o momento em que o bilhete mudou de
mãos. Henry devia ter mantido uma expressão neutra ao lê-lo, pois não teve qualquer reação. Mas ela soube
que ele identificara a autora, pois naquele momento ele para cima e encarou-a.
Penelope soltou uma pequena exclamação involuntária e deixou o binóculo cair em seu colo, o que
não a impediu de ver o que aconteceu a seguir. Henry ergueu a mão para indicar que Isaac deveria ir embora
sem nem olhar para ele e, com os olhos ainda presos em Penelope, balançou a cabeça lentamente, duas
vezes. Foi como se houvesse rasgado o bilhete em pedacinhos. Ou como se houvesse dado uma bofetada em
seu rosto.
— É melhor eu ir... — disse Amos.
Embora Penelope já houvesse quase se esquecido da presença dele, ela lamentou muito ouvir isso,
pois sabia como era importante que Henry, e todos os outros, a vissem recebendo atenções cavalheiros
solteiros, em especial aqueles que possuíam velhos sobrenomes holandeses e novas fortunas. Toda a sua
campanha para se comportar como a noiva perfeita foi esquecida diante da rejeição de Henry. Agora, tudo o
que Penelope queria era parecer um objeto de desejo. Mas Amos já estava se levantando, e pegara sua mão
para se despedir.
— Obrigada por nos visitar — disse ela, lutando para parecer frágil e desamparada. — É um alívio
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ter um amigo como o senhor num momento como esse.
Amos piscou o olho para Penelope, o que não era a reação que ela pretendera provocar, e, então,
disse algumas palavras para a sra. Hayes antes de deixar o camarote. Penelope tentou se inclinar na direção
oposta àquela ocupada por sua mãe, usando da forma mais vantajosa possível as sombras que caíam sobre
seu colo pálido e macio. Ela virou seu rosto para um canto do palco, para poder olhar disfarçadamente para
os Schoonmaker.
Penelope estava desesperada para parecer elegante e indiferente, mas havia uma febre de urgência
em seu corpo que não conseguiu controlar. Ela colocou uma mão sobre a outra no colo, e depois mudou a
posição de ambas. Uma eternidade se passaria antes que Isaac atravessasse todo o corredor e lhe contasse
exatamente o que ocorrera. Mas Penelope vira a cena com seus próprios olhos, e já sabia quase tudo. Henry
não compreendera seu plano; ele estava alheio a suas astuciosas manobras. Ela mudou a posição das mãos
mais uma vez e depois brincou com a correntinha de ouro do binóculo até que sua mãe a mandasse parar.
Penelope obedeceu.
— É oficial. Muitas damas no teatro estão usando belos vestidos, mas os mais belos estão no
camarote dos Hayes — disse Isaac ao voltar finalmente ao seu lugar.
Penelope sabia que ele tinha mais elogios preparados, mas fez um gesto indicando que eles não
seriam necessários. Não importava que ela fosse muito mais bonita do que as outras meninas, pois Henry
parecia estar cego. As batidas fortes de seu coração reverberaram em seus ouvidos, mas ela não podia se
remexer e nem franzir o cenho. Pela primeira vez na vida, Penelope estava descobrindo a agonia que era
sentir tal inquietação e, ao mesmo tempo, tentar demonstrar uma tranquilidade impecável.
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Dez
Com a abertura da temporada de ópera hoje, mais uma vez podemos esperar ver no teatro alguns dos
mais lamentáveis inválidos da cidade: aqueles que sofrem de uma doença insidiosa chamada aspiração
social, e que, sem duvida, estarão tentando forçar sua entrada na alta sociedade alugando um camarote sem
se importar com o preço, como tantos aventureiros já fizeram antes. Ao menos, podemos estar certos de que
o resto do público presente já estará inoculado contra esses indivíduos.
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO JORNAL NEW YORK NEWS OF
THE WORLD GAZETTE SÁBADO, 16 DE DEZEMBRO DE 1899
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— E QUEM É ESSA?
Lina desviou os olhos da visão de seu binóculo — que mostrava os Vanderbilt, os Livingston e os
Vreewold, para não falar dos vestidos Worth e Doucet, das tiaras de diamantes e dos cavalheiros
derramando palavras doces nas orelhas cor-de- rosa de damas que estavam sempre nas colunas sociais — e
voltou-se para ver quem acabara de chegar no camarote do sr. Longhorn. Os dois homens usavam jaquetas
negras e gravatas brancas, e tinham a barba grisalha. E não eram, percebeu Lina tristemente, tão elegantes
quanto o homem que a trouxera ali.
— Apresento-lhes a srta. Broud, uma recém-chegada em nossa bela cidade — disse o sr. Longhorn
com um meneio de mão.— Ela veio do oeste do país.
Lina abaixou a cabeça e torceu para que ele não houvesse mencionado sua origem geográfica para
explicar seu vestido, que não estava mais na moda. Ele, assim como todos os outros vestidos de Lina,
costumava pertencer a Penelope Hayes; era feito de chiffon azul, com babados no decote. Pelo menos a cor
combinava com o tom de sua pele e cabelos e, depois que Lina o ajustara, a saia se estendia elegantemente
até quase o chão. Ela precisara pedir ajuda de uma das criadas do hotel para apertar o corpete, dando mais
uma vez a desculpa de que não conseguia encontrar de jeito nenhum uma criada de cujos modos gostasse.
— Esse é Lispenard Bradley, o pintor — continuou o sr. Longhorn, indicando o mais alto dos dois
homens, que usava a camisa mais branca. — E esse é Ethan Hall Smith.
Lina sorriu para os visitantes e esforçou-se para parecer tímida sem precisar fingir muito. Ela não
podia deixar de sentir-se intimidada no meio daquelas pessoas, que mandavam em meninas como ela desde
o momento em que nasciam. Mas sua vergonha também era uma precaução para impedi-la de dizer qualquer
coisa que revelasse a verdade sobre sua biografia. Claire, sua irmã mais velha, que ainda trabalhava para os
Holland, adorava ler sobre lugares como a ópera nas colunas sociais, mas Lina sabia que ia gostar mais
ainda de saber das fofocas por ela. Por isso, concentrou-se em colecionar anedotas para depois poder relatar.
Lina virou o rosto recatadamente, embora tivesse consciência que, para sua felicidade, os homens
ainda estavam observando-a, e apoiou um de seus cotovelos ossudos no parapeito de metal. Lá embaixo, no
primeiro andar do teatro, havia uma fileira de camarotes. Há poucas semanas — na verdade, há poucas horas
— eles ainda eram melhores do que ela. Mas agora Lina flutuava acima deles, olhando e sendo olhada em
mais de uma daquelas fileiras. Ela quase sentiu o calor daqueles olhos aristocratas pousados em sua figura;
em todo o teatro, as pessoas estavam se perguntando quem seria aquela menina.
— Talvez eu possa pintar seu retrato algum dia?
O sr. Bradley, que estava na entrada da saleta privada do camarote, inclinou-se para perto dela e
sorriu, fazendo com que seu bigode se aproximasse das orelhas.
— A senhorita tem uma aparência muito singular — continuou ele.
— Eu adoraria, obrigada — respondeu Lina.
A ideia de ver suas feições retratadas numa tela era quase grandiosa demais para ser compreendida,
embora, naquele momento, ela tenha se lembrado de um problema prático: iria precisar de um vestido novo
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para isso também. Lina lembrava muito bem que Elizabeth sempre usava um vestido novo quando pintavam
seu retrato.
O sr. Bradley assentiu ao ouvir a resposta, como quem indicava que a combinação estava feita e ela
viu a satisfação no rosto dele. Seguiu-se um silêncio durante o qual as quatro pessoas presentes no camarote
do sr. Longhorn apenas olharam umas para as outras e, embora todos estivessem sorrindo e não parecessem
constrangidos, Lina começou a se sentir um pouco exposta. Afinal, a maravilhosa Elizabeth Holland jamais
seria vista no teatro assim, sozinha com três homens num camarote. Talvez o sr. Longhorn, que era mais
velho, pudesse ser considerado um acompanhante apropriado para uma senhorita; mas os instintos de Lina
lhe disseram que era o momento de se levantar, sair dali e permanecer na sala reservada às mulheres durante
algum tempo.
O sr. Longhorn e seus amigos protestaram e pediram-lhe que ficasse, o que fez com que Lina
prometesse voltar logo. Ela afastou-se com a espinha ereta, parabenizando-se por saber o momento de se
ausentar, de se tornar rara. Lina estava desenvolvendo a intuição de uma verdadeira dama — era isso que
Elizabeth possuíra, isso que conquistara Will. Mas Liz estava morta, Lina aprendia mais a cada dia. Quando
visse Will, ela possuiria aquela qualidade intangível também, e ele se sentiria atraído por ela dessa vez.
Mas, se Lina havia imaginado que o salão feminino seria um bom lugar para praticar seu novo
comportamento, percebeu assim que entrou que não era bem o caso. As mulheres que estavam ali,
descansando em sofás baixos de veludo, avaliaram-na, quando ela entrou e lançaram-lhe olhares que não
continham da apreciação demonstrada pelo sr. Longhorn e por seus amigos. Elas viraram os ombros na
direção aposta à de Lina, deixando claro que ela não era bem-vinda. Ela corou e, pela primeira vez, sentiu
falta da invisibilidade que seu oficio de criada lhe dera. Sua boca se abriu, mas ela se deu conta de que não
tinha ideia de como iniciar uma conversa com aquelas mulheres. Era uma forasteira de novo.
— Com licença — disse Lira sentindo um calor tomando conta de seu peito sob todas aquelas
camadas de roupa.
Uma mulher usando um vestido vermelho-claro que tinha, cabelos louros encaracolados e cílios
muito negros apoiou-se num cotovelo e disse:
— Você está perdida?
Lina ficou escarlate e, ao ouvir as risadinhas que isso provocou, decidiu ir embora. Mas, no momento
em que se virou, uma outra menina abriu as pesadas cortinas adamascadas do salão e esbarrou nela com toda
força.
— Oh! — disse Diana Holland.
Ela parecia arrasada. Lina percebeu sua expressão, apesar de ela própria estar apavorada e
nervosíssima ao ver que uma tragédia ia se empilhando em cima da outra. Diana já estava começando a
reconhecê-la; em um segundo, todos descobririam a verdade. Então, a mais jovem srta. Holland — a única
srta. Holland que restara — piscou os olhos e, quando ela viu as caras das outras mulheres do salão, a sua
própria mudou.
— Oh... Estava torcendo para encontrar você — disse Diana para todas ouvirem, pegando o braço de
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Lina e levando-a até um pequeno sofá coberto de almofadas de seda que havia num canto reservado.
Lina se sentou e conseguiu respirar de novo. Talvez pudesse até ter sentido alívio, se não estivesse
tão confusa. Diana fez uma longa pausa, deixando alguma dor privada lhe passar pelo rosto. Ela estava
usando um vestido verde pálido que Lina lembrava de ter tirado da mala de Elizabeth quando ela voltara de
Paris no final do verão, e seus cachos castanhos se espalhavam para todos os lados, como sempre. Quando
Diana abriu os olhos novamente, ela não parecia exatamente radiante, mas havia uma certa alegria em sua
expressão.
— Oh, Lina — disse ela baixinho. — Fiquei tão contente de ver um rosto amigo neste momento.
Mas o que você está fazendo aqui?
— Fui convidada — explicou Lina, vendo que, embora diversas mulheres estivessem tentando
disfarçadamente ouvir a conversa, ela não seria ouvida se não levantasse a voz. — Pelo sr. Longhorn.
— Carey Lewis Longhorn? — perguntou Diana, erguendo as sobrancelhas.
— É, e, por favor — disse Lina com certa hesitação, forçando-se a seguir em frente —, eu gostaria
de ser chamada de Carolina agora, se não se importar. É meu nome de batismo, e é como me chamam lá no
oeste, de onde eu venho.
Sua voz ficou quase inaudível quando ela disse essa última parte. Ela torceu para que Diana
compreendesse e concordasse em ajudar com a farsa.
Os enormes olhos negros de Diana brilharam. As mulheres do outro lado do salão se remexeram,
murmurando umas com as outras e fazendo seus vestidos farfalharem.
— Na verdade, gosto mais de Carolina do que de Lina — disse Diana após vários segundos.
— É mesmo?
Lina tentou parecer mais séria do que surpresa, mas a verdade era que não sabia mais que cara devia
fazer. Ela saíra brigada da casa dos Holland e, embora a briga não houvesse sido com Diana, jamais
imaginara que o mais jovem membro da família tivesse uma opinião diferente da de Elizabeth sobre ela.
— Papai tinha minas de cobre, lá no oeste — continuou Lina. — Meu pai e minha mãe já faleceram.
É por isso que vim para Nova York.
— Sim, eu me lembro — disse Diana, assentindo com o ar muito sério. — Você conheceu minha
irmã Elizabeth em Paris. Ela me contou sua história.
— Exato — concordou Lina, obrigando-se a dizer uma frase que jamais pensara em pronunciar. —
Nossa querida Elizabeth.
— Você parece a heroína de um romance — disse Diana, pensativa, pegando a mão de Lina. — Mas
tome cuidado com os finais trágicos. Os heróis que sobem na vida rápido demais sempre têm finais assim, e
eu não gostaria que isso acontecesse com você.
— Obrigada, senhorita...
Lina interrompeu-se e viu que uma das mulheres do outro lado do salão, a que usava um vestido de
cetim dourado reluzente, estava sorrindo para ela. Diana estava sendo tão simpática que Lina quase teve
vontade de lhe contar o resto do plano, e dizer que planejava encontrar Will. Mas, por uma espécie de
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superstição, achou que poderia estragar tudo se revelasse demais.
— Obrigada, Di — disse ela.
Diana recostou a cabeça nas almofadas do sofá, mas Lina não se controlou e olhou para as mulheres
que há segundos atrás estavam desprezando-a, e que agora a consideravam uma igual. Ela foi dominada pela
excitação assustadora de quem conseguiu se safar numa situação quase impossível.
Naquele segundo, Lina lembrou-se da loja de luxo que visirara muitas vezes com sua mãe quando era
criança, na época em que ela era a governanta dos Holland. Numa ocasião, Lina ficara tão encantada com
um conjunto de enfeites de cabelo que chegara a sonhar com ele e, na ida seguinte à loja, roubara um dos
enfeites da mesa onde estava exposto. Ela não havia conseguido calcular direito e não pegara ambos, mas
não importava. A alegria que sentira por possuir apenas um daqueles objetos dourados e filigranados não
teria sido aumentada nem se houvesse encontrado um uso prático para ele. Lina olhava o enfeitezinho
cintilante de tempos em tempos, quando estava sozinha, e sua visão sempre lhe dava a mesma sensação
perigosa. O mesmo ocorreu agora, mas, dessa vez, o sentimento era mais concreto, e o que ela roubara era
muito mais valioso.
Lina voltou radiante para o camarote do sr. Longhorn depois de se despedir de Diana no corredor do
teatro. O velho cavalheiro continuou a apresentá-la para todos os amigos que passavam ali, até o momento
em que os atores chegaram a seu triste e febril fim. Lina viu sua beleza refletida nos olhos desses visitantes,
e soube que Will veria a mesma coisa quando a encontrasse. Sua confiança cresceu junto com sua
felicidade, e ela sentiu com mais nitidez a luz dourada do candelabro iluminando sua testa e suas clavículas,
as borbulhas do champanhe que o sr. Longhorn lhe serviu e a grandiosidade do teatro, que já parecia lhe
pertencer. Ela fora um sucesso na ópera — e isso era quase palpável, era quase ia não um objeto que ela
podia segurar nas mãos, e era uma prova de que logo estaria pronta para ir para o oeste.
— Obrigada, sr. Longhorn — disse Lina da porta de seu quarto no Netherland, quando a noite
infelizmente chegou ao fim.
— Sou eu quem deveria agradecer — respondeu ele, acenando galantemente com a cabeça e
beijando sua mão enluvada.
Ele ficou parado, esperando, enquanto todo o seu rosto se abria num sorriso e seus olhos brilhavam
de júbilo. Lina sorriu também, sem conseguir se controlar, e então fechou a porta.
A lembrança da noite ainda estava vívida demais em sua mente para ela poder dormir, mas, de
qualquer forma, não teria conseguido fazê-lo. Assim que virou a chave na fechadura, Lina se deparou com
uma cena digna de um pesadelo. A arrumação mágica de seu quarto havia ocorrido como sempre — a cama
fora feita, o chão fora varrido, a louça do café desaparecera e havia flores frescas no vaso — mas havia
também um detalhe perturbador.
Sua bolsinha de seda com o fecho de couro estava jogada no e chão. A bolsa nunca saía da gaveta de
seu armário, onde ficava debaixo de uma pilha de meias-calças. Mas ali estava ela, no tapete cor de ameixa,
perfeitamente evidente sob as brilhantes lâmpadas elétricas. Lina poderia ter corrido para apanhá-la, poderia
ter se enganado e dito a si mesma que ela talvez houvesse sido esquecida ali — mas não o fez, pois sabia
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que seu conteúdo se fora.
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Onze
São necessários diversos criados para manter uma casa elegante hoje em dia e, em Nova York, doze
é considerado um número bastante modesto. As infelizes senhoras que precisam se contentar com menos –
ou que, horror dos horrores, podem pagar os salários de apenas um ou dois — precisam estar preparadas
para realizar elas mesmas algumas tarefas domésticas.
TRECHO DE MATÉRIA DA REVISTA LADIES’ STYLE ONTHLY
DEZEMBRO DE 1899.
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DIANA ACORDOU NA MANHÃ SEGUINTE A SUA IDA À ópera com a mesma sensação de
vazio, e precisando de diversas coisas. Sua boca estava seca, seus cabelos estavam horrendos, e ela não
estava com forças para fazer a cama. Normalmente Claire, que era a criada pessoal de Diana, lhe trazia um
copo d’água e uma xícara de chocolate quente de manhã, mas esse ritual tinha ficado um pouco sem sentido
desde que o dinheiro começara a acabar e elas haviam sido forçadas a demitir parte da criadagem. A sra.
Holland ainda acreditava que Will aparecera porque sabia das condições financeiras da família e, desde a
partida dele e de Elizabeth, elas haviam sido obrigadas mandar embora a menina que lavava a roupa e a
ajudante da cozinheira; e o sr. e a sra. Faber, que eram o mordomo e a governanta, haviam desaparecido na
semana passada, quando ficou claro que seu salário seria incerto dali em diante. Claire estava tendo mais
trabalho e, por isso, Diana heroicamente abrira mão de alguns de seus privilégios.
Mas, nesta manhã de domingo, ela não estava se sentindo nem um pouco heroica. Não estava nem
com vontade de se levantar. Ela se sentia oca, mas, mesmo assim, comer não era uma das milhões de coisas
que desejava. Queria água, queria ficar bonita, queria ser abraçada e mimada. Embora não quisesse ver
Henry de jeito nenhum — pensar em encontrá-lo a deixava com o estômago embrulhado e os olhos ardendo
— Diana teria gosta de receber uma explicação um pouco melhor para a rejeição da noite anterior. E
adoraria ter alguma notícia boa para dar a sua mãe. Mas o que mais queria mesmo era sua irmã mais velha,
que costumava considerar indiferente e crítica quando ela ainda morava na mansão dos Holland, mas que
agora lhe parecia ser a única pessoa do mundo qualificada a avaliar corretamente sua situação.
Após um longo tempo, Diana forçou-se a levantar. Ela reuniu forças e usou-as para tornar sua
aparência apresentável. Colocou uma longa saia negra e uma blusa branca com pequenos botões de pérola
— uma roupa que teria deixado qualquer menina menos inflamada com ar de composta. Mas Diana tinha
uma personalidade que não se deixava dominar por roupas e, por isso, foi num estado levemente
desgrenhado que ela desceu a escadaria principal da mansão de sua família e chegou à tranquilidade
sombreada do hall de entrada. Os tapetes persas que cobriam a escada e o chão ainda estavam ali, mas
muitos dos quadros haviam sido removidos, deixando tristes buracos em seus lugares. Naquele momento,
havia diversas pinturas empilhadas ao lado da porta de entrada, um sinal de que o marchand logo estaria de
volta para levá-las também.
Há pouco tempo, vender objetos materiais parecera romântico a Diana, como um retorno ao
essencial. Mas, desde então, ela mudara de ideia. Fora fácil não se importar com aquelas coisas quando ela
acreditara que era amada por Henry Schoonmaker; só que agora, o desaparecimento daqueles bibelôs se
tornara mais doloroso. Era nisso que Diana estava pensando ao abrir as pesadas portas de correr que davam
na sala de estar, e que estavam um pouco empenadas.
— Bom-dia — disse a tia Edith, ficando de pé ao ver Diana.
Ela estava usando um velho vestido branco que tinha a cintura bem marcada e uma saia um pouco
volumosa demais para a moda atual. Aquilo fez com que Diana pensasse em como teria sido tia Edith
quando jovem, quando seus cabelos ainda formavam cachos negros e ela ainda considerava o mundo cheio
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de possibilidades.
— Bom-dia — respondeu Diana, indo até o conjunto de cadeira onde sua tia estava sentada, com
uma bandeja onde havia uma chaleira, algumas xícaras e outros apetrechos para o chá.
— É melhor você ir agora ver sua mãe — disse tia Edith com os olhos, baixos, como se não gostasse
de mencionar aquilo. — Você sabe que ela é dramática demais às vezes, mas hoje parece mesmo não estar
muito bem.
— Ah — disse Diana, achando que estava levando uma bronca. Embora não houvesse sido essa a
intenção.
Se ela tivesse prestado atenção, teria visto que o rosto de sua tia mostrava sinais claros de
preocupação pela cunhada. Embora Edith não fosse tão rígida em questões sociais quanto a esposa de seu
irmão, as duas mulheres estavam morando sob o mesmo teto há muitos anos, e haviam aprendido a conviver.
A sra. Holland sempre gostara tanto de Edith quanto de qualquer pessoa que tivesse um sobrenome
importante e um rosto bonito, e é claro que acreditava, como todas as velhas damas de Nova York, que uma
família devia se manter unida em público, e que as diferenças não deviam jamais ser discutidas.
— Ela está doente? — perguntou Diana após algum tempo.
Ela pensou com remorso no pouco esforço que fizera para conquistar Spencer Newburg a noite
passada, e em quão casualmente dispensara Percival Coddington naquele dia no parque. É claro que nunca
seria capaz de amar nenhum dos dois. Mas seu completo desinteresse pelos desejos de sua mãe lhe pareceu
menos engraçado hoje.
— Não sei — respondeu Edith, observando Diana e falando devagar. — Ela só disse que não está
conseguindo se levantar. Acho melhor você ir vê-la.
Diana assentiu, embora estivesse sentindo os pés pesados. Quando chegou à porta da sala de estar,
Edith acrescentou:
— E não se esqueça de contar como foi encantadora com o sr. Newburg ontem à noite.
A maneira como sua tia a olhou — de forma esperançosa e encorajadora — fez Diana se perguntar,
parada diante daquela porta, se estava deixando transparecer toda a sua perturbação. Pois começara a
compreender, apesar do protesto de seu orgulho ferido, que, se fosse mesmo verdade que Henry não era
apaixonado por ela, então teria de fazer uma escolha bem desagradável.
Diana nunca levara tanto tempo para subir aquelas escadas e, quando chegou ao segundo andar da
casa, ela desacelerou o passo até estacar. A pesada porta de madeira trabalhada do quarto de sua mãe estava
aberta, e uma luz difusa saía pela fresta.
— Diana? — disse a sra. Holland de dentro do quarto.
Diana entrou, apoiou-se no umbral da porta e observou a mãe. Seus olhos estavam fechados e sua
cabeça, recostada numa pilha de almofadas brancas. Seus cabelos, que estavam sempre muito bem
penteados e cobertos por um chapéu, agora lhe caíam sobre os ombros. Ela estava muito pálida.
— Você está aí? — perguntou a sra. Holland, com uma certa irritação apesar do cansaço.
Diana ficou agitada, e soube que não seria capaz de encarar sua mãe. Ela deveria lhe dar boas
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notícias, mas a realidade da rejeição de Henry era nova demais para esconder; sua situação abjeta ainda
estava crua, o que a impediria de disfarçá-la.
Elizabeth teria sido capaz de manter uma aparência de calma. Ela teria conseguido tranquilizar a sra.
Holland, ainda que temporariamente. Diana, descrente de sua habilidade em fazer qualquer uma das duas
coisas, correu escada abaixo. Ela colocou um casaco e um cachecol, abriu a porta da frente e o portão de
ferro da entrada e ganhou a rua, decidindo que precisava mandar uma mensagem para sua irmã de qualquer
maneira.
*****
Ao sair da agência do correio poucas horas depois, Diana não estava se sentindo muito melhor, mas
pelo menos sabia que o futuro poderia trazer algo de positivo. Ela mandara um telegrama no nome de Will
Keller contando a Elizabeth todos os seus últimos traumas, e agora estava um pouco confortada pela vaga
noção de que talvez recebesse uma resposta inspirada. Talvez Elizabeth soubesse explicar por que a vida de
sua irmã mais nova estava desmoronando. Pelo menos, os inúmeros problemas de Diana não pareciam mais
pertencer apenas a ela e, por isso, ela voltou a caminhar com parte do otimismo e da confiança que lhe eram
característicos. Além do mais, Diana estava numa parte da cidade onde dificilmente encontraria um
conhecido, e assim sentiu-se um pouco liberta de sua identidade e achou que não era necessário tentar se
esconder.
Essa sensação foi rapidamente destruída quando ela ouviu seu nome sendo chamado. Ele não fora
gritado, mas enunciado com perfeita clareza por alguém que estava atrás dela no momento em que passou
pelas portas de vidro e metal do correio, prestes a sair na tarde fria e iluminada. Diana ficou parada por um
momento antes de se voltar para encarar aquela pessoa. O sol ofuscou seus olhos e ela levou alguns
segundos para reconhecer Davis Barnard. Ele estava usando o mesmo chapéu de pele que vestira da última
vez em que os dois haviam se encontrando e uma de suas sobrancelhas negras estava levemente erguida.
— Boa-tarde, sr. Barnard — disse Diana.
O espírito de Elizabeth devia ter penetrado nela de alguma maneira, pois, embora não estivesse nem
um pouco alegre, seus lábios esboçaram um sorrisinho educado.
— Que surpresa ver o senhor aqui no centro da cidade.
— Tive de mandar um telegrama. Existem muitos espiões na redação, minha querida. E eu ia dizer a
mesma coisa para a senhorita — respondeu Barnard secamente, com um sorriso divertido em seus lábios
finos. — Talvez os rumores sejam verdade e você esteja enviando um telegrama para Londres, para onde
Elizabeth fugiu, pretendendo se casar com o quinto na linha de sucessão ao trono.
Diana sempre se considerara uma boa mentirosa, mas sabia que sua expressão no momento não
escondia nada. Ela voltou os olhos para a rua, observando os paralelepípedos gastos e os rostos indiferentes
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dos transeuntes.
— Oh, Diana — disse Barnard baixando os olhos, nos quais Diana pensou ter visto uma certa dose
de vergonha. — Não foi minha intenção brincar com a morte de Elizabeth.
Sua voz ficou mais baixa ao pronunciar o nome, e Barnard observou, em silêncio, dois homens de
casaco negro passarem por eles. Estavam vestidos para trabalhar, mas sua aparência era tão feia quanto a dos
prédios da rua, com seus letreiros vagabundos de madeira pintada e pequenas vitrines.
— Não precisa se preocupar — retrucou Diana, Barnard para mostrar que estava dizendo a verdade.
— Mas estou feliz por ter encontrado a senhorita.Creio que tem uma informação que eu daria tudo
para saber...
Diana, achando que ele ia mencionar sua irmã mais uma vez, colocando-a numa posição em que seria
necessária uma capacidade de dissimulação que não possuía no momento, sentiu-se imediatamente irritada.
— Não tenho ideia do que está falando — interrompeu ela.
— Quem era a jovem que acompanhou Carey Lewis Longhorn à ópera ontem à noite? — insistiu
Barnard gentilmente. — Ouvi dizer que a senhorita estava conversando com ela no salão feminino. Todos
estavam comentando, e é claro que querem saber de quem se trata.
— Ah.
Diana mordeu o lábio. Com tantos outros dramas na cabeça, ela quase se esquecera de que encontrara
Lina, e não se lembrara de contar a Claire como sua irmãzinha estava chique. Mas achou que ela gostaria
ainda mais da notícia se a lesse nas colunas
— Tenho certeza de que é desconfortável para uma dama como a senhorita... Mas talvez isso ajude.
— Seu interlocutor apresentou-lhe um envelope de margens douradas. Diana abriu-o, e viu que
continha uma nota de vinte dólares.
— Obrigada — disse ela, guardando-o e pensando, com um sorriso fraco, que era assim que a vida
funcionava: exauria você até levá-lo aos lugares mais inesperados. — Acredito que a senhorita a quem o
senhor se refere chama-se Carolina Broud. Ela conheceu Elizabeth em Paris durante a primavera, e estava
oferecendo-me seus pêsames.
Após começar a contar a mentira, Diana descobriu que aquilo era um pouco divertido, e decidiu criar
ainda mais detalhes.
— Ela é órfã, e as duas ficaram amigas, pois ambas haviam perdido seus pais. Os Broud fizeram
dinheiro em minas de cobre, creio eu, e isso fez com que Carolina viesse à cidade para circular um pouco
entre a alta sociedade...
— E será que o velho solteirão está amando de novo?
Diana fez de tudo para parecer escandalizada, e respondi que não fazia ideia.
— Bem, é uma notícia excelente mesmo assim. Gostaria de uma carona para casa, srta. Di?
Diana sabia que aquilo não ficava bem. E, então, lembrou-se de que as aparências só precisavam ser
mantidas quando havia alguém observando. O ar estava frio, e a caminhada até sua casa exigiria mais forças
do que ela possuía. Barnard indicou sua carruagem, que estava do outro lado da rua e, com a memória do
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envelope de margens douradas ainda fresca em sua mente, Diana não se sentiu inclinada a recusar nenhuma
das suas ofertas.
— Obrigada — disse ela. — Mas preciso insistir que o senhor não seja impertinente. Meu nome de
batismo é Diana, não Di.
Barnard inclinou a cabeça, como para dizer ―como queira‖, e Diana lhe deu o braço.
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Doze
MENSAGEM TRANSATLÂNTICA
COMPANHIA TELEGRÁFICA WETERN UNION
PARA: Will Keller
CHEGOU EM: Main Street, 25
San Pedro, Califórnia
13:25, domingo, 17 de dezembro de 1899
Henry não está apaixonado por mim, e talvez
esteja por Penelope. Acho que fui muito egoísta.
Só temos mais dois empregados, e nenhum dinheiro.
Mamãe não sai da cama. Ela não está bem e
eu não sei o que fazer. Por favor, ajude-me.
D.
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0 JANTAR QUE ELIZABETH SERVIRIA SERIA MUITO SUPERIOR aos feijões da noite
anterior, que mal haviam sido tocados. Em primeiro lugar, haveria carne de verdade — bifes comprados na
cidade — além de batatas assadas e salada Waldorf. Ela própria adquirira todas essas guloseimas naquela
tarde, e evitara de propósito o correio, que sempre fora seu único e obsessivo destino.
— Chegou alguma carta hoje, sra. Keller? — perguntara alguém na loja de mantimentos de San
Pedro.
Todos achavam que Elizabeth era esposa de WilI, pois fora o que dissera ser para explicar sua
presença naquele fim de mundo com dois homens. E todos sabiam a frequência com que perguntava no
correio se chegara algo para ela ou o marido. Elizabeth não gostava de mentir, mas viver como marido e
mulher sem haver se casado ia contra tudo que acreditava, e ela não tinha coragem de admitir em público
que era isso que estava fazendo.
— Oh, não — respondera Elizabeth, corando. — Só estou aqui para comprar algumas coisas.
O outro motivo pelo qual o jantar seria melhor dessa vez era o fato de que Will ia ajudá-la a prepará-
lo. Ele entendia um pouco do assunto, pois dormia do lado da cozinha na época em que trabalhava para os
Holland e também porque, quando tinha treze anos e estava em fase de crescimento, precisara ficar amigo da
cozinheira da família e aprender alguns truques com ela para poder se alimentar direito. Fora Will quem
insistira em fazer uma celebração. Encontrar petróleo significava que logo eles teriam outro nível de vida e,
por isso, ele podia gastar um pouco de suas economias num jantar de verdade. Elizabeth fora comprar os
itens necessários para a refeição enquanto ele e Denny começavam a construir um equipamento que tiraria o
ouro negro do solo, tentando deixá-lo tão seguro e eficaz quanto aqueles enormes das grandes companhias
petrolíferas.
Durante a longa caminhada de volta para casa, Elizabeth refletiu sobre a capacidade que Will tinha
de economizar. Ela sabia que ele sempre trabalhara duro, mas, irônico que houvesse conseguido acumular
dinheiro, enquanto a família que o empregara gastara todo o seu. Will também trabalhara e economizara
enquanto a esperava em São Francisco. Havia dinheiro para comprar bifes quando se desejava, e Elizabeth
pensou vagamente que era Will, e não Henry, a melhor pessoa para ajudar a salvar os Holland.
Mas isso não importava mais. Agora que tinha certeza de que Will a deixaria rica de novo, ela
descobriu que não precisava disso. Sabia que o dinheiro significaria muito para sua mãe e o da família, mas,
para ela, ele já não tinha qualquer poder. Elizabeth sorriu enquanto abria a lona que servia de porta em sua
cabana, lembrando do quanto se preocupara em perder seus vestidos, suas joias e todas as suas
quinquilharias. Agora que tudo se fora, ela jamais pensava nisso.
Elizabeth continuou a pensar no homem que amava até ele voltar, com os olhos brilhando de
excitação e o corpo agitado devido ao trabalho do dia. Quando Will passou pela porta, ela sentiu o cheiro de
sempre, de suor e sabão, misturado a um novo - um cheiro de enxofre, que a fez se lembrar das grandes
indústrias e dos negócios para os quais Will parecia apto.
— Lizzy — chamou Will.
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Ele pegou das mãos dela a faca com a qual estivera descascando as batatas, deixou-a na mesa e
ergueu Elizabeth no ar. Após beijá-la, Will encarou-a, e seus lábios se abriram num sorriso tão grande que
era impossível imaginar que ele algum dia se apagaria.
Will estava tão radiante que Elizabeth se lembrou de quando eles admitiram um para o outro que
estavam apaixonados. Não fora uma brincadeira de criança em que eles imaginaram se casar quando fossem
grandes, mas algo muito mais real. Depois disso, ela pedira que fosse construída uma porta dando da
cozinha para o estábulo, com o pretexto de permitir que a cozinheira a usasse para receber as compras, mas,
na realidade, com a ideia de utilizá-la para ir ver Will durante a noite. Os dois tinham menos de dezesseis
anos naquela época, e ainda não estavam muito conscientes das complicações de sua situação.
— Onde está Denny? — perguntou Elizabeth, pousando a cabeça sobre o peito de Will e respirando
fundo de satisfação.
Will enlaçou sua cintura e se virou para avaliar o que ainda faltava ser feito na preparação do jantar.
— Pedi que ele fosse à cidade comprar uísque — respondeu ele, pegando um pedaço de maçã da
mesa e colocando na boca.
— Ah, eu podia ter comprado!
— Uma dama comprando álcool que nem um vagabundo qualquer?
Eizabeth fez um biquinho.
— Acho que ninguém se importa com isso aqui.
— Não, mas você se importa.
Will engoliu a maçã e deu batidinhas com o dedo no nariz dela. Desde que Elizabeth chegara à
Califórnia, ela, às vezes, sentia-se constrangida por causa de seu modo de se comportar, que era mais difícil
de descartar do que o desejo por coisas belas ou o instinto de se casar com um menino rico. Mas havia
momentos como esse, em que Will a deixava confortável, assegurando-lhe de que gostava de tudo que fazia
parte dela, assim como ela gostava de tudo que fazia parte dele. Ele beijou sua testa e os dois continuaram a
preparar o jantar de comemoração sem dizer nada, à luz bruxuleante do lampião.
Denny Planck voltou, interrompendo aquele silêncio agradável. Elizabeth se voltou e deu um sorriso
e um aceno de cabeça ao vê-lo passar pela porta, pensando, como já fizera tantas antes, que ele poderia ser
bonito se não fosse pela pele de seu rosto, que era coberta de marcas de varíola, e por suas orelhas um pouco
grandes demais. Ele era agradavelmente alto, e em seus olhos marrons havia uma doçura que indicava sua
disposição a seguir as instruções dos outros. Denny era mais forte do que Will e menos articulado, mas Will
gostava dele, e isso era suficiente para fazer com que Elizabeth gostasse também.
—O cheiro está bom — disse Denny com um sorriso.
— Denny! — ralhou Elizabeth, rindo. — Ainda nem começamos a cozinhar!
Will aproximou-se do amigo e abraçou-o. Elizabeth não se lembrava de algum dia ter visto o homem
que amava tão animado. Ele estava leve, e havia confiança em todos os seus movimentos.
— Mas está bonito, pelo menos — insistiu Denny, ainda sorrindo. — Trouxe o uísque — continuou
ele, tirando uma garrafa embrulhada em papel de debaixo do braço.
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— Muito bem! — disse Will.
Ele pegou a garrafa, desembrulhou-a e jogou o papel no fogo. Pegando três dos potes de vidro de
tamanhos diferentes que eles tinham, e que um dia já haviam sido usados para guardar pequenas quantidades
de geleia ou sardinhas, ele serviu um dedo do líquido marrom para cada um e ergueu o seu bem alto,
dizendo:
— Ao nosso sucesso!
Eles bateram os potinhos e beberam. Elizabeth já tomara pequenas quantidades de champanhe em
alguns dos bailes que frequentara, mas jamais havia provado uísque, e sentiu sua língua queimar. Mas não
tinha problema. Tudo parecia fazer parte de uma sorte grande que subitamente chegara às suas vidas.
— Ao nosso sucesso — concordou Denny, colocando seu pote vazio sobre a mesa. — Ah, Will,
chegou isso para você no correio. Eles me disseram que ainda não tinham recebido o telegrama quando a
sra. Keller foi à cidade.
Ao dizer ―sra. Keller‖ Denny piscou o olho para Elizabeth, o que a incomodou. Ela voltou a misturar
as nozes, as maçãs e o aipo para a salada na tigela azul rachada, enquanto Will colocava seu pote na mesa e
rasgava o telegrama amarelo. Elizabeth virou-se para observá-lo, sem perceber que Denny pegara um
punhado de nozes e enfiara na boca. Tentou não ficar se perguntando o que dizia o telegrama, mas não
conseguiu. Após um segundo, WilI encarou-a e ela viu que não havia mais alegria em seu rosto.
— Ah, Liz.
— O que foi?
Will olhou para Denny, que estava concentrado em se servir de mais uma dose de uísque, e então
olhou novamente para Elizabeth. Ele inclinou a cabeça na direção da porta, indicando que ela deveria segui-
lo.
— Denny, a gente já volta, está bem? Vá devagar com esse uísque, ou não vai sobrar nada para a
festa — avisou Will com um pouco da animação anterior.
Denny deu uma risada, e eles saíram e foram envolvidos pela escuridão. Os dois deram diversos
passos, afastando-se da luz fraca da cabana antes de dizer qualquer coisa. O tom alaranjado do pôr do sal
desaparecera do céu enquanto Elizabeth estivera dentro de casa, e agora havia apenas um negror pontilhado
de estrelas.
WiII foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— Eu sabia que isso ia acontecer — disse ele, baixinho. – Só não sabia que seria tão cedo.
— O que o telegrama dizia? — sussurrou Elizabeth, apavorada com a expressão no seu rosto.
— E um telegrama de Diana. Ela disse que precisa de ajuda, e que sua mãe não está bem.
Elizabeth sentiu o corpo todo gelado.
— Ela está muito doente?
Will balançou a cabeça com firmeza.
— Diz apenas que ela está doente, Lizzy. É um telegrama bem curto, e você sabe que sua irmã não é
muito realista. É impossível saber com certeza o que está havendo.
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Subitamente, Ehzabeth teve uma visão de sua mãe, alquebrada e presa a uma cama. Pensar nela nesse
estado era terrível e arrasador.
— Preciso ir vê-la.
Will olhou-a com cuidado e assentiu.
—Eu vou com você.
Elizabeth tapou a boca com a mão e tentou não chorar. Ela sentiu uma dor no peito que sempre tinha
quando estava prestes a romper em lágrimas, mas pensou que aquilo seria muito egoísmo, que sua mãe
estava longe demais para ver como ela se sentia e que, se chorasse, seria apenas por culpa.
— Ah, Will. E o petróleo?
Will deu um leve sorriso e abraçou-a. Elizabeth sentiu uma mão espalmando-se em suas costas, e a
outra afastando os fios de cabelos que lhe caíam sobre seus olhos.
— Ele já está aqui há muito tempo, e ainda vai estar quando voltarmos. O trem sai de San Pedro
amanhã ao meio-dia.
Elizabeth relaxou ao ouvir isso. Todo o medo que sentia por sua família, e que vinha tentando não
demonstrar, transbordou agora. Ela se perguntou se seria capaz de dormir aquela noite, ou qualquer noite
antes de ver seus entes queridos de novo. Tentou não pensar no pior, mas sua imaginação já estava
inventando as mais terríveis possibilidades.
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Treze
De todos os infortúnios que se abateram sobre a família Holland ultimamente, o mais desagradável é
o rumor de que a srta. Elizabeth estaria viva e seria prisioneira de uma gangue de bandidos, destino que
algumas mulheres consideram pior do que a morte. E claro que, se é dinheiro que seus captores desejam,
eles ficarão seriamente desapontados com o resgate...
TRECHO DE MATÉRIA DA REVISTA CITÉ CHATTER,
SEGUNDA-FEIRA, 18 DE DEZEMBRO DE 1899
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— PELO MENOS, VOCÊ PARECE ÓTIMA — DISSE AGNES
Jones, lançando um olhar furtivo para a jaqueta de veludo verde-escuro que Diana estava usando.
Diana achou que a frase não fazia sentido, pois Agnes não mencionara a que sua aparência devia
servir de consolo. Até então elas haviam conversado apenas sobre o clima do dia, que estava bonito e fresco.
Se Diana não estivesse tão irritada, poderia ter considerado que Agnes estava educadamente aludindo ao
contínuo desaparecimento de objetos da sala de estar dos Holland, ou aos boatos recentes sobre Elizabeth,
ou ao fato de que não havia uma fogueira acesa apesar de as calçadas lá fora estarem cobertas de gelo.
— Obrigada — respondeu Diana, alisando as lapelas de sua jaqueta com altivez.
A jaqueta tinha mangas bufantes, cintura marcada e punhos bem justos, e sua cor realçava o tom
avermelhado de seus cabelos. Diana a comprara ontem com o dinheiro que recebera do sr. Barnard e,
embora até uma peça que era prêt-à-porter e não feita sob medida fosse uma extravagância que não podia
justificar, ela estava provando ser muito útil numa casa sem aquecimento. Além disso, a jaqueta fazia-a se
sentir bem de uma forma mais profunda também, mas ela não esperava que sua visitante compreendesse
isso. Afinal, pensou Diana maldosamente, Agnes jamais poderia se identificar com os problemas das
meninas bonitas.
— Você também está ótima — continuou ela.
Agnes deu de ombros com modéstia. Ela usava um vestido de lã marrom escuro que não lhe caía
nada bem e um gorro enorme que quase engolia sua cabecinha quadrada. Diana notou tudo isso sem
piedade. Agnes fora amiga de Elizabeth, que lhe fazia companhia só por pena, pois sua vida começara mal e
ela agora era uma órfã quase sem dinheiro. Mas nenhuma das outras mulheres da família Holland jamais
tivera paciência com ela. Apesar de as Holland haverem cancelado seu dia oficial de receber visitas algumas
semanas após a morte de Elizabeth, Agnes ainda insistia em aparecer para tomar chá, dizendo que vir ali a
fazia lembrar-se da amiga falecida. Mesmo antes de ficar doente, a sra. Holland desenvolvera o hábito de se
esconder em seu quarto quando sabia que ela estava na casa.
— Esta sala não é mais a mesma sem Elizabeth — observou Agnes em seguida.
Ela olhou para as portas de carvalho, os lambris de mogno, o couro verde-oliva que revestia a parte
superior das paredes e as belas cadeiras antigas. Era verdade que havia menos móveis no cômodo do que
antes.
— Não, nada nunca mais será o mesmo — concordou Diana com um gesto impaciente.
As meninas já haviam terminado seu chá, que a própria Diana havia preparado para não dar mais
trabalho a Claire. Ela esquecera os saquinhos na água por tempo de mais e o chá forte, combinado com a
absoluta falta de apetite que vinha tendo nos últimos dias, a deixara um pouco trêmula, o que tivera o
inesperado efeito de torná-la um pouco mais ríspida do que o normal.
— Preciso ir — disse Agnes após uma pequena pausa.
— Creio que é melhor mesmo.
Ao levá-la até a porta, Diana conseguiu ser um pouco educada e insistir para que voltasse. Elizabeth
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teria gostado disso, disse ela a si mesma, o que era mais ou menos verdade. Então, ela voltou-se para o hall
escuro da casa e olhou para a bandeja de prata que estava no chão — a mesinha trabalhada onde costumava
ficar aparentemente fora vendida também. Havia alguns cartões de visita ali em cima. Diana apanhou-os,
levemente curiosa — afinal, se fosse continuar a fazer negócio com Barnard, teria de prestar mais atenção às
idas e vindas do tipo de pessoa que deixava cartões de visita — e estacou ao encontrar um com o nome de
Teddy Cutting. Ela virou o cartão e leu as palavras:
Senhorita Diana,
Lamento não tê-la encontrado,
mas já está tudo combinado
para segunda-feira à noite.
Virei apanhá-la às sete.
Afetuosamente,
Teddy Cutting.
Diana sempre considerara Teddy muito enfadonho, pois ele era o tipo de homem que idolatrava
meninas boazinhas como Elizabeth, mas passara a ter um interesse especial nele por ser muito amigo de
Henry. Ao ler aquele cartão, ela foi depressa para o segundo andar da casa, segurando sua longa saia negra
nas mãos. Deu duas batidinhas na porta de sua mãe e entrou sem esperar resposta. Desde a última vez em
que estivera naquele quarto, as pesadas cortinas de chita das janelas que davam para o norte haviam sido
fechadas. Mas essa mudança na atmosfera não deteve Diana, que andou com passos firmes até a cama,
sentou-se sobre a colcha de matelassé branca e disse:
— Mamãe, fico feliz de saber que está se sentindo melhor.
A sra. Holland, cuja cabeça estava recostada numa pilha de travesseiros e cujas pálpebras estavam
cobertas de veias azuis, demorou alguns segundos antes de responder.
— Não estou me sentindo nada bem. Passei a noite toda preocupada com você. Onde estava ontem
de manhã?
— Só saí para tomar um pouco de ar — disse Diana rapidamente.
Ela se perguntou se contar a verdade à sua mãe — ou seja, que fora mandar um telegrama para sua
vivíssima irmã — ajudaria a aliviar um pouco toda aquela melancolia.
— Depois do que aconteceu com Elizabeth, seria de se esperar que você fosse mais bondosa com sua
mãe, e não me desse tantas dores de cabeça.
A sra. Holland abriu os olhos. Diana teve dificuldade em encará-la, mas sustentou o olhar o máximo
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que pôde, passando a mão sobre o rosto para arrumar alguns cachos que haviam fugido de seu penteado.
— Desculpe, mamãe — respondeu ela com má vontade. Mas o que significa esse bilhete do sr.
Cutting?
— Ah, o sr. Cutting... — disse a sra. Holland, baixando as pálpebras novamente. — Bem, minha
querida, como o sr. Newburg e o sr. Coddington não parecem ter se interessado nem um pouco por você,
pensei que seria bom sair com um dos velhos amigos de Elizabeth. Por acaso, o sr. Cutting estava
procurando uma jovem para acompanhá-lo a um jantar que sua irmã casada dará hoje à noite.
— Quando a senhora combinou... — perguntou Diana, intrigada, sem saber se devia acreditar na
doença de sua mãe ou não.
— Diana, espero que você não tenha se esquecido de quem é - disse a sra. Holland, abrindo os olhos
e virando o rosto num ângulo que fez com que a pouca luz do quarto iluminasse a parte inferior de seu
queixo pontudo — Ou de quem nós somos.
Ela observou a cintura marcada da jaqueta nova, e por um segundo Diana ficou apavorada, pensando
que ia precisar explicar onde a obtivera.
— Lamento pelo frio que está fazendo nesta casa, Diana — disse sua mãe, quase num sussurro. —
Claire me disse que pararam de entregar a madeira para o fogo, mas eu já lhe dei dinheiro para pagar a
conta.
A sra. Holland fechou os olhos mais uma vez e, com isso. Diana se retirou, perguntando-se o que
aquele encontro com Teddy significaria. Era curioso e inexplicável, e deixava a situação de sua mãe ainda
menos clara. Obviamente, a sra. Holland se levantara da cama no dia anterior, e usara sua velha influência
para conseguir com que sua filha acompanhasse um dos solteiros mais cobiçados de Nova York a um jantar.
Mas o fato de que olhara para a jaqueta de Diana e sentira pena por ela estar com frio, sem desconfiar de
nada ao ver aquela peça de roupa, era estranho e assustador. Aquela não era a Louisa Gansevoort Holland
que Diana conhecia. Normalmente, sua mãe mantinha um catálogo dos bens materiais da família em sua
mente. Era uma má notícia que algo tão bonito e tão novo não houvesse lhe chamado a atenção.
Diana sentou-se na poltrona dourada de seu quarto, nervosa. Ela recostou a cabeça no acolchoado e
passou os dedos pelos braços de mogno. Após algum tempo, chegou à conclusão de que a única coisa a fazer
era escolher um vestido que fosse impressionante o suficiente para ser notado por Teddy. Dessa forma,
aquela noite teria uma utilidade. Na verdade, Diana não queria apenas ser notada — queria deixar Teddy
tonto com sua beleza. Assim, ele seria obrigado a descrevê-la vivamente para seu amigo Henry.
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Catorze
Muitos viram o mais velho dos solteirões de Nova York. o sr. Carey Lewis Longhorn. na companhia
de uma jovem de uma beleza singular, porém inquestionável, na abertura da temporada de ópera no sábado à
noite. Alguns andam especulando que aquela senhorita será capaz de finalmente convencer o cavalheiro a
escolher uma esposa. Somente eu, no entanto, descobri sua identidade: ela é a srta. Carolina Broad, herdeira
de uma fortuna feita nas minas de cobre no oeste, e tem a intenção de agraciar nossa cidade com sua
presença durante mais algum tempo. Informarei meus leitores de tudo o mais que souber sobre esta
encantadora jovem...
NOTA DA COLUNA “GAMESOME GALLANT”, DO JORNAL
NEW YORK IMPERIAL, SEGUNDA-FEIRA, 18 DE DEZEMBRO DE 1899
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LINA DEVERIA TER ADIVINHADO QUE SEU PRIMEIRO momento de glória verdadeira iria
coincidir com a destruição completa de todas as suas esperanças. E também que, no dia em que seu nome
finalmente aparecesse nas colunas sociais, ele seria soletrado errado. Se Will, por acaso, lesse aquela nota,
provavelmente nem iria se perguntar se a menina mencionada era a mesma que costumava conhecer. Lina
nascera num mundo pobre e feio, e agora lhe parecia que ia morrer nele. Ela levara seu desejo de ser chique
um pouco longe demais, e agora a visão de seu nome completo, ―Carolina‖, impresso no jornal, deixou-a
enjoada, perguntando-se como havia ousado imaginar um futuro tão belo para alguém tão claramente
destinada a levar uma vida ordinária. Lina pagara pelo quarto até sexta-feira; depois, ocorreria o final trágico
que Diana havia previsto.
Seu dinheiro desaparecera. Isso teria acontecido de qualquer forma, é claro — afinal, ela já havia
gasto mais da metade em pouco tempo. Mas ele teria durado um pouco mais se não houvesse sido roubado,
e ela poderia tê-lo usado para fugir da cidade e daquela vida extravagante e ir atrás de Will no oeste do país.
Lina vinha planejando começar a controlar suas despesas, e calcular exatamente quanto custaria para
viajar para Chicago e de lá para São Francisco. Talvez ela fosse precisar de mais ao chegar lá, para continuar
a viagem até uma das cidades costeiras que já ouvira Will mencionar, cuja existência ele, sem dúvida,
descobrira em um de seus livros. E é claro que pretendera aparecer para ele com o estilo e a grandeza de
uma Elizabeth Holland. Mas agora o dinheiro todo se fora, levando com ele todos aqueles planos!
Lina passara a maior parte da noite pensando naquilo, e fora então que havia sido dominada pela
raiva. Pois sua fortuna não simplesmente desaparecera: alguém estava com ela. Alguém devia estar
gastando-a naquele exato instante, e em algo muito menos importante do que encontrar o amor de sua vida.
E certamente essa pessoa não tivera seu nome publicado na coluna ―Gamesome Gallant‖ na edição daquela
segunda-feira.
Num primeiro momento, ela se perguntou se o responsável pelo roubo não seria o sr. Longhorn.
Afinal, era um pouco bom demais para ser verdade, ir à ópera pela primeira vez na vida e ser logo levada
para um camarote tão espetacular. Mas o sr. Longhorn era absurdamente rico, não havia dúvidas quanto a
isso. Sendo assim, por que se incomodaria em furtar seus míseros pertences? Então, Lina pensou em Robert,
o criado do sr. Longhorn. Mas Robert passara a noite inteira esperando dentro da carruagem, do lado de fora
do teatro. Ela pensou no homem da recepção, nas arrumadeiras, em todas as engrenagens invisíveis que
faziam o hotel funcionar — mas decidiu parar com aquilo. Lina mentira para todos eles, e contara histórias
tão elaboradas que agora lhe parecia impossível fazer uma reclamação tão precisa. Mais tarde, quando fosse
mais velha e mais majestosa, quando já houvesse provado que era uma dama de verdade, essa lógica lhe
pareceria tão cômica quanto os medos absurdos de uma criança. Mas, por enquanto, a ideia de acusar
alguém de roubo era tão assustadora quanto a perda do dinheiro em si.
Se Lina conseguisse reaver metade do que perdera, poderia ir atrás de Will imediatamente. Ela ficou
pensando nisso sem parar a manhã inteira e então, lá pelo meio-dia, lembrou que ainda possuía algo para
vender.
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*****
— A srta. Carolina Broad — anunciou o mordomo dos Hayes, de um dos cantos do que parecia ser
uma gigantesca sala de estar.
Lina, que estava logo atrás dele, vislumbrou a menina que lhe dera esperanças de mudar de vida.
Penelope estava sentada na ponta de um divã, com um vestido de seda rosa e uma expressão de insatisfação
no rosto. Ela ergueu o rosto ao ouvir o nome e virou a cabeça para um dos lados, de forma contemplativa.
Talvez, pensou Lina, houvesse notado que seu nome mudara desde que o ouvira pela última vez. Talvez não
— era impossível saber com certeza.
— Eu teria lhe apresentado o cartão da moça, mademoiselle — continuou o mordomo, deixando a
visitante ainda mais constrangida. — Mas ela não possui um.
Lina atravessou uma floresta de móveis Louis XV com estofados azuis e brancos, com os nervos em
frangalhos e a coragem diminuindo a cada passo, para chegar ao local onde estava a jovem dona daquela
esplêndida mansão. Embora já houvesse visto Penelope muitas vezes antes, não tivera com ela o tipo de
interação que permitia visitas formais como aquela. Teve de forçar suas botas de couro — as botas que
ganhara de Tristan, um dia depois de conhecê-lo — a continuarem a marchar pelo assoalho de madeira
negra. Tentou parecer natural, mas estava sendo difícil demais.
Penelope só encarou Lina quando ela estava a poucos metros do divã, e acariciou a cabecinha de um
cachorro preto e branco com seus dedos longos e finos.
— Esse vestido costumava ser meu — disse ela.
Lina olhou para o tecido vermelho claro de bolinhas brancas, que usara tantas vezes naquele outono.
Ela se lembrava de que Penelope havia lhe dito que ele costumava ser um de seus vestidos preferidos. Lina
se perguntou se alguém no hotel o reconhecera e descobrira sua proveniência.
Havia um homem grandalhão de sobrancelhas femininas e rosto gorducho sentado numa cadeira
atrás do divã onde Penelope estava, lendo as colunas sociais. Embora Lina jamais houvesse sido apresentada
a ele, concluiu que devia ser o tal de Isaac, de quem Elizabeth não gostava. Sem erguer os olhos do jornal,
ele comentou:
— Certamente ficava bem melhor em você do que nela.
— Oh... — gemeu Lina.
Ela observou seu vestido, arrependendo-se de estar ali. Fora um erro, e Lina teria sido capaz de ver
isso antes se não estivesse tão desesperada. Mas ela estava desesperada e, por isso, se aproximou mais um
pouco de sua ex-benfeitora.
— Não posso imaginar o que você está fazendo aqui — disse Penelope, irritada.
Isaac.
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— É uma situação completamente bizarra – acrescentou Isaac.
As bochechas de Lina ficaram escarlates.
— Será que eu poderia conversar com a senhorita a sós?
Penelope fez uma cara de quem não estava acreditando em tanta insolência.
— Tudo o que quiser dizer à srta. Hayes você pode dizer na minha presença — afirmou Isaac após
uma longa pausa, que fizera o nervosismo de Lina chegar a níveis quase inacreditáveis.
Lina olhou diversas vezes para Isaac e para Penelope, e, finalmente, resolveu dizer o que planejara.
— Achei que poderíamos fazer mais uma troca.
— Outra troca? — exclamou Penelope, com os olhos arregalados. — Espero que não tenha contado a
ninguém sobre a primeira.
— É claro que não — disse Lina, mordendo os lábios e perguntando-se o quão óbvio estaria seu
desespero. — Mas achei que se interessaria por essa notícia.
Penelope fez uma expressão neutra e moveu seu cotovelo, cujos ossos estavam evidentes através da
manga apertada de seda de seu vestido, um pouco mais para a frente no braço do divã.
— Muito bem. Qual é a notícia?
— É sobre a família Holland — Lina forçou-se a dizer. — Descobri quando ainda trabalhava para
eles. Vi várias vezes um homem, acho que aquele que vendia antiguidades e coisas assim, aparecer na casa
delas e levar alguns dos objetos. As contas estavam se empilhando. Foi então que eu me dei conta... eu e
minha irmã Claire... de que elas estavam sem dinheiro. E Claire ainda trabalha lá, então sei que elas tiveram
de mandar a maioria dos criados embora.
— Seu nome é Carolina Broad, não é isso?
Lina assentiu.
Um sorriso seco surgira no rosto de Penelope. Talvez aquilo fosse um bom sinal, pensou Lina. Por
um segundo, ela sentiu-se à vontade naquele enorme cômodo, com seus espelhos de moldura dourada, seus
quadros de grandes mestres e seu chão absurdamente polido.
— Carolina... está me dizendo que a famosa família Holland está pobre?
Lina deu um sorriso também.
— Estou. Tenho certeza absoluta.
— Saia já daqui.
Penelope fez uma cara de fúria a um gesto impaciente, virando seu corpo todo na direção contrária à
de Lina, que se inclinou, sem ter ideia do que fizera de errado.
— Mas a senhorita disse que...
— A família Holland está pobre? — disse Penelope, com uma voz aguda que até seu cachorrinho,
que estava lutando para tirar o rabo de debaixo da saia dela, pareceu achar desconcertante. — Todo mundo já
sabe disso! Se você houvesse aparecido aqui para me contar por que Henry Schoonmaker ainda não se
apaixonou por mim de novo, aí talvez... Mas nem pessoas muito mais inteligentes do que você sabem
responder a essa pergunta. Sua menina estúpida, achou que ia entrar na minha casa e me vender uma notícia
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velha?
Os lábios de Lina se abriram e ela sentiu-se tão humilhada como se houvesse levado uma bofetada.
Era mesmo uma menina estúpida.
— Só estava querendo ajudar — disse ela, com a voz fraca.
— Não, querida — disse lsaac sarcasticamente. — Você estava querendo fazer negócio.
Lina sentiu-se tão arrasada e confusa no meio daquela sala, que lhe pareceu tão hostil de novo, que
quase ficou feliz com o que Penelope disse a seguir.
— Rathmill! — gritou ela.
Lina virou-se e viu o mordomo surgir na porta da sala.
— A srta. Broad se confundiu e veio visitar a pessoa errada. Pode levá-la até a saída agora.
O mordomo compreendeu tudo perfeitamente. Aproximando-se de Lina, pegou-a pelo braço. Ela
seguiu-o sem protestar, de cabeça baixa.
— Que coisa desagradável — Lina ouviu Isaac dizer, enquanto era arrastada para fora. — E logo
agora, que você estava prestes a sair.
Lina fechou os olhos. Poucos minutos antes, ela cruzara, cheia de esperanças, o chão preto e branco
do hall de entrada daquela casa, mas, agora, todas elas haviam sido destruidas. Penelope tinha razão: ela era
uma menina estúpida que jamais conseguiria o que queria.
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Quinze
A sra. Schoonmaker foi uma debutante muito popular e, por isso, não é surpresa que as segundas-
feiras em sua casa, seu dia oficial de receber visitas, sejam tão alegres. Lá, é possível encontrar todos
aqueles que desejamos ver...
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO JORNAL NEW YORK NEWS OF THE
WORLD GAZETTE, SEGUNDA-FElPA, 18 DE DEZEMBRO DE 1899
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A SRA. SCHOONMAKER ERA CONHECIDA NA ALTA sociedade não apenas pelas segundas-
feiras em que abria sua casa para visitantes, mas também por seus móveis estilo Louis XIV, uma mistura de
sua própria coleção de antiguidades com a da primeira sra. Schoonmaker. Além disso, Isabelle era famosa
pelas miniaturas que colecionava, por suas belas e delicadas feições, e pela qualidade da companhia que
recebia. Naquele dia, Lydia Vreewold e Grace Vanderbilt — que eram da mesma geração da anfitriã e
possuíam tanta vivacidade quanto ela — estavam sentadas num sofazinho de seda azul-turquesa, discutindo
as roupas que planejavam comprar em Paris na próxima primavera; e James de Ford, o irmão mais novo de
Isabelle, estava parado ao lado de uma das enormes janelas que davam para a Quinta Avenida, escutando o
pintor Lispenard Bradley discursar sobre nus (Isabelle também era conhecida por permitir que alguns artistas
se infiltrassem em seu círculo de amizades de vez em quando). Foi quando Penelope Hayes —
impecavelmente vestida em seda rosa, com uma pequena franja cobrindo parte de sua testa branca — surgiu,
misturando-se aos belíssimos móveis e importantes sobrenomes do salão.
— Penelope, querida, você está um encanto — disse Isabelle, dando o braço a sua convidada e
atravessando o chão atapetado com ela.
Na sala havia cadeiras douradas, diversas estátuas de mármore e alguns dos mais ilustres
personagens de Nova York, conversando confortavelmente. Penelope era obrigada a concordar com a
opinião de Isabelle em relação a sua aparência, mas contentou- se em baixar os olhos e murmurar um
agradecimento tímido. Ela olhou em volta para ver se encontrava Henry e, sutilmente, baixou os olhos para
fitar os tapetes persas sobre os quais estava pisando.
— Pobre Henry — continuou Isabelle, aparentemente adivinhando o que Penelope estava pensando.
— O pai dele ficou furioso com aquela ceninha que ele fez na ópera. Mas foi uma bobagem! E nós não
estávamos quase morrendo de tédio bem no momento em que ele nos distraiu?
— Oh, acredito que sim, mas não consigo me lembrar à qual ceninha está se referindo — disse
Penelope, tentando ser o mais simpática possível e pegando a mão de sua anfitriã. — O sr. Schoonmaker
ficou mesmo muito zangado?
— Ficou. Gritou terrivelmente com o pobre Henry quando ele chegou em casa — disse Isabelle num
tom confidencial, enquanto elas se moviam como duas princesas em direção à mesa onde o chá estava
servido.
Muitos dos convidados haviam percebido a presença da recém-chegada, mas Henry, deitado numa
chaise longue num dos cantos, não despregou os olhos do teto, que estava fitando com evidente mau humor.
Ele nem notara que Penelope estava ali e, quando ela compreendeu isso, sentiu sua garganta fechar-se de
tanta raiva.
— Wilham teme que Henry vá fazer algo para arruinar a reputação da família logo agora, justamente
quando sua campanha para a prefeitura está sendo recebida com tanto entusiasmo — continuou Isabelle no
mesmo tom. — Mas é claro que a maior parte do apoio está sendo dada por causa do próprio Henry e de
toda essa história da morte de Elizabeth... Então, William precisa tomar cuidado. Ele não pode puni-lo
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demais.
— Creio que tem razão.
Elas haviam chegado à mesa de guloseimas, e Isabelle rapidamente colocou uma pilha de petits fours
num pratinho. Penelope permitiu-se olhar diretamente para Henry durante alguns segundos, mas ele não a
encarou. Estava vestido com o mesmo terno negro de sempre, e a pele em torno de seus olhos, que era tão
delicada quanto a pele de uma mulher, estava um pouco arroxeada, indicando que ele dormira mal.
Isabelle serviu chá para ela e Penelope, examinando sua nova amiga enquanto o fazia. Ela tirou um
cacho dourado da frente dos olhos e falou, ainda mais baixo:
— William vem até sendo bastante gentil, comparado com o que é normalmente. Acho que Henry
está com essa cara porque tem estado arrasado desde o falecimento de Elizabeth.
As duas damas pegaram suas xícaras e foram se sentar perto uma das janelas, o que permitiria que se
beneficiassem da bela luz da tarde; ambas compreenderam a vantagem daquele lugar especifico sem precisar
conversar a respeito.
— Sabe, acho que um homem fica menos triste quando perde uma esposa, porque aí já pôde usufruir
um pouco da vida em comum com ela. Mas perder uma noiva é como estar prestes a comer uma bela
refeição e vê-la desaparecer sem nem dar uma mordida sequer... — afirmou Isabelle.
Penelope assentiu com compaixão, embora soubesse que Elizabeth Holland jamais havia sido o prato
preferido de Henry. Isabelle suspirou e colocou metade do docinho verde-claro na boca, revirando os olhos.
— Henry parece ter amadurecido muito — disse Penelope delicadamente e com a maior inocência,
certificando-se de que o objeto da discussão ainda não olhara em sua direção.
— Oh, eu concordo, mas William não acha — contou Isabelle, inclinando-se e colocando a mão
sobre o braço de Penelope. — Ele está apavorado com a hipótese de que Henry pare de parecer triste com
tudo isso.
— É um pouco mercenário da parte dele.
Penelope disse isso por achar que combinava com sua nova personalidade, mas, assim que a frase lhe
saiu da boca, temeu que fosse uma crítica severa demais a seu futuro sogro. Não era fácil ser boazinha e
conseguir fazer novas amizades ao mesmo tempo.
— Ah, sim, é claro que eu me expressei terrivelmente mal. Principalmente já que você era tão amiga
de Elizabeth — disse Isabelle, colocando o resto do petit four na boca com ar de remorso e engolindo-o. —
E é uma pena para Elizabeth e para a sua família que isso tenha acontecido. Teria sido maravilhoso para elas
se ela houvesse se casado mesmo com Henry. Você ouviu falar de sua situação financeira, não é?
Penelope assentiu gravemente, esforçando-se para não sorrir. Ela quase se esquecera da patética
aparição da ex-empregada dos Holland, mas lembrou-se do fato agora com certa satisfação. Não havia nada
mais lamentável do que ver a criadagem se voltando contra seus patrões.
— Mas é claro que também teria sido ótimo para nós ter Elizabeth na família. Ela seria a esposa
ideal.
Isabelle deu um suspiro e colocou seu prato vazio numa mesinha de tampo de mármore com
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exuberantes pernas curvadas. Então, recostou-se na cadeira e virou o rosto para Penelope. Um rosa infantil
se espalhara por suas bochechas e ela fez uma expressão travessa.
— Sabe como dizem que a vida de uma mulher só começa mesmo depois que ela se casa? Eu não
tinha ideia do quanto isso era verdade até me casar.
— É mesmo? — respondeu Penelope com um igual brilho nos olhos.
Ela sempre sentira pena de Isabelle, que parecia ser divertida e tivera tantos admiradores quando era
solteira — incluindo, Penelope acreditava, seu irmão Grayson —, mas era casada com um homem velho,
controlador e impaciente. Ficou feliz em saber que ser a sra. Schoonmaker não era tão sufocante quanto
imaginara.
— Eu temo que, quando for casada, terei de fazer apenas o que meu marido quiser, e isso não me
parece muito agradável.
— Oh, não, queridinha. Você precisa parar de pensar assim. Ninguém suspeita das mulheres casadas.
Depois dessa afirmação, Isabelle piscou o olho lentamente para Penelope, fazendo uma pausa e
observando-a com atenção enquanto pousava as mãos sobre o colo. Penelope sentiu que estava sendo
avaliada da forma como sempre avaliava os outros. Era como se Isabelle estivesse tentando ler seus
pensamentos.
— Sabe... — disse Isabelle. — Sempre achei que Elizabeth daria uma esposa adorável para Henry,
como já expliquei... mas, se pudesse escolher minha nora, ela não seria minha primeira opção.
Penelope não pôde impedir seus lábios grossos e vermelhos de se abrirem num enorme sorriso ao
ouvir essa frase. Ela desviou o olhar, para não parecer ansiosa demais, e pousou seus dedos pálidos sobre o
braço de carvalho da cadeira.
— E que espécie de nora você teria preferido?
— Oh... — respondeu Isabelle, remexendo-se com ar pensativo. Uma que não fosse tão boazinha,
creio eu. Elizabeth passaria o tempo todo vendo se a toalha de mesa estava posta direito, e brigando comigo
por ter sido rude com alguma velha chata... não acha?
Penelope assentiu, talvez um pouco depressa demais.
— É claro que não se deve falar mal dos mortos — continuou a anfitriã. — Mas seria muito mais
interessante para mim que o novo membro da família Schoonmaker fosse alguém mais... mais parecido com
você.
As duas se olharam durante longos segundos, para ter certeza de que a compreensão era mútua.
— Mas, me diga, por onde anda seu irmão? Temos sentido falta dele aqui na cidade...
— Grayson?
Penelope sorriu e aquiesceu, dando a sua anfitriã todas as informações que possuía sobre o paradeiro
de seu irmão mais velho, que estava havia alguns anos fora do país cuidando dos negócios da família. As
duas damas continuaram a conversar afetuosamente, com suas longas saias de seda misturando-se sobre o
tapete, até que o mordomo surgiu na porta e anunciou o nome de Teddy Cutting. Nesse momento, tanto
Isabelle quanto Penelope pararam de falar e observaram com interesse o rapaz, que foi imediatamente trocar
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algumas palavras em voz baixa com Henry, sem nem se incomodar em se sentar.
— O sr. Cutting foi muito grosseiro em não vir falar com você primeiro — murmurou Penelope.
— Concordo plenamente com você — disse Isabelle, não parecendo nem um pouco ofendida. —
Mas Henry também é o anfitrião da casa.
Henry ficou de pé; aparentemente, algo havia sido combinado.
— Oh, sr. Cutting! — exclamou Isabelle.
Todos no cômodo se viraram para olhar, mas a anfitriã não pareceu se importar com isso. Ela pegou
a mão de Penelope, como para sugerir que estava chamando Teddy apenas em beneficio da jovem solteira.
— Sr. Cutting, tenho certeza que não vai nos deixar sem vir faIar comigo primeiro.
A atenção de todos estava voltada para as cadeiras ao lado da janela agora, e Penelope se inclinou,
para que o sol do fim de tarde iluminasse seu melhor ângulo. Ela observou Teddy, constrangido, ajeitando
sua jaqueta para que seu caimento ficasse feito, sem no entanto melhorar sua aparência, que já estava
impecável. Teddy parecia não saber o que fazer, e olhou para Henry, como se esperasse que o amigo
decidisse o que seria mais apropriado. Mas Henry para fúria e decepção de Penelope, que sufocou ambos os
sentimentos — apenas fechou os olhos com impaciência e caminhou para as portas de carvalho da sala.
Penelope mal prestou atenção em Teddy, que se aproximou de sua anfitriã com certo embaraço e
cumprimentou-lhe com um beijo na mão.
— Peço desculpas por não ter vindo até aqui imediatamente, sra. Schoonmaker — disse ele, e seus
olhos cinzentos indicavam sinceridade.
Se Penelope não estivesse tão atônita com a contínua falta de interesse de Henry, ela poderia ter se
perguntado por que Isabelle ficara subitamente tão coquete na presença de alguém tão desinteressante
quanto Teddy, e se indagado se fora a isso que ela se referira quando dissera que as mulheres casadas
também podiam se divertir. Mas, naquele momento, Penelope não conseguiu se concentrar em nada além da
misteriosa indiferença de Henry.
— Srta. Hayes, é um prazer vê-la também — disse Teddy.
— Oh, olá, Teddy — disse Penelope, estendendo a mão e sentindo os lábios suaves pressionados
sobre sua luva. — Para onde foi seu amigo?
— Henry? Nós vamos fazer uma corrida de carruagens no parque, e Henry decidiu vir também. Ele
foi dar algumas instruções ao cocheiro.
Pennelope conseguiu apenas manter um fraco sorriso no rosto enquanto Teddy trocava as gentilezas
obrigatórias com a sra. Schoonmaker. Ele então se retirou, levando consigo todas as esperanças de Penelope
de ainda ver Henry naquela tarde.
— Está vendo? — perguntou Isabelle, mais uma vez pegando a mão de Penelope. — Henry está tão
curiosamente devastado com a morte de Elizabeth. E o principal sintoma de sua tristeza pareser a falta de
modos.
Até então, Penelope não acreditara que o inexplicável comportamento de Henry se devesse ao
falecimento de sua noiva, mas naquele momento, passou a considerar essa possibilidade. Isabelle, ao que
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tudo indicava, estava rapidamente se tornando sua aliada, e ela parecia acreditar que esse era o motivo.
Penelope fechou os olhos e lembrou-se de Elizabeth, traçando o plano que a afastaria de Nova York e de
Henry Schoonmaker para sempre de forma tão fria e determinada. Ela jamais soubera que Liz era capaz de
agir daquela maneira, e aquela nem havia sido a maior das surpresas daquele dia. Na época, Penelope tivera
de admitir que havia muito que não conhecia sobre o mundo. E agora, naquela tarde fria na sala dos
Schoonmaker, estava se dando conta de que opiniões estavam erradas em mais alguns pontos.
— Mas não se preocupe — disse Isabelle. — Nós vamos fazer Henry ver que, embora Elizabeth
tivesse seus encantos, existem outras mulheres que talvez sejam mais adequadas para ele.
Penelope assentiu e sorriu, cúmplice. Ela descobriu que não - incomodava mais com a ideia de que a
melancolia de Henry tivesse ligada à morte de Elizabeth. Se isso fosse mesmo verdade era por isso que ele
ainda não vira que Penelope era a parceira perfeita para ele, então ela própria poderia revelar algo que
acabaria com sua tristeza.
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Dezesseis
É muito comum ver um cavalheiro solteiro flertando durante anos com uma senhorita de Nova York,
para depois se casar com uma menina desconhecida da aristocracia britânica, com uma bela casa e uma
pobre conta bancária.
TRECHO DE AS LEIS DO CONVÍVIO NA ALTA SOCIEDADE
DE L.A.M. BRECKINRIDGE
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— ESTÁ SE DIVERTINDO, DIANA?
Diana tirou os olhos do sofá furta-cor sobre o qual estivera esticando a saia de seu vestido e encarou
Teddy Cutting. Seu cotovelo estava apoiado na moldura de mogno que arrematava o encosto arqueado do
sofá, e sua pele de porcelana refletia a luz rósea que emanava de um abajur ali ao lado. As paredes do
cômodo eram revestidas com um papel de parede cor de ameixa, e todos os presentes estavam sentindo
aquela agradável sonolência que surge após uma farta refeição. Diana, com um vestido de chiffon marfim
marcado na cintura, estava muito brilhante na penumbra daquela sala escura. Sua roupa tinha um decote em
V na frente e outro nas costas, e uma saia em camadas que se espalhava pelo sofá. Ela estava linda, e todos
os convidados que foram jantar na casa de Ralph Darroll notaram. Mas Diana sabia que Teddy não estava
muito interessado em sua aparência. Ele já mencionara Elizabeth sete vezes, uma para cada prato servido
aquela noite.
— Muito — respondeu ela com um sorrisinho sedutor.
Diana não desistira da ideia de ser considerada atraente pelo homem que via como um representante
de Henry. Ela ainda estava ferida, e não conseguia deixar o ferimento se curar em paz.
— Fico feliz. Posso me sentar a seu lado?
— É claro.
Diana estava genuinamente feliz pela companhia de Teddy. Embora não tivesse nenhum interesse
romântico no rapaz, naquela noite ela havia descoberto que gostava dele. Havia algo em seus sinceros olhos
cinza que sugeriam imensa tristeza e culpa pela sorte absurda que ele tivera a vida toda. Diana não se sentia
como ele — afinal, não se considerava nem um pouco afortunada — mas achava aquela reação intrigante.
— A casa de sua irmã é muito bonita — comentou ela.
Florence Cutting, a irmã mais velha de Teddy, casara-se com Ralph Darroll havia apenas um mês.
No momento, ela estava sentada ao lado da lareira, conversando com um homem que não era seu marido e
parecendo muito mais corpulenta do que no dia de seu casamento.
— A Diana Holland que eu conheço não conversa sobre essas coisas — disse Teddy, sorrindo. —
Mas é muito bonita, sim. É claro que a casa pertencia a meu tio, e ele a deu ao casal de presente de
casamento, com móveis e tudo. Assim, não posso dizer que a Florence tenha sido responsável pela
decoração.
— Mas ela deve ter feito alguns retoques aqui e ali. E ela própria está muito bonita. Dá para ver,
mesmo debaixo de todo aquele brocado. Imagino que vai ter um sobrinho em pouco menos de seis meses,
não é?
— Ah, essa é a Diana de quem eu me lembrava — respondeu Teddy, tomando um gole de seu
drinque para disfarçar o sorriso dessa vez. — Mas não vou responder a essa suposição.
— Então me conte como Henry está.
A dor e o prazer de dizer o nome dele em voz alta tinham intensidades quase iguais.
O sorriso de Teddy desapareceu, e ele olhou para Diana com a mesma preocupação que demonstrara
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quando ela falara de sua mãe durante a sobremesa. Um abajur cuja base era de porcelana pintada à mão
iluminou os cabelos louros dele por trás, cobrindo seu rosto de sombras.
— Eu o vi esta tarde.
— E ele está bem?
— Não me pareceu muito satisfeito — respondeu Teddy friamente.
— Imagino que queira dizer que a morte de minha irmã está sendo mais difícil para ele do que para
mim?
— Está sendo difícil para ele — disse Teddy, encarando Diana e então desviando o olhar. — Mas
tenho certeza de que é ainda pior para a senhorita.
—Sim.
Diana ficou em silêncio e pousou as mãos sobre o colo. Ela decidiu perguntar o que queria, já que o
pior que Teddy poderia fazer seria não responder. Mas teve de reunir forças antes de dizer a próxima frase, e
mesmo assim sua voz soou suplicante.
— O que ele estava fazendo?
— Nós apostamos uma corrida de carruagem no parque. Eu ganhei, o que é raro, e me leva a concluir
que ele não estava muito concentrado — relatou Teddy, olhando para seu drinque. — Antes disso, ele estava
na sala de estar de sua madrasta. Segunda é o dia em que ela recebe visitas.
— E quem é que não sabe disso? — comentou Diana, tentando sorrir, mas conseguindo apenas
erguer os cantos dos lábios mecanicamente. — Tinha muita gente lá?
— Sim.
Do outro lado do cômodo, vestidos farfalharam e a luz cintilou nas xícaras e nos copos de cristal. As
pessoas soltaram risadinhas educadas e o fogo crepitou.
— E quem estaria entre os presentes?
— Ah, aquele tal de Bradley, o pintor, uma das mulheres mais famosas da família Vanderbilt e..
— Penelope Hayes?
Ninguém estava prestando atenção naquele cantinho da sala e, mesmo que estivessem, Diana não
teria percebido. Ela estava completamente absorvida na conversa, em grande parte por recear estar sendo
franca demais. Teddy tomou um gole de seu drinque, mas então não pôde mais evitar a resposta.
— Ela estava lá, sim.
Diana sentiu-se tomada por uma raiva muda ao receber essa informação. É claro que Penelope
estivera lá. Elizabeth a mandara tomar cuidado com Penelope, mas Diana havia permanecido passiva,
acreditando que o amor de Henry por ela era verdadeiro e eterno. Ela fora impulsiva e seguira seus instintos,
esquecendo-se que, enquanto isso, Penelope faria de tudo para conseguir o que queria, como fizera quando
ajudara sua irmã a sair da cidade. Diana mudou de assunto, mas não conseguiu disfarçar a mágoa em sua
voz.
— Você por acaso mencionou que ia me encontrar?
— Não, não vi ocasião para isso — respondeu Teddy gentilmente.
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Diana assentiu, tentando não ficar desapontada ao saber que Henry não falara nela.
— Mas, Teddy, eu sei tão pouco sobre você...
Diana, com esforço, conseguiu dar um sorriso corajoso e fazer aquele comentário que, ela esperava, a
pouparia de precisar continuar falando. Teddy compreendeu e começou a contar sobre as poesias que lera
quando estava na Universidade Columbia. Ele havia se formado na primavera, e agora, afirmou, planejando
virar advogado e trabalhar para viver, apesar de saber que ia herdar tanto dinheiro do pai. Diana ouviu sem
muita atenção, concordando com a cabeça. Ela observou os cavalheiros de smoking entrando e saindo da
sala, cumprimentando as mulheres sentadas em cadeiras estofadas, com a pele cada vez mais rosada por
causa do calor que fazia ali dentro.
Diana respondeu a Teddy com monossílabos, tentando encorajá-lo a não parar de falar. Se tentasse
conversar ou ficasse em silêncio, ela poderia revelar o quanto estava se sentindo fraca, o quanto se sentia
partida ao meio. A qualquer momento, temeu ela, seu queixo poderia começar a tremer como o de uma
menininha. Agora, Diana sabia que fora feita de boba. Acreditara que o amor de Henry lhe pertencia, e que
não ia precisar fazer nada para obtê-lo. Mas a realidade era que todas as jovens solteiras da cidade estavam
avançando impiedosamente por aquele tabuleiro de xadrez que era Manhattan, tentando consegui-lo para si.
E uma das meninas era Penelope Hayes, reconhecidamente a rainha daquele jogo.
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Dezessete
Para aqueles que dizem ser irresponsável espalhar rumores de que Elizabeth Holland ainda está viva,
nós dizemos que irresponsável e negar esses rumores categoricamente. Afinal, o corpo jamais foi
encontrado. Seu acidente pode ter sido causado por seqüestradores, que talvez tenham pretendido levar a
srta. Hayes também, mas não conseguiram realizar o plano por completo. Talvez a srta. Holland tenha sido
retirada da água assim que caiu e esteia agora vivendo enclausurada em um remoto estado do país, ou ate
mesmo em uma das áreas menos visitadas de nossa grande cidade...
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO JORNAL NEW YORK NEWS OF THE
WORLD GAZETTE, SEGUNDA-FEIRA, 18 DE DEZEMBRO DE 1899.
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DE MANHÃ, ELIZABETH E WILL HAVIAM ACORDADO no meio do nada — bem, num
campo de petróleo na verdade, mas que tinha a aparência de ser o meio do nada — agora estavam a caminho
de São Francisco num compartimento de primeira classe. A partida de San Pedro havia sido atrasada por
diversos motivos e Elizabeth chegara a pensar que o ritmo dos batimentos de seu coração nunca mais
voltaria ao normal. O vagão de primeira classe fora ideia de WilI. Era uma extravagância e ela não tinha
certeza se estava dentro do orçamento deles — afinal, as economias de Will não podiam ser infinitas. Mas
ele insistira, dizendo que aquela seria a maneira correta de celebrar a mudança iminente em suas vidas.
Elizabeth poderia ter protesta com mais veemência, mas estava preocupada demais com outras questões.
— Onde acha que vamos estar amanhã? — perguntou Will, pegando a mão dela enquanto o trem
atravessava o interior da Califórnia.
— Não sei.
Lá fora, o sol estava se pondo. Elizabeth recostou a cabeça no assento de veludo vermelho e desviou
o olhar da paisagem que passava correndo pela janela, encarando Will. Na porta de seu compartimento
estava escrito Elizabeth e Will Keller, e eles estavam continuando a fingir que eram casados para poderem
dormir juntos sem despertar suspeitas. Will pedira-lhe perdão assim que eles haviam se sentado, e prometera
que em breve ela não precisaria mais mentir sobre algo tão importante.
— Eu dormi o tempo todo na viagem de ida — contou ele.
Elizabeth estremeceu ao pensar no estado de espírito dele na ocasião, embora o tom de Will agora
fosse alegre. Viu que ele estava preocupado com ela, pois seus olhos azuis estavam arregalados e atentos.
— Agora, quero ver melhor a paisagem — continuou ele.
Elizabeth apertou a mão dele com força e tentou sorrir. Os dois haviam colocado seus casacos pela
primeira vez desde que partiram de Nova York, apesar do calor que fazia dentro do trem, pois ela acreditava
que isso os deixava com uma aparência mais bem arrumada. Elizabeth se sentiu um pouco envergonhada por
estar com uma roupa simples e suja e com a pele tão morena de sol ali, no meio de todo aquele luxo. Mas,
pelo menos, acreditava que seus companheiros de viagem eram apenas ricos, ainda não possuíam classe e
bom gosto. Mesmo assim, ela teria dado tudo para poder disfarçar o tom amarelado de seu vestido de
algodão. Já Will tinha manchas negras de óleo nas calças de sarja, mas elas causavam murmúrios de
admiração, não de desaprovação.
Seu vagão era iluminado por três candelabros e tinha um tapete comprido passando pelo centro. Eles
estavam a caminho de Nova York e o ar à sua volta era quente e perfumado. Mas Elizabeth não conseguia
relaxar.
— Vamos estar com elas logo, logo — disse Will gentilmente, como se estivesse lendo seus
pensamentos.
Elizabeth assentiu e pousou a cabeça sobre o ombro dele. O que Will dissera era verdade. Mas aquilo
não a consolava, pois a pergunta que interrompera seu sono na noite anterior não fora o quão rapidamente
conseguiria estar com sua família, mas o que poderia fazer por ela quando chegasse.
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Will acreditava que eles haviam encontrado uma enorme fortuna, e Elizabeth acreditava em Will.
Mas ela sabia que levaria tempo e esforço para transformar aquele petróleo em dinheiro vivo. E sua família
precisava de dinheiro agora — ou melhor, ontem. Só que Elizabeth possuía algo que poderia vender, embora
mal conseguisse pensar naquele objeto sem começar a suar frio. Era a aliança de noivado que lhe fora dada
por Henry Schoonmaker, um solitário de brilhante num anel de ouro, comprado na joalheria Tiffany.
A aliança estava em seu bolso, embrulhada numa camada de papel seda, outra de jornal e ainda outra
de lona. Ela ainda não contara a Will que a trouxera de Nova York, pois lhe parecia ser uma espécie de
símbolo de suas traições passadas. Mas Elizabeth lembrou que aquela aliança poderia ser muito importante
para sua família, permitindo-lhes chamar um médico para sua mãe ou comprar o vestido certo para Diana.
Ela já fora egoísta demais. Agora, convenceu-se de que se sentiria melhor uma vez que vendesse aquele anel
e tivesse diversos dólares nas mãos.
Elizabeth também já planejara como fazer isso. Ela sabia que o trem passaria diversas horas parado
em Oakland, para que novos passageiros embarcassem e mais carga fosse colocada nos vagões. Denny certa
vez lhe contara que havia lojas de penhores perto da estação. Elizabeth daria uma desculpa qualquer a Will e
se livraria da aliança rapidamente.
— Se você não parar de fazer essa cara tão preocupada, acho que vou começar a chorar — disse
Will, interrompendo os pensamentos agitados da jovem dama.
Elizabeth recostou de novo em seu ombro e prometeu que ia tentar. Suas pálpebras estavam pesadas,
e em poucos segundos ela fechou os olhos. O movimento do trem, seguindo sempre para o norte, embalou
os dois e, por um breve momento, ela conseguiu esquecer os problemas de sua família. Elizabeth
adormeceu, afirmando para si mesma que conseguiria levar seu plano adiante. Seria fácil, e assim ela
poderia compensar sua família por toda a dor que havia lhe causado.
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Dezoito
Todo mundo conhece uma ou outra menina que começou bem sua carreira social, mas então teve a
imagem prejudicada por ser vista com frequência na companhia de cavalheiros, ou talvez por sair vezes de
mais daquela esfera oca onde nossas jovens deusas devem sempre estar... Uma mulher que planeja circular
por muito tempo pela alta sociedade deve ter cuidado e aparecer apenas nos lugares certos.
TRECHO DE AS LEIS DO CONVÍVIO NA ALTA SOCIEDADE
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— AONDE A SENHORITA VAI?
Diana, que estava diante da porta da frente, virou-se lentamente e tentou discernir algo em meio às
sombras do hall de entrada de sua mansão. Claire surgiu em seu vestido preto simples, fazendo-a sentir uma
dor na consciência. Afinal de contas, Claire era sua amiga — podia-se até dizer que fosse sua melhor amiga.
A criada tinha o ar cansado e preocupado e, embora Diana não gostasse de vê-la daquela maneira, sentiu-se
mais culpada por saber que estava prestes a mentir para ela.
— Vou sair para tomar um pouco de ar — disse ela, num tom que lhe pareceu suficientemente
casual.
— Mas está muito frio lá fora, e parece que vai cair granizo, e...
— Vou levar um guarda-chuva, então — disse Diana, encarando o rosto pálido e largo de Claire, que
era emoldurado por cabelos avermelhados, e tentando soar como alguém impossível de ser questionado.
— Mas eu não vou poder acender uma fogueira quando voltar, pois estamos sem lenha e, se a
senhorita pegar um resfriado...
Então, sua mãe não conseguira dar dinheiro a Claire para que ela pudesse esquentar a casa.
— Claire, querida.
Diana soltou a maçaneta de metal da porta por um momento e aproximou-se da criada, pegando suas
duas mãos e dando-lhe um beijo em cada bochecha.
— Pode encomendar a lenha — disse ela.
— Mas eles disseram que precisam receber pela...
— Diga a eles que vamos pagar pela encomenda na entrega. Vou ter o dinheiro quando voltar.
Diana sorriu, deu um beijo na testa branca de Claire e saiu correndo, passando pela porta e pelos
degraus de pedra e finalmente chegando à rua.
— Pegue um casaco mais quente! — exclamou Claire.
Mas Diana já estava se dirigindo à parte leste da cidade e não se virou ao ouvir essa última frase,
embora soubesse que Claire tinha razão. As nuvens estavam cobrindo o céu com uma terrível armadura
cinzenta e ela não havia, como prometido, levado um guarda-chuva. Ainda havia muitos casacos na casa, é
claro. A sra. Holland ainda não chegara a ponto de vender o guarda-roupa da família. Mas Diana ia cumprir
uma missão muito específica e queria estar com o aspecto certo. Estava usando a nova jaqueta de veludo
verde que lhe caía tão bem e uma saia longa que marcava seus quadris, de pied-de-poule com botões pretos.
Ela caminhava com passos determinados que teriam sido desaprovados pelas damas da sociedade, repetindo
em voz baixa as palavras ―Davis Barnard, 155, rua 16 leste, terceiro andar.‖ O vento que fazia sua saia
ondular estava gélido, mas Diana mal percebeu.
Era um prédio simples, com uma fachada marrom e duas janelas para cada um de seus quatro
andares. A porta não foi aberta imediatamente e Diana começou a sentir frio ali parada. Aquele endereço só
passara a significar algo para ela há alguns dias, mas, enquanto esperava, ocorreu-lhe que ele talvez fosse
muito conhecido por outras pessoas. Talvez aquelas mulheres que passavam ali atrás, com seus chapéus
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próprios para o inverno e suas saias sem estampa, soubessem exatamente o que era o número 155 da rua 16
leste. Ao pensar nisso, Diana sentiu-se envergonhada, o que era raro, e apertou seu conspícuo casaco verde
contra o corpo, como se ele pudesse escondê-la. Elizabeth teria pensado nessa possibilidade. Elizabeth teria
considerado quem a poderia estar observando, em vez de simplesmente agir num impulso.
— Ei, aí embaixo!
Diana olhou para cima, segurando seu chapéu de palha com a mão. Ela precisou apertar os olhos,
pois havia claridade no céu apesar das nuvens, e foi então que viu a cabeça de Davis Barnard saindo pela
janela do terceiro andar.
— Ah, srta. Truscott! — disse ele.
Ela olhou para trás, mas não encontrou nenhuma menina interessada naquela janela em particular.
— Estou falando com a senhorita mesmo — disse o sr. Barnard, com uma voz um pouco mais
circunspecta.
— Oh! — disse Diana, voltando a olhar para a janela. — Posso ir? — pediu ela, sem rodeios.
— É claro.
Alguns segundos depois, uma chave presa a um enorme anel de prata caiu no chão, fazendo um
barulhinho agudo. Diana abriu a porta do prédio e foi até o apartamento habitado pelo homem que escrevia a
coluna social do New York Imperial.
— É muito corajosa, srta. Holland — disse o sr. Barnard, permitindo que ela entrasse.
— Se o senhor achasse que eu era muito certinha, não teria feito a oferta que me fez — retrucou
Diana, enfiando as mãos nos bolsos da saia e olhando em volta.
Ela observou o cômodo longo e estreito onde estava, vendo que a tinta azul-escura das paredes havia
sido aplicada há algum tempo; havia fotos penduradas por toda parte, e diversas camadas de tapetes no chão.
Havia uma cristaleira dentro da qual o objeto que mais chamava atenção era uma tigela de vidro trabalhado,
uma mesa coberta de papéis, cadernos e livros e um sofá no mesmo estado, com algumas almofadas
misturadas à bagunça.
— Então é isso que eles querem dizer quando falam no apartamento de um homem solteiro — disse
Diana.
— Sim, sou o mais arraigado dos homens solteiros.
As bochechas de Diana ficaram vermelhas quando ela ouviu uma palavra que não reconheceu.
— E o que isso significa? — perguntou ela.
Davis sorriu, mas não gargalhou.
— Significa que eu cheguei ao estágio mais profundo da solteirice.
— É mesmo? — respondeu Diana secamente, indo até a mesa e passando o dedo pelas lombadas de
uma pilha de livros.
— Não quis dizer o mais arraigado dos conquistadores. Só dos solteiros. Meu apartamento é uma
prova de que não são muitas as mulheres que vêm aqui.
Diana assentiu, compreendendo, mas sem querer ser amistosa demais. Ela se aproximou da lareira,
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cujo fogo crepitava de forma acolhedora. Acima dela havia um par de luvas de boxe pendurado, como as
meias das crianças na véspera de Natal.
— A senhorita tomaria um café?
— Sim, por favor.
Diana se voltou e observou seu anfitrião, cuja aparência estava um pouco menos alinhada do que das
vezes em que ela o vira na rua. Ele usava uma camisa salmão e um colete cinza que provava que sabia viver
bem, pois não escondia uma barriguinha proeminente, como o encosto de um sofá que foi um pouco
estofado demais. Seu cabelo escuro era cortado tão curto que parecia formar três seções separadas, uma no
topo e uma de cada lado da cabeça. E, abaixo de suas sobrancelhas singulares, havia um par de olhos que
trazia a mesma expressão atenta que fizera Diana querer aceitar sua primeira proposta.
— Como gosta de seu café? — perguntou Davis Barnard, pegando uma panela prateada numa
mesinha e servindo o líquido negro.
Diana mordeu o lábio. Em geral, ela só bebia chá.
— Da mesma maneira que o senhor.
— Muito bem.
Davis esticou o braço para a prateleira acima de sua cabeça, onde havia diversas garrafas na frente de
um espelho longo e fino. Ele pegou uma cheia de um líquido marrom, e colocou uma dose dentro de cada
xícara.
— Sente-se, por favor, srta. Diana — disse Davis, entregando uma das xícaras a Diana e sentando-se
ele próprio no sofá.
Diana se aninhou numa cadeira com encosto de palhinha e colocou ambas as mãos em volta da
xícara branca, esquentando-as. O cheiro do uísque e o vapor do café se misturaram em seu nariz. Nem
naquela noite histórica passada na estufa de Henry ela sentira-se tão consciente de estar quebrando as regras
da etiqueta. Mamãe morreria se soubesse que eu estou aqui! pensou Diana, antes de se dar conta de que
aquela frase não era nada engraçada, dado o estado atual de saúde de sua mãe. Um sorrisinho aparecera em
seu rosto, mas ele imediatamente desapareceu.
Talvez Davis tenha adivinhado que ela estava pensando na impudência de sua visita, pois ele
comentou, com um olhar irônico:
— Jamais pensei que receberia uma das srtas. Holland aqui neste apartamento.
Diana deu de ombros evasivamente e deu um gole no café com uísque. Então, ela encarou Davis e,
deixando sua emoção transparecer em seu rosto como um raio de sol que surge em meio às nuvens, sorriu.
— Esse é o melhor café que já bebi — disse Diana alegremente. - Mas não vim aqui falar sobre
mim. Tenho algo a vender.
— É mesmo?
Davis ergueu as sobrancelhas e então bebeu o resto do líquido em sua xícara. Ele colocou-a num dos
cantos da mesa repleta de bugigangas e cruzou os pulsos sobre o joelho.
— E o que é? —perguntou.
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— Bem — disse Diana, descruzando as pernas, cruzando-as novamente e revirando os olhos
castanhos pata o teto – E se fosse jornalista, escreveria assim: A recém-casada sra. Ralph Darroll deu um
jantar íntimo em sua nova casa na Avenida Madison, que foi um presente do irmão de seu pai por ocasião de
suas núpcias no mês passado. A dama em questão já está usando vestidos bem largos da cintura para baixo.
— Creio que entendi — disse Davis, entrelaçando os dedos e pousando o queixo sobre eles. — Mas
é um pouco sutil demais para o leitor comum, não acha?
Isso magoou Diana, que passara a manhã inteira pensando naquela frase. Mas, sem se deixar abater,
ela pressionou as palmas das mãos contra as coxas, exalou e tentou mais uma vez.
— E se o senhor acrescentasse: Será que é pelo mesmo motivo que as damas em geral dão
preferência a esse estilo? Nesse caso. talvez tenhamos um Ralph Júnior em menos de seis meses.
— Muito bem, srta. Di! Vejo que é fã das minhas colunas.
Diana sorriu com o elogio, e resolveu ignorar a segunda parte da frase. Ela observou os velhos
daguerreótipos de família que havia no consolo da lareira e então seus olhos pousaram sobre um livro de
poemas com uma capa de papel velino que se encontrava na mesinha mais perto da cadeira onde estava
sentada.
— Vou publicar esta semana — disse Davis.
Diana encarou seu anfitrião novamente. Ela não sabia bem por que essa notícia lhe deu tanto prazer,
mas bateu palminhas como uma criança.
— Vou lhe dar o mesmo que pela outra notícia — disse Davis com os olhos escuros sempre
prestando atenção em tudo. — Mas há uma maneira de a senhorita ganhar o dobro.
— Como? — perguntou Diana, abaixando as mãos e tentando parecer uma pessoa com quem era
difícil negociar.
— Os leitores da ―Gamesome Gallant‖ estão sempre interessados na família Holland, e decerto
adorariam saber o que a srta Diana Holland estava fazendo na casa de Ralph Darroll, já que a sociedade dita
que deveria estar em casa, ainda de luto pela irmã, ou talvez cuidando da mãe, que todos dizem não estar
bem...
Diana precisou desviar o olhar. Ela nunca fora uma boa menina, mas, ao ver-se sentada naquela sala
pequena e bagunçada, bebendo uísque com o café e contando os segredos de seus pares, começou a se sentir
um pouco imprudente demais. Mas também se sentiu animada. Ficou de pé e andou até a janela, onde havia
velhas cortinas de renda e um pequeno sofá com almofadas de belbutina. Tomou um último gole do café,
que desceu queimando sua garganta e seu estômago.
— A senhorita é uma fonte muito especial para mim - afirmou Davis, — Jamais escreveria algo
sobre sua vida se não me permitisse fazê-lo. E sei que sua mãe é muito conservadora. Mas também sei que
saiu com três homens diferentes num número pouco maior de dias, e por isso creio que ela tenha um
objetivo que não necessariamente seria mais difícil de alcançar se eu mencionasse seu nome...
É claro que Diana, que agora observava a multidão de pessoas deixando seus trabalhos e voltando
para casa, embrulhada em roupas escuras e grosseiras, não estava pensando no que sua mãe acharia de ver
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seu nome numa coluna social. Ela estava imaginando Henry, lendo sobre ela acompanhando seu melhor
amigo a um jantar e, de preferência, ficando vermelho de cólera e desafiando Teddy para um duelo. Diana
não queria que ninguém se machucasse, mas não havia nada como o ciúme para ajudar um homem a se
lembrar de uma mulher. Nem sabia se Henry se importava mais com ela do que com Penelope, mas queria
que ele se arrependesse de tê-la perdido. Queria que ficasse tão triste quanto ela. Ou mais.
Ela estava ali, na janela daquele pequeno apartamento, olhando para a rua lá fora, vendendo
observações que deveriam evaporar no ar, mas que agora seriam gravadas no papel. E foi quando se deu
conta de que não era mais inocente. Diana estava sempre repetindo essa atitude, achando que já possuía
bastante experiência e então acordando no dia seguinte e se dando conta de que fora muito ingênua. Mas,
agora, tinha bastante certeza de que cruzara uma espécie de fronteira.
— Acho que daria uma ótima nota, sr. Barnard — disse ela, dando as costas para a janela e apoiando-
se no parapeito. — E, se me der mais um pouco desse café mágico, eu lhe direi escrevê-la.
Davis sorriu e pegou a garrafa de novo. Diana observou o pequeno cômodo oblongo que, decidiu ela,
era realmente perfeito para um jornalista, e suspirou de contentamento.
— Eu começaria assim: ―A encantadora srta. Diana Holland foi vista conversando intimamente...‖
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Dezenove
Todos sabem que em todos os jantares dados desde o início dos tempos os convidados foram
organizados de maneira a alternar os sexos: um homem, uma mulher, um homem, uma mulher etc. É assim
que deve ser, graças a isso muitas anfitriãs já puderam receber parte do crédito por formar casais que
superaram elas próprias em interesse alheio.
GUIA VAN KAMP DE ADMINISTRAÇÃO DA CASA PARA DAMAS DE
ALTA SOCIEDADE, EDIÇÃO DE 1899
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— PERCEBEU ALGUMA COISA DIFERENTE? — SUSSURROU Isabelle para Penelope. —
Uma regrinha que eu quebrei?
Elas estavam sentadas lado a lado na longa mesa de jantar dos Schoonmaker e, naquele momento, a
carne de cervo ao molho porto estava sendo servida. Isabelle usava um vestido amarelo- claro de tule com
um acabamento de renda no decote, que chegou perto demais da manteiga das batatas sauté quando ela se
inclinou para falar com Penelope com sua vozinha infantil.
Penelope de fato notara que todas as mulheres estavam sentadas do mesmo lado da mesa e, embora
houvesse desejado ficar junto de Henry, reconheceu quão genial fora a ideia de colocá-las ali, como numa
vitrine. Poucas das outras podiam se comparar à jovem srta. Hayes, e ter Prudence Schoonmaker à sua
direita deixava seus atrativos ainda mais evidentes. Isabelle, à sua esquerda, passara todo o início do jantar
conversando com Penelope sobre vestidos, um assunto que ela considerava aceitável a qualquer momento,
mas que lhe era particularmente interessante quando tratava dos cortes preferidos de Henry. Prudie,
felizmente, ainda não emitira um som sequer.
— É tão mais divertido sentar assim! - continuou a anfitriã, radiante.
— Maravilhoso — afirmou Penelope, tomando um gole de champanhe. — Logo todas as outras vão
imitar você. Mas precisa tomar cuidado, ou os homens de Nova York vão acusá-la de haver corrompido suas
esposas.
Marcadamente, Penelope deu as costas para Prudie, que fizera um ruído desagradável ao ouvir seu
comentário. Ela riu para Isabelle, mas esta já havia se virado para sua amiga Lucy Carr, uma mulher
divorciada que estava sentada ao seu outro lado.
— Lucy, você precisa saber o que Penny acabou de dizer — disse Isabelle. — Ela disse que todos os
homens de Nova York vão me acusar de ter corrompido suas esposas...
Penelope viu o rosto de Henry por sobre um vaso de orquídeas. Ele estava falando mais do que o
normal, talvez por estar sentado ao lado de Nicholas Livingston, que adorava conversar sobre seus iates.
Henry não a olhara nem uma vez durante toda a noite. Isso provocara uma dor aguda no fundo da garganta
de Penelope, mas não a fizera perder a determinação com a qual viera para aquele jantar na casa dos
Schoonmaker. Na verdade, todo seu corpo estava formigando, tamanha era sua força de vontade. Ela se
vestira para o triunfo com uma roupa feita de gaze, que emoldurava seu colo em babados delicados, e crepe
da China, que cascateava até seus pés, chegando a cobri-los, O vestido era de um rosa tão claro que quase
chegava a ser branco, mas a cor preferida de Penelope — vermelho — surgia nos dois pequenos enfeites
arredondados que havia nos ombros e nas centenas de lacinhos da bainha. Ele lhe caía excepcionalmente
bem; ela passara o dia de ontem todo no alfaiate para se certificar disso.
Os garçons ainda serviam os convidados da imensa mesa, cheiro da carne de cervo estava deixando o
estômago de Penelope embrulhado. Ela franziu o nariz, apesar de saber que aquilo poderia lhe dar rugas.
Penelope jamais imaginara que concordaria com as velhas anfitriãs e suas seculares regras de etiqueta, mas
era obrigada a admitir que de fato era mais correto alternar os sexos dos convidados — afinal, ela jamais se
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divertira muito estando apenas na companhia de mulheres. Naquele momento, a única daquelas senhoras por
quem tinha qualquer interesse era Isabelle. Penelope não podia reclamar dos esforços que esta estava
fazendo para aproximá-la de Henry, mas não estava nada satisfeita embora não o dissesse em voz alta.
Mesmo que Henry estivesse na posição perfeita para admirá-la, sua atenção estava teimosamente voltada
para outros objetos.
Penelope esperou pacientemente enquanto os queijos eram servidos no final da refeição. Ela
verificou seu reflexo no balde de gelo prateado que havia em meio às flores e às bandejas fartas, ajeitando
sua pequena franja escura, que ia atei o meio de sua elegante testa branca. Penelope brincou com a comida
em seu prato e posicionou seus ombros nus para que a luz batesse neles de forma ideal. Ela apertou a mão da
anfitriã duas vezes, e permitiu que a sra. Carr discursasse sobre seu brilhante futuro na sociedade, e sobre
como era bom para todos ali ver um rosto novo.
— E onde anda aquele seu irmão? — perguntou a sra. Carr abruptamente, como se a pergunta já
houvesse lhe ocorrido há muito tempo.
Penelope percebeu que Isabelle havia corado ao ouvir isso, e então deu a versão mais curta do
discurso que fizera para a anfitriã na segunda-feira. Ela acabara de receber um telegrama de Grayson
naquela tarde, e por isso pôde acrescentar:
— Mas ele está a caminho de Nova York, e logo a senhora poderá lhe fazer essas perguntas em
pessoa.
Finalmente, o jantar acabou, e todos os convidados — mais ou menos cinquenta pessoas, todas
empanturradas e embriagadas — se dirigiram ao salão de baile.
— Será que algum dia você vai conseguir alegrar seu enteado? — perguntou Penelope para Isabelle
após haver se sentado entre ela a sra. Carr no sofá de veludo alaranjado que havia no meio do salão.
Sua posição ali no meio fora calculada, pois a divorciada com sua risada exagerada e seus cachos
revoltos, que lembravam a juba de um leão — ajudaria a acentuar o aspecto virginal de sua vizinha.
Penelope arriscou-se a olhar de soslaio para William Schoonmaker, que estava abaixo de um enorme mural
em estilo francês conversando com um homem velho demais para ser considerado interessante. Ela percebeu
que ele a notara. O enfadonho Spencer Newburg também estava por ali e sua irmã, a sra. Gore, olhava para
Penelope com tanta atenção que parecia estar querendo decidir se ela era a pessoa ideal para fazer um
determinado papel numa peça.
— Não tenho ideia! — exclamou Isabelie, inclinando-se sobre Penelope e apoiando seu leque de
seda na saia dela. — Lucy, como vamos fazer para alegrar Henry?
— Se eu fosse você—respondeu a sra. Carr num tom confidencial —, convenceria seu enteado a
dançar com a srta. Hayes.
A sra. Schoonmaker bateu palminhas de alegria ao ouvir a sugestão, que fora exatamente a que
estava esperando, Penelope tinha certeza.
— Oh, mas se ele não estiver com vontade de dançar... — disse Penelope, amuada.
— Tolice.
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Isabelle lançou um olhar para ela que indicava que as duas estavam se compreendendo perfeitamente
e então se levantou e caminhou de forma casual na direção de seu marido, levando a imensa cauda amarela
de seu vestido atrás de si.
Penelope observou sua anfitriã se livrar do homem mais velho — que agora percebeu ser Carey
Lewis Longhorn — e dizer algumas palavras significativas para o sr. Schoonmaker. Então, ela desviou o
olhar para os enormes quadros em grossas molduras douradas que cobriam por completo a parede oposta,
esperando que Isabelle percebesse seu constrangimento por estar sozinha com uma mulher tão extravagante
quanto a sra. Carr no meio de tanta gente. Penelope pegou o leque que havia sido abandonado por sua amiga
e cobriu a boca com ele.
— Não sei por que Schoonmaker está conversando há tanto tempo com Carey Longhorn. O sr.
Longhorn é meu amigo, é claro, mas os dois jamais frequentaram os mesmos ambientes... — comentou a
sra. Carr.
Mas Penelope mal ouviu, pois estava observando atentamente com o canto dos olhos para tentar ver
o que o pai e a madrasta de Henry estavam fazendo. Eles haviam concordado em algo e atravessaram juntos
o salão para ir até o canto onde Henry, incrivelmente, ainda conversava com Nicholas Livingston. Penelope
se preparou, ajustando sua postura para que seu corpo aparecesse da maneira mais vantajosa possível, e se
abanou com o leque.
— O sr. Longhorn foi visto com uma menina bem jovem na ópera outro dia. Pode imaginar? Seria
interessantíssimo se ele se casasse tão velho, e com uma menina que tem idade para ser sua neta!
Penelope não estava prestando atenção. Ela ouviu a melodia tocada por um quarteto no salão ao lado,
respirou fundo e tentou relaxar todos os músculos do corpo. Baixou delicadamente as pálpebras e, ao abrir
os olhos de novo, viu Henry bem na sua frente, vestido com o smoking elegante de sempre. Por cima do
ombro dele, era possível discernir o sr. e a sra. Schoonmaker observando-os. A sra. Carr se levantou, deu
uma piscadela conspícua, e permitiu que o sr. Longhorn começasse a conversar com ela. Penelope se deu
conta de que todos ali estavam cientes de que Henry Schoonmaker estava prestes a chamá-la para dançar.
— Olá — disse Henry.
Penelope no ergueu o queixo, mas seus olhos azuis o encararam.
— Você não sente uma saudade terrível de Elizabeth em noites como esta?
Henry tencionou seu maxilar e pensou por um segundo em como deveria responder a essa pergunta.
— Não apenas em noites como esta — disse ele.
— Oh, eu daria tudo para tê-la de volta — afirmou Penelope, suspirando e deixando que seus ombros
pendessem de tristeza.
— Está se esquecendo de que eu conheço você — retrucou Henry com certa irritação. — E acho que
fica bem mais atraente quando está sendo honesta.
Ouvir aquela referência à antiga intimidade deles era uma sensação quase tão deliciosa quanto teria
sido sentir o toque das mãos de Henry, e Penelope olhou-o sem qualquer vestígio de timidez.
— Assim é melhor — disse ele, sorrindo resignadamente e esticando o braço em sua direção. —
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Disseram-me que nós deveríamos dançar.
Então, Penelope, de fato, sentiu as mãos dele, que pousaram de leve sobre seus dedos enluvados. Ela
permitiu que ele a ajudasse a se levantar e a guiasse até o salão adjacente, onde três ou quatro casais já
dançavam sem grande entusiasmo. Henry estava observando-a como se quisesse compreendê-la e, após seu
último comentário, Penelope não fez qualquer esforço para esconder-lhe nada no olhar que lhe lançou. Os
movimentos dele estavam mais rígidos do que da última vez em que os dois haviam dançado, há tantos
meses, mas o importante para Penelope foi sentir a pressão de sua perna por cima na dela, apesar de todas as
camadas de seu vestido.
— Acho que você está arrasado de verdade — disse ela finalmente, inclinando a cabeça de forma
pensativa.
— Por causa de Elizabeth? — Henry fechou os olhos e baixou a voz, embora não houvesse
necessidade disso. Os músicos no canto estavam tocando alto o suficiente para impedir que os outros casais
escutassem sua conversa enquanto seus corpos rodopiavam pelo salão. — Como eu poderia não ficar
arrasado com esse horror? Mas creio que é típico de sua parte não se preocupar com essas coisas — disse
Henry, num tom de quase afeição.
— Ao contrário, sinto imensas saudades da minha amiga. Mas você se esquece de que ela me traiu.
— Ah, Penelope — sussurrou Henry, enquanto ela via o papel de parede cor de pêssego girar atrás
dele. — Isso pouco importa agora.
— Não, o que importa é que Elizabeth está morta. E isso é uma tragédia.
Henry ficou em silêncio, calculando sua resposta.
— Exatamente — disse ele após algum tempo.
— E é por isso que você não flerta mais com ninguém? Que não quer mais se divertir? Que não me
olha mais daquele seu jeito?
— Não seria correto — confirmou Henry muito seriamente, tocando tão suavemente as costas de
Penelope que ela mal pôde se aguentar em pé.
— É verdade.
Ela sentiu que a luz delicada do salão iluminava suas maçãs do rosto, deixando-as cobertas de
partículas de ouro. Tentou se controlar para não dizer tudo de uma vez, embora seus lábios estivessem
ansiosos para dar a informação.
— Mas você não pensaria assim se soubesse o que eu sei.
Eles agora estavam falando tão baixo que precisaram se aproximar ainda mais um do outro.
— E o que você sabe, Penny?
— Sei que Elizabeth está viva.
Mesmo após tanto planejamento, Penelope ficou surpresa com o prazer que sentiu ao dizer aquela
frase. Os músculos do olho esquerdo de Henry se contraíram involuntariamente, mas ele conseguiu
continuar a dançar quase como antes — apenas um pouco mais depressa.
— Do que você está falando?
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— Ela fingiu se afogar para não precisar se casar com você — explicou Penelope, dando seu sorriso
mais glorioso. — Eu ajudei.
Eles se moveram ainda mais rápido, sem prestar atenção em Adelaide Wetmore e Regis Doyle, o
casal que quase atropelaram.
— Você aj... Onde ela está? — perguntou Henry, observando- a com os olhos arregalados, tentando
decidir se acreditava ou não.
— Na Califórnia. Ela me disse que não gostava de você, Henry. Disse que..
— Então ela não caiu no rio? — interrompeu Henry.
Ele estava piscando os olhos sem parar, e Penelope jamais o vira tão confuso. Ela balançou a cabeça
lentamente, satisfação. Pronto, pensou, agora ele está mesmo pasmo.
— Quer dizer que ela está bem?
— Está, ela...
Mas Penelope jamais soube se Henry percebera a irritação que estava começando a surgir em sua
voz. O cansaço que vinha pesando em seu rosto há meses desapareceu, e ele voltou a ter a velha expressão
marota nos olhos. Henry parou de dançar e se afastou de Penelope, o que fez com que todos os outros casais
estacassem também e, para horror dela, ficassem observando o que estava ocorrendo. Ele passou os olhos
rapidamente pelos outros presentes, sem se incomodar em esconder seu sorriso. Então, pegou a mão de
Penelope e beijou-a.
— Preciso ir...
E, após dizer apenas isso, Henry saiu correndo do salão.
— Oh! - exclamou Adelaide, com a mão direita ainda erguida no ar pelo seu parceiro, o sr. Doyle. —
Espero que ele esteja bem.
Mas a maneira como olhou para Henry indicou que ela estava mais preocupada com o fato de que
perdera sua chance de dançar com o filho do sr. Schoonmaker.
Penelope fechou os olhos com força e sentiu-se dominada pela fúria. Todos à sua volta estavam
achando graça naquela situação. Ela não conseguia se lembrar da última vez em que seus desejos haviam
sido frustrados de forma tão contínua. Ainda podia sentir o cheiro de Henry, uma mistura de conhaque,
cigarros água-de-colônia, e sentir a impressão de sua mão nas costas. Mas a sensação mais forte era a
humilhação de haver sido abandonada durante uma dança, largada no meio daqueles seres inferiores,
sozinha com seu coração partido e as ruínas de seu grande plano.
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Vinte
São muitos os elementos que compõem uma noiva ideal: sua aparência, seus modos, o dinheiro de
seu pai, a família de sua mãe, tudo isso é importante. Mas é claro que ela não será nada sem o ar de pureza
que as mais desejáveis debutantes possuem.
TRECHO DO LIVRO COLETÂNIA DE COLUNAS SOBRE A CRIAÇÃO
DE JOVENS DE CARÁTER, DA SRA. HAMILTON W. BREEDFELT,
EDIÇÃO DE 1899
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HAVIA COMEÇADO A NEVAR DO LADO DE FORA DA mansão dos Schoonmaker, que dava
para a Quinta Avenida. O ar estava mais quente do que Henry esperara, e os flocos eram tão minúsculos que
derretiam em seu nariz como se fossem feitos de bruma. A calçada estava coberta por uma fina camada
branca, onde suas pegadas ficaram marcadas com uma leveza exuberante. Em poucos minutos, o mundo
todo havia mudado. Agora Henry sabia o que o último olhar que sua noiva lhe lançara significava — ela não
preferiu a morte, mas outra vida, uma vida que permitiria que sua irmã caçula ficasse com o homem que
amava. Ele já passara pelos cocheiros dos convidados do jantar, que estavam na esquina bebendo para se
esquentar. Estava a caminho de Gramercy Park.
O número 17 costumava ser a casa de Elizabeth para Henry, um lugar que ele frequentara primeiro
por obrigação e depois com uma pesada culpa, fruto de seu mau comportamento. Antes disso, a mansão fora
para ele mais uma das velhas propriedades das famílias mais antigas de Nova York, cujo senso de
aristocracia vinha ficando cada vez mais fora de moda com o passar do tempo. Mas, naquela terça-feira à
noite, aquela era simplesmente a casa de Diana. Por Henry, todos os outros cômodos podiam ser consumidos
por um incêndio — não faria diferença. A sensação terrível que vinha lhe oprimindo há tanto tempo
desaparecera. Os fatos centrais sobre os quais ela se baseara — Elizabeth estava morta, a culpa era dele, a
juventude era frágil, ele jamais poderia se casar com a única menina que fazia o matrimônio parecer
tolerável — tudo isso se fora com apenas algumas palavras. Só havia uma pessoa com quem Henry desejava
compartilhar essa grande notícia e, por sorte, ela era a irmã da menina que não morrera.
Henry não sabia ao certo quanto tempo demorara a chegar ali. Não parecia ter se passado nem um
segundo, mas devia ter levado uma eternidade, pois entre a mansão de calcário da Quinta Avenida e a casa
menos suntuosa do Gramercy, todos os seus erros haviam sido apagados e ele era, mais uma vez, um homem
sem arrependimentos. Da última vez em que entrara no quarto de Diana ele escalara a treliça, mas agora
estava sentindo uma loucura tão grande que foi diretamente até a porta da frente, descobrindo que ela se
abria com facilidade. Henry não precisou de outro convite e logo se viu no hall escuro da casa. Ele subiu
para o segundo andar, sem reparar em nenhum detalhe à sua volta e, ao chegar lá, escolheu a única porta por
debaixo da qual saia um filete de luz. Dessa vez, Henry nem bateu. Simplesmente girou a maçaneta e entrou.
O pequeno cômodo estava iluminado por uma luz suave, que banhava o papel de parede adamascado,
as estantes de livros e o tapete de pele de urso em frente à lareira, onde não havia fogo. Ali ao lado, ficava
uma velha poltrona dourada, onde Diana estava sentada, com seu vestido de renda branca formando uma
enorme pilha e seus cachos escuros cascateando por suas costas. Ela estava olhando fixamente para um
livro. Talvez pensasse que a porta aberta significasse meramente a intrusão de sua criada pessoal, pois não
interrompeu a leitura. Suas pernas estavam cobertas por uma colcha velha e seus olhos seguiam as linhas do
romance como se ele fosse a coisa mais importante do universo. Ao chegar ao final do parágrafo, Diana
deixou o livro no colo e ergueu o rosto. Ela percebeu que não era sua criada que estava ali; seus olhos se
arregalaram e sua boca se abriu, como se estivesse prestes a dar um grito.
Henry imediatamente se aproximou dela e colocou a mão sobre sua boca.
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— Não grite — disse ele com gentileza.
Diana continuou atônita, mas deve ter percebido algo no tom de voz de Henry, pois não havia mais
tanta angústia em seus olhos. Mas ela permaneceu apreensiva e disse bem baixinho:
— Não tenho ideia do que você está fazendo aqui.
— Eu estou aqui.
Henry estava se sentindo o mais absurdamente sortudo dos homens, e deu um sorriso com a intenção
de demonstrar que não desejava estar em nenhum outro lugar do mundo.
Mas Diana continuou a observá-lo da mesma maneira e disse:
— Estou vendo.
— Di...
Ele colocou um joelho no chão e tentou pegar a mão dela, que se afastou rapidamente.
— Nosso último encontro acabou com qualquer vestígio de nossa amizade, sr. Schoonmaker. Se o
senhor de fato acha que pode me seduzir sempre que quiser, devo assegurá-lo de que está errado.
Henry ficou confuso com essa versão tão fria de Diana, e tentou buscar em sua vasta experiência com
as mulheres qualquer coisa que lhe ajudasse a lidar com aquela situação. Contudo jamais vivenciara algo
parecido antes. Ele abriu a boca algumas vezes, mas não conseguiu emitir nenhum som. Decidiu pegar a
mão de Diana de novo e, dessa vez, ela permitiu — embora ainda sem nenhum entusiasmo. Finalmente,
Henry encontrou as palavras.
— Elizabeth está viva — disse ele.
Diana fechou com um estalo o livro que estava em seu colo e se empertigou. Ela não tirou a mão de
dentro da dele — um bom sinal, que deixou Henry ridiculamente satisfeito —, mas continuou a encará-lo
como se estivesse avaliando-o. Até que, finalmente, admitiu, com uma voz menos gélida:
— Eu sei.
— Você sabe? — disse Henry, um pouco chocado, mas sem se deixar abalar. — Mas naquela manhã,
depois que você passou a noite comigo na estufa... eu vi Elizabeth... pensei que ela.., talvez não quisesse
mais viver.
— Não — disse Diana, devagar. — Ela está viva. E acho que está feliz.
— Bom, então não há problema! Se ela está bem, se não está morta, se é verdade que nunca quis se
casar comigo e que tudo isso foi um colossal engano, então nós dois podemos ficar juntos. Podemos...
Henry se interrompeu e ergueu as sobrancelhas para completar seu pensamento. Ele se deu conta de
que o joelho que pusera no chão estava dolorido, e sentou-se ao lado da poltrona de Diana.
— Você devia ter me contado há muito tempo.
Diana não estava mais tão pálida, mas ainda o olhava com certa cautela. Era quase doloroso vê-Ia ali
em seu quartinho, com suas paredes cor de salmão e seus livros. Fora naquele quarto que ela crescera.
— É um segredo — disse ela. — Prometi a Elizabeth. Se alguém descobrir...
Subitamente, Diana arrancou sua mão da dele e fechou a gola de renda do vestido, protegendo seu
pescoço.
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— Como você descobriu?
— Foi Penelope quem me contou. Acabou de me contar, há menos de uma hora. Minha madrasta
estava dando um jantar...
— Você e Penelope estão juntos?
Diana ficou de pé e se afastou de Henry, indo na direção de sua cama estreita cuja cabeceira era
forrada de seda rosa-clara.
Não havia ocorrido a Henry que Diana talvez sentisse ciúmes de Penelope, mas nem com isso sua
sensação de leveza e liberdade diminuiu. Ele se levantou também, colocando as mãos nos bolsos, e encarou-
a durante um longo tempo, cheio de carinho.
— Eu e Penelope não estamos juntos.
— Tem certeza? — retrucou Diana amargamente. — Como eu poderia acreditar nisso? Não sou
cega, sabia? E não sou burra. Vejo muito bem como ela olha para você. E sei o que já houve entre vocês.
— A forma como Penelope me olha não diz nada sobre os meus sentimentos, que são exatamente o
que eu disse que são.
Não sinto nada por ela. Sempre fui honesto com você, não fui? — disse Henry num tom mais suave.
— Fui eu mesmo quem lhe contou o que havia ocorrido entre mim e Penelope, então por que mentiria
agora?
— Não sei. Porque é um cafajeste.
O rosto de Diana mostrava indignação, mas sua respiração estava presa e ele quase podia ouvir seu
coração batendo forte. Henry percebeu que, claramente, ela estava em conflito consigo mesma, e que não
sabia no que acreditar. Ele ficou olhando-a com todo o peso de sua sinceridade e então se aproximou, pegou
seu rostinho entre as mãos e beijou sua boca entreaberta.
O beijo durou muito tempo e, quando terminou, Diana sussurrou:
— Você não é um cafajeste.
— Está tudo bem - afirmou Henry, brincando com um dos cachinhos dela. — Sua irmã está viva, Di,
e isso significa que não há nenhuma tragédia aqui, nenhuma traição. Se nós quiséssemos, poderíamos...
Ele foi interrompido pelo som da campainha lá embaixo, um som baixo porém definitivo, que ecoou
no silêncio da casa. Os olhos de Diana passaram por todo o quarto e se encontraram com os dele. Ela estava
assustada e, quando a campainha soou pela terceira vez, disse:
— Será que é Elizabeth?
— Elizabeth? — disse Henry, achando que não era provável, mas não querendo descartar nenhuma
possibilidade depois de tantas surpresas. — Mas ela não entraria sem tocar a campainha? Foi o que eu fiz, e
nem moro aqui...
Outra menina qualquer, diante da hipótese de ser descoberta em seu quarto com um homem que não
era seu marido e nem seu noivo, teria se sentido culpadíssima e ficado apavorada com sua ruína iminente.
Mas não Diana. Ela mordeu o lábio, estendeu seu pescoço branco e então levou Henry até a porta do quarto,
que abriu com determinação. Os dois saíram em silêncio e atravessaram o corredor, com Diana na frente
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guiando Henry, segurando sua mão com afeição e confiança. No topo da escada eles estacaram, escondendo-
se atrás de uma parede. A luz do halI havia se acendido.
— Sr. Cairns! — disse uma voz feminina que Henry não reconheceu. — Faz tanto tempo que não o
vemos. O que o traz aqui tão tarde da noite?
Diana olhou para Henry e ele viu que seus lábios redondos estavam formando as palavras ―Tia
Edith.‖
— Sinto muito pela inconveniência, srta. Holland. Estou vindo de Boston, e teria chegado numa hora
bem mais apropriada se o tempo não houvesse piorado tanto. Venho querendo visitá-las desde que soube da
trágica morte de Elizabeth, mas fui impedido pelos meus negócios. Ouvi falar dos problemas que sua família
tem tido e...
— Sr. Cairns, por favor, não há necessidade de se explicar. Pedirei à criada que prepare um quarto
para o senhor. Por enquanto, passemos à sala de estar. A sra. Holland está doente, e não poderá recebê-lo.
Mas chamarei a srta. Diana e...
Edith continuou a falar lá embaixo, mas, ao ouvir seu nome, Diana virou-se para Henry com medo.
Ela se aproximou dele sem um propósito definido e ergueu seu queixinho. As sombras que escondiam seu
rosto só o fizeram querer vê-la melhor, e — Henry precisou desviar o olhar para espantar a vontade de
pressionar seu corpo contra o dela.
— Você precisa ir — sussurrou Diana.
— Eu sei. Vou voltar em breve. Vou voltar todos os dias e torcer para encontrá-la a sós.
— Faça isso — disse Diana, apontando para seu quarto com ar de tristeza. — A treliça...
Henry já descera a treliça de Diana antes, mas ficara coberto de arranhões e manchas e acabara
fazendo seu pai antecipar a data de seu casamento. Ele não conseguiu deixar de dar um sorrisinho safado
para ela, apesar do perigo.
— Não, a treliça de novo, não.
Diana comprimiu os lábios e olhou em torno.
— A escada dos fundos, então.
Ela indicou a porta. Henry estivera tão absorto pela pele e pelo brilho dos olhos de Diana que só
então se deu conta de que o diálogo do andar de baixo cessara, e de que alguém estava subindo a escada
principal. Ele correu para a porta que Diana mostrara e, sem nem poder olhar para ela mais uma vez, desceu
a escada estreita usada pela criadagem. Estava prestando atenção no som cada vez mais alto dos passos, e
não parou para pensar no que poderia encontrar no andar de baixo. Entrou furtivamente na cozinha e viu as
costas de uma empregada de vestido preto, inclinada sobre o fogão.
Ela estava cansada — dava para ver pelos ombros encurvados — e seus cabelos vermelhos, que lhe
caíam pelas costas, não estavam muito bem presos. Devia ter acordado com a campainha, agora parecia
estar fazendo chá e preparando uma bandeja com uma lentidão que não teria sido tolerada se fosse mais
cedo, ou se aquela fosse outra casa. Henry se esgueirou, colando-se à parede e pisando com cuidado nas
tábuas de madeira do chão. Seus pensamentos estavam tão frenéticos e seu sangue corria tão rápido que ele
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ficou chocado quando sua presença não foi notada. Mas a menina continuou trabalhando, diligente e
sonolenta, e Henry conseguiu chegar ao hall de entrada sem que ela o visse.
Havia uma lâmpada acesa lá, mas nenhuma presença humana. Henry era rápido, e em poucos
segundos estava do lado de fora, passando pelo portão de ferro do belo parque, que no momento estava
coberto por uma camada branca cada vez mais grossa. Ele estava ofegante. Conseguira escapar incólume.
Há apenas alguns minutos, ele e a menina detentora de toda sua afeição haviam corrido um grande risco,
mas agora esse risco se fora. A boa fortuna deles melhorou ainda mais o humor de Henry, fazendo com que
ele se lembrasse de que tinha o mundo nas mãos. Havia tempos não se sentia tão livre.
Henry atravessou a rua, cujo cobertor de neve refletia a luz arroxeada dos postes, e encaminhou-se
para o norte da cidade. Na esquina noroeste do Gramercy ele encontrou um pequeno grupo de homens
usando casacos e cachecóis e cantando ―Noite Feliz‖ com todo seu fôlego. Henry parou e ficou observando-
os, sentindo que haviam sido colocados ali justamente pata expressar sua alegria. Um dos homens viu Henry
e imediatamente lhe a deu o braço, fazendo com que ele se juntasse ao coro, que estava indo na direção da
Quinta Avenida.
— Não sabia que o Natal estava tão perto — disse Henry quando a música acabou.
Ele não reconheceu nenhum daqueles homens, embora eles estivessem bem-vestidos.
Aparentemente, o grupo havia saído de uma festa.
— Está, amanhã já é dia vinte! — respondeu jovialmente o homem que lhe dera o braço, tirando uma
garrafa de metal do bolso do casaco. — Qualquer coisa é motivo para tomar um conhaque. Beba um pouco
— ofereceu ele com a voz pastosa.
— Muito obrigado agradeceu Henry, dando um gole em homenagem ao desaparecimento de suas
preocupações e à reconciliação com sua garota.
— Meu amigo, você conhece mais alguma cantiga de Natal?
Henry já fora obrigado a participar de corais muitas vezes na vida, mas, naquele momento, só
conseguiu lembrar de ―Noite Feliz‖ mesmo.
O grupo morreu de rir ao ouvir isso, e voltou a cantar a música desde o começo. Eles cantaram ainda
mais alto, e Henry achou a mensagem ainda mais significativa dessa vez. Ele tomou mais um gole e cantou
também, atravessando alegremente a avenida e pensando em Diana, em seus lábios molhados e no belo
futuro que os dois teriam juntos.
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Vinte e Um
Com tantos meios de transporte disponíveis hoje em dia, é possível evitar uma chegada no meio da
noite ou nas primeiras horas da manhã, como todo hóspede educado sabe muito bem. No entanto, uma
anfitriã nem sempre pode escolher quem fica em sua casa de acordo com os modos, e deve se preparar para
estar apresentável sempre que for requisitada.
GUIA VAN KAMP DE ADMINISTRAÇÃO DA CASA PARA DAMAS DE
ALTA SOCIEDADE, EDIÇÃO DE 1899
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DlANA ENTROU NA SALA DE ESTAR DE SUA CASA NAQUELA terça à noite com um ar
tranquilo que teria agradado sua irmã mais velha. Ela usava um vestido preto simples que marcava sua
cintura fina, mas escondia seus outros atributos físicos, e seu cabelo estava mais arrumado do que nunca.
Andou altivamente até a lareira, onde não havia fogo, e perto da qual sua tia Edith esperava, como se
estivesse no meio de uma performance. Diana tinha mesmo a impressão de que diversas camadas de
falsidade seriam necessárias para disfarçar as emoções que estava sentindo. Henry a amava de novo; todo o
seu corpo vibrava com a notícia.
— Olá, sr. Cairns — disse ela, estendendo a mão para o visitante, mas recolhendo-a novamente antes
que ele pudesse beijá-la.
Snowden Cairns fora sócio de seu pai em alguns empreendimentos, e também seu companheiro em
algumas aventuras. Pobre homem pensou Diana. Ele olhava ansiosamente para ela, que sabia que sua pele
estava tão iluminada quanto um pôr do sol no rio Hudson, e que suas pupilas estavam dilatadas de excitação.
— Já faz tanto tempo, não é? — perguntou Diana.
— Faz mesmo, e eu lamento muito por isso. Espero que tenham recebido as cartas que mandei após a
morte de seu pai. E, recentemente, ouvi que sua irmã faleceu. Por favor, minhas profundas desculpas por não
ter podido comparecer aos funerais... Eu estava viajando, e há momentos em que voltar à costa leste é
complicado demais, mesmo nas ocasiões mais graves.
Diana fez um gesto indicando que ele deveria se sentar, e ela própria escolheu a poltrona bergère
puída ao lado daquela que sua tia Edith ocupava. Snowden continuou a dizer coisas gentis sobre sua família,
mas Diana não estava conseguindo prestar muita atenção. Ele lhe parecia ser honesto e bem intencionado, e
bem mais jovem do que ela havia esperado de um homem que era amigo de seu pai. Tinha um nariz pequeno
e quadrado, olhos bem distantes um do outro que às vezes eram castanhos e às vezes, verde-claros, e
sobrancelhas grossas. Não era feio, embora obviamente houvesse passado grande parte da vida em lugares
inóspitos. Seus cabelos eram cheios, muito louros e penteados para trás, e sua aparência em geral era
agradável. Mas Snowden não era Henry. E fora ele que a afastara de Henry naquela noite.
Diana estava revivendo a sensação daquele beijo inesperado quando notou que o visitante ainda
estava de pé.
— Como está sua mãe? — perguntou ele gentilmente.
— Nada bem — respondeu Diana, com um pouco mais de irritação do que pretendera.
Ela encarou a tia, esperando que esta confirmasse a informação; Edith olhou de Diana para o sr.
Cairns, e assentiu gravemente.
— Bem, não é de se espantar — disse o cavalheiro com um gesto que denotava certa impaciência. —
Está gelado aqui dentro. A surpresa é que a senhorita e sua tia não estejam doentes também.
— Nós não estávamos esperando ninguém tão tarde da noite explicou Diana, corando.
Ela viu que Snowden estava olhando para a caixa de metal vazia onde, em geral, a madeira para o
fogo era estocada. Sentiu vontade de contar que estava cuidando de tudo, que a lareira havia sido acesa no
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quarto de sua mãe, na cozinha e até mesmo em seu quarto naquele dia, graças a ela — mas é claro que isso o
levaria a perguntar de onde viera o dinheiro. E Diana não podia revelar o que fora fazer na rua 16 leste. Elas
estavam devendo uma soma tão grande para a distribuidora de lenha que seu pagamento não dera para
muito, e por isso Claire usara a madeira com parcimônia, esperando para ver quanto tempo Snowden ia ficar
na casa antes de decidir fazer um fogo naquela hora tão avançada.
Permita que eu me aproxime, srta. Diana — disse Snowden, agachando-se ao lado dela e fazendo-a
ver que seu rosto era mais feio de que ela imaginara. — Ouvi falar dos infortúnios de sua família e, embora
mal possa acreditar que sua situação financeira esteja ruim, já que a conheci tão bem no passado, estou aqui
para ajudar no que puder. Não precisa ser tão orgulhosa comigo.
Então, Snowden se levantou e foi para as varandas envidraçadas que davam para a rua. Ele deu
batidinhas no vidro, e Diana viu que havia uma carruagem lá fora. Poucos minutos depois, o criado de
Snowden estava acendendo a lareira. Diana estava distraída demais naquele momento para se espantar com
o ato de que havia lenha na carruagem do sr. Cairns. A roupa do criado era parecida com a de seu
empregador: calças marrons simples e um colete de couro preto puído. Mas a camisa de Snowden era feita
de seda cinza, enquanto a de seu criado era de um algodão grosseiro. Diana também notou que ele usava
uma pulseira de ouro que refletia a luz da sala de estar.
— Pronto — declarou o visitante quando havia uma enorme fogueira abaixo do consolo de mármore
da lareira.
Diana ficou aquecida, mas nem assim conseguiu desviar seus pensamentos do único tópico que lhe
interessava.
— É claro que há outras necessidades na casa, e eu cuidarei de todas — afirmou o sr. Cairns. — Mas,
agora, preciso ver sua mãe.
Diana encarou-o, despertando de suas fantasias.
— Como? — disse ela.
— É da mais alta importância.
— O quê?
— Que eu veja sua mãe.
— Oh! — exclamou Diana, ficando de pé, um pouco espantada por estar tão absorta por Henry,
mesmo na presença de um estranho e de sua ria. — Bem... — disse ela, procurando uma desculpa.
— Não creio que a sra. Holland esteja com disposição para isso — explicou Edith, esticando suas
mangas de seda berinjela sobre os braços estofados da poltrona.
— Vou ver se ela está bem o suficiente para recebê-lo — disse Diana antes que Snowden pudesse
responder, usando aquela oportunidade para deixar a sala.
— Obrigado — Snowden fez uma mesura.
Diana encontrou sua mãe na mesma posição que da última vez em que a vira: deitada na cama, com a
cabeça sobre uma pilha de travesseiros. As cortinas estavam fechadas. Mas a sra. Holland conseguira
pentear mais ou menos os cabelos e colocá-los sob o gorro que sempre usava. Seus olhos estavam abertos.
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— O que foi, Diana? — disse ela, sem fingir surpresa.
— É o sr. Cairns, amigo do papai. Ele está lá embaixo e quer ver...
Diana foi interrompida pelo som da porta se abrindo mais uma vez. Ela se voltou com alguma
impaciência, deparando-se com o homem que acabara de mencionar entrando no cômodo. Aquilo era uma
tamanha falta de decoro que até mesmo Diana ficou escandalizada.
— Sra. Holland, mal posso explicar o quanto lamento não ter sido capaz de lhe dar meus pêsames
pelo falecimento de seu marido e de sua filha.
— Obrigada, sr. Cairns. Mas eu li suas cartas, e conheço seus sentimentos.
— Ótimo. Espero que não vá me considerar impertinente se eu lhe disser que ouvi falar de seus
problemas financeiros, e que não acredito nessa situação. Se me permite, sra, Holland, garanto-lhe que não é
possível. Gostaria de lhe oferecer meus serviços para dar um jeito em tudo — disse Snowden, tirando um
envelope do colete. — Trouxe um cheque para a senhora.
Diana, que cumprira com o papel de boa filha e permanecera ao lado de sua mãe, ficou furiosa ao
ouvir isso. Aquilo não era necessário, ela gostaria de ter dito, já que uma solução para todos os problemas de
sua família acabara de surgir. E a solução era um homem muito mais lindo do que Snowden Trapp Cairns.
Diana teve vontade de recusar aquela oferta com rispidez, mas não podia dizer nada sem trair suas
indiscrições. No entanto respondeu algo parecido.
— Não podemos aceitar uma esmola, sr. Cairns, embora seja muito gentil de sua parte.
— Mas isso não é uma esmola — retrucou o sr. Cairns com o ar muito sério. — Eu lhe devo esse
dinheiro há tempos, e na verdade nem é uma quantia tão grande. É a parte de seu marido num
empreendimento bem-sucedido que tínhamos juntos no Klondike. Portanto, se a senhora não aceitar, estará
me transformando num ladrão.
Ele sorriu de uma forma que Diana considerou extremamente Sr. Cairns... — protestou a sra.
Holland.
— Sr. Cairns... – protestou a sra. Holland.
— Eu insisto.
— Obrigada.
A sra. Holland aceitou o cheque com uma humildade que, mesmo naquele estado, foi difícil para ela
fingir que tinha. Ela se inclinou para colocá-lo na mesa de cabeceira, e uma expressão de alívio passou
brevemente por seu rosto.
— O senhor planeja ficar na cidade por quanto tempo? - perguntou a mãe de Diana.
— Nada me obriga a partir nesse momento e, se me permitir, sra. Holland, gostaria de dar uma
olhada em seus papéis. Não consigo entender por que a senhora estaria numa situação tão ruim quanto
dizem... — disse Snowden com certa indignação. - Ou na situação que parece imaginar estar.
— É muita bondade sua, mas eu lhe asseguro que já examinei os papéis, e nossos problemas são
gravíssimos. Mas não importa. Enquanto estiver na cidade, o senhor ficará nesta casa.
Snowden fez uma breve mesura, e bateu suas botas uma na outra.
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— Obrigado, sra. Holland. Conversaremos mais amanhã, eu já a incomodei por tempo de mais. Vou
procurar sua criada. Ela saberá me dizer onde devo me alojar de modo a perturbá-las o menos possível.
Ele pegou a mão de Diana, mas não tentou beijá-la de novo, contentando-se em encará-la dessa vez.
— Boa-noite, srta. Diana.
— Boa-noite — respondeu ela fracamente.
A partida do sr. Cairns foi um alívio para Diana. Aquilo significava que, em breve, ela poderia ficar
sozinha de novo e voltar a pensar em Henry, o que era quase tão bom quanto estar com Henry. A porta se
fechou, e Diana sentiu a mão gelada de sua mãe em seu pulso.
— Di?
— Sim, mamãe? - disse Diana, inclinando-se sobre a cama e vendo sua mãe recostar — se nos
travesseiros.
— Sei que está cansada agora, querida, mas seja boazinha com o sr. Cairns amanhã, está bem?
Diana mal soube que cara fazer. É claro que ela sabia o que sua mãe queria dizer com ―seja
boazinha‖. Queria que ela agisse como não agira como o sr. Coddington, o sr. Newburg ou o sr. Curting.
Mas, naquele momento, Diana sabia que jamais se interessaria por outro homem além de Henry.
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Vinte e Dois
Boas meninas passam o dia a cantar
De sua virtude podem se orgulhar
Já meninas más temem se mostrar
São condenadas, sem nunca cessar
Mas meninas más, quando a noite vem,
Têm sono depressa e dormem muito bem
Já boas meninas reviram-se nas camas
Chorando por aquelas que arderão em chamas
VERSINHO POPULAR, 1898
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O MOVIMENTO DO TREM OBVIAMENTE ACALMAVA WILL, pois, quando Elizabeth
acordou, viu que ele estava dormindo como um anjo. Os restos do almoço que eles haviam comido mais
cedo tinham sido removidos da mesinha que ficava em frente ao assento de veludo vermelho, e pela janela
com moldura de metal dava para ver que já era quase noite. Ou seria quase dia? Ou era muito tarde ou muito
cedo, mas, de qualquer maneira, o funcionário do trem não os acordara para fazer a cama. Elizabeth dormira
tão pouco na noite anterior que era normal que houvesse caído num sono tão profundo no trem. Ela fechou
os olhos e então os abriu mais uma vez.
Elizabeth ficou de pé num pulo. Will se remexeu, mas não chegou a acordar. Os ombros dela
estavam tensos e sua boca, seca. Será que eles já haviam passado por Oakland? Se isso houvesse acontecido,
as chances de Elizabeth salvar sua família haviam ficado para trás. Ela sabia onde as lojas de penhores de
Oakland ficavam, pois Denny lhe contara – mas como as encontraria em outras cidades? Também não fazia
ideia de quão longas seriam as outras paradas. Agora, parecia-lhe impossível levar seu plano adiante.
Ela caminhou pelo corredor do trem procurando algum rosto amistoso, mas tudo era silêncio.
Quando chegou a um vagão que continha uma espécie de sala de estar, viu que lá dentro havia um homem
bem-vestido fumando. Estava tão preocupada que se dirigiu a ele de uma forma abrupta que teria
considerado grosseira em sua antiga vida.
— Nós já passamos por Oakland? — perguntou.
— Já, há algumas horas — respondeu o homem, voltando-se.
Essa resposta deixou Elizabeth tão perturbada que ela não reconheceu o homem até ele pronunciar
seu nome.
— Srta. Elizabeth Holland — repetiu Grayson Hayes, dessa vez com mais ênfase.
Elizabeth encarou o homem e viu que ele era o irmão mais velho de Penelope. Ela não o via havia
quatro anos, mas conhecia bem seu rosto. Ele tinha maçãs do rosto marcadas como as de sua irmã, um nariz
que parecia uma flecha apontada para baixo e um bigode fino que podia ter sido desenhado a lápis. Seus
olhos eram azuis como os de Penelope, e eram um pouco próximos demais um do outro. Elizabeth nunca
entendera por que, mas isso dava a ele uma aparência astuta, e não cômica.
Foi então que se lembrou que todos pensavam que ela estava morta.
Grayson estava olhando para Elizabeth como se conhecesse todos os seus segredos, mas talvez isso
fosse apenas uma velha tática de intimidação dos Hayes. Afinal, ele havia passado os últimos anos fora do
país, e era autocentrado corno todo o resto da família. Talvez soubesse algo sobre ela, mas talvez não
soubesse nada. Elizabeth só tinha certeza de uma coisa: não estava gostando daquele olhar.
Grayson ficara mais amedrontador desde que Elizabeth o vira pela última vez, num baile na velha
casa dos Hayes, em Washington Square. Ele a havia chamado para dançar, o que fora gratificante - Elizabeth
era muito jovem na época e Grayson, um partido bastante cobiçado na cidade — mas a abandonara no meio
da valsa para ir dançar com Isabelle de Ford. Agora estava mais corpulento, e não podia mais ser descrito
como um menino. Seu penteado era parecido com o de Henry. Era o mesmo penteado de todos aqueles
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homens que achavam que o mundo era sua propriedade particular.
— O senhor deve estar me confundindo com outra pessoa - respondeu Elizabeth friamente.
Ela então se virou e correu até chegar a seu compartimento, olhando para trás para se certificar de
que Grayson Hayes não estava seguindo-a. Elizabeth sacudiu Will, que abriu os olhos devagar e sorriu.
Alguns segundos se passaram e ele perguntou o que acontecera.
— Precisamos sair do trem. A voz de Elizabeth estava trêmula, e ela sabia que, se não respirasse
fundo, era capaz de desmaiar. Will compreendeu o nível de sua agitação, pois a expressão alegre
desapareceu de seu tosto. — Precisamos sair daqui o mais rápido possível!
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Vinte e Três
Uma jovem recém-chegada na cidade que queira começar a circular na alta sociedade não está numa
posição invejável. É claro que, se tiver cartas de recomendação ou se sua família tiver uma excelente rede de
amigos, não lhe faltará companhia. Mas é inaceitável que visite pessoas a quem não foi apresentada.
TRECHO DE AS LEIS DO CONVIVIO NA ALTA SOCIEDADE, DE
L.A.M. BRECKINRIDGE
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APÓS A ARRASADORA VISITA QUE FIZERA A PENELOPE Hayes, Lina mal safra de seu
pequeno e perfeito quarto de hotel. Ele lhe parecia mais perfeito a cada hora que passava. Ela sentava na
escrivaninha de madeira polida e olhava para a cama feita do mesmo material, com sua colcha azul que
combinava tão bem com o papel de parede estampado com flores-de-lis, pensando com tristeza no dia em
que não poderia mais se abrigar sob aquele teto dourado. Olhava melancolicamente para o elegante lustre
cujas cúpulas pareciam um buquê de tulipas com hastes de metal. Naquele dia, Lina só deixara o cômodo
para tomar café e ler o jornal, mas não encontrara menção a seu nome em lugar algum. Para se punir,
decidiu ir dormir com fome. Tinha sido gananciosa demais. Se houvesse simplesmente comprado roupas
bonitas, aprendido a se comportar como uma dama e corrido para perto de Will, nada disso teria acontecido.
Mas quisera ser vista e admirada também, e a vaidade a levara a baixar a guarda.
Era quarta-feira. Na sexta, ela teria de ir embora dali.
Agora, todo som que Lina ouvia parecia anunciar sua expulsão do hotel, por mais insano que isso
fosse. Até uma leve batida na porta. Ela ergueu a cabeça ao ouvi-la. Por um momento, perguntou-se por que
o gerente ainda não viera removê-la do quarto. Então, deu-se conta de que teria de deixá-lo entrar primeiro.
Foi até a porta e abriu-a com cuidado. Não havia nenhum empregado do hotel no corredor — só Tristan,
observando-a com seus lindos olhos castanhos. Ele tirou o chapéu para que ela pudesse ver seus cabelos
claros, que estavam um pouco compridos demais e levemente desgrenhados. Ele tinha quase a altura da
porta, e havia um sorriso no canto de sua boca.
— Eles deixaram você entrar assim?
Lina não conseguiu mascarar sua surpresa. Não tinha ideia de como ele chegara até ali sem ser
anunciado, mas, como Tristan estava olhando-a com afeição, ela não se importou muito em descobrir. Pela
primeira vez, perguntou-se se teria sido Tristan quem roubara seu dinheiro, mas a expressão dele agora e a
memória de suas gentilezas no passado a fizeram detestar aquela hipótese.
— Achei melhor trazer a conta da senhorita em pessoa.
— Oh!
O desespero na voz de Lina foi perfeitamente claro.
— Isso não é a forma apropriada de cumprimentar um homem que veio lhe trazer um presente.
Ao dizer isso, Tristan mostrou uma longa caixa marrom com a logomarca da Lord & Taylor na
frente. Ele a escondera sob seu casaco, que estava pendurado em seu braço.
Lina ficou interessada e, sentindo aquele desejo por objetos belos surgir de novo apesar de todas as
humilhações por que passara, estendeu o braço. Tristan sorriu e entregou-lhe a caixa. Quando ela tirou a
tampa, viu um par de luvas de camurça branca envolto em papel de seda vermelho. As luvas iam até os
cotovelos e eram fechadas por uma fileira de diminutos botões de pérola.
— São lindas! — exclamou Lina.
— Um presente de seu maior admirador; achei que deveria ter um par assim, já que passou a
frequentar a ópera.
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Ela encarou Tristan; então ele lera o jornal também.
Imaginei que fosse a srta. Broad que foi mencionada na coluna social. Mas todo esse glamour não vai
impedi-la de me deixar entrar, não é? — perguntou Tristan, já fechando a porta atrás de si e jogando o
casaco na cama. — Espero que não esteja apaixonada por esse velho — disse ele casualmente, avaliando
tudo a seu redor. — Fiquei preocupado quando me dei conta de que fazia tempo que não a via na loja.
Lina virou-se para ele, mas não respondeu ao último comentário. Ainda estava concentrada nas
luvas. Lembrou-se de tudo que arruinara, e sentiu-se dominada pela autocomiseração. Subitamente, sentiu
que ia chorar.
— O que foi?
Havia preocupação na voz de Tristan, e ele pousou a mão no ombro dela. A gentileza de seu toque
fez a situação parecer ainda mais patética a Lina, e ela escondeu o rosto nas mãos para não deixar que ele
visse as lágrimas quentes que lhe saltavam dos olhos.
— Não faça isso, srta. Broad. Não acha que sua reputação está arruinada, acha? Não está, de jeito
nenhum. Eu estava só brincando quando disse aquilo. Todo mundo sabe que a senhorita não está apaixonada
por ele. Se fosse vista muitas vezes com homens como ele talvez tivesse problemas, mas uma notinha numa
coluna não vai fazer mal algum. Além do mais, todos vão estar tão intrigados com uma presença tão nova
que nem vão parar para pensar em seu comportamento.
— Oh, não é isso — disse Lina entre soluços.
Eh, queria ver Will, queria poder confessar a ele todas as suas imperfeições e erros. Mas era Tristan
quem estava ali naquele momento.
— O que foi, então?
Lina respirou fundo e olhou para o vendedor. Seu rosto estava vermelho e seus olhos estavam
inchados, mas Tristan a fitou com tanta compaixão que ela sentiu vontade de lhe contar tudo.
— Minha bolsa foi roubada.
O sorriso de Tristan ficou menos radiante.
— Sua bolsa?
— Foi roubada aqui do meu quarto, na noite da ópera. Tinha mais de duzentos dólares dentro, e
levaram tudo!
— A senhorita precisa avisar à gerência.
— Não, não — disse Lina, sem conseguir encará-lo. — Isso, não.
Tristan pegou as duas mãos dela. Aquela rara bondade só a fez sentir vontade de chorar mais. Fazia
tanto tempo que ninguém a tocava.
— Por quê? — perguntou ele. --Suspeita que tenha sido alguém que conhece? Ou alguém que
receberia uma punição severa demais?
Lina balançou a cabeça com firmeza.
— E por que tantas lágrimas por causa de uma soma tão insignificante? — disse Tristan, rindo com
certo constrangimento. — Bom, é bastante para alguém como eu. Mas para você, querida Carolina, não pode
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ser uma perda muito grande.
— É tudo que eu tenho!
Foi quase bom poder confessar isso, permitir que alguém no mundo soubesse o quão miserável ela
estava.
Tristan deu um passo atrás. O quartinho azul onde estavam era pequeno, mas ele parecia estar a
quilômetros de distancia.
— Mas, e sua herança?
— Não sou herdeira de nada! — gemeu Lina.
A verdade estava surgindo agora, e não havia mais como parar. Ela olhou nos olhos de Tristan, que
parecia estar nervoso, com o cenho cada vez mais franzido.
— Eu sou uma criada. Quer dizer, fui, até os Holland me demitirem. Aquele dinheiro era tudo o que
tinha. Eu o consegui vendendo... deixe para lá. Mas, agora, não tenho mais nada.
O silêncio que se seguiu foi longo e tenso. Tristan largou as mãos de Lina, que soluçou uma última
vez. Ele se afastou dela e sentou-se com ar contemplativo no pequeno sofá de veludo que havia ao lado da
janela.
— É por isso que você odiava Elizabeth Holland — disse Tristan, virando-se para Lina com uma
expressão totalmente diferente. — Você é uma empregada — concluiu ele com nojo.
Lina piscou os olhos e uniu as mãos.
— Achei que fosse uma dama de verdade! — disse Tristan, com um tom quase raivoso.
Por um segundo, ela achou que Tristan fosse ter um ataque de raiva, mas ele a surpreendeu apoiando
o rosto nas mãos e caindo na gargalhada.
— Qual é a graça? — perguntou Lina, quase sem forças, com o coração batendo aos pulos.
—Você me enganou mesmo, srta. Broad... ou Broud seja qual for seu sobrenome. Caí feito um pato.
Lina viu que os olhos de Tristan também estavam molhados, mas não soube se era de alegria ou de
tristeza. Mas ele estava sorrindo, e isso era um bom sinal.
— Parabéns. Você me pegou.
Lina foi até o sofá e sentou-se bem na ponta, sem querer chegar perto demais, e tentou encará-lo.
— Não fique zangado comigo, Tristan — pediu ela baixinho. Não suportaria isso neste momento.
— Não estou zangado com você. Na verdade...
Ele fez uma pausa e riu, como se estivesse achando a situação mais absurda do que engraçada.
— Na verdade, tenho algo a lhe confessar.
O pulso de Lina se acelerou assustadoramente, estavam em frangalhos. Ela tentou sorrir como
Tristan.
— É mesmo?
— Sabe, eu também não sou o que pareço ser.
— É? - Lina ainda estava tentando soar casual, mas ela sabia que seu sorriso estava forçado. — Quer
dizer que não trabalha na Lord & Taylor?
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— Não... não, é claro que trabalho lá. O que quero dizer é que sou como você. Vim do nada, mas
decidi que o nada não era bom o suficiente para mim. Você não é a primeira herdeira que eu conheci... mas é
a primeira herdeira falsa. Dá para lucrar bastante sendo gentil com damas como você... ou com o tipo de
dama que está fingindo ser. É isso que eu faço da vida, minha linda.
— Oh.
Lina não conseguiu dizer mais nada. Estava se sentindo uma idiota. Pela primeira vez, ocorreu-lhe
que fingir ser uma menina rica não a protegia dos aproveitadores que atacavam meninas ricas de verdade.
Talvez algum dia ela pudesse achar graça naquela situação.
— Bem, então adeus — disse Lina após algum tempo, sem querer ficar sozinha, mas sabendo que era
o que merecia. — Não é vantagem nenhuma para você permanecer aqui.
Tristan se levantou e olhou pela janela. O quarto de Lina dava para outro hotel, pontilhado de
pequenas janelas que mostravam as ambições dos outros. Lá embaixo, damas de verdade saíam de
carruagens luxuosas com chapéus importados da França. Dali, elas iriam para iates no Mediterrâneo ou fins
de semana em Tuxedo.
— Oh, eu não diria isso — disse Tristan.
— Eu não tenho mais nada mesmo — afirmou Lina, corando. Ele encarou-a com seus olhos
castanhos.
Ele encarou-a com seus olhos castanhos.
— Não quero tomar nada de você, Carolina. Mas acho que já está numa situação bastante
confortável. Tem o interesse de Carey Lewis Longhorn, para não falar do interesse do sr. Gallant.
Lina não achou que o jornalista que escrevia a coluna ―Gamesome Gallant‖ de fato se chamasse
assim, mas não se sentiu capaz de corrigir ninguém naquele momento.
— Você vai precisar da minha ajuda. Para protegê-la e lhe dizer como agir. Está indo mais ou menos
bem até agora, mas ia acabar se traindo. Por exemplo, vai ter de evitar sair só na companhia desses homens
que passaram a vida toda solteiros. Se não ficar amiga de uma ou duas mulheres, elas jamais a aceitarão, e
isso será a morte de sua vida social — explicou Tristan, apoiando o queixo no punho fechado. — Preste bem
atenção no que estou lhe dizendo. Mas, por enquanto, o mais importante é que o Sr. Longhorn é rico, e ele
gosta de você. Isso significa que logo vai lhe cobrir de joias e presentes, o que é tão bom quanto qualquer
herança.
As esperanças de Lina estavam começando a retornar, mas ela ainda estava receosa. Já fora ingênua
demais, e só arrumara problemas.
— Mas eu não teria de... — perguntou ela.
— Não! Não, não, não — afirmou Tristan, aproximando-se dela. — Isso seria como matar a galinha
dos ovos de ouro.
Lá embaixo, pessoas que não tinham dinheiro para se hospedarem no hotel, mas queriam manter a
aparência de luxo, estavam chegando para almoçar no restaurante. Lina refletiu sobre o que Tristan acabara
de dizer. Parecia-lhe fantasioso demais. Ela passara a vida toda desejando um menino que trabalhava como
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cocheiro. Será que em poucos dias seria capaz de conquistar um comem cuja vida amorosa era relatada pelas
colunas sociais?
— Mas como vou poder continuar aqui sem nenhum dinheiro? Você me trouxe um monte de contas
e, além do mais, vão expulsar do hotel na sexta-feira, quando eu não puder pagar...
— Você se deixa abater por muito pouco. Vai precisar parar com isso. Eu devia ter começado a
ajudá-la mais cedo. Ninguém paga as contas em dia. A gerência aqui do New Netherland deve considerá-la
muito excêntrica! Essa é uma das principais características dos ricos: eles não sabem quanto nada custa,
esquecendo que precisam pagar pelas coisas. Com um pouco de coragem você vai conseguir adiar a
cobrança por tempo suficiente, até convencer o sr. Longhorn a arcar com tudo. E aí você.., e eu... vamos
estar no paraíso.
Lina assentiu, um pouco confusa. Aquele plano de Tristan estava deixando-a nervosa, mas era um
alívio que ele ainda estivesse lá, mesmo depois de descobrir sua verdadeira identidade. Ela não se importaria
de fingir que ia obedecê-lo durante algum tempo. Ouvir aquelas ideias que ele tinha para ela a fazia se sentir
menos miserável, e Lina começou a acreditar que talvez fosse possível obter parte de seu dinheiro de volta.
Não tudo, só o suficiente para comprar uma passagem para o oeste. Aí, ela encontraria Will, e deixaria todos
os seus erros para trás.
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Vinte e Quatro
A riqueza é fluida. Se tiver dúvidas disso, converse com a esposa do investidor de WaII Street que
escreve os convites para suas festas na escrivaninha que já foi de Maria Antonieta.
TRECHO DE AS LEIS DO CONVÍVIO NA ALTA SOCIEDADE, DE
L. A. M. BRECKINRDGE
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O APITO DO TREM SOOU, E OS FUNCIONÁRIOS COMEÇARAM A PEDIR que os
passageiros que ainda estavam na plataforma entrassem. Na sala de espera simples da cidadezinha onde Will
e Elizabeth haviam desembarcado, os viajantes se levantaram dos bancos de madeira e pegaram seus
chapéus, correndo para dentro da serpente de ferro que se preparava para partir. A mesa onde os dois
estavam sentados era bamba e, toda vez que um deles colocava nervosamente o cotovelo sobre ela, seus
copos de limonada ameaçavam derramar. Finalmente, deixou a estação, fazendo todas as janelas sacudirem
e devolvendo a calma ao coração de Elizabeth.
Will ficou de pé e foi até uma janela, observando a plataforma e aqueles que haviam permanecido
nela. Ele esperou o vapor da locomotiva se dissipar e voltou para a mesa onde Elizabeth estava, embrulhada
na capa caramelo com forro de flanela que usara no dia em que deixara Nova York. Ele primeiro esticou os
braços longos acima da cabeça e então colocou as mãos na nuca, pegando um tufo do cabelo e enfiando-o
para dentro da gola de sua camisa xadrez. Will soltou um assovio de alívio e sorriu, mostrando seus belos
dentes fortes.
— Ele já foi, Lizzy — disse ele. — Não precisa mais ficar tão assustada.
Elizabeth deu um sorriso fraco, levantou-se, foi para perto de Will e olhou pela janela, querendo se
certificar de que o que ele dissera era verdade. Estava com menos medo, mas ainda não estava tranquila. Do
outro lado da sala, o pessoal que estivera vendendo fatias de torta e sanduíches de frango começou a fechar a
lanchonete. O dono da banca de jornal estava contando os ganhos do dia.
— Graças a Deus — disse Elizabeth, sabendo que não parecia aliviada quanto deveria.
— Agora, temos doze horas antes da chegada do próximo trem. Acho que a melhor maneira de
passar esse tempo é encontrar uma capelinha para a gente se casar. — Will riu, mas ela sabia que ele estava
falando sério. Ainda se lembrava de quando ele se ajoelhara e a pedira em casamento, logo depois de ela
haver ficado noiva de Henry. — Aí, quando entrarmos no trem dessa vez, não vai precisar fingir que é a sra.
Keller. Vai ser de verdade.
Elizabeth baixou os olhos e engoliu em seco. Há alguns dias, essa sugestão teria lhe parecido muito
romântica, mas, no momento, a fez sentir tudo o que costumava sentir antigamente. A velha culpa de
sempre, da época em que Will era um homem maravilhoso e verdadeiro, e ela apenas uma hipócrita,
preferida da aristocracia nova-iorquina. Elizabeth colocou a mão no bolso do vestido e sentiu a aliança que
estava lá dentro.
— Bom, se você quiser, podemos continuar a viver em pecado. — disse WiII num tom mais suave,
mas ainda com humor.
—Não é isso, eu...
— O que foi?
— O problema é que eu não sei o que vamos encontrar em Nova York. Não sei como minha mãe
está, e nem se Diana arrumou alguma confusão terrível.
Elizabeth precisou fechar os olhos para não chorar. Ela fechou a capa com uma das mãos e apertou a
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aliança com a outra.
— Estou imaginando o pior — continuou ela. — E tenho pensado em dinheiro. E se nós chegarmos
lá e descobrirmos que elas vão ser expulsas da casa, que não têm dinheiro nem para comprar remédios,
que...
— Não diga isso. As coisas não devem estar tão ruins assim, os jornais sempre exageram. E, de
qualquer forma, eu tenho pouco de dinheiro.
— Eu sei. Mas é que... — disse Elizabeth, olhando para Will e depois para as tábuas grosseiras do
chão e passando os dedos pela mesa onde eles haviam se sentado. — Will, eu não lhe contei uma coisa.
Estava pensando em vender algo em Oakland. Isso talvez faça toda a diferença do mundo para minha
família.
Ela encarou Will, que estava esperando a explicação. O único som que havia na sala era o da
conversa entre o dono banca de jornal e a menina da lanchonete.
— É minha aliança de noivado — disse Elizabeth, com a voz um pouco embargada. — A que eu
ganhei de Henry Schoonmaker.
Elizabeth evitara falar aquele nome em voz alta desde que encontrara Will. O som não lhe era
agradável, e ela viu, pela expressão dele, que Will sentia a mesma coisa.
— Ah.
Elizabeth começou a falar bem rápido, tentando afastá-lo do precipício do qual ele estava se
aproximando.
— Eu não quero essa aliança, Will... Mas ela vale muito dinheiro, e achei que talvez a gente fosse
precisar. E não sabia, como eu ia encontrar você... mas encontrei.
— Eu jamais teria permitido que você se perdesse.
Will não estava olhando para ela, e seu maxilar estava tão tenso que era possível ver todos os seus
músculos.
— Eu sei — disse Elizabeth bem baixinho.
— Não estou com raiva, Lizzy. Não precisa ficar assim. Mas é que essa não é uma boa lembrança.
Queria que essa aliança houvesse sido dada por mim.
Já era quase noite, e a luz que entrava pelas janelas dos dois lados da sala de espera da estação era
azulada e melancólica. Apesar de tudo isso, Elizabeth sentiu que estava radiando felicidade.
— Eu nem gosto dessa aliança.
— Não?
Will encarou-a agora, e havia a sombra de um sorriso pronto para surgir em seu rosto.
— Não — garantiu ela, pegando as duas mãos dele e balançando seus braços, para alegrá-lo. —
Gostaria de tê-la atirado no rio, junto com a velha Elizabeth. Mas sou uma menina prática, e quero vendê-la.
Para o caso de minha família precisar muito do dinheiro. Só por isso.
Will deu um sorrisinho torto. Suas mãos grandes estavam segurando as frágeis mãozinhas de
Elizabeth, e os dois balançaram os braços algumas vezes mais, pensando em todas as coisas que ainda
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fariam juntos.
— Um dia, vou comprar a aliança dos seus sonhos para você.
— Eu sei — sussurrou Elizabeth. — Sei que vai.
— Bom, então vamos vender essa daí e nos livrar dela — disse Will, enlaçando-a e levando-a até a
porra da sala de espera, que dava para fora da plataforma. — Aí você vai poder parar de se preocupar com
isso e de criar rugas nesse rosto tão famoso.
— Mas como vamos saber para onde devemos ir? Nunca estivemos aqui antes — perguntou
Elizabeth.
— Todas as estações de trem são iguais — afirmou Will, alegre de novo. — E em volta de todas há
bares e lojas de penhores, para que as pessoas que estão desesperadas para fugir de algum lugar possam
vender seus pertences, ou tomar um drinque enquanto esperam pelo trem. Mas nós não estamos
desesperados. Vamos conseguir um bom preço por essa aliança. Ela já nos deu muitos problemas, e precisa
nos compensar.
Elizabeth abraçou Will e, apesar de estar chegando a uma cidade que jamais visitara antes e que tinha
as ruas cobertas de neve, sentiu-se bem melhor. Sentiu-se realmente calma, pela primeira vez desde que o
telegrama de Diana chegara. Eles estavam usando casacos, o que os fazia ficar com a aparência boa. O ar
estava revigorante, e eles ainda tinham toda sua vida pela frente.
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Vinte e Cinco
D...
Lamento muito não ter podido visitá-la ontem ou anteontem. Meu pai me proibiu de sair de casa, e
colocou guardas para me vigiar o tempo todo. Gostaria de ter escrito antes, mas até minha correspondência
está sendo violada. Você pode vir me ver hoje à noite? Às nove, no mesmo lugar de antes.
H.S.
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— DE QUEM É O BILHETE?
Diana, que estava sentada perto demais da lareira na sala de estar de sua mansão, ergueu os olhos
como quem acorda de um sonho. Por alguns segundos, ela flutuara até outro lugar da cidade, até a estufa
onde passara uma noite inteira, na presença do homem mais perfeito e excitante do mundo. Diana piscou os
olhos algumas vezes, percebendo que o lado de seu corpo que estava virado para as chamas ficara quente e
vermelho. Ela dobrou o bilhete rapidamente e colocou-o no bolso do vestido verde-claro com peninhas no
decote que usara na semana anterior. O vestido, que fora testemunha de sentimentos inteiramente opostos
aos que a dominavam no momento, havia sido escolhido por sua mãe na semana passada, e novamente
naquela noite.
— Oh, não é nada importante - disse Diana a Snowden, que estava sentado do outro lado da sala,
vestindo uma jaqueta feia que parecia ter sido deliberadamente escolhida para fazê-lo parecer um caipira. —
O que o senhor estava dizendo mesmo?
— Estava dizendo que quero ajudar você e sua família, mas não por pena...
Snowden tinha o ar de quem estava vagamente satisfeito consigo mesmo. Ele estava fazendo questão
de se explicar, e Diana era obrigada a escutá-lo, pois sabia que sua tia Edith, que estava nos fundos da sala
fingindo ler um livro de sermões, lhe daria uma bronca caso ela se distraísse. Snowden comprara madeira
suficiente para o inverno todo, encheu a despensa e erguera no canto da sala de estar uma árvore de Natal
que dava um ar de festividade à mansão que teria sido impensável no dia anterior.
— Seu pai estava envolvido nos meus negócios, e nossos lucros no Klondike foram difíceis de
decifrar durante algum tempo...
Diana sorriu, felicíssima, e se concentrou na gola da camisa marrom de Snowden, para poder parecer
estar prestando atenção no que ele dizia enquanto sonhava com outra coisa. Ela estivera pensativa e agitada
desde que o convidado chegara na casa, tentando não parecer rude ou impaciente, mas incapaz de tirar
Henry da cabeça por um segundo sequer. Quando ele não aparecera na quarta e nem na quinta, embora na
terça houvesse prometido visitá-la, Diana morrera de ansiedade e não conseguira comer mais nada,
chegando a se sentir fraca. Fora uma confusão doce, mas quase insuportável. Mas, dessa vez, tinha certeza
de que não se enganara com Henry, e agora este bilhete — que fora entregue por um homem anônimo logo
antes de a noite cair, e levado até ela por uma apavorada Claire — finalmente confirmara que ela agira bem
ao confiar nele.
De certa maneira era uma sorte que Snowden estivesse ali, pois todos os seus projetos para tornar a
casa mais confortável a mantinham ocupada e a impediam de sonhar alto demais. Mas a verdade era que
Diana queria exatamente o contrário.
— O tempo que nós passamos no Klondike... – continuou Snowden.
Diana não se perguntou por que o pai de Henry o proibira de sair de casa, mas imaginou que ele
deveria estar sofrendo tanto quanto ela, e desejando com igual intenção estar na estufa com a cama de metal
simples. Ela se perguntou se haveria uma maneira de calcular aquela divisão do seu eu — que percentagem
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de seu corpo e seu espírito estariam ali, na saia de estar do número 17 da rua Gramercy Park South, e que
percentagem havia sido transportada para aquele lugar maravilhoso com o teto de vidro em abóbada, onde
Diana estava tão perto de Henry que chegava a sentir o cheiro de água-de-colônia em sua pele. Certamente,
mais da metade dela estava longe dali. A chegada daquele bilhete, que agora estava escondido em seu bolso,
havia capturado seus sentidos de tal maneira que Diana quase sentiu os dedos de Henry passando por seu
braço.
— É claro que essa foi apenas uma de nossas aventuras. Fomos procurar fortuna na África do Sul e
na Califórnia também.
Diana se remexeu e assentiu, irritada com aquele homem que não parava de jogar conversa fora. A
linha do maxilar de Henry estava tão clara em sua mente quanto a linha branca do consolo da lareira, onde
Snowden apoiara o cotovelo. Ela via perfeitamente a cor dos olhos de seu amado, mas não saberia dizer se
os de Snowden eram azuis, verdes ou castanhos. Os objetos da sala onde estava — uma sala que vira todos
os dias desde que nascera - lhe eram impossíveis de discernir, pois ela só conseguia pensar no caminho que
tomaria para sair da mansão e ir ar até Henry. Já planejara o que ia vestir, e também já decidira até onde
permitiria que Henry se atrevesse a ir.
— Diana, você está se sentindo bem?
— Estou — respondeu ela, acordando e achando melhor reafirmação. — Estou muito bem.
— Ótimo. Por um momento, achei que estava pálida demais. Mas, se está realmente bem, gostaria de
lhe contar algo que eu e sua mãe discutimos. Falamos sobre como eu conhecia bem seu pai e as esperanças
que tinha para as filhas... esperanças que agora recaíram apenas sobre você, Diana. Falamos sobre o que o sr.
Holland consideraria apropriado e decidimos que, nesse momento, seria importante mostrar ao mundo quão
adorável você é, e quão bem está. Vamos acabar com esses rumores sobre os Holland estarem pobres. Para
isso, eu e você vamos jantar juntos no Sherry’s hoje, com sua tia Edith de acompanhante. O mundo vai ver
como você é linda. Aliás, eu já lhe disse como está bonita com esse vestido? — perguntou Snowden,
colocando a mão no bolso da jaqueta e retirando de lá uma pequena caixa oblonga. - Acho que ele vai
combinar muito bem com isto aqui.
Diana observou-o abrir a tampa de veludo negro da caixa, revelando uma delicada gargantilha de
pérolas que, em qualquer outro dia, a teria feito dizer imediatamente que sim, ela combinaria muito bem
com seu vestido.
— Mas... hoje? — disse ela.
Diana voltara subitamente à sala de paredes verde-oliva. Sua pele estava sendo queimada pelo fogo
e, por mais que ela tentasse, não conseguiu retornar à sua fantasia. Estava presa ali, para seu horror, e seu
corpo tremeu todo com a decepção que sentiu.
Havia planejado passar a noite com Henry na estufa, mas nem teria tempo de mandar um bilhete para
explicar sua ausência.
Snowden não se deixou abater com aquela falta de entusiasmo.
— Sim. Pode imaginar uma noite mais perfeita? Fiz uma reserva para as nove — disse ele,
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colocando a gargantilha no pescoço dela.
O corpo de Snowden ficou entre Diana e o fogo, e ela aproveitou o esconderijo da escuridão para
fazer uma careta, lamentando tudo que ia perder. As pérolas em seu pescoço estavam geladas e o estalo que
o fecho fez ao deslizar no lugar pareceu anunciar o fim de seu sonho.
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Vinte e Seis
...no mesmo jantar, a encantadora srta. Diana Holland foi vista conversando intimamente com o sr.
Teddy Cutting. Ela também foi vista há pouco tempo na ópera com Spencer Newburg e andando de patins
no Central Park com Percival Coddington. Será que a sra. Holland está pretendendo casá-la? É claro que a
posição, a fortuna e a idade de Teddy Cutting o tornam o mais desejável de todos os cavalheiros acima
mencionados...
NOTA DA COLUNA “GAMESOME GALLANT” DO JORNAL NEW YORK
IMPERIAL, SEXTA-FEIRA, 22 DE DEZEMBRO DE 1899
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HENRY CRUZOU AS PENAS E SE MEXEU NA CADEIRA de balanço de madeira, que
posicionara de forma a poder observar toda a estufa da mansão dos Schoonmaker. Estava usando calças com
listras finíssimas e uma camisa cor de creme com abotoaduras que tinham suas iniciais. Ele se vestia bem
sempre, mas tivera um cuidado especial com suas roupas naquela sexta-feira, apesar de estar proibido de sair
de casa desde que celebrara com um coro de bêbados o renascimento de sua esperança de se casar com
Diana Holland. Henry levara pessoalmente cobertores extras para o velho quarto do jardineiro e acendera o
fogão a lenha que havia ali, mas ainda estava preocupado com a possibilidade de Diana sentir frio quando
chegasse.
Ele estava preso em casa havia dois dias e, durante esse tempo, não fizera nada além de se sentir cada
vez mais frustrado e sonhar com ela. Precisara ser bastante ardiloso para conseguir enviar aquele bilhete sem
que seu pai se desse conta.
Mas, agora, já passara muito da hora combinada, e nem havia sinal de Diana. Henry saíra duas vezes
da estufa para ver se ela estava no portão, mas não pudera se demorar muito, com medo de ser descoberto.
Uma hora já se esvaíra desde a última vez que fizera isso, e ele começara a se perguntar se alguma vez
esperara tanto tempo por uma mulher. Já; certa noite, num verão em Newport, aguardara ainda mais por uma
mulher cujo sorriso brilhava com a mesma glória que sua aliança de casamento, e que jamais apareceu.
Naquela ocasião, Henry já havia adivinhado que a senhora não viria, e se embebedara tanto que mal teria
sido capaz de falar se ela houvesse surgido. Ele se deitara na grama e pensara no amor e no matrimônio,
decidindo jamais se deixar prender por nenhum dos dois.
Agora, seu humor estava diferente. Henry tinha certeza absoluta de que Diana estava a caminho, que
ela retribuía o que ele sentia, e que poucos minutos se passariam antes que eles se encontrassem de novo.
Muito poucos.
No entanto, ele não estava acostumado a esperar, e não estava fazendo-o de forma muito graciosa.
Ficou de pé, rodeou a cama simples soterrada em colchas e olhou para o teto abobado da estufa, com seus
painéis de vidro e sua armação de ferro em forma de teia, Respirou fundo, sentindo o rico cheiro de terra do
ar, e ajeitou a gola da camisa. Verificou o estado de sua pele dourada no espelho e perguntou-se se teria
tempo de pegar uma garrafa de vinho na adega. Finalmente, sentou-se de novo na cadeira, cruzando as
pernas na outra direção e começando a mexer numa pilha de jornais que havia numa mesinha de ferro
pintada de branco. O jardineiro devia tê-los levado para lá para ler um pouco enquanto almoçava. Henry
lembrou que precisava perguntar a ele, que agora dormia com uma das costureiras de Isabelle nos quartos
reservados à criadagem, quanto tempo ele passava na estufa antes de marcar outro encontro com Diana ali.
Tinha a intenção de marcar muitos mais.
É claro que isso foi antes de começar a ler os jornais para tentar, em vão, passar o tempo. Henry não
tinha interesse pelos acontecimentos internacionais, pela crise no mercado de ações, pelas críticas de teatro
ou pelo alcoolismo crônico dos cocheiros da cidade. Tinha interesse por barcos e cavalos, tópicos com
ampla cobertura nos jornais daquela semana, e sobre os quais poderia ter lido em qualquer outra ocasião.
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Mas, naquele momento, só queria ler frases que contivessem as palavras ―Diana Holland‖ e, após passar os
olhos por um dos jornais por alguns minutos, encontrou de fato uma frase assim.
A nota começava de forma inocente, descrevendo um jantar na casa de Florence Cutting, que se
casara com Ralph Darroll. Aparentemente, Diana, a sua Di, comparecera àquele jantar; não apenas
comparecera, mas o passara na companhia de seu amigo Teddy Cutring, conversando ―intimamente‖.
Aquela palavra significava para Henry todas as pequenas e irritantes coisas que seu amigo fazia quando
gostava de uma menina: acariciar sua mão, ir pegar qualquer objeto que ela desejasse, ser mais solícito do
que qualquer homem normal teria paciência para ser. Henry leu a nota quatro vezes, deparando-se sempre
com o mesmo terrível conteúdo.
Agora Henry compreendera por que Teddy insistira tanto para que ele terminasse seu relacionamento
com Diana. Teddy a queria para si. Henry amassou o jornal e atirou-o sobre a cama.
Ele atravessou o corredor central da estufa, que era rodeado por jacintos e orquídeas que floresciam o
ano inteiro, com apenas um objetivo em mente. Precisava encontrar Diana e exigir explicações. Antes que
ela lhe desse detalhes de mais, Henry explicaria que Teddy era insuportável, que era bonzinho demais, que
vivia sucumbindo ao decoro, apesar das constantes pressões do amigo para que não o fizesse e mesmo
quando isso ia de encontro a seus próprios desejos. Ele contaria que Teddy, como uma velha matrona, o
encorajara a cortar relações com Diana... mas isso só o fez lembrar da vantagem que Teddy obtivera ao
convencê-lo.
Henry continuou a passar pelos pequenos cômodos do primeiro andar, tentando enc6iitrar um criado
qualquer que pudesse ajudá-lo a localizar um casaco. Ele sabia que estava frio lá fora, e não tinha tempo de
subir as escadas e ir até seu quarto. Estava pensando no casaco e perguntando-se se deveria falar com Teddy,
e não com Diana quando entrou numa saleta e viu que havia gente lá: seu pai, sua madrasta — ainda era
difícil para ele pensar em Isabelle nesses termos — e Penelope Hayes.
— Oh, Henry! — exclamou Isabelle, virando a cadeira onde estava sentada e abanando seu leque
com uma mistura de astúcia e alegria.
Ela usava um vestido de chiffon negro que tinha dobras no busto como uma roupa grega, e
cascateavam por seus ombros como asas. Seus braços finos e seu pescoço estavam cobertos por renda
branca.
— Que bom vê-lo! — continuou sua madrasta. — Estamos aqui conversando só nós três, como é a
moda esta temporada, e estou quase morrendo de tédio. Como você foi o último a envergonhar a família, o
mínimo que pode fazer agora é vir nos divertir.
— Oh, venha, por favor — insistiu Penelope.
Ela disse isso num tom sedutor que Henry conhecia perfeitamente. Estava usando um vestido bege,
mas a cor não lhe caía — bem. A roupa a deixava com a aparência gélida, e sua pele parecia a de uma
menina morta.
— Queiram me desculpar — disse Henry dando marcha à ré e indo na direção da porta.
Isabelle ergueu suas sobrancelhas louras, e Penelope deixou seu leque sobre o colo. Num segundo,
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ele viu que as duas mulheres estavam tramando algo.
— É que eu tenho de...
Mas Henry foi interrompido pelo som da cadeira de seu pai se arrastando no chão. Ele se levantou
pesadamenre, atravessou a sala e agarrou o pulso do filho, dizendo friamente:
— Ah, não. Você não vai a lugar algum. Ou esqueceu que está proibido de sair de casa?
Henry olhou para o fogo que crepitava e para as duas mulheres sentadas ao lado dele. Seu pai o
arrastou para perto delas.
— Sua memória não anda muito boa — disse o sr. Schoonmaker, obrigando-o a sentar-se ao lado de
Penelope.
Há alguns meses Henry teria ficado satisfeito com aquela proximidade, mas, no momento, ela o
desagradou intensamente. Penelope lhe parecera a parceira perfeita uma menina que compartilhava seu
desprezo pelas regras que todos tinham tanto medo de quebrar. Mas, agora, ele percebera que ela só gostava
de quebrar regras quando isso estava de acordo com suas outras maquinações. Penelope também desprezava
os outros, mas queria ser adulada por eles. Ela se tornara um objeto trivial agora que o coração de Henry
pertencia a Diana Holland. Ele cerrou os punhos, furioso com todos que tentavam afastá-lo dela.
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Vinte e Sete
É claro que uma menina pode ter mais de um admirador. Mas não deve ter admiradores de mais, e
precisa ter cuidado com o que promete a eles. Terá de ser mais cuidadosa ainda quando for mais velha, e não
puder dizer que agiu de determinada maneira por ingenuidade. E é claro que precisa ter consideração, e não
permitir que dois de seus pretendentes se encontrem.
TRECHO DA COLUNA “DEBUTANTE,” DA REVISTA DRESS,
DEZEMBRO DE 1899.
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— SRTA. BROAD, QUE SORTE FOI CAREY TÊ-LA ENCONTRADO! — exclamou Lucy Carr, a
mais alegre de todas as divorciadas de Nova York, quando a carruagem do sr. Longhorn parou em frente a
seu prédio na rua 40 leste.
Ao longo do jantar, ela contara sua vida toda a Lina e, na carruagem, mantivera seu braço enlaçado
no dela com uma força que a impedira de se mexer. A noite estava fria, e a respiração de todos formava
nuvens místicas que pairavam sobre seus casacos de pele.
— Estávamos precisando muito de sangue novo em nosso grupo — continuou Lucy. — Todos são
casados menos eu, e isso torna as coisas muito enfadonhas.
— Está se esquecendo de mim — disse o sr. Longhorn do banco em frente.
— Oh, mas você não conta - retrucou a sra. Carr com unia sonora risada.
— Tem razão, minha querida. Sou tão velho que ainda me lembro de quando o Central Park era
apenas um pântano. Mas o jantar que dei estava adorável, não estava?
Lina temera não conseguir receber as atenções daquele velho cavalheiro mais uma vez, mas seus
medos haviam se dissipado quando os dois se cruzaram no lobby do New Netherland e ele a convidou para
jantar. Ela aceitou o convite, e o sr. Longhorn pediu inúmeras desculpas por haver confundido seu
sobrenome na noite em que a levara à ópera.
— Foi maravilhoso, sr. Longhorn.
Lina disse isso num tom tímido e doce, que era a maneira correta de flertar para meninas da sua idade
— ou, pelo menos, maneira como ela vira Elizabeth Holland flertar com os cavalheiros que vinham visitá-la.
Mas os sentimentos de Lina eram mais veementes do que ela demonstrava. O dia fora mesmo maravilhoso.
Eles haviam andado de trenó no parque e jantado numa das saletas privadas do Sherry’s, sobre as quais ela
já lera, onde nunca entrara. Seu nariz ainda estava vermelho por causa do esforço que fizera e do champanhe
que tomara, e Lina estava radiante por ter conhecido tanta gente nova. Ela vira seu reflexo em muitos
espelhos, e sabia que seus olhos estavam brilhantes. O grupo de amigos de Longhorn a havia acolhido de
forma instantânea e, embora aquilo houvesse assustado Lina, ela não se importou. Afinal, não ficaria
naquela cidade por muito mais tempo. O mundo voltara a parecer um bom lugar, e ela voltara a acreditar que
conseguiria dinheiro para ir para o oeste do país.
— Nós chegamos, sra. Carr — observou o sr. Longhorn.
— Oh, sim!
Lucy beijou as duas bochechas de Lina e a fez prometer que a veria de novo em breve. Depois que a
sra. Carr e seu longo casaco de pele desapareceram no lobby iluminado do prédio, a carruagem deu um
tranco e voltou a andar, O sr. Longhorn e Lina permaneceram em silencio até os cavalos chegarem ao New
Netherland, seu destino final.
— Minha querida, não pude conversar a sós com você a noite toda – disse Longhorn, descendo da
carruagem. – Não gostaria de ir até meu quarto tomar um conhaque?
Lina ficou paralisada por um segundo, com um pé para fora da carruagem. Não havia quase
movimento algum na rua, apenas aqueles heróicos prédios com seus detalhes dourados e suas janelas
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rebrilhando. Ela suspirou, deu o braço a Longhorn e desceu também.
— É claro que sim, sr. Longhorn. Eu adoraria.
— É melhor você entrar primeiro, então – sugeriu ele gentilmente. – Não quero que ninguém fique
comentando que foi ao quarto de um velho nas altas horas da noite. Vá para seu quarto, tire seu casaco e em
breve Robert passará lá para ir buscá-la.
Lina mordeu seu lábio inferior, que estava tremendo, e assentiu. Ela entrou no majestoso lobby do
hotel, pisando com leveza no chão de mosaico, e pediu a chave do quarto com tanta segurança que achou
que talvez o sr. Cullen pudesse confundi-la com uma menina com uma suíte mais cara. Então, foi até o
elevador e disse o andar ao ascensorista sem cometer o erro de olhar para ele. A porta de ferro se fechou e
Lina sentiu seu corpo movendo-se verticalmente. Estou subindo cada vez mais pensou ela. Cada vez mais.
— Mais que menina mais altiva! – disse o ascensorista.
Lina ficou chocada com tamanha impertinência e suas bochechas se tingiram de vermelho enquanto
ela esperava o homem se virar para encará-la. Quando o fez, Lina reconheceu o sorriso maroto e os olhos
castanhos de Tristan. Subitamente a luz do candelabro que havia dentro do elevador pareceu ficar forte a
ponto de cegá-la. Lina deu um passo atrás, sem nem se dar conta do que estava fazendo.
— Onde conseguiu esse uniforme?
— Você me subestima, minha Carolina — respondeu ele, ainda sorrindo. — Parece que sua noite foi
boa.
— Foi — confirmou Lina, um pouco mais calma. – Ele me pediu para ir até seu quarto tomar um
conhaque.
— Muito bem! Logo, logo, ele vai estar no papo. Mas tenha cuidado... Se for longe demais com ele,
vai ser tão inútil quanto qualquer empregadinha.
— Pode deixar.
— E pelo amor de Deus, tente arrumar outras companhias. Ser vista com uma divorciada como a sra.
Carr é pior do que não ter amiga alguma.
Lina decidiu não perguntar como Tristan sabia que ela passara a noite com a sra. Carr.
— Vou me lembrar.
— E não fale demais, ou vai acabar se traindo — ordenou Tristan, esticando o braço na direção da
alavanca do elevador.
— Claro, claro.
— E isso é o mais importante de tudo: finja que está tomando o conhaque, mas beba o mínimo que
puder. Ele pode ficar bêbado, mas você não.
Lina assentiu, e só parou quando Tristan mandou. Ela jamais teria sido capaz de adivinhar que ele
faria o que fez a seguir. Tristan se aproximou de Lina, inclinou a cabeça e beijou-a, pressionando-a contra a
parede de couro do elevador. A pele do rosto dele era áspera como areia. Lina respirou fundo, e seu peito
tocou o dele. Era seu primeiro beijo, e seu gosto era doce e amargo ao mesmo tempo. Ela imaginara Will
fazendo aquilo milhão de vezes, mas beijos reais eram muito melhor que os imaginários. Era como se um
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buquê inteiro de flores estivesse se abrindo no sol.
Quando o elevador parou no nono andar, o vestido de Lina já estava desamassado, e ela saiu sem
olhar para trás.
— Prepare-se, srta. Broad — disse Tristan enquanto ela se encaminhava para o seu quarto — Minha
próxima jogada vem agora.
****
Lina ficou surpresa consigo mesma. Estava incrivelmente calma para uma menina que acabara de
dar seu primeiro beijo. Conseguiu se lembrar de não beber conhaque de mais. Sorriu encantadoramente ao
ouvir o sr. Longhorn contar histórias sobre sua casa de campo, seu barco e quais de seus sócios mais o
entediavam. Apesar das dicas que Tristan acabara de lhe dar, ela sabia que fora Elizabeth quem lhe ensinara
a permanecer imóvel, parecendo interessadíssima na conversa de seu interlocutor. Mas Lina não se
importava com isso. Elizabeth lhe tomara tanta coisa — era justo que lhe desse algo em troca.
— Gostaria de levar você a Paris — disse o sr. Longhorn.
Fazia tempo que ele estava falando sobre Paris. O sr. Longhorn esticou preguiçosamente seus longos
braços e pernas, que saíam de um tronco bastante volumoso encoberto por uma jaqueta de smoking de um
vermelho um pouco mais escuro do que aquela que ele usava no dia em que conhecera Lina. Ele acabara de
apagar seu charuto, para alívio de Lina. Ninguém fumava aquilo na mansão dos Holland, exceto Edith, que o
fazia só de vez em quando e em segredo. Por isso, Lina não estava acostumada com o cheiro.
— Paris — continuou o sr. Longhorn com certa melancolia. — Foi lá que ocorreram todas as coisas
boas da minha vida.
Eles estavam sentados em poltronas de couro marrom escuro, na frente da lareira que havia na sala
de estar da suíte de Longhorn. A garrafa de conhaque estava na mesinha do centro, e, nos fundos, estava
Robert, sempre a postos. Era impossível saber que horas eram, mas Lina tinha a impressão de que nunca
havia ficado acordada até tão tarde.
— Todas as coisas boas? — perguntou ela.
— Não — admitiu alegremente o sr. Longhorn.
As rugas de seu rosto velho ficaram mais pronunciadas, e ele jogou a cabeça para trás. Seus cabelos
grisalhos eram mais grossos nas laterais de sua cabeça e logo acima das orelhas, mas ele estava longe de ser
careca.
— De fato, não foram todas as coisas boas. Mas eu passei minha juventude em Paris, e por isso
sempre associo a cidade às minhas maiores alegrias.
Lina deu um leve sorriso. Não sabia bem o que devia dizer e, por isso, seguiu o conselho de Tristan e
permaneceu em silêncio. Alguns segundos depois, viu que essa reação havia sido aprovada por Longhorn.
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— Veja como eu já fui jovem!
Lina ergueu os olhos, quase esperando ver um fantasma. Mas ela viu que o sr. Longhorn estava
apontando para uma parede cheia de retratos que ela observara de passagem quando entrara no quarto,
imaginando que devia ser apenas sua famosa coleção de beldades. Eram todos retratos mesmo, mas, quando
Lina se levantou e se aproximou, viu que uma das enormes molduras douradas continha o rosto de um
homem com vinte e poucos anos. Ele tinha os cabelos negros e um nariz fino que parecia ter sido esculpido.
Mas ela reconheceu as maçãs do rosto e os olhos marotos de Longhorn, e viu que, naquela época, ele já
gostava de usar o mesmo tipo de gola alta. Lina olhou para o retrato e desejou que seu primeiro beijo
houvesse sido com um cavalheiro como aquele.
— Esse é o senhor? sussurrou ela.
— Sim, na época em que todas as meninas me desejavam — confirmou o sr. Longhorn, tomando um
gole de seu conhaque. - Espero que não me ache pouco modesto por dizer isso, srta. Broad. Mas é verdade.
Muitas vezes, várias vezes por dia, lamento ter sido tão vaidoso e não ter me decidido a casar. Se tivesse
feito isso, não estaria tão solitário agora. Mas também não consigo deixar de ficar impressionado comigo
mesmo quando olho para trás.
— Oh, eu não posso culpá-lo — disse Lina, corando um pouco por estar deixando transparecer
sinceridade na voz.
Ela olhou para os retratos de meninas bonitas que rodeavam o de Longhorn, todos aquarelas rosadas
ou pinturas a óleo feitas com grossas pinceladas multicores. Lina desejou estar ali naquela parede, e ser
considerada tão bela que um pintor se sentiria impelido a imortalizá-la. Por um segundo, esqueceu onde
estava e ficou perdida naqueles retratos. E foi então que encontrou o de Elizabeth Holland.
O retrato era pequeno, com uma moldura negra simples, e mostrava Elizabeth de costas, olhando por
cima do ombro com completa autoconfiança. As pinceladas eram leves, e capturavam perfeitamente a
aparência dela: a boca pequena e redonda, olhos grandes, a pele muito branca com tons alaranjados no nariz
e no queixo pontudo. Lina se lembrava daquele vestido de seda rosa claro que ela estava usando.
Lina se virou, torcendo para que seu anfitrião não percebesse o quanto ela ansiava por ser como a
menina no retrato. Ela foi até as janelas grandes que davam para o parque e compreendeu por que seu quarto
no hotel custava tão pouco. A suíte do sr. Longhort tinha diversos cômodos, e era decorada com lindos
móveis antigos. Sua lareira era ainda maior que a da mansão dos Holland. E o mais impressionante era que
da suíte se via um imenso e elegante parque, que se estendia até onde a vista alcançava. Era uma coleção de
árvores desfolhadas cobertas de neve, com prédios por todos os lados, que parecia ser o jardim particular do
sr. Longhorn.
Era o fim de uma noite na qual Lina descobrira como era ser invejada e admirada. Ao observar
aquela vista, ela se deu conta de que, quanto mais vivenciava experiências como aquela, mais tinha vontade
de colecioná-las. Quando se afastou da janela, olhou mais uma vez pata o retrato de Longhorn. Que pena
não tê-lo conhecido naquela época!
— Sr. Longhorn?
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Lina desviara o olhar do retrato e agora encarava o homem de verdade. Suas pesadas pálpebras
haviam se fechado enquanto ela estava na janela, e reabriram-se lentamente.
— Oh... Carolina — disse ele após alguns segundos.
O sr. Longhorn parecia ter se esquecido de onde estava, quando a reconheceu, sorriu de prazer.
— Como você me alegra, minha querida — disse ele, Certa tristeza.
Lina olhou para Robert, que estava usando uma casaca negra e calças da mesma cor. Ele estava
observando-a. Mesmo seus botões dourados brilharam em sua direção.
Até então, Lina se considerara numa posição invejável, mas isso mudou um pouco quando ela viu a
maneira com que Robert estava olhando-a. Seu rosto estava plácido, e ele observava a cena como se já a
houvesse visto muitas vezes antes. Os nervos de Lina estavam prestes a ceder por completo quando o som
da campainha chamou a atenção do criado. Quando Robert abriu a porta, ela viu que os ventos haviam
mudado de direção mais uma vez.
Lá estava Tristan, usando o terno marrom que era o uniforme dos vendedores da Lord & Taylor e
segurando uma assustadora quantidade de envelopes oblongos. Lina sentiu a pressão dos lábios dele nos
dela, como se o beijo houvesse ocorrido há poucos segundos — como se houvesse deixado uma marca.
Tristan passou por Robert e ficou olhando para o sr. Longhorn.
— Lamento interromper, mas procurei a srta. Broad por toda parte.
— O que significa isso? — perguntou friamente o sr. Longhorn, empertigando-se.
— Nunca vi esse homem antes na vida.
A voz de Lina estava rouca, e ela se sentiu como um barco perdido numa tempestade. Tristan
mencionara uma próxima jogada, mas aquilo estava lhe parecendo precipitado demais. Sua confiança
começou a desaparecer. Ela achou que estava a um passo de ser descoberta.
— Srta. Broad, não se lembra de mim? Da loja Lord & Taylor.
— Oh! Mas eu vou a tantas lojas... — disse Lina, vendo que Tristan estava olhando-a intensamente e
sentindo a cor lhe subir às faces. — Acho que minha memória se confunde às vezes.
— A srta. Broad pode esquecer vendedores sempre que desejar — interrompeu o sr. Longhorn. —
Não vejo de que modo isso justifica essa interrupção. Está tarde, e este é o meu quarto particular. Por isso,
diga o que quer ou retire-se.
Há alguns momentos, Longhorn considerara Lina uma beldade como aquelas de sua parede. Mas ali
estava seu amigo vigarista para acabar com essa fantasia. Ela fechou os olhos e esperou por sua ruína.
— Peço desculpas pelo adiantado da hora, mas estou desde as esperando pela srta. Broad no lobby.
São essas contas...
— Contas? Você ousa nos falar de contas a essa hora da noite?
Lina abriu os olhos. O cavalheiro se ergueu da poltrona e, embora ele tenha se apoiado nela para se
firmar, o desprezo em sua voz era assustador, e ela até pensou ter visto Tristan se encolher um pouco.
— Envie as contas da srta. Broad para meu escritório na rua Prince de agora em diante, e não a
importune mais. Sabe o endereço? Muito bem. Robert, leve-o até a porta.
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Lina conseguiu respirar de novo, mas não sabia se devia ficar aliviada ou arrasada. Ela tinha certeza
de que o surgimento de Tristan quebrara o encanto da noite. O sr. Longhorn deu as costas para a porta, e
Lina viu que ele estava com raiva — uma raiva profunda e verdadeira. Ele levou o punho fechado à boca e
tossiu diversas vezes. Tristan se afastou, dando uma piscadela para Lina antes de sair.
— Obrigado, senhor — disse Tristan antes de desaparecer no corredor, com Robert logo atrás.
Quando passou o acesso de tosse do sr. Longhorn, ele olhou para sua jovem convidada.
— Q-que estranho — gaguejou Lina, olhando para a mesinha de centro. — Eu pagarei o senhor, é
claro, assim que...
O sr. Longhorn fez um gesto impaciente, como se estivesse espantando uma mosca.
— Não quero que me pague, minha querida.
— Mas eu poderia — insistiu Lina estupidamente.
— Não, não poderia. Eu sei quem você é, ou acha que ganhei tanto dinheiro assim confiando em
todo mundo?
Lina compreendeu o que ele estava dizendo após algum tempo. Ela estivera esperando aquela frase,
―Eu sei quem você é‖, e ouvi-la agora foi quase prazeroso.
— Não, não acho — disse Lina finalmente.
— Soube quem você era desde aquele primeiro dia no lobby.
Ela começou a brincar com a renda de seu vestido. A vergonha que estava sentindo era quase
insuportável, mas, pelo menos, pensou ela, acabaria em poucos segundos.
— É eu pensei, uma menina tão bonita não deveria ter de se rebaixar só porque não nasceu rica. É
diferente para um homem de talento. Um homem de talento pode trabalhar duro, ganhar algum dinheiro e se
casar com uma mulher de sobrenome importante. Mas não uma menina, a não ser que seu pai trabalhe duro.
Mas eu suspeito que seu pai tenha ido embora muito cedo.
Só agora Lina conseguiu erguer um pouco os olhos.
— Foi — respondeu ela num sussurro assustado.
— Não tenha medo, querida. Eu só desejo sua companhia. Pode deixar que não sou o devasso que
todos dizem. Não quero tirar esse brilho de você. Esperei tempo de mais para me casar, e agora é tarde para
mim. Mas ainda gosto de ter alguém para ir a festas comigo e me dizer o que os jovens andam aprontando.
Se puder fazer isso por mim, prometo que os vendedores e os gerentes de hotel não lhe incomodarão mais.
Suas contas serão entregues diretamente para mim. Você poderá até contratar uma criada e alugar uma
carruagem própria. Garanto que só teria do bom e do melhor.
Lina ficou tão atônita, tão grata, que não soube o que fazer. Então, ela seria imortalizada no final das
contas. Seria mimada, pelo menos. Um calor tranquilizante estava se espalhando por todo o seu corpo, e ela
lembrou que deveria sorrir.
— Obrigada, sr. Longhorn — disse ela, radiante. — Seria tão bom.
— Ótimo. Vá fazer umas compras amanhã. Quero que vá comigo à festa de Natal anual dos
Schoonmaker, e vai precisar de um vestido novo.
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Lina assentiu com um pouco de entusiasmo demais, já imaginando o corte e a cor que escolheria.
— Lamento pela cena feia que teve de presenciar, minha querida — que disse o sr. Longhorn com
muita gentileza. —Jamais falaremos nela novamente.
— Eu também lamento.
Mas Lina não lamentava. Subitamente, ela estava flutuando em águas calmas, sob um sol quente e
brilhante.
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Vinte e Oito
Nenhum homem acredita que a imprensa o descreve de forma correta.
TRECHO DO LIVRO A SOCIEDADE QUE RETRATEI, DE “GAMESONE
GALLANT”, DEZEMBRO DE 1899
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SÁBADO ERA ANTEVÉSPERA DE NATAL, E A ALTA SOCidade de Nova York passou-a sem
grandes festejos. O sol se pôs bem cedo e, para Henry, foi como se ele não houvesse nem aparecido naquele
dia. Ele passara a noite em seu quarto, pensando, dormira mal, e, às cinco da tarde,vira-se novamente
rodeado de escuridão. Parecia que a noite jamais acabava, pois ali estava ele de novo, na mesma sala de estar
com as mesmas pessoas. Havia alguns personagens extras — Lucy Carr e o sr. Gore. Aparentemente,
Isabelle não era capaz de passar duas noites seguidas sem dar ao menos uma pequena festa, e exigira chamar
mais convidados. Em geral, William Schoonmaker não permitia que uma divorciada entrasse em sua casa
duas vezes na mesma semana, principalmente na companhia de um homem que era visto sem a esposa com
grande frequência. Eles quatro estavam jogando bridge — a sra. Schoonmaker, a sra. Carr, o sr. Gore e
Penelope Hayes, que observava Henry como uma ave de rapina, sem, entanto, jamais voltar os olhos em sua
direção.
— Bridge — disse Henry, com o nariz quase enfiado em seu conhaque. — Não dizem que isso é
impróprio para damas?
— Só se você estiver na presença de muitas pessoas, ou num hotel, ou em outro país — respondeu
seu pai, que estava sentado ao lado dele, tomando a bebida preferida do filho para depois do jantar e dizendo
quase nada.
— Ou seja, só quando alguém estiver olhando?
Exatamente. Nem todo mundo gosta tanto de ser olhado quanto você, menino.
Henry assentiu e tomou um gole da bebida. Ele tamborilou os dedos no braço dourado da cadeira
onde estava sentado e refletiu que, se não houvesse sido visto naquela outra noite, hoje estaria livre para sair
de casa e descobrir exatamente o que se passara entre Diana e Teddy. Em vez disso, estava sentado na sala
de estar da mansão de sua família, terrivelmente aborrecido.
Das galerias e salas adjacentes vinha o ruído dos criados preparando a festa que a sua. Schoonmaker
planejava dar na véspera de Natal. Ela já reclamara diversas vezes naquele dia da bagunça em que se
encontrava a casa, assim como da exaustão em que os preparativos a deixavam. Henry se deu conta de que
estava sentado na mesma sala em que seu noivado fora anunciado meses antes, e de que todos os seus
infortúnios tinham origem naquele ato de covardia.
— A sta. Hayes é uma menina tão encantadora.
Seu pai tomou um gole de conhaque depois de dizer essa frase, mas não tentou fingir que ela era
apenas uma observação casual.
— O senhor não costumava achar isso.
— As tragédias mudam algumas pessoas — afirmou o sr. Schoonmaker, remexendo-se em sua
cadeira antiga, que gemeu, e mudando o copo de mão. — Bem, mudam algumas pessoas - acrescentou ele
significativamente.
Henry bebeu mais um pouco e apoiou a cabeça no punho fechado, afastando o corpo de seu pai. Ele
olhou para Penelope, que estava sentada à mesinha de cartas, do outro lado da sala atapetada, usando um
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vestido amarelo claro com contas douradas no decote. Seus cabelos negros estavam presos num penteado
elaborado, e a iluminação do cômodo ao lado acentuou suavemente a curva de seu pescoço longo. Henry já
beijara aquele pescoço muitas vezes, mas não sentiu vontade alguma de fazê-lo agora. Tinha certeza de que
ela estava fazendo pose não apenas para ele, mas também para seu pai, e sentiu-se enojado ao constatar isso.
Então, o mordomo surgiu e anunciou um nome que vinha ocupando muito os pensamentos de Henry.
Antes que a sílaba final das palavras ―Teddy Cutting‖ fosse pronunciada, ele pulou da cadeira e atravessou a
sala. Encontrou Teddy na porta, olhou-o nos olhos e disse apenas:
— Você!
— Olá para você também — disse Teddy, divertido. — Estava jantando no Delmonico’s. Todo
mundo sentiu sua falta.
— Preciso falar com você.
Henry pegou o braço de Teddy, procurando uma saída. Mas, para sua grande irritação, seu amigo
libertou-se dele e foi até a mesa de cartas cumprimentar os presentes, só então permitindo que Henry o
levasse até uma das galerias. Teddy estava sorrindo e usando um smoking que, Henry percebeu, copiava
claramente seu estilo. Seus cabelos louros haviam ficado um pouco escurecidos pelo gel que ele usara para
penteá-los.
— Eu li o jornal — sussurrou Henry com raiva quando eles estavam longe o suficiente dos outros.
Eles tinham ido até uma sala cujas paredes eram de um vermelho muito escuro, e que continha vasos
de cobre com imensas samambaias nos cantos.
— Que jornal?
Teddy estava mantendo um ar de inocência e alegria, o que não acalmou em nada a ira de Henry. Ele
bateu a cartola, que ainda tinha nas mãos, a, como se estivesse entediado.
— Que pena que seu pai proibiu você de sair de casa logo depois de acabar seu período de luto...
Todo mundo perguntou por você.
Estou falando da notinha sobre você e Diana.
— O quê? — perguntou Teddy, parando ao lado de uma ninfa de mármore e finalmente olhando seu
amigo nos olhos.
Na coluna ―Gamesome Gallant‖! — exclamou Henry. – A notinha que dizia que você estava
conversando intimamente com a minha.., com a senhorita com a qual não achava que eu deveria me
envolver nesse momento particular da História!
Teddy olhou para a sala onde os outros estavam rindo de uma piada qualquer. Seu bom humor
desaparecera. Ele bateu o pé no assoalho de parquê e pensou por um segundo em como devia responder.
— Ah, Henry, não é possível que você acredite... – disse Teddy, balançando a cabeça de espanto. —
Aquela nota que deixou Florence tão chateada? Você leu o que dizia sobre minha irmã? Como eu poderia
me preocupar com a parte que falava de mim quando...
O rosto de Henry estava contorcido de fúria. Sua raiva aumentara sem que ele pudesse controlá-la, e
não tinha por onde escapar. Teddy estava observando-o com o ar sério que assumia tarde da noite, depois de
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beber demais, e Henry quase pôde ver sua expressão amedrontadora refletida no rosto do amigo. A alegria
da outra sala parecia estar a quilômetros de distância.
— Eu não percebi o que dizia sobre Florence — disse Henry finalmente, sentindo a garganta
apertada.
— Henry... a sogra de minha irmã e a sra. Holland combinaram que eu deveria levar Diana ao jantar.
Gostei muito da companhia dela, assim como sempre gostei da companhia de Elizabeth, mas você sabe
muito bem que não há nada entre nós dois — disse Teddy com a mesma expressão de antes, fazendo a raiva
de Henry ficar um pouco menos forte. — Essa sua acusação é ridícula.
—Tudo bem, tudo bem.
Hehty suspirou e cobriu o rosto com as mãos. Ele estivera prestes a perguntar por que, então, já que
Diana não estava envolvida com Teddy, ela não aparecera na noite anterior. Mas se controlou, não por temer
chocar Teddy, mas por subitamente desejar protegê-la de novo. Ela e Elizabeth, onde quer que esta
estivesse, guardando seu segredo assim como ele deveria estar fazendo.
— Você a ama — concluiu Teddy.
Henry respondeu sem ironia alguma, o que lhe era muito raro:
— Amo.
Teddy ergueu os olhos para os detalhes de reboco do teto.
— Meu Deus, você só gosta de coisas complicadas, não é?
— É
— Sabe disso, não sabe?
— Sei.
Henry ficou em silêncio. Ele já conhecia Teddy havia muito tempo, mas jamais tivera uma conversa
assim com ele antes.
— Mas também nunca me senti assim — confessou.
Seu amigo observou-o. Alguns segundos se passaram e, pela primeira vez na vida, Henry sentiu
medo de ouvir a opinião de Teddy.
— Então, lute por ela.
Henry percebeu que estava com a respiração presa, e soltou o ar de alívio.
— Mas eu nem posso sair de casa.
Só agora ele tirou as mãos do rosto, e viu que seu amigo estava assentindo. Teddy tocou o braço dele
e se inclinou para ver a sala onde os outros jogavam cartas e se esquentavam perto do fogo.
— Seu pai saiu — disse ele.
Os dois rapazes se olharam e, sem dizer mais nada, voltaram para a sala de onde tinham vindo,
tentando não andar depressa demais.
— Como é insuportável esse menino — disse Teddy em tom de galhofa quando eles se aproximaram
da mesa de cartas, apontando Henry.
— Oh, eu sei! - exclamou Isabelle com entusiasmo, sem, entanto, tirar os olhos de seu jogo.
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O sr. Schoonmaker já observara diversas vezes que jogar cartas era o único vício de Isabelle. Para
Henry, ele estava completamente errado naquela avaliação.
— Eu gosto desse novo Henry — disse Penelope num tom suave que não se parecia em nada com
sua voz normal.
— Vou me deitar — anunciou Henry, tentando não demonstrar a nova energia que estava correndo
por suas veias.
— E eu vou ver o que esta cidade tem a oferecer a um jovem cavalheiro como eu — disse Teddy.
Os dois se afastaram da mesinha de mármore, cruzando o tapete roxo escuro da sala. A luz do Logo
iluminou a figura dourada de Penelope e sua expressão atônita.
— Boa-noite para vocês, - disse a sra. Schoonmaker, olhando para a amiga. — Peço desculpas em
nome do sr. Schoonmaker, ele precisou ir inesperadamente ao clube. Uma emergência política qualquer.
— Boa-noite — disseram os outros.
Henry e Teddy andaram até a porta. Quando chegaram ao hail, Heny virou-se para o amigo como se
estivesse se despedindo dele para sempre. Teddy arriscou-se a olhar para trás uma única vez e então lhe
entregou sua cartola. Os dois deram um aperto de mão e se moveram em direções opostas — Teddy para o
quarto de Henry e este, com a cartola enfiada na cabeça, para a carruagem da família Cutting, que esperava
diante da mansão.
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Vinte e Nove
Talvez a família Holland não esteja numa situação tão difícil assim. O sócio do falecido sr. Holland
Snowden Trapp Cairns — foi visto com a srta. Edith Holland e sua sobrinha Diana no Sherry’s ontem à
noite. A luz vinda das janelas da mansão dos Holland tem estado mais radiante do que nunca ultimamente,
dizem os vizinhos. Mas será que esses novos fatos acabarão com os rumores deque Elizabeth ainda está
viva, ou será que alimentarão ainda mais as imaginações de todos?
NOTA DA REVISTA CITÉ CHATTER,
SABADO, 23 DE DEZEMBRO DE 1899
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— AS MULHERES NUNCA ACREDITAM EM MIM quando digo isso, mas o Yukon pode ser
adorável no verão — disse Snowden Cairns enquanto os restos de pombo cozido eram retirados da mesa dos
Holland. — Os ramos rosados de ervas de Santo Antônio levados pelos riachos, os tremoceiros lilases, as
margaridas, as flores de arnica, todas soltando um pungente perfume... enquanto os tordos e picapaus cantam
suas músicas...
A bochecha macia de Diana estava apoiada em seu punho fechado e suas pálpebras ameaçavam se
fechar. Ela sabia que aquela sonolência não fora o que sua mãe tinha em mente quando lhe pedira para ser
boazinha com Snowden, mas, nos últimos dias, só conseguia se sentir entorpecida ou muito agitada, sem
meio-termo. Mal podia engolir sua comida, sentia a pele gelada apesar das muitas lareiras acesas que agora
havia na mansão, e tinha a cabeça circundada por um estranho calor. Ela estava doente de amor, e pela
primeira vez compreendia por completo o sentido daquela frase. Snowden, seu companheiro constante, não
tornava a ausência de Henry mais fácil de suportar. Diana concluíra no jantar da noite anterior que ele era
chato e repetitivo, e sua opinião permanecia a mesma desde então.
— É claro que isso foi antes da corrida do ouro, antes de tantas cidadezinhas serem erguidas e dos
cafajestes aparecerem aos montes...
O criado de Snowden terminara de levar os pratos, e Edith, que estava diante de Diana, do outro lado
da mesa, lançou-lhe um olhar. Entre ambas havia novas velas, uma pilha de laranjas, a velha toalha de mesa
de crochê e o que restara das baixelas de prata da família.
— Está cansada, Di? — perguntou Edith, interrompendo o solilóquio do convidado.
Elas haviam tacitamente concordado em deixá-lo falar sempre que quisesse, já que ele havia
mandado fazer todos os consertos necessários na casa, comprado alimentos que as Holland não consumiam
havia meses, colocado uma árvore de Natal decorada na sala de estar e localizado novos quadros para
preencher os espaços vazios nas paredes. Não ouvir o sr. Cairns não seria apenas indiferença à boa
educação, mas algo bem pior.
— É mesmo, srta. Diana, você não parece bem — concordou Snowden com um tom de preocupação
que Diana não gosto nem um pouco de ouvir.
— Estou mesmo cansada — mentiu ela. — Exausta, na verdade. Talvez seja esse clima, ou talvez
seja a minha gratidão que me pesa — continuou Diana com sinceridade, mas ainda assim despertando as
suspeitas de Edith. — O senhor fez tantas coisas por nós! Estamos mesmerizadas.
— Então é melhor você ir se deitar — disse Edith com certa severidade.
Diana não sabia se era porque sua tia tinha um rosto tão parecido com o seu que sempre se sentia
compreendida por ela em momentos como esse, ou se ela de fato conseguia ler seus pensamentos.
— A senhorita já ouviu minhas histórias entediantes por tempo de mais — disse Snowden com um
sorriso que Diana poderia ter considerado generoso, se não estivesse predisposta a encarar cada gesto dele
como uma intrusão em seus pensamentos. Por favor, não se canse mais por minha causa. Sua companhia no
jantar de ontem e no de hoje foi um prazer. Espero que tenha forças para fazer muitas outras refeições
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comigo.
Diana deu um sorriso fraco e deixou a meia-luz da sala de jantar com olhos baixos que pretendiam
dar a ideia de que ela lamentava ter de partir. Embora ainda estivesse tremendo de agitação, ela sabia que,
em seu quatro, poderia ao menos tentar dormir e que, se sonhasse, talvez pudesse finalmente encontrar
Henry. Mais cedo, quando os criados de Snowden estavam carregando caixas e mais caixas de lenha e
comida para dentro da mansão, Diana conseguira roubar uma garrafa de vinho do meio da encomenda. Ao
chegar a seu quarto, ela beberia uma taça, ficaria alegre e depois zonza, e logo adormeceria. Não lhe
ocorrera que ela não tinha como tirar a rolha da garrafa e que nem sabia como fazê-lo.
Diana subiu a escada desanimadamente, segurando a saia do vestido para impedi-la de arrastar. Ela
parou com uma das mãos sobre a maçaneta de metal, pensando em descer e pegar um saca-rolhas na
cozinha. Decidiu que era melhor não. Se esbarrasse com Snowden teria de conversar com ele mais um
pouco, jamais conseguiria voltar a seu quartinho quente e seguro.
— Quando abriu a porta, ela viu que não teria sido necessário descer de qualquer maneira.
Pois lá estava Henry, ao lado da garrafa de vinho já aberta. A imagem dele estivera tão vívida em sua
mente que não lhe pareceu estranho vê-lo em carne e osso. A única diferença era que na vida real Henry era
muito mais belo do que em sonho, mas Diana levou apenas um segundo para se acostumar com isso. No
rosto dele havia um sorriso sutil que lhe era muito familiar, e seus olhos pareciam conter uma chama. Henry
estava usando um smoking negro, e havia uma cartola brilhante em seu colo. Ele não se moveu, mas cada
centímetro de seu corpo parecia vibrar. Diana recostou-se na porta para fechá-la, e tateou em busca do trinco
sem tirar os olhos de Henry. Teve medo de que, se desviasse o olhar, ele pudesse desaparecer.
A luz do quarto vinha de uma única lâmpada que ficava ao lado de sua cama e da lareira já quase
sem fogo. Henry estava sentado ao lado desta, na poltrona com o estofado dourado gasto, onde Diana
pensara em se posicionar para ler alguns poemas antes de ir se deitar. As brasas davam à pele dele um brilho
ainda mais forte do que o normal. A impressão de Diana era de que Henry não havia piscado os olhos nem
uma vez desde que ela entrara no quarto.
— Você roubou meu lugar — sussurrou ela.
Diana se afastou da porta e atravessou o quarto, pisando sobre o tapete de pele de urso para chegar
até ele. Ela pegou a cartola do colo de Henry com um ar maroto, colocou-a em sua própria cabeça e sentou-
se sobre suas pernas. Ele enlaçou-a com um dos braços e colocou a outra mão em sua coxa, encarando-a.
Diana sentiu o cheiro de Henry, e, finalmente, teve certeza de que não estava sonhando.
— Gostaria de poder retrucar que você roubou minha cartola, mas ela não é minha.
— Não?
— Não, é de Teddy Cutting.
A expressão de Henry não mudara, mas Diana viu que ele pronunciara aquele nome de uma maneira
diferente. Sua confusão foi momentânea, e então ela se lembrou, num átimo, de um apartamento na rua 16
leste, de uma sensação de desespero e de uma fofoca que ela própria criara. Ela tirou a cartola.
— Ah, você não pode estar pensando...
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— Não, mas gostaria de ouvir da sua boca.
— Foi uma brincadeira boba, Henry — respondeu Diana, atirando o chapéu na cama e retorcendo a
longa saia branca de seu vestido. —Não há nada entre nós. Foi quando eu pensei que você e Penelope...
— Chega.
Diana viu a luz brincando nos olhos dele e concluiu que, se Henry realmente havia sentido ciúmes
daquela notinha, então ela podia esquecer o incômodo que seu namoro com Penelope sempre lhe causara.
Ela aproximou seu rosto do de Henry e esperou que os lábios dele tocassem os seus. Ele beijou-a repetidas
vezes, primeiro de forma lenta e suave e então com cada vez mais ânsia. Henry tinha as mãos em seus
cachos e, depois, na cintura de seu corpete. Diana ouviu vagamente o som que seus sapatos de salto alto
fizeram ao cair ao chão, primeiro um, em seguida o outro. Pareceu-lhe muito natural que seus cabelos
houvessem sido soltos e estivessem pendendo sobre seus ombros. Diversos minutos haviam se passado,
embora Diana não fosse capaz de dizer quantos, quando Henry afastou seu rosto do dela.
— Eu amo você.
Ele disse isso baixinho, com toda a sinceridade do mundo. Não como ela imaginara aquelas palavras
sendo ditas tantas vezes pelos personagens de seus livros. Sem desespero, sem súplica, sem raiva, insistência
ou lascívia. Henry disse aquilo apenas com a intenção de ser compreendido.
A resposta de Diana foi um sorriso radiante e incontrolável.
— Você sabe que eu nunca amei Penelope, e que nunca vou amá-la — disse Henry, sem nenhum
traço de malícia nos olhos. — Os outros vão achar errado. Eles não sabem que Elizabeth está viva... vão
achar que eu quis substituí-la com sua própria irmã. Não sei a posição em que sua família está agora, mas
nosso caso não vai ajudá-la em nada.
Diana ergueu o queixo e encarou-o.
— Não é errado para mim.
— Não quero que você faça nada que vai lhe fazer sentir...
Mas ela já ouvira o suficiente, e interrompeu Henry com um beijo longo e úmido. Quando o beijo
acabou, Diana puxou-o para o tapete de pele de urso. Henry apoiou-se no cotovelo e olhou-a por diversos
segundos, durante os quais Diana como a modelo de um artista sendo estudada para uma pintura. Ele pegou
a garrafa de vinho, que estava no chão ao lado da poltrona, e bebeu um grande gole. Diana pegou-a das
mãos dele e bebeu também. Os dois não disseram mais nada.
Henry aproximou seu corpo do dela com mãos cuidadosas e olhos atenciosos. Ele tirou o paletó do
smoking e depois a meia-calça de Diana, examinando seus pezinhos. Beijou seus calcanhares e a parte
interna de seus joelhos. Diana estava tentando permanecer imóvel, e percebeu que havia se esquecido de
respirar. Quando suas bocas se encontraram novamente, ela havia perdido a noção de tudo, e nada mais lhe
importava.
Henry perguntou mais uma vez se ela tinha certeza, e Diana assentiu, dizendo a mesma coisa para si
mesma em silêncio.
Ela sentiu uma dor fina no começo, e se perguntou por um momento se era a primeira mulher do
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mundo nascida sem a capacidade de cometer o pecado original. Então, Henry sussurrou em seu ouvido e o
tempo passou — quanto tempo, da jamais saberia dizer. Diana viu que seu corpo instintivamente se movia
contra o dele de uma maneira que ela, nem em suas mais loucas fantasias, se imaginara fazendo.
Mais tarde, no meio da noite, ela acordou e percebeu que Henry estava examinando seu ombro nu.
Os dois se olharam. Diana foi até a cozinha para pegar água para eles, mas passou praticamente a noite toda
deitada no peito de seu amor, apertando-o contra si com toda força.
****
Diana não sabia bem quando caíra no sono, mas, quando acordou, deu-se conta imediatamente. Ela
ouviu o som da maçaneta sendo virada e abriu os olhos, vendo seu quarto banhado pela luz da manhã. Tudo
ao seu redor estava branco e cintilante, e Diana pensou: Não sou mais virgem. Não sou mais uma menina.
Seu corpo estava diferente; ela sentiu-se dolorida, mas experiente, preparada para tudo que o mundo tinha a
oferecer.
Naquele momento, a porta se abriu e Diana encarou sua criada pessoal. Claire estava segurando uma
jarra de porcelana azul e branca. Diana seguiu o olhar dela e viu o belo rosto de Henry adormecido a seu
lado no tapete de pele de urso. Ele era ainda mais bonito de manhã e assim, bem de perto. O fogo da lareira
se apagara durante a noite. Quando Diana olhou de novo para a porta, ela fora fechada novamente. Que bom
que era só Claire, pensou ela, aninhando-se no corpo quente ao seu lado e fechando os olhos com satisfação.
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Trinta
O valor dos segredos está sempre flutuando. Mas as damas que circulam na alta sociedade há muito
tempo já aprenderam que guardar um às vezes mais vantajoso do que contá-lo.
TRECHO DO LIVRO O AMOR E OUTRAS TOLICES DAS
FAMILIAS RICAS DA VELHA NOVA YORK DE MAEVE DE JONG
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LINA CAMINHOU POR ENTEL A GRAMA BRANCA E MARROM E AS árvores desfolhadas
da Union Square num passo que não era apressado e nem descuidado. Ela andava como uma menina que
acabara de comprar um casaco de pele novo, o que de fato fizera. Ele era feito de lã persa, com uma gola
alta de chinchila, e Tristan a ajudara a escolhê-lo aquela manhã. Lina estava tentando caminhar como
Elizabeth Holland: como se sentisse uma sublime indiferença ao frio e às meninas com roupas menos
sofisticadas que olhavam admiradas para as ricas peles que ela usava num simples passeio, e para a criada
que a seguia obedientemente. É claro que ela não era uma criada de verdade; mas Lina, por precaução,
pedira que sua irmã andasse atrás dela hoje.
— E se nós encontrarmos a sra. Carr, ou um dos outros amigos do sr. Longhorn? — explicara ela.
Claire, aturdida com a ideia de que sua irmã mais nova estava socializando-se com aquelas pessoas,
concordara sem reclamar.
— É lindo esse regalo — disse Claire.
Ela estava se referindo ao agasalho para as mãos feito do mesmo material do casaco que Lina
comprara havia uma eternidade com o dinheiro que Penelope lhe dera. Suas mãos estavam protegidas do
vento frio por ele agora, como um par de mãos brancas que jamais houvessem trabalhado na vida.
— Não é? — disse Lina por cima do ombro.
Mas o regalo não lhe parecia mais tão especial agora que ela possuía o casaco. Lina achou que, com
aquela gola, seu pescoço parecia mais longo, mais imperial, como o pescoço de uma menina chamada
Carolina. Em momentos como esse seu amor por Will diminuía um pouco, e ela pensava que poderia
suportar ficar em Nova York só mais um tempinho, para praticar melhor suas maneiras. Certamente os
transeuntes, ao vê-la abrigada por um casaco daquela qualidade, considerariam as sardas de seu rosto
exóticas, e a cor de seus olhos impossível de definir como verde ou cinza. Mas havia sido o regalo que
Claire notara - e Lina, sentindo que aquele era um bom mote para começar a relatar as histórias de seus
fantásticos novos amigos, mentira, dizendo que fora Longhorn que o comprara para ela, junto com o casaco.
— Você precisa tomar muito cuidado com ele — disse Claire.
— Vou tomar, pode deixar.
Lina não sabia bem por quê, mas esse comentário a fez estremecer. Não fora a intenção de Claire,
mas ele a fez lembrar quão tênue era aquele glamour, mesmo após ela haver aceitado a proposta de
Longhorn. Naquela manhã, Tristan havia brigado com ela mais uma vez, por uma falha que estava
incomodando Lina cada vez mais: ele disse que a carreira social dela seria muito curta se não fizesse
amizade com outra mulher além da sra. Carr.
— Afinal, eu sei muito bem como cuidar dessas coisas — continuou Lina.
— Isso é verdade.
Elas estavam passando por bancos de ferro trabalhado, atravessando o pátio octogonal de pedra, e
Lina sentiu os últimos traços de gelo sendo pulverizados por seus saltos altos. Estava frio demais naquele dia
e, por isso, havia pouca gente no parque.
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— Mas eu me pergunto o que o sr. Longhorn espera ganhar em troca desse presente.
— Ah, não precisa se preocupar com isso. Tristan disse...
— Quem é Tristan?
Lina parou de andar e revirou os olhos para o céu. Aquele nome lhe causava confusão e prazer ao
mesmo tempo. Ela não falara de Tristan para Claire quando achara que ele era apenas o vendedor de uma
loja, e certamente não sabia como descrevê-lo agora que havia descoberto quem ele era de verdade. Ou, pelo
menos, que ele era mais do que parecia. E que ele a havia beijado. Quando Lina pensava em tentar explicar
tudo a sua irmã, ela se perguntava se aquela história toda não era uma loucura. Não, seria melhor não falar
de Tristan. Ela se virou e pegou o braço de Claire, que pareceu surpresa por estar tão próxima de uma
menina tão majestosa.
— Mas eu já falei tanto de mim!
— Oh, mas eu gosto de ouvir você falar de seus novos amigos — disse Claire.
Ela estava usando um casaco velho de algodão preto e um chapéu da mesma cor e da mesma idade,
mas de estilo diferente e estremecendo de frio. Seu nariz ficara tão vermelho que podia ser visto do outro
lado da cidade. Lina puxou-a para um dos bancos e tirou seu regalo. Acima das árvores, era possível ver os
telhados de pedra dos prédios que ficavam no lado leste da praça.
— Ponha-o — disse Lina, insistindo diante da hesitação da irmã.
Duas criadas com casacos vagabundos estavam passando com sacolas cheias de compras, e só depois
de elas haverem desaparecido Claire pegou o regalo negro e examinou-o. Ela colocou-o divagar, mas,
quando suas mãos desapareceram lá dentro, deu um sorriso de alegria.
— Fique com ele — ofereceu Lina num impulso.
Assim que disse essa frase, a ideia de perder o regalo, que tinha um valor sentimental, por ter sido
uma das primeiras coisas bonitas que ela comprara, pareceu-lhe terrível.
— Ah, não Lina. De jeito nenhum, ele é seu... Além do mais, o que o sr. Longhorn diria se
percebesse que você não está usando o presente?
Isso fez com que Lina lembrasse que mentira, e ela sentiu que não merecia mesmo aquele regalo.
— Se ele perguntar o que aconteceu com ele, direi que o esqueci em algum lugar, e talvez assim ele
me compre um novo. Ou talvez não. Será um pequeno teste, para ver o quanto o sr. Longhorn gosta de mim.
— Lina! Você não deve agir assim — disse Claire, sorrindo apesar da bronca. — Está falando como
Penelope Hayes.
Ouvir aquele nome em voz alta fez com que Lina se sentisse ainda pior, pensando que até pouco
tempo tivera de se rebaixar a vender segredos. Ela decidiu mudar de assunto e falou a primeira coisa que lhe
veio à cabeça.
— Como está Diana? Eu esbarrei com ela no teatro, literalmente.
— Ah, eu sei. Só acreditei que a Carolina Broad do jornal era você quando ela confirmou tudo para
mim.
Claire olhou em volta, observando o pequeno parque em tons de cinza, com suas árvores franzinas
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fazendo sombra mesmo ao meio-dia. Não havia pessoa alguma perto delas, e as que passavam à distância
estavam com as orelhas protegidas por chapéus e cachecóis, o que não lhes permitia ouvir quase nada.
— Mas eu estou preocupada com ela — confidenciou Claire.
— Com Diana? Não sei por quê... Ela nunca se preocupa com ninguém.
A irmã de Lina lançou-lhe um olhar de censura, e ela admitiu, com má vontade:
— Só quis dizer que ela não vai se meter em confusão, pois sempre soube se cuidar.
— Não mais...
— O que você quer dizer?
— Bom, não estou querendo falar mal dela. Mas é que vi uma coisa. Algo que pode ser muito ruim
para a imagem das Holland — disse Claire, se remexendo e se inclinando um pouco para a frente, como se
pudesse proteger o segredo com o próprio corpo. — Eu vi uma das Holland com um rapaz. Um rapaz que já
esteve envolvido com alguém da família e que, na verdade, quase se casou com ela.
Lina ficou irritada com aquela maneira de falar em código, e não conseguiu disfarçar isso quando
disse:
— Você viu Diana com ele?
— Vi! — confirmou Claire, arrasada.
— Mas como assim ―com‖ ele? — disse Lina com mais interesse agora, pois o que Claire estava
contando era mesmo incrível.
— Bom... com ele!
Lina arregalou os olhos.
— Ainda não entendi. Conversando juntos na sala de estar ontem à tarde?
— Não. Deitados juntos esta manhã no quarto dela, com as roupas espalhadas para todo lado.
Claire enterrou seu rosto no regalo e emitiu um som que indicava desespero.
— O que eu vou dizer a Diana? — perguntou ela. — Queria não ter visto aquilo. Queria que não
tivesse acontecido.
Lina mal pôde acreditar no que ouviu. Seria audacioso demais. Mas também não devia ser mentira,
pois Claire jamais teria sido capaz de inventar tal fábula. Lina não conseguiu parar de imaginar a cena, como
se houvesse visto um ônibus tombado no meio da Broadway e não pudesse desviar o olhar, por mais que
tentasse. Era terrível, mas também bastante romântico. Ela comprimiu os lábios e olhou para a irmã, que
estava mais envergonhada do que acabara de revelar do que Diana Holland teria ficado.
— Acho que é melhor você não dizer nada a ela. Apesar de todas as emoções contraditórias que
estava sentindo, da fascinação, da repulsa, dos ciúmes, Lina percebeu o valor que aquela informação
possuía.
— É? — perguntou Claire, com as feições contorcidas numa espécie de agonia moral.
— Certamente Diana percebeu que se comportou de maneira descuidada e perigosa após ter sido
vista — disse Lina devagar, tentando fazer sua irmã encará-la. — Ela sabe que poderia ter sido flagrada pela
mãe ou pela tia em vez de por você, o que sem dúvida a deixará mais circunspecta.
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— Acha mesmo?
Lina subitamente sentiu que o ar estava mais úmido. Ela observou a irmã. Claire era tão boa para as
Holland, tão altruísta. Sempre lhe parecera errado ver as Holland tratando Claire como um ser inferior,
enquanto ela as considerava parte de sua família, e sentia por elas uma lealdade cega. Era por isso que
confiavam tanto nela. Era por isso que permitiam que ela entrasse em seus quartos de manhã cedo, quando
não se comportavam como a família que o mundo acreditava que eram. Obviamente, Claire jamais revelaria
aquele segredo. Mas Lina, sentada naquele banco de ferro numa praça quase vazia em meio a uma manhã de
inverno, sentiu que poderia fazer isso. Há alguns dias, o teria revelado sem pestanejar.
— Tenho certeza de que tudo vai dar certo no final.
Lina tocou o ombro da irmã, indicando que ela deveria partir, e as duas se levantaram. Começara a
nevar, e pequenos flocos se prenderam ao seu casaco novo. Ela olhou para o regalo nas mãos de Claire e
disse:
— Quero que fique com isso. É meu presente de Natal para você.
Claire abriu um enorme sorriso, observando seu novo tesouro. Lina não conseguia parar de pensar
naquela informação tão impressionante e, enquanto caminhava — agora, de braços dados com a irmã - até a
entrada norte do parque, sentiu que não se incomodava nada em se desfazer do regalo agora. A história que
acabara de ouvir a fez lembrar que havia coisas muito mais importantes que ela ainda precisava adquirir.
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Trinta e Um
A FAMÍLIA DE WILLIAM S. SCHOONMAKER
SOLICITA O PRAZER DE SUA COMPANHIA
NA VÉSPERA DE NATAL DO ANO DE 1899.
ÀS NOVE HORAS DA NOITE, EM SUA MANSÃO
NO NÚMERO 416 DA QUINTA AVENIDA.
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A PENTEADEIRA QUE HAVIA NO QUARTO DE DIANA Holland, com seu espelho oval com
moldura de mogno trabalhado repleta de querubins e serafins, já estava naquele exato lugar havia quase uma
década, mas ela jamais contivera tal beleza antes. Lá, em frente ao espelho, entre pentes, grampos, pó de
arroz e ruge, estava um vaso simples com um ramo de jacintos roxos. Eles haviam chegado naquela manhã,
com um bilhete lembrando que os Holland estavam convidados para a festa de Natal dos Schoonmaker,
apesar de as duas famílias terem sido impedidas de se unirem através do matrimônio. Seu perfume dominava
o ar. Eram um símbolo que Diana compreendera perfeitamente, e ela os levara para o quarto comentando de
forma casual que jacintos eram sua flor preferida.
Ainda assim, a principal beleza refletida em seu espelho naquela véspera de Natal era a sua própria.
As pupilas de Diana estavam enormes e negras como a noite, e suas bochechas tinham o mesmo tom de um
pôr do sol de verão.
Mas o rosto de Claire parecia mais magro e encovado. Ela estava ali atrás, arrumando os cachos de
Diana num penteado e olhando para todas as direções, exceto nos olhos de sua patroa. E estava muito mais
quieta do que o normal.
Diana fez um biquinho com sua boca redonda e observou o quarto. Todos os detalhes estavam no
mesmo lugar: as paredes com papel cor de salmão adamascado, o tapete branco de pele de urso, a pequena
lareira, a colcha de lã branca; no entanto, o cômodo jamais lhe pareceria o mesmo. Diana quis poder colocar
uma placa ali, uma placa pequena, sutil, de cobre envelhecido, que marcasse para sempre o evento
momentoso que ocorrera naquele local, entre ela e Henry.
Ela decidiu que o melhor seria quebrar o silêncio de maneira súbita.
— Estou feliz que você tenha nos visto.
Os olhos azuis de Claire encararam-na pelo espelho e voltaram depressa para baixo.
— Não sei do que a senhorita está falando.
— Não se preocupe, Claire. Não estou zangada.
Diana parou para examinar a pele pálida de seu colo que o vestido branco com detalhes verde-
escuros deixava nua, e como da refletia a luz fraca de seu quarto. A luz elétrica do salão de baile de Henry
seria mais forte, mas ela tinha certeza de que isso apenas a deixaria ainda mais atraente.
— Estou feliz — resumiu Diana.
Claire deu um suspiro que pareceu preencher o cômodo todo.
— Srta. Diana, se alguém descobrir...
— Mas você não vai contar para ninguém. E quanto a mim, eu estava prestes a contar a alguém só
para poder conversar sobre o assunto. Mas agora que sei que você sabe, que pelo menos uma pessoa sabe,
não terei mais medo de tagarelar! Exceto para você. Com você, quero conversar bastante.
Claire suspirou de novo, mas menos profundamente dessa vez, e Diana soube que ela estava quase
cedendo.
— Claire, será que algo mais excitante já aconteceu na história desta casa? Eu e Henry...
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— O noivo de sua irmã.
Diana fechou a boca. Por um segundo, ela havia esquecido. Ergueu os olhos e viu que Claire estava
finalmente encarando-a.
— Ah, Di! Cuidado. Cuidado!
Então, Claire permitiu-se dar um pequeno sorriso. Ela estava prendendo ramos de azevinho nos
cabelos de Diana e, conforme foi fazendo isso, seu sorriso foi crescendo. Quando todo o azevinho da
bandeja acabou e os cabelos de Diana ficaram todos enfeitados de verde, o sorriso já estava radiante. As
duas se olharam e riram como duas românticas incuráveis, o que de fato eram.
Claire só voltou a falar quando Diana se levantou para que ela passasse uma última camada de pó
sobre seu nariz.
— Vai poder vê-lo hoje à noite? — sussurrou ela.
— Snowden vai me acompanhar, é claro, então não vou poder encontrá-lo a sós — respondeu Diana,
com o coração batendo mais forte por estar falando em Henry após ter passado o dia inteiro tentando não
pensar demais nele. — Mas vou estar no mesmo lugar que ele, Claire! Vou poder observá-lo de longe, pelo
menos. Tenho certeza de que vou saber o que ele está sentindo assim que o vir.
Daquele momento em diante, Diana não conseguiu pensar em outra coisa. Foi até o quarto de sua
mãe para lhe dar boa-noite, desceu a escada, admirou a árvore de Natal com Snowden e sua tia, tudo sem
nunca tirar Henry da cabeça. Eles entraram na carruagem de Snowden e foram até a mansão de calcário dos
Schoonmaker, na Quinta Avenida quase esquina com a rua 38. Quando o sócio de seu pai lhe deu o braço
para ajudá-la a subir os degraus que levavam até o festivo halI de entrada, Henry estava consumindo seus
pensamentos a tal ponto que foi um milagre Diana não ter tropeçado na neve da calçada, e ter conseguido
responder aos gracejos de Snowden com outras palavras além do nome de seu amado.
Ela passou pela fila de cumprimentos e atravessou os corredores repletos de vasos de bicos de
papagaio, com medo de que seu coração fosse explodir. O candelabro do salão iluminou inúmeros rostos
masculinos saindo de golas brancas como ovos quentes em seus suportes, mas, por mais que Diana olhasse,
por mais que sorrisse para seus conhecidos e familiares, não conseguia localizar Henry na multidão. Ela
sentiu que estava prestes a se trair e comentar aquela terrível ausência quando Snowden se adiantou e o fez.
— Qual desses é o jovem Schoonmaker, com quem Elizabeth ia se casar?
Tia Edith havia sido levada para longe por uma das primas da família Gansevoort, e um garçom lhes
trouxera tacinhas de ponche quente. Diana tomou um gole da sua para se acalmar. Por que Henry não está
aqui?, ela quis gritar. E com quem ele está?
— Não o estou vendo — respondeu ela, no tom mais indiferente possível.
— É estranho que ele não esteja aqui numa noite tão importante para sua família.
— É verdade. Eu...
Diana se interrompeu. Ela acabara de notar quantas pessoas a observavam. As irmãs Wetmore, em
tons diferentes de lilás, estavam sussurrando uma para a outra, sentadas num sofá de veludo molhado no
centro da sala, sem dúvida querendo saber quem era o estranho que estava com Diana e se ele era solteiro ou
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casado. Amos Vreewold e Nicholas Livingston estavam parados nas sombras de uma porta em arco que
dava para uma das galerias, olhando-a com um fervor que a fez se perguntar se os dois estariam comparando
sua aparência com a de Elizabeth, com quem haviam dançado tantas vezes. Davis Barnard tentava se
esconder atrás de sua taça de ponche, erguendo as sobrancelhas tão alto que elas quase lhe saíam da testa ao
ver o personagem misterioso que estava com ela. E na entrada principal do salão surgiu Penelope Hayes,
arrastando um vestido fluido de seda e lançando apenas um olhar para Diana antes de virar o rosto na outra
direção. Ela também estava com um estranho — pelo menos, estranho para Diana. Mas o homem alto que
estava de braço dado com Penelope não parecia nem um pouco constrangido naquele salão, e acenou com a
cabeça para alguns presentes que evidentemente conhecia bem antes de entrar. Seu olhar sobre Diana durou
bem mais tempo que o da srta. Hayes.
Diana náo se lembrava de jamais ter visto Penelope sem aquele gorducho que planejava festas, e ela
sentiu curiosidade em relação àquele novo acompanhante.
Se alguém houvesse lhe perguntado antes daquela noite, Diana teria respondido que não se
incomodava em ser olhada. Mas ela era a mais nova das Holland, e ainda não conhecia a capacidade que a
alta sociedade tinha de avaliar e comentar. Ali, no salão de baile dos Schoonmaker, Diana se deu conta de
algo: ser observada com tanta atenção constrangia os movimentos. Era o suficiente para fazer uma menina
se sentir aprisionada, e Elizabeth já devia saber disso há dois anos pelo menos. Diana queria
desesperadamente descobrir o que acontecera com Henry, nas sabia que todos os seus passos estavam sendo
vigiados e que isso seria impossível.
Ela também estava com a impressão de que o pecado que cometera a mudara tanto fisicamente que
todos seriam capazes de vê-lo impresso em seu corpo. Diana sentiu-se tão ciente de sua própria beleza que
não entendeu como os outros não podiam ver diferença também. Era como se houvesse uma marca em sua
carne.
— Ele... — continuou ela, torcendo para não deixar claro que o rapaz em questão era o mais
importante do mundo para ela. — Ele ficou muito triste com a morte de Elizabeth. Tenho certeza de que é
muito difícil para ele pensar que esse seria seu primeiro Natal juntos como marido e mulher.
Snowden assentiu ao ouvir a explicação, e então começou a fazer perguntas mais levianas sobre os
outros convidados, querendo saber em que parte da cidade viviam e em que tipo de casa moravam. Diana
contou tudo o que sabia, mas, enquanto conversava, sua mente estava em tumulto.
Seu pai lhe dissera muitas vezes que sonhar demais podia ser perigoso. Sempre mencionara isso com
grande carinho e certo orgulho, sabendo que sua filha mais nova era parecida com ele. Diana lembrou-se do
conselho agora, naquele salão de baile decorado com centenas de quadros em molduras enormes e repleto de
rostos grotescamente contorcidos com a alegria do Natal. O pensamento a amedrontou.
O estrondo das batidas de seu coração estava abafando seus sonhos dourados sobre Henry, e Diana
começou a temer ter sido feita de boba. Talvez o amor fosse assim mesmo, e nos deixasse sempre sem saber
onde pisávamos. Mas algo a fez virar a cabeça antes de se sentir vulnerável demais, e foi então que ela viu
Henry olhando-a com tanto carinho e desejo que sua boca entreabriu-se de espanto. Ele estava do outro lado
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do salão, no umbral de uma porta. Henry olhou-a por diversos segundos e ela encarou-o também. Mas aí
dois homens corpulentos colocaram- se ao lado dele, bloqueando a visão de Diana. Henry desapareceu no
salão, mas ela soube que não havia sido enganada. Teve certeza de que sua noite seria maravilhosa, e seus
olhos voltaram a brilhar.
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Trinta e Dois
H.,
Não sei se você recebeu esse bilhete,
Mas preciso me desculpar.
Devo ter caído no sono ontem á noite
Espero vê-lo em breve. Boa sorte.
T.
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HENRY ERA UM CAVALHEIRO MUITO BEM ALIMENTADO, E FAZIA algum tempo que a
ausência de uma mulher não lhe causava desconforto. No entanto, naquela véspera de Natal, com a neve
recém-caída ainda se acomodando nas janelas da mansão dos Schoonmaker e em seu teto inclinado, ele
percebeu que estava com fome. Quando voltara a seu quarto naquela manhã, descobrira que seu amigo
Teddy já havia ido embora, e então dormira até que os sons dos preparativos para a festa o acordassem
subitamente. No segundo seguinte, sua imaginação voltou-se para a pele rósea e os indomáveis cachos da
jovem srta. Holland. A coisa mais importante que fizera naquele dia fora conseguir mandar os jacintos para
a casa dela. Foi pensando assim que Henry começou a se sentir ansioso para participar de um evento
organizado por seu pai que, em geral, não lhe interessava nem um pouco.
Ele pediu que o jantar lhe fosse servido no quarto, mas mal tocou na comida. Então, vestiu a casaca
preta e a gravara branca que sempre usava, sem pedir a ajuda de nenhum criado. Não queria ser mimado.
Não queria que o exército de empregados contratados por seu pai lhe servisse. Henry estava pensando no
delicioso pescoço de Diana Holland e no brilho travesso de seus olhos, e se outro homem estivesse ali,
ajeitando seu colete, a presença dele só atrapalharia suas reflexões. Como ela era corajosa, como
demonstrava indiferença em relação a tudo que se esperava de uma menina de boa família. Estar perto de
Diana fazia com Henry se sentisse corajoso também. E com que achasse que não precisava de quase nada
além dela para ser feliz.
Henry deu um último gole na xícara de café que estava numa das mesinhas e terminou de ajeitar seus
cabelos. Então, olhou pela janela envidraçada que dava para a Quinta Avenida, onde todos que seu pai havia
considerado bons ou úteis o suficiente para serem convidados para a festa estavam saindo de suas
carruagens. A neve brilhava tanto quanto os diamantes, e fez até que algumas das senhoras pedissem para
ser carregadas até a porta, com medo de estragar seus vestidos. Henry sorriu e pensou que Diana jamais faria
isso. Ela teria inalado o frio e subido as escadas com a mesma temeridade com que fazia tudo mais. Ele se
virou, olhou para o teto de seu quarto, onde havia um mural que mostrava damas e cavalheiros fazendo um
piquenique, e então ajeitou a gravata mais uma vez no espelho de corpo inteiro, cuja moldura era uma cobra
dourada.
Henry andou até a porta sentindo-se leve, e pareceu-lhe que seria capaz de chegar ao andar principal
de sua casa com apenas alguns passos despreocupados. Mas não pôde fazê-lo, pois havia dois homens
parados na sua porta. Eles usavam o uniforme dos mordomos, mas seus rostos mostravam que estavam
acostumados a ambientes menos refinados do que o dos salões e das cozinhas das grandes mansões. Suas
feições e suas mãos eram grosseiras.
— Com licença — disse Henry, irritado.
— Desculpe, senhor — respondeu o primeiro homem.
— O senhor é que terá de nos dar licença, senhor — segundo. — Nós vamos com o senhor até lá
embaixo.
— Por quê? — perguntou Henry com irritação. — Eu não preciso de...
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— São ordens de seu pai — respondeu o primeiro.
— Parece que o senhor desobedeceu à proibição de sair de casa. Seu pai encontrou seu amigo, o sr.
Cutting, dormindo seu quarto de manhã, e achou que o senhor tinha conseguido enganá-lo.
— Ele não gostou nada — disse o primeiro homem, baixando os olhos.
— Nem um pouco.
— E por falar no sr. Cutting — disse o primeiro homem com um sorriso banguela —, ele deixou esse
bilhete para o senhor cedo.
O homem ofereceu um papelzinho cor de creme dobrado a Henry, que arrancou-o de suas mãos. Ele
abriu o bilhete devagar e, ao lê-lo, compreendeu o que havia acontecido. Henry olhou para os dois
brutamontes sem acreditar e depois observou o do corredor do andar de baixo, onde já surgiam os primeiros
convidados. O chão da casa havia sido polido naquele dia e era possível ver a luz do dia refletida nele, como
na entrada de caverna. Ele ouviu a multidão que entrava rir de prazer, e deu um passo em sua direção. Os
dois homens o ladearam, ficando tão próximos de Henry que ele sentiu o cheiro do tipo de pessoa que não
passava seus dias entre baixelas de prata. Ele deu mais um passo, e os homens o imitaram. Henry seguiu em
frente, com os homens sempre ao seu lado, e se deu conta de que aquela era mais uma das armadilhas de seu
pai.
Os três desceram a enorme escada da mansão naquela dança, e Henry começou a se sentir preso
numa gaiola. O chão polido do hall estava quase inteiramente coberto por convidados, que soltavam
exclamações tolas e comentários nada discretos. Diversos deles se voltaram, sem nenhuma sutileza, para
olhar para Henry quando ele passou. Eles atravessaram o enorme umbral de carvalho e entraram no salão de
baile, onde havia todos aqueles quadros pendurados nas paredes. Henry sentiu que deixara os homens para
trás por um segundo, e foi então que a viu.
EIa estava lindíssima num vestido branco, com o cabelo escuro formando uma auréola em torno de
seu rosto rosado em forma de coração. Suas pálpebras se fecharam, fazendo com que os longos cílios quase
tocassem as bochechas, e então os olhos se abriram e Henry. A boca pequena e redonda de Diana se abriu
num sorriso imediato e cúmplice. Eu vou me casar com essa menina, pensou Henry. Mas o ombro de um dos
homens contratados por seu pai obstruiu sua visão, e ele ouviu o outro dizer:
— O sr. Schoonmaker quer que o senhor venha nessa direção.
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Trinta e Três
Crayson Hayes, único filho do sr. Richmond Hayes e de sua senhora, retornou da Europa, tendo
passado pela Ásia, cruzado o Pacífico e embarcado na estrada de ferro transcontinental. O jovem sr. Hayes
planeja ficar na casa de sua família, no número 670 da Quinta Avenida, até o final da temporada.
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO JORNAL NEW YORK NEWS
OF THE WORLD GAZETTE, DOMINGO, 24 DE DEZEMBRO DE 1899
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PENELOPE CRUZOU O UMBRAL DO SALÃO DE BAILE DOS Schoonmaker com todos os
elementos necessários para fazer uma entrada sensacional. Ela usava um vestido novo do couturier
parisiense Doucet, que mantinha um dossiê com suas medidas e preferências. Ele chegara naquela semana, e
era feito de faille de seda cor de rubi, cheio de babados e bem apertado no peito e no quadril, com a saia se
abrindo na altura do joelho. O decote e a bainha eram decorados com metros e metros de tenda branca.
Penelope estava feliz pelo Natal haver chegado, pois essa era uma boa desculpa para retornar a sua cor
preferida. Seus cabelos negros estavam presos num coque simples, e enfeitados com ramos de pinheiro e
pérolas de verdade. E, se seu glamour e sua beleza não fossem o suficiente para chamar a atenção dos
presentes, Penelope tinha por acompanhante o filho pródigo que à casa retornava: Grayson Hayes, o irmão
mais velho por quem todos viviam perguntando.
Mas a sua entrada foi um esforço inútil. Henry não estava em lugar algum, como Penelope constatou
em poucos segundos de inquietação.
Ela e Grayson deslizaram para dentro do salão, vindo na frente de seus pais, que eram bem menos
atraentes, e permitindo que a luz banhasse de forma ideal suas belas feições. Penelope se ressentia um pouco
do irmão por ele ter ficado tanto tempo fora e agora, com sua volta, estar roubando a atenção que ela queria
para si. Mas sabia que todos a consideravam o membro mais interessante da família, aquela que casaria
melhor e que levaria os Hayes para outro nível de exclusividade social. Grayson só parecia tão excitante
porque não era visto havia anos, e Penelope estava inclinada a permitir que ele tivesse seu momento ao sol.
Ela apertou o braço dele com amor fraternal enquanto os dois passavam por uma parede coberta por
tapeçarias de veludo verde.
— Aquela é a pequena Diana Holland? — sussurrou Grayson.
— ―Pequena‖ mesmo. A irmã dela era uma puritana chata, mas pelo menos tinha os modos
impecáveis. Já Diana é quase um bicho — disse Penelope, erguendo uma sobrancelha e empertigando-se.
— Sabe, eu vi uma menina que se parecia muito com Elizabeth no trem que peguei na Califórnia...
— Elizabeth Holland está morta! — retrucou Penelope.
Foi só depois de falar a frase que ela sentiu um calafrio. Sempre que ouvia falar que Elizabeth talvez
ainda estivesse viva, receava que sua ex-amiga estivesse a caminho de Nova York, para roubar todas as
coisas que pertenciam a Penelope. Era verdade que ela deixara a cidade com enorme determinação, mas, às
vezes, Penelope se perguntava quanto tempo uma menina acostumada a ser servida por dezenas de criados e
a vestir roupas de baixo de cetim duraria no empoeirado oeste. E era mais fácil não se importar com as
fofocas dos jornais do que ouvir as observações de seu implacável irmão.
— Eu sei, Penny, mas essa menina se parecia muitíssimo com ela. E, quando eu a abordei, ela negou
ser Elizabeth do mesmo jeito que você negaria. Falou como uma jovem de Nova York. Não sei quem ela
era, mas não nasceu no oeste do país.
— Grayson, por favor — implorou Penelope com a voz grave. — Não vamos discutir isso agora.
— De qualquer maneira — disse Grayson, divertido —, a irmãzinha dela vai ficar bem bonita
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quando crescer mais um pouco.
Normalmente, Penelope teria feito um muxoxo ao ouvir esse comentário, mas, naquele momento, ela
se distraiu ao ver a sra. Isabelle Schoonmaker se aproximando deles dois a passos rápidos. Ela usava um
vestido de lamê dourado com um enorme laço cor de bronze no decote e uma fita grossa da mesma cor
marcando a cintura. Diversas penas de pavão estavam entremeadas a seus cachos louros. Penelope ficou
satisfeita ao ver a amiga, e já estava planejando perguntar onde estava Henry quando a viu ser interceptada
por alguém.
— Sra. Schoonmaker — disse o velho Carey Lewis Longhorn.
Ele surgira do meio da multidão acompanhado por uma menina de cabelos castanhos, cujas costas
largas estavam viradas para Penelope. Seus cabelos haviam sido penteados na forma de uma enorme colher
de pau. Os olhos azuis da sra. Schoonmaker se voltaram para os Hayes com impaciência, e Penelope piscou
os seus para ela, deixando claro que lamentava toda aquela chateação.
— A sra. Schoonmaker e eu nos tornamos muito amigas recentemente — explicou ela para Grayson.
— É mesmo? — disse ele secamente.
Quando chegaram perto de onde os Hayes estavam, Penelope percebeu quem era a jovem amiga do
sr. Longhorn. Ela não pôde deixar de sorrir ao ver a velha empregada das Holland, com o cabelo obviamente
penteado por ela mesma, acompanhada por aquele velho babão. Ela era mesmo uma idiota. Se continuasse a
ser vista com aquele homem — e, sem dúvida, com a grande amiga dele, a divorciada Lucy Carr — todos
começariam a comentar. E os comentários seriam ainda piores para a vida social dela do que o rosto sem
graça que possuía.
— Isabelle! — exclamou Penelope, jogando um beijo com a mão.
— Penny!
A sra. Schoonmaker enrubesceu ao olhar para Grayson, e sua pele ficou num tom de rosa que realçou
o turquesa de seus olhos.
— Você conhece o sr. Longhorn, é claro. Sr. Longhorn, esses são o sr. e a srta. Hayes. Penelope, sr.
Hayes, essa é a srta. Carolina Broad, de Utah, uma nova amiga do sr. Longhorn.
— Encantado em conhecê-la — disse Grayson, inclinando-se e beijando a mão enluvada de
―Carolina‖. — Sr. Longhorn, creio que o senhor tem em sua coleção o retrato que Sargent pintou de nossa
adorável Isabelle.
— De fato — disse Longhorn, dando uma piscadela para o jovem. — Mas devo dizer que ela ficou
ainda mais adorável desde que ele foi pintado. Talvez, se seu marido permitir, eu lhe peça outro...
O sr. Longhorn continuou a elogiar a beleza de Isabelle, e Penelope achou difícil continuar a prestar
atenção na conversa do grupo. Ela estava fazendo de tudo para parecer interessada, quando Lina soltou o
braço de Longhorn e veio em sua direção com uma autoconfiança que jamais exibira até então. Penelope não
queria ser publicamente rude com ninguém naquele momento, e foi só por isso que seguiu Lina, indo até o
halI adjacente ao salão, Quando as duas estavam longe o suficiente para não serem ouvidas, ela disse com
frieza:
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— O que foi? Tem alguma coisa para vender?
— Oh, não — disse a ex-empregada, olhando em volta e então diretamente nos olhos de Penelope,
que ficou surpresa com tanta audácia. — Não pretendo vender nada, mas sei de uma história que acho que
você pode achar interessante.
Alguns convidados ainda estavam chegando pela porta que havia do outro lado do hall e, ali, o ar
estava mais frio do que no salão de baile. A intrusão de Isabelle fizera Penelope esquecer temporariamente o
comentário que Grayson fizera sobre Elizabeth, mas agora o fantasma voltara. Ela lançou um olhar hostil a
sua interlocutora.
— É sobre Henry.
As duas meninas deram diversos passos sobre o chão de mármore do hall, fazendo clique-claque com
seus sapatos de salto alto.
— Henry Schoonmaker - explicou a ex-empregada, embora Penelope já houvesse adivinhado. —
Você um dia me disse que não sabia por que ele não estava apaixonado por você, e eu acho que sei —
continuou ela com ousadia.
Penelope apertou seu braço contra o de Lina com força, fazendo-a afastar-se da porta que dava para a
rua. Elas passaram por uma parede decorada com tapeçarias de cores vivas compradas de uma velha família
arruinada da aristocracia européia, e foram mais para longe de todos.
— É uma história muito pessoal e eu não me sentiria confortável em contá-la para alguém que não
fosse minha amiga - disse Lina, fazendo uma pausa de efeito que não era muito necessária diante das
circunstâncias. — Minha grande amiga. Você é minha amiga, não é mesmo, srta. Hayes?
Penelope ficou um pouco impressionada ao ouvir isso. Então, Carolina sabia que havia coisas mais
importantes do que dinheiro em Nova York.
— Sim — respondeu ela devagar, tentando não parecer ansiosa demais por não saber se essa
informação de fato seria útil. — Você é minha amiga. Mas minhas melhores amigas são aquelas com as
melhores histórias.
— Tenho certeza que sim.
Um mordomo carregando uma bandeja com tacinhas de cristal cheias de ponche quente passou, indo
na direção do salão. Quando ele desapareceu, Lina respirou fundo. Ela parecia estar decidindo o que ia dizer,
palavra por palavra.
— Você queria saber por que o sr. Schoonmaker não a ama e, embora eu não possa responder a essa
pergunta, posso lhe dizer onde ele estava quando acordou esta manhã, e com quem estava.
Penelope sentiu a fúria lhe queimando as têmporas e a garganta, e teve de trincar os dentes para não
gritar. Estava com medo de se trair se dissesse qualquer coisa, e, por isso, simplesmente olhou para sua nova
amiga e esperou impacientemente que ela continuasse.
— Gostaria de saber? - perguntou Lina.
— Sim!
Penelope fechou os olhos, tentando disfarçar sua raiva. Ela precisava saber agora quem era essa
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pessoa que Henry erroneamente acreditava ser superior à menina em cujos braços passara todo o verão de
1899. Agora.
— Mas eu preciso de garantias. Garantias específicas.
Penelope sabia que seus olhos estavam tingidos de vermelho, mas ela os abriu e encarou Lina. Os
olhos verde-claros da ex- criada estavam arregalados, como se ela de fato acreditasse que seu objetivo fosse
tão importante quanto o de Penelope. Podia-se dizer que a menina assumira um ar estúpido, mas ela não
parecia ser nada boba na hora de obter informações.
— Eu lhe darei o que quiser.
— Quero que me chame para vir a sua casa no dia em que sua família recebe convidados, e quero
que me trate como uma amiga.
Lina disse tudo isso de forma deliberada, explicando um plano que parecia ter traçado
meticulosamente. Era como se ela estivesse diante da vitrine de uma loja de doces, dizendo ―Quero esse e
mais esse e mais esse.‖
— Como sua amiga, esperarei ser convidada para qualquer baiIe dado em sua casa. E, já que nossa
amizade é tão especial, será que eu seria impertinente se esperasse um convite para passar algum tempo em
sua casa em Newport durante o verão? E, quando você se casar — disse Lina, sorrindo com cumplicidade
paia sua nova amiga —, quero que me convide para ser uma das madrinhas.
— Tudo bem, tudo bem. Farei tudo isso. Prometo que vou , apresentá-la à sociedade — disse
Penelope, engolindo em seco e sabendo que teria dado qualquer coisa a Lina naquele momento. - Mas me
conte agora.
Enquanto Lina respirava fundo, Penelope ouviu novamente os ruídos alegres que vinham do salão.
Então, a história sórdida
— Ele passou a noite na casa das Holland, com a irmã mais nova de Elizabeth. Eles estavam...
— Como você sabe? — perguntou Penelope, tendo dificuldades para enunciar cada palavra e
tentando não imaginar Henry com aquela menininha impetuosa.
— Porque minha irmã Claire, que ainda trabalha lá, dois. Ela abriu a porta e...
— Chega. Eu acredito
Penelope fechou suas pálpebras lindamente maquiadas e tentou se controlar. Aquela história era
idiota demais, mas fazia um sentido perverso. Seu corpo foi tomado por uma onda gelada e depois por um
calor insuportável.
— Mal posso explicar como estou grata por ter me contado isso — disse ela devagar. — Você se
tornou uma amiga muito próxima. Sempre será bem-vinda em minha casa quando estivermos recebendo
visitas, e pode contar com convites para todas as nossas festas e todos os fins de semana que passarmos fora
da cidade. Agora, por favor, seja minha amiga e conte a meu irmão e à sra. Schoonmaker que eu não estou
me sentindo muito bem, e que tive de ir à sala feminina para me recompor. Você poderá comprovar minha
gratidão no futuro.
Penelope manteve os olhos fechados, ouvindo Lina se afastar. Ela mordeu com força seu lábio
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inferior e virou o rosto para a parede, descansando a testa numa das tapeçarias antigas que mostravam os
atos de heroismo de outras eras. Então, cerrou o punho e golpeou o tecido cinco vezes, até ouvir seu coração
começar a bater mais devagar.
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Trinta e Quatro
Existem meninas que escolhem ficar amigas de outras só porque estão interessadas em seus irmãos.
É preciso tomar cuidado com elas, mas não é possível evitá-las inteiramente — afinal, essa é uma tática
muito útil que sua filha um dia pode empregar também.
TRECHO DO LIVRO COLETÂNEA DE COLUNAS SOBRE A CRIAÇÃO
DE JOVENS DE CARÁTER, DA SRA. HAMILTON W. BREEDFELT,
EDIÇÃO DE 1899
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A MENINA QUE RETORNOU AO SALÃO DE BAILE DOS Schoonmaker não se importou mais
de estar sem ornamentos no cabelo ou quase sem joia alguma para enfeitá-la. Ela não se preocupou com a
falta de glamour em sua postura ou com a bondade visível em sua expressão. Nem se incomodou de não ter
agido bem. Ela não era uma boa menina. Não queria mais ser como sua amiga de infância, Elizabeth
Holland. Queria ser como sua nova amiga, Penelope Hayes, e Penelope prometera lhe mostrar como fazê-lo.
Ao menos prometera o brilho de sua presença, e prometera convidá-la para os lugares certos. Isso seria
suficiente. Ela não precisava de mais nada. Quando chegou ao lugar onde deixara o sr. Longhorn, viu que
ele acabara de chamar a sra. Schoonmaker para dançar. E descobriu que só precisava ficar ali parada por
tempo suficiente para persuadir o sr. Hayes de fazer o mesmo com ela.
— Carolina, você e minha irmã são amigas muito próximas? — perguntou ele enquanto eles se
aproximavam do meio do salão, onde os casais estavam dançando.
O vestido de Lina, que ela colocara na conta do sr. Longhorn na Lord & Taylor, arrastou-se atrás
dela. O tecido tinha um belo tom de azul-marinho que afinava seus braços e sua cintura, e o decote era
decorado com pequenas pérolas que contrastavam lindamente com a pele de seu colo.
— Somos, sim — respondeu ela, e sorriu. — Mas não nos conhecemos há muito tempo. Eu sou nova
na cidade.
Lina receara ser chamada para dançar, embora soubesse que teria de se acostumar com a ideia se
quisesse mesmo frequentar a alta sociedade. Ela chegara até a saltitar em seu quarto de hotel, tentando
lembrar-se dos passos que ajudara Elizabeth a praticar quando esta havia começado a ter aulas de dança.
Carolina ficou surpresa ao constatar que, com a autoconfiança resultante de ter novos amigos em excelentes
posições, era fácil explicar qualquer movimento errado dizendo não ser de Nova York, e permitir que o
cavalheiro a conduzisse. Quando havia um homem para conduzi-la, Carolina Broad não dançava nada mal.
— Espero que não esteja planejando nos deixar — disse o sr. Hayes, abrindo seus lábios grossos num
sorriso.
Lina se deu conta de que estava dançando sua primeira dança num evento social com um rapaz mais
ou menos da sua idade. Isso era muito melhor do que dançar com o velho sr. Longhorn, apesar de ele estar
sendo tão bondoso com ela.
— Creio que não — respondeu Carolina.
Seus olhos se arregalaram, e ela sentiu o peso daquela resposta. O salão, repleto de molduras
douradas e rostos pintados, de risadas histéricas e murmúrios sutis, de arcos feitos de galhos de pinheiro e
decorados com estrelas cintilantes, rodava em torno dela em ritmo acelerado. Aquele ritmo, pensou Lina,
podia ser ritmo de sua vida. Seria uma pena deixar a cidade agora, justamente quando as coisas estavam
começando a acontecer. Ficar um pouco mais e melhorar ainda mais sua educação, essa seria coisa mais
inteligenre a fazer.
— Gosto daqui. E, além disso, para onde mais poderia ir? — concluiu ela.
Grayson encarou-a com ar de quem a compreendia muito bem.
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— Acabei de passar quatro anos fora, e devo dizer que concordo plenamente. E fico feliz de saber
que vai ficar. Já que conhece Penelope, gostaria de lhe apresentar alguns amigos...
E foi o que ele fez. No final da noite, os pés de Lina estavam doendo de tanto dançar, e suas
bochechas estavam permanente mente coradas por causa de todos os elogios que recebera. Ela não pôde
deixar de pensar que nem teria notado Will se ele estivesse ali no meio, e que ele teria se achado um idiota
por tê-la desprezado aquela noite no estábulo. Pois Lina dançara com Nicholas Livingston, Abelard Core e
Leland Bouchard, que era herdeiro de um enorme banco, colocara a mão bem na base de suas costas e
exigira saber quando a veria de novo.
Mais tarde, quando Carolina estava na carruagem a caminho do hotel, ela pôde dizer com completa
honestidade que tivera um belíssimo Natal. A rua estava coberta por uma camada de branco, em cima da
qual haviam passado apenas um ou dois veículos antes do deles. As imensas mansões, construídas com
pedras importadas e ornadas com todo tipo de floreio arquitetônico, passavam lentamente enquanto eles
subiam a avenida. Havia luz em todas as entradas, e decorações natalinas nas janelas. Carolina achou que, se
tudo continuasse assim, Will veria seu nome nos jornais com certeza, e então ele é quem viria procurá-la, e
não o contrário. Ela teve de colocar a mão na boca para esconder seu sorriso, pois estava pensando no quão
maravilhoso o novo ano poderia ser.
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Trinta e Cinco
Os trens que chegam do oeste todos os dias trazem não apenas aqueles que refizeram suas vidas após
uma temporada passada nos estados fronteiriços, mas também os que tiveram seu espírito arrasado e sua
fortuna perdida. Os objetos pessoais desses últimos também ressurgem, após serem comprados pelos
joalheiros de Nova York, que os revendem com um belo lucro aos novos-ricos que desejam obter uma
aparência de classe. Sem dúvida, muitos presentes de Natal com passados indesejáveis serão oferecidos em
nossa bela cidade amanhã.
TRECHO DE UM EDITORIAL DO THE NEW NEW YORK TIMES,
24 DE DEZEMBRO DE 1899
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A MANHATTAN QUE ELIZABETH ENCONTROU NÃO podia estar mais diferente da que ela
deixara havia quase três meses. A cidade estava tranquila e silenciosa, com praticamente ninguém nas ruas.
Tudo parecia estar congelado e, por um momento, Elizabeth se perguntou se de fato morrera, e se aquela
Nova York deserta era o céu. Uma camada de neve recém-caída, ainda não maculada pelas rodas das
carruagens, cobria tudo, refletindo as luzes aconchegantes das casas. Ela jamais saberia, mas achava que era
assim que a cidade era há meio século: escura, quieta, imóvel. Will manteve seu braço em torno dos ombros
dela enquanto eles caminhavam, para aquecê-la e acalmá-la.
— Você está gelada — observou ele.
Elizabeth assentiu, mas não conseguiu dizer nada. Estava nervosa demais com a perspectiva de ver
sua família, sem saber como ia se explicar para a mãe e a tia. A única coisa que a tranquiliazava era a
presença de Will. Eles estavam com o dinheiro da venda do anel, pelo qual tinham conseguido uma bela
soma, e Will quisera pegar uma carruagem na estação do trem. Mas Elizabeth insistira que andar até sua
casa por um caminho tortuoso, na escuridão, era a maneira mais segura de proceder. Grayson Hayes no trem
fora um choque tão grande que a deixara mais cautelosa do que nunca e, além do mais, ela achou voltar
devagar e caminhando pelas próprias pernas seria um maneira de ficar menos nervosa.
— Já estamos quase lá — disse Will, embora soubesse que eles estavam tão perto do Gramercy Park
que Elizabeth teria sid0 capaz de encontrar sua casa de olhos fechados.
— Não é o frio — disse ela.
— Eu sei — disse ele, com uma voz tão gentil que era quase uma carícia. — Mas estar dentro da
casa vai aquecê-la de qualquer forma.
Finalmente, eles chegaram ao número 17, e ficaram longo tempo parados diante dele. Embora a
fachada de encarasse Elizabeth com a mesma plácida composição de janelas e portas de sempre, a casa
estava escura. Ela esperara encontrar algum sinal de vida, e aquela ausência inspirou-lhe um certo terror.
Mas Will incentivou-a e, com isso, Elizabeth andou até porta da frente, tirou a chave de seu esconderijo e
destrancou-a.
O hall estava escuro. Quando a vista de Elizabeth se acostumou, ela viu que a velha mesinha onde os
visitantes costumavam deixar seus cartões de visita havia desaparecido. Era possível ver sala de estar, pois
as enormes portas de correr estavam abertas ela sentiu, pelo cheiro, que a lareira estivera acesa até pouco
tempo. Elizabeth segurou a mão de Will e subiu a escada, vendo que as paredes estavam decoradas com
quadros diferentes dos que havia antes. O som que seus pés fizeram ao tocar degraus a surpreendeu, até ela
se dar conta de que o tapete persa que costumava se estender do segundo andar até a porta da frente não
estava mais ali.
Elizabeth entrou em seu quarto e viu que muitos dos objetos que deixavam a atmosfera tão
acolhedora haviam sumido, embora o papel de parede azul continuasse o mesmo, e a enorme cama de
mogno que ficava sobre a plataforma estivesse feita como sempre. Ela não ficou chocada por estar de novo
naquele cômodo, onde passara a maior parte de sua vida, mas por estar ali com Will ao seu lado. Elizabeth
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fora até o desconhecido procurá-lo, mas ele jamais vira seu quarto antes. E aquele ainda era seu quarto.
— Will — disse ela, virando-se e encarando-o —, estou feliz por ter vindo comigo.
Will observou-a com seus enormes olhos azuis. Seus cabelos estavam desgrenhados, caindo sobre a
testa e orelhas. Sua boca se moveu um pouco.
— Eu sei. Eu também.
Elizabeth se aproximou e ele enlaçou-a com seus braços musculosos. Ela apoiou a cabeça no peito
dele e olhou-o.
— Espero não ter destruído minha família.
— Não acho que destruiu.
Will estava sorrindo. Ele se inclinou e tocou os lábios dela com os dele repetidamente, tão de leve
que os toques mal podiam ser chamados de beijos. Elizabeth começou a se sentir realmente aquecida pela
primeira vez desde que deixara o trem. Quando Will parou, ela abaixou o queixo e colocou a testa no peito
dele.
— Você acha que ela está...
Eliizabeth prendeu a respiração, sem querer dizer ―viva‖, e certamente sem querer dizer ―morta‖.
Isso a faria pensar no pior, e Will já avisara que era melhor não fazê-lo.
— Acha que ela está bem? — concluiu ela, finalmente.
— Acho — afirmou Will, acariciando a testa e os cabelos dela e deixando os dedos sobre sua nuca.
— Acho. Mas acho que você devia ir vê-Ia.
Elizabeth fechou os olhos com força.
— Então eu vou agora — decidiu ela, mas precisou de diversos segundos para afastar a testa de seu
sólido apoio e dar um sorriso fraco para Will.
Ele estava observando-a com o mesmo olhar de sempre, puro e apaixonado. Aquele olhar sempre a
afetava. Era como se Will conseguisse ver seu coração. Ele fazia lembrar que ela sabia o que era certo e o
que era bom.
Elizabeth encontrou velas no armário e acendeu-as, mas, quando deixou o quarto, Will já estava
deitado na cama. Ele não dormira bem na noite anterior, quando eles ainda estavam no trem. Ela imaginou
que, quando chegasse ao fim do corredor, ele já teria caído no sono.
A porta do quarto de sua mãe, que ficava no lado leste da casa e dava para a rua, pareceu-lhe mais
amedrontadora do que nunca. Talvez tenha sido por isso que Elizabeth decidiu ir vê-la antes de procurar
Diana ou Edith. Ela abriu a porta com mãos trêmulas, como fazia quando era criança e estava prestes a
encarar a mulher que mais a assustava. O quarto estava na penumbra, mas, antes que os olhos de Elizabeth
pudessem se ajustar à escuridão, ela ouviu o som da respiração de sua mãe. Ela estava respirando. O som de
sua inalação e exalação parecia o de uma onda quebrando na areia, e era o som mais natural que Elizabeth já
ouvira. Por um segundo, ela pensou ter virado criança de novo.
— Mãe — sussurrou ela, tateando em busca da mão da senhora.
Seus dedos longos estavam frios, mas o toque deles era exatamente como Elizabeth se lembrava.
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Dedos acostumados a escrever bilhetes de agradecimento e condolências, e cartas cheias de segredos e ódio.
Agora, Elizabeth já podia discernir o que estava à sua volta com a luz fraca que entrava pela janela e,
quando repetiu a palavra ―mãe‖, viu um par de olhos escuros se abrir. Eles a encararam diretamente, mas
não pareceram reconhecê-la.
— A senhora está bem?
O quarto estava repleto de sombras, mas, mesmo assim, Elizabeth viu que no rosto de sua mãe havia
olheiras profundas e arroxeadas.
— Sabe quem eu sou?
Levou algum tempo, mas a sua mãe, sem tirar os olhos dela, lentamente se ergueu apoiando-se nos
cotovelos. Ela piscou e observou a filha. Elizabeth não sabia se a sra. Holland estava muda de fúria e
espanto, ou mesmo se conseguia vê-la ali. Alguns segundos se passaram, e então a senhora perguntou, numa
voz que não parecia ter sido usada há algum tempo:
— Já é Natal?
— Náo — sussurrou Elizabeth. — Ainda não.
Ela sentiu vontade de chorar, mas controlou-se e disse:
— O Natal é só amanhã.
— Hoje é véspera de Natal?
Os olhos de sua mãe estavam arregalados, mas Elizabeth achou que ela não era capaz de
compreender o que via. As lágrimas rolaram por suas bochechas e, temendo soluçar se respondesse algo em
voz alta, ela simplesmente assentiu. Elizabeth estava chorando por todas as coisas que costumava desejar,
por tudo de que abrira mão e por todas as pessoas que teria de deixar para trás mais uma vez. Estava
chorando pelo sonho de Will, no qual ele a incluíra, sem saber que ela destruiria tudo com suas velhas
responsabilidades.
— Hoje é véspera de Natal, e você é um anjo que tomou a forma de Elizabeth para vir me visitar?
Elizabeth apertou a mão de sua mãe e forçou seus lábios pequenos e redondos a responder:
— Não. É véspera de Natal, e eu sou Elizabeth. Não estou morta. Foi tudo um engano. Eu voltei do..
— Minha Elizabeth é um anjo — disse a sra. Holland, fechando os olhos e se recostando no
travesseiro, com seus cabelos formando um lago em torno de seu rosto branco. — Ela é um anjo, e voltou
para me visitar.
Por um longo tempo, Elizabeth ficou parada ao lado da cama, perguntando-se o que fizera com sua
mãe e como poderia ajudá-la a melhorar. Subitamente, ela compreendeu que, quando partira, levara o último
propósito da vida da sra. Holland consigo.
Após alguns minutos, Elizabeth deitou ao lado da mãe e tentou imaginar como diria a Will que eles
não iam poder voltar à Califórnia até que ela estivesse bem de novo.
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Trinta e Seis
Alguns observadores notaram que a sra. William Schoonmaker e a srta. Penelope Hayes formaram
uma recente aliança, e os mais analíticos passaram a se perguntar se esta ultima não se tornou amiga da
primeira para se aproximar de seu enteado. Será que o jovem Henry Schoonmaker está apaixonado
novamente?
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO JORNAL NEW YORK NEWS
OF THE WORLD GAZETTE, DOMINGO, 24 DE DEZEMBRO DE 1895
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QUANDO CHEGOU A MEIA-NOITE NA VÉSPERA DE NATAL, Henry já estava
completamente exasperado com os dois brutamontes que haviam se tornado seus companheiros constantes.
A situação, de tão absurda, podia ter sido um pouco engraçada no começo — mas não mais. Os dois haviam
sido instruídos a monitorar a quantidade de champanhe que Henry ia beber naquela noite, mas não tinham
sido muito bem-sucedidos nisso. Ele tomara diversas taças, o que fizera sua gravata-borboleta ficar um
pouco torta e seu cabelo não estar mais tão bem penteado. Aquela vontade urgente de escapar dali se
apagara um pouco, transformando-se numa vaga frustração. Henry sabia que Diana estava no mesmo salão
que ele, e estava desesperado para vê-la, nem que fosse de longe. Na última hora, passara a temer que ela
fosse dançar com outro homem.
Após algum tempo, Henry se deu conta de que Diana, onde quer que estivesse, também devia estar
nervosa, precisando de alguns olhares reconfortantes da parte dele. Ela arriscara tudo por Henry, que nem
podia chamá-la para dançar. Pensar nisso fez com que ele sentisse um aperto na garganta de culpa. Ele
jamais estivera numa situação tão ridícula. Sabia que ela estava ali em algum lugar, encostada numa das
paredes do salão, rodeada por aquelas harpias sociais sem coração, com suas expectativas e preconceitos,
abanando-se com seus leques e fazendo comentários maldosos. Diana estaria olhando em volta com trêmula
inocência. E suspiraria daquele seu jeito, fazendo seu corpo inteiro se mover.
Quando Henry viu Diana de novo, ela estava indo embora. O homem que a trouxera — devia ser o
velho sócio de seu pai sobre quem ela falara — ofereceu-lhe o braço, e ela só conseguiu olhar para trás uma
única vez, procurando Henry. Ele, que estava abaixo da entrada em arco com os guarda-costas contratados
por seu pai, deu um passo à frente. Os olhos e os lábios de Diana estavam úmidos como flores orvalhadas.
Antes que ela deixasse o salão, a visão de Henry foi bloqueada por uma mulher cheia de raminhos no
cabelo. Era Penelope Hayes, andando em sua direção. Logo atrás dela, vinha Isabelle.
Henry se inclinou para o lado, tentando ver Diana mais um pouco, e então fingiu que o movimento
fora uma espécie de mesura para Penelope. Ela estava segurando duas taças de champanhe.
— O sr. Schoonmaker disse que vocês dois podem tirar uma folga de dez minutos se quiserem —
disse Isabelle, brilhando devido às inúmeras joias que usava naquela noite.
Ela parou diante de Henry, deixando que um de seus cachinhos louros caísse sobre sua bochecha, e
ajeitou a gravata dele. Os dois homens aceitaram sua sugestão e foram na direção da porta. Isabelle apertou
o pulso de Penelope, deu uma piscadela para Henry e desapareceu no salão, pegando o braço de uma
matrona qualquer que passava e começando a elogiar animadamente sua roupa.
Henry recostou-se no umbral de carvalho que separava o salão de baile da série de pequenas galerias
da mansão. Ele observou a luz, o barulho e o cintilar dos adereços de cabeça das mulheres, desejando que
Diana ainda estivesse ali, mas sabendo muito bem que ela já se fora.
— Não estou com vontade de brincar com você agora — disse ele para Penelope.
— Nós não vamos brincar — respondeu ela alegremente.
Penelope ergueu uma das taças, indicando que ele deveria segui-la se quisesse, e saiu dali com toda a
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fluidez que seu vestido apertado permitia. Henry foi atrás dela, sem saber bem por quê, embora esperasse
que não fosse apenas devido à sua ânsia por um pouco mais de champanhe. Penelope parecia terrivelmente
determinada, e ele adivinhou que seria melhor não ignorá-la no momento.
— Além do mais, você já devia ter concluído que isso nunca foi uma brincadeira para mim, Henry.
Eles foram atravessando as galerias, passando por velhos quadros holandeses que mostravam uvas
negras rechonchudas, caveiras e jarras de vinho cheias até a metade. Henry olhou para trás e torceu para que
ninguém houvesse visto eles dois saindo do salão. Ele obrigou-se a encarar Penelope e viu seus olhos febris
acima da taça de champanhe que ela bebia.
— Mas foi uma brincadeira para mim — disse Henry, pensando tê-la visto estremecer. — Foi
divertido por um tempo, mas agora não é nem um pouco mais. Eu parei de brincar, Penny.
Os ombros cobertos de renda de Penelope ergueram-se levemente e então relaxaram. Ela tomou o
último gole do champanhe e atirou a taça por cima do ombro, espatifando-a contra a parede de carvalho.
Aquilo despertou algo em Henry, mas ele tentou não demonstrá-lo em seu rosto. Penelope mal pareceu se
dar conta do que fizera, tão indiferente ao estardalhaço como se houvesse atirado pétalas de rosa na neve.
— Achei que talvez quisesse brincar de novo — disse ela, com uma voz baixa, mas nada tranquila,
que fez o estômago de Henry embrulhar.
— Não quero — respondeu ele.
Penelope deu uma risadinha que pareceu vir do fundo de sua garganta e os dois pararam de caminhar.
Ela inclinou a cabeça em diversas direções e finalmente olhou para as mãos com um sorriso.
— Oh, Henry. Você ainda não entendeu que, quando está lidando comigo, deve parar um minuto e se
perguntar qual peça está faltando no quebra-cabeça?
De repente, Henry sentiu-se cansado. Exausto. Queria estar em qualquer lugar, menos ali. Mal
conseguiu responder.
— E qual é a peça que está faltando?
Penelope respondeu bem devagar, para que cada palavra fizesse efeito.
— Eu devia ter adivinhado que não era por Elizabeth que você estava sofrendo.
Henry encarou Penelope, mas as pálpebras dela estavam abaixadas. A sala onde os dois estavam
tinha a parede metade revestida de madeira e metade coberta por um papel azul-escuro, e repleta de quadros
que seu pai sabia que devia admirar, mas que na verdade achava melancólicos demais para serem vistos com
muita frequência. Os dois se moveram para mais longe do salão cheio de gente, buscando um pouco de
privacidade.
— Não entendi — disse Henry.
Eu devia ter me lembrado de que você sempre preferência pelas morenas.
O instinto de Henry mandou-o responder com uma piada mas ele não conseguiu soar alegre.
— É, eu tenho mesmo as minhas preferências — admitiu ele.
— E também tem um plano de ataque.
— Se está insinuando que eu...
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— Insinuando? Não estou insinuando nada. Isso seria de tempo para nós dois.
Penelope estava olhando para ele com raiva e orgulho.
— Eu sei que você está envolvido com Diana Holland.
— Não tenho ideia do que...
— A criada viu vocês dois no quarto, de manhã. Que cena mais comprometedora, Henry. Você ficou
descuidado. Não era assim quando estava comigo.
Henry sabia que aquilo era verdade, mas não conseguiu assentir. Ele segurou com força sua taça de
champanhe, como teria feito em qualquer outro momento constrangedor, esperando que Penelope terminasse
o que queria dizer.
— Essa criada das Holland fará o que eu mandar. Ela é boa menina e não quer dizer nada. Mas todo
mundo tem preço, e essa é uma informação muito valiosa. Principalmente para quem escreve colunas
sociais.
— Ninguém publicaria isso.
— Oh, talvez não. Mas talvez sim. De qualquer forma, a partir do momento em que soubessem o que
aconteceu, não parariam mais de comentar. E boatos passados de boca em boca são tão ruins quanto os
publicados nos jornais. Aí, meu amigo Henry, você se encontraria numa situação muito complicada... Você
e uma menininha que nós dois adoramos — concluiu Penelope, dando de ombros.
— Você não pode fazer isso, Penny. Isso arruinaria a reputação dela.
Henry franziu a testa com tanta preocupação que fez surgir sulcos que jamais haviam estado ali
antes. Ele sentiu-se dominado pela vontade de encontrar Diana e protegê-la.
Penelope deu uma risada rouca, não muito diferente da que costumava dar na época em que Henry a
considerara a cúmplice perfeita, quando a via com bem mais frequência.
— Oh, Henry, para alguém que me conhece tão bem, você me compreende muito pouco. Arruinar a
reputação de Diana Holland! Eu acharia isso muito divertido! — afirmou ela, unindo as mãos. —
Finalmente, um passatempo interessante. Mas acho que você já fez a maior parte do trabalho. Eu só
precisaria contar a todo mundo as suas peripécias.
— A culpa foi minha, Penelope. Toda minha.
Henry estava tão alerta que se sentia como se houvesse acordado de um sono de vários dias. Ele
compreendeu subitamente que aquela era sua chance de fazer algo galante. Penelope estava ali, e ela ainda
não espalhara aquele segredo. Henry a conhecia, e pretendia descobrir como impedi-la.
— É a mim que você quer punir — disse ele. — Então, faça-o.
— O que eu quero mesmo é punir vocês dois — explico Penelope com um gesto de desdém. — Mas
não sou má, Henn Sei que a culpa é sua. Vou permitir que arque sozinho com consequências, como um
verdadeiro cavalheiro.
O corpo inteiro de Henry estava tenso de fúria, e ele teve de fechar os olhos para não deixar
transparecer o que estava sentindo. Precisou de alguns segundos para se controlar e assentir.
— A primeira coisa que eu quero que você faça é parar de encontrar com Diana. Mas isso não vai ser
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muito difícil, pois a segunda coisa que quero é que me peça em casamento.
Henry deu um passo à frente sem perceber, e viu-se muito próximo de Penelope. Sua respiração
estava ofegante. Ele normalmente não sentia raiva — não considerava aquela uma emoção muito útil —,
mas, quando ela vinha, era rápida e irreversível. Henry sentiu seu sangue ferver e sabia que Penelope, ali ao
lado também percebera o aumento da temperatura. Ela se encolheu na parede, erguendo um dos ombros e
deixando o outro cair, deu um pequeno sorriso que fez surgir uma covinha em forma meia-lua no canto de
sua boca.
— Não gostou, não foi? — sussurrou Penelope.
Havia uma luz terrível em seus olhos, e ela entreabriu a boca observando-o. Suas íris azuis se
moveram da direita para esquerda.
— Mas pense, Henry, como será melhor se casar com a menina com quem todos já querem vê-lo.
Vai ser uma oca jubilosa, elegante, adorável. Muito melhor do que a ruína da irmã mais nova de sua última
noiva. Mas, se for isso que você escolher... eu cumprirei seu desejo — disse Penelope, dando ombros. —
Não precisa me responder agora.
Penelope saiu da sala, parecendo levar consigo todo o oxigênio. Lá dentro, no salão para onde ela
retornara, os convidados haviam esquecido que era véspera de Natal, e estavam falando alto como em
qualquer outra festa. Na verdade, não era mais véspera de Natal, pensou Henry com tristeza. Já era Natal.
Mas, para ele, não havia alegria naquele dia: em questão de segundos, sua vida fora arrasada.
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Trinta e Sete
É Natal, e a neve cobre toda a cidade. Mas, quando o gelo começar a derreter, e levar consigo todas
as preocupações e distrações dessa época do ano, nós nos perguntaremos se o rumor de que Elizabeth
Holland ainda está viva — relatado a nós por um certo passarinho — se espalhará com mais rapidez. Ou será
que a notícia virá mais cedo, e poderá ser considerada um milagre de Natal? Por enquanto, só podemos
encará-la como um boato sem fundamento.
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO JORNAL NEW YORK RECORD-COURIER, SEGUNDA-
FEIRA, 25 DE DEZEMBRO DE 1899
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A FAMÍLIA GANSEVOORT NÃO TINHA A TRADIÇÃO DE comemorar o Natal de maneira
formal. Eles sempre consideraram satisfatório preparar uma grande quantidade de rum quente com manteiga
para quaisquer primos que resolvessem aparecer para uma visita em sua casa da rua Bond e, no final da
tarde, mandar um dos jovens entregar presentes para os parentes que morassem ali por perto. Encaravam o
feriado apenas como uma boa desculpa para beber um pouco mais do que o normal, de acordo com o
costume holandês, e fazer comentários sobre os filhos uns dos outros. A família Holland era diferente: para
eles, o Natal era uma ocasião importante. Os Holland sempre organizavam uma apresentação de música com
um tema cristão para cerca de cem pessoas, e depois serviam sopa numa sala de estar tão repleta de bicos de
papagaio que os rostos dos convidados chegavam a adquirir um brilho vermelho como as folhas da planta.
Mas todos em Nova York sabiam que Louisa Gansevoort só mantinha as tradições da família do marido que
lhe agradavam, e que sua maneira de celebrar o Natal não estava entre elas.
Esse era um ponto no qual a sra. Holland e sua filha caçula concordavam, o que era muito raro, e
talvez fosse por isso que Diana tinha lembranças felizes dos Natais de sua infância. Nesse dia, ela era
encorajada a recitar seus poemas preferidos, podia se vestir apenas para a família, ganhava lindas coisas
novas e via seu pai — que se deliciava com a oportunidade de ficar sozinho com aqueles a quem mais
amava — sempre alegre. Assim, no dia 25 de dezembro, Diana acordou, viu o sol refletido na camada
recém-caída de neve no jardim dos fundos, e sentiu uma onda de otimismo.
Isso apesar do fato de que se comportara extremamente mal e ainda não fora pedida em casamento
pelo homem que a induzira a fazê-lo.
A noite anterior só lhe proporcionara um gostinho daquilo que ela mais desejava, mas Diana se
levantou com grandes expectativas, como era seu hábito no Natal. Ela vestiu o roupão penteou os cabelos, e
a sensação de felicidade não a abandonou. A presença de Snowden e dos dois grandalhões que não haviam
deixado Henry em paz na festa dos Schoonmaker impedira os dois de ficar a sós por nem um segundo
sequer, mas ele a olhara muito, e a fizera sentir-se amada. Diana até se perguntara se Henry não seria capaz
de descobrir uma maneira de vê-la naquele dia. Ela desceu na esperança de ficar alguns minutos sozinha
com a árvore de Natal, sentindo o cheiro gostoso do pinheiro. Se encontrasse Claire, pediria a ela uma xícara
de chocolate quente. Mas, quando Diana entrou na sala de estar, viu que o chocolate quente já fora servido, e
seu desejo de ficar sozinha desapareceu.
— Elizabeth! — exclamou ela ao ver a irmã sentada em sua poltrona preferida ao lado da lareira, que
continha um fogo modesto.
Suas mãos involuntariamente cobriram seu pescoço, que estava envolto por uma camada de renda
que ia até seu queixo. Mais sons saíram de sua boca, embora eles não produzissem nada de muito inteligível.
Diana correu até sua irmã e atirou-se a seus pés, apoiando a cabeça em seus joelhos. Ela fechou os olhos e
absorveu aquela presença, sentindo que Elizabeth estava mesmo ali, em carne e osso. Foi difícil para Diana
não contar imediatamente o que acontecera entre ela e Henry, mas ela se controlou ao ver Will ali atrás,
sentado num sofá cheio de borlas e ainda com o atiçador nas mãos. A presença dele a fez sentir uma timidez
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que não lhe era característica.
— Diana!
Elizabeth pegou o rosto da irmãzinha entre as mãos e observou-a, inclinando-se e beijando-a na testa.
— Nem acredito que você está aqui! — disse Diana.
Ela finalmente encarou Will, que estava com as longas pernas esticadas, apoiando os cotovelos nos
joelhos. Era engraçado, mas não desagradável, vê-lo ali no meio das antiguidades, objetos de arte e tapetes
persas da mansão. Ele e Elizabeth estavam mais magros e bem mais bronzeados.
— Estou tão feliz — disse Diana. — Está tudo uma bagunça, Liz. Nós precisamos de você! Aposto
que deve ser horrível atravessar o país inteiro e...
Elizabeth interrompeu-a, sorrindo e dizendo gentilmente:
— Não vai cumprimentar Will?
— Oh, olá, Will!
Diana ficou de pé e aproximou-se do ex-cocheiro dos Holland, dando-lhe um beijo em cada
bochecha.
— Eu já sei de tudo — disse ela com ar conspiratório, sentiu o sangue subir-lhe às faces. — E acho a
história de vocês muito romântica.
— Algum dia imaginou me ver aqui, em sua sala de estar?
Will estava muito sério, encarando-a com seus olhos azuis. Seu cabelo crescera bastante desde a
última vez em Diana o vira, e ele havia perdido o aspecto de menino, Os galhos verdes da árvore atrás dele
deixavam seu cabelo avermelhado, retrato do sr. Holland que ficava no consolo da lareira parecia estar
observando-o.
— É claro que imaginei! E... e... além do mais, você já deve ter estado aqui várias vezes, não é?
Quando era criança, e também quando...
Will não sorriu, mas seus olhos mostravam que ele estava divertindo.
— Bom — disse Diana, rindo ao perceber que ele caçoara dela. — Estou feliz de vê-lo agora. E
quanto a você, Liz, precisa dizer o que eu tenho de fazer, pois as coisas andaram tão rápidas entre mim e
Henry que estou um pouco assustada e...
A paciência jamais fora uma das virtudes de Diana, e ela estava tão ansiosa para pedir o conselho da
irmã que quase esquecei que Will estava ali. Mas, quando Snowden abriu a porta de correr — na qual seu
criado ainda não passara óleo, e que ainda gemia ao ser empurrada — ela se lembrou exatamente do que
precisava esconder. Diana se virou, com toda a alegria se esvaindo de seu rosto.
— Srta, Diana — disse Snowden docemente, aproximando-se do grupo. — Espero não tê-la
interrompido.
— Eu...
Diana não soube o que responder. Diversos planos irracionais surgiram em sua mente: talvez ela
pudesse dizer que Elizabeth era outra pessoa, e não a irmã cuja morte ela lamentai tantas vezes na presença
do hóspede de sua família. Ou talvez Snowden não houvesse visto Elizabeth e, se Diana criasse alguma
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distração, ela conseguisse sair da sala sem ser notada. Foi com essa ideia insana que ela falou, com um tom
quase irritado:
— Oh, o senhor não interrompeu nada.
— Ah, não?
Snowden não parecia indignado e nem atônito com a presença de sua irmã morta naquela sala, o que
deixou Diana, que estava inteiramente perplexa com toda a situação, mais aliviada do que confusa. O olhar
dele foi de uma menina para a outra, mas ele esperou pacientemente por uma explicação, e aquela gentileza
só fez Diana ficar mais envergonhada da enorme mentira que contara. Snowden também devia ter visto Will,
mas Diana estava apavorada demais para ver qual havia sido a reação dele. Ela colocou as mãos nas
bochechas, que estavam vermelhas.
— Mas é que eu não estou vestida para recebê-lo — disse Diana, tentando evitar o fato que se
tornava cada vez mais óbvio a cada segundo que se passava.
— Você não deve ter tanta cerimônia comigo, pois já deve saber que eu amo sua família como se ela
fosse a minha própria.
Snowden inclinou de leve a cabeça e bateu os calcanhares de suas botas puídas. Diana tinha certeza
de que ele devia estar se sentindo ludibriado pelas Holland, que haviam se beneficiado de sua generosidade e
deturpado a verdade. Mas não fora a família toda que fizera isso — apenas ela.
Diana estava começando a ficar desesperada, sem ter ideia de como faria para lidar com aquilo,
quando Elizabeth se aproximou dela. Ela colocou a mão no ombro de Diana gentilmente, o que a acalmou
um pouco.
— Veja, Elizabeth está viva! — disse Diana, abanando as mãos como se a natureza ilógica do evento
houvesse acabado de lhe ocorrer.
Talvez, pensou ela num momento de pura loucura, se conseguisse fingir que acabara de descobrir
aquilo, Snowden não ficaria tão chateado. Diana deu uma risada que não continha nenhuma alegria, e que
foi desagradável até mesmo para seus próprios ouvidos.
— Sim, estou vendo — respondeu Snowden.
Fez-se um silêncio. Diana não conseguiu ficar imóvel nem por um segundo e, após algum tempo,
olhou para a irmã com grande aflição. Finalmente, Elizabeth disse:
— Sei que o senhor deve achar muito estranho me ver aqui depois de ouvir dizer que eu estava
morta.
— Estranho? — repetiu Snowden, enunciando devagar a palavra com seus lábios finos. — Não é
estranho. É um milagre! Estou tão feliz por estar aqui nesse momento fabuloso. Conheci bem seu pai,
Elizabeth, e devo muito a ele. Não sei se Diana lhe contou...
Diana balançou a cabeça com remorso, torcendo para que Snowden não contasse a Elizabeth o
quanto ela fora negligente com ele, e como fora uma má anfitriã. Afinal de contas, Elizabeth jamais teria
permitido que alguém fizesse tanto pela família sem dar em troca pilhas de charme e atenção. E o que
Snowden pensaria do Will, parado ali atrás, ainda com suas roupas de cocheiro?
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—... mas eu havia sido encarregado de vender algumas terras de seu pai há algum tempo. Não vou
aborrecê-la com os detalhes, mas consegui fazê-lo recentemente, e vim ajudar sua família a se reerguer.
Espero que não me considere impertinente, srta. Holland, se eu observar que a situação financeira de vocês
não estava boa, e que ela precisa ser retificada.
Elizabeth se aproximou de Snowden e pegou a mão dele. Apesar de estar vendo apenas suas costas,
Diana sentiu que sua irmã havia assumido o ar acolhedor e radiante que lhe era tão próprio. O sol entrou
pelas varandas envidraçadas e iluminou seus cabelos louros. Quando ela falou, foi com o tom de voz doce e
baixo de uma menina bem mais velha:
— Obrigada por tudo, sr. Cairns. Quanta gentileza. Sei que meu pai tinha muita afeição pelo senhor,
e posso ver claramente que gostaria de retribuí-la. Eu e minha família somos muito gratas.
— É uma honra — disse Snowden, fazendo uma mesura sem soltar a mão de Elizabeth. — E eu serei
ainda mais ousado e lhe direi meus criados trouxeram alguns presentes que eu adoraria distribuir entre
vocês. Mais tarde, espero que me permita estocar a cozinha com todo o necessário para uma bela ceia de
Natal.
Diana olhou para WiIl, que estava muito empertigado com as mãos atrás das costas, vestindo uma
camisa xadrez azul e preta que fazia um belo contraste com sua pele bronzeada. Todo seu constrangimento e
confusão deviam estar evidentes em seu rosto, pois ele piscou para ela de uma forma que aliviou sua tensão.
— Oh, sr. Cairns, o senhor é gentil demais — disse Elizabeth leia de doçura, com ambas as mãos
tocando as dele. — Não posso imaginar uma maneira melhor de celebrar o Natal...
Diana discerniu o vulto no hall no segundo em que sua irmã parou de falar. Ela virou o rosto e notou
que a mulher que os observava pela porta parcialmenre aberta parecia ter tentado arrumar o cabelo, embora
o esforço os houvesse deixado mais desgrenhados ainda. A longa camisola, que era apertada no busto e no
pescoço, mas se abria na altura da cintura e dos cotovelos, dava à sra. Holland a aparência de um membro
insano de um coro grego, pensou Diana antes de se dar conta da gravidade da situação. Seu corpo era
franzino, mas seus olhos estavam imensos e cheios de ansiedade, e suas íris pareciam dois lagos negros
numa floresta.
É essa a cara que as pessoas fazem quando estão surpresas, pensou Diana, percebendo então que ela
e sua irmã teriam muito a explicar.
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Trinta e Oito
As grandes damas da alta sociedade se apegam muito a seus ressentimentos. Algumas que conheço
guardam mágoas há vinte anos, contra os próprios filhos e irmãs. Essas senhoras têm o direito de sentir o
que quiserem, mas, quando acordo na manhã de Natal, espero que esse dia festivo possa servir de ocasião
para reconciliações.
TRECHO DE AS LEIS DO CONVIVIO NA ALTA SOCIEDADE
DE L.A.M. BRECKINRIDGE
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ELIZABETH NÃO SOUBE QUANTO TEMPO O SILÊNCIO durou; horas, talvez. Ela percebeu
que sua mãe estava observando-os do haIl e então, antes que alguém emitisse qualquer som, lembrou-se de
tudo que costumava ser esperado dela e se virou, lentamente, para encarar a diminuta matriarca. Elizabeth
sentiu-se feia e desarrumada. Estava com o mesmo vestido gasto — procurara outra roupa em seu armário,
mas todas haviam desaparecido — e teve a sensação de que estava nua. A boca da sra. Holland se abriu e ela
mal respirava, mas estava parada com uma firmeza que, após seu comportamento na noite passada,
Elizabeth não acreditara que ainda possuísse. Parecia estar usando aqueles segundos para verificar cada
centímetro de sua filha. Finalmente, ela foi até o centro da sala com passos largos e apertou-a contra o peito.
— Graças a Deus. Graças a Deus — repetiu ela.
Elizabeth era criança da última vez em que se aproximara tanto do corpo de sua mãe. Mas aquele
momento passou rapidamente. A sra. Holland manteve a mão no cotovelo da filha e deu um passo atrás.
— Claire! — gritou ela com uma força que tranquilizou um pouco Elizabeth em relação ao estado de
sua saúde. — Claire, venha aqui!
Claire veio correndo, e suas bochechas enormes estavam rosadas de exaustão. Ela colocou uma das
mãos no estômago sobre seu vestido preto simples e olhou em torno. Elizabeth sorriu para ela e Claire, após
encará-la por diversos segundos, ficou com a ponta do nariz vermelha e cheia de lágrimas nos olhos.
— Claire — disse a sra. Holland num tom autoritário, colocando a outra mão na nuca de Elizabeth
com firmeza e afeição —, feche as cortinas. A srta. Holland voltou para nós, como você pode ver. Poderá
conversar com ela mais tarde. Sr. Cairns, por favor me perdoe. O senhor deve nos achar uma família muito
excêntrica. Espero que ceie conosco hoje. Diana...
Todos olharam para Diana, que levou a mão à renda do pescoço mais uma vez, mostrando que estava
louca de vontade de sair correndo dali.
— Sim?
Elizabeth viu que, mesmo de manhã, com os cabelos mal penteados e o rosto sem nenhuma
maquiagem, ela radiava com um brilho adorável. Estava mais adulta, e parecia mais consciente de sua
beleza.
— Diana, ajude Claire a preparar um almoço para o sr. Cairns. E lhe faça companhia a ele.
Os olhos da sra. Holland percorreram a sala, como se ela estivesse avaliando a extensão de sua
autoridade rediviva. Claire fechara as cortinas, o que mergulhou o cômodo na escuridão. Agora, a sala
estava de novo com o aspecto que era tão familiar a Elizabeth. Sem a luz natural, era quase impossível notar
que os vasos chineses não estavam mais em seus lugares, ou que um ou dois dos quadros haviam sido
retirados das paredes. À sua volta, havia de novo a coleção rica e multicolorida de belos objetos que sempre
representara a família Holland.
— E quanto a você, Keller... — continuou a sra. Holland.
Elizabeth sentiu uma pontada de pânico.
— Mamãe, não é culpa dele. Ele...
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— Não sei do que está falando, Elizabeth — disse sua mãe, apertando de leve sua nuca e fazendo
com que ela compreendesse que deveria se calar como se a ordem estivesse emanando da palma de sua mão.
— Eu ia perguntar a Keller onde ele esteve esse tempo todo. Não encontrei ninguém que entendesse tanto de
cavalos quanto você, e culpo-lhe por ter tido que vender os meus — continuou ela, dirigindo-se a Will.
— Eu lamento, sra. Holland.
Will encarou-a como alguém que se prepara para sair de casa numa manhã gelada de inverno. Ele
moveu a cabeça levemente, mas sustentou o olhar.
— Mas a senhora sabia que eu não podia ficar aqui para sempre.
Ele piscou os olhos e observou Elizabeth. Ela quis ir para o lado dele e mostrar a todos o que sentia,
mas soube, pela expressão de Will, que isso não seria necessário.
— Keller, nós discutiremos isso mais tarde.
A mão da sra. Holland passou para o pulso de Elizabeth, que se sentiu sendo levada para fora da sala
de estar. Os outros quatro nada disseram. Elizabeth pôde apenas sentir o cheiro do pinheiro, ouvir o crepitar
do fogo que Will fizera na lareira e ver o pequeno sorriso que ele lhe deu antes de ser arrastada dali. Ela
subiu a escada com sua mãe, sentindo aquele velho medo da luva dela e se perguntando como faria para
explicar onde estivera. Apesar de tudo, era um certo consolo sentir a força e a vitalidade com que a sra.
Holland apertava seu pulso.
Elas haviam acabado de chegar ao segundo andar da mansão quando Elizabeth viu a cabeça de sua
tia Edith surgindo no terceiro andar, acima do corrimão.
— Elizabeth! — gritou ela.
Edith, sem tirar as mãos do corrimão, correu para baixo e enlaçou a sobrinha.
— Como é possível? — sussurrou ela, se afastando e olhando para Elizabeth.
Suas maçãs do rosto estavam bem marcadas sob a pele envelhecida, mas Elizabeth observou que
Edith ainda possuía a beleza das mulheres da família Holland, pela qual fora famosa na juventude. Ela viu
que seus olhos pequenos e redondos estavam cheios de emoção.
— Não é melhor nos sentarmos em algum lugar? — sugeriu Elizabeth.
As outras duas a levaram até o quarto principal da casa. Elizabeth e Edith sentaram nas poltronas que
ficavam perto da lareira, enquanto a sra. Holland aproximou-se da janela, abriu a cortina de chita e observou
a rua, mantendo fechadas as cortinas mais finas de renda.
Nenhuma palavra fora dita ainda. A Elizabeth que ela fora treinada para ser voltara a dominá-la e,
para uma garota como aquela, não havia meios de explicar o que a fizera fugir para o Oeste. Mas Edith
estava observando-a e, com o olhar, insistindo para que dissesse algo. Sua boca estava contraída, como se
ela tentasse conter o choro, e seus olhos marejados brilhavam. Os segundos se passaram, e Elizabeth viu que
teria de ser a primeira a falar. Após começar, não conseguiu mais parar.
— Eu não podia me casar com Henry Schoonmaker. Não podia. Precisei dar um basta naquela
situação. Eu amo Will, mamãe.
Elizabeth olhou para a mãe, mas não discerniu mudança alguma em sua expressão. A revelação
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parecia ter sido chocante demais para Edith, que abaixou os olhos.
— Ele já tinha ido embora quando me dei conta. Quer dizer, eu sabia que o amava, mas ele já partira
quando percebi que não podia viver sem ele. E que não podia me casar com Henry. Por isso, segui Will e o
encontrei na Califórnia. Ele estava trabalhando no porto e guardando dinheiro para arrendar um pedaço de
terra perto de Los Angeles. Ele sempre trabalha duro, e já havia conseguido economizar bastante. Começou
a economizar quando ainda estava aqui em Nova York. Will achava que havia petróleo nessas terras, e nós
encontramos mesmo. Will diz que há tanto petróleo que nós vamos ficar ricos... E então poderemos ajudar a
senhora, mamãe. É o que Will quer também.
— Oh, Elizabeth — disse a sra. Holland, soltando um suspiro tão fundo que teria sido capaz de
encher um balão de ar. — Eu tinha tantas esperanças para você.
— Eu sei. Sei que tinha.
Elizabeth sentiu os olhos ardendo e, pela primeira vez no dia, não foi capaz de encarar sua mãe. Ela
observou aquele quarto onde entrara poucas vezes desde sua infância, com a imponente cama de dossel e o
papel de parede cor de trigo. Não era um quarto grande, e as três mulheres estavam tão perto umas das
outras que Elizabeth sentiu o desconforto e a confusão das outras duas de forma quase concreta.
— Parece até um dos sonhos do seu pai — continuou a sra. Holland com impaciência.
Edith pareceu prestes a dizer algo, mas decidiu permanecer calada. A sra. Holland largou a cortina e
disse com amargura:
— Você poderia ter se casado com qualquer homem desta cidade.
— Eu poderia — respondeu Elizabeth delicadamente. — Mas não consegui.
— Entendo — disse a sra. Holland.
Sua mãe encarou-a tristemente durante um longo tempo. Era possível ver partículas de poeira
dançando no raio de luz que entrava da janela.
— Oh, Elizabeth. Como é terrível tê-la de volta e descobrir que não é você de verdade.
— Mas sou eu, sim, mamãe. E nós vamos ser ricos de novo. Por causa de WiIl.
A sra. Holland não se comoveu com isso. Ela começara a balançar a cabeça e a apertar as mãos,
nervosa.
— É uma loucura tão grande, Lizzy. Não sei por que você acha que pode simplesmente fazer o que
quiser. Fugir desse jeito! Sabe em que estado deixou esta família? Sabe em que estado eu fiquei?
— Sei, sim — disse Elizabeth tão baixinho que parecia estar falando de outro cômodo.
— Bem, você não vai voltar para a Califórnia de jeito nenhum. E vai acabar com esse envolvimento
com Will Keller...
— Louisa — interrompeu Edith sem encarar a cunhada, mas com a voz firme. Meu irmão sempre
gostou desse menino. E, de qualquer maneira, você sabe que é má ideia separar dois amantes.
Elizabeth tinha certeza de que a palavra ―amante‖ causava tanto constrangimento em sua mãe quanto
nela. Mas a sra. Holland não respondeu imediatamente, e a mudança em seu rosto foi tão significativa que
Elizabeth se perguntou se Edith não estava se referindo a uma parte da história da família que lhe era
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desconhecida.
— Oh! — exclamou a sra. Holland, cobrindo o rosto com as mãos e encolhendo os ombros. — Oh,
Elizabeth.
Enquanto isso, no andar de baixo, a mansão das Holland estava em grande agitação. Para alívio de
Diana, Snowden não parecia ter percebido que havia sido vítima de uma elaborada mentira.
— Que dia milagroso — disse ele ao ver Diana descer a escada, após ter ido a seu quarto trocar o
roupão e a camisola por uma saia de listras horizontais verdes e uma blusa negra de chiffon. — Como eu
tenho sorte de ter presenciado o retorno da srta. Holland.
— E como nós temos sorte de o senhor estar aqui para celebrá-lo conosco — disse Diana, que ainda
estava se sentindo culpada e queria ser muito educada com Snowden. — A festa não teria sido grande coisa
sem o senhor.
Isso era verdade, pois fora graças a ele que eles agora tinham todos os alimentos necessários para
uma bela ceia de Natal. Os criados de Snowden estavam espalhados por toda a casa, sacudindo as velhas
toalhas de mesa e polindo as baixelas de prata, passando a todo instante com candelabros, vasos e almofadas
nas mãos.
— Já que sua mãe e sua irmã estão ocupadas, talvez você possa ajudar a decidir o cardápio da ceia e
entregá-lo à srta. Broud? — pediu Snowden com um sorriso tímido. — Já que temos que esperar pelos
outros para almoçar.
— É claro, sr. Cairns....
Diana se interrompeu ao ver uma silhueta lá fora pelo vidro da porta, sentindo-se eufórica ao
perceber quem era.
— Sr. Cairns, o senhor me daria licença um minutinho?
— Pois não.
Diana foi rapidamente para a porta e andou até o portão de ferro trabalhado ao lado do qual estava
Henry, no terceiro degrau, usando um casaco negro e um chapéu da mesma cor. Ela fechou a porta atrás de
si, mas, ao olhar para trás, viu que Snowden ainda estava no meio do hall de entrada.
— Nós estamos sendo observados, Henry — disse Diana, tentando manter-se serena e não sorrir
demais, e sentindo o ar gélido atravessando sua blusa. — Não faça nenhuma bobagem — continuou ela com
uma piscadela que pedia exatamente o contrário.
— Preciso conversar com você.
Henry estava olhando-a com muita seriedade, e não parecia ter dormido aquela noite. Diana achara
tão difícil ficar longe dele que temera ficar doente, mas agora via que, para Henry, a separação fora muito
pior. Ela já ouvira dizer que os homens não estavam acostumados a ter de esperar por nada, e talvez isso
explicasse seu estado.
— Não posso conversar agora, Henry. Aconteceu uma coisa extraordinária, e todos estão nervosos.
Vão perceber se eu me ausentar.
Diana achou que estava se arriscando muito só em conversar com ele assim, na rua, e pensou ouvir as
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batidas fortes do coração de Henry apesar de haver tanta distância entre os dois. Ela sentiu uma vontade
cada vez maior de esticar o braço e tocar seu rosto.
— Mas, Diana...
Henry deu um passo na direção dela, e Diana quase jogou tudo para o alto e beijou-o. Mas Snowden
ainda estava li, no hall... Ela podia sentir o olhar dele. Sabia que acabaria se traindo se continuasse a
conversar com Henry e, por isso, deu um passo atrás e colocou a mão sobre a maçaneta da porta.
— Henry venha mais tarde. Hoje à noite. Mas, se ficar aqui agora, vai acabar me metendo numa
confusão!
Diana abriu a porta, impedindo Henry de responder. Mas ele manteve os olhos presos nela, e havia
tanto desejo neles que ela se sentiu um pouco fraca. Aquele olhar a fez sentir-se tão adorada que Diana
precisou sustentá-lo por alguns segundos antes de entrar de novo na casa, pronta para enganar Snowden
mais um pouco.
Depois de haver conversado por diversas horas, Elizabeth saiu do quarto da sra. Holland e viu que
Will estava esperando por ela. Não ao lado da porta, de onde poderia ter ouvido a conversa, mas perto o
suficiente do cômodo para que ela o encontrasse ali assim que a discussão houvesse terminado. Elizabeth foi
até o meio do corredor, onde ele estava parado, pegou sua mão e levou-o para a escada dos fundos, usada
pela criadagem. A escada de teto baixo estava imersa na escuridão. Era aquele caminho que Elizabeth
sempre tomara para ir ver Will, quando seu desejo começara a ficar mais forte do que seu medo das
consequências, e antes que ela tivesse de tomar qualquer decisão.
— O que ela disse? — perguntou Will.
— Ela nos abençoou.
A respiração de Elizabeth estava ofegante, entrecortada. Ela ficara muito aliviada ao ver que sua mãe
estava viva e que sua família não estava passando necessidades graças à providência divina, mas também se
sentira exausta por ter de ser tão verdadeira numa casa em que já mentira tão impecavelmente. Os atos de
Elizabeth e Will passariam a ser mais concretos do que nunca, pois ela proclamara suas intenções em voz
alta. Ela pressionou sua testa contra a dele.
— Ah — disse Will, com tanta gratidão na voz que nem precisou dizer palavras de agradecimento.
— Pois é — confirmou Elizabeth, sentindo o gosto salgado das lagrimas que lhe saltavam dos olhos.
— Ela deu duas condições para aceitar nossa união. A primeira é que devemos nos casar.
Will abraçou-a com força. Elizabeth sentiu-se esmagada conta ele, mas a sensação era boa.
— A segunda é que precisamos ir embora. Mamãe disse que, se alguém descobrir, isso arruinará para
sempre a reputação da família. Ela disse que talvez vá nos visitar. Mas não podemos ficar aqui.
Os dois estavam respirando devagar, e inalaram ao mesmo tempo. Alguém desceu a escada principal,
fazendo ranger os degraus, e outra pessoa estava dando instruções na cozinha.
— O que você acha? — perguntou Will.
— Acho que você vai precisar comprar um terno para se casar comigo — disse ela, fechando os
olhos com força.
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Lá embaixo, Claire já estava dizendo como a mesa deveria ser posta, e fazendo uma lista do que
ainda precisava ser comprado para a ceia. Mais tarde, quando a noite começasse a cair, eles comeriam peru
com molho de nozes e creme de batatas com champanhe. Trocariam presentes, brindariam e rezariam juntos.
Mas, por enquanto, Elizabeth queria apenas ficar ali, no escuro, sendo enlaçada por Will.
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Trinta e Nove
A cidade inteira já sabe que William S. Schoonmaker quer ser nosso prefeito. mas, até agora, ele não
baseou sua candidatura em nada além da terrível morte da noiva de seu filho. Só que Henry já foi visto em
ocasiões sociais e até já dançou com outras meninas, o que fez surgirem rumores de que estaria apaixonado
de novo. Se sua primeira noiva estiver realmente viva, como o surgimento de sua aliança de noivado parece
indicar, será que o jovem Schoonmaker voltará a cortejá-la? Sem dúvida seu pai tem fortuna o suficiente
para oferecer uma bela recompensa por seus supostos raptores...
TRECHO DE MATÉRIA DA PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL
NEW YORK NEWS OF THE WORLD GAZETTE
26 DE DEZEMBRO DE 1899
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QUERO UMA DÚZIA DE ROSAS BRANCAS, UMA DÚZIA DE frésias brancas, um ramo
grande de branquinhas... — Diana se interrompeu. Ela não fizera uma lista, e já esquecera alguns dos itens
que sua irmã lhe pedira para comprar.
Ontem, após aquele breve encontro com Henry, Diana correra para seu quarto, tentando ficar a sós
por alguns segundos. Fora então que vira Elizabeth e Will se abraçando, e recebera a boa noticia. Ela se
sentira tão feliz com todo aquele amor — o seu e de Henry, e o de Elizabeth e de Will — que se oferecera
para ir pessoalmente ao florista quando sua irmã relatara tudo o que precisava ser feito. Afinal, era muito
melhor fazer aquilo do que ficar trancada em casa, sendo ―boazinha‖ com Snowden. Ali, Diana estava livre
para imaginar que flores escolheria para seu casamento com Henry.
Ele não viera visitá-la na noite passada, mas só vê-lo no portão fora o suficiente para ocupar seus
pensamentos e destruir sua concentração. Landry, o florista, sorriu para Diana do outro lado do balcão de
mármore de sua loja na Broadway; ele já dissera que, naquele dia, quase ninguém comprava flores.
— Oh! E lírios também! O senhor por acaso tem...
— Parece até que são flores para um casamento.
Diana viu o reflexo dele no espelho que havia atrás da caixa registradora. As paredes da loja de flores
eram cobertas de espelhos e azulejos brancos. Ela olhou nos olhos curiosos do colunista por alguns segundos
e então se virou, para que o sr. Landry não notasse o sorriso maroto que deu.
— Sr. Barnard! O senhor por acaso está me seguindo?
— De maneira alguma — disse Davis Barnard, num tom que náo a convenceu nem um pouco.
— Bem, essas flores não são para um casamento — disse Diana alegremente. — Sempre compramos
muitas flores brancas para celebrar o Natal em nossa casa. Pode publicar essa informação, se quiser.
Ela se voltou para o sr. Landry e pediu que a encomenda fosse entregue na quinta-feira de manhã.
— Não vai comprar flores, sr. Barnard? — perguntou Diana ao homem enquanto ambos se
encaminhavam para a rua.
— Eu ia, mas minha necessidade diária de beleza foi satisfeita com a visão da senhorita — respondeu
ele, segurando a porta para ela.
Lá fora o sol estava brilhando, o que não impedia o vento gelado de incomodar os passantes. Diana
apertou seu casaco caramelo contra o peito, vendo as folhas secas sendo arrastadas pela calçada e formando
rodamoinhos no ar.
— Que adulação impressionante. Vou acabar me perguntando se o senhor não está querendo me
enganar por algum motivo.
— Espero que não imagine que preciso mentir para elogiar sua beleza.
— Oh, não posso lhe contar o que acho de verdade — disse Diana, escondendo o rosto com a aba de
seu chapéu. — Certos mistérios devem ser mantidos e, por enquanto, não vou revelar a opinião que tenho do
senhor e de seus elogios.
— Aguardarei ansioso pelo dia em que decidir contá-la a mim. Mas a senhorita tem razão. Tenho
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mesmo um motivo para querer abordá-la — disse Barnard, empurrando o chapéu para trás da cabeça e
erguendo uma de suas sobrancelhas escuras.
— É claro que tem! Diga qual é.
Eles estavam subindo a Broadway e, embora o frio estivesse deixando-a congelada, Diana sentiu-se
estranhamente contente por estar na companhia do colunista. Talvez fosse porque sabia ter segredos maiores
do que aquele homem podia imaginar, segredos que jamais revelaria a ele. Davis Barnard posicionou-se à
esquerda de Diana, protegendo-a dos olhares de qualquer um que passasse pela rua, e observando-a de um
jeito que a fez imaginar se ela possuía alguma qualidade qualquer da qual não tinha conhecimento. É claro
que ela ficava mais radiante do que nunca quando pensava em Henry, e andava pensando em Henry o tempo
todo.
—Meus leitores querem muito saber o que anda acontecendo com você, srta. Diana — disse Barnard,
com o ar um pouco brincalhão. — Não tem nada para nos contar? Algum casamento à vista? Ou alguma
novidade sobre esse tal de Snowden Cairns?
— Ele não é um admirador meu, se é isso que o senhor está perguntando — respondeu Diana
rapidamente, lembrando-se dos problemas que arrumara da última vez em que a coluna publicara que estava
sendo admirada.
— Não? Huuummm... E quanto a essa ceia de Natal?
— Ah! — disse Diana, feliz, subindo a avenida com um pouco mais de rapidez. — Nós comemos
peru com uva do monte, torradas com aspargos, alface de estufa com maionese e pudim de ameixa de
sobremesa!
— Não brinque comigo, Diana. O que quero saber é se tiveram algum convidado especial. Talvez
alguém cujo nome comece com a letra ―E‖?
Diana deu um sorrisinho misterioso. Ela ficou surpresa ao constatar uma leve vontade de contar tudo
a ele, embora não soubesse se era porque queria que a verdade fosse descoberta, ou se simplesmente gostava
de manipular o que saía no jornal.
— Não tenho ideia do que o senhor está falando — disse Diana após alguns segundos.
Barnard suspirou. Ela jamais o vira decepcionado, e o desejo de revelar seu grande segredo ficou
ainda mais forte. Mas Barnard já estava olhando em outra direção, tentando acender um cigarro apesar do
vento.
— O senhor não tem mais nada para publicar? — perguntou Diana fazendo carinha de pena.
— Tenho duas notícias — respondeu ele, encarando-a por um momento e exalando uma nuvem de
fumaça— Mas não gostaria de publicar nenhuma delas.
— E por que não?
O ritmo das batidas do coração de Diana aumentou. Seria possível que Davis Barnard estivesse com
ciúmes dela? Será que tinha ouvido falar que Henry a amava e que eles talvez fossem se casar? Era um
pouco insano que a novidade houvesse se espalhado tão rapidamente, Diana tinha de admitir; mas Barnard
estava lhe perguntando sobre um casamento, e isso talvez explicasse por que Henry fora tão vigiado durante
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a festa de véspera de Natal.
— Porque nenhuma das duas é muito boa para as Holland, e a senhorita sabe que eu detesto escrever
qualquer coisa que possa magoar sua família.
Eles estavam na altura da rua 20 leste, e Diana observou o rosto do colunista para tentar adivinhar o
que ele queria dizer com aquilo. Ela teria de pegar aquela rua; estava quase em casa.
— A primeira é sobre Elizabeth — explicou Barnard. — Era por isso que eu estava perguntando
sobre ela. Parece que sua aliança de noivado foi vendida para uma loja de penhores no oeste, e agora todos
estão achando que ela está mesmo viva.
O coração de Diana lhe subiu até a boca, e ela deu uma risada bem alta, tentando disfarçar o fato de
que estava vermelha como uma rosa.
— Se isso fosse verdade, eu certamente saberia — disse ela com irritação, sem saber se estava
soando convincente ou não.
— Seria maravilhoso, é claro... — disse Barnard com sinceridade. — Embora a loja de penhores não
seja um elemento muito agradável da história. Se ela estiver mesmo viva, é preciso saber pelo que está
passando. Mas sei que seria terrível voltar a ter esperanças e então descobrir que elas foram infundadas.
Havia pouca gente na rua, e todos estavam com frio demais para prestar atenção naquela menina de
boa família e no jornalista que conversavam numa esquina da Broadway. Subitamente, Diana desejou
desaparecer dali.
— Sim. Além disso, tenho certeza de que a Tiffany vende muitos anéis.
— Bem, são só rumores. Ninguém sabe ao certo. Mas estão falando em fazer uma busca pelo homem
que vendeu o anel e prendê-lo. — Barnard fez uma pausa e observou Diana. — Mas creio que a senhorita
não acredita que ela possa estar viva, não é?
— E qual é a outra notícia?
Diana quase teve medo de perguntar, mas estava ficando cada vez mais gelada e nervosa. Achou que,
se ele continuasse a falar sobre Elizabeth, ia acabar se traindo.
— Ah! Bom, essa não é tão ruim se olharmos por um certo ângulo. Mas algumas pessoas podem
dizer que Henry Schoonmaker não devia ter ficado noivo de Penelope Hayes logo agora...
— O quê?
Diana perdera toda a capacidade de disfarçar suas emoções. Sua visão se enegrecera, e ela precisou
se controlar para não se apoiar no ombro largo do colunista. Gramercy ficava a apenas alguns quarteirões
dali, mas ela sentiu-se presa naquela esquina assimétrica, rodeada por prédios enormes e pelo ruído do
tráfego.
— É, também não gostei. Mas é isso mesmo. Foi aquele tal de Isaac, com quem Penelope sempre
anda, quem me contou. Ele é meu primo, embora eu não goste muito de admitir. Pelo menos é só primo de
segundo grau...
— O noivado vai ser anunciado?
Então aquilo era a traição. Era como ser deixada sozinha num deserto ao anoitecer, sem água ou
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calor. Deixava a boca seca e a alma quebrantada. Secava as lágrimas e deixava um oco no lugar. Aquilo
parecera impossível a Diana até que ela se lembrara do olhar de Henry ontem, quando ele a esperara no
portão, e que ela acreditara ser a expressão de um amante desapontado. Henry quisera lhe contar o que
acontecera, ou talvez raptá-la e fugir com ela. Mas nada disso importava mais. Agora, Diana sabia a
covardia da qual ele era capaz.
Davis deu de ombros.
— Todo mundo gosta de atenção. Acho que vou publicar. É uma bela notícia, se não levarmos em
conta a falta de bom gosto que ela implica...
Diana não ouviu mais nada. Ela correu pela rua 20 com uma rapidez absurda, com todo o corpo
tremendo. O frio dominou-a, chegando a deixar dormentes seus dedos dos pés. E seu coração também. Tudo
o que queria, naquele momento, era chegar em casa e encontrar Elizabeth antes que o choro viesse.
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Quarenta
A véspera de Natal foi marcada pela deliciosa festa dada pelos Schoonmaker, na qual a herdeira de
uma fortuna feita em minas de cobre, Carolina Broad, foi um grande sucesso. Ela tem os modos simples do
oeste, mas sua beleza natural foi muito admirada por todos os jovens cavalheiros que estavam presentes. Em
particular Leland Bouchard, da família de banqueiros, que foi acusado por um de seus amigos de roubar para
si todas as danças da senhorita em questão...
NOTA DA COLUNA “GAMESOME GALLANT”, DO JORNAL NEW YORK
IMPERIAL, TERÇA-FEIRA, 26 DE DEZEMBRO DE 1899
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AS LOJAS DE DEPARTAMENTO NÃO TINHAM MAIS O mesmo fascínio para Carolina.
Tristan lhe dissera que ela precisava arrumar um costureiro particular: segundo ele, meninas de sua classe
não usavam prêt-à-porter. Devia ser verdade, afinal, não seria vantagem nenhuma para Tristan fazer com
que ela parasse de comprar na Lord & Taylor, pois ele receberia menos comissões. Mas aquele ainda era o
dia 26 de dezembro e todos os melhores costureiros estariam fechados até o próximo ano, explicara Tristan
quando Carolina aparecera na loja para comprar blusas, saias, acessórios e algumas roupas de baixo na conta
do sr. Longhorn.
Quando Tristan perguntou, ela lhe contou que não estava nem um pouco constrangida com seu
combinado com o sr. Longhorn. Embora o cavalheiro nunca indagasse nada sobre seu passado, Carolina,
durante a ceia de Natal feita pelos dois no restaurante do hotel, mencionara ter uma irmã que morava na
cidade, o que o levara a afirmar que a outra srta. Broad também devia receber presentes naquele feriado. Por
isso, ali estava Carolina na Lord & Taylor, observando as fileiras e mais fileiras de mesas repletas de objetos
preciosos, sem sentir medo nem desejo irreprimível, mas apenas a deliciosa certeza de que poderia levar o
que quisesse.
— De qualquer forma, srta. Broad, a senhorita está com a aparência muito boa hoje...
Carolina deu um rodopio, vendo seu reflexo no espelho e imaginando-se com o pescoço longo, os
lábios grossos, os olhos sedutores e os cabelos sedosos de uma garota Gibson.
— Tristan — disse ela languidamente —, vou precisar de toda a sua ajuda hoje.
Tristan observou-a, passando os dedos pela borda da mesa de madeira. Ele estava usando uma
camisa e um colete marrom, mas não um paletó, e seu queixo estava macio, como se a barba houvesse sido
feita naquela manhã.
— Hoje, não vou servir mais ninguém — respondeu Tristan. — Você é um sucesso, minha linda.
Carolina inclinou a cabeça, perguntando-se se ele tentaria beijá-la de novo. Sabia que não devia mais
permitir isso, mas a lembrança ainda a excitava. Ela descobrira que era bom ser tocada.
— Funcionou mesmo, não foi?
Tristan disse isso bem baixinho, mas Carolina não gostou de ouvi-lo falar naquele assunto em
público.
— Você achou que não ia dar certo... — continuou ele. — Dava para ver. Estava com uma cara tão
assustada aquela noite no hotel! Mas eu sabia. Sou experiente e sei quando posso atacar.
Carolina assentiu, nervosa, sem querer ter aquela conversa.
— Mas eu preciso lhe dizer algo antes de escolhermos coisas para você... — disse Tristan, num tom
que ela jamais ouvira antes e que a fez se virar para encará-lo. — Já fiquei amigo de outras senhoritas de alta
classe no passado e, quando tinha uma pequena dívida ou algum outro gasto, pegava uma coisa aqui e ali
ninguém nunca notava.
Tristan fez uma pausa e desviou o olhar. Algumas vendedoras passaram atrás dele.
—Tenho de lhe confessar algo. Fui eu que peguei seu dinheiro. Não sabia que era tudo o que tinha.
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Carolina não soube se devia ficar zangada ou assustada com aquela notícia, ou se devia passar a
confiar mais ou menos em Tristan. Antes que pudesse decidir, ele deu um sorriso travesso continuou a falar.
— Mas viu como foi bem melhor, no final das contas? Espero que nos considere quites agora.
Como qualquer menina da alta sociedade diante de um fato desconfortável, Carolina sentiu um
desejo forte de simplesmente não ter mais de pensar naquilo.
— Oh, não falemos mais nisso — pediu ela, pensando em algo agradável e sorrindo. —Vamos ver
que coisas bonitas o sr. Longhorn vai me dar hoje.
Tristan não respondeu imediatamente, e Carolina se perguntou se ele ia insistir no assunto. Então, ele
sorriu, fazendo seu belo bigode se espalhar, e seus olhos castanhos brilharam.
— Vamos, sim — disse Tristan, oferecendo seu braço a ela.
Carolina deu o braço a ele e os dois começaram a caminhar, cada um desempenhando com perfeição
seu respectivo papel. Ela foi entrando naquele santuário da beleza e da elegância, e começou a ver seu
reflexo nos espelhos das colunas que sustentavam o teto abobadado com seus detalhes em reboco branco e
seus imensos lustres. Em tudo havia a luz de metais preciosos, apenas para que esta se refletisse nela. Ou em
outras meninas como ela. Mas o importante era que agora Carolina já podia ter certeza de que era uma
menina daquele tipo. Dava para ver perfeitamente, conforme seu reflexo passava de um espelho dourado
para o outro, graças a seu ar imponente e à expressão de desdém em seus belos olhos.
Ela sabia para onde Tristan estava levando-a. Elizabeth e Diana haviam contado a Claire, que havia
lhe contado. Era para uma das salas particulares da loja, onde as clientes especiais podiam ficar confortáveis
enquanto tudo era levado até elas. Carolina até ouvira dizer que havia doces e champanhe sendo servidos lá.
Até aquela manhã, ela nem sequer soubera ao certo se era bem-vinda numa loja como aquela. Mas, agora,
sentia-se muito bem acolhida.
Eles estavam prestes a entrar no elevador, com suas paredes de esmalte furta-cor e grandes setas de
bronze que passavam por um semicírculo para indicar em que andar o aparelho estava, quando Carolina viu
algo que fez seus pulmões se encherem de ar e logo se esvaziarem de súbito, como se houvessem sido
perfurados por uma chuva de estilhaços.
— Oh — sussurrou ela bem baixinho, para que ninguém mais escutasse.
Ali ao lado, andando por entre mesas cheias de gravatas como se houvesse acabado de chegar de um
país exótico, estava Will. O lindo Will, com seu ar sério e seu cabelo um pouco grande demais, olhando em
volta com aquela meticulosidade que sempre tivera. Sua pele estava morena de sol, e ele parecia ter
trabalhado muito duro nos últimos meses. Carolina sentiu uma doce tristeza em todo o seu corpo, e teve de
fechar os olhos para impedir que a sensação a dominasse. Ela tentou abri-los, mas logo os cobriu com a mão
para não ver mais nada.
Talvez Will houvesse mesmo lido o nome dela no jornal. Talvez estivesse ali para buscá-la. Mas ele
ainda não a vira e, só de examiná-lo por um instante, Carolina viu que ainda não fizera fortuna no oeste.
Ainda estava usando a mesma calça de sarja, e o mesmo casaco negro grande demais. Em poucos segundos,
ela teve certeza de que a vida de Will continuava sem confortos. Mas Carolina ainda o desejava. Isso não
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mudara.
— Srta. Broad? — disse Tristan.
Carolina assentiu, sem saber se estava fazendo-o para Tristan ou para si mesma. As portas do
elevador estavam abertas, e outros clientes passaram por eles a caminho dos caixas. Ela tirou a mão dos
olhos. Era mais fácil ver Will quando havia outras pessoas entre eles. E, embora Carolina estivesse se
sentindo tão fraca que mal podia erguer os pés, em poucos segundos se deu conta do que precisava fazer. O
desejo ainda existia, mas ela não poderia satisfazê-lo. Will estava ali tão perto, e Carolina já mudara tanto.
Se ele a visse, ia compreender que fora um tolo ao rejeitá-la. Então ela teria de abrir mão de tudo, e não
podia suportar essa ideia. Na verdade, não queria abrir mão de nada.
— A senhorita está bem, srta. Broad?
— Oh... estou — disse Carolina, afastando-se de Will e de seu velho anseio. — Senti uma leve dor
de cabeça, mas já passou.
O ascensorista fechou a porta de ferro, e ela disse a si mesma que tomara a decisão certa. Penelope
Hayes, sua nova amiga, jamais se rebaixaria ao ver uma paixão antiga. Ela já estaria desejando algo muito
melhor. Já Elizabeth teria se deixado levar por seus sentimentos e desistiria de tudo por causa de um sonho
bobo.
— Tem certeza de que está bem?
— Tenho.
Carolina molhou os lábios e respirou fundo. Ela pensou no retrato do sr. Longhorn quando jovem,
em todos os jovens cavalheiros que conhecera duas noites atrás e em todas as coisas que merecia. Pensou na
diferença entre os beijos imaginários e os beijos reais. E Carolina sorriu, embora fosse um sorriso hesitante.
Ela estava subindo no elevador ao lado de Tristan, que parecia ser tantas coisas e nunca era nenhuma delas,
e não pôde deixar de pensar que teria sido melhor jamais tê-lo conhecido. Era verdade que sua timidez e
suas gafes talvez pudessem tê-la impedido de obter a generosidade do sr. Longhorn se não fosse por Tristan,
mas, de qualquer forma, sua companhia estava se tornando desagradável. Em breve, pensou Carolina sem
piedade, ela teria de se livrar dele. Seria gentil com o rapaz por mais algum tempo, mas já não precisava
mais dele.
Carolina deixou de sorrir, mas encarou Tristan e disse, num tom calculadamente casual:
— Na verdade, estou me sentindo ótima.
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Quarenta e Um
Tem-se falado muito da falecida Elizabeth Holland nos últimos tempos. Alguns sugeriram que a
recente descoberta de seu anel de noivado significa que ela foi raptada por uma gangue. A srta. Holland, se
for encontrada, precisa se casar assim que retornar à cidade, não importando que coisas inimagináveis
tenham lhe ocorrido durante sua ausência da sociedade.
TRECHO DE UM EDITORIAL DO NEW YORK TIMES, QUARTA-FEIRA, 27 DE
DEZEMBRO DE 1899
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— SE ALGUÉM TEM ALGO CONTRA ESSE CASAMENTO, fale agora ou cale-se para sempre...
Ouviu-se um murmúrio de aprovação e alegria na sala, e então ficou evidente que ninguém ali tinha
nada contra aquele casamento. O chão havia sido coberto de pétalas brancas e as cortinas, cobertas de renda.
A segunda sala de estar, na ala leste da mansão da família Holland, ainda estava com poucos móveis, mas,
por isso mesmo, era o lugar perfeito para a cerimônia. Eles haviam levado um pequeno sofá lá para dentro,
onde agora estavam sentadas a mãe de Elizabeth — quase recuperada de sua doença, mas ainda um pouco
fraca e febril — e sua tia Edith, que não parara de chorar e sorrir a manhã toda. Atrás dela estavam quatro
dos criados de Snowden, com seus coletes puídos de couro e suas camisas bege de tecido grosseiro. Perto
das janelas estava o próprio Snowden, segurando uma bíblia e fazendo seu papel com toda a seriedade. Atrás
de Elizabeth estavam Diana e Claire, ambas vestidas de branco, ambas segurando os pequenos buquês de
lírios e rosas brancas que as três meninas haviam preparado naquela manhã e amarrado com fitas lilases.
E no centro de tudo estava Elizabeth, com um vestido ri de algodão branco que tinha o caimento
perfeito, apesar de não ter sido feito especialmente para ela. Seu pescoço e seus antebraços estavam cobertos
de renda, e o vestido era bem marcado para mostrar a cinturinha da qual ela tinha tanto orgulho, mas tinha
um pouco mais de volume nas mangas e na saia, como era próprio para um vestido de noiva. Os botões do
punho e da nuca eram cobertos de seda cor de creme, e muito refinados. Will escolhera tudo sozinho, pois a
sra. Holland proibira Elizabeth até de espiar pelas janelas da casa. Agora os dois estavam ali, de mãos dadas.
Will mal conseguia encarar Elizabeth, e estava imóvel; ela percebeu que ele estava muito nervoso. Havia
tempos não o via daquele jeito, e seu estado a emocionou. Ele vestia um terno marrom-escuro novo, com um
colete e uma camisa branca. A visão de Will de terno quase acabara com ela.
— Elizabeth Adora Holland, você aceita William Thoma Keller como seu legítimo esposo, na saúde
e na doença, até que morte os separe?
— Sim — sussurrou Elizabeth.
Seus olhos estavam molhados e ela não conseguia parar de observar Will, com seus ombros largos e
seus enormes olhos azuis rodeados por cílios negros. Era uma ironia, pensou Elizabeth, que o dinheiro
obtido com a venda de sua aliança de noivado houvesse pagado as flores, o vestido novo e terno. Ela ficara
feliz por Will ter sido a pessoa quem a vendera, e não apenas porque ele barganhara com o homem da loja
de penhores e conseguira um preço melhor. Anos mais tarde, quando Will já tivesse feito fortuna e os dois
houvessem mudado e envelhecido juntos, eles poderiam contar aquela história a seus filhos, relatando que
um objeto que um dia parecera capaz separá-los havia comprado as roupas com as quais haviam se casado.
— William Thomas Keller, você aceita Elizabeth Adora Holland como sua legítima esposa, na saúde
e na doença, até que a morte os separe?
— Sim — disse Will, com um sorriso surgindo em seu rosto.
As alianças estavam no bolso dele. Eram alianças simples de ouro que a sra. Holland encontrara nas
joias da família. Will e Elizabeth as colocaram sem grande pompa.
— Eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva — completou Snowden.
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Elizabeth passara a manhã toda nervosa, pensando em como seria aquele momento. Sua proximidade
física de Will fora um segredo durante tanto tempo que lhe parecia estranho e um pouco assustador ter de
beijá-lo na frente de sua mãe e de sua tia. Mas, na hora, tudo ocorreu de forma muito natural. Elizabeth nem
percebeu quando Will se inclinou para a frente e o beijo começou. Mas seus lábios estavam juntos agora,
num beijo suave e fervoroso, e Elizabeth soube que, apesar de estar deixando tanto para trás, havia um
futuro maravilhoso e rico à sua frente, repleto de tudo o que ela desejava e até de coisas que jamais
imaginara.
Elizabeth ouviu todos batendo palmas, e soube que o momento acabara. Ela se afastou de Will e foi
abraçada por Diana. Pobre Diana — ela mal parecia ter forças para enlaçar a irmã. Seus reluzentes cachos
castanhos se espalharam pelo ombro dela. Embora Elizabeth lhe houvesse ouvido por diversas horas o relato
da traição de Henry, e lhe houvesse assegurado que tinha certeza de que Penelope o enganara com algum
truque qualquer, ela não podia deixar de se sentir um pouco aliviada por saber que Diana não se encontraria
mais com ele às escondidas. Elizabeth dissera a Diana que achava que Henry era apaixonado por ela, e não
precisara mentir. Mas ficara um pouco escandalizada ao saber o que os dois haviam feito, apesar de ter
passado anos dormindo com Will na cama do estábulo. Ela ficaria mais tranquila à quando estivesse de volta
à Califórnia, sabendo que Diana não estava correndo o risco de ser flagrada por alguém.
A sra. Holland se levantara, um pouco claudicante. Edith, ainda sentada no sofá de mogno e veludo
vinho, observou para ver se a cunhada podia ficar de pé sem ajuda. Ela conseguiu, e aproximou-se de
Elizabeth para beijá-la na bochecha. Então, voltou-se para Will. A pele acima de seu lábio superior estava
tensa e enrugada. Em volta deles, naquela sala quase vazia de paredes verde-claras e teto de madeira
trabalhada, com seus vasos cheios de flores frescas, os outros esperaram para ver o que a matriarca ia dizer.
— Eu o conheço há muito tempo, e sempre gostei de você. E meu falecido marido gostava ainda
mais. Estou muito satisfeita com esta ocasião. Não fingirei que você foi minha primeira escolha de marido
para Elizabeth, mas sei que ela será feliz e que estará segura a seu lado.
Will fez uma expressão muito séria e assentiu com gratidão. Ele sabia bem que aquele era o maior
elogio que jamais receberia da mãe de Elizabeth.
— Obrigado, sra. Holland — respondeu Will, estendendo a mão para cumprimentar a sogra.
A sra. Holland deu um sorriso breve e assentiu também. Elizabeth sabia que era dificil para sua mãe
fazer até isso, e que era graças a Edith que aquela pequena cerimônia pudera acontecer. Mais tarde, quando
eles estivessem no trem, ela pretendia contar a Will que os dois deviam ser muito gratos a Edith, e eles
poderiam planejar algum gesto de agradecimento que pudessem fazer quando começassem a ganhar dinheiro
com o petróleo.
— Sr. Cairns, suas palavras foram maravilhosas — disse a sra. Holland, com toda a doçura de que
era capaz. — Sua presença foi mais uma vez afortunada para nós. A cada dia o senhor nos surpreende com
uma nova habilidade.
— É uma honra para mim. Mas agora, peço que me deem licença. Preciso cuidar de alguns negócios
e tenho certeza de que sua família gostaria de um pouco de privacidade. Parabéns a vocês dois, sr. e sra.
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KeIler.
Snowden apertou a mão de WilI e depois a de Elizabeth, a quem ficou observando por alguns
segundos com seus olhos pequenos. Elizabeth estava maravilhada com a sorte que os Holland tiveram em
conhecer Snowden, e com a naturalidade com que ele era gentil. Para ela, naquele momento, ele fazia parte
da família.
Ele saiu da sala com seus criados, deixando as Holland sozinhas, iluminadas pela luz suave que
entrava pelas janelas, filtrada pelas cortinas de renda. A maior parte das pinturas fora vendida, mas ainda
havia alguns imponentes retratos de mares bravios nas paredes. Elizabeth ainda tinha a impressão, que tivera
desde criança, de que aquela sala de estar era um lugar onde os adultos faziam coisas secretas. Claire foi
pegar chá e bolo para todos e Elizabeth se sentou ao lado da mãe no pequeno sofá.
— Quando Snowden voltar a Boston, ele preparará a certidão de casamento e a mandará para vocês
na Califórnia. Há menos chances de atrair atenção se ele fizer isso em outra cidade. Oh, Elizabeth — disse a
sra. I-Iolland, colocando as mãos nas faces de sua filha mais velha. — Vou sentir tantas saudades. Mas você
precisa partir em breve. Quanto mais tempo ficar, maior será o perigo de ser descoberta. E você sabe que
será o fim desta família se isso acontecer.
Elizabeth assentiu, segurando o choro. Ela pensou em dizer a sua mãe o quanto lhe fora importante
se casar diante de seus familiares, mas, no final das contas, decidiu que não seria necessario. Restavam
poucos dias para acabar o ano e Elizabeth os passaria na companhia daqueles a quem mais amava. Eles
fariam refeições juntos, e se acostumariam com a ideia de que ela agora se chamava sra. Keller. E, no dia de
Ano-Novo, que Snowden afirmara ser a melhor ocasião para sair da cidade sem ser notado, pois havia
poucos passageiros nos trens, ela e Will fariam duas pequenas malas e se despediriam da mansão pela
segunda vez, e de Nova York para sempre.
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Quarenta e Dois
É adorável que a srta. Penelope Hayes esteja noiva do sr. Henry Schoonmaker, como noticiado num
pequeno anúncio de uma linha publicado esta manhã aqui no New York News of the Worl Gazette. E claro
que. diante dos rumores de que a aliança de noivado que o jovem Schoonmaker deu a sua antiga noiva, a
falecida Elizabeth Holland, foi encontrada, nós nos perguntamos o que acontecerá se a dama em pessoa for
encontrada também...
NOTA DA COLUNA SOCIAL DO NEW YORK NEWS OF THE WORLD
GAZETTE, QUARTA-FEIRA, 27 DE DEZEMBRO DE 1899
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OS PASSOS DE PENELOPE ECOARAM PELOS CORREDORES da mansão dos Hayes quando
ela os atravessou a roda, segurando seu cãozinho com força contra o peito. Penelope estava muito próxima
de obter tudo o que desejava, mas podia sentir forças insidiosas preparadas para arrancar-lhe aquilo a
qualquer momento. Sua longa sombra projetou-se sobre o assoalho preto e branco refletido no teto
espelhado inacreditavelmente alto do número 670 da Quinta Avenida, um colosso feito de tijolos vermelhos
e calcário que poucos fingiriam considerar apenas uma casa, e que assustava até mesmo uma menina tão
senhora de si quanto ela nos poucos dias em que se sentia vulnerável, Os rumores sobre a volta de Elizabeth
haviam feito Penelope perder o sono e a imagem de Henry e Diana juntos destruíra seus dias, que deviam
estar sendo adoráveis.
Ela avistou o mordomo de sua família no vestíbulo principal e foi ter com ele, ofegante. Sabia que as
veias de seu pescoço branco estavam marcadas, mas não conseguia parar de tensioná-las. Os pequenos olhos
negros de Robber, seu Boston terrier, observaram freneticamente o cômodo todo.
— Rathmill — chamou Penelope. — Onde estão meus pais?
— Acredito que estejam tomando chá na sala de estar, srta. Penelope. Gostaria que eu...
— Não, não — interrompeu ela, depositando Robber, que se contorcia, nos braços de Rathmill sem
qualquer aviso prévio. — Eu mesma farei isso.
Penelope se afastou do mordomo, indo na direção da curva épica da escada de mármore que levava à
sala de estar do segundo andar, onde seus pais ordenavam que o chá da tarde fosse servido quando não havia
visitas. Após subir o primeiro degrau, ela parou e pousou a mão sobre a balaustrada fria.
— Rathmill, diga à organizadora de eventos de minha mãe que nós precisaremos dela dentro de
poucos instantes.
Ninguém ajudara Penelope a satisfazer seus razoáveis desejos, exceto talvez Isabelle Schoonmaker, e
por isso ela não se sentiu culpada por estar descontando sua raiva em todos. O Rathmill, o mordomo, fora
um dos mais inúteis. Ele trabalhara para diversos nobres da Inglaterra antes de vir para a casa dos Hayes, e
sabia, assim como Penelope, que aquela era o tipo de família que precisava de um mordomo inglês para
ensiná-los a ter classe. Assim, Rathmill estava sempre observando-os com desdém. A mãe de Penelope era
tola demais para perceber isso, mas ela não.
Já Isabelle ficara deliciada ao saber que ela e Henry iam se casar, mas, sempre que dava um
presentinho para sua futura nora, sempre que soltava um gritinho de alegria ou dava uma piscadela excitada,
parecia estar zombando de Penelope. Ela conseguira o que queria, mas precisara usar a força — e ainda nem
ganhara uma aliança de noivado. Penelope tramara tudo aquilo pelo bem dela e o de Henry, mas ele não
reconhecia isso. Henry não havia feito nenhum gesto romântico até então e, na verdade, mal a olhava
quando eles estavam juntos. Ela estava se sentindo mais sozinha do que nunca, e só não se perguntava se
tudo valera a pena porque era orgulhosa demais.
Ainda bem. Pois foi seu orgulho que a obrigou a continuar a subir a escada, arrastando atrás de si a
saia de seda cinza chumbo que usava com uma blusa negra de organza, com as mangas bufantes. Penelope
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entrou na pequena sala de estar do segundo andar, que dava para a Quinta Avenida como todos os cômodos
que a família utilizava com frequência, sem tentar disfarçar sua irritação. Seus pais estavam sentados perto
da lareira, cujo consolo era de cerâmica Majólica, e seu irmão estava não muito distante, de pé ao lado dos
dois pavões de cloisonné em tamanho natural, fumando um cigarro. Os três lançaram olhares displicentes
para ela.
— Aaaahh! exclamou Penelope, frustrada.
O cômodo era repleto de um brocado roxo que o deixava muito escuro e que, por isso, devia ter
tornado a aparência da sra. Hayes um pouco melhor do que o normal. Mas a corpulência daquela senhora
estava coberta por um vestido de musselina verde e branca muito fina com detalhes em renda negra, e seus
cabelos estavam presos por fitas verdes. Não era uma roupa apropriada para uma mulher de sua idade, e
Penelope e Grayson poderiam ter se unido para rir daquele fato se ela não estivesse tão preocupada.
— O que foi? — disse Evelyn Hayes, pousando a xícara no pires com estardalhaço. — Não faça essa
cara, você vai ficar com rugas.
— Nós achamos que você ia ficar feliz, agora que está noiva do filho de Schoonmaker.
A voz de Richmond Hayes não escondeu uma leve reprovação, e ele cruzou e descruzou as pernas
enquanto falava. O pai de Penelope não podia ser considerado alto, ao menos não quando comparado aos
dois filhos, e seu rosto era coberto por uma barba e um bigode muito negros, sobre os quais havia dois olhos
pequenos que sempre procuravam o que seu dono teria a ganhar em todas as situações.
Penelope se atirou sobre um sofá cor de creme com almofadas de kilim, quase enterrando o queixo
no peito. Grayson se virou lentamente, colocando a mão sobre um biombo de cerejeira polida antes de exalar
uma nuvem de fumaça.
— O que a pequena Penny quer agora? — disse ele com muito sarcasmo, olhando-a como a olhava
quando os dois eram crianças e ela estava no meio de um de seus inúmeros ataques de raiva.
— Não quero mais morar nesta casa horrorosa! — disse Penelope, apesar de saber que aquilo era
uma crueldade, considerando-se a quantidade de dinheiro que seu pai gastara nela. — Odeio todo mundo.
— Por quê? perguntou Grayson com um sorriso divertido, dando um último trago e atirando o
cigarro na lareira. — Nós só queremos o melhor para você.
— Nós ficamos muito orgulhosos por você ter ficado noiva de um rapaz tão interessante, Penelope
— disse a sra. Hayes, piscando o olho e tentando encorajar a filha. — E seu irmão ainda nem pediu ninguém
em casamento! Estávamos torcendo que ele voltasse da Europa casado com uma baronesa, mas foi uma
decepção.
Grayson revirou os olhos e deixou o braço que estava apoi do no biombo pender. Ele soltou um
suspiro fundo, caminhou de forma lenta e displicente até o sofá onde sua irmã estava e sentou-se. Cruzou as
pernas, que estavam cobertas por uma calça de risca de giz, e pousou o cotovelo sobre o joelho. O colete
dele fora comprado em Londres, e era feito de seda cor de pérola.
— O que foi, irmãzinha? — implorou Grayson no mesmo tom. — Conte-nos o que devemos fazer
para ajudá-la a se sentir melhor.
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Penelope encarou o irmão, cujos cabelos estavam cheios de gel e partidos no meio, formando uma
onda de cada lado de sua cabeça. Ela própria não tivera paciência de esperar que sua criada arrumasse seus
cabelos, que por isso estavam um pouco mais crespos do que o normal. Penelope tirou um cacho da frente
do olho, mas ele voltou para o mesmo lugar. Ela então olhou para o pai, que tinha o ar resignado de quem
sabia estar prestes a dar um cheque bem alto. Penelope sentiu-se subitamente calma — na verdade, apenas
um pouco menos nervosa.
— Quero me casar agora.
— Agora? — perguntou a sra. Hayes, atônita.
Desde que Grayson lhe contara que vira Elizabeth no trem, ela tivera certeza de que precisava tomar
uma providência rápida. Não importava que Henry não amasse sua primeira noiva. Se Elizaberh retornasse a
Nova York, todos se perguntariam se ele ainda deveria se casar com Penelope, apesar de ser ela quem estava
noiva de Henry no momento, O casamento seria adiado até segunda ordem, e a opinião pública se voltaria
contra ela. Penelope se empertigou e cruzou as mãos de forma comportada sobre o colo. Ela olhou para seus
três parentes mais próximos e tentou fingir que tinha um pouco de modéstia. Toda a fúria louca que sentira
até poucos segundos desapareceu, sendo substituida por uma vontade absoluta de fazer todos em volta
morrer de inveja dela.
— Bem, antes do Ano-Novo.
— Penelope, nós não reservamos um lugar para a cerimônia, e nem falamos com nenhum ministro
— disse o sr. Hayes, muito sério. — Nem mesmo chamamos os convidados.
— Mas você é Richmond Hayes! Tenho certeza de que podemos conseguir um ministro. E todos vão
querer comparecer ao meu casamento. Além do mais, a sra. Schoonmaker já disse que podemos usar a casa
deles em Tuxedo para dar uma festa de noivado decente. Por que não fazer logo o casamento lá? Podemos
mandar alguém escrever os convites hoje à noite e enviá-los amanhã! Por favor, papai!
Seus pais estavam espantados demais para concordar ou discordar. Eles se olharam nervosamente por
sobre o serviço de chá de ouro. Foi Grayson quem reagiu primeiro, falando sem nenhum traço de ironia na
voz.
— E por que não? Vai ser uma enorme surpresa, o que vai deixar todos excitados e loucos para
serem convidados para a festa. Com isso, a alta sociedade vai se lembrar da posição que essa família ocupa
agora, e verá a cerimônia espetacular que somos capazes de organizar. Acho que o velho Schoonmaker
também vai gostar da ideia. Leu a notinha sobre ele no jornal hoje? Parece que alguns dos perus que ele
distribuiu estavam estragados e que algumas meninas ficaram doentes por causa disso. É preciso distrair o
público de tamanha tragédia — disse Grayson para o pai, dando uma risadinha e acendendo outro cigarro.
— Mas que vestido você vai usar? — perguntou a sra. Hayes, com uma expressão confusa em seu
rosto redondo.
— Sempre quis usar seu vestido de casamento, mamãe — mentiu Penelope docemente. — Podemos
mandar ajustá-lo e, em poucos dias, ele caberá perfeitamente em mim.
— Oh! — disse a sra. Hayes com um leve sorriso. — Bem, por que não? O que acha, querido? Não
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vai ser melhor assim?
— Se for uma surpresa e se for fora da cidade — insistiu Penelope, sabendo que, se continuasse a
falar, as convicções de seu pai acabariam enfraquecendo e ele se cansaria de tanta tagarelice —, não haverá
aquela multidão desagradável de gente olhando, e nem as barricadas da polícia. Os jornais não passarão
meses e meses discutindo o assunto, publicando os nomes das minhas damas de honra e a cor de seus
vestidos. Vai ser muito mais elegante, não acha?
O sr. Hayes examinou a filha por um segundo e, finalmente, deu de ombros.
— Se for isso mesmo que você quer... — disse ele. — E, se acha que os Schoonmaker vão
concordar...
— Oh, é sim! Vai ser perfeito! E eu tenho certeza de que eles vão concordar.
Penelope ficou de pé e uniu as mãos. A sra. Hayes já estava animada com aquilo — afinal, tinha
várias joias novas que ainda não pudera exibir, fato que sua filha conhecia muito bem. Grayson olhou para a
irmã como quem admitia a esperteza dela.
— Vocês vão comigo, não vão? — pediu Penelope. — Nós todos iremos até a casa dos Schoonmaker
para contar o plano a eles. E, amanhã, Henry e eu, a família dele e vocês iremos a Tuxedo para começar os
preparativos. Assim, não precisaremos nos incomodar com todo esse oba-oba!
Ao dizer ―oba-oba‖, Penelope estava aparentemente se referindo a todos os colunistas sociais que
documentavam exaustivamente qualquer casamento com alguma relevância na sociedade. Seus pais tinham
uma grande vontade de agir de acordo com as regras, é claro, e sempre poderiam ser persuadidos a fazer
algo que evitaria a censura de seus pares. Mas, na verdade, quando pensou em ―oba-oba‖, Penelope
imaginou o tipo de estrago que as Holland poderiam causar. Uma vez que Henry estivesse fora da cidade,
ela poderia dormir um pouco melhor. Então, faltaria muito pouco para que Penelope conseguisse o que era
seu de direito — de acordo com a sociedade, com o público e, logo, de acordo com a Igreja também.
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Quarenta e Três
Querida Diana,
Certa vez, eu lhe dei uma jóia na qual havia a
Inscrição “Para a noiva do meu coração”. Eu
ainda a considero como tal.mai até do que
naquela época. Sei que deve ser difícil para você
acreditar nisso, mas o que estou prestes a fazer é um
ato odioso para mim.Só que ela não me deu
alternativa...
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HENRY NÃO OBSERVOU A CIDADE SENDO DEIXADA para trás e, quando o vagão privativo
dos Schoonmake chegou aos subúrbios, não se interessou pelos rios e paisagens geladas que passavam por
sua janela. Ele não saíra de Nova York por livre e espontânea vontade. Fizera isso de forma mecânica, como
vinha fazendo tudo ultimamente. Vestira-se sem prestar atenção no que escolhia, colocando uma camisa
branca e um paletó preto, e penteara os cabelos da maneira habitual. Fora assim também que escrevera
bilhetes para seus amigos, pedindo que eles fossem seus padrinhos de casamento, e para seu vendedor de
sempre na Tiffany, que lhe enviara as alianças. Henry não parava de pensar a mesma coisa, tentando se
convencer de que estava fazendo a coisa certa e de que suas ações salvariam Diana da ruína.
Agora que o trem se aproximava de Tuxedo e que ele próprio estava cada vez mais próximo de um
destino terrível, ainda que não conseguisse imaginá-lo muito bem, Henry tentou compor uma carta que
pudesse explicar sua decisão. Diana já devia saber do casamento. Todos estavam falando nele. A sra.
Holland provavelmente se zangara com o noivo de Elizabeth por ele ter se apaixonado de novo tão depressa,
sem ter ideia de quão dolorosa e humilhante a noticia fora para sua filha mais nova. Henry odiava pensar que
Diana soubera através de outra pessoa. Ele queria tê-la abraçado e explicado que fizera tudo para protegê-la,
mas duvidava que ela tivesse permitido. Henry jamais havia feito algo heróico antes, e estava surpreso com
a sensação horrorosa provocada pelo ato.
Ele escrevera a carta cem vezes em sua mente. Nela, contaria que se casar com Penelope fora a única
solução, a solução mais fácil, e que aquilo daria a Diana uma segunda chance que ele não podia dar. Num
segundo, Henry resolveu dizer a Diana que eles seriam amantes para sempre e, no segundo seguinte, decidiu
que prometeria deixá-la em paz, para que ela pudesse ter outros mais dignos. Ele se descreveu como um
valente salvador e afirmou que Penelope era a encarnação do mal. Mas o próprio Henry já não acreditava
mais em nada disso. Não havia palavras que pudessem explicar o que ocorrera.
Sua futura esposa estava se aproximando dele pelo corredor do trem, apoiando-se nos assentos de
veludo para não cair, demonstrando tal ar de autoconfiança que mal parecia precisar disso para se manter de
pé. Penelope estivera do outro lado do vagão, com as menininhas que iam jogar pétalas de rosa no chão no
começo da cerimônia, mostrando seu novo diamante a todas. Usava um casaco de cashmere de gola alta, e
seus lábios estavam vermelhos como sementes de romã. Henry observou-a enquanto amassava a carta que
tentara escrever para a menina que considerava a noiva de seu coração. Não havia mais nada a dizer.
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Quarenta e Quatro
Delegacias de polícia dos quatro cantos da cidade receberam denúncias anônimas de gente que disse
ter visto Elizabeth Holland em diversos lugares: num açougue na rua Ludlow, na Ponte do Brooklyn. ou
dirigindo uma carruagem pelo parque de calções de montaria e cartola. Isso torna ainda mais duvidosos os
ridículos rumores de que ela ainda estaria viva.
TRECHO DE MATÉRIA DE PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL
NEW YORK IMPERIAL, 31 DE DEZEMBRO DE 1899
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A ESTAÇÃO DE TREM DA CIDADE ERA SÓ MOVIMENTO e confusão e por todos os lados
havia homens e mulheres com pesadas roupas de inverno e inúmeras bagagens. A sala de espera, com suas
fileiras de longos bancos de madeira polida, estava cheia de gente, e o som dos funcionários avisando que
certos trens iam atrasar e dos passageiros tentando encontrar um filho que se perdera faziam os ouvidos de
Will e de Elizabeth zumbir. Havia, sim, muita gente viajando no dia de Ano-Novo, ao contrário do que
Snowden dissera: homens que trabalhavam em Nova York estavam correndo para casa para ver suas
famílias e aqueles que tinham vindo se divertir na cidade e haviam gastado todo seu dinheiro estavam
fugindo para seus lugares de origem, cheios de vergonha. Enquanto isso, uma multidão chegava das
cidadezinhas vizinhas para passar o feriado na grande metrópole. A despedida levara mais tempo do que o
esperado e Elizabeth e Will Keller estavam com pressa. A sra. Holland os pedira para ser discretos e não
fazer nada que pudesse chamar a atenção de ninguém, mas os dois, apesar de estarem no meio daquela
correria, estavam radiantes e não conseguiam soltar a mão um do outro.
O ano de 1900 já estava quase chegando e eles tinham toda a vida pela frente. Iam voltar para a
Califórnia e tentar fazer fortuna, dessa vez com a certeza de que tudo estava bem com a família de Elizabeth,
e de que sua união fora aprovada por eles. Elizabeth agora era mesmo a sra. Keller, pensou ela enquanto a
mão forte de Will apertava a sua mãozinha e ele a ajudava a atravessar a multidão, indo até o local onde
havia a abóbada de vidro e ferro sob a qual o trem estava parado. Will olhou para Elizabeth e sorriu — sem
motivo nenhum, achou ela, ou talvez por todos os motivos do mundo — e ela não pôde deixar de dar uma
gargalhada, atirando a cabeça para trás e fazendo o gorro de sua capa cair. Elizabeth colocou uma das mãos
sobre a cabeça, pois deixara o chapéu numa das malas e seu cabelo estava coberto apenas por um paninho
rendado. Ela largou a mão de Will e estacou, para poder colocar o gorro de volta. Foi então que ouviu seu
nome — seu velho nome — e se virou.
— Srta. Holland! Srta. Holland!
Elizabeth tentou ver quem a chamava, ainda sorrindo, com o coração cheio de alegria. Mas se
lembrou de que não podia ser vista. A multidão estava se dispersando e diversos homens de uniforme azul se
aproximavam dela. Will, que estava às suas costas, colocou uma das mãos em seu quadril e a outra em seu
ombro. Elizabeth sentiu o cheiro da pele limpa dele, um cheiro leve de sabonete Pear, e suas bochechas se
tocaram.
— Corra — sussurrou Will. — Corra agora. Vá para o trem. Eu vou logo depois.
Ao ouvir isso, Elizabeth se deu conta de que devia estar com medo, e o medo logo surgiu. Era uma
sensação gelada em sua garganta e em toda a extensão de sua espinha dorsal. Ela se virou novamente para a
plataforma ainda repleta de gente e correu para o trem. Havia pessoas por toda parte, mas Elizabeth
empurrou-as. Seus pés e seu pânico a impeliram, até que ela ouviu grito cada vez mais altos e virulentos.
— Pare!
— Parado!
— Não se mova!
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Elizabeth continuou a correr até ouvir os tiros. Foram tão altos que, por um segundo, ela achou terem
sido disparados ao lado de seus ouvidos. Um som horrível que pareceu durar para sempre. Quando o barulho
afinal cessou, Elizabeth mal podia respirar. Todos à sua volta haviam congelado. Ela se virou mais uma vez,
devagar, e retornou para o lugar de onde viera, onde alguém agora estava gritando. Seu gorro caiu, mas ela
não se importou, cobrindo a boca aberta com uma das mãos.
Elizabeth estava indo cada vez mais rápido para o lugar onde tocara Will da última vez. Foi com uma
terrível apreensão que se aproximou dele agora. Will estava no chão e sua camisa fora rasgada. O sangue
escarlate e brilhante se espalhava por tudo. Os homens de uniforme azul ainda estavam ali, atrás de uma
muralha de armas. Elizabeth sentiu o cheiro do sangue e caiu de joelhos ao lado de Will. As lágrimas vieram
aos borbotões.
— Will!
Os olhos dele se abriram e ela percebeu que ele estava com medo. Will a viu e, quando pegou sua
mão, seu rosto ficou mais sereno.
— Eu amo você.
— Eu amo você — respondeu Elizabeth.
— Eu amo você — repetiu Will, com a mesma dolorosa firmeza.
A única coisa que Elizabeth podia fazer era repetir também. Ela disse a frase inúmeras vezes, mais
do que conseguiu contar. Jamais teria certeza de quanto tempo passou ali, ajoelhada ao lado de Will. Aquela
situação era tão absurda que os momentos pareciam fora da realidade. Elizabeth viu os olhos de Will se
fechando de novo, e sentiu diversas mãos tocando seu corpo. Seu vestido estava encharcado de sangue e ela
estava fraca demais para dizer qualquer coisa. Estava sendo levada dali por mãos ásperas de homem. Ouviu
seu nome — seu velho nome — sendo dito sem parar pela multidão à sua volta.
Eles estavam perguntando se ela estava bem. Queriam saber se algum mal fora feito a ela. Mas a
vista de Elizabeth escureceu, seu corpo perdeu toda a força e ela caiu, desfalecida.
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Quarenta e Cinco
O SENHOR E A SENHORA WILLIAM S. SCHOONMAKER
SOLICITAM O PRAZER DE SUA COMPANHIA
NUMA OCASIÃO MUITO ESPECIAL.
TUXEDO PARK
31 DE DEZEMBRO DE 1899
DEZOITO HORAS
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NO DOMINGO, O CORPO DE PENELOPE ESTAVA TÃO tenso de ansiedade que ela mal podia
sorrir. Tantos preparativos foram necessários para a cerimônia que ela dormira pouco mais de uma hora na
noite anterior. O alfaiate vindo de Nova York só terminara de ajustar seu vestido aquela manhã — o velho
vestido de sua mãe, agora com novas pérolas e rendas e, é claro, com um busto mais marcado e uma cauda
mais longa. Os vestidos das madrinhas eram os que haviam sido usados no casamento de Isabelle, também
ajustados às pressas. Penelope lamentava não ter podido encomendar um vestido em Paris que destacasse o
que ela possuia de mais belo, e que a festa não estivesse sendo preparada com tudo que havia de melhor e
mais moderno. Mas nada disso importava muito. Os convidados já haviam chegado, as mesas estavam
postas e as Holland não haviam sido chamadas para o maior casamento do ano. ―O último grande casamento
dos anos 1800,‖ como Isaac vinha dizendo aos repórteres. Quando 1900 chegasse, pensou Penelope
fechando suas pálpebras de longos cílios negros com excitação, ela seria a sra. Henry Schoonmaker, e a
Diana só restaria fazer-lhe uma visita de felicitações.
Agora, diante daquele corredor cheio de pétalas de flores, ela já podia sentir a chegada do momento
em que tudo aconteceria. O menu fora escolhido e a decoração fora feita de acordo com as especificações
meticulosas de Isaac. Os convites, que haviam sido enviados no dia 28 por entrega especial e que prometiam
um casamento secreto com apenas a nata da sociedade de Nova York, haviam sido muito eficientes e atraído
todos para Tuxedo Park. A semana fora enfadonha por causa do feriado, e eles estavam apenas esperando o
Ano-Novo passar para poder fugir para portos mais exóticos na Itália e no Egito. Então, surgira aquela
diversão surpresa. Assim, a alta sociedade viajara para um de seus refúgios preferidos, para testemunhar a
união de dois de seus mais importantes membros. Amanhã, aqueles que não haviam sido chamados os
importunariam, exigindo saber detalhes do casamento de Henry Schoonmaker e Penelope Hayes.
Esses desafortunados estavam em festas em Lakewood e Westchester, planejando celebrar o Ano-
Novo da maneira mais interessante possível e esperando receber telegramas que relatassem os
acontecimentos. Já os felizes convidados estavam sentados em fileiras, esperando. O rosto de Penelope
estava baixo, sua cintura estava coberta por um corpete e suas pernas estavam escondidas por camadas e
mais camadas de chiffon cor de marfim. O decote em V do vestido era coberto de renda, assim como seus
braços, onde a renda formava uma manga aberta que cascateava para baixo. Havia flores em seus punhos e
em seus cabelos escuros e, presos a seu chapéu, metros e mais metros de renda valenciana. A música já
começara a tocar. Ela olhou para suas madrinhas — quase todas eram suas primas e de Henry, chamadas na
última hora para a cerimônia, mas havia também a pobre Prudie, nada confortável com um vestido em tom
pastel e, como prometido, Carolina Broad, parecendo muitíssimo orgulhosa de si mesma e mais majestosa
do que nunca. Mas Penelope não conseguiu sorrir. Ela só sorriria quando tudo estivesse acabado.
Isaac estava lá, de terno escuro, parecendo um pouco cansado mas se movendo com a graça de
sempre, apesar do tamanho de sua barriga. Ele enfileirara as meninas e estava esperando o momento de
mandá-las sair da sala feminina e começar a atravessar o corredor. Todas — exceto Prudie — estavam
morrendo de excitação por terem sido escolhidas e aguardando ansiosamente a hora de entrar. Penelope não
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queria encarar nenhuma delas. Só queria que chegasse logo o momento em que o último vestido azul-claro
desapareceria, quando seria sua vez. Finalmente, a oitava e última menina se foi e ela pôde soltar a
respiração. Voltou-se para Isaac, que verificou sua maquiagem para certificar-se de que ela estava perfeita,
baixou seu véu e ajeitou-o. Então, os músculos de seu rosto relaxaram e ele deu seu primeiro sorriso do dia.
— Nunca mais outra noiva vai ser considerada linda depois que virem você — disse ele.
Penelope sorriu também, um sorriso enorme e triunfal que, ela sabia, teria de desaparecer antes que
ela começasse a caminhar na direção do altar. A música que indicava que a noiva deveria entrar começou a
tocar, mas Penelope ainda estava sorrindo. Isaac mandou-a ir, e ela obedeceu.
Todos os rostos se voltaram para Penelope. Ela os viu através de seu véu — suas bocas se abriram de
espanto e eles colocaram a mão no peito de emoção. Penelope não tinha ideia se estava andando devagar ou
depressa. Mal conseguia ouvir a música. A distância até o altar pareceu-lhe intransponível, mas, ao mesmo
tempo, ela soube que logo estaria lá. Henry, de casaca negra, estava imóvel e com o ar profundamente
infeliz, mas ele logo compreenderia o quanto seu plano fora brilhante. Ele se lembraria que eles haviam sido
feitos um para o outro, e que Diana Holland fora apenas uma distração passageira. Quando Penelope chegou
ao altar, ela percebeu que alguns dos rostos estavam virados para a porta. Era inexplicável, mas eles estavam
observando o local de onde ela acabara de vir.
Quando o reverendo iniciou seu discurso, era possível ouvir murmúrios no salão de baile do clube
Tuxedo. Penelope percebeu que Henry olhou diversas vezes para o local de onde as vozes vinham, nos
fundos do salão. Foi então que ela pegou as mãos dele. O reverendo ainda não chegara na parte que indicava
que ela devia fazê-lo, mas o gesto demonstrou sua impaciência, e o homem reagiu apressando a cerimônia.
O coração de Penelope estava batendo tão forte que ela mal percebeu que as mãos de Henry estavam frias,
recusando-se a apertar as dela.
Penelope jamais ligara para premonições, mas, naquele momento, teve certeza de que os convidados
estavam falando em Elizabeth Holland. Ela voltara e todos estavam se perguntando se Penelope não gostaria
de saber disso antes de prometer aceitar o noivo de sua melhor amiga como seu legítimo esposo, até que a
morte os separasse. Penelope se empertigou e esperou que eles trocassem alianças. Em pensamento,
desafiou aqueles fofoqueiros a ousar interromper seu casamento. Eles eram todos covardes, medrosos
demais para quebrar regras, e ela sabia disso muito bem. Sabia que, se permanecesse imóvel e ignorasse os
sussurros, os convidados se sentiriam obrigados a fazer o mesmo.
Penelope sentiu aquele metal precioso deslizar em seu dedo e disse ―Sim‖. Sem esperar que Henry
falasse, ela ergueu o véu e aproximou-se dele. Ele dissera ―sim‖ também, ela tinha quase certeza. De
qualquer forma, não importava. Ninguém nunca se lembrava dos detalhes dos casamentos, e a única coisa
relevante era que ela estava diante de Henry, com os lábios colados nos dele. O toque de sua boca foi tão
indiferente quanto o de suas mãos. Mesmo assim, Penelope quase desmaiou ao pensar que estava beijando
Henry, e que Henry era seu marido agora.
Os dois se voltaram para o salão coberto de flores brancas e laços cor de pérola. Fez-se um silêncio
longo e constrangedor. Penelope viu que a organizadora de eventos de sua mãe estava lá no fundo, torcendo
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nervosamente as mãos. Os diamantes dos convidados brilharam e seus olhos piscaram. Então, Isaac se
colocou na frente da organizadora, como para bloqueá-la dos pensamentos de todos, e começou a bater
palmas.
Os rostos de todos se voltaram, primeiro devagar e logo mais rápido, para os noivos. Alguns dos
convidados começaram a aplaudir e outros se levantaram. Após poucos segundos todos haviam se
conformado e estavam aplaudindo de pé. Era como se a nata da sociedade de Nova York houvesse
esquecido por um momento que aquela era uma ocasião encantadora e, subitamente, voltado a se lembrar.
Algumas das velhas senhoras choraram. Penelope tinha a atenção deles e soube que era a estrela daquele
palco.
O mundo entrara em ordem de novo, e ela pôde respirar. Todos comentaram como os noivos
estavam lindos, afirmando que eles eram o casal perfeito e que aquela era a prova de que o amor verdadeiro
existia mesmo. Os olhos de Penelope se encheram de lagrimas e ela observou os convidados, grata por eles
estarem ali, testemunhado seu triunfo.
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Quarenta e Seis
Elizabeth Adora Holland está viva. Aparentemente, ela havia sido raptada por um cocheiro da
família. O rapaz ficou obcecado com a jovem quando trabalhava para os Holland, e planejava levá-la para a
Califórnia consigo. A srta. Holland não foi vendida como escrava branca, como muitos temiam. O
sequestrador foi morto ao tentar fugir com ela, numa cena violenta da Grand Central Station. A srta. Holland
voltou para casa, mas ainda estava em estado de choque e não pôde ser entrevistada.
TRECHO DE MATÉRIA DE UMA EDIÇÃO ESPECIAL,
DISTRIBUIDA À NOITE, DO JORNAL NEW YORK IMPERIAL,
DOMINGO, 31 DE DEZEMBRO DE 1899
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JÁ PASSARA MUITO DA MEIA-NOITE, O ANO DE 1900 chegara e, na mansão dos Holland, o
pranto cessara. As mulheres estavam reunidas em torno da enorme mesa de madeira gasta da cozinha e, ao
seu redor, havia um silêncio devastador. A cozinha não era um lugar onde nenhuma delas passava muito
tempo, mas este lhes parecera o cômodo mais secreto da casa, onde ninguém pensaria em procurá-los.
Naquela noite, Diana viu sua mãe preparar uma sopa pela primeira vez. Ela cumpriu a tarefa com
determinação e colocou uma tigela cheia diante de sua filha mais velha, pedindo diversas vezes que tomasse
um pouco do líquido. Elizabeth chegara a levar a tigela aos lábios, mas não parecia estar tomando nada e o
nível da sopa não baixou nem um centímetro. Diana observou a irmã, que estava apoiada na mesa. Ela
chorara tanto que parecia impossível ainda haver uma gota de água sequer dentro de seu corpo.
Edith não suportara aquela situação, e se escondera em seu quarto para que suas sobrinhas não a
vissem soluçar. A própria Diana estava se sentindo oca, sem conseguir imaginar quando aquele vazio seria
preenchido. Era como se tudo de bom e verdadeiro que havia no mundo houvesse sido pulverizado,
destruido, arrasado.
— Elizabeth, você precisa comer. Precisa tentar comer – disse a sra. Holland.
Diana não se lembrava mais da última vez em que qualquer uma delas falara alguma coisa. Talvez
houvesse sido há horas, talvez há poucos segundos. Os ruídos vindos da rua — sinos que tocavam, fogos de
artifício que explodiam e pessoas que deixavam alegremente a missa da meia-noite e o baile húngaro do
Madison Square — estavam mais baixos agora.
Os policiais haviam trazido Elizabeth para casa, orgulhosos do que tinham feito, e Diana a levara
para o segundo andar e a lavara na banheira. Elizabeth estava paralisada quando chegou, incapaz de fazer
qualquer coisa sozinha — e, mesmo agora, mal podia se mover. Seus cabelos secaram, mas, embora ela
estivesse envolta num cobertor, estava tremendo muito. Ela levou diversos segundos para responder, e disse
apenas:
— Não consigo.
— Elizabeth — disse a mãe dela, devagar —, talvez você não consiga agora, mas precisa tentar daqui
a pouco. Todos sabem que você voltou e eles não vão entender que você amava Will. Não podem saber
disso nunca.
Os olhos castanhos de Elizabeth se moveram lentamente e encararam os de sua mãe. Ela piscou e
abriu a boca, mas não retrucou. Diana não sabia como fazer sua mãe parar de falar. Ela sabia que, mesmo
naquelas circunstâncias, a sra. Holland não deixava de considerar sua posição social.
— Eles pensam que você foi sequestrada, Elizabeth. É nisso que vão acreditar e nós não podemos
contradizê-los. Essa família já sofreu, minha filha. Já sofremos demais. Vamos perder tudo se eles
descobrirem o que Will significava para você, o que você significava para ele. O que você fez. Você
compreende?
Elizabeth continuou encarando a mãe, sem reagir. Ela moveu os olhos até encontrar os de Diana. As
duas se olharam por alguns segundos, e Diana comprimiu os lábios diante da frieza prática da mãe. As irmãs
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encostaram suas testas e Diana mexeu a cabeça de leve para mostrar para Elizabeth que sentia o mesmo que
ela.
— Ela compreende — disse Diana em nome da irmã que não tinha forças para falar nada.
— Muito bem. Isso não me agrada, minha querida, mas é assim que as coisas são — afirmou a sra.
Holland, colocando as pequenas mãos enrugadas sobre a mesa e apoiando-se para levantar. — Nós
abrigaremos você por algum tempo, mas logo terá de ver os outros. Terá de parecer feliz por estar em casa.
Ainda bem que somos educados, assim ninguém lhe pedirá para descrever as coisas pelas quais passou. Mas
você não deve dar motivo para especulações.
Diana observou a irmã, cujos cabelos estavam soltos e que parecia indiferente a qualquer comentário.
Nada do que acontecera a nenhuma delas até então parecia importar mais diante daquela tragédia. A sra.
Holland alisou seu vestido negro com as mãos e suspirou.
— Eu não a forçarei a se casar de novo, minha querida Elizabeth — disse ela. — De qualquer forma,
Henry Schoonmalcer já se casou com sua amiga Penelope Hayes. O casamento ocorreu esta noite, de forma
rápida e sigilosa. Que dia tão estranho.
Diana não se chocou muito ao ouvir a notícia de que Henry se casara. É claro que, num mundo onde
um assassinato tão horrendo e arbitrário podia acontecer, fazia sentido que Henry escolhesse uma menina
como Penelope. Ela teria ficado mais chocada se alguém lhe dissesse que o casamento não ocorrera. Era
quase uma felicidade saber que tudo acabara tão rápido. Mesmo assim, Diana estremeceu com a frase da
mãe, torcendo para que Elizabeth não percebesse. Ela já tinha preocupaçóes de mais e não devia pensar no
coração de sua irmãzinha.
— Eu preciso dormir — concluiu a mãe delas subitamente, pegando a saia do vestido sem encará-las.
— Não deixe sua irmã ficar acordada olhando para a parede a noite toda, Diana. Você precisa levá-la para a
cama — disse ela ao passar pela porta.
Os degraus rangeram quando a sra. Holland subiu a escada, a caminho de seu quarto. Diana fechou
os olhos e soltou todo o ar de seus pulmões. Ela estava exausta, mas uma das muitas coisas que não
conseguia imaginar era a possibilidade de ir dormir. E sabia que Elizabeth sentia a mesma coisa. Quando
Diana abriu os olhos, viu que sua irmã estava olhando diretamente para ela, e que havia algo diferente em
sua expressão. Diana piscou e, vendo que aquela nova intensidade ainda estava ali, aproximou-se de
Elizabeth, atirou-se no banco de madeira áspera onde ela estava e pousou a cabeça em seu colo, enlaçando
sua cintura.
O rosto de Elizabeth, que estava bronzeado quando ela chegara em Nova York, ficara inteiramente
branco. Ela estava tão fraca que parecia ser capaz de ser levada pela mais suave brisa. Diana sabia que não
havia nada a dizer, mas achou que, se a abraçasse forte, seu calor lhe daria algum conforto. Ela fechou os
olhos e apertou ainda mais os braços.
As duas ficaram sentadas assim por algum tempo. Então, Elizabeth perguntou:
—Você ama Henry?
Diana ficou tão surpresa de ouvir sua irmã proferir uma frase inteira que, por um momento, não
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compreendeu a pergunra.
— Você o ama como eu amava Will?
Naquele momento, Diana percebeu que aquela pergunta fazia seu coração dar um salto, e que a ideia
de Henry, uma vez em sua mente, não a deixava furiosa ou infeliz, mas repleta de um inquestionável desejo.
Aquilo foi a primeira coisa que ela conseguia sentir desde que soubera do terrível destino de Will. Diana
soube então que queria Henry de volta, mesmo que tivesse de passar por cima de seu orgulho. Ela fechou os
olhos e assentiu, tentando não chorar.
— Amo.
Elizabeth colocou a mão nos cabelos de Diana e alisou-os lentamente. Em toda sua vida, Diana
jamais se sentira tão próxima de sua irmã mais velha.
— Então, nós vamos lutar por ele — sussurrou Elizabeth, inclinando-se e abraçando Diana.
Lá fora, o mundo estava escuro e quieto. Uma neve recém-caída cobria o chão, mas todos que viviam
em volta do Gramercy Park, na Quinta Avenida e no centro da cidade, onde não havia tanto conforto,
estavam dentro de casa. Já era Ano-Novo, mas nada parecia real.
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Agradecimentos
Esse livro e eu temos a sorte de ter não apenas um, mas dois editores: obrigada à graciosa e brilhante
Sara Shandler, e à engraçada e adorável Farrin Jacobs. Ambas trabalharam muito para fazer os livros da
série The Luxe ficarem maiores, melhores e mais lógicos. Obrigada a Josh Bank e Les Morgenstein, que têm
poderes mágicos. Obrigada a Allison Heiny, Cristina Gilbert, Melissa Dittmar, Kristin Marang e Jackie
Greenberg por fazer tanta gente prestar atenção à série. Obrigada a Andrea C. Uva, Alison Donalty, Barb
Fitzsimmons e Ray Shappell por deixar tudo tão lindo. Eu também devo muito a Nora Pelizzari, Lanie Davis
e o resto do pessoal da Alloy, e a Elise Howard, Susan Katz, Kate Jackson e todas as outras pessoas
maravilhosas da HarperCollins. Obrigada à New York Historical Society e a todos os bibliotecários
fantásticos de lá. E obrigada a Ben Turner.
Fim
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