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Editor
Raphael Faé Baptista
Editoração:
Felipe Sellin
Colaboram nessa Edição:
Felipe Bigesca
Felipe Sellin
Márcio Achtschin Santos,
Raphael Faé Baptista
Interaja conosco, sua opinião
é muito importante para nós:
Edição n° 41—Maio de 2018
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Editorial
Estamos passando por um momento trevo-
so. O mal sai das sombras (psíquicas e soci-
ais) com facilidade, toma formas variadas,
se espraia e encontra guarida junto a gru-
pos sociais. Materializam-se em ações polí-
ticas ou práticas sociais de violência e de
intolerância, que humilham, segregam,
espoliam, matam. Começam com supostas
brincadeiras e terminam quase sempre com
alguém atingido.
Nos Estados Unidos, Donald Trump prota-
gonizou um dos momentos mais perturba-
dores das últimas décadas. Numa sociedade
já repleta de contradições, ele conseguiu
espezinhar o que há de mais básico em ma-
téria de dignidade humana ao separar pais
e filhos por conta de imigração ilegal, tra-
tando crianças como se fossem animais.
Na Europa, partidos e movimentos de ex-
trema direita e seu repertório de intolerân-
cia aos que não deram certo (o diferente, o
pobre, o imigrante, etc.) vão recolhendo
cada vez mais adeptos.
Na Copa do Mundo na Rússia, um bando de
brasileiros – todos homens, brancos, com
dinheiro – assediou uma mulher russa se
referindo ao seu órgão genital, reafirmando
a imagem do povo brasileiro como ignoran-
te e retrógrado. Mas, sendo homens, bran-
cos, com dinheiro ainda tiveram defenso-
res, reduzindo a afronta à dignidade da
mulher a uma brincadeirinha de crianças
travessas. Com isso, esvazia-se a luta políti-
ca das mulheres como sendo uma reclama-
ção demasiada e sem fundamento.
No Brasil, no bojo da defesa cada vez mais
desavergonhada do retorno da ditadura e
seus processos abertamente violentos de
controle social, Marcos Vinícius da Silva,
estudante de 14 anos, uniformizado e indo
para a escola, foi vítima de uma estúpida
guerra contra as drogas, baleado em mais
uma ação policial tanto espetaculosa quan-
to inútil. Na verdade, uma guerra contra o
pobre e o favelado – forma atual de
“queimar carvão”, como dizia Darcy Ribeiro
– dentro de uma política de ódio contra
setores desfavorecidos. E, mais uma vez,
uma torrente de notícias falsas tentaram
desmerecer a vítima e justificar a sua mor-
te, associando-o erroneamente ao tráfico de
drogas.
E em meio a tais descalabros, é desesperan-
çoso ver como boa parte do público espírita
ainda não conseguiu desenvolver um senso
crítico para compreender essas questões
com profundidade, para se manifestar inte-
ligentemente, para se opor de alguma for-
ma, propor alternativas e articular mudan-
ças, nem que seja entre os mais próximos.
Desde o início inspirados com a crítica a um
mundo de provas e expiações, propondo-
nos à análise e ao debate profícuos dos te-
mas da sociedade contemporânea a partir
do espiritismo como chave de leitura, pros-
seguimos com o Jornal Crítica Espírita em
nosso intento de gerar conhecimento e re-
flexão. Em tudo isso, vemos não somente o
quanto o domínio do político nos afeta, mas
também onde se encontra a verdadeira luta
por uma sociedade regenerada.
Nesta edição, em Espiritismo e Política,
contamos com uma análise inteligente, pre-
cisa e necessária do professor Márcio
Achtschin Santos, Doutor em História e
Cultura Política pela UFMG, sobre a atual
situação política do Brasil, quando vemos o
desejo, mais comum do que se imagina, de
retorno à ditadura em detrimento da demo-
cracia.
Em Espiritismo e Sociedade, Raphael Faé
aborda os casos de racismo ocorridos nos
Jogos Jurídicos do Rio de Janeiro deste
ano.
Em Espiritismo e Comportamento, o psicó-
logo Felipe Bigesca nos traz apontamentos
iniciais sobre virtude, honra e honestidade,
um tema necessário nesse momento de
pessimismo, que potencializa o complexo
de vira-latas de boa parte dos brasileiros.
Tenham uma excelente leitura!!
Os editores
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Programação 8:00—Credenciamento
8:30—Momento Cultural
9:00—Mesa de Abertura: Espiritis-mo e Transformações Sociais
Dora Incontri (ABPE)
Raphael Faé (JCE)
10:30-Grupos de Debate
12:00—Almoço
14:00—Momento Cultural
14:30—Grupos de Debate
16:00– Mesa de Encerramento
Dora Incontri (ABPE)
18:00– Encerramento
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SOCIEDADE
Introdução
Em pesquisa divulgada pelo jornal “Folha
de São Paulo” de 05 de maio de 2018, 1/3
da população brasileira manifestou o de-
sejo do retorno à ditadura no Brasil. No
dia 05 de junho desse ano, em entrevista
para também à “Folha de São Paulo”, o
sociólogo Reginaldo Prandi afirmou: “Há
uns malucos querendo a ditadura. Eles
não sabem o que querem. Nunca viram,
não têm ideia do que foi a intervenção
militar no país, porque não têm formação.
Não sabem isso e também não sabem
mais nada”.
Diante da crescente manifestação desse
sentimento antidemocrático revelado por
parte dos brasileiros, as explicações giram
em torno do senso comum: é um povo
mal informado, o brasileiro precisa ter
conhecimento de história. Mas, esse tipo
de expressão, repudiando e justificando a
escolha de uma parcela significativa da
nação em favor do retorno à ditadura é
suficiente para entender esse pensamento
político considerado tão pouco nobre?
As questões postas são: a tendência de
analisar o poder privilegiando o domínio
do pensamento racionalmente organizado
tem respondido suficientemente às deci-
sões políticas da atualidade? Não seria
necessário, com a complexidade dos inte-
resses coletivos conflitantes, reconhecer
novas manifestações na interação huma-
na além do comportamento lógico? É
possível encontrar regularidades nas rela-
ções de poder fora de ações racionais e
que possibilite a construção de novos pa-
radigmas teórico-metodológicos?
Esse ensaio propõe apresentar algumas
reflexões dessa tendência em analisar a
política a partir de comportamentos con-
duzidos pela racionalidade. O objetivo é
apontar os limites de uma perspectiva
racional para as relações de poder, incor-
porando um novo viés: a de relativizar
essa abordagem considerando ações e
reações sociais de emoções incertas, me-
nos lógicas e difícil previsibilidade.
Racionalidade e cultura na política
Fortalecida nos tempos modernos, as
análises políticas estruturadas na proxi-
midade entre poder e razão sobreviveram
ao tempo e continuam no século XXI co-
mo principal referência para produção
teórica e metodológica. As ações coletivas
baseadas em estratégias lógicas ainda é
uma perspectiva predominante. Há na
ciência política uma tendência a privilegi-
ar em seus estudos as práticas e compor-
tamentos dos atores a partir de condutas
racionais, quer seja através de ações ma-
nipuladoras, quer seja nas representações
ideológicas.
No entanto, a política não pode ser anali-
sada apenas em função da racionalidade,
pois no jogo do poder também estão pre-
sentes sentimentos, valores, emoções.
Acreditar que o controle ideológico é sufi-
CONSOLIDAR A DEMOCRACIA OU O RETORNO
DA DITADURA: QUANTOS SÃO OS BRASIS?
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ciente para uma análise política pode tra-
zer uma leitura simplista e mecanicista do
processo. É impensável abordar as rela-
ções de poder sem mencionar suas múlti-
plas representações, que envolvem aspec-
tos inconscientes, incluindo imaginário,
mitos, símbolos, memória, ritos.
Especialmente diante das fragilidades das
instituições políticas no Brasil, a aborda-
gem baseada em condutas racionais já
não consegue, por si só, responder a di-
versas questões relacionadas às disputas
coletivas. É nesse sentido que a Cultura
Política tem a contribuir, pois atinge as
diversas formas de construção do poder,
onde a análise política clássica não tem
penetração.
A partir dessa perspectiva, considera-se o
poder como sendo partilhado por diversos
atores, incluem todos os agentes envolvi-
dos. As relações de força na política são
pensadas como práticas compartilhadas e
utilizadas nas suas diversas hierarquias.
Sendo assim, o exercício do poder não são
permanentemente ações apenas manipu-
ladoras, mas se legitimam em grande par-
te nas teias sociais e a partir de múltiplas
expressões. Do mesmo modo, as repre-
sentações são construções elaboradas nas
experiências sociais reproduzidas, viven-
ciadas e compartilhadas no cotidiano.
Pensar em movimentos políticos desejo-
sos do retorno à ditadura como um traço
da Cultura Política brasileira requer uma
revisão das análises que partem exclusiva-
mente do campo institucional e de condu-
tas envolvendo atores em ações e pensa-
mentos racionalmente conduzidos. Mes-
mo reconhecendo as ideológicas, é neces-
sário considerar a política a partir da tra-
dição. Cultura e poder se entrecruzam e se
imbricam em mão dupla, envolvendo ato-
res múltiplos. É, sem dúvida, uma cons-
trução histórica excludente, mas não exis-
tem apenas nas práticas e representações
das elites, ocorrendo também uma aceita-
ção e reprodução nos segmentos domina-
dos. Vivências e representações não se
separam, estão incorporadas no dia-a-dia,
inculcada nos valores, na memória, no
vocabulário, nos mitos e nos rituais dos
brasileiros.
Ao tratar do sentimento de parte da popu-
lação desejosa de um retorno ao regime
ditatorial é preciso pensar em uma Cultu-
ra Política já enraizada na sociedade bra-
sileira. Ao longo de séculos foi se forman-
do no Brasil relações de poder fundadas
no patriarcalismo, no patrimonialismo, no
mandonismo, no clientelismo, que só po-
deriam ser mantidas com práticas autori-
tárias. Carregada de tensões, ambiguida-
des e contradições, se tornou base impor-
tante de sustentação de dominação, mas
também constituiu como valor nos seg-
mentos dominados. São práticas e repre-
sentações consideradas por uma parcela
da sociedade como legítimas. Esse poder,
ao ser ameaçado, tem uma resposta reati-
va diante de novos modelos que emergem
no processo capitalista.
Cultura Política e ditadura
Ainda que os tentáculos do capital pene-
trem em todo mundo, esse processo assu-
me em sua dinâmica uma construção não
homogeneizadora. No caso brasileiro, a
dificuldade de inserção de propostas fun-
dadas em valores típicos do discurso do
liberalismo democrático até os anos de
1970 conseguiram “empurrar” para o pe-
ríodo de abertura política debates que já
estavam na ordem do dia no ocidente.
Com o processo de abertura dos anos 80
vieram à tona novas propostas de lutas
políticas, especialmente aquelas defendi-
das através do Estado Democrático de
Direito. Propostas de revoluções baseadas
na luta de classes perderam fôlego e deu
lugar a outras bandeiras, mais pulveriza-
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das, identificadas com conquistas relacio-
nadas à questão ambiental, étnica, de
gênero. São nos anos de 1980 que emerge
a chamada “segunda onda” do movimento
LGBT no Brasil, dando maior visibilidade
as suas demandas. Marca também nesse
período o fortalecimento dos movimentos
em favor dos direitos da mulher, em espe-
cial a luta contra a violência doméstica e a
legalização do aborto. Também consoli-
dam e ampliam diversos direitos dos afro-
descendentes e de comunidades indíge-
nas. Com a Constituição de 1988 se forta-
leceu no discurso e na lei o direito das
minorias e o respeito às diferenças. Acre-
ditava-se que valores e práticas democrá-
ticas se consolidariam, que seriam princí-
pios inexoráveis, um caminho sem volta.
No entanto, parte da sociedade brasileira
que carregava valores fortemente marca-
dos por uma Cultura Política tradicional
não se identificou com a legitimidade
construída pelo Estado Democrático de
Direito a partir da abertura política desse
período. Com a dificuldade de alternativas
formais de fazer frente e neutralizar o
discurso de inclusão e igualdade, foram
emergindo diversas expressões políticas
conservadoras, pulverizadas ou coletivas.
Essas vozes reativas foram sensíveis às
propostas de redução da maioridade pe-
nal, na condenação de práticas como o
casamento de homoafetivos e o aborto.
Podem ser percebidas no saudosismo no
tipo de fala: “De uns tempos para cá, o
mundo está chato, não se pode mais brin-
car”. São visíveis no crescimento do ne-
opentecostalismo. Também são identifi-
cadas na greve dos caminhoneiros e do
forte apoio da população brasileira, que
encontrou em um segmento conservador
uma maneira de reforçar o discurso auto-
ritário. Por fim, nas raias do Estado, essas
forças refletiram na vitória de representa-
ções conservadoras nas eleições de 2014 e
na tendência do eleitorado em 2018 em
manifestar o voto em favor de candidatos
de extrema direita.
O aspecto central das tensões nas relações
de poder atual é, por um lado, a igualdade
prevista pela penetração de valores liga-
dos ao Estado Democrático de Direito
legitimados pela racionalidade, e por ou-
tro, a resistência, procurando assegurar as
práticas tradicionais que perdem espaço
com a lógica típica das representações
capitalistas. Portanto, o que está em jogo
nessas bandeiras levantadas em favor da
ditadura é a sobreposição de um discurso
fundado na tradição e que na arena políti-
ca se aproxima do retorno de todas as
práticas de poder tradicionais pensadas e
realizadas no Brasil desde o período colo-
nial.
Polimorfo em valores e imagens diversas,
as representações conservadoras se con-
fundem e emaranham entre princípios
democráticos e autoritários, que negam,
mas afirmam, que repudiam, mas admi-
ram. Interesses e moralidades se entre-
cruzam com ações nem sempre manipulá-
veis, mas movidos a sentimentos e emo-
ções que não necessariamente se relacio-
nam mecanicamente com manobras es-
tratégicas conscientes e deliberadas de
grupos e classes privilegiadas.
Manipulações e alienações são represen-
tações mais visíveis. Mais fáceis de serem
identificadas, conduz a uma equação apa-
rentemente de fácil solução. Mesmo
quando não resolvidas. Ou se responsabi-
liza o potencial dominador do capital, ou
aponta para uma população sem conheci-
mento histórico. Um Estado de Direito
com fundamentos democráticos pode
parecer um princípio universal no projeto
contemporâneo. Mas não é comungada
com todos os atores sociais que, cada um
a sua maneira, sabem o que fazem e sa-
bem o que querem.
Márcio Achtschin Santos, Doutor em
História e Cultura Política pela UFMG e
professor do Magistério Superior da
UFVJM
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MORAL
Relembrar esta frase de Rui Barbosa –
proferida na ocasião do discurso no Sena-
do Federal, Rio de Janeiro, na sessão em
17 de setembro de 1914 – é muito relevan-
te mesmo ocorrendo 104 anos depois,
pois ele parece evidenciar qualidades im-
portantes como a virtude, a honra e a
honestidade. Tais qualidades, acredito,
estão relacionadas ao Ser Humano.
Várias observações podem ser feitas a
partir desta fala. Prefiro aquelas relacio-
nadas ao cenário atual de nossa sociedade
brasileira e a participação de cada pessoa
neste contexto. Podemos refletir, portan-
to, sobre nossa conduta em relação a nós
mesmos (o que pensamos de nós mesmos,
como nos comportamos), a nossa conduta
em relação a nossa sociedade (como agi-
mos, como nos relacionamos), a nossa
conduta em relação a nossa cultura (o que
produzimos como conhecimento, como
influenciamos os outros com nossas falas,
pensamentos e comportamentos).
A importância da reflexão nessas caracte-
rísticas tem a base em como o que é pro-
duzido socialmente nos afeta e como nós
reagimos a isso. Muitas vezes, podemos
apenas observar passivamente e sem uma
análise crítica sobre, por exemplo, a ex-
ploração da mídia em notícias que podem
nos fazer ter uma percepção alterada e
superestimada de violência, pobreza, edu-
cação, saúde etc. Nos últimos anos, temos
presenciado várias agressões a nossos
direitos de pessoa e cidadão – injustiças,
“jeitinhos”, alterações de procedimentos
“éticos e morais” para benefício próprio,
etc. Em nossa história recente, pudemos
observar pessoas cometendo crimes sim-
plesmente porque muitas pessoas naquele
contexto social específico também esta-
vam com esta prática e, dias depois, em
reflexão, sem entender o motivo pelo qual
fizeram aquilo, se mostraram arrependi-
das e procuraram desfazer a ação.
Assim, creio que Rui Barbosa nos alerta
para o possível efeito resultante disso
tudo em nós mesmos: “desanimar da
virtude, (...) rir-se da honra, (...) ter ver-
gonha de ser honesto” (BARBOSA, 1914).
Neste contexto, algumas provocações se
fazem pertinentes: por estarmos constan-
temente envoltos em notícias de nulidade,
desonra, injustiça, poderes estando nas
mãos dos maus, isso significa que temos
que seguir por esse caminho, afinal de
contas “se ele deu o jeitinho, eu também
vou dar, todo mundo dá...”? Thomas
Hobbes estaria certo em afirmar que “o
homem é o lobo do homem”? Estaria sen-
do o homem se “autocondicionando” a
olhar ainda mais para o seu lado sombra
(cuja existência e considerações nos fo-
ram apresentadas pelo psicólogo Carl
Gustav Jung)? Como nos influenciam o
intenso bombardeio de notícias com con-
teúdo de violência dos mais variados
tipos e intensidades? E, ainda, conside-
rando o relato do apóstolo Lucas (6:45)
que “o homem bom tira coisas boas do
seu bom tesouro interior; o mau tira o
mau de seu mau tesouro. A boca fala do
que está cheio o coração”, seria correto
afirmar que o ser humano tem tirado
somente o mau de dentro de si?
Caros leitores, cuidado! Considerando o
período de transformação pelo qual o
planeta Terra está passando, vocês, todos
VIRTUDE, HONRA, HONES-
TIDADE “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a deson-ra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtu-de, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
(BARBOSA, 1914)
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nós, talvez possamos ter a crença de que
“as coisas ruins” tomaram tamanha pro-
porção e se tornaram tão presentes que
não há possibilidade de ser diferente, de
fazer o bem, de pensar em possibilidades
de ter uma melhor conduta ética e moral.
Afirmo: Sim! Há possibilidades de pen-
sarmos, sermos e agirmos diferente. Exis-
te virtude, honra, honestidade em todas
as pessoas e elas trabalham para que o
mundo seja bem melhor.
Tudo isso representa um convite à refle-
xão sobre aquilo em que acreditamos, no
que estão baseadas nossas crenças, como
expomos nossos pensamentos e que práti-
cas adotamos para nossa conduta diária.
Muitas coisas têm origem em nós mesmos
e podemos ter uma participação ativa em
nossas vidas, pois sempre há possibilida-
de de pensarmos e interpretarmos nossa
vida para sermos melhores a cada dia.
Joanna de Ângelis, através da Psicografia
de Divaldo Franco, nos afirma que “o ser
humano encontra-se equipado com re-
cursos preciosos que deve ser aplicados
no cotidiano, de forma que se ampliem as
possibilidades nele latentes, expressando
a potencialidade divina de que se encon-
tra constituído” (FRANCO, 2016). Ocorre
que, por vezes, ao invés de enfrentarmos
os problemas com naturalidade
“determinadas predisposições emocio-
nais impedem a aceitação das ocorrên-
cias mais exaustivas, produzindo um
mecanismo automático escapista, medi-
ante o qual parece livrar-se da dificulda-
de, quando apenas a poster-
ga” (FRANCO, 2016). Procuremos, pois,
não fugir da tarefa que nos foi confiada.
É correto afirmar que “dá trabalho”, pois
é necessário pensarmos diferente, modifi-
carmos nossas crenças, ter outros tipos de
conduta, sairmos da zona de conforto a
que estamos habituados. Somos sempre
convidados ao trabalho, de uma forma ou
de outra, e isso demonstra o amor de
Deus para conosco, pois se Ele “houvesse
isentado do trabalho do corpo o homem,
seus membros se teriam atrofiado; se o
houvesse isentado do trabalho da inteli-
gência, seu espírito teria permanecido na
infância, no estado de instinto ani-
mal” (O Evangelho Segundo o Espiritis-
mo, Cap. XXV).
É um caminho que, antes de começar com
um passo, começa com o pensamento de
querer ser diferente. Para o primeiro pas-
so, o Mestre Jesus nos deixou recursos
importantes para que possamos vencer e
estarmos sempre amparados. De seus
ensinamentos, podemos recordar a ins-
trução de que “pedi e vos darão, buscai e
encontrareis, batei e vos abrirão; pois
quem pede recebe, quem busca encontra,
a quem bate lhe abrem. Quem de vós, se
seu filho lhe pede pão, lhe dá uma pe-
dra?” (Mt., 7:7-9).
Em nossas próximas reflexões, abordare-
mos com maiores detalhes a relação neste
texto estabelecida, quais sejam: 1) a rela-
ção de nossa virtude com nossa conduta;
2) a relação de nossa honra com nossa
conduta em sociedade; 3) a relação de
nossa honestidade em relação à nossa
conduta com a cultura.
Felipe Bigesca é psicólogo.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ruy. A falta de justiça, a fonte
de todo o nosso descrédito. In: _______.
REQUERIMENTO DE INFORMA-
ÇÕES SOBRE O CASO DO SATÉLI-
TE – II. Senado Federal. Rio de Janeiro,
DF, 1914. p. Disponível em: http://
www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/
artigos/rui_barbosa/FCRB
_RuiBarbosa_Requerimento_de_inform
acoes_sobre_o_caso_do_Satelite-II.pdf.
FRANCO, Divaldo Pereira. Conflitos
existenciais. 7. ed. / Pelo Espírito Joan-
na de ângelis [psicografado por] Divaldo
Pereira Franco. Salvador: Leal, 2016.
(Série Psicológica, volume 13).
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COTAS RACIAIS
Ao escrever esse texto, o que há é um sen-timento que mistura revolta, tristeza e anacronismo. Parece que escrevo no sécu-lo XVII. A sociedade brasileira – acostumada a esconder suas feridas e a jogar suas sujei-ras debaixo do tapete –, teve novamente uma de suas contradições mais nojentas jogada às claras: o racismo. Na pátria da malfadada “democracia racial”, o racismo é respirado com oxigênio, bebido com água, comido com feijão e brota dos poros e das fendas de uma cultura essencial-mente escravagista e autoritária. Ele veio à tona durante os Jogos Jurídicos do Rio de Janeiro deste ano, quando tor-cedores da PUC-RJ praticaram diversos atos racistas contra jogadores negros de outras faculdades. Xingaram jogadoras negras de “macaca”, lançaram casca de banana, e quando torcedores de outras universidades chamavam-nos de racistas, torcedores da PUC-RJ vaiavam, erguiam o dedo médio e imitavam macacos. Inter-pelados, alguns destes diziam que não aconteceria nada com eles, pois não ti-nham “cara de quem vai preso”. Isso não é algo novo. E a política de cotas nas universidades brasileiras acirrou os ânimos racista e classista em todo o país,
e esses eventos são propícios para dar vazão a podridões morais. Na página de Justificando, de 06.06.2018*, uma repor-tagem sobre o assunto traz alguns tre-chos editados dessas músicas feitas com o intuito de denegrir outros alunos: “E já tem cota / UFRJ / Cota pros po-brim … Quer ajuda pro trem, eu integro / Um trocado pro lanche eu dou … No fim do mês a grana vai falta / Vai no lixão lá da central catar lata” Ainda há o trecho de “Congo” (como é conhecida a UERJ), música da torcida da PUC-RJ: “Ela é cotista e sempre quer que eu ban-que / Mas eu só vou pagar se gozar … É favelada, vou ajudar um pouquinho / Toma um trocadinho, vai / Toma um trocadinho / E faz um lanche ali no ban-dejão / Pão com mortadela, de repente um requeijão / De laranjeiras, foi pra Madureira / Hj ela se esconde lá no mor-ro do dendê / Foi lavadeira, já foi faxi-neira / Hj a cotista ganha vida com...” Chega a dar calafrios ao pensar que dali sairão futuros advogados, juízes, promo-
tores e delegados, escribas e fariseus hi-pócritas do presente, sem qualquer noção de coisa pública, de nação e de respeito à lei, de um lado prontos para massacrar o pequeno e esmagar o fraco e, de outro lado, sendo subservientes aos donos do poder político e econômico e vorazes pa-rasitas do dinheiro público. Mas, no fundo, essa situação aviltante traz uma notícia boa. Essa reação fas-cistóide e criminosa é comum quando setores desfavorecidos começam a sair dos guetos, das sombras, e passam a exi-gir respeito, a pleitear direitos e reconhe-cimento, e quanto mais se manifestam, mais o ódio incrustado se revela. Logo, o outro lado da moeda mostra as conquistas da população negra por acesso a direitos, e a campanha “Jogos Sem Racismo” reve-la o incômodo e a luta já existente contra o preconceito racial e de classe nos meios universitários. Isso mostra os sinais dos tempos e o quanto precisamos caminhar. Os sinais do tempo, para aqueles que almejam o progresso, são de resistência e de luta. Afinal, não é necessário convencer a nin-guém de que o racismo é uma estupidez, assim como não precisa muito esforço para demonstrar que qualquer pessoa que
RACISMO E SOCIEDADE BRASILEIRA
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queira o melhor deve estar do lado de quem está sendo massacrado, ofendido e humilhado. É um tempo em que não há espaço para meio termo, momento em que se reatualiza a assertiva bíblica, de alta relevância moral, de que o morno é odiado: ou você é quente ou frio. Ou você está do lado do mal ou contra ele. Ou você está contra o racismo ou a favor dele. Isso não é um chamado à violência, mas à adoção de postura, de posicionamento, de entender que existe o mal e que podemos reproduzi-lo de diversas formas, muitas vezes inconscientemente. Portanto, é um chamamento à autorreflexão, à autocrítica e ao aprimoramento de sua conduta moral e social. E o público espírita brasileiro, cada vez mais engolfado em misticismo barato e em narrativas autobajuladoras, como a de o Brasil ser o coração do Mundo e a pátria do Evangelho, deveria estar mais atentos aos diálogos e às assertivas de Kardec e dos espíritos superiores, infinitamente mais producentes, quando afirmam que não basta não fazer o mal, mas “[…] cum-pre-lhe fazer o bem no limite de suas for-ças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver pratica-do o bem” (perg. 642 de O Livro dos Espí-ritos), e que se reconhece uma civilização completa pelo seu desenvolvimento mo-ral, “[...] quando de vossa sociedade hou-verdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, pratican-do a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que hão per-corrido a primeira fase da civiliza-ção” (perg. 793 de O Livro dos Espíritos).
Depois da repercussão nas redes sociais e da pressão de movimentos antirracistas, a PUC-RJ perdeu o título de campeã e não participará da competição em 2019. Até então, a “pena” tinha sido uma multa de R$ 500,00 e suspensão da torcida em um jogo. Pensamos que ainda é pouco. Perder título e não participar do campeonato seguinte é ser muito conivente com o mal, e a leniência da organização do evento e das instituições envolvidas mostra o racis-mo enraizado. Afinal, por que tanto rigor se xingaram pretos e pobres, e não bran-cos e ricos? Aqui, há a necessidade de punições exemplares e contundentes, den-tro da legalidade e do devido processo legal, que demonstrem o compromisso histórico de intolerância contra qualquer forma de intolerância, e que abarque a responsabilização penal, civil e adminis-trativa dos envolvidos e das instituições, naquilo que cabe a cada um (prisão, mul-ta, indenização, reparação, expulsão da instituição de ensino, suspensão do curso, banimento da competição, etc.). A mensagem na página no facebook do “Jogos sem Racismo” resume bem o que passam esses seres humanos, vítimas de uma sociedade estruturalmente desigual: “Todo ano, no feriado de Corpus Christi, em alguma cidade do interior do Rio de Janeiro, acontecem os Jogos Jurídicos Estaduais. Para muitos jovens, é um momento de lazer, alegria, diversão. A não ser que você seja negro. Bom, se você for, o que era pra ser felici-
dade, vai se transformar em uma cons-tante preocupação. Atleta é macaco, seu corpo não é respei-tado em quadra. Toma um puxão de ca-belo e uma porrada. E fica bem quieta, você vai ser minha empregada. Cotista! Fudido! Veio pros jogos de trem? Crescemos. Mudamos. Estamos aqui. Unidos. A dor de um é de todos os ir-mãos. Povo preto unido é povo preto for-te.” E aos espíritas que se incomodam com as estruturas desiguais e violentas de um planeta de provas e expiações, fica a dica: é de todos nós a luta pelo respeito, inclu-são e reconhecimento do povo negro. E onde estiver a bandeira contra o racismo e qualquer forma de preconceito, lá é onde devem se encontrar os espíritas conscien-tes de seu tempo e de sua situação na Ter-ra, não sendo outra a razão de ser do espi-ritismo. Raphael Faé é editor do Jornal Crítica Espírita. *http://justifican-do.cartacapital.com.br/2018/06/06/apos-denuncias-de-racismo-musicas-de-conteudo-discriminatorio-voltaram-a-circular-em-grupos-e-redes-sociais-dos-alunos-da-puc-rio/