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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009
Luís Fernando Prado Telles Anhanguera Educacional S.A. [email protected]
ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO E SUAS FORMAS DE PLANEJAMENTO1
RESUMO
Este artigo apresenta uma introdução aos aspectos da teoria da comunicação e uma organização dos seus elementos a fim da sistematização das formas de planejamento do processo comunicacional, visando não apenas a clareza na transmissão das informações, mas também o convencimento. Para tanto, procede-se ao trabalho com as definições de língua e linguagem e suas respectivas funções, dando-se especial enfoque à função argumentativa e à retórica como fonte primeira das principais estratégias de comunicação que buscam gerar convencimento. O artigo se encerra propondo uma pequena revisão sobre algumas concepções de linguagem.
Palavras-Chave: comunicação; funções da linguagem; argumentação; retórica.
ABSTRACT
This article provides an introduction to aspects of communication theory and organization of its elements to the systematization of the forms of communication planning process, aimed not only clarity in transmitting information, but also convincing. To this, it proceed to work with definitions of language and parlance and their respective functions, with particular focus on the role of argument and rhetoric as the primary source of major communication strategies that seek to produce conviction. The article concludes by providing a brief review of some concepts of language.
Keywords: communication; language functions; arguments; rhetoric.
1 Material da 1ª. aula da Disciplina Técnicas de Comunicação Docente, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.
Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]
Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE
Informe Técnico Recebido em: 18/7/2009 Avaliado em: 11/2/2010
Publicação: 21 de abril de 2010
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1. INTRODUÇÃO
A comunicação é uma atividade imanente à prática do professor. Assim, o profissional de
qualquer área do conhecimento que tenha sido atraído a assumir o desafio de ensinar, de
algum modo, já o fez pelo fato de ser, naturalmente, um bom comunicador. Trata-se,
portanto, de uma competência inerente à atividade do professor e que é aprimorada ao
longo de anos de experiência didática.
Estamos tratando, então, de uma competência que se constrói de maneira muito
particular, a partir de experiências muito variáveis: o que pode funcionar para um
professor pode não funcionar para outro, o que é eficaz com uma determinada classe
pode não ser com outra, um determinado tipo de assunto pode aceitar um tipo de
tratamento e ser menos adequado a outro. Não há uma fórmula pronta disponível que
possa ser sacada a qualquer momento no sentido da aplicação das técnicas de
comunicação. Contudo, é possível isolar de maneira mais ou menos esquemática os
elementos constitutivos da prática comunicacional.
Reconhecer os elementos comuns da comunicação, suas funções e seus modos de
funcionamento pode ser proveitoso ao professor no sentido de poder incorporar esse
conhecimento à sua prática já constituída. O reconhecimento da sistematização de tais
elementos pode funcionar de modo a fazer com que o professor possa criar instrumentos
próprios de auto-avaliação e de aprimoramento de sua atividade, no sentido, inclusive, de
uma sua melhor organização e planejamento.
Assim, o presente artigo pretende introduzir alguns conceitos básicos da teoria
da comunicação, suas formas de sistematização e as implicações desta na construção de
estratégias argumentativas. Para tanto, serão apresentados, também, alguns elementos
básicos da retórica e da teoria da argumentação com vistas a oferecer um instrumental
que possa orientar, minimamente, o planejamento do professor em sua prática
comunicacional. Paralelamente, busca-se, ainda, a construção de uma discussão sobre
alguns aspectos da comunicação e da linguagem priorizando a relativização de algumas
crenças e valores, inclusive quanto à idéia de correção e de adequação.
2. ELEMENTOS ESSENCIAIS DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO
O que é comunicar? Basicamente, significa interagir, estabelecer um contato que tem por
objetivo transmitir informações, buscar entendimento e compreensão. A comunicação,
nesse sentido, é, como já dito, constitutiva da atividade do professor. Este, contudo, pode
dizer verdades sem que estas tenham o efeito de verdades ou até não aparentem ser
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verdades. O sucesso de sua comunicação dependerá do modo como trabalha os elementos
que a constituem.
A teoria tradicional da comunicação (VANOYE, 2007.) estabelece que esta deva
se processar a partir, basicamente, de sete elementos: a origem da mensagem é
denominada de fonte; o responsável pela transmissão da informação proveniente desta
fonte, seja pela linguagem verbal (oral ou escrita) ou por qualquer outro sistema de
códigos, é entendido como sendo o emissor; a informação a ser transmitida, que é
veiculada pelo sistema de códigos manipulado pelo emissor, é denominada de mensagem;
o elemento a que se destina a mensagem (um indivíduo, grupo ou auditório) é
denominado genericamente como sendo o receptor; o campo de circulação da mensagem
deve ser entendido como sendo o canal de comunicação, este é o responsável pelo
deslocamento espacial e/ou temporal da mensagem; aquilo que veicula a mensagem e
que é trabalhado pelo emissor, o sistema de signos, é compreendido como sendo um
código, o qual pode ser verbal ou não verbal, o primeiro utiliza-se da palavra falada e/ou
escrita e o segundo pode ser constituído pelos mais variados meios e técnicas; o sistema
de comunicação se completa com o elemento ao qual a mensagem se refere, que pode
corresponder a objetos materiais ou a aspectos abstratos que compõem a situação ou o
contexto da comunicação, a esse elemento dá-se o nome de referente.
A recepção da mensagem não significa, necessariamente, a sua compreensão.
Pode haver falhas de comunicação em qualquer um dos níveis acima mencionados, por
exemplo, a mensagem pode ser recebida, mas não compreendida, quando o emissor e o
receptor não possuem signos em comum; ou quando a comunicação é restrita, pois
poucos são os signos em comum. A comunicação pode ser eficiente quando há uma
completa compreensão dos signos emitidos, contudo, não basta que o código seja comum
para que se realize uma comunicação satisfatória. Outras variáveis que incidam sobre os
outros elementos da comunicação podem atrapalhar o seu sucesso. Alguns problemas
podem, por exemplo, ser originados de interferências indesejáveis na transmissão da
mensagem, a esse tipo de problema dá-se o nome de ruído. A perturbação da comunicação
originária de uma desorganização da mensagem caracteriza aquilo que se entende por
entropia, já a repetição indevida de informações durante o processo de comunicação leva o
nome de redundância.
3. ALGUMAS DEFINIÇÕES IMPORTANTES
O estabelecimento dos elementos essenciais da comunicação e de seu sistema é feito a
partir do entendimento pressuposto de alguns conceitos importantes. O primeiro deles é o
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de linguagem. Esta pode ser entendida como sendo um código, já que este pode ser
definido como um conjunto de regras para um sistema de signos que permite a
construção e a compreensão de mensagens. A linguagem verbal é, pois, um dentre muitos
outros códigos. Trata-se, portanto, segundo o lingüista Émile Benveniste (cf. VANOYE,
2007.), de um sistema de signos socializado. Isso significa dizer que a linguagem se
constitui como um conjunto de signos que se determinam em suas inter-relações, ou seja,
um conjunto no qual os seus termos integrantes não significam nada por eles próprios,
mas todos significam em função dos outros. Nesse caso, portanto, o sentido de um termo
na linguagem é constituído em função do contexto em que ele ocorre.
As línguas são, portanto, casos particulares de um fenômeno geral que é a
linguagem e constituem-se como o objeto primordial do interesse de um campo de
estudos que se denomina de lingüística geral, a qual trabalha, grosso modo, no sentido de
descrever e investigar tanto as características comuns quanto as variáveis das diferentes
línguas.
Um dado importante sobre a linguagem verbal e que contribui para o
entendimento de sua especificidade é o fato de esta ser um tipo de código, dentre vários,
que pode falar dos próprios signos que constituem o seu sistema ou mesmo referir-se a
outros signos. Esse caráter meta-referencial da linguagem verbal possibilita, ainda, a
criação de “jogos” com os seus signos e suas significações. Daí o caráter de abertura
inventiva que a linguagem verbal permite.
Mas, se a linguagem é um “sistema de signos”, resta o entendimento do que seja
o signo. Este deve ser pensado a partir da compreensão da relação entre três termos: o
significante, o significado e o referente. O elemento “material” do signo (sonoro ou
escrito), perceptível sensorialmente, é o que se entende por significante. O elemento
conceptual, não perceptível, a idéia geral do que aquele dado material pode significar é
entendido como sendo o significado. Já o referente é o objeto real ao qual remete o signo
numa determinada instância de enunciação. Assim, como exemplifica Vanoye,
[...] no caso do signo mesa, diversos significantes (um som, ou melhor, uma combinação de sons ou uma combinação gráfica, etc.) correspondem a um significado (o conceito de mesa) que, por sua vez, designa uma classe de referentes (mesa de um só pé, mesa redonda, mesa baixa, etc.). Em outros casos, um mesmo significante pode remeter a vários significados (por exemplo, o significante folha remete aos significados ‘folha de árvore’ e ‘folha de papel’); é o contexto que elimina a ambigüidade. (VANOYE, 2007.)
Este entendimento do signo permite a compreensão do seu caráter convencional
e, portanto, aponta para a arbitrariedade da linguagem. O signo é convencional já que
entre o significante o significado não há outra ligação senão o acordo (implícito ou
explícito) que se estabelece entre os usuários de uma mesma língua. A significação
construída a partir desse acordo, portanto, é o que garante a ligação entre o significante, o
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significado e o referente. Esse processo de construção de significação pode ser entendido
como pertinente a uma qualidade mais abrangente entendida como sendo o processo
simbólico. Ao usarmos uma determinada palavra para nos referirmos a um determinado
objeto (seja animado, inanimado ou abstrato) designado por esse nome, não há nada no
próprio objeto que se relacione com o signo verbal que foi usado para designá-lo. É pelo
uso que o processo de representação simbólica se estabelece.
4. AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Dos elementos do processo comunicacional derivam as funções de linguagem. Quem
estabeleceu o quadro destas funções foi o lingüista Roman Jakobson (cf. VANOYE, 2007.).
A função centrada no emissor, que exprime a sua atitude em relação ao conteúdo da
mensagem e ao contexto de comunicação é designada como função expressiva,
responsável por caracterizar textos em que a presença de quem o produz se faz marcante,
por meio da expressão de seus juízos, sentimentos, posicionamentos críticos, opiniões etc.
A função centrada na figura do destinatário da mensagem é aquela designada
como sendo a conativa. Textos em que se processa a construção da imagem do leitor,
geralmente com o intuito argumentativo, de persuasão, são aqueles orientados, portanto,
pela função conativa da linguagem. Já a função referencial é aquela centrada no referente
e marca textos que se pretendem informacionais, mais objetivos e menos marcados por
comentários ou juízos. Para fazermos uma redução esquemática, cada uma das funções
acima mencionadas seria centrada, respectivamente, na primeira, segunda e terceira
pessoas do discurso. Podendo esta última ser entendida, de uma maneira mais geral,
como aquele elemento a respeito de que se fala.
A função conhecida como função fática é aquela voltada ao canal de
comunicação, refere-se a tudo o que numa mensagem serve para efetivar, manter ou testar
o contato com o destinatário da mensagem. Esta função caracteriza textos que servem
para instaurar uma comunicação ou funcionam para facilitá-la. A função metalingüística é
aquela voltada ao próprio código, é aquela utilizada para criar explicações que visam
precisar a própria linguagem. Essa função é comum em textos explicativos e que propõem
a construção de definições e o estabelecimento de conceitos. A função poética da
linguagem é aquela que revela o caráter de jogo da linguagem, voltando-se aos próprios
signos que a constituem. Essa função está presente em textos que valorizam a informação
pela forma como a mensagem é trabalhada linguisticamente. Vale salientar que o
esquema destas funções serve apenas como um guia, não deve ser entendido a partir de
um paradigma normativo.
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5. COMUNICAR/ARGUMENTAR
Como dissemos acima, comunicar significa interagir, estabelecer um contato que tem por
objetivo transmitir informações, buscar entendimento e estabelecer a compreensão. Para
que o entendimento e a compreensão aconteçam não basta apenas que o discurso seja
claro, mas também é preciso que o discurso de quem comunica seja convincente, portanto,
quem comunica também deve buscar o convencimento. Assim, comunicar é já, de certa
maneira, argumentar.
A argumentação, ou o convencimento, é também uma das funções primordiais
da linguagem. Esta foi, como se sabe, uma das funções que mais receberam atenção dos
teóricos ao longo da história. Antes mesmo do desenvolvimento das teorias
contemporâneas sobre a comunicação e sobre a linguagem de uma forma geral, o que se
objetivava no estudo da linguagem era o seu aspecto argumentativo, capaz de convencer
e demover pessoas em suas posições e influenciar em suas atitudes. A esse ramo de
estudo da linguagem e da comunicação dá-se o nome de retórica.
Do próprio sentido etimológico da palavra argumentação podem ser
depreendidos os sentidos positivo e negativo que o termo retórica tem recebido desde os
tempos da Grécia antiga. O termo argumento, que vem do latim argumentum, tem em sua
raiz temática o termo argu-, que significa “fazer brilhar”, este termo também está presente
em termos como argúcia ou argentum (que significa prata). A argumentação é, portanto, o
processo por meio do qual a linguagem, seja falada ou escrita, faz brilhar uma idéia, uma
opinião.
Assim, uma tese que, em princípio, poderia ser considerada fraca ou pouco
convincente, passa a se tornar forte e, portanto, crível, depois de ganhar brilho, de se
tornar evidente e aceitável por meio da argumentação. Esse é o sentido positivo da idéia
de argumentação, tornar forte uma tese que era tida como fraca: em outros termos, a tese
pode ser até verdadeira, mas se não parecer aceitável, convincente, poderá ser descartada
pelo destinatário da mensagem. Já o sentido negativo da retórica é aquele que entende por
retórico o discurso que se pretende brilhante, mas que não se sustenta numa tese que seja
genuinamente forte. O sentido negativo da retórica é, portanto, aquele que se associa à
idéia de um discurso cheio de ornamentos, mas que é, no fundo, vazio. O sentido
pejorativo de retórica é aquele que se associa à idéia de um discurso empolado, pedante,
mas que não tem conteúdo.
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6. UM POUCO DE HISTÓRIA
Esses dois sentidos para a retórica não são exclusivos da contemporaneidade, eles vêm se
desdobrando desde os tempos dos gregos. Aliás, como lembra Olivier Reboul, a retórica é
uma invenção grega em dois sentidos, tanto quando entendida enquanto técnica retórica
que possibilitava a defesa de qualquer tese independente do conteúdo, quanto como
teoria retórica, enquanto elaboração de sua sistematização e fixação do seu conhecimento.
Apesar de ter seu nascimento na Grécia antiga, ainda hoje, quando se fala em retórica, seja
para se analisar um discurso publicitário ou político, por exemplo, a referência de base é
sempre a retórica dos gregos, principalmente os elementos sistematizados por Aristóteles.
Por isso, Reboul considera que a “história da retórica termina quando começa”. (REBOUL,
2000, p. 1)
Olivier Reboul situa o florescimento da retórica na Sicília Grega, e diz ser
judiciária a sua origem e não propriamente literária, no sentido da retórica enquanto
discurso belo e bem construído. Quanto ao nascimento da retórica, Reboul o entende
dentro do seguinte período:
Tomemos duas datas como referência: 480 a.C., batalha de Salamina, na qual os gregos coligados triunfaram definitivamente sobre a invasão persa, quando começou o grande período da Grécia clássica; 399, ainda antes da nossa era: a morte de Sócrates. (REBOUL, 2000, p. 2)
A retórica amadurece, nos ensina Reboul, num momento posterior à tirania e
anterior ao chamado período filosófico grego, marcado principalmente pelo platonismo.
O discurso retórico teria surgido como uma necessidade, enquanto prática necessária à
defesa das causas dos cidadãos gregos. Um dos primeiros personagens de vulto na
história da retórica teria sido Córax, um discípulo de Empédocles, e que teria sido o
responsável por organizar um primeiro documento sobre retórica. Córax é o primeiro a
dar uma definição para a retórica: criadora de persuasão.
A retórica, neste período, não estaria comprometida com a verdade, não
argumentaria a partir do evidente ou do verdadeiro universal, mas a partir daquilo que é
verossímil. Esse entendimento da retórica justifica, inclusive, a origem judiciária da
retórica, visto que só é possível argumentar sobre aquilo que pode ser alvo de um
julgamento, aquilo que está livre do poder despótico, por um lado, e, por outro, não é
visto a partir de uma verdade universal. Assim, segundo Reboul, “se no âmbito judiciário
se conhecesse a verdade, não haveria mais âmbito judiciário, e os tribunais se reduziriam
a câmaras de registro” (REBOUL, 2000, p. 3.).
Córax foi o inventor do argumento que leva o seu nome e servia para ajudar os
defensores nas piores causas. O chamado “argumento de Córax” consiste em dizer que
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uma coisa é inverossímil por ser considerada verossímil demais. É o chamado argumento
de redundância, o qual pode ser reversível. Por exemplo, se partirmos da seguinte
premissa: “todas as evidências estão contra Pedro”, o argumento do Córax 1 reverteria
essa premissa segundo o seguinte raciocínio: “Pedro saberia que seria o primeiro suspeito,
logo não seria verossímil que cometesse o crime”. Esse argumento, por seu turno, poderia
ser revertido para a seguinte premissa, denominada de Córax 2: “mas justamente por isso
ele poderia cometê-lo, sabendo que não suspeitariam dele”. Esse argumento também
pode ser revertido usando-se o mesmo mecanismo de raciocínio.
Além dessas fórmulas de raciocínios argumentativos, os retores gregos foram os
responsáveis também por sedimentar o uso dos três principais tipos de discursos
retóricos, bem como dos chamados lugares de argumentação, elementos sistematizados
posteriormente por Aristóteles em sua Retórica. Os tipos de discursos retóricos são o
político, reservado a argumentar sobre as decisões sobre a cidade, o epidítico, o discurso
de elogio público, e o judiciário, destinado à defesa das causas dos cidadãos. Os quatro
lugares de argumentação, ou topoi, aos quais os retores podiam sempre recorrer em suas
argumentações eram os lugares de quantidade, qualidade, ordem e existente.
Um dos fundadores do chamado discurso epidítico foi Górgias, nascido na Sicília
grega em 485 a.C. Ficou conhecido pelo famoso discurso intitulado “Elogio de Helena”.
Helena, esposa de Menelau, teria se deixado raptar pelo troiano Páris. Para resgatá-la, os
gregos viram-se lançados numa longa guerra. Górgias foi o retor responsável por
defender, por meio de sua argumentação, o rapto de Helena. Em seu discurso de elogio
público de Helena, Górgias utiliza-se de uma estratégia argumentativa que ficaria
cristalizada na retórica como sendo o que se entende por “petição de princípio”.
A “petição de princípio” é uma proposição não necessariamente verdadeira ou
universal, mas que deve ser aceita pelo auditório como verdadeira, sobre a qual deve se
sustentar o início de toda a argumentação do retor. Em outros termos, consiste num
recurso retórico em tomar por admitida a tese que é preciso provar e que é enunciada de
uma forma um pouco diferente, para obter aceitação inicial do auditório. É o ponto de
partida consensual da argumentação, onde deve estar ancorado o acordo do orador com o
seu auditório. A “petição de princípio” usada por Górgias para defender Helena é a
seguinte: “o ato involuntário não é culpável”.
O fato de a retórica orientar-se pelo paradigma da verossimilhança e não o da
verdade ou o exclusivo da evidência levou os retores a serem criticados por colocarem o
discurso argumentativo unicamente a serviço do belo em detrimento da verdade. Foram
acusados, também, de construírem discursos belos e ornamentados com a finalidade
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única de serem agradáveis e, portanto, conseguirem seus objetivos por meio de uma
espécie de manipulação. Os retores, também chamados de sofistas, seriam aqueles que
estariam distantes da verdade. Segundo Reboul, deve-se a uma certa compreensão a
respeito dos sofistas “a idéia de que a verdade nunca passa de acordo entre
interlocutores, acordo final, que resulta da discussão, acordo inicial também, sem o qual a
discussão não seria possível”. (REBOUL, 2000.)
O elemento chave para a retórica sofística seria, pois, a idéia de acordo. Segundo
os críticos da sofística, esse fundamento da retórica seria perigoso, pois o seu mundo seria
um mundo sem verdade, sem realidade objetiva. Privado da comprovação objetiva, o
discurso retórico ficaria sem referente, sem outro critério senão o seu próprio sucesso. Este
consistiria, pois, na aptidão para convencer pela aparência de lógica e pelo estilo. Assim, a
finalidade da retórica sofística não seria encontrar o verdadeiro, mas dominar por meio da
palavra, deixando, desse modo, de servir ao saber e ficando disponível apenas como
instrumento de exercício do poder. A retórica converte-se, segundo seus críticos, na
rainha despótica da sofística.
O principal crítico da retórica sofística foi Platão. Em seu diálogo Górgias, encena
o debate entre Sócrates a personagem cujo nome o intitula. Sócrates, fingindo ignorar o
que é a retórica, pede ao retor que a defina. Górgias diz que a retórica é a criadora de
persuasão. Em seguida, Sócrates pergunta se o retor precisa ter ciência daquilo sobre o
que pretende persuadir. A essa pergunta Górgias responde que o retor pode defender
qualquer causa e argumentar sobre qualquer assunto sem ter de conhecê-lo. Assim, por
meio do debate entre Sócrates e Górgias, Platão demonstra que a retórica, por pretender
tratar de qualquer assunto, acaba por não ser conhecedora de nada. Para Platão, a retórica
não chega nem mesmo a ser uma tekhné, uma arte, pois ela nada cria e dela nada resulta. É
como a prática de cozinhar, é a manipulação do produto de outras artes que procura dar
sabor aos produtos para agradar ao paladar. A retórica também procura dar sabor aos
produtos de outras artes a fim de agradar a determinados auditórios. Nesse sentido, a
retórica não passaria da prática de adular com a finalidade de manipular aqueles a quem
o retor dirige o seu discurso.
Segundo Olivier Reboul, a retomada do sentido positivo da retórica na
atualidade se deu, principalmente, a partir de 1960, com os estudiosos propositores de
uma “nova retórica”, que tem nos nomes de Chaïm Perelman e Oldbrechts-Tyteca os seus
principais representantes. Essa retomada da retórica garantiu a ela a recuperação de seu
sentido enquanto arte, ou técnica. Trata-se da arte de persuadir pelo discurso. A matéria
de que se ocupa a retórica é, então, o discurso que tem como objetivo criar persuasão. A
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especificidade da persuasão retórica consistira, portanto, em se “levar a crer” sem,
necessariamente, “levar a fazer”. O “levar a fazer” sem “levar a crer” não seria
procedimento retórico, mas sim poderia ser resultado de ameaça ou de promessa. Do
sentido grego de técnica recuperou-se a idéia da arte retórica tanto como habilidade
espontânea quanto competência adquirida. Contudo, tanto num sentido como noutro, os
procedimentos seriam os mesmos. No caso do primeiro, os elementos podem ser
depreendidos a posteriori, no do segundo, a priori. A correta aplicação dos procedimentos é
que caracterizariam a retórica enquanto técnica de comunicação e de convencimento.
A partir da recuperação do sentido positivo da retórica, enquanto técnica
aplicada ao discurso voltado à persuasão deu-se, concomitantemente, a revalorização e
reatualização de uma série de seus elementos. Olhar especial mereceram os três elementos
básicos constitutivos da retórica e que foram estabelecidos já desde Aristóteles: os
chamados meios de competência da afetividade, a saber, o ethos, ou caráter do orador, e o
pathos, entendido como sendo o elemento referente às emoções do auditório; e os
chamados meios da competência da razão, ou logos. Neste caso, papel importante exerce
um tipo de raciocínio retórico também já definido por Aristóteles e que seria um meio
termo entre o raciocínio comprometido com as verdades universais e o raciocínio
falacioso, que conduziria a uma inverdade. Trata-se do raciocínio entimemático, um meio
termo entre o silogismo da lógica formal e a sua versão viciada, o sofisma. Os entimemas
são os silogismos retóricos, não são paralogismos ou sofismas e, por outro lado, também
não constituem verdades universais, mas criam verdades contextuais, aceitáveis. São
silogismos baseados em premissas prováveis, aceitáveis, mas não universais.
A estes três elementos da retórica têm se voltado alguns teóricos da atualidade,
principalmente quando lançam mão do famoso bordão do gerenciamento da razão e da
emoção. Estes três elementos da retórica têm se mostrado eficientes quando recuperados
de maneira inteligente no trato do tema da comunicação no que concerne às questões das
habilidades gerenciais, por exemplo.
7. ALGUMAS ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO
A idéia de Reboul de que a história da retórica termina quando começa parece fazer ainda
mais sentido quando nos deparamos com formulações como a que nos oferecem Baldwin,
Rubin e Bommer ao tratarem da comunicação empresarial como uma das habilidades
gerenciais a serem desenvolvidas, consideram o seguinte:
As pessoas se convencem a alinhar suas atitudes e comportamentos com os de uma outra pessoa por três razões principais. Aristóteles foi o primeiro a articular esses três elementos da persuasão, que mudaram muito pouco desde aqueles tempos da antiga
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Grécia. Em primeiro lugar, somos persuadidos pela credibilidade pessoal, ou etos, de um orador. Em segundo lugar, reagimos aos apelos emocionais, ou patos, de uma mensagem. Por fim, somos estimulados pelos argumentos lógicos, ou logos, que dão suporte a uma posição. (BALDWIN et al., 2008, p. 43)
As estratégias de comunicação devem estar centradas, segundo os autores, nestes
três elementos do discurso. A estratégia focada no ethos deve visar a construção da
credibilidade pessoal do emissor. Deve reforçar o seu caráter salientando o seu
conhecimento de causa na área de atuação, o seu caráter ético e profissional, além de dar
relevância aos valores compartilhados com o seu auditório. A estratégia focada no pathos,
ou no receptor do discurso do orador, deve buscar despertar as emoções dos ouvintes de
modo a fazê-los concordar com a mensagem. As duas técnicas mais eficazes que podem
ser usadas para se trabalhar a emoção do auditório são: a técnica da justiça e a técnica de
contar histórias. A primeira confia na tendência universal do homem de tratar o outro
como ele próprio é tratado. A segunda aposta na possibilidade de o público reconhecer-se
na história, identificar-se à situação e ser convencido pelo arrebatamento emocional
causado pela história e não propriamente pela lógica da argumentação. Outra estratégia
importante reside na utilização do argumento baseado no exemplo, que pode tanto
favorecer o trabalho com o pathos no sentido de aproximar o auditório ao caso tratado,
quanto como pode servir de elemento a ser usado pelo logos. Este, por seu turno, pode ser
trabalhado pelos dois caminhos mais naturais de construção de um discurso
argumentativo: pela via dedutiva ou pela via da indução. Ambas devem vir
acompanhadas de evidências. Pela primeira via, parte-se de uma proposição genérica em
direção às evidências particulares; pela segunda, parte-se de evidências, de casos
particulares, para a proposição de generalizações e conclusões.
Além dessas estratégias básicas, vale, ainda, o uso de argumentos baseados na
experiência, nas relações de causa e efeito, nos dados quantitativos e qualitativos (dados
estatísticos, por exemplo) e os argumentos baseados na autoridade. Em outros termos,
vale o retorno ao porto seguro dos lugares de argumentação.
8. FUNÇÕES DA RETÓRICA
Olivier Reboul estabelece, pelo menos, quatro funções primordiais da retórica. A primeira,
inerente ao próprio discurso argumentativo, é a função persuasiva. A segunda seria
aquela centrada na competência do orador de interpretar o discurso do outro e de usar
essa interpretação em favor de sua argumentação, trata-se, pois, da função hermenêutica
da retórica. A terceira delas seria a função heurística, uma vez que o discurso
argumentativo não serve apenas para transmitir uma informação e para criar persuasão,
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mas também tem a função de descoberta. Por fim, Reboul aponta para a função
pedagógica da retórica, que é, sem dúvida, a primordial para a atividade docente. De
certa maneira, a função pedagógica é constitutiva da natureza da retórica, pois pela
argumentação procura-se, de certo modo, a condução do interlocutor ou do auditório.
Como considera Reboul, “em todo caso, os professores, quase sempre sem saberem, fazem
retórica” (REBOUL, 2000, p. xxii).
9. ALGUNS CONSELHOS DE VIEIRA
Padre Vieira, grande orador do século XVII, em seu conhecido “Sermão da Sexagésima”,
oferece-nos alguns passos que deve seguir qualquer um que queira construir um texto
persuasivo. Segundo Vieira, o texto (oral ou escrito) que se pretende argumentativo deve:
1. Tratar de uma só matéria; 2. Defini-la para que se conheça; 3. Dividi-la para que se distinga; 4. Prová-la com a escritura (leia-se argumento); 5. Confirmá-la com o exemplo; 6. Amplificá-la com: causas; efeitos; circunstâncias; conveniências; apresentar
inconveniências que devem ser evitadas; responder às dúvidas; adiantar os possíveis argumentos contrários e refutá-los.
10. REVENDO ALGUMAS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM
A partir do que foi discutido nesse artigo, é possível considerarmos que a linguagem é
apenas um meio de transmissão de pensamento? Ou, então, que a linguagem é apenas
mais um código? As respostas a essas perguntas devem ser negativas se enxergarmos a
linguagem, e a língua de uma maneira específica, sob a perspectiva interacionista da
comunicação que aqui procuramos construir. Sob esse escopo, a língua deve ser pensada
como algo que é construído e reconstruído no processo de interação. Do mesmo modo, o
sujeito deve ser pensado como aquele que se constrói e se completa por meio de seu
discurso, de sua linguagem.
Nesse sentido, é possível dizer que a linguagem não transmite pensamentos, mas
é responsável pela constituição deles, por torná-los possíveis. Portanto, segundo uma
visão interacionista da linguagem, esta não deve ser vista sob uma perspectiva
representacional, como sendo porta-voz de pensamentos, ou sob um ponto de vista mais
neutro que procure defini-la como se fosse apenas um código manipulável. É possível
depreender da linguagem uma certa noção de código, mas esta não é suficiente para
defini-la.
Sob esta perspectiva de linguagem, a comunicação não deve ser entendida
apenas como um processo que faz uso da linguagem, mas, sim, ela existe na e para a
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linguagem. A comunicação não deve ser entendida, então, apenas como o resultado de
um processo de transmissão de informações de um emissor a um receptor, mas enquanto
interação humana. Sob essa perspectiva, o sujeito se constitui na linguagem na medida em
que interage com o outro.
A linguagem, nesse sentido, extrapola certo entendimento primeiro de
comunicação como simples processo de transmissão de mensagens e passa a ser vista de
acordo com a idéia de um trabalho simbólico que institui e promove a mediação das
relações sociais. Assim, a linguagem suporta também aquilo que não é dito, aquilo que é
sugerido, além de valores éticos e morais que lhe são externos. Essa concepção nos abre as
portas para podermos falar sobre as relações entre linguagem e poder e sobre
heterogeneidade lingüística.
REFERÊNCIAS
BALDWIN, Timothy T.; RUBIN, Robert; BOMMER, William. Desenvolvimento de habilidades gerenciais. Tradução de Arlete Simille Marques. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
REBOUL, Olivier Reboul. Introdução à retórica. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Luís Fernando Prado Telles
Possui bacharelado e licenciatura em Letras (1997), mestrado (2000) e doutorado (2009) em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, ambos na área de Literatura Portuguesa. Desde 2001, atua como professor de nível superior nas áreas de
Língua Portuguesa e de Literatura. Participou, na qualidade de parecerista, da equipe responsável pela elaboração do Catálogo do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2005) proposto pelo Ministério da Educação. Atuou como professor dos cursos de formação continuada para professores do Ensino Fundamental e Médio oferecidos pela Secretaria do Estado da Educação de São Paulo em conjunto com a Unicamp (2005-2006). Foi professor das Faculdades de Campinas-Facamp de 2002 a 2009. Atualmente é Supervisor Acadêmico da Área de Educação e Humanas do Departamento de Pós Graduação e Extensão da Anhanguera Educacional S.A. Áreas de atuação e de interesse: Literatura Portuguesa, Teoria da Literatura, Teoria do Romance, Teoria da Narrativa, Teoria da Modernidade e Pós-modernidade.
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