UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE BIOLOGIA
Roberta Aline Franco de Lima
“AVALIAÇÃO DE FORMULAÇÕES ANESTÉSICAS DE TETRACAÍNA EM
BETA-CICLODEXTRINA E HIDROXIPROPIL BETA-CICLODEXTRINA”
Dissertação apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção
do título de Mestre em Biologia Funcional e Molecular, na área de Bioquímica
Orientadora: Profa. Dra. Eneida de Paula
Co-Orientador: Prof. Dr. Leonardo Fernandes Fraceto
Campinas
2010
ii
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE BIOLOGIA – UNICAMP
Lima, Roberta Aline Franco de L628a Avaliação de formulações anestésicas de
tetracaína em beta-ciclodextrina e hidroxipropil-beta-ciclodextrina / Roberta Aline Franco de Lima . – Campinas, SP: [s.n.], 2010.
Orientadores: Eneida de Paula, Leonardo Fernandes
Fraceto. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Biologia.
1. Anestesia local. 2. Tetracaína. 3. Beta- ciclodextrinas. 4. Hidroxipropil-beta-cliclodextrina. 5. Liberação sustentada. I. Paula, Eneida de. II. Fraceto, Leonardo Fernandes. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Biologia. IV. Título.
(rcdt/ib)
Título em inglês: Evaluation of tetracaine anesthetic formulations in beta-cyclodextrin and hydroxypropyl-beta-cyclodextrin. Palavras-chave em inglês: Local anesthesia; Tetracaine; Beta-cylodextrins; Hydroxypropyl- beta-cyclodextrin; Drug-delivery. Área de concentração: Bioquímica. Titulação: Mestre em Biologia Funcional e Molecular. Banca examinadora: Eneida de Paula, Luciana de Matos Alves Pinto, Sérgio Antonio Fernandes. Data da defesa: 09/02/2010. Programa de Pós-Graduação: Biologia Funcional e Molecular.
iii
iv
À DEUS pelo dom da vida
As profecias desaparecerão;o dom das línguas cessará;
o dom da ciência findará...
Nossa ciência é parcial, nossa profecia imperfeita
Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá;
Hoje vemos como por um espelho, confusamente;
mas então veremos face a face.
Hoje conheço parte, mas então conhecerei o todo;
Mesmo que eu tivesse o dom da profecia,
e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência;
mesmo que tivesse toda fé, à ponto de transportar montanhas,
se não tivesse amor; nada seria...
I Coríntios, 13
v
Agradecimentos
À Deus, por cada momento vivido, pelas alegrias e tristezas, pelas lágrimas e
risos, pelas derrotas e pelas vitórias. Por mais esta etapa cumprida.
Aos meus pais, Roberto e Cecília, pelo amor, apoio, confiança e dedicação
sempre. Por terem me educado para que me tornasse o que hoje sou. Amo
vocês!!!
Aos meus irmãos Jú, Sá e Gil, pelo amor, paciência e cumplicidade.
Aos meus sobrinhos João, Lucas, Clara e Pedro, pelas horas de muita risada e
muita bagunça, por permitirem que eu volte a ser criança!!!
À galerinha da farmácia, Dani, Fred, Dahene, Wanessa, Júlio, Janderson, Raul,
Jô, Vivi, Lenon, Leandro, Kory, Nego, Vera, Luiz pela paciência e apoio.
Aos amigos Welmara, Vanessa, Paula, Janderson, Roberta, Patrícia e Júlio por
existirem na minha vida.
Ao Bispo pela amizade, paciência, conselhos, companheirismo, por acreditar
em mim a cada momento. Por ter me dado a mão e me ajudado a caminhar,
não permitindo que eu desistisse, mesmo nas horas mais difíceis. Sem você
nada disso seria possível. Obrigada!!!
À Carol, amiga querida, pela motivação, apoio, pelo companheirismo, por todas
as conversas, choros e risos, pela amizade verdadeira!!!
À Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Biologia, Departamento de
Bioquímica, pela oportunidade de desenvolver este trabalho.
À Profa. Dra. Eneida de Paula, ao Prof. Dr. Leonardo Fernandes Fraceto e
Prof. Dr. Marcelo Bispo de Jesus, pela orientação e profissionalismo.
Ao pessoal do laboratório de Biomembranas (Sheila, Beth, Angélica, Thaís,
Giovana, Cíntia, Cleyton, Daniele, Maribel, Márcio e Dona Cida), pela paciência
e apoio em todos os momentos que precisei.
vi
SUMÁRIO
I) INTRODUÇÃO......................................................................................................1
1.1 Dor.....................................................................................................................1
1.2 Anestésicos Locais (AL)..................................................................................3 1.2.1 Histórico.............................................................................................3
1.2.2 Propriedades .....................................................................................3
1.2.3 Mecanismo de ação ..........................................................................7
1.2.4 Toxicidade sistêmica dos anestésicos locais...................................11
1.2.5 Tetracaína........................................................................................11
1.3 Formulações farmacêuticas de AL em sistemas carreadores...................13
1.4 Ciclodextrinas ................................................................................................14
II) OBJETIVOS.......................................................................................................20
2.1 Objetivos gerais.............................................................................................20
2.2 Objetivos específicos....................................................................................20
III) MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................21
3.1 Materiais..........................................................................................................21 3.1.1 Reagentes........................................................................................21
3.1.2 Equipamentos..................................................................................21
3.2 Métodos..........................................................................................................22 3.2.1 Espectrofotometria de UV/Vis.........................................................22
3.2.1.1 Princípio do método............................................................22 3.2.1.2 Caracterização da TTC por espectrofotometria UV/Vis......22
3.2.2 Preparo do complexo de inclusão TTC em β-CD e HP-β-CD..........23 3.2.2.1 Medidas de espectrofotometria para interação TTC:CD.....24
3.2.3 Fluorescência...................................................................................24 3.2.3.1 Princípio do método.........................................................24
3.2.3.2 Caracterização da TTC por fluorescência.......................25 3.2.3.3 Medidas de fluorescência para a interação TTC:CDs.....25
vii
3.2.4 Calorimetria diferencial de varredura............................................27 3.2.4.1. Princípio do método.........................................................27
3.2.4.2 Medidas de DSC para os complexos TTC: CDs...............28
3.2.5 Difração de raios X.......................................................................28 3.2.5.1. Princípio do método........................................................28 3.2.5.2 Medidas de raios-X para os complexos TTC: CDs..........28
3.2.6 Ressonância magnética nuclear...................................................29 3.2.6.1 Princípio do método.........................................................29 3.2.6.2 Aquisição dos espectros de RMN....................................30 3.2.6.3 Medidas de relaxação longitudinal T1...............................30 3.2.6.4 Medidas de coeficiente de difusão...................................30
3.2.6.5 Medidas de efeito nuclear de overhauser.........................33
3.2.7 Avaliação da toxicidade in vitro: cultura de células.......................34 3.2.7.1 Redução de brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-bifenil
tetrazolium (MTT).......................................................................................34 3.2.7.2 Incorporação de vermelho neutro.....................................34
3.2.8 Avaliação da atividade anestésica in vivo:bloqueio do infraorbital.35
3.2.8.1 Análise estatística............................................................36
IV) RESULTADOS..................................................................................................37
4.1 Caracterização dos Complexos de Inclusão................................................37
4.1.1 Análise por Espectrofotometria UV-VIS.........................................37 4.4.1.1 Coeficiente de absortividade molar de TTC em pH 7,4......37 4.1.1.2 Estudo do comportamento ótico da TTC em meios com dife-
-rentes constantes dielétricas (ε)..........................................................................38 4.1.1.3 Variação de absorbância de TTC em presença de CDs emn
diferentes razões molares de TTC:CD.................................................................41
4.1.2. Estudo do fenômeno de inclusão entre TTC e ciclodextrinas por ccc espectroscopia de fluorescência..........................................................................43
4.1.2.1 Fluorescência da TTC em meios com diferentes constantes dielétricas (ε).....................................43
4.1.2.2 Determinação da estequiometria de complexação da TTC e
ciclodextrinas utilizando espectroscopia de fluorescência..................................47
4.1.3 Análise da interação TTC e ciclodextrinas por calorimetria diferencial de varredura (DSC).................................................................................................52
4.1.4 Análise da interação TTC com ciclodextrinas por difração de raios-
viii
X..............................................................................................................................54
4.1.5 Avaliação dos complexos de inclusão entre TTC e ciclodextrinas cc determinado por Ressonância Magnética Nuclear.................................................56
4.1.5.1 Experimentos de 1H-RMN....................................................56 4.1.5.2 Determinação das propriedades dinâmicas da TTC em pres
presença e ausência de CDs, por medidas de tempo de relaxação (T1)...............64 4.1.5.3 Determinação da constante associação aparente (K) dq TTC e ciclodextrinas pela técnica de DOSY...................................................................66 4.1.5.4 Determinação da inserção da TTC na cavidade das ciclodextrinas, determinada por 1D-ROESY ..........................................................69
4.2 Avaliação da toxicidade in vitro da TTC e complexos de inclusão, em culturas de células de fibrosblastos 3T3............................................................73
4.2.1 Ensaios de Redução de MTT..........................................................73
4.2.2 Ensaio de incorporação de Vermelho Neutro ..................................76
4.3 Avaliação da atividade anti-nociceptiva pelo bloqueio do nervo infraorbital em ratos.............................................................................................77
V) CONCLUSÕES..................................................................................................80
VI) SEMINÁRIOS E CONGRESSO........................................................................82 VII) REFERÊNCIAS................................................................................................83
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Representação da subunidade α do canal de sódio de cérebro de mamíferos
e arranjo dos quatro domínios ao redor deste. Cada domínio apresenta seis hélices
membranares (S1-S6).....................................................................................................8
Figura 2- Representação da β-CD................................................................................15
Figura 3- Representação da HP-β-CD e dois tipos de complexos................................16
Figura 4- Espectro de absorção ótica da molécula de tetracaína, [TTC]= 0,04 µM,
tampão PBS 5 mM, pH 7,4, temperatura ambiente.......................................................37
Figura 5- Determinação da constante de absortividade molar de TTC, [TTC]= 0,04 mM,
309 nm, tampão PBS pH 7,4, temperatura ambiente....................................................38
Figura 6- Espectros de absorbância de TTC de 250 nm a 350 nm e curva de variação
da absorbância de TTC 7,5 µM em λ = 309 nm em função da constante dielétrica do
meio...............................................................................................................................39
Figura 7- Variação de absorbância de TTC (0,04 mM) em água (ε= 78), em ε= 32
(água:etanol 20:80, v/v) e presença de CDs (1:500), à 25ºC........................................40
Figura 8- Variação da absorbância da TTC (0,04 mM) na presença de β-CD (A) e HP-
β-CD (B), em diferentes razões molares (PBS 5 mM pH 7,4, 25 ºC)............................42
Figura 9- Variação de fluorescência de TTC em meios de diferentes constantes
dielétricas, obtidos com misturas de água:etanol TTC= 7,5 µM, pH 7,4, 25ºC ............44
Figura 10- Variação do comprimento de onda de emissão de fluorescência da TTC, em
meios com diferentes constantes dielétricas. λexc: 309 nm, TTC= 7,5 µM, à 25ºC ......45
Figura 11- Variação de fluorescência de TTC em água (ε= 78), em água:etanol 20:80
v/v (ε= 32,8) e na presença da β-CD e HP-β-CD (r= 1:1000, em tampão PBS 5 mM pH
7,4) 25ºC, λexc=309 nm .................................................................................................46
Figura 12 Efeito dose-dependente de β-CD na intensidade de emissão da TTC em
função do tempo. [TTC]= 5 µM, pH 7,4, tampão PBS (5 mM, pH 7,4) à 25 ºC ............46
x
Figura 13- Aplicação da equação de Benesi-Hildebrand para determinação da
estequiometria da complexação entre TTC e β-CD: (A) TTC:β-CD 1:1 r = 0,99 e (B)
TTC:β-CD 1:2 r = 0,89...................................................................................................49
Figura 14- Aplicação da equação de Benesi-Hildebrand para determinação da
estequiometria da complexação entre TTC e HP-β-CD; (A) TTC:HP-β-CD 1:1 r = 0,99
e (B) TTC:HP-β-CD 1:2 r = 0,87....................................................................................51
Figura 15- Curvas de calorimetria diferencial de varredura das amostras de TTC, β-
CD, HP-β-CD e seus complexos de inclusão ou misturas físicas, na razão molar
1:1..................................................................................................................................53
Figura 16- Difratogramas de raios X para amostras de TTC, β-CD, HP-β-CD e
complexos de inclusão: TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD.....................................................55
Figura 17- Espectr RM 1H da TTC, β- TTC:β-CD, 10 mM, 20 °C, em D2O,
pH 7,4, e 500MHz................................................... ......... .............................57
Figura 18- Espectr RM 1H: TTC, HP- e TTC:HP-β-CD, 10mM, 20°C, em
D2O, pH 7,4 e 500
Figura 19- Estrutur
bem como a identif
Figura 20- Variaçã
em função da co
espectros das Figu
Figura 21- Valores
β-CD ou HP-β-CD
Figura 22- Espect
..............................
Figura 23- Espectr
CD 10 mM em D2O
Figura 24- Espectr
β-CD 10 mM em D
o de
MHz ...
a quím
icação
o dos d
mplexa
ras 18
de T1 d
a 20 oC
ro de D
............
o de D
, pH 7,
o de DO
2O, pH
N de
................................
ica da TTC e repres
dos hidrogênios de c
eslocamentos químic
ção com β-CD e
e 19 e Tabelas 3 e 4
os hidrogênios da m
, 500 MHz em D2O..
OSY (1H, 500 MHz,
................................
OSY (1H, 500 MHz,
4...............................
SY (1H, 500 MHz, 2
7,4 ..........................
β-CD
...... ........ ............................58
enta
ada
os
HP-
......
olé
......
25 º
......
25
.....
5 ºC
......
.......
ção esqu
uma das
dos hidro
β-CD. D
..............
cula de T
...............
C) da TT
...............
ºC) do co
...............
) do com
...............
............
o de
N de
CD e
......
...........
emática das ciclodextrinas,
moléculas .....................59
gênios da molécula de TTC
ados obtidos a partir dos
........................................62
TC livre e complexada com
.......................................65
C (10 mM) em D2O, pH 7,4
........................................60
mplexo de inclusão TTC:β-
........................................67
plexo de inclusão TTC:HP-
........................................67
xi
Figura 25- Espectro de 1D-ROESY para o complexo TTC: β-CD 1:1 (1H, 500 MHz, 25
ºC, 10 mM ) em pH 7,4..................................................................................................70
Figura 26- Espectro de 1D-ROESY para o complexo TTC: HP-β-CD 1:1 (1H, 500 MHz,
25 ºC, 10 mM de amostra).............................................................................................71
Figura 27- Possíveis topologias de complexação para a molécula de TTC na cavidade
interna das ciclodextrinas. Representação proposta tanto para com β-CD (figura) como
para HP-β-CD ...............................................................................................................72
Figura 28- Efeito citotóxico induzido por concentrações crescentes de TTC, TTC:β-CD
e TTC:HP-β-CD (razão molar 1:1, n=8) após 24h de tratamento de células 3T3,
avaliado pelo teste MTT................................................................................................74
Figura 29 -Efeito citotóxico induzido por concentrações crescentes de TTC, TTC:β-CD
e TTC:HP-β-CD (razão molar 1:1, n=8) após 24h de tratamento de células 3T3,
avaliado pelo teste de incorporação de vermelho neutro..............................................75
Figura 30- Porcentagem de animais com analgesia após injeção de TTC livre ou
complexada: TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD (1:1), na concentração de 0,5%. Teste de
bloqueio do nervo infraorbital em ratos ( n=7 animais/grupo).......................................77
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela1 - Estrutura química e classe dos anestésicos locais. AA = amino-amida e AE
= amino-éster. L e C referem-se a lineares e cíclicos.......................................................5
Tabela 2- Relação entre propriedades físico-químicas e o perfil de atividade dos AL....6
Tabela 3- Propriedades físico-químicas das ciclodextrinas naturais............................ 15
Tabela 4- Variação das proporções água:etanol e suas respectivas constantes
dielétricas......................................................................................................................23
Tabela 5- Dados de ∆δ (ppm) e atribuição dos hidrogênios da TTC (em presença e
ausência de β-CD) e β-CD (em presença e ausência de TTC), a 20 oC, 10 mM em
D2O................................................................................................................................59
Tabela 6- Dados de ∆δ (ppm) e atribuição dos hidrogênios da TTC (em presença e
ausência de HP β-CD) e HP-β-CD (presença e ausência de TTC), 20 oC, 10 mM em
D2O................................................................................................................................60
Tabela 7- Valores de T1 para os hidrogênios da TTC em presença e ausência de β-
CD, 20 oC, 500 MHz em D2O........................................................................................64
Tabela 8- Valores de T1 dos hidrogênios da TTC em presença e ausência de HP-β-CD
(1:1), 20 oC, 500 MHz em D2O......................................................................................64
Tabela 9- Valores de coeficiente de difusão de fração molar e constante de associação
aparente determinados para o sistema TTC, β-CD e HP-β-CD....................................69
Tabela 10- Efeito total do bloqueio sensorial - ASC (área sob a curva) e tempo de
recuperação (Trec) para TTC, β-CD, HP-β-CD, TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD,
concentrações: TTC em 0,5% e CDs em 16 mM. Dados expressos em mediana (mín
- máx) (n = 7 /grupo)......................................................................................................79
xiii
LISTA DE ABREVIATURAS 1H-RMN Ressonância Magnética Nuclear de Hidrogênio
AL Anestésico Local
AUC (Area Under Curve) Área Sob a Curva
BZC enzocaína
β-CD Beta-Ciclodextrina
CD Ciclodextrina
D Coeficiente de Difusão (m2 s-1)
DL50 Dose letal capaz de induzir morte em 50% dos casos
DMEM Meio de Cultura Eagle Modificado por Dulbeco
DOSY (Diffusion Ordered Spectroscopy)Espectroscopia Ordenada por Difusão
DSC (Differential Scanning Calorimetry) Calorimetria Diferencial de Varredura
EPC (Egg Phosphatidylcholine) Fosfatidil Colina de Ovo
HP-β-CD Hidroxipropil-Beta-Ciclodextrina
I Número Quântico de Spin Nuclear
J Constante de Acoplamento
k Constante de Boltzman (1,380662 x 10-23 J)
Ka Constante de Associação Aparente
L Ligante
LDC Lidocaína
MTT 3-(4,5-dimetiltiazol-2il)-2,5-Bifenil Brometo de Tetrazolium
m/v razão massa/volume
NOE (Nuclear Overhauser Effect)Efeito Nuclear Overhauser
PABA (Para-Aminobenzoic Acid) Ácido) Ácido Paraaminobenzóico
PBS (Phosphate Buffered Saline) Tampão Fosfato Salino
r Raio Hidrodinâmico da Molécula
RMN Ressonância Magnética Nuclear
ROESY Rotating Frame NOE
S Soluto
S0 Solubilidade do Soluto na ausência de ligante
TTC Tetracaína
UV/VIS Ultravioleta/Visível
v/v razão volume/volume
VN vermelho neutro
ε Constante Dielétrica
xiv
RESUMO
A dor desempenha um papel biológico muito importante como indicador
da presença de um estímulo nocivo, que pode representar dano real ou
potencial ao organismo; entretanto, não é interessante que essa sinalização
persista além das necessidades fisiológicas a ponto de tornar-se um incomodo,
podendo dificultar o desempenho das atividades normais, comprometer a
qualidade de vida do indivíduo e impedir a realização de práticas cirúrgicas
curativas.
Os anestésicos locais são fármacos empregados para alívio da dor
aguda ou crônica, pois bloqueiam a condução do estímulo nervoso em
membranas neuronais. Dentre eles, está a Tetracaína (TTC) um amino-éster
de grande utilidade na prática clínica, empregado em procedimentos que
requerem anestesia tópica, como aqueles oftalmológicos que necessitam de
intervenções na córnea.
As limitações do uso clínico da TTC estão relacionadas à sua baixa
estabilidade química (hidrólise da ligação éster por esterases plasmáticas) e
sua toxicidade sistêmica. Sistemas de liberação modificada de fármacos, que
empregam carreadores como ciclodextrinas, constituem uma alternativa para
aumentar o tempo de ação anestésica e diminuir a toxicidade. As ciclodextrinas
são capazes de formar complexos de inclusão com diversos fármacos,
alterando propriedades como a solubilidade aquosa, o que torna esses
oligosacarídeos cíclicos promissores para este tipo de aplicação. Neste
trabalho, estudamos a complexação da TTC com beta-ciclodextrina (β-CD) e
hidroxipropil-beta-ciclodextrina (HP-β-CD) em pH fisiológico e sua influência na
toxicidade celular e efeito antinociceptivo, induzidos por aquele anestésico,
objetivando a preparação de novas formas farmacêuticas.
Para caracterização dos complexos de inclusão TTC:β-CD e TTC:HP-β-
CD foram empregados métodos espectroscópicos (Ressonância Magnética
Nuclear, fluorescência, absorção UV/VIS), difração de raios-X e calorimetria
diferencial de varredura. A partir das análises realizadas, encontrou-se que a
estequiometria de complexação da TTC com ambas as ciclodextrinas é de 1:1.
A constante de associação aparente da TTC, determinada por DOSY-NMR, é
de 777 M-1 e 2243 M-1, para β-CD e HP-β-CD respectivamente, indicando uma
xv
forte interação entre as moléculas de anestésico e das ciclodextrinas, em pH
fisiológico. Os dados de proximidade espacial, determinados por RMN (1D-
ROESY) revelaram interações entre os hidrogênios Hh e Hi, (que fazem parte do
anel aromático da TTC) e hidrogênios da cavidade interna das ciclodextrinas,
permitindo assim propor a geometria dos complexos de inclusão da TTC com
ambas ciclodextrinas.
Ensaios in vitro, em cultura de fibroblastos da linhagem 3T3, mostraram
aumento na viabilidade celular após complexação da TTC com β-CD e HP-β-
CD, em relação à TTC em solução. Testes de atividade biológica, de bloqueio
do nervo infraorbital em ratos, demonstraram aumento significativo do tempo
de duração da anestesia nos animais tratados com os complexos TTC:β-CD e
TTC:HP-β-CD (40 min e 40 min), em relação ao grupo tratado com 0,5% de
TTC livre (30 min).
Os resultados obtidos neste estudo demonstram a formação de
complexos de inclusão com forte interação entre TTC e β-CD e HP-β-CD;
indicam ainda que a utilização destes complexos de inclusão é promissora
como forma farmacêutica alternativa para este anestésico, devido ao aumento
da duração da anestesia (pois os complexos apresentaram maior eficácia
quando comparados à TTC livre nas mesmas doses), ou ainda a diminuição da
toxicidade (atingindo a mesma eficácia da TTC livre, com menores
concentrações de TTC complexada).
xvi
ABSTRACT
Pain plays an important biological role as a sign of the presence of a noxious
stimulus, that denotes actual or potential damage to the body. However, it is not
interesting this signal to persist beyond the physiological point, to become a
nuisance that impairs the performance of normal activities, the quality of life or
prevents the procedure of healing surgical practices.
Local anesthetics are used for the relief of acute or chronic pain since they
block the conduction of the painful stimulation in neuronal membranes. Among
them is Tetracaine (TTC) an amino ester useful in clinical procedures requiring
local anesthesia such as those ophthalmic ones with intervention in the cornea.
The clinical use of TTC is limited by its low chemical stability (hydrolysis of the
ester bond by plasma esterases) and systemic toxicity. The use of drug-delivery
systems, in carriers such as cyclodextrins is a good approach to improve the
duration of action and to diminish the toxicity of local anesthetics. Cyclodextrins
are suitable for this type of application since these cyclic oligosaccharides are
able to form inclusion complexes with several drugs improving their water
solubility. Here we have studied the complexation of TTC with beta (β-CD) and
hydroxypropyl-beta-cyclodextrin (HP-β-CD) and its influence in cell toxicity and
antinociceptive effects induced by that anesthetic, aiming the development of
new pharmaceutical forms.
TTC and β-CD or HP-β-CD inclusion complexes were characterized
using spectrophotometric methods (Nuclear Magnetic Resonance,
fluorescence, UV-VIS absorption), X-ray Diffraction and Differential Scanning
Calorimetry. A 1:1 stoichiometry of complexation was found for both complexes.
The association constant determined by DOSY was 777 M-1 and 2.243 M-1 for
TTC complexation with β-CD and HP-β-CD, respectively, indicating a strong
association between the anesthetic and both cyclodextrins, at physiological pH.
The nuclear overhauser NMR data (ROESY) had disclosed trough the
space proximities between hydrogens Hh and Hi - at the aromatic ring of TTC -
and hydrogens from the inner cavity of the cyclodextrins, allowing us to suggest
the geometry of TTC:β-CD and TTC:HP-β-CD complex formation.
xvii
In vitro culture tests on 3T3 fibroblasts cells revealed an increase in cell
viability after TTC complexation with β-CD and HP-β-CD, in comparison to the
effect of free TTC. Biological activity was assessed in rats, through the
infraorbital nerve blockade test. The results revealed a significant increase in
the duration of anesthesia in animals treated with TTC:β-CD and TTC:HP-β-CD
(40 min and 40 min), in comparison to a solution of 0.5% tetracaine (30 min).
The results presented here demonstrate the formation of strong
associated inclusion complexes between TTC and β-CD and HP-β-CD. The in
vivo results allow us to consider those complexes as promising pharmaceutical
forms to increase the duration of anesthesia induced by tetracaine (since both
complexes showed higher anesthetic potency when compared to free TTC at
equivalent doses) or to diminish its toxicity (since the same activity can be
achieved with lower concentrations of the complexed TTC formulations).
1
I) INTRODUÇÃO
1.1 Dor
A dor é definida pela psicanálise como “uma entidade sensorial múltipla
que envolve aspectos emocionais, sociais, culturais, ambientais e cognitivos”.
Ela possui um caráter muito especial, que varia para cada indivíduo, sob
influência do aprendizado cultural, do significado atribuído à situação em
experiências vividas anteriormente e recordações destas, bem como de nossa
capacidade de compreender suas causas e consequências (Oliveira et al.,
2005).
O organismo apresenta uma capacidade de percepção e resposta à dor,
denominada nocicepção, a qual se desenvolve através de um complexo
sistema nervoso. As experiências dolorosas podem ser classificadas
temporalmente em dois grandes grupos, onde temos a dor crônica e a dor
aguda (Sofaer, 1994).
A dor crônica pode ser identificada devido a sua persistência e
geralmente se apresenta relacionada a processos degenerativos. Ela tem
duração além do tempo razoável para a cura da lesão ou está associada a
processos patológicos crônicos, que causam estimulação nociceptiva contínua
ou recorrente em intervalos de meses ou anos (Teixeira et al., 1994). Já a dor
aguda está relacionada temporalmente à lesão causadora, devendo
desaparecer durante o período de recuperação do organismo ao evento que
induziu esta dor (Kapandji, 2000). Contudo, a dor aguda pode ter uma duração
muito curta, de alguns minutos, ou persistir por semanas (Guyton, 1996).
A dor aguda, ao contrário do que ocorre com a dor crônica, desaparece
juntamente com a cura do dano inicial. Ela apresenta ótima resposta aos
agentes terapêuticos como analgésicos, antiinflamatórios não–esteroidais,
opióides e agentes que induzem ao bloqueio nervoso (Guinsbug, 1999).
Apesar de sua importância biológica a dor, quando persistente, torna-se
um incômodo que muitas vezes compromete a qualidade de vida do indivíduo,
devido à dificuldade de desempenhar suas atividades normais. Com isso,
muitos estudos vêm sendo realizados com a finalidade de desenvolver novas
2
técnicas, agentes terapêuticos ou mesmo aprimorar fármacos já existentes,
para um eficiente tratamento da dor, seja ela aguda ou crônica.
O alívio da dor pode ser obtido tanto pela analgesia como pela
anestesia. Estes termos, muitas vezes confundidos, apresentam definições
diferentes. A anestesia é alcançada pela retirada da sensação durante uma
intervenção, seja ela cirúrgica ou não. Anestesia significa a perda da sensação,
seja ela dor, tato, temperatura, pressão ou posição. Já a analgesia é
caracterizada apenas pela ausência da sensação dolorosa, mantendo-se
preservadas as demais modalidades de sensações (Adams & Cashman, 1994).
Entre as opções terapêuticas disponíveis para alívio da dor, estão os
medicamentos antiinflamatórios (esteroidais e não-esteroidais), analgésicos,
anestésicos locais e sistêmicos, também conhecidos como anestésicos gerais.
Em nosso trabalho, temos os anestésicos locais (AL) como objeto de
estudo. Estes anestésicos têm como característica promover a perda reversível
de sensação numa dada área do corpo (de Jong, 1994), sem promover perda
de consciência e amnésia, a exemplo do que ocorre com os anestésicos
sistêmicos como por exemplo propofol e a ketamina, que mantêm apenas as
funções vitais do indivíduo (Catteral & Mackie, 1996).
Os anestésicos sistêmicos atuam diretamente nas transmissões
sinápticas, podendo ser administrados por diversas vias. As vias intravenosa e
inalatória são as mais frequentemente utilizadas, devido a possibilidade de
maior controle sobre a dose eficaz a ser aplicada e ao tempo de ação do
anestésico utilizado.
Já os AL, atuam nas terminações nervosas, promovendo depressão da
excitabilidade ou inibição da condução do estímulo nervoso, quando aplicados
em uma área restrita do tecido, em concentrações adequadas (Covino &
Vassalo, 1985). Suas principais vias de administração são: anestesia epidural,
bloqueios de plexos nervosos, administração local tópica e pequenas
infiltrações.
3
1.2 Anestésicos Locais
1.2.1 Histórico
O primeiro anestésico de ação local a ser isolado foi a Cocaína (em
1860, por Niemann), um alcalóide encontrado em folhas de Erithroxylon coca,
porém seu uso clínico foi iniciado somente em 1884, por Sigmund Freud e Karl
Koller (Covino & Vassalo, 1985; Vandam, 1987). As propriedades tóxicas e
indutoras de dependência da cocaína logo foram verificadas, o que resultou em
uma série de estudos em busca de outros agentes, levando a síntese da
procaína, em 1905.
O curto tempo de ação apresentado pela procaína levou a busca de
novos AL. A partir de então, ainda no início do séc. XX, análogos de procaína
foram sintetizados, como clorprocaína e tetracaína (Vandam, 1987).
A tetracaína (TTC) mostrou ter atividade anestésica mais duradoura e
um potencial de ação 16 vezes maior que o da procaína (Covino & Vassalo,
1985), sendo considerado um AL de longa duração.
A benzocaína, que tem como característica ser um éster não ionizável
em pH 7,4, teve seu uso introduzido na clínica como anestésico tópico.
À partir de 1940 foram sintetizados os primeiros anestésicos locais tipo
amino-amida, este fato se deu devido a necessidade de obtenção de AL que
apresentassem menor grau de toxicidade, sendo a lidocaína o primeiro
anestésico desta classe obtido (Covino & Vassalo, 1985; Vandam, 1987). Entre
os AL tipo amino-amidas temos compostos cíclicos (Mepivacaína, Ropivacaína
e Bupivacaína) e não cíclicos (Lidocaína, Prilocaína, Etidocaína e Dibucaína)
(de Jong, 1994). Nos anos 90, a busca por AL tipo amino-amidas mais potente
deu início a síntese de estereoisomêros, como Ropivacaína, que mostram que
a forma (S) apresenta menor toxicidade e maior duração no bloqueio nervoso
(Arvidsson et al, 1994).
1.2.2 Propriedades
Os AL de uso clínico apresentam uma estrutura geral com um domínio
hidrofóbico (grupamento aromático) e outro hidrofílico (grupamento amino),
separados por uma cadeia acila intermediária, com quatro ou cinco átomos
(Covino & Vassalo, 1985; Gupta, 1991). De acordo com o tipo de ligação entre
os grupos aromático e amino, os AL podem ser divididos em diferentes classes,
4
como os amino-ésteres (procaína, clorprocaína, tetracaína, proparacaína,
oxibuprocaína, etc), e os amino-amidas (lidocaína, mepivacaína, ropivacaína,
bupivacaína, levobupivacaína, etidocaína, prilocaína, etc), entre outros. A
Tabela 1 mostra a estrutura química de alguns AL de importância clínica.
A Tabela 2 apresenta algumas propriedades físico-químicas e
farmacológicas dos AL. As variações de potência, velocidade de ação, duração
da atividade anestésica e toxicidade dos AL, devem-se fundamentalmente, as
suas diferentes propriedades físico-químicas. Entre elas estão: pKa, coeficiente
de partição óleo/água, ligação às proteínas e vasoatividade.
5
Tabela1 - Estrutura química e classe dos anestésicos locais. AA = amino-amida e AE = amino-éster. L e C referem-se a lineares e cíclicos.
Anestésico
Local
Família
R1 R2 R3
Estrutura
Tetracaína
Procaína
Clorprocaína
AE
AE
AE
- C4H
9
- H
- H
-CH3
- C2H5
- C2H5
-
-
- Cl
C O
O ( C H 2 ) 2 N R 2
R
N H R 1
R3
Lidocaína
Prilocaína
Etidocaína
Mepivacaína
Bupivacaína
AAL
AAL
AAL
AAC
AAC
- CH3
- H
- CH3
- CH3
- CH3
CH2 NC2H5
C2H5
CH
CH3NH
C3H7
CH NC3H7
C2H5 C2H5
R1
NH
CH3
C R2O
6
Dibucaína
AAC
CO
NH (CH2)2 NC2H
C2H
N
H9C4O
Assim como a potência, a toxicidade destes agentes está diretamente
relacionada à absorção sistêmica, que sofre influência da hidrofobicidade, pKa
e taxa de ligação a proteínas plasmáticas (MClure & Rubin, 2005).
Devido à atividade dos AL no bloqueio reversível do potencial de ação
em membranas excitáveis, a absorção sistêmica destes agentes faz com que o
Sistema Nervoso Central e Sistema Cardiovascular, tornem-se particularmente
suscetíveis à atividade tóxica dos AL (Kenneth et al, 1997).
Tabela 2. Relação entre propriedades físico-químicas e o perfil de atividade
farmacológica dos AL.
AL pKaa Início de Açãob
Solubilidade aquosa da
forma neutra (mM)c
Partição da Forma
Neutra entre
EPC/águac
Toxicidadeb Potênciab Ligação Protéica
(%)a
Tempo de Açãob
Meia Vida (h)d
Procaína 8,9 Lento 16,3 84 Muito Baixa Média 6 Curto 0,1
Tetracaína 8,2 Lento 0,76 868 Alta Alta 94 Longo 2,5
Lidocaína 7,9 Rápido 13,1
144 Média Média 64 Interme-
diário 1,5
Prilocaína 7,9 Rápido 23,1
110 Baixa Média 55 Interme-
diário 1,5
Bupivacaína 8,1 Moderado 0,58 798 Alta Alta 95 Longo 2,5
a: Barash et al, 2001; b:Covino, 1986 & Malamed, 2001; c: de Paula & Schreier, 1995; d: Covino & Vassalo, 1985
De uma maneira geral, os AL do tipo amino-éster apresentam potência
maior do que os AL tipo amino-amidas (Covino e Vassalo, 1985), porém seu
uso é limitado na prática clínica devido à toxicidade. Estes agentes são
rapidamente hidrolisados pelas colinesterases, principalmente as plasmáticas e
em menor extensão pelas hepáticas. A única exceção ocorre com a cocaína,
7
que apesar de ser um AL amino-éster, não sofre hidrólise, apresentando
metabolismo predominantemente hepático (Malamed, 2001).
O resultado desta hidrólise é a formação do ácido para-aminobenzóico
(PABA) (Rang, 2004) e, em particular para a TTC, do ácido para-
butilaminobenzóico (Murtaza et al., 2002). Estes produtos metabólicos são
farmacologicamente ativos e estão relacionados ao aparecimento de efeitos
adversos como alergias, que geralmente são manifestadas por descoloração
da pele, dor, edema, dermatites e prurido (Swinyard, 1990). Sabe-se que
quanto menor a taxa de hidrólise dos AL do tipo éster maior sua potência
anestésica, porém também maior será sua toxicidade sistêmica (Carvalho &
Mathias, 1997).
Quando comparada aos demais AL amino-éster a Tetracaína é a mais
lentamente hidrolisada, o que implica em maior duração de ação (Tabela 2) e
toxicidade. Em seguida temos a Procaína com taxa de hidrólise intermediária e
a Cloroprocaína, cuja hidrólise é a mais rápida.
Embora os AL do tipo amino-amida, sintetizados a partir de 1940 sejam
atualmente os mais utilizados na clínica médica e odontológica devido ao seu
menor potencial tóxico (Malamed, 2001; Yagiela, 2000), os AL do tipo amino-
éster tem ainda grande utilidade em oftalmologia e em outros procedimentos
que requerem anestesia tópica, devido a sua potência ser, em geral, mais
elevada que os AL do tipo amino-amida.
1.2.3 Mecanismo de Ação
AL são em geral, bases fracas capazes de bloquear reversivelmente a
condução nervosa. Geralmente, são aplicados a uma superfície restrita do
corpo, em contraste com os anestésicos gerais, que são administrados por via
inalatória ou endovenosa, como citado anteriormente e que causam perda de
consciência e inibição dos reflexos sensoriais e autônomos.
Além de serem empregados para alívio da dor aguda como em
processos cirúrgicos, os AL também estão sendo associados ao tratamento da
dor crônica, juntamente com opióides, por exemplo, no tratamento da artrite
reumatóide e câncer (Rocha et al., 2002).
8
Muitas teorias foram propostas para explicar o mecanismo de ação dos
AL, porém algumas tiveram sua credibilidade diminuída por não conseguirem
elucidar todo o mecanismo (de Jong, 1994).
Entre as teorias propostas para explicar o mecanismo de ação dos AL,
temos aquela que atribui o efeito do AL à ligação desses compostos na
proteína canal de sódio voltagem-dependente e a que considera a interação
dos AL aos componentes lipídicos da membrana (hipótese do lipídio), como
fator determinante para o fechamento dos canais de sódio (de Araújo et al,
2008c).
Os canais de sódio voltagem-dependentes são glicoproteínas integrais
de membrana, presentes em altas concentrações nos axônios. Sua interação
com AL faz com que os poros do canal se fechem, tornando a proteína toda
inativa, temporariamente (Strichartz & Ritchie, 1987).
Alguns estudos demonstram que AL apresentam a capacidade de se
ligar não apenas as proteínas canais de sódio, mas também com outras
proteínas de membrana, dentre elas, proteínas sinalizadoras como:
calmodulina, canais de potássio, receptores de acetilcolina, ATPases
microssomais e mitocondriais, citocromo oxidase, proteína G, receptores de
serotonina 1A, proteína tirosina quinase e receptores de opióides (Cohen,
2003; de Paula & Schreier, 1996).
Em geral, as proteínas canais de sódio são formadas por uma unidade α
central e duas subunidades menores: β1 e β2. A subunidade α é o componente
mais importante da glicoproteína e forma o poro por onde haverá a ativação e
inativação da condução iônica (Catteral, 1992). Esta subunidade é formada por
quatro domínios homólogos (I-IV), cada um composto por seis segmentos
hidrofóbicos (S1-S6) que atravessam a membrana como α-hélices (Figura 1)
(Li et al., 1999).
9
Figura 1- Representação da subunidade α do canal de sódio de cérebro de mamíferos,
com quatro domínios de seis hélices membranares (S1-S6). As hélices S4 dos quatro
domínios formam o poro do canal (para passagem dos íons Na+). Notar ainda a alça
citoplasmática entre domínios III e IV (com motif IFM: isoleucina, fenilalanina,
metionina), que forma o portão de inativação do poro do canal e a hélice S6 do
domínio 4 (em vermelho), sítio de ligação de AL na forma neutra (adaptado de de
Araújo et al, 2008c).
A transmissão dos impulsos nervosos pode ser detectada pela variação
no potencial da membrana neuronal. Quando sofre um estímulo, que atinge
determinado limiar, a membrana é ativada e o canal se abre, permitindo que
ocorra influxo de sódio, levando a despolarização da membrana. Entre a região
despolarizada e a região adjacente, se dá a formação de um dipolo e a
corrente de sódio percorrerá toda a extensão do axônio. Em seguida, no local
onde ocorreu a despolarização, ocorrerá a repolarização com a saída dos íons
de potássio por canais específicos. As concentrações iônicas de repouso
podem então ser restabelecidas, através da atividade da bomba sódio, potássio
ATPase, finalizando o processo do impulso nervoso e fazendo com que o
estímulo elétrico seja transmitido ao longo de todo o axônio, de forma
unidirecional (Anger et al., 2001; Carvalho, 1994).
AL são moléculas anfifílicas e por este motivo apresentam grande
afinidade pela membrana celular. O resultado da interação dos AL com
membranas excitáveis é a diminuição do influxo de íons sódio nos canais de
sódio voltagem-dependente, impedindo a formação e a propagação do
potencial de ação.
Os AL podem apresentar diferentes graus de afinidade pelos canais de
sódio, de acordo com o estado funcional dos mesmos (ativo, inativo e repouso).
10
Estudos realizados em 1953, por Hodgkin e Huxley, atribuíram estes diferentes
graus de afinidade a presença das formas neutra e carregada dos AL. Esta
hipótese foi fortalecida na década de 70, quando alguns estudos com nervo
gigante de lula indicaram que os AL teriam acesso ao sítio de ação no canal
(levando ao bloqueio da condução do estímulo nervoso) apenas pela face
interna da membrana. Sendo assim, a forma neutra dos AL, mais hidrofóbica,
teria apenas a função de facilitar a entrada dos anestésicos na face interna da
membrana (Narahashi & Yamada, 1970).
No entanto, a elevada potência anestésica de compostos como a
benzocaína, que não se protona em pH fisiológico (Pinto et al, 2000) e a
grande variedade de moléculas com ação anestésica local, não poderia ser
explicadas por esta hipótese (Strichartz & Ritchie, 1987).
Em 1994, Catteral e colaboradores, conseguiram através de técnicas de
mutação sítio dirigida, comprovar a existência de um sítio de ligação
hidrofóbico, para AL em forma neutra, localizado no interior da bicamada, isto
é, em uma α-hélice transmembranar (S6, no domínio IV da subunidade α –
Figura 1), da proteína canal de sódio voltagem-dependente de cérebros de
rato (Rasgdale et al, 1994; 1996).
A teoria mais aceita para interpretação da ligação de AL e proteínas
canal de sódio nos dias atuais, admite a existência de um ou mais sítios de
ligação para AL e define o estado conformacional desses canais como fator
determinante dos diferentes graus de afinidade apresentados pelos
anestésicos. Sendo assim, maior será a afinidade do anestésico pelo estado
inativo ou em repouso e menor pelo estado aberto desses canais (Hille, 1977;
Hondeghem & Katzung, 1977).
Em 1987, Starmer, na tentativa de explicar o mecanismo de ação dos AL
propôs que esses fármacos apresentam afinidade constante pelo seu sítio
receptor e o que determinaria a interação com o canal de sódio, seriam os
rearranjos conformacionais do canal que acompanham a despolarização,
permitindo o acesso do AL ao seu sítio de ação. Desta forma os AL atuariam
como efetores alostéricos que, ao interagir com o receptor, estabilizariam o
canal em seu estado inativo, já que os quatro domínios da subunidade α,
apresentam-se envolvidos na inativação lenta produzida pelo AL. Esta proposta
11
é atualmente conhecida como “hipótese do receptor guardado” (Fraceto et al,
2006; O’Reilly, 1999; Starmer, 1987).
Na “hipótese do lipídio” é considerada a capacidade do AL se inserir na
matriz lipídica das biomembranas causando alterações estruturais e dinâmicas,
que levariam a mudanças conformacionais nos canais de sódio, o que
explicaria sua inativação. De fato, estudos demonstram que os AL agem sobre
sistemas membranares de diversas formas. Na fase lipídica membranar,
promovem alterações como expansão da bicamada, diminuição da temperatura
de transição de fases principal, aumento da fluidez e da permeabilidade de
membranas na fase líquido-cristalina (de Paula & Schreier, 1996).
A incorporação dos AL na fase lipídica leva a expansão de mono e
bicamadas lipídicas e diminuição da espessura da bicamada, favorecida pelo
menor comprimento das moléculas de AL em relação aos fosfolipídios
(Seeman, 1996; Skou, 1954). Sendo assim, a inserção do anestésico formaria
um volume, que seria compensado pela modificação conformacional das
cadeias acila dos lipídios adjacentes, causando diminuição no comprimento
total da bicamada e expansão lateral da mesma (Gallová & Balgavý, 1997;
Trudell, 1977). Nesta acomodação: i) modificam-se as propriedades estruturais
e dinâmicas da membrana como um todo e ainda ii) lipídios específicos
poderiam ser recrutados, modificando a distribuição de domínios (lipid rafts)
naturais nas membranas biológicas. Em ambos os casos a conformação de
proteínas integrais de membrana como o canal de sódio poderia ser afetada,
levando a estabilização da forma inativada (Fraceto et al, 2006).
Desta forma, tanto a ligação específica aos canais de sódio voltagem-
dependente quanto interações não específicas com a fase lipídica membranar
parecem estar relacionadas ao mecanismo de ação dos anestésicos locais,
ainda não completamente elucidado.
1.2.4. Toxicidade Sistêmica dos Anestésicos Locais
A neurotoxicidade dos AL se deve a capacidade destes em atravessar a
barreira hematoencefálica. O efeito no sistema nervoso central é manifestado
antes que no cardiovascular e se deve ao aumento da concentração do
fármaco (Whiteside & Wildsmith, 2001). Esta atividade ocorre como uma fase
12
excitatória (calafrios, tremores, contrações e convulsões), seguida de outra
fase inibitória, caracterizada pela depressão do sistema nervoso central
(Strichartz & Ritchie,1987; Yagiela et al, 2000).
Os AL podem exercer vários efeitos sobre o sistema cardiovascular,
atuando diretamente no miocárdio (modificando eventos eletrofisiológicos por
ação não específica em outros canais, como os canais de Ca2+, além dos
canais de sódio voltagem-dependente) e/ou alterando a vasoatividade na
vasculatura periférica (Strichartz & Ritchie, 1987; Yagiela et al, 2000).
1.2.5 Tetracaína
A Tetracaína (TTC) foi sintetizada em 1928 e teve seu uso introduzido
na clínica médica em 1932; dentre os AL de sua classe é o que apresenta
maior potência e duração de ação (Covino & Vassalo, 1985) (Tabela 2).
A TTC vem sendo usada atualmente na prática clínica, principalmente
em procedimentos que requerem anestesia tópica, como intervenções da
córnea (Rang et al., 2004). Pode ser aplicada para anestesia local em áreas
como nariz, boca, árvore brônquica (geralmente em spray), córnea, sistema
urinário, não sendo tão eficaz quando aplicada na pele (Rang et al., 2004). Em
oftalmologia pode ser empregada com segurança na concentração de 0,5%
(m/v), sendo indicada para realização de exames ou procedimentos cirúrgicos,
onde se deseja suprimir a dor corneana ou dos envoltórios externos do olho
(Fischer et al, 2004). As situações mais frequentes em que a TTC é empregada
incluem: exame do olho irritado, retirada de corpos estranhos da córnea,
cirurgias da conjuntiva e diagnóstico diferencial entre dor corneana e ciliar, não
sendo indicada para injeções subconjuntivais devido à possibilidade de
toxicidade sistêmica.
O uso tópico de TTC também pode ser verificado em procedimentos
dermatológicos simples. A TTC, na concentração de 4%, também tem se
mostrado mais eficaz para anestesia pré-vacinal em crianças, se comparada à
combinação comercializada atualmente de Lidocaína e Prilocaína em forma
neutra (EMLA®), devido ao fato de não ser necessária oclusão do local de
aplicação (Schechter, 2007). Outra desvantagem apresentada pela mistura
eutética de Lidocaína e Prilocaína, em relação à TTC, é o tempo necessário
13
para início de ação, aproximadamente 1 hora, devido ao pH apresentado pela
formulação (Cleary et al., 2003)
A TTC, devido a sua estrutura química, apresenta capacidade de formar
micelas (quando em sua forma ionizada), modificando sua eficácia. Um
significante número de moléculas agregadas pode aumentar o tempo de
duração de formulações transdérmicas, pelo aumento do conteúdo do fármaco
disponível (Miller, 1993). Quando aplicada sobre a pele, a formação de micelas
influencia na difusão do anestésico, alterando assim a concentração efetiva da
formulação utilizada. Em oftalmologia, pode ser verificado o desenvolvimento
de irritação ocular, conduzindo ao lacrimejamento, rápida drenagem e menor
absorção local (Santvliet, 1998). Além desse efeito, em altas concentrações o
efeito tóxico observado com o uso crônico da TTC sobre o tecido epitelial
corneano está relacionado a uma diminuição do metabolismo energético
daquelas células, tendo sido relatadas alteração na respiração celular, na
velocidade da glicólise, bem como dano às fibras de actina (Grant & Acosta,
1994). Outros estudos demonstram a ocorrência de danos para células da
córnea, quando expostas a outros AL como a lidocaína. Neste estudo, Kim e
colaboradores avaliaram a toxicidade in vitro de lidocaína 2% (hidrocloridro),
tanto para córnea humana, quanto para animais (coelhos). Esta exposição
levou a ocorrência de edemas nas células endoteliais para os dois casos (Kim
et al, 1998). Borazan e colaboradores demonstraram que o uso de ropivacaína
na concentração de 1% e levobupivacaína 0,75% podem levar a alterações
degenerativas graves no retículo endoplasmático e mitocôndrias, quando
avaliada a aplicação destes anestésicos por via infiltrativa, em células da
córnea de coelho; estas alterações foram avaliadas no primeiro dia após a
administração do fármaco, sendo que após 7 dias, houve a recuperação dos
danos causados inicialmente, sugerindo que estes agentes não causam danos
celulares permanentes (Borazan et al., 2009).
1.3 Formulações Farmacêuticas de AL em Sistemas Carreadores
Entre as principais características desejáveis para os AL, estão a longa
duração da ação anestésica, a baixa toxicidade sistêmica e a seletividade para
o bloqueio sensorial (de Araújo et al., 2003).
14
Na tentativa de melhorar o desempenho dos AL, tanto pela melhoria das
propriedades farmacocinéticas, como tempo de ação e latência, como pela
diminuição da toxicidade sistêmica, muitos estudos vêm sendo realizados,
considerando desde o uso de misturas de diferentes AL, até a utilização de
nanocarreadores de fármacos, a fim de modificar seus perfis farmacocinéticos
e farmacodinâmicos.
Estudos direcionados à combinação de AL de curta e longa duração,
ainda não permitem concluir a respeito da efetividade da mistura, além do fato
destas formulações apresentarem toxicidade sistêmica aditiva devendo,
portanto, serem utilizadas com cautela (Cleary et al., 2003).
Atualmente, o uso de sistemas de liberação modificada tem contribuído
na busca de anestésicos mais eficientes, melhorando de forma significativa a
eficácia e segurança dos AL. Esta forma de veiculação tem sido estudada em
nosso laboratório através da encapsulação em lipossomos (Cereda et al., 2004;
2006, 2008a; de Araújo et al., 2004, 2008b; Franz-Montan et al, 2007),
formação de complexos de inclusão em ciclodextrinas (Cereda et al, 2008b; de
Araújo et al., 2005a;b, 2006, 2008a; Moraes et al, 2007a, 2007b, 2007c; Pinto
et al., 2005 ) e calixarenos (Fernandes et al., 2007) apresentando resultados in
vivo bastante promissores. Outros pesquisadores têm avaliado AL carreados
em sistemas poliméricos nano (Colombo et al., 2005; Corre et al., 1994; Estebe
et al, 1995; Govender et al., 2000; Moraes et al, 2007, 2008; Polakovic et al.,
1999; Rose et al., 2005), também com bons resultados.
1.4 Ciclodextrinas
A hidrólise parcial do amido resulta na formação de glicose, maltose e
uma longa classe de dextrinas lineares e ramificadas. Alguns microorganismos
e plantas possuem enzimas denominadas ciclodextrina-glicosiltransferases que
realizam a degradação do amido em oligossacarídeos cíclicos, chamados
ciclodextrinas (Loftsson & Masson, 2001).
Ciclodextrinas (CD) são compostos não tóxicos, capazes de formar
complexos de inclusão e estabilizar um largo espectro de substâncias. Essa
característica, juntamente com outras propriedades, faz delas um grande
atrativo para variado número de aplicações industriais. As vantagens em
relação ao uso e a disponibilidade das ciclodextrinas explicam o crescente
15
interesse pelas mesmas. Suas aplicações práticas são numerosas: CD são
usadas na indústria alimentícia, farmacêutica, em cosméticos, pesticidas, em
tecnologia química, em química analítica, etc (Duchêne et al., 1999; Davis &
Brewster, 2004).
As três ciclodextrinas naturais mais comuns são: alfa, beta e gama-
ciclodextrinas, apresentando seis, sete e oito unidades de D-(+)-glicopiranoses,
respectivamente. Estas subunidades apresentam grupos hidroxila primários e
secundários em sua estrutura, orientados para o exterior da molécula (Figura
2), o que confere à superfície exterior um caráter hidrofílico, enquanto a
cavidade interior é hidrofóbica. A presença desta cavidade hidrofóbica permite
que a ciclodextrina forme complexos de inclusão com muitas moléculas,
alterando as propriedades físico-químicas das mesmas, em geral levando a um
aumento da solubilidade e estabilidade química, diminuição da volatilidade e
alterando a biodisponibilidade da molécula hóspede.
Figura 2 – Representação esquemática da β-ciclodextrina, com 7 unidades de
glicopiranose.
Entre as ciclodextrinas encontradas na natureza, as β-CD (Figura 2) são
as mais largamente utilizadas, devido ao fato de apresentarem uma cavidade
interna com cerca de 6 Å de diâmetro (Tabela 3), adequada para incorporar
anéis aromáticos, frequentemente encontrados em moléculas com atividade
biológica (Matioli, 2000).
Tabela 3 – Propriedades físico-químicas das ciclodextrinas naturais (del Valle, 2004)
Propriedade α- β-ciclodextrina γ-ciclodextrina
16
ciclodextrina
Resíduos de glicose 6 7 8
Massa molecular 972 1135 1297
Solubilidade 25 ºC(g/100 mL) 14,5 1,85 >50
Diâmetro externo (Å) 14,6 15,4 17,5
Diâmetro interno (Å) 4,7-5,3 6,0-6,5 7,5-8,3
Altura da cavidade (Å) 7,9 7,9 7,9
Volume da cavidade (Å3) 174 262 427
A limitada solubilidade aquosa da β-CD (1,85 g/100 mL a 25 °C) é
considerada um fator limitante para sua aplicação, principalmente quando
comparada as demais ciclodextrinas e decorre de ligações intramoleculares de
hidrogênio entre grupos hidroxil secundários (Rajewsky & Stella, 1996). Por
este motivo, modificações foram introduzidas na estrutura química das
ciclodextrinas naturais, em particular a β-CD, com a finalidade de melhorar esta
propriedade. Um dos derivados obtidos por estas modificações é a 2-
hidroxipropil-β-ciclodextrina (HP-β-CD) (Figura 3a), que apresenta uma maior
solubilidade aquosa que a β-CD natural (> 50 g/100 mL a 25 °C) (Irie &
Uekama, 1997; Matioli, 2000).
A alta afinidade da β-CD por colesterol e outros lipídios, faz com que
seja capaz de extrair estes componentes da membrana. Dependendo da
concentração administrada, as β-CD podem produzir hemólise de eritrócitos
(Irie & Uekama, 1997), devendo, portanto, sua administração por via infiltrativa,
ser evitada. Outro fator que deve ser considerado é o fato de que as β-CD
apresentam solubilidade relativamente baixa na corrente sanguínea. Isto
permite que haja uma formação de microcristais que se depositam nos rins.
Estes microcristais formam depósitos, podendo causar danos aos túbulos
renais por impedirem a filtração glomerular. Já ciclodextrinas modificadas como
a HP-β-CD, não apresentam estas características indesejáveis, ou seja, a
modificação da molécula de β-CD além de promover a melhora da solubilidade,
também promove a diminuição dos efeitos tóxicos apresentados, como a
hemólise de eritrócitos (Bekers et al., 1991; Davis & Brewster, 2004; Frank et
al., 1976; Frijlink et al., 1990). Os derivados hidroxialquilados de CDs são
17
poderosos solubilizadores de fármacos e não formam, nos rins, os precipitados
de complexos cristalinos observados quando a β-CD é utilizada (Carpenter et
al., 1995), porém são financeiramente menos viáveis, devido ao fato de serem
mais caros que a β-CD.
Figura 3 – Representação da hidroxipropil-β-ciclodextrina (a) e da formação de dois
tipos de complexos, de estequiometria 1:1 e 1:2 (ligante:HP-β-CD) (b).
Atualmente um interesse crescente pela aplicação de HP-β-CD como
sistema carreador de fármacos vem sendo verificado. Isto pode ser
comprovado pelo número de pesquisas realizadas, onde se utiliza a HP-β-CD
como carreadora em sistemas de liberação modificada. Esta ciclodextrina tem
demonstrado apresentar boa tolerância em humanos, sendo que a
administração intravenosa não é considerada tóxica em doses baixas e
moderadas (Carpenter et al, 1995; Thompson, 1997). A HP-β-CD teve seu uso
aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration) e está presente em
produtos comerciais como Vibativ®, fármaco antibacteriano, produzido pelo
laboratório americano Theravance. A dose recomendada para uso oral é de 8 g
ao dia e para uso intravenoso de 16 g ao dia (Brewster & Loftsson, 2007).
As ciclodextrinas quando administradas por via oral, são facilmente
metabolizadas e sua absorção ocorre no trato gastrintestinal, onde interagem
com alguns componentes de membrana como colesterol e alguns tipos de
lipídios. Sua estrutura cíclica permite que sejam resistentes às variações de pH
do estômago e intestino delgado, porém são degradadas no cólon e intestino
grosso, pela ação de bactérias da flora intestinal (Uekama, 1994). Quando
administradas pela via intravenosa, a excreção das CDs ocorre de forma
a b
18
intacta pelos rins (Davis & Brewster, 2004). Isto ocorre, em particular com a β-
CD, devido à sua baixa solubilidade aquosa, o que representa uma
desvantagem quando comparada aos seus derivados como a HP-β-CD. Já
bactérias e fungos, possuem uma amilase específica, capaz de degradar as
ligações alfa-1,4 das unidades glicopiranosídicas das ciclodextrinas.
Os complexos de inclusão formados entre ciclodextrinas e moléculas
hóspede são mantidos por ligações não covalentes. Esta interação consiste em
um equilíbrio dinâmico, onde a molécula hóspede está constantemente se
associando e desassociando da cavidade da CD (Loftsson & Brewster, 1996;
Rajewsky & Stella et al., 1996).
Quando em solução aquosa, as ciclodextrinas acomodam moléculas de
água em sua cavidade parcialmente apolar, entretanto, essa interação é
energeticamente desfavorável, uma vez que requer um aumento da entropia
das moléculas de água. Estas moléculas de água podem então ser facilmente
substituídas por moléculas hóspedes, que apresentem menor polaridade que a
água. Quando ocorre este tipo de interação, a estequiometria mais
frequentemente encontrada entre molécula hóspede e CD é de 1:1, porém
outras estequiometrias podem ser verificadas, como 1:2 (Figura 3b), 2:1 e 2:2
(Duchêne et al., 1999; Szejtli, 1998).
A interação molecular pode ser avaliada pelas modificações que
ocorrem nas propriedades tanto da molécula hospedeira, como na molécula
hóspede, podendo ser detectada por diversas técnicas espectroscópicas, como
a fluorescência, a espectroscopia UV/Vis, a ressonância magnética nuclear
(RMN), o infravermelho, entre outras.
A formação de complexos de inclusão sólidos garante uma maior
proteção da molécula hóspede contra reações químicas, diminui a sublimação
e volatilização, diminui a reatividade da molécula, garantindo uma estabilidade
maior e também aumenta a solubilidade (Loftsson & Brewster, 1996; Rajewsky
& Stella, 1996).
Estas características das ciclodextrinas tornam seu uso para formação
de complexos de inclusão com AL bastante promissor, além do que, muitos
estudos já realizados demonstram os efeitos satisfatórios desta interação.
Entre eles, estão descritos aumento da solubilidade de anestésicos como
Lidocaína, Etidocaína, Mepivacaína, Bupivacaína (de Araújo et al 2005; 2006;
19
Dollo et al., 1996a, 1996b, 1998; Moraes et al, 2007, Pinto, 2002), Benzocaína
(Pinto et al, 2002), Tetracaína (Miyoshi et al., 1998), bem como a melhora dos
índices terapêuticos dos anestésicos locais (de Araújo et al., 2005a; 2005b;
2006; 2008a; Dollo et al., 1998; Pinto, 2002).
Estudos da interação molecular da Tetracaína com ciclodextrinas
indicaram um aumento em sua estabilidade química (Miyoshi et al., 1998),
incluindo proteção contra a hidrólise alcalina (Fernandes et al., 2007) além de
diminuição do potencial de irritação ocular (Santvliet et al., 1998).
Estudos de caracterização molecular dos complexos de inclusão
formados entre TTC e β-CD foram realizados em nosso laboratório com uso de
RMN em pH 5,5 e pH 10 (Fernandes et al., 2007), demonstrando forte
interação entre a TTC neutra e β-CD.
Neste contexto, os benefícios de uma anestesia profunda produzida por
AL estão sendo cada vez mais bem conhecidos, o que tem levado a um
aumento de novas técnicas de anestesia local e regional. Porém, o tempo de
ação relativamente curto desses fármacos quando comparados à duração da
dor (Duncan & Wildsmith, 1995) é um fator limitante para o uso dos AL.
Um AL ideal, deve apresentar ação longa, ser livre de efeitos tóxicos, ter
baixo potencial alergênico, alto índice terapêutico e atuar seletivamente sobre
as fibras sensoriais, mas não sobre as motoras (Kuzma et al., 1997).
Abordagens que levem ao aumento da duração de ação dos AL são
desejáveis, pois com elas poderia ser diminuída a frequência de
administrações, aumentando assim a eficácia pelo maior tempo de bloqueio
anestésico. Uma das primeiras tentativas de melhorar estas características foi
realizada através da modificação química de AL já existentes, obtendo-se os
análogos hoje disponíveis no mercado, porém com melhorias nem sempre tão
satisfatórias, pois o aumento da potência é, em geral, acompanhado por
aumento da toxicidade sistêmica dos AL (Strichartz & Ritchie, 1987).
A TTC é bastante utilizada na prática clínica, principalmente em
procedimentos que requerem anestesia tópica, devido à sua alta potência.
Porém, um fator que torna a aplicação da TTC limitada é sua toxicidade local e
sistêmica (Rang et al, 2004). Objetivamos, através da incorporação deste AL
com ciclodextrinas, diminuir os efeitos tóxicos da TTC, aumentando assim a
segurança para administração deste AL e aplicabilidade na prática clínica.
20
Desta forma propusemo-nos a preparar e caracterizar complexos moleculares
da TTC com ciclodextrinas em pH fisiológico e testar sua atividade biológica.
Para tanto, análises da citotoxicidade in vitro de TTC, foram realizadas através
de ensaios de culturas de células, com fibroblastos da linhagem 3T3. Já o
efeito da complexação na eficácia anestésica da TTC foi avaliado através de
ensaios de bloqueio do nervo infraorbital, em ratos Wistar, segundo protocolo
(no. 824-1) aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da
Unicamp.
21
II) OBJETIVOS
2.1 Objetivos Gerais
O presente trabalho teve como objetivo preparar, caracterizar os
complexos de inclusão e avaliar a eficácia de formulações anestésicas de
liberação modificada de TTC complexada com β-CD ou HP-β-CD a fim de
promover a redução das propriedades tóxicas deste AL e melhorar seu perfil de
atividade farmacológica.
2.2 Objetivos Específicos
• Caracterização da interação da TTC com β-CD e HP-β-CD
em pH fisiológico, determinando a estequiometria de formação do
complexo e sua constante de associação aparente.
• Realização de testes in vitro de citotoxicidade, em células
de fibroblastos da linhagem 3T3, para os complexos formados com
TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD, em comparação com TTC livre.
• Avaliação da atividade biológica dos complexos formados,
através de testes de atividade anestésica em animais, tanto para
TTC:β-CD quanto para TTC:HP-β-CD, comparadas a TTC livre.
22
III) MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Materiais
Para a realização de ensaios de citotoxicidade, utilizou-se células de
fibroblastos da linhagem 3T3. Para ensaios in vivo utilizou-se ratos Wistar,
adultos, machos, pesando entre 350-350 g, obtidos do Biotério da Unicamp.
3.1.1 Reagentes
• Anestésico local: Tetracaína (Sigma Chem. Co.)
• Ciclodextrinas: β-CD (Sigma Chem. Co.) e HP-β-CD (Roquette
Serv. Tech. Lab.)
• Tampão PBS (tampão fosfato 5 mM com 154 mM NaCl), pH 7,4
• MTT – Brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-bifenil tetrazólio
(Calbiochem)
• DMEM – Meio Eagle modificado por Dulbeco (Nutricell)
• Antibióticos Penicilina G e Estreptomicina (Cultilab)
• Soro fetal bovino (Cultilab)
• Corante vermelho Neutro (Sigma Chem. Co)
• Formaldeído (Labsynth Ltda.)
• Etanol (Ecibra Reag. Anal.)
• Tiopental Sódico (Thiopentax® Cristália Ind. Quím. Farm.)
3.1.2 Equipamentos
• Liofilizador Labconco-freeze dry system/Freezone
• Espectrofotômetro Beckman DU 70 UV-Vis
• Fluorímetro Hitachi modelo F-4500
• Calorímetro DSC Q100 TA Instruments
• Espectrômetro de RMN Varian INOVA 500
• Espectrômetro de RMN Varian Unity 500
• Placa de cultura de células de 96 poços
• Estufa de CO2 Lab-Line
• Capela de fluxo laminar Veco
• Leitor de placas Spectramax ( Molecular Devices)
23
3.2 Métodos
3.2.1 Espectrofotometria de UV/Vis
3.2.1.1 Princípio do método
A espectroscopia no ultravioleta-visível (UV/Vis) é um método
espectroscópico de análise que visa a utilização de radiação eletromagnética
na faixa de comprimentos de onda na região do visível e ultravioleta próximo.
Nessas faixas de energia as moléculas podem absorver energia fazendo com
que ocorram transições eletrônicas moleculares (Karplus & Porter, 1970).
Neste contexto, a espectrofotometria pode ser utilizada para avaliar
alterações nas propriedades de compostos em solução. Após a inclusão na
cavidade das ciclodextrinas, as moléculas hóspedes (“guest”) podem perceber
a mudança do ambiente químico, refletindo em um deslocamento ou mudança
de intensidade (deslocamentos hipso e bato, hipo ou hipercrômico) no pico de
absorção máxima, de forma similar aos efeitos causados por solventes com
diferentes polaridades. Estas alterações indicam a transferência da molécula
hóspede para a cavidade hidrofóbica das ciclodextrinas (Paavola et al., 1995).
As alterações verificadas se devem a perturbações eletrônicas na
molécula que foi inserida na cavidade da ciclodextrina, sendo causadas pela
interação direta com as ciclodextrinas, pela exclusão de moléculas de água da
cavidade ou pela combinação destes dois efeitos (Dodziuk, 2006).
3.2.1.2 Caracterização da TTC por espectrofotometria de UV/Vis
A fim de avaliar o comprimento de onda máximo da TTC foi preparada
uma solução estoque de TTC 1 mM em tampão PBS 5 mM, pH 7,4. Esta
solução foi posteriormente diluída, utilizando-se o mesmo tampão para a
concentração de 0,04 mM e observado o espectro de absorção desta, na faixa
de 250 nm a 350 nm (espectrofotômetro UV/Vis Beckman DU 70), utilizando-se
uma cela de qurtzo com caminho ótico de 1 cm.
A absortividade molar da TTC foi determinada através dos valores de
absorbância de soluções de concentrações crescentes de TTC, variando de 10
à 40 µM (PBS 5 mM, pH 7,4; λmáx= 309 nm).
Posteriormente, outros espectros da TTC (7,5 µM) foram obtidos (na
faixa de 250 até 350 nm) em meio contendo diferentes proporções de água (ε
=78) /etanol (ε =24,5), a fim de simular o comportamento da TTC em ambientes
24
químicos de diferentes constantes dielétricas (Deyhime et al., 2004). As
proporções água:etanol utilizadas e respectivas constantes dielétricas podem
ser verificadas na Tabela 4.
Tabela 4- Variação das proporções água:etanol e suas respectivas constantes
dielétricas.
3.2.2 Preparo do
O complex
utilizando-se o m
anteriormente (d
foram preparadas
água, na razão
suficiente para q
67,0 20 80 72,8 10 90 78,3 0 100
ε
(constante dielétrica)
etOH
(%) H2O
(%)
- POLAR
+ POLAR
Complexo de Inclusão TTC com β-CD e HP-β-CD
o de inclusão entre a TTC e as ciclodextrinas foi preparado
étodo de co-solubilização, conforme metodologia descrita
e Jesus et al, 2006; Pinto, 2002; Pinto et al, 2005). Neste,
soluções de fármaco e ciclodextrinas (β-CD ou HP-β-CD) em
molar de 1:1, mantidas sob agitação por 12 h (tempo este
ue o sistema atingisse o equilíbrio de complexação) (de
24,3 100 0 28,1 90 10 32,8 80 20
38,0 70 30 43,4 60 40 49,0 50 50 55,0 40 60 61,1 30 70
25
Araújo, 2005a), em temperatura ambiente. Após esta etapa os complexos
foram liofilizados e armazenados em dessecador para posterior utilização.
Misturas físicas foram obtidas adicionando-se TTC e ciclodextrina em
grau, de modo que a razão molar obtida fosse de 1:1. Posteriormente as
substâncias foram misturadas manualmente com a ajuda de um pistilo.
3.2.2.1. Medidas de espectrofotometria UV/Vis para a interação
TTC: ciclodextrinas
Para a avaliação da interação entre a molécula de TTC e ciclodextrinas,
foi observado o efeito das ciclodextrinas no espectro de absorção UV/Vis da
TTC. Para isso, foram preparadas soluções de TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD na
proporção de 1:500 ([TTC] = 0,04 mM) em tampão PBS e coletados espectros
de absorção na faixa de 250 nm a 350 nm. Também foi verificado o efeito de
concentrações crescentes de CD nos espectros da molécula de TTC, para isso
foram coletados espectros de absorção TTC:CD nas proporções molares 1:0,
1:1, 1:100, 1:500.
3.2.3 Fluorescência
3.2.3.1. Princípio do método
Fluorescência é um fenômeno que ocorre com alguns compostos
químicos onde a substância, após sofrer um processo de excitação (absorção
de um fóton), apresenta a capacidade de emitir luz (Lackowicz, 1983).
A explicação teórica da fluorescência pressupõe que fótons, quantum de
energia eletromagnética (luz), ao serem absorvidos pela molécula fluorescente,
excitam seus elétrons, fazendo com que saiam do estado fundamental (S0)
para o estado excitado (S1). Esse excesso de energia pode ser liberado através
da emissão de radiação (λ maior que o da radiação incidente). Quando ocorre
retorno do elétron a seu nível energético fundamental, este evento é
acompanhado da emissão de radiação, originando o fenômeno de
fluorescência (Lackowicz, 1983).
Numerosas substâncias apresentam fluorescência, entre elas, muitas
moléculas que possuem em sua estrutura anéis aromáticos. Este fenômeno é
significativamente influenciado pela conjugação destes anéis, produzindo um
sistema com alto grau de conjugação eletrônica (Senesi et al., 1991).
26
Anestésicos locais como a tetracaína (Desai et al 1994), benzocaína (Pinto et
al., 2000) e dibucaína (Louro et al., 1994), entre outros, têm fluorescência
intrínseca significativa.
Assim como medidas de absorção na região do UV-Vis, a fluorescência
nos permite avaliar o efeito da formação do complexo de inclusão de
compostos orgânicos com as CDs, pois a cavidade das moléculas hospedeiras
apresenta uma relativa hidrofobicidade e a inserção do composto hóspede é,
em geral, acompanhada por aumento do rendimento quântico de fluorescência
(Szejtli, 1998).
3.2.3.2. Caracterização da fluorescência da TTC
A fim de avaliar a emissão de fluorescência intrínseca da tetracaína, foi
preparada uma solução estoque de 1 mM de TTC em tampão PBS. Esta
solução foi posteriormente diluída utilizando-se o mesmo tampão, até que fosse
encontrada a concentração ideal do fármaco para leituras em fluorímetro (abs.
ca. 0,1, λexc = 309 nm), de 7,5 µM.
Para avaliar a interferência da polaridade do meio no comprimento de
onda de máxima emissão de fluorescência da molécula de TTC, foi preparada
uma solução com concentração de 7,5 µM e realizadas leituras do fármaco em
meio contendo diferentes proporções de água/etanol, a fim de simular o
comportamento da TTC em ambientes com diferentes constantes dielétricas.
As proporções de água: etanol utilizadas e as constantes dielétricas obtidas
foram as mesmas descritas no item 3.2.1.2, Tabela 4.
O experimento foi feito em fluorímetro Hitachi modelo F-4500, utilizando
uma cela com caminho ótico de 10 mm, a temperatura ambiente.
3.2.3.3. Medidas de fluorescência para medir a interação TTC:CD
Com a finalidade de comparar o comportamento da molécula de TTC
quando em ausência, presença de ciclodextrinas e meio com polaridade similar
ao apresentado por estes carreadores, realizou-se leituras de fluorescência de
TTC (7,5 µM) em água (ε= 78), água:etanol (20:80, v/v) (ε = 32,8) e na
presença de ambas as CDs, na razão molar de 1 TTC para 1000 CDs, a
temperatura ambiente (Deyhimi et al., 2004).
27
Já para avaliação do comportamento de TTC em presença de
concentrações crescentes de ciclodextrina, foram preparadas amostras de TTC
na concentração de 5 µM e adicionadas concentrações de 20, 35 e 50 µM de
CD. Espectros de emissão de fluorescência foram coletados, durante 300”, nas
mesmas condições analíticas descritas no item 3.2.3.2.
3.2.3.3.1. Medidas para determinação da estequiometria dos complexos
TTC: ciclodextrinas
Uma das principais técnicas utilizadas atualmente para determinação da
estequiometria de complexos de inclusão é a solubilidade de fases. Porém a
aplicação deste método, para avaliação dos complexos formados com TTC
pode ser considerada inviável, devido à alta solubilidade apresentada por este
AL na sua forma protonada (> 200 g/L ou 0,67 M) (Miller et al., 1993). Sendo
assim, para determinação da estequiometria apresentada pelos complexos de
inclusão formados entre TTC e β-CD ou TTC e HP-β-CD, foram aplicadas
técnicas de titulação, que permitem o acompanhamento da variação de um
comportamento químico do fármaco, neste caso, a emissão de fluorescência
pela TTC, sensível a formação do complexo de inclusão (Sosnowska, 1997).
Foi preparada uma solução de TTC na concentração de 7,5 µM em
tampão PBS e coletado espectro de emissão de fluorescência desta amostra.
Em seguida, novas análises foram realizadas, adicionando-se concentrações
crescentes de ciclodextrinas e mantendo-se fixa a concentração de TTC. As
leituras de fluorescência foram realizadas nas razões molares de 1:50, 1:100,
1:200 até a razão de 1: 1000 TTC:CD.
Os resultados obtidos foram tratados de acordo com a equação de
Benesi-Hildebrand modificada, conforme descrito na equação 1 (Banerjee et
al, 2004):
CTTC/(F-Fo)=1/[CCD]n (1)
Onde CTTC e CCD representam a concentração analítica de tetracaína e
ciclodextrina respectivamente; F (Fo) representam a intensidade de
fluorescência da TTC em presença (ausência) de ciclodextrina e n é o
coeficiente estequiométrico de complexação. Para tratamento dos dados,
28
utilizou-se a área sob a curva, AUC, ao invés dos valores de intensidade de
fluorescência, ficando a fórmula:
CTTC/(AUC-AUCo)=1/[CCD]n (2)
Para os dois complexos formados, avaliou-se tanto a possibilidade de
apresentarem estequiometria 1:1 quanto 1:2, aplicando-se os respectivos
tratamentos matemáticos.
3.2.4 Calorimetria Diferencial de Varredura
3.2.4.1. Princípio do método
A Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC) mede a diferença dos
fluxos de calor entre uma célula contendo amostra e uma célula de referência
que estão sujeitas a aquecimento/resfriamento incremental constante. O fluxo
de calor corresponde à potência transmitida pelo calorímetro, é medido em
watts (W) ou miliwatts (mW). Se o fluxo de calor ou energia estiver integrado
com relação ao tempo, então uma quantidade de energia será obtida e será
expressa em mWs = mJ. Se a amostra absorve energia, o fenômeno de
variação de energia (entalpia) é denominado endotérmico, enquanto se a
amostra libera energia este corresponde a um processo exotérmico (Verdonck
et al, 1999). Efeitos térmicos caracterizados por mudanças de entalpia em
função da temperatura como fusão, cristalização, transições sólido-sólido e
reações químicas podem ser acompanhadas por DSC.
Análises térmicas como a DSC e a Análise Termogravimétrica, são
muito empregadas para o estudo de complexos de inclusão no estado sólido,