“ESFACELA-SE O CYBORG”: A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO ENTRE
SOCIEDADE/NATUREZA, ESPECULAÇÃO FUNDIÁRIA, RISCOS E IMPACTOS SOCIONATURAIS
Reginaldo José de SOUZA
Doutorando em Geografia
Universidade Estadual Paulista – UNESP
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Campus de Presidente Prudente
Área temática 7 - Desenvolvimento e Espaço: ações, escalas e recursos
Resumo: O processo de urbanização ocorre na artificialização da natureza pela sociedade. As cidades são
formas híbridas que irrompem da fusão entre dinâmicas naturais e sociais. Porém, a hibridação
socionatural que caracteriza as cidades parece-nos uma disjunção insolúvel em que sociedade e natureza
não chegam ao ponto de uma relação harmônica. Cientes da existência de mecanismos político-
econômicos (e culturais) responsáveis por este conflito e reprodutores de iniquidades sociais que
submetem significativa parte das populações urbanas aos desdobramentos negativos de usos inadequados
dos recursos da natureza, apresentaremos, neste ensaio, nossas reflexões sobre questões relacionadas aos
riscos e impactos socionaturais nas cidades, potenciados pela racionalidade imediatista da produção
econômica - sobretudo quando esta incorpora o espaço enquanto mercadoria - e busca de lucros que
subsumem a garantia dos direitos à qualidade de vida e acesso a bens e serviços à significativa parcela das
populações urbanas que estão diretamente expostas a certos tipos de riscos (leiam-se enchentes,
escorregamentos e desmoronamentos de encostas, soterramentos etc.).
Palavras-chave: relação sociedade-natureza, urbanização, especulação fundiária, riscos ambientais,
impactos socionaturais.
“THE CYBORG CRUMBLES”: THE PRODUCTION OF THE URBAN SPACE AMONG
SOCIETY/NATURE, LAND SPECULATION, AND SOCIO-NATURAL RISKS AND IMPACTS
Abstract: The urbanization process occurs in making nature artificial by society. Cities are hybrid forms
that erupt from the fusion of natural and social dynamics. However, socio-natural hybridization that
characterizes cities seems to be an insoluble disjunction in which society and nature do not concretise a
harmonious relationship. We are aware of the existence of political-economic (and cultural) mechanisms
that are both responsible for this conflict and reproducers of social inequities that subjugate a significant
part of urban populations to the negative consequences of improper use of natural resources. Then, we
present in this essay our reflections concerning socio-natural risks and impacts in cities. In order to
achieve this aim, we consider that two elements boost this risks and impacts by. Firstly, we mention the
immediate rationality of economic production (especially when it incorporates space as merchandise).
Secondly, we cite the search for profits that subsume the guarantee of rights to quality of life and access
to goods and services to a significant part of urban populations that are directly exposed to certain kinds
of risks (i.e. floods, landslides, burying etc.).
Keywords: society-nature relationship, urbanisation, land speculation, environmental risks, socio-natural
impacts.
1)Introdução
Aqui, apresentamos um ensaio em que nos propomos a refletir e discutir certas ideias
concernentes à produção do espaço urbano. A proposta é procurar uma interpretação sobre riscos e
impactos de ordem socionatural que se manifestam nas cidades e atingem de modo marcante os grupos
sociais marginalizados por mecanismos político-econômicos concentradores de riquezas para uns e
distribuidores de uma série de problemas para muitos.
A população de baixa renda, nas periferias urbanas, é aquela que mais sofre em eventos como
enchentes, escorregamentos e desmoronamentos de encostas, soterramentos, exposição à contaminação
por doenças devido à falta de serviços de saneamento básico, entre outros. Então, neste trabalho
buscaremos relacionar tal problemática à existência de interesses econômicos que a impulsiona, como é o
caso da transmutação do solo em mercadoria no âmbito do capitalismo.
O caminho teórico percorrido tem inspiração nas abordagens de autores que trabalham
diretamente com a temática do meio ambiente na Geografia e também aqueles voltados para os estudos
do processo de urbanização. Para alcançarmos o objetivo central de analisar os desdobramentos negativos
da relação entre especulação fundiária e aumento da exposição da população de baixa renda aos riscos
socionaturais, articularemos diferentes perspectivas de análise dos processos que definem e redefinem
permanentemente o espaço urbano, mas localizando pontos de convergência entre os enfoques dados
pelos autores tomados como referências (BOTELHO, 2007; SINGER, 1979; SWYNGEDOUW, 2001;
DAVIS, 2006; GONÇALVES, 1984, 2006; SUERTEGARAY, 2001, 2002; BECK, 1998).
Assim, direcionaremos o trabalho para as questões relacionadas aos riscos e impactos
socionaturais nas cidades, potenciados pela racionalidade imediatista da produção econômica e da busca
de lucros que subsumem a garantia dos direitos à qualidade de vida e acesso a bens e serviços à
significativa parcela das populações urbanas que, em áreas periféricas de extrema precariedade, estão
diretamente expostas a certos tipos de riscos.
2) As potencialidades da urbanização versus os problemas de ordem social nas cidades
Obviedade aparente, porém, nunca desnecessário reafirmar, é a dimensão sem precedentes do
processo de urbanização na atualidade. De um mundo em que maior parte da população tinha laços mais
estreitos ao campo, a sociedade capitalista passou a ter como uma de suas principais características o
modo de vida urbano e a cidade como ponto nodal cujas redes de fluxos se ampliam pelo espaço
geográfico de forma tentacular, tanto do ponto de vista material quanto imaterial.
Atribui-se as causas deste processo generalizado da urbanização ao desenvolvimento da sociedade
como expressão da produção e incorporação do conhecimento científico, elaboração de novas técnicas e o
aumento dos fluxos de informações matizado pela união dos dois elementos anteriormente mencionados
(ciência e técnica), ou seja, pela produção, uso e disseminação da tecnologia. O conhecimento científico
moderno avalizou a aceleração da urbanização, ao passo que possibilitou a sofisticação das técnicas
apropriadas no modo capitalista de produção.
A urbanização, como todo e qualquer processo que se manifesta no espaço geográfico
constantemente produzido pela sociedade, ocorreu e ocorre pleno de contradições e conflitos. À mais
espacial de suas expressões, a cidade, igualmente não poderia faltar tal caráter. Em Gonçalves (1984),
encontra-se uma reflexão interessante a respeito dos problemas urbanos oriundos de processos em que
lógicas de planejamento priorizam as relações que beneficiam o capital monopolista. Os problemas ditos
urbanos, segundo este autor, em verdade estariam relacionados ao modo como se expressam, na cidade,
as contradições da sociedade - caracterizada por grandes desigualdades socioeconômicas.
A sociedade em que vivemos está fundada na produção de mercadorias. Nela todos são
proprietários de mercadorias, inclusive os trabalhadores, que vendem a sua capacidade de
trabalho em troca de um salário. A capacidade de cada um para usar os bens disponíveis
na cidade, é claro, tem uma relação com a disponibilidade monetária. Para que isso
ocorra, torna-se necessário que o proprietário de sua força de trabalho não tenha
condições de usá-la para si próprio. Para fazê-lo teria que dispor de condições e meios de
produção (terra, instrumentos de trabalho). Como não dispõe desses meios, só lhe resta a
alternativa de vender a sua capacidade de trabalho a outrem (que dispõe desses meios),
que é quem vai determinar o seu uso. [...] Se observarmos bem, a cidade é um meio
ambiente geográfico que serve de suporte a esse tipo de sociedade. Nela não se pode
obter diretamente o necessário, mas através da moeda. Não é à toa que o mundo se
urbaniza com o advento do capitalismo. Não é à toa, também, que o próprio espaço
urbano se diferencia em função da disponibilidade monetária dos seus habitantes. A
segregação social se manifesta no espaço urbano. (GONÇALVES, 1984, p. 66)
Neste sentido, é possível dizer que, além de a cidade expressar as contradições inerentes à
sociedade, ela também determina e expressa a intensidade dos problemas que se desdobram a partir destas
contradições. Não são incomuns as expressões “caos urbano” ou “crise urbana” em alguns estudos que se
dedicam à compreensão de diferentes dimensões da urbanização, desde aquelas relacionadas às questões
de segregação socioespacial, fragmentação urbana, especulação imobiliária, o papel do Estado nas
políticas de planejamento das cidades etc., até as temáticas referentes aos problemas ambientais urbanos.
Conforme Rattner:
No limiar do século XXI, quase todas as sociedades enfrentam a desanimadora
perspectiva de uma infindável crise urbana, conseqüência de um modelo obsoleto e
irracional da ocupação do espaço. Ademais, a acumulação de riquezas sem distribuição
equitativa de benefícios sociais exacerbou contradições e conflitos, particularmente nas
grandes aglomerações urbanas. A urbanização rápida e a intensa concentração de
indústrias, serviços e, portanto, de seres humanos, têm transformado as cidades no oposto
de sua razão de ser – um lugar para se viver bem, nas palavras de Aristóteles.
(RATTNER, 2001, p.9)
Embora se tenha consciência da diversidade dos problemas de ordem socionatural que existem em
muitas cidades – guardados seus respectivos contextos – desde já advertimos a inadequação e, talvez, o
erro, de certas ideias que imponham ao fato urbano um caráter apocalíptico. O mundo se urbanizou. As
cidades assumem papéis de centralidade econômica, política e cultural como nunca. As formas urbanas
representam novos elementos das paisagens. Suas dinâmicas se manifestam apenas de modo negativo
sobre a sociedade? Não, certamente.
A urbanização é produto e processo, tanto histórico quanto atual, das dinâmicas sociais a partir de
ações que territorializam o espaço geográfico, transformando-o de acordo com os interesses de produção
e reprodução dos territórios. As cidades, tendo como uma de suas tantas particularidades a aglomeração
de pessoas, são importantes centros de embates de ideias e ideais, espaços privilegiados para a ou em
nome de uma transformação social, nelas “vemos exercerem-se relações de dominação, mas também
realizarem-se experiências de elaboração de conhecimento libertador”. (ASSIS, 2001, p.7) A diversidade
social (leia-se como pluralidade) é, efetivamente, a maior potencialidade dos espaços urbanos.
3) Das potencialidades aos problemas urbanos: a transmutação da diversidade em desigualdade e a
pobreza na cidade
A partir do instante em que nossos olhares se encarregam de ler e analisar os problemas que se
manifestam nas cidades, somos levados a considerar as questões relacionadas à desigualdade social e sua
materialização no espaço geográfico. As diferentes possibilidades para se refletir sobre esta problemática
nos permitem falar das agruras da desnutrição, do analfabetismo, da ausência de saneamento básico, do
desemprego, da criminalidade, da mortalidade infantil, das doenças de veiculação hídrica, entre outras.
Estes males sociais são evidenciados a partir do momento em que se toma a segmentação do espaço
urbano como expressão da transmutação de sua diversidade social em desigualdade. O crescimento das
áreas de favelas ocorre, em grande parte, à margem da economia e da política das cidades.
Em Davis (2006), é possível encontrar alarmantes reflexões a respeito das características atuais do
processo de urbanização no planeta, sobretudo quando trata de compreendê-lo no âmbito dos países que
apresentam sérios problemas sociais (má distribuição de renda, desemprego, miséria, analfabetismo, entre
outros) diretamente relacionados aos seus respectivos quadros político-econômicos.
Em contraponto à concepção que, no plano da abstração, coloca a cidade como “lugar para se
viver bem”, observamos atualmente um processo de profunda desintegração social ao passo que muitas
das grandes cidades (sobretudo nos países subdesenvolvidos) assistem ao crescimento populacional que
tanto se origina em áreas de favelas quanto se direciona para elas. Estas crescem espacialmente sem que
isso signifique que receberão atenções e políticas especiais para que suas populações tenham acesso a
bens e serviços consumidos por habitantes das áreas centrais ou, em menor grau, das áreas periféricas que
não se caracterizam enquanto favelas.
Davis (2006, p.26) apresenta a ideia de “superurbanização” da sociedade e defende a tese de que
esta é “[...] impulsionada pela reprodução da pobreza, não pela oferta de empregos. Essa é apenas uma
das várias descidas inesperadas para as quais a ordem mundial neoliberal vem direcionando o futuro”.
Pelo que demonstra a realidade atual, a sociedade está diante da possibilidade muito próxima de
ter cada vez mais favelas. A partir do desenho de um quadro social como este, as cidades tendem a
apresentar crescimento acentuado dos problemas de ordem socioeconômica e ecológica.
Assim, as cidades do futuro, em vez de feitas de vidro e aço, como fora previsto por
gerações anteriores de urbanistas, serão construídas em grande parte de tijolo aparente,
palha, plástico reciclado, blocos de cimento e restos de madeira. Em vez das cidades de
luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI instala-se na
miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração. Na verdade, o bilhão de
habitantes urbanos que moram nas favelas pós-modernas podem mesmo olhar com inveja
as ruínas das robustas casas de barro de Çatal Hüyük, na Anatólia, construídas no
alvorecer da vida urbana há 9 mil anos. (DAVIS, 2006, p.29)
O atual contexto de produção em massa de favelas remete ao rápido crescimento urbano na esteira
de rearranjos econômicos estruturais, desvalorização de moedas e recuo da participação do Estado na
economia dos países. Desta forma, desde a década de 1970, tem-se a receita com todos os elementos
indispensáveis ao crescimento das favelas por todo hemisfério sul. (cf. DAVIS, 2006)
Botelho (2007) apresenta elementos teóricos que relacionam a urbanização acoplada ao consumo
produtivo do espaço com o crescimento do setor imobiliário. A economia capitalista, em suas flutuações,
visualiza no espaço uma possibilidade de se direcionar e reter capitais nos momentos de crise. Quando
ocorrem retrações da produção industrial e da reprodução capitalista com base na relação imediata
produção-consumo, o setor imobiliário assume papel fundamental por sua capacidade de absorver os
impactos provenientes de quedas na produção industrial.
Perante a baixa produtividade e lucratividade da indústria, o capital recorre ao setor imobiliário
onde, em um primeiro momento, se imobiliza na compra de lotes urbanos, por exemplo. Posteriormente,
pode-se pensar no aquecimento do setor devido aos crescentes investimentos ao longo de um determinado
período. A partir destas dinâmicas, os proprietários fundiários podem se manter obtendo uma renda (por
meio de aluguéis, por exemplo) e/ou fazer com que os imóveis adquiridos se tornem bens móveis,
transformados em títulos de propriedade monetizados e passíveis de circulação enquanto tais.
Assim:
Para o entendimento da produção do espaço, sobretudo do espaço urbano, deve-se levar
em consideração, então, o monopólio de uma classe sobre o espaço – a alta burguesia, no
caso do capitalismo -, o que exclui principalmente os pobres da propriedade fundiária
(Harvey, 1980: 146). Isso porque a classe que detém a maior parte dos recursos pode,
através do dinheiro, ocupar, modelar e fragmentar o espaço da forma que melhor lhe
convém. A maximização dos valores de troca produz benefícios desproporcionais para
alguns grupos e diminui as oportunidades para outros (idem: 150). (BOTELHO, 2007,
p.22)
Seguindo a perspectiva de Botelho (2007), tem-se que a fragmentação do espaço urbano advém
justamente do fato deste, no âmbito da economia capitalista contemporânea, ser pleno em oposições,
segregações e contradições. Há uma relação dialética e complexa entre o capitalismo e o espaço.
Considera-se que o espaço é uma condição geral à existência e reprodução da sociedade. No capitalismo,
adquire a especificidade de se trasladar em meio de produção para a geração de mais-valia e propiciar a
obtenção de renda por parte dos proprietários fundiários. Ou seja, o espaço é consumido produtivamente.
O consumo produtivo sempre faz desaparecer uma realidade material ou natural – uma
energia, uma força de trabalho, um instrumento, por exemplo, para transformar-se em
valor adicionado à mercadoria. O consumo produtivo usa: é um uso e um valor de uso.
Ele também produz. (LEFEBVRE, 1991: 34). E como a privatização dos meios de
produção é uma determinação geral do capitalismo, isso implica em uma crescente
privatização do espaço na medida em que este se incorpora ao capital como meio de
produção. (BOTELHO, 2007, p. 23)
E quando não há a privatização deliberada e explícita do espaço, o Estado assume um papel
fundamental por meio das ações de rearranjos espaciais a favor do capital e com a finalidade de
aperfeiçoar a sua lógica de circulação. O espaço urbano “passa, então, a ter cada vez maior importância
para o capital, ao mesmo tempo em que é ‘influenciado’ pela dinâmica do modo de produção capitalista”.
(cf. BOTELHO, 2007, p. 23)
Dessa forma, o espaço consumido produtivamente nas estratégias de acumulação
capitalista é transformado, tem suas qualidades alteradas pelo consumo, porém, possui a
capacidade, ao ser transformado, também transformar e produzir o novo, como nos
lembra Henri Lefebvre, o consumo do espaço é duplamente produtivo, na medida em que
produz tanto mais-valia como outro espaço (Lefebvre, 1991: 374-5). No caso da
sociedade regida pelo modo de produção capitalista contemporâneo, o novo, o “outro
espaço”, seria a urbanização do planeta. E essa urbanização, comandada pelos princípios
da geração de mais-valia, estaria marcada pela crescente segregação socioeconômica e
cultural (Lefebvre, 1978: 222). (BOTELHO, 2007, p.28)
Portanto, ao seguir as ideias de Lefebvre, Botelho demonstra claramente a forma como o espaço
tem influência direta nas dinâmicas das relações socioeconômicas no âmbito do capitalismo. O espaço
urbano é representativo destas dinâmicas porque as cidades são os loci das manifestações espaciais de
uma série de contradições que têm como ponto de partida a apropriação, o parcelamento, a
comercialização e a especulação fundiária.
Sendo assim, a porção de espaço que não é capaz de gerar mais-valia em determinado momento,
ou seja, a porção que não é incorporada aos interesses do capital enquanto meio de produção, certamente
será aquela com valores baixos ou praticamente nulos. Este fator tem papel fundamental na consolidação
de áreas em que se concentram as classes dominantes, de modo que estas áreas se caracterizam -
conforme o seu nível de aparelhamento, localização, enfim, sua capacidade de fazer fluir os fluxos
econômicos - pela atração de empresas ou pela construção de moradias das camadas mais abastadas da
sociedade. Em contrapartida, os pobres se concentram ou são forçados a se concentrar nos locais em que
esta incorporação não ocorre.
A precarização das periferias urbanas, principalmente das grandes cidades do mundo
subdesenvolvido, cresce a cada ano. Tal fato está relacionado, entre outros elementos, ao processo de
apropriação capitalista do espaço direcionado aos interesses de classes específicas. Davis (2006) lembra
que a população das favelas em escala mundial cresce em ritmo de 25 milhões de pessoas a cada ano
conforme dados do UN-Habitat. Isso bem representa a manifestação dos problemas sociais que resultam
das contradições que historicamente emergem no âmbito do capitalismo e se aceleram de modo
significativo, denotando os elementos negativos das políticas neoliberais na contemporaneidade.
Tanto a renda em si quanto as potencialidades espaciais (expressas pelas melhores localizações em
termos de distribuição de redes de serviços, acessibilidade aos mesmos, enfim, uma infraestrutura urbana
de boa qualidade) que contribuem diretamente ao acúmulo da renda, não são equitativamente distribuídas
entre os diferentes segmentos das populações urbanas. Assim, as desigualdades se manifestam em termos
de renda, não inserção da população pobre no uso de determinados serviços urbanos – ou inserção muito
precária, caso ela aconteça –, verdadeiros movimentos de expulsão de grande número de pessoas para
áreas degradadas, impossibilidades da população pobre em acessar serviços básicos de educação e cultura
e maior sujeição à distribuição espacial perversa de fatores ambientais muito mais negativos do que
positivos.
Parafraseando Davis (2006), o feng shui que resta para a população pobre de várias das grandes
cidades do mundo é caracterizado pela precariedade, onde:
[...] local de risco e perigoso para a saúde é a definição geográfica do típico assentamento
de invasores [...]. Os invasores trocam a segurança física e a saúde pública por alguns
metros quadrados de terra e alguma garantia contra o despejo. São os povoadores
pioneiros de pântanos, várzeas sujeitas a inundações, encostas de vulcões, morros
instáveis, montanhas de lixo, depósitos de lixo químico, beiras de estradas e orlas de
desertos. [...] Exatamente por ser tão perigoso e desagradável, o local oferece “proteção
contra o aumento do valor dos terrenos da cidade”. (SEABROOK, 1996, p.177) Esses
locais são o nicho da pobreza na ecologia da cidade, e gente paupérrima tem pouca opção
além de conviver com os desastres. (DAVIS, 2006, p.127)
Portanto, entende-se que a pobreza, do ponto de vista espacial, encontra-se às margens do espaço
das cidades pelo qual circula, em suas atividades quotidianas, parte da população que pode ser definida
enquanto cidadã porque tem seus direitos sociais, civis e políticos atendidos, participando do universo do
trabalho formal, da educação, da cultura, da política e até mesmo do consumo.
As pessoas ditas marginais, em sentido literal (sem a conotação da violência e criminalidade,
embora estas também sejam questões que permeiam o conjunto desta discussão), que subsistem em
determinados contextos urbanos nos quais suas vidas são marcadas pela resistência e/ou resignação frente
à voracidade do sistema econômico e seu quadro de injustiça social, também são obrigadas a conviver
com os riscos dados por ocupações comumente inadequadas em áreas de vulnerabilidade geoecológica.
Estamos diante de outro problema...
4) A transmutação da desigualdade em riscos e/ou impactos socionaturais: como analisar esta
questão?
Anteriormente salientamos que o processo de urbanização não deve ser encarado em termos
apocalípticos, sequer na via de um pensamento catastrofista ou algo do gênero: estamos diante da
evidência das cidades enquanto espaços vitais à sociedade atual, o retorno idílico aos campos e à vida
mais próxima de uma “natureza intocada” parecem cada vez mais distantes.
Temos consciência, igualmente, de que não é possível visualizar a cidade apenas no viés de suas
potencialidades, ou seja, quando pensamos em sua importância política como espaço no qual também são
construídos conhecimentos libertadores, capazes de promover transformações sociais para benefício
coletivo. Infelizmente existem os entraves à caracterização das cidades a partir das suas potencialidades
porque há a tendência em pensarmo-las tomando como referencial mais urgente os seus problemas – leia-
se a manifestação espacial das contradições do tipo de sociedade em que vivemos. (cf. GONÇALVES,
1984) Mas, ao que tudo indica, esta é a incontestável realidade.
Botelho (2007, p. 28), seguindo as ideias de Lefebvre (1999), apresenta um conjunto composto
por uma série de elementos que podem ser definidos enquanto contradições inerentes ao espaço e à sua
produção. Aqui, de acordo com os rumos desta reflexão, serão expostos apenas quatro dos itens, listados
pelo autor, que exemplificam as contradições do espaço:
a) Entre o espaço globalmente produzido, em escala mundial, e suas fragmentações e
pulverizações que resultam das relações de produção capitalistas (da propriedade privada
dos meios de produção e da terra, isto é, do próprio espaço). O espaço é transformado em
migalhas, trocado (vendido) aos pedaços, conhecido de forma fragmentada pelas ciências
parcelares, enquanto se forma como totalidade mundial e mesmo interplanetária.
b) A extensão do capitalismo generaliza a análise crítica, feita por Marx, de sua
constituição “trinitária” (terra, capital, trabalho). O modo de produção capitalista impõe
uma unidade repressiva a uma separação (segregação) generalizada dos grupos, das
funções, dos lugares, no espaço urbano.
c) A cidade se estende desmesuradamente, havendo a absorção do campo pela cidade,
ocorrendo simultaneamente a urbanização da sociedade e a ruralização da cidade. As
extensões urbanas (subúrbios, periferias, próximas ou longínquas) são submetidas à
propriedade da terra, às suas conseqüências: renda fundiária, especulação, rarefação
espontânea ou provocada, etc.
d) O controle da natureza, ligado às técnicas e ao crescimento das forças produtivas,
submetido unicamente às exigências do lucro conduz à destruição da natureza.
(BOTELHO, 2007, p. 28)
Esta passagem de Botelho é de extremo interesse ao pensarmos na manifestação dos processos que
geram os profundos abismos entre as classes sociais nos espaços urbanos. Na esteira dos processos como
segregação socioespacial e fragmentação do espaço urbano de acordo com os interesses dos agentes
incorporadores, especialização dos lugares em contraponto à quase total desvalorização de outros, tudo
isso nos permite compreender parte dos fatores que levam ao crescimento da pobreza urbana no ritmo do
dado demográfico apresentado por Davis (2006) e anteriormente mencionado.
Atenção especial deve ser dedicada quando se constata que a destruição da natureza no processo
de apropriação capitalista é um postulado de contradição ao próprio crescimento econômico, afinal,
natureza degradada não se converte em mercadoria...
Interessante, neste momento, frisar a observação de Milton Santos quanto à transformação das
relações entre a sociedade e a natureza no decorrer do tempo:
A história da humanidade parte de um mundo de coisas em conflito para um mundo de
ações em conflito. No início, as ações se instalavam nos interstícios das forças naturais,
enquanto hoje é o natural que ocupa tais interstícios. Antes, a sociedade se instalava sobre
lugares naturais, pouco modificados pelo homem, hoje, os eventos naturais se dão em
lugares cada vez mais artificiais, que alteram o valor, a significação dos acontecimentos
naturais. (SANTOS, 1999, p.117)
As repercussões desta alteração de valor e significação dos acontecimentos naturais, devido às
intensas transformações que a sociedade imprime sobre a dimensão natural do espaço geográfico, se
tornam cada vez mais graves na medida em que as cidades, por exemplo, extrapolam para além de certos
limites as áreas que se prestam para construção de moradias aos chamados invasores que, na realidade, se
trata de uma parcela da sociedade sem recursos e alternativas para usufruir de locais mais valorizados
pelo capital.
A urbanização acelerou-se com o passar do tempo e ampliou-se espacialmente. Ao analisarmos a
forma como isto influencia as dinâmicas naturais no meio ambiente direcionamos a reflexão ao aumento
da intensidade, da alternância dos ritmos e variações na duração de certos fenômenos da natureza. As
cidades são pontos nodais de mudanças das características de elementos bióticos e abióticos em sistemas
naturais cada vez mais artificializados. Deste modo, irrompe o pensamento ecológico muito mais do que
um complemento para adentrarmos na compreensão da produção do espaço urbano. A reflexão ecológica
em sinergia com a reflexão econômica é fundamental para a visão multidimensional das dinâmicas que
permanentemente definem e redefinem os espaços das cidades, pois:
Observando mais de perto [...], a cidade e o processo urbano são uma rede de processos
entrelaçados a um só tempo humanos e naturais, reais e ficcionais, mecânicos e
orgânicos. Não há nada “puramente” social ou natural na cidade, e ainda menos anti-
social ou antinatural; a cidade é, ao mesmo tempo, natural e social, real e fictícia. Na
cidade, sociedade e natureza, representação e ser são inseparáveis, mutuamente
integradas, infinitamente ligadas e simultâneas; essa “coisa” híbrida socionatural
chamada cidade é cheia de contradições, tensões e conflitos. (SWYNGEDOUW, 2001,
p.84)
Nas reflexões de Swyngedouw a respeito do caráter híbrido das cidades, percebe-se o peso dado
pelo autor à necessidade de que seja incorporada, em análises da produção do espaço urbano, a dimensão
da ecologia política. É certo que compreender a urbanização e a cidade nesta perspectiva não excluiria o
foco, também importante, da economia política. Tomando as ideias do autor mencionado, elaboramos o
seguinte esquema:
O esquema anteriormente exposto permite uma leitura do que Swyngedouw (2001) classifica
como processos socionaturais que envolvem a produção da cidade como um híbrido entre natureza e
sociedade. Sob a perspectiva materialista de análise, em que são consideradas a historicidade e a
geograficidade dos fatos sociais e naturais, o autor nos remete à modernização no âmbito econômico
enquanto fator determinante para a transformação das dinâmicas de conjuntos ecológicos inteiros. A
partir do momento em que a sociedade impulsiona este processo, tem-se a produção da chamada
socionatureza.
Assim, o capitalismo se desenvolve e cada vez mais incorpora ou se apropria das potencialidades
naturais do espaço e produz mercadorias através da metabolização destes elementos que se trasladam em
diferentes objetos. As relações de transformação se potencializam na medida em que aos objetos
Esquema 1: Produção de cidades cyborgs. Org.: Reginaldo J. Souza. Elaborado com base
em Swyngedouw (2001).
socionaturais são agregados valores que os tornam mercadorias. O consumo da natureza artificializada
possibilita a expansão da metabolização porque lucros são reaplicados no sistema produtivo e na
sofisticação tecnológica. Neste ínterim, a produção e as mercadorias no âmbito do sistema econômico
transformam as relações entre homem e natureza e transformam as próprias relações sociais. As cidades
se tornam verdadeiros sistemas que resultam de hibridações, por meio da “urbanização-cyborg”.
Urbanidade e urbanização capturam aqueles objetos em proliferação que Donna Haraway
chama “cyborgs” (HARAWAY, 1991) ou a que Bruno Latour se refere como “quase-
objetos” (LATOUR, 1993); são eles intermediários que corporificam e mediam natureza
e sociedade e tecem uma rede de transgressões infinitas e espaços fronteiriços.
(SWYNGEDOUW, 2001, p.84-5)
E Swyngedouw (2001) nos lembra que a “urbanização-cyborg” é o resultado de uma combinação
complexa em que os processos socioecológicos são corporificados na vida urbana. O autor, em seu
trabalho intitulado “A cidade como um híbrido: natureza, sociedade e ‘urbanização-cyborg’”, exemplifica
de modo didático e aprofundado a forma como esta combinação pode ser apreendida teoricamente.
Aludindo a brincadeiras de crianças no bairro do Bronx, Nova Iorque, quando estas fazem esguichar a
água dos hidrantes sobre as calçadas enquanto dançam ao som do rap em dias quentes de verão,
Swyngedouw considera que as crianças em “sua exortação alegre da vida cotidiana da grande cidade são
um testemunho da produção socionatural da cidade e da vida urbana”. (2001, p. 85) E, assim, continua:
Se eu fosse captar um pouco daquela água em um copo, expor as redes que a trouxeram
até ali e seguir o fio de Ariadne através da água, “passaria continuamente do local para o
global, do humano ao não humano” (LATOUR, 1993: 121). Esses fluxos poderiam narrar
muitas estórias inter-relacionadas da cidade: a estória do seu povo e dos poderosos
processos socioecológicos que produzem o urbano e seus espaços de privilégio e
exclusão, de participação e marginalidade, de ratos e banqueiros, de doença de veiculação
hídrica e especulação acerca do futuro e das opções da indústria da água, de reações de
transformações químicas, físicas e biológicas, do ciclo hidrológico e do aquecimento
global, do capital, das maquinações e estratégias dos construtores de barragens, de
incorporadores do solo urbano, dos conhecimentos dos engenheiros, da passagem do rio
para os reservatórios urbanos. Em suma, meu copo d’água incorpora múltiplas estórias da
“cidade como um híbrido”. (SWINGEDOUW, 2001, p. 85)
[...] Beber água do hidrante combina a circulação do capital produtivo, mercantil e
financeiro com a produção de renda fundiária e suas correspondentes relações de classe; a
transformação ecológica de complexos hidrológicos e o processo bioquímico de
purificação com a sensação libidinosa e a necessidade fisiológica de beber líquidos; a
regulação social do acesso à água com imagens de clareza, limpeza, saúde e pureza. (p.
90)
Portanto, por meio das reflexões deste autor é possível relacionar diferentes perspectivas de
análise para alcançar interconexões de escalas e processos que são responsáveis pela urbanização de
modo geral e pela caracterização das cidades em si. Através do esquema 2, a seguir, é possível
exemplificar (não de maneira total) a rede de relações e perspectivas conceituais inerentes à realidade da
urbanização, no cerne da abordagem socionatural, pensadas a partir da observação de uma ação
corriqueira (beber água de fontes urbanas artificiais).
Por meio do esquema apresentado, o que se procurou explicitar foi a necessidade de levantar toda
a “arqueologia” de uma ação-cyborg corriqueira (beber água) com vistas à compreensão de processos
complexos que podem ser apreendidos por meio de diferentes perspectivas conceituais, mas que
conduzem o nosso olhar à hibridação. A análise socioecológica do uso da água envolve múltiplos
elementos que vão desde a relação de classes numa perspectiva econômica até as representações
simbólicas individuais e/ou coletivas numa perspectiva psicológica. Não se trata de dar foco ao objeto ou
ação-cyborg em si, mas à rede de fenômenos e processos metabólicos que os produzem e que por eles são
internalizados.
A abordagem de Swyngedouw (2001) é de interesse à reflexão que aqui se faz pelos seguintes
motivos:
- Permite recentrar a dimensão da natureza na compreensão da urbanização e entender as relações
entre sistema econômico, modernidade, convívio-transformação-destruição dos elementos naturais e
cidade;
- Em sinergia com os trabalhos de Davis (2006) e Botelho (2007), anteriormente citados, é-nos
possível concatenar elementos teóricos que ampliem o ângulo de visão sobre as questões ambientais em
espaços urbanos marcados pela precariedade das condições de sobrevivência, pois:
- A pobreza (que já é um problema em si) tem uma relação direta com certos problemas de ordem
ambiental que se manifestam nas cidades cuja organização territorial deixa a desejar em termos de
garantia da cidadania e qualidade de vida dos seus habitantes, sendo mais eficiente na garantia da
otimização dos fluxos econômicos de acordo com os interesses de grupos específicos;
Esquema 2: Exemplo de processos socioecológicos que se corporificam na vida urbana. Org.: Reginaldo J. Souza. Elaborado com base em Swyngedouw (2001).
- A incorporação, muitas vezes acoplada aos interesses de especuladores, tem enorme parcela de
responsabilidade na desintegração social de grande parte da população sem recursos, ao passo que
literalmente lança grande contingente de pessoas sobre ambientes inadequados para ocupação do ponto de
vista geoecológico;
- Além do mais, este foco no caráter socionatural da urbanização permite refletir sobre a
transmutação das desigualdades sociais em possíveis riscos que venham afligir a população pobre das
cidades ou que já tenham se realizado na forma de impactos que afetam a saúde física e mental das
pessoas ou até mesmo venham levá-las à morte (escorregamentos de encostas, enchentes, contaminações,
precariedade ou ausência de serviços que garantam boas condições sanitárias, entre outros).
5) Visão socionatural da cidade-cyborg: para uma reflexão sobre os riscos à vida nas periferias
Pensar na cidade como um sistema socionatural em que fatos econômicos, políticos e culturais se
fundem às dinâmicas do meio natural em um processo inacabado de hibridação implica em análises de
interface entre dois universos aparentemente díspares. Em verdade, para que a esfera do humano/social
exista, ela está muito mais conectada/dependente da natureza do que a natureza a ela
conectada/dependente. A natureza com seus ciclos e ritmos próprios, encarada como extensão infinita (da
escala planetária para a universal), é algo que existe independentemente de qualquer desejo ou projeto
humano/social.
A ideia da hibridação ou da interface, para tratarmos dos processos socionaturais que caracterizam
o espaço geográfico, conduz a construções conceituais que permitem ampliar horizontes de análises
científicas e reflexões filosóficas/epistemológicas. Porém, consideramos que seja preciso tomar certo
cuidado, não especificamente com este(s) tipo(s) de abordagem(ens) em si, mas com interpretações...
talvez, equivocadas.
Hibridar o social ao natural ou o natural ao social não significa passar por cima dos processos
epaço-temporais e das especificidades da própria natureza, esquecê-los. Como se a natureza sempre
tivesse sido transformada pela sociedade e como se assim permanecesse eternamente. É certo que esta
hibridação possui sentido quando compreendemos as profundas alterações das dinâmicas da natureza no
bojo das transformações socioeconômicas que passaram a transmutar de modo ainda mais profundo os
elementos naturais com o advento do capitalismo. Este é um ponto crucial inclusive: a sociedade tem esta
capacidade de transformar os elementos naturais de maneira aparentemente irreversível, mas não a
natureza enquanto totalidade. Porém, mesmo que as alterações não sejam totais, elas representam o
comprometimento da manutenção da vida humana e da reprodução da sociedade (do ponto de vista
econômico, político e cultural). Portanto, hibridar o social ao natural ou vice-versa faz todo sentido sob o
prisma humanista. Com enfoque sobre a importância de se promover uma cultura conservacionista com
preocupações direcionadas ao homem biológico e ao homem social.
Pensar na dialética entre sociedade e natureza com o enfoque para os processos contraditórios que
surgem através de embates entre dinâmicas divergentes (e a forma como uma dinâmica age sobre a outra)
não seria um percurso analítico adequado para seguir. O cerne da questão reside justamente na urgência
em superar pontos de vista setoriais em que natureza e sociedade, na conformação do espaço geográfico,
aparecem enquanto “universos” distintos e conflitantes. O espaço geográfico é natureza e sociedade.
Artificializaçao de elementos e (algumas) dinâmicas naturais. Produção de representações simbólicas
destes processos. O projeto sobre uma natureza-fonte para se chegar numa natureza-recurso. A área de
extração do recurso que de tão intensamente explorada se transforma em área de impacto. A natureza
artificializada, com suas temporalidades alteradas, adianta alguns processos e desaba sobre os artífices.
Mesmo integrantes de espaços apropriados pelo homem e sua sociedade, não escapam ao
controle do fluxo de matéria e energia que rege a existência do sistema solar, do planeta
Terra e seus componentes. É bem verdade que em muitos lugares – como as grandes
cidades e seu cotidiano, por exemplo –, tem-se a falsa impressão de que o homem é o
grande regente, que a “natureza” e suas forças ou não existem ou foram subjugadas aos
desígnios humanos. (MENDONÇA, 2002, p. 138-9)
Os homens estão na natureza e a natureza está nos homens. Este também é um dos postulados da
produção do espaço urbano. As cidades são expressões concretas desta fusão. Ao mesmo tempo em que
são grandes sistemas artificiais, resguardam uma essência natural, pois nesta reside significativa parte da
origem de sua existência material. A mata devastada para a implantação do sítio urbano é a mesma
reclamada por seus habitantes em nome da garantia de “ar puro”, sombra e frescor, pelo embelezamento
estético, pela contenção de desmoronamentos de encostas.
Suertegaray (2002) nos fala de uma transfiguração da natureza ao buscar elementos teóricos
adequados às novas discussões no âmbito de estudos geográficos das questões ambientais. Para a autora:
O termo transfiguração [...] adotado é entendido conforme apresenta MAFFESOLI (1995)
“transfiguração é a passagem de uma figura para a outra. Além disso, ela é de uma certa
maneira, mesmo que mínima, próxima da possessão”. Assim, uma natureza possuída pelo
homem transfigura-se, adquire uma outra dimensão. (SUERTEGARAY, 2002, p.115-6)
Vivenciamos um momento de nossa história em que a transfiguração da natureza é evidente por
todo espaço geográfico e... didática nos espaços urbanos. A transfiguração enfatiza a artificialização da
natureza pela sociedade sem negar a própria essência da natureza mesmo que artificializada. As cidades
elucidam este processo. Embora os elementos naturais apropriados pelo homem social estejam
descaracterizados em ambientes urbanizados, as suas dinâmicas se desdobram em certos acontecimentos
determinantes de verdadeiros impactos que assombram, sobretudo, a vida das pessoas
socioeconomicamente desfavorecidas.
Para retomarmos a reflexão sobre os problemas relacionados à questão social da pobreza e
consequente ampliação das áreas de riscos nas cidades, voltamos ao elemento explicativo baseado nas
ações de agentes incorporadores do solo urbano e sua significativa responsabilidade nos movimentos,
rumo às periferias, de grande contingente populacional que não pode pagar os preços (extorsivos para
suas possibilidades) das áreas mais valorizadas.
Nas palavras de Singer:
Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A propriedade
privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária seja requisito
indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento normal da economia
capitalista não assegura um mínimo de renda a todos. Antes, pelo contrário, este
funcionamento tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que significa
que uma parte correspondente da população não tem meios para pagar pelo direito de
ocupar um pedaço do solo urbano. Esta parte da população acaba morando em lugares em
que, por alguma razão, os direitos de propriedade privada não vigoram: áreas de
propriedade pública, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias com fins
especulativos, etc., formando as famosas invasões, favelas, mocambos, etc... Quando os
direitos da propriedade privada se fazem valer de novo, os moradores das áreas em
questão são despejados, dramatizando a contradição entre a marginalidade econômica e a
organização capitalista do uso do solo. (SINGER, 1978, p. 33-4)
A processualidade exposta por Singer pode ser aludida através da alegoria do “efeito dominó”. A
incorporação imobiliária que manipula até mesmo a distribuição perversa dos serviços urbanos pelo
Estado, favorecendo a valorização dos terrenos e aumento da renda dos incorporadores, é capaz de fazer
valer suas determinações até um limite extremo em que certamente a demanda por imóveis não será mais
rentável (quando cai o último dominó). O que ocorre após esse limite é a grave sujeição da população que
o ocupa às intempéries, inundações, aos deslizamentos, desabamentos, soterramentos, afogamentos etc.,
sem abrir mão de mencionar as contaminações por detritos orgânicos e inorgânicos que muitas vezes se
fazem presentes nestas áreas pela ausência de serviços sanitários básicos e/ou pela proximidade às fontes
poluidoras (uma indústria química ou um depósito de lixo, por exemplo).
Uma pequena, mas relevante observação deve ser feita neste instante. Embora nossas reflexões se
direcionem a explicitar um processo ocorrente, sobretudo, em cidades localizadas em países com presença
marcante de áreas urbanas caracterizadas por extrema degradação social devido à impossibilidade dos
pobres de pagarem por moradias em localidades adequadas e o modo como estas áreas são afetadas em
eventos de extrema disjunção entre dinâmicas naturais e sociais.
Obviamente não deixaríamos de considerar que não é somente na favela, no morro ou na várzea,
que ocorrem impactos socionaturais. Os jornais, a internet, os noticiários televisivos bem demonstram que
as cheias, por exemplo, afetam tanto o centro quanto a periferia. Fazem ruir tanto moradias modestas
quanto prédios históricos. Arrastam carros importados e motocicletas. Basta que haja impermeabilização
do solo associada às áreas de vulnerabilidade – a planície de inundação, o córrego canalizado, vertentes
circundantes desmatadas... O elemento crucial – e que norteia a elaboração deste texto – é justamente
procurar entender, senão todos, ao menos alguns fatores que levam grandes camadas da população a
sofrer de modo mais intenso a irascibilidade destes eventos. Pouco a pouco, por meio do encadeamento
das nossas ideias, podemos apontar alguns deles:
1) Há um quadro de injustiça que envolve esta problemática. Ele é dado pelas dinâmicas
socioeconômicas excludentes que geram (des)arranjos espaciais nas cidades que bem
expressam a distribuição desigual de riquezas e, consequentemente, de riscos. Estes
(des)arranjos estão, nos dias de hoje, diretamente relacionados às práticas de incorporação
imobiliária, especulação fundiária e certas obras de “reforma urbana” em que se associam
poder público e iniciativa privada;
2) Embora o ordenamento territorial, na perspectiva das políticas públicas, tenha a obrigação de
garantir a qualidade de vida para toda a população, na maior parte das vezes ele acaba por
favorecer um processo contrário: garante os interesses econômicos de grupos específicos
(leiam-se, detentores de capitais);
3) Os discursos ecológicos e ambientalistas estão em plena profusão, porém, em diversos
momentos, deixam a desejar em termos de apresentarem propostas que apontem soluções
(mesmo efêmeras, mas que já se estabeleçam como ponto de partida para algo mais
abrangente) para problemas reais. As ideias de preservação e contemplação da natureza ainda
pairam sobre muitas mentalidades. O desejo de preservação de uma “natureza sacralizada” é
poético, mas a beleza da iniciativa ofusca a realidade da necessidade em se utilizar dos
recursos. Não de modo predatório (como acontece atualmente), mas de acordo com uma
racionalidade permeada por princípios de equilíbrio, seja na conservação seja na distribuição
dos mesmos para a sociedade;
4) Muito se fala sobre desenvolvimento sustentável como forma de resolver problemas
econômicos, sociais e ambientais. Mas tudo permanece muito amorfo. A sustentabilidade ideal
é messiânica. No plano da realidade, em certos casos, é falaciosa. Principalmente quando seus
sustentáculos conceituais são apropriados pela propaganda capitalista e, comumente,
propiciam agregar maior valor a certos produtos vendidos no mercado. Muitas empresas são
“sustentáveis”. Muitos funcionários não sabem o que isso significa... Pouco se conhece de
transformação social efetiva no bojo destas práticas “inovadoras”;
5) O conhecimento científico ainda encontra entraves para disseminar visões plurifocais sobre a
hibridação entre sociedade e natureza e o modo como esta simples noção nos permite refletir
de maneira inquietante e construtiva sobre a nossa complexa condição de ser humano, ser
social, ser urbano, ser natural e todos seus desdobramentos. E, neste caso, nos referimos
mesmo de um ponto de vista pedagógico, de levar conhecimentos interdisciplinares às pessoas
para que se distanciem cada vez mais de posturas embebidas no pessimismo ou conformismo
com a realidade. A prática de inclusão cultural é um dos elementos através do qual se
permitirá às pessoas saírem do estado letárgico da resignação frente a suas péssimas condições
de vida e buscarem transformações sociais efetivas. Outros elementos para que se chegue a
isso é a luta, a organização coletiva, a busca pela garantia dos direitos até agora não
garantidos.
Para trazer mais elementos a esta reflexão, temos em Davis o seguinte:
Em termos abstratos, as cidades são a solução para a crise ambiental global: a densidade
urbana pode traduzir-se em maior eficiência do uso da terra, da energia e dos recursos
naturais, enquanto os espaços públicos democráticos e as instituições culturais também
oferecem padrões de diversão de qualidade superior ao do consumo individualizado e do
lazer mercadorizado. (DAVIS, 2006, p. 139)
De fato, em termos abstratos observamos mais uma das potenciais vantagens da urbanização, além
da já mencionada capacidade de aglomerar a diversidade e fazer com que o convívio (muitas vezes,
conflituoso) seja capaz de gerar conhecimentos libertadores para as pessoas buscarem, tanto do ponto de
vista individual quanto coletivo, soluções aos entraves da vida quotidiana numa sociedade marcada por
mecanismos propulsores de iniquidades e desesperanças.
A outra potencial vantagem da urbanização presente na reflexão de Davis (2006) entra na
perspectiva do meio ambiente. A cidade como solução para a crise ambiental global. A cidade
espacialmente concentrada, densa, com maior eficiência no uso da terra, energia e dos recursos da
natureza. Esta é uma visão que não deveria estar no plano da utopia. Mas as cenas e cenários
socionaturais que observamos nos espaços urbanos distanciam, (in)tensamente, a cidade desta realidade
ideal.
Os fatores apontados como responsáveis pela produção, permanência e reprodução das camadas
desfavorecidas, e sua sujeição com rigores de maior gravidade aos riscos e impactos, também explicam a
urbanização da sociedade a partir de critérios de uma racionalidade inadequada do ponto de vista da
solução dos problemas ambientais. Na cidade, o híbrido socionatural parece uma disjunção insolúvel. E,
enquanto as perspectivas de planejamento territorial, análises de impactos e incorporação destas análises
ao planejamento não dão respostas aceitáveis e promovem ações eficientes, o “cyborg enferrujado” se
esfacela1. A ironia subjacente a este processo é o fato de as engrenagens do cyborg decadente
continuarem funcionando, ainda alimentadas pelo combustível da fruição dos lucros, acentuação da
desigualdade socioeconômica e dos riscos e impactos socionaturais a ela relacionados.
O que consideramos como risco de acordo com a finalidade desta reflexão, entre outras formas de
concepção, diz respeito exatamente à possibilidade de perigo que a sociedade, de modo geral, está sujeita
em relação a eventos nos quais algumas dinâmicas da natureza, profundamente alteradas pelas ações da
sociedade, podem causar danos materiais para as pessoas. É certo que não se trata de uma visão
“naturalizante” destes processos, pois temos como princípio básico considerar as alterações como
resultados diretos de mecanismos econômicos e políticos movidos por agentes pouco ou não totalmente
preocupados com questões ambientais (entre sociedade e natureza).
Castro et al (2005, p. 12) apresentam uma interessante definição sobre o risco:
O risco pode ser tomado como uma categoria de análise associada a priori às noções de
incerteza, exposição ao perigo, perda e prejuízos materiais, econômicos e humanos em
função de processos de ordem "natural" (tais como os processos exógenos e endógenos da
Terra) e/ou daqueles associados ao trabalho e às relações humanas. O risco (lato sensu)
refere-se, portanto, à probabilidade de ocorrência de processos no tempo e no espaço, não
constantes e não-determinados, e à maneira como estes processos afetam (direta ou
indiretamente) a vida humana.
Risco, por este prisma, representa uma situação em estado de latência. Em Beck (1998)
encontramos a ideia de risco associada às consequencias da modernização que se plasmam em ameaças
irreversíveis à vida e o autor trabalha com esta perspectiva considerando que “a ganância de poder do
‘progresso’ técnico-econômico se vê eclipsada cada vez mais pela produção dos riscos”. (1998, p. 19)
A partir da perspectiva de Beck (1998), é possível refletir sobre os aspectos da (des)organização
da sociedade atual em escala planetária ao ritmo das transformações econômicas e políticas e das
1 Esta metáfora tem inspiração nas abordagens de Swyngedouw (2001) e Botelho (2007). O cyborg (a cidade cyborg) como um híbrido
socionatural que se fragmenta por meio das “forças” do capital; desta forma, o espaço urbano, representado na figura do cyborg, se torna contraditoriamente um “organismo” desarmônico, esfacelado, com seu funcionamento precário, em que as dinâmicas terão reflexos negativos sobre a população das cidades. É importante salientar que a fragmentação do espaço urbano terá impactos diferentes sobre os citadinos. No caso dos impactos e riscos socionaturais, os habitantes com rendas mais elevadas sentirão de modo menos intenso suas consequências.
características do capitalismo no período contemporâneo: a superprodução industrial, o uso ampliado de
novas tecnologias no sistema produtivo e o aumento da produção social de riquezas proporcional ao
aumento da produção social de riscos. Certamente o acúmulo de riquezas se traduz em desigualdade entre
os diferentes grupos sociais; por outro lado, os riscos gerados pela chamada ganância do poder econômico
podem se distribuir segundo uma lógica mais “democrática”: a poluição atmosférica, por exemplo, pode
causar ou potencializar doenças respiratórias desde os mais ricos aos mais pobres. Mas existem certos
tipos de riscos que, ao serem distribuídos, podem manifestar típicas situações de classe, assim como
ocorre com a distribuição de riquezas.
Conforme Beck:
El tipo, el modelo y los medios del reparto de los riesgos se diferencian sistemáticamente
de los del reparto de la riqueza. Esto no excluye que muchos riesgos estén repartidos de
una manera específica de las capas o clases. En este sentido, hay amplias zonas de
solapamiento entre la sociedad de clases y la sociedad del riesgo. La historia del reparto
de los riesgos muestra que éstos siguen, al igual que las riquezas, el esquema de clases,
pero al revés: las riquezas se acumulan arriba, los riesgos abajo. Por tanto, los riesgos
parecen fortalecer y no suprimir la sociedad de clases. A la insuficiencia de los
suministros se añade la falta de seguridad y una sobreabundancia de riesgos que habría
que evitar. Frente a ello, los ricos (en ingresos, en poder, en educación) pueden
comprarse la seguridad y la libertad respecto del riesgo. Esta “ley” de un reparto de los
riesgos específico de las clases y, por tanto, de la agudización de los contrastes de clase
mediante la concentración de los riesgos en los pobres y débiles estuvo en vigor durante
mucho tiempo y sigue estándolo hoy para algunas dimensiones centrales del riesgo […].
Son en especial las zonas residenciales baratas para grupos de población con ingresos
bajos que se encuentran cerca de los centros de producción industrial las que están
dañadas permanentemente por las diversas sustancias nocivas que hay en el aire, el agua y
el suelo. Con la amenaza de la pérdida de ingresos se puede obtener una tolerancia
superior.
Pero este efecto social de filtro o de fortalecimiento no es lo único que genera
consecuencias específicas de clase. También las posibilidades y las capacidades de
enfrentarse a las situaciones de riesgo, de evitarlas, de compensarlas, parecen estar
repartidas de manera desigual para capas de ingresos y de educación diversas. (BECK,
1998, p.40-1)
Deste modo, consideramos que os riscos socionaturais aos quais a população de baixa renda está
sujeita nas áreas periféricas das cidades, cuja existência é motivada por aquilo que estamos chamando de
mecanismos político-econômicos de reprodução de iniquidades sociais, fazem parte de um grupo
específico de riscos que representam a acentuação das desigualdades tanto pela forma como eles são
distribuídos quanto pela capacidade das pessoas para enfrentá-los e superá-los, bem como pelo nível de
tolerância através da qual se subjugam a determinadas situações de perigo e possibilidade de perdas
materiais. Ou seja, uma tolerância que nasce justamente da falta de recursos financeiros para habitar em
outras áreas da cidade, distantes de escorregamentos, desmoronamentos e enchentes, por exemplo.
Caminhando para a finalização deste trabalho, salientando que, por meio das diferentes
abordagens dos autores aqui tomados como referências (BOTELHO, 2007; SINGER, 1979;
SWYNGEDOUW, 2001; DAVIS, 2006; GONÇALVES, 1984, 2006; SUERTEGARAY, 2001, 2002;
BECK, 1998), é possível alcançar correlações quanto a alguns processos inerentes à produção do espaço
urbano que potenciam os riscos e os impactos que irrompem das relações disjuntas entre sociedade e
natureza. Estes processos estão diretamente relacionados à transmutação do solo em mercadoria no modo
capitalista de produção e os desdobramentos negativos deste fato sobre os grupos de pessoas que não têm
recursos para pagar por esta mercadoria.
6) Considerações finais
Para finalizar este ensaio, salientamos que a reflexão sobre a produção do espaço urbano, no bojo
das dinâmicas entre sociedade e natureza e das consequências perversas da apropriação capitalista do
espaço para as pessoas que não possuem recursos para consumi-lo de acordo com padrões de qualidade
de vida minimamente adequados, se constitui em tarefa permanente para todos aqueles preocupados com
questões relacionadas ao planejamento territorial das cidades.
As cidades são evidências da fusão, entre sociedade e natureza, que ocorre na esteira das
determinações da economia capitalista. São elementos cyborgs como bem demonstra Swyngedouw, já
mencionado.
O cyborg - não é difícil imaginarmos, sobretudo quando num esforço de memória nos recordamos
de algumas produções cinematográficas - não é necessariamente um robô e tampouco um ser humano.
Trata-se de um híbrido. Muitas vezes sua figura é propagada como um mix entre homem e objetos
técnicos, artificiais. O que seria a cidade senão um cyborg conforme certas obras de ficção?
Para que estes seres híbridos sobrevivam, sua constituição “humano-técnica” precisa encontrar
alguma harmonia. Caso contrário, a disjunção é o destino fatal. Não que isto signifique seu fim, sua
morte, mas um funcionamento em desacordo com seus objetivos de existência. Um funcionamento
desarmônico.
Assim como os cyborgs, as cidades híbridas também precisam encontrar um ponto de equilíbrio
para sua condição “humano-técnica” e socionatural. Suas dinâmicas não devem levar à sua disjunção, à
sua fragmentação. Porque isto, na realidade, representa a desintegração social e a reprodução de uma série
de problemas, sobretudo entre aqueles que não possuem recursos para enfrentar os riscos e impactos que
ocorrem em função de práticas que sedimentam as desigualdades sociais, limitam o acesso de
significativa parte da população a determinados bens e serviços, estabelecem preços impagáveis às
parcelas do espaço e fazem aumentar o número de moradores em áreas inadequadas à ocupação do ponto
de vista geoecológico.
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