4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
APREENSÃO DO ESPAÇO URBANO: O caso da Av. Getúlio Vargas, Juiz de Fora, Minas Gerais
BARBOSA, ANA APARECIDA (1); PORTES, RAQUEL VON RANDOW (2); LEÃO, DANIELE HELENA (3); DURSO, PAULIANE CASARIN (4); OLIVEIRA, JULIANA
MARIA (5)
1.Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Projeto História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo.
Endereço Postal: Universidade Federal de Juiz de Fora (Campus UFJF), São Pedro, 36036900 - Juiz de Fora, MG - Brasil E-mail: [email protected]
2.Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Departamento de Projeto História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo. Endereço Postal: Universidade Federal de Juiz de Fora (Campus UFJF), São Pedro,
36036900 - Juiz de Fora, MG – Brasil E-mail: [email protected]
3.Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Endereço Postal: Universidade Federal de Juiz de Fora (Campus UFJF), São Pedro, 36036900 - Juiz de Fora, MG – Brasil
E-mail: [email protected]
4.Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Endereço Postal: Universidade Federal de Juiz de Fora (Campus UFJF), São Pedro,
36036900 - Juiz de Fora, MG – Brasil E-mail: [email protected]
5.Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Endereço Postal: Universidade Federal de Juiz de Fora (Campus UFJF), São Pedro, 36036900 - Juiz de Fora, MG – Brasil
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RESUMO
O presente trabalho tem como principal objetivo o entendimento da metodologia de leitura do espaço urbano apresentado pela arquiteta e urbanista Maria Elaine Kohlsdorf em seu livro intitulado “A Apreensão da Forma da Cidade”. Para tal, adotamos como objeto de análise a Avenida Getúlio Vargas, compreendida em um trecho da antiga estrada União Indústria em Juiz de Fora, Minas Gerais. Visto isso o presente artigo apresenta o rebatimento dessa metodologia de análise na referida avenida. De acordo com a autora os espaços possuem algumas qualidades capazes de despertar, naqueles que o frequentam, com maior ou menor facilidade, o sentimento de identificação e orientação. Logo, sua metodologia apresenta três níveis de apreensão da forma da cidade, o nível da percepção, o nível da imagem mental, e o nível da representação geométrica. O rebatimento dessa metodologia na avenida Getúlio Vargas, nos permitiu concluir que a intensa degradação da via proporciona aos seus usuários sensações de insegurança, sufocamento e desconforto, o que confere ao local um baixo desenvolvimento topoceptivo, ou seja, a população não consegue se orientar e se identificar no espaço de forma saudável e satisfatória. Assim, entendemos que é necessário um olhar sensível a essas questões, para identificarmos as paisagens e compreendermos sua transformação, a fim de propormos ações de proteção, gestão e ordenamento do território, visando a efetiva conservação da paisagem para gerações futuras.
Palavras-chave: Paisagem; Desenvolvimento Topoceptivo; Juiz de Fora.
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Introdução
O presente artigo é resultado de estudos ocorridos durante a disciplina de Projeto de
Arquitetura e Urbanismo VII, ministrado no período do primeiro semestre de 2015, pelas
professoras Ana Barbosa e Raquel Portes, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Juiz de Fora. A disciplina ministrada, teve como um dos objetivos a
elucidação de diferentes formas de análise do espaço urbano por meio de trabalho teórico e
investigativo. Logo o presente trabalho teve como objetivo o estudo da metodologia de análise
apresentada pela arquiteta Maria Elaine Kohlsdorf em seu livro “A Apreensão da Forma da
Cidade”, e posteriormente a aplicação da mesma no objeto de estudo, a Avenida Getúlio
Vargas em Juiz de Fora.
A escolha do objeto de estudo se deu pelo valor histórico da via tanto no cenário municipal,
pois se configurou como fator de alteração na configuração urbana, como no cenário nacional
uma vez a Avenida é remanescente da Rodovia União Industria, importante estrada da época
do Brasil Império, que facilitou a ligação da região com a província do Rio de Janeiro. A
relevância histórica do local aliado a percepção do grupo, de que a Avenida resultaria em uma
análise de primeira ordem, tendo como base teórico conceitual a proposta de Kohlsdorf,
motivou a escolha da referida como objeto de estudo.
A metodologia de trabalho empregada se baseia em 3 momentos, a saber, no primeiro
momento foi realizado a revisão bibliográfica da Kohlsdorf e do conceito de desenvolvimento
topoceptivo; em seguida, nos debruçamos sobre o objeto de estudo, sendo realizado um
levantamento histórico da área, assim, através da bibliografia e iconografia disponível foi
possível compreendermos os processos de transformação da paisagem ao longo dos tempos
e das diversas temporalidades. Por fim, o último momento foi o de aplicação da proposta de
análise apresentada por Kohlsdorf na área de estudo. Nesse momento, buscamos
compreender como o indivíduo interage com a Avenida, e quais as sensações que o ambiente
desperta no observador, para então identificarmos se a Avenida possui as características
necessárias para despertar no usuário o sentimento de identificação e orientação. Vale
ressaltarmos que o estudo do Plano Diretor Municipal de Juiz de Fora ao longo do trabalho foi
de grande importância, pois evidenciou a forma como o poder público analisa a via, e quais
são as políticas urbanas empregadas no local. Essas informações ajudam a elucidar, junto ao
estudo histórico da área, os motivos dos resultados gerados a partir da análise realizada.
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A Apreensão da Forma da Cidade
Como evidenciado anteriormente, o objetivo desse artigo é, além da compreensão da forma
de análise apresentada por Kohlsdorf, o entendimento da relação do indivíduo com a Avenida
Getúlio Vargas. Ou seja, buscamos compreender como a população percebe e interage com
o local. Cavalcanti (et al., 2009) afirma que a apropriação de um espaço é um processo
perceptivo, cognitivo e comportamental, e se refere ao modo como o indivíduo interage com
o meio. É um processo carregado de subjetividade, pois está relacionando tanto com a
capacidade topoceptiva do espaço, ou seja, a capacidade de orientação e identificação,
quanto com as características particulares do indivíduo que o percebe. Portanto, de acordo
com Kohlsdorf a percepção não depende exclusivamente da cognição do ser humano, mas
também do desempenho topoceptivo do ambiente experenciado, isto é, das possibilidades de
apreensão que esses espaços arquitetônicos proporcionam (Kohlsdorf, 1996). Vale ressaltar
que Kohlsdorf se refere ao espaço arquitetônico como qualquer espaço intencionalmente
produzido, incluindo o espaço natural. No que tange a dualidade espaço e lugar, a autora
explica que o todo lugar é um espaço, mas que nem todo espaço é um lugar, a saber, o
espaço é caracterizado como algo concreto e físico, já o espaço/lugar é caracterizado como
algo concreto, dinâmico, histórico, físico e social.
Com base nas ideias supracitadas, Kohlsdorf desenvolve uma metodologia de leitura da forma
da cidade a partir de três níveis de apreensão morfológica urbana: o nível da percepção, o
nível da imagem mental e o nível da representação geométrica secundária, para os quais a
autora desenvolve ferramentas específicas para análise e, posteriormente, avalia o
desempenho topoceptivo - capacidade dos espaços de serem identificáveis e orientáveis
através de suas características configurativas espaciais - de cada um deles.
O nível da percepção está relacionado ao sistema de caracterização morfológica dos
espaços, que condicionam a análise e o nível de apreensão. As técnicas de caracterização
na percepção são apresentadas como atributos de percepção que podem ser qualificados
através das ideias de movimento, seleção e transformação. A percepção do ambiente ocorre
através do deslocamento do observador no espaço, que por sua vez capta as cenas com
maior estimulo visual. As características dos sistemas visual e cognitivo captam
sensivelmente as informações morfológicas de acordo com o modo e velocidade de
locomoção do observador, por esse motivo, Kohlsdorf apresenta nesse nível a Técnica de
Análise Sequencial, que busca representar a passagem do visto para o percebido. O
desempenho topoceptivo do ambiente durante a percepção depende da qualidade das
informações dos eventos sequenciais do local em que se está, isto é, os níveis de informação
visual precisam ser claros e equilibrados para que haja boa identificação de cada sequência
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e, consequentemente, da paisagem em sua totalidade. A análise sequencial apoia-se em 3
eventos sequenciais, a saber: Eventos Gerais, Campos Visuais e Efeitos Visuais.
Os Eventos Gerais, agrupa as características sequenciais derivadas do movimento, definindo
as estações, isto é, o ponto de estímulo visual; e os intervalos, que expressam as distâncias
espaciais e temporais entre as estações. A definição dos intervalos pode obedecer a lógica
temporal, métrica ou pelos estímulos visuais. Os Campos visuais se referem ao que é
abarcado pela a vista do observador em cada estação, através de cenas captadas no campo
frontal (campo visual frontal - CVF) e lateral direita (campo visual direito - CVD) e esquerda
(campo visual esquerdo CVE). Vale ressaltarmos que a velocidade do movimento do
observador no espaço e o modo de locomoção adotado são fatores condicionantes na forma
de percepção e apreensão dos campos visuais. Pode-se afirmar, que as perspectivas
experiências mais intensas correspondem às interações homem e ambiente, em uma curta
distância e a uma baixa velocidade de locomoção. Por fim, os Efeitos Visuais correspondem
a “maneira como a realidade chega a nossa percepção” (KOHLSDORF, 1996, p. 70) nesse
momento é realizado a decodificação topoceptiva dos efeitos visuais nos respectivos campos
visuais. Os efeitos podem ser correspondentes a representações topológicas ou a
representações perspectivas, sendo a primeira relacionada a relação espacial referente ao
deslocamento do indivíduo no espaço e a segunda referente a composição plástica da cena
incluída nos campos visuais. Os efeitos de percepção registrados devem ainda, passar por
uma avaliação no que tange a sua intensidade, e ser classificados entre Muito Fortes, fortes,
médios, fracos e muito fracos.
Após os eventos sequenciais, surge o que a autora chama de “Pauta Sequencial, que é a
representação do espaço percebido em movimento” (KOHLSDORF, 1996, p. 103). A Pauta
Sequencial, nada mais é que representação dos eventos sequenciais expressa de acordo
com o “ritmo de informação visual” e organizada em tramos (KOHLSDORF, 1996) com
“temática homogênea”.
Para que a análise seja eficaz, é extremamente necessário que os elementos apresentados
no nível da percepção sejam registrados de forma sistemática seguindo a seguinte ordem:
marcação de estações, marcação de campos visuais, registro de efeitos de percepção,
avaliação da intensidade dos efeitos de percepção e a definição dos tramos.
O nível da imagem mental está relacionado à evocação da memória espacial através dos
mecanismos cognitivos quando o indivíduo não está fisicamente presente no ambiente em
questão. Nesse nível, Kohlsdorf mescla as técnicas de mapa mental e análise visual propostas
por Lynch. A primeira diz respeito a expressão visual do espaço, formada pela observação
dos elementos e características morfológicas do espaço; integra a percepção ao
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entendimento sensível do indivíduo apoiado nas suas lembranças e experimentações de
tempos passados. Logo, é uma estratégia carregada de subjetividade, o que coloca em xeque
sua exatidão métrica e geométrica. Já a segunda, organiza o espaço mentalmente
representados por meio de cinco elementos físicos perceptíveis, a saber: vias, limites, bairros,
pontos nodais e marcos. Esses possibilitam a investigação das características físicas do
espaço na imagem mental.
O nível da Representação Geométrica Secundária procura, ao contrário dos níveis de
percepção e imagem mental, avaliar as expectativas de orientação e identificação mais
objetivas, mais próximas à realidade. Esse nível de representação possui dois objetivos
específicos, “(...)trazer informações precisas, codificadas e já submetidas a toda sorte de
elaborações possíveis [...] aproximação íntima com o estudado(...)” e “(...) definir com exatidão
o referencial morfológico que foi objeto de percepção e de representação imagética. ”
(KOHLSDORF, 1996, p.136). Para tanto, a autora lança mão da técnica de caracterização do
espaço urbano proposta por Trieb e Schimdt, onde “As categorias morfológicas estruturais [...]
são em número de seis, mas compreendem diversos elementos, perfazendo, globalmente,
cerca de cinquenta tipos de dados de composição plástica”. (KOHLSDORF, 1996, p.138). As
seis categorias são: Sítio Físico, Planta Baixa, Conjuntos de Planos Verticais, Edificações,
Elementos Complementares, Estrutura interna dos Espaços. Como vimos os elementos que
configuram tais categorias são infinitos, logo apresentaremos os elementos usados na
aplicação da metodologia da autora, sendo eles a análise da silhueta, que está inserida na
categoria de conjuntos de planos verticais, a silhueta evidencia a granulometria dos edifícios
através da representação geométrica da silhueta e “caracterização morfológica das linhas de
coroamento”, expressando os tipos de edificação e relações morfológicas do espaço. Além
da silhueta, foram analisados os tipos morfológicos de malha, para tal são analisamos seus
segmentos e nós (são analisados tamanho, forma e tipos de ângulos existente entre os nós).
Por fim, a última etapa da análise proposta por Kohlsdorf, é a etapa de Avaliação do
Desempenho Topoceptivo do espaço urbano, que se baseia na capacidade de orientação e
identificação do espaço. Para cada nível de apreensão existe um sistema avaliativo e os
resultados são cruzado e confrontados a fim de evidenciar vínculos entre os resultados de
cada nível de apreensão.
Juiz de Fora: Breve Panorama Histórico
A formação da cidade de Juiz de Fora remete ao início do século XVIII. Esteves (2008)
relaciona o desenvolvimento e o crescimento do município à abertura de caminhos
importantes no cenário nacional que, embora tenham sido realizados em épocas diferentes,
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tiveram como objetivo comum, o atendimento às necessidades econômicas e políticas das
respectivas épocas, visando a ligação do interior do Estado ao Rio de Janeiro.
De acordo com Cordovil (2013) é possível identificarmos três períodos econômicos
associados a abertura dos caminhos: o ciclo aurífero que culminou com a abertura do
Caminho Novo (1703) visando o escoamento do ouro das minas de Ouro Preto para a
Província do Rio de Janeiro, esse caminho é tido como o estopim da formação do município
de Juiz de fora. Já a Estrada do Paraibuna (1836/1838) projetada pelo engenheiro alemão
Henrique Halfeld, está relacionada a expansão cafeeira da região, surgindo como alternativa
ao Caminho Novo, aproveitando trechos desse. A estrada se constituiu como a primeira via
pública do lugar, chamada Rua Principal, posteriormente Rua Direita e atualmente Avenida
Barão do Rio Branco, pela qual se desenvolveu rapidamente em seu decorrer uma povoação.
Em 31 de maio de 1850 o povoado é elevado a Vila de Santo Antônio do Paraibuna e em
maio de 1856 a cidade do Paraibuna, e posteriormente Cidade de Juiz de Fora, em 1865.
Outro importante ciclo econômico para a região foi a industrialização desencadeada pela
construção da estrada macadamizada, Rodovia União e Indústria (1861) pelo comendador
Mariano Procópio. Na figura 01, é possível identificarmos as três estradas citadas.
Figura 01 - Desenho retratando o traçado dos principais caminhos da história do surgimento da
cidade de Juiz de Fora
Fonte: OLIVEIRA, 1966. Modificado pelos autores, 2015.
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Tais caminhos somado a instalação da Estrada de Ferro Dom Pedro II (1870) geraram
transformações urbanas e sociais que repercutem nos dias atuais, marcando de forma
significativa a paisagem local.
O excedente da produção cafeeira permitiu a rápida industrialização da cidade na década de
1870, onde se destaca a indústria têxtil, que, juntamente com a chegada da eletricidade em
1889, e somado à localização, a facilidade no transporte pelas ferrovias e a grande população
lançaram a cidade como importante centro comercial e industrial, sendo considerada pela sua
particularidade como a Manchester Mineira em 1910 (OLIVEIRA, 1966). Os momentos de
adensamento populacional, industrial e comercial que marcam a formação, o crescimento e a
consolidação do centro da cidade, definem o traçado delineador do município, o chamado
Triângulo Central, como evidenciado na figura 02, formado pelas Avenidas Barão do Rio
Branco (Rua Direita, trecho da Estrada do Paraibuna), Presidente Itamar Franco e Getúlio
Vargas (trecho da União e Indústria). Tal conformação marca o crescimento e
desenvolvimento da cidade, onde se localizam grande parte dos marcos arquitetônicos e
históricos de relevância e, sob a ótica urbana, também se constitui como um marco urbanístico
do município.
Figura 02 - Desenho retratando a primeira planta cadastral da cidade de Juiz de Fora, evidenciando o
triangulo central do município.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal de Juiz de Fora – MG.
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O presente trabalho define a Avenida Getúlio Vargas, que é constituinte do Triangulo Central,
e se configura como uma remanescente da antiga Rodovia União Industria, como objeto de
estudo. Nosso objetivo é compreender a paisagem atual e como a população interage com a
mesma, tendo como base os estudos teóricos conceituais.
Avenida Getúlio Vargas: Análise Topoceptiva
Mediante aos estudos realizados, entendemos a cidade como um produto da relação homem-
natureza ao longo de diversas temporalidades. A Avenida Getúlio Vargas, apesar de manter
o seu traçado original, passou por um intenso processo de transformação. No entanto, as
práticas contemporâneas de urbanização, muitas vezes, não levam em consideração as
particularidades desse processo, o que resulta em uma produção de espacialidades que se
configuram como elementos de espetáculo, por não concederem espaço para a história local,
fato que influencia diretamente na forma como o indivíduo se relaciona com o meio.
Visto isso, se faz necessário, cada vez mais, ressaltarmos os valores identitário da cidade, e
é com esse propósito que nos debruçamos sob a Avenida Getúlio Vargas. Ao ser constituída,
a avenida provocou o deslocamento e a concentração gradual do comércio, que até o
momento se concentrava na Rua Direita (atual Av. Barão do Rio Branco), para as partes mais
baixas das ruas do centro, havendo a instalação de fábricas, armazéns, indústrias e açougues,
tal fator, modificou a configuração urbana da cidade. Com a instalação da Estação Ferroviária
em suas imediações esse processo é intensificado, tornando visível o crescimento da cidade
nas margens da ferrovia junto à estação e a formação de um novo núcleo econômico, onde o
comércio, principalmente popular, se consolida e ganha caráter de vitalidade com
interferências significativas no contexto urbano.
Atualmente, a Avenida passa por um processo de degradação, decorrente de diversos fatores,
dos quais se destacam o próprio comércio, o fluxo intenso de veículos automotores, a
especularização imobiliária e principalmente a falta de uma gestão pública voltada para a
valorização e conservação da paisagem urbana. Assim, a escolha do objeto de estudo se
justifica pela necessidade de um olhar mais atento a um trecho que merece atenção por sua
rica história e contribuição cultural no cenário juiz-forano, que vem, cada vez mais, se
descaracterizando em prol da produção do espaço pautado nos interesses de uma menor
parcela da população.
Frente as informações supracitadas, e a pesquisa de campo realizada, fica evidente que as
transformações que ocorreram na Avenida se deram de forma desordenada e sem a devida
gestão por parte do poder público, o que resulta na falta do sentimento de pertencimento dos
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cidadãos para com a mesma. Logo a presente análise, busca a compreensão da dinâmica
urbana da Avenida, para que as futuras proposições de planejamento para o local, sejam
pautadas na efetiva preservação e conservação da paisagem urbana, visando sua
permanência para as gerações atuais e futuras.
Na configuração atual da cidade, de acordo com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
(PDDU) do município de 2000, a Avenida faz parte de um conjunto de vias que se classificam
como eixos secundários, responsáveis por conectar os bairros municipais às regiões centrais,
bem como direcionar o fluxo de veículos aos eixos primários - definidos pelas avenidas Rio
Branco e Presidente Itamar Franco. Além do seu papel no contexto viário, a avenida constitui
um dos mais antigos corredores de uso comercial da área central do município, ou seja, em
escala local e municipal, faz parte de um dos espaços mais movimentados e utilizados do
centro urbano.
Tal representatividade requer maior atenção em um processo de análise, principalmente ao
delimitar a área de estudo, uma vez que a área de influência da via em questão não se limita
aos seus entornos imediatos. Por esse motivo, definimos uma região macro, conforme a figura
03, que foi analisada utilizando a técnica de representação imagética segundos os elementos
de Kevin Lynch (1960).
Figura 03 - Mapa de análise segundo Kevin Lynch (1960)
Elaborado pelos autores, 2015. Com base em: Planta Cadastral de Juiz de Fora, 2007.
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A partir da aplicação da técnica de análise visual proposta por Lynch nesse recorte macro,
identificamos o triângulo central como um grande bairro que, segundo a metodologia
empregada, possui funções e características similares. Dessa maneira, podemos aproximar
o recorte da avenida Getúlio Vargas, definindo uma escala menor a partir de uma área
previamente analisada que partilha de características similares e que se configura como o
objeto de estudo para a aplicação da metodologia de leitura da forma urbana proposta por
Kohlsdorf.
Análise do Desempenho Topoceptivo ao Nível da Percepção
Para desenvolver o sentidos e expectativas mencionados na metodologia, caminhamos, em
um primeiro momento, por toda a extensão da Avenida a fim de vivenciar e experienciar as
sensações que a nossa presença física naquele espaço poderia nos proporcionar. A
paisagem atual da Avenida é bastante degradada. Grandes emaranhados de fiação elétrica e
telefônica, anúncios em grande quantidade, barracas e estruturas temporárias instaladas por
ambulantes e um intenso fluxo de veículos confundem os sentidos e atrapalham a
continuidade visual, a clareza de identificação de elementos predominantes e interferem nos
sentidos de direcionamento, transformando um cenário de notável potencial para fornecer um
bom desempenho topoceptivo em uma paisagem apática, sem legibilidade ou orientabilidade.
Em um segundo momento, refizemos o percurso e lançamos um olhar mais crítico e sensível
ao objeto de estudo, guiados pelos conceitos da metodologia proposta por Kohlsdorf e
registrando os estímulos visuais mais impactantes, que serviram de base para a definição de
eventos gerais sequenciais - as estações e os intervalos.
Cada ponto definido e numerado no mapa do objeto de estudo, de acordo com a figura 04,
representa uma estação, definida em pontos com estímulos visuais potenciais, normalmente
perto de esquinas, cruzamentos, ou locais que se destacam pela presença de elementos
arquitetônicos suficientemente fortes para captar a atenção do observador. A maior parte das
estações está intercalada por intervalos médios de duzentos metros - com exceção das
estações 3, 4 e 5, que possuem intervalos com menos de cem metros de distância entre si.
Para cada estação definida, observamos as visadas frontais (CVF) e laterais esquerda (CVE)
e direita (CVD), que foram registradas a partir do nosso ângulo enquanto observadores,
compondo três campos visuais para cada estação. Os efeitos topológicos e perspectivos
interpretados na sequência da caminhada, constituíram padrões de efeitos visuais para cada
conjunto de campos.
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Figura 04 - Registro, em pauta sequencial, da análise ao nível da percepção.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.
Quase todos os efeitos visuais foram atribuídos às cenas, contudo, chamamos atenção para
a confluência de estímulos encontrados entres as estações 3, 4, 5 e 6 - justamente as regiões
com intervalos mais próximos - fato que enfatiza a falta de legibilidade por excesso de
informações que levam à ausência de clareza de leitura do traçado urbano. Dentre os efeitos
topológicos, destaca-se o alargamento, encontrado em mais de 90% dos campos visuais
analisados. Em contrapartida, o envolvimento é o único que não aparece em nenhuma das
observações. Entre os efeitos perspectivos, a sensação de direcionamento aparece em maior
quantidade, já que a via não muda de sentido e direciona o olhar do usuário aos seus pontos
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de fuga. Todos os outros efeitos estão presentes, salvo o de emolduramento, que não foi
registrado.
Análise do Desempenho Topoceptivo ao nível da Imagem Mental
Como vimos no estudo da metodologia empregada, a imagem mental é a representação e a
interpretação da memória formada pela observação dos elementos e características
morfológicas, integrando a percepção ao entendimento sensível do indivíduo apoiado nas
suas lembranças e experimentações. A análise ao nível da Imagem Mental do presente
trabalho, foi empregada de forma parcial, pois a programação da disciplina de Projeto de
Arquitetura e Urbanismo VII, especificou um curto período de tempo para o processo de
estudo teórico da metodologia e análise do objeto. No entanto, os métodos de análise nesse
nível já nos eram familiares devido ao estudo prévio dos conceitos de Lynch sobre os
elementos da imagem urbana, sendo assim, somente acrescentamos a interpretação das
Kohlsdorf (1996) anos nossos conhecimentos base.
No que tange ao mapa mental, usamos nossa própria bagagem e a dos companheiros de
turma para evocar as experiências vividas no objeto de estudo. Pedimos que os participantes
e cada integrante do grupo relatassem de forma livre sua observação dentro de cada contexto
dos cinco elementos de Lynch. Com essas informações, pudemos comparar os resultados
obtidos aos nossos realizados em escala macro (apresentados na figura 03), definindo uma
escala micro de análise representada pelo Triângulo Central do Município. Os resultados
obtidos, evidenciam que ao pensarmos no centro como um todo, a Avenida expressa uma
boa capacidade topoceptiva, no entanto, ao aproximarmos do objeto, os indivíduos já se
sentem com maior dificuldade em se orientar e se identificar. Aos que a utilizam com
frequência percebemos uma maior facilidade em representar os cinco elementos do Lynch,
porém os que a utilizam esporadicamente, compreendem a existência dos elementos, mas
não conseguem identificá-los de claramente. De forma unânime, os participantes
evidenciaram que, quando estão na Avenida, sentem dificuldade em identificar em que local
especifico se encontram, sendo necessário um momento de pausa para reflexão.
Análise do Desempenho Topoceptivo ao Nível da Geometria Secundária
Dando sequência ao procedimento avaliativo, damos início ao processo da representação
projetual do espaço que, diferente dos outros níveis de conhecimento sensível, explora
aspectos mais objetivos e próximos da realidade. As avaliações topoceptivas por
representações geométricas secundárias foram realizadas a partir do desenho da malha
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urbana do recorte utilizado, constituindo estruturas morfológicas a serem examinadas
particularmente - segmentos, nós, silhuetas e composição volumétrica das edificações.
As avaliações dos segmentos dividem as linhas bases das ruas em filetes a cada vez que são
interceptadas por outra linha, ou mudam de direção, enquanto os nós representam
exatamente esses pontos de interferência. De acordo com a figura 05, a função de conexão
que definimos para a Avenida no início desse capítulo é corroborada, uma vez que 60% das
demais linhas interceptam no traçado destacado em vermelho. Foram identificados um total
de 36 segmentos de forma reta, sendo o menor igual a 27,57 metros e o maior 237,74 metros.
Dentre esses, 8 ou 22,22% se caracterizam como muito pequenos (de 20 a 59 metros), 10 ou
27, 78% como pequenos (de 60 a 90 metros), 5 ou 13,89% como médios (de 100 a 139
metros), 10 ou 27,78% como grandes (de 140 a 179 metros) e 3 ou 8,33% como muito grandes
(de 180 a 239 metros). Logo podemos observar que, 77% dos segmentos estão quase que
igualmente distribuídos em pequenos, iguais ou grandes, revelando um aspecto positivo à
cerca de legibilidade do ambiente, pois os tamanhos das linhas da malha variam
harmonicamente dando origem a uma microparcela de polígonos primários que facilitam o
senso de direcionamento e localização.
Figura 05 - Malha de Segmentos, em destaque a Avenida Getúlio Vargas.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.
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Em relação aos nós (figura 6), podemos observar que esses estão distribuídos, em sua
maioria, na extensão da Avenida Getúlio Vargas (destacada em vermelho) e da rua Batista
de Oliveira (conformada pelos segmentos 05, 11, 14, 19, 30 e 36). Fato que sublinha a
importante influência exercida pela Avenida na forma e dinâmica urbana. No recorte
abordado, foram identificados 17 nós, formando um total de 53 ângulos, dentre eles: 16 ou
30,19% menores que 90º, 9 ou 16,99% iguais a 90º, 17 ou 32,07% entre 90º a 180º, 11 ou
20,75% iguais a 180º e 0 ou 0% maiores que 180º.
Figura 06 - Malha de Nós, em destaque a Avenida Getúlio Vargas.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.
Considerando os resultados de silhueta e composição vertical, os valores obtidos representam
boa qualidade topoceptiva, pois a maioria dos edifícios construídos na Avenida possuem
tipologia similar e respeitam o mesmo afastamento, conferindo continuidade visual e boas
linhas e costura entre si. Além disso, as médias de granulometria das edificações é
harmoniosa, como podemos observar nas figuras 07 e 08, quase 50% das construções tem
altura de padrão baixo e as que se sobressaem não causam impacto negativo, mas sim uma
surpresa ao olhar. No final da Avenida, próximo ao Centro Cultural Bernardo Mascarenhas,
evidenciado pela última volumetria da silhueta direita, figura 08, encontramos um trecho que
se destaca pela presença de parcelas de áreas verdes e praças, funcionando como área de
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respiro na região. Analogamente, corresponde ao mesmo trecho que, no mapa (figura 8)
apresenta a granulometria mais baixa de toda a via. A problemática identificada na Avenida
no nível da percepção, no que tange ao seu desempenho topoceptivo, se mostra menos
negativa nas análises elaboradas no nível da geometria secundária. Em contrapartida, os
bons resultados coletados aqui ganham visibilidade no momento em que as questões de má
qualidade forem resolvidas.
Figura 07 - Mapa de silhuetas e composição volumétrica vertical esquerda da Avenida Getúlio Vargas
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.
Os segmentos verticais da composição volumétrica da silhueta cima totalizam em 51 ao todo,
distribuídos entre: pequeno (≥1,28m e <13,38m; 25 ou 49,01%), médio (≥13,28m e <25,28m;
18 ou 35,29%) e grande (≥25,28m; 8 ou 15,68%).
Figura 08 - Mapa de silhuetas e composição volumétrica vertical direita da Avenida Getúlio Vargas
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015
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Na silhueta acima, os 53 segmentos verticais estão distribuídos entre: pequeno (≥5,05m e
<25,00m;24 ou 68,57%), médio (≥25,00m e <45,00m; 9 ou 25,71%) e grande (≥45,00m; 2 ou
5,71%) conforme os mesmos cálculos anteriores.
Conclusões
A partir dos resultados apresentados em cada um dos três níveis de análise, realizamos a
avaliação do desempenho topoceptivo da Avenida Getúlio Vargas como um todo. O resultado
final da avaliação é que a Avenida não possui um bom comportamento topoceptivo, a
capacidade de orientação e identificação do ambiente é prejudicada, entre outros, pelo
excesso de informação. No que se refere ao nível da percepção, o excesso de estimulo visual
prejudica a legibilidade do ambiente, os efeitos de percepção apresentaram em sua maioria
uma intensidade forte, gerando conflitos entre eles. No nível da imagem mental como vimos,
quando analisada de forma aproximada, o indivíduo não consegue se orientar e se identificar
na mesma, apesar do traçado da via ser linear. Já as leituras referentes as características
geométricas elaboradas, reafirmam as potencialidades e fraquezas de apreensão da forma
por intermédio da organização e articulação dos elementos físicos que configuram o ambiente
em questão. Os segmentos e os nós, de forma geral, se configuram de forma equilibrada,
ratificando a importância da Avenida na composição e estruturação das dinâmicas urbanas
locais. Por sua vez, as quebras existentes na silhueta conformadas pelos espaços
subutilizados, intensificam o mau desempenho topoceptivo da Avenida. Além disso, se
configuram como espaços potenciais para à apropriação e à identificação de lugares, bem
como a reativação das significações simbólicas outrora presentes.
Conclui-se, portanto, que os estudos expostos sugerem iniquidades sociais e culturais em
relação as posturas de planejamento urbano frente ao objeto analisado, que por vez tem sua
colocada às margens por intermédio dos interesses de uma menor parcela da população.
Essas questões evidenciam a necessidade de se pensar a qualificação da paisagem local, a
partir de uma abordagem sistêmica, como forma de garantir sua preservação para as
gerações atuais e futuras.
Referências
CAVALCANTI, P. B. et al. A humanização dos ambientes de saúde: atributos ambientais que favorecem a apropriação pelos pacientes. IV Projetar: Projeto como investigação: ensino pesquisa e prática. São Paulo, p.1-11, 2009.
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CORDOVIL, Wilson Dias. Do caminho novo a Manchester mineira: as dinâmicas socioespaciais da gênese e evolução do município de Juiz de Fora no contexto regional da Zona da Mata. Juiz de Fora, 2013. (Dissertação de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Juiz de Fora).
KOHLSDORF, M. E. A Apreensão da Forma da Cidade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996.