1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
ARQUEOLOGIA PARA CONTAR A HISTÓRIA DE MULHERES NA DITADURA EM
PORTO ALEGRE/RS (1964-1985)
Jocyane Ricelly Baretta1
Resumo: O objetivo deste trabalho é apontar a importância da materialidade do DOPS/RS para
contar a história de mulheres no período da Ditadura em Porto Alegre. Cabe lembrar que a presença
feminina em espaços como este informa sobre uma série de especificidades tanto da lógica
repressiva e das práticas de Terrorismo de Estado, quanto dos significados de ser mulher na luta
contra a Ditadura. O DOPS foi entendido enquanto um espaço que teve sua arquitetura, entre outros
elementos materiais, utilizada como ferramenta pelo aparato repressivo para eliminar opositores do
regime, bem como para interferir diretamente na produção de corpos e subjetividades de pessoas
presas. Deste modo, numa abordagem arqueológica busco compreender as relações destas mulheres
com a materialidade do centro de detenção e tortura – CDT -, a partir de memórias e narrativas de
ex- presas políticas que estiveram neste espaço. Assim, pretendo apontar a relevância da
Arqueologia para os estudos feministas sobre a Ditadura brasileira, como um caminho para
produção de narrativas sobre essas mulheres, reivindicando o seu direito à existência e à história.
Palavras Chave: Arqueologia, Feminismo, Ditadura, Porto Alegre/RS.
Introdução
O presente texto é um exercício interpretativo que procura contar histórias de mulheres que
lutaram contra a Ditadura a partir da relação entre estas, como presas políticas, com o Centro de
Detenção e Tortura – CDT - em Porto Alegre, o DOPS/RS. A partir de um olhar oriundo da
Arqueologia, recorro às memórias como forma de compreender as relações entre a materialidade do
CDT e suas ocupantes, bem como elaborar uma reflexão sobre a condição feminina dentro deste
espaço como forma valorizar os relatos de mulheres e de possibilitar a sua visibilidade nesse
processo. Graciela Sapriza (2010) escreve que no Uruguai os primeiros relatos denunciando
violações de direitos humanos, pós-ditadura, se constitui majoritariamente por vozes públicas de
militantes políticos e revolucionários, homens. As mulheres ficaram invisibilizadas nesse decurso.
Trabalhar contra essa invisibilidade das mulheres através da materialidade da Ditadura
brasileira significa, necessariamente, abordar a questão da violência de gênero. Isto porque a
violência sexual era uma característica crucial da repressão latino-americana2 (MERLINO, 2010;
1 Doutoranda no PPG Antropologia UFPEL – Universidade Federal de Pelotas -, Pelotas/RS, Brasil.
2 A repressão e a violência aplicada às mulheres possuem especificidades porque eram sempre voltadas à
sexualidade e ao corpo da mulher (PECORARO, 2011). Os torturadores, além da tortura direta no corpo feminino, se
2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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SANSAVIERO, 2012), aplicada de maneira contínua, sistemática e generalizada (PECORARO,
2011), adotada como política de Terrorismo de Estado (TDE). Os regimes autoritários
colaboraram para que a injustiça de gênero e a discriminação se tornasse uma normatividade
social (PAZ, 2010), por este motivo é necessário que se desenvolvam enfoques de gênero nos
estudos sobre Ditadura, no sentido de abrir caminhos para diminuir essa invisibilidade. Assim, a
presente reflexão vem ao encontro da necessidade de exposição sobre o tema, ressaltando o
protagonismo feminino nesta luta. Para tanto, analiso os relatos3 de três mulheres que foram
presas e torturadas no DOPS gaúcho: Ignez Maria Serpa Ramminger - a Martinha; Nice Azevedo
Cardoso e Lilián Celiberti.
Ignez Maria Serpa Ramminger, a Martinha, hoje é médica veterinária e, ainda na
adolescência, teve contato com o PCB por intermédio de um tio em Uruguaiana/RS. Nesse período
prestou serviços de “pombo-correio” entre membros do partido de Porto Alegre e o tio que estava
exilado no Uruguai, junto com outros companheiros. Na universidade, UFRGS, entrou para
militância na Vanguarda Revolucionária Armada Palmares, a VAR-Palmares e participou da luta
armada urbana. Foi presa em casa, aos 21anos, em abril de 19704.
Nilce Azevedo Cardoso morava em São Paulo, estudava física na USP, era militante na JUC
(Juventude Universitária Católica). Em 1967, terminou a faculdade e entrou para AP (Ação
Popular). Veio para Porto Alegre, em 1969, para atuar junto ao movimento operário, como membro
do Comando Regional da AP. Foi presa em abril de 1972, aos 27 anos, na capital gaúcha e levada
ao DOPS5.
utilizavam de valores da sociedade patriarcal, para agredir moralmente um companheiro sob a sessão de tortura, através
da violência destinada ao corpo da mulher, como forma de fazê-lo sentir-se impotente (PAZ, 2010).
3 Os relatos aqui analisados compõem os Processos de Indenização Política, que estão no Arquivo Público do
Estado -APERS, além de textos memorialísticos publicados (CARDOZO, 1998; CELIBERTI e GARRIDO, 1989;
RAMMINGER, 2010).
4 Depoimento de Ignes Maria Serpa Remminger ver mais em:
http://ww1.al.rs.gov.br/pedroruas/Imprensa/DetalhesdaNot%C3%ADcia/tabid/1299/IdMateria/300249/Default.aspx
Visitado em janeiro de 2017.
Sobre a VAR-Palmares: era uma organização política de luta armada contra o regime ditatorial brasileiro, que
surgiu em 1969 da junção dos grupos COLINA – Comando de Libertação nacional e a VPR – Vanguarda Popular
Revolucionaria. Ver mais em BRASIL NUNCA MAIS. O perfil dos atingidos. Tomo III. Petrópolis: Vozes, 1988.
5 Relato de Nilce Azevedo em vídeo, disponível em:
https://resistenciaemarquivo.wordpress.com/2014/08/15/relato-de-sobrevivencia-nilce-azevedo-cardoso/comment-page-
1/ Acesso em janeiro de 2017.
Sobre as organizações JUC e AP, ver mais em BRASIL NUNCA MAIS. O perfil dos atingidos. Tomo III.
Petrópolis: Vozes, 1988.
3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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Lilián Celiberti, uma professora, militante uruguaia, que foi presa aos 29 anos,
clandestinamente, junto com seu companheiro Universindo Dias e os dois filhos pequenos –
Camilo, com oito anos e, Francesca, com três. Eles foram sequestrados em Porto Alegre, no ano de
1978, numa operação conjunta de forças brasileiras e uruguaias6 (CUNHA, 2008). Esta operação foi
flagrada por dois jornalistas brasileiros (Luiz Cláudio Cunha e João Scalco) que acabaram
colocando em xeque todo o esquema porque o denunciaram publicamente. O fracasso da ação
repressiva garantiu a sobrevivência do casal e das duas crianças.
Cabe reconhecer os atravessamentos presentes nos relatos aqui estudados, perpassando pelas
questões de gênero, de raça e de classe (GONZÁLES, 1984; ALMEIDA e PEREIRA, 2015). A
crítica feminista aponta para a necessidade da tomada de consciência sobre a situacionalidade
(HARAWAY, 1995) acerca desses atravessamentos e assimetrias presentes nas relações
estabelecidas. Assim, os deslocamentos desse estudo têm como ponto de partida os relatos de três
mulheres brancas, que frequentaram universidade e que optaram pela luta contra Ditadura, dando a
conhecer o protagonismo de sua luta e o reconhecimento de que suas memórias fazem parte da
história recente do nosso país. Mais do que isso, considero que, individualmente, estes relatos,
enquanto escrita autobiográfica, podem ser entendidos como uma forma terapêutica e de
apropriação do eu, como uma maneira de “constituir-se publicamente, dando visibilidade e sentido
a própria vida” (RAGO, 2010 p.157). Desta forma esses relatos são entendidos como produtos de
memórias que passaram por um longo processo de elaboração pessoal e que foram transformados
em uma fala política. Isto é possível observar na escrita da ex-presa política Nilce Azevedo:
Para poder escrever o que estou escrevendo tive que ser atendida no Hospital de Clínicas de
Porto Alegre, por um psiquiatra logo na saída da prisão. (...) Seguiram-se muitos anos de
psicoterapia, principalmente um trabalho de psicopedagogia (...) onde iniciei o processo de
recuperação da memória. Há quase dez anos entrei em análise, (...) não só para sair de uma
amnésia, como para recuperar minha identidade e poder conviver com esse horror todo
(CARDOZO, 1998 p. 27).
Destaco que a produção de um relato está intimamente ligada à relação entre lembrar e
esquecer, em especial se tratando de memórias traumáticas. Deste modo é necessária sua
problematização sobre como são construídas, perpassando pela questão de gênero, pela sua
importância e potencial quando utilizadas como fontes. Isto significa levar em conta que existe um
campo de tensões, onde as pessoas “negociam” consigo mesmas a revelação ou a ocultação de
6 Ver mais sobre Operação Condor e o sequestro dos uruguaios em Cunha (2008).
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episódios, os quais podem adquirir ou perder significados em diferentes momentos e circunstâncias
ao longo da trajetória da vida (SAPRIZA, 2009). Sigo a esteira do trabalho da historiadora
Elizabeth Jelin (2002), que procura compreender as memórias como processos subjetivos baseados
nas experiências e que estas não são homogêneas.
Nesse sentido, o pedido7 de Nilce para que nós, enquanto pesquisadoras permaneçamos
atentas à maneira com que se constituem esses sujeitos, que aprendamos a olhar e compreender
como se constituem os sujeitos torturados, que sejamos capazes de perceber as subjetividades de
como seu discurso vai se construindo, partindo de um lugar e as levando para outro. É importante
que consiga apreender o “fio condutor” da construção dessas histórias e, não somente salientar a
preocupação em relatar cenas de tortura e sofrimento (CARDOZO, 2013). Segue por este caminho
o pensamento de Jelin (2002) quando escreve sobre a importância da fala e dos testemunhos, porque
eles se constituem em “trabalhos da memória”, os quais podem exercer função terapêutica. Isto
implica em dar importância às discussões sobre memória porque os relatos são construídos a partir
delas. A importância das experiências e as subjetividades envolvidas na construção de memórias
fazem parte, também, da constituição enquanto sujeitas. É pensando nessa constituição, a partir das
experiências vividas no DOPS gaúcho, que busco compreender os significados de ser uma mulher
presa naquele espaço e seus desdobramentos na vida nessas mulheres.
A questão do feminismo abordada pela ex-presa política Flávia Schilling (2010) sobre o
significado de ser uma mulher em uma instituição prisional política vem a encontro das reflexões
deste exercício que, compreende as especificidades do tratamento destinado às mulheres no
DOPS/RS. A autora escreve que era feminista mesmo antes de ouvir falar em feminismo nos anos
1970, porque na prisão, os militares, sempre ofereciam às presas o lugar de vítima, pois tinham
entrado “numa furada” por causa do namorado ou do marido, e que o haviam feito por amor. Uma
mulher presa, militante da luta armada, causava incômodo no universo masculino repressor, no
sentido de afrontar valores patriarcais consolidados, como a ilegitimidade da mulher ocupar espaços
públicos e romper com valores normativos definidores de lugares (mãe, esposa, dona de casa, etc),
ou seja, as mulheres que optavam pela luta contra ditadura estavam ocupando um espaço que não
era seu (SCHILLING, 2010). A violência, física ou psicológica, destinada ao corpo feminino era
carregada por elementos patriarcais porque, aos olhos do repressor, se tratavam de mulheres
7 Nilce Azevedo fez uma fala para alunos da disciplina sobre Ditadura e Terrorismo de Estado, ministrada pelo
professor Dr. Enrique Padrós, no PPG História da URFGS, em 2016/1. Estas informações são minhas anotações
pessoais feitas em aula.
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duplamente transgressoras, pois extrapolavam o universo doméstico e privado além de romper com
códigos de gênero (RAGO, 2010). Estas mulheres, ao tomar para si a responsabilidade e, durante os
interrogatórios reafirmar a opção consciente pela luta contra a Ditadura, estavam reivindicando seu
protagonismo enquanto sujeitas. Para Schilling (2010) a resistência feminina foi estruturada como
parte de uma luta cotidiana, não sendo privilégio só de quem esteve presa, mas de mulheres
capazes, cidadãs e lutadoras que se recusavam assumir o lugar de vítima. Carol Hanisch (1969) traz
à baila discussões sobre as ações políticas dentro dos movimentos de esquerda, afirmando que elas
têm profunda relação com as suas experiências, reiterando que “o pessoal é político”.
Nesse sentido Cýnthia Sarty (2004) escreve que foi a partir da presença de mulheres,
insurgentes na luta contra a Ditadura que o feminismo no Brasil se desenvolveu a partir dos anos
1960/70. Isto não significa dizer que essas mulheres se autodenominavam feministas, contudo essas
militantes ao negar “o lugar tradicionalmente atribuído à mulher” (SARTI, 2004 p.37) assumiam
posturas e atitudes condizentes com a luta feminista, assim como escreveu Flávia Schilling (2010)
sobre sua experiência na prisão. É pensando nos significados de ser uma mulher presa no DOPS/RS
que ressalto a importância da materialidade do espaço de confinamento para contar suas histórias,
suas formas de resistência e o seu protagonismo nessa luta, uma vez que estas experiências que
foram vividas naquela arquitetura e não em outra. Ademais, procuro entender o quanto esta
materialidade foi utilizada enquanto dispositivo repressor sobre o corpo e mente dessas mulheres,
permitindo agregar novos conhecimentos aos estudos de gênero, abrindo possibilidades para
construção de uma conscientização histórica do período, que não permite esquecer o protagonismo
de mulheres.
Estar presa e a materialidade da prisão – DOPS/RS
O DOPS/RS (Departamento de Ordem Político e Social) foi instalado na década de 1960 no
prédio onde, ainda hoje, funciona a sede da Polícia Civil em Porto Alegre, no Palácio da Polícia,
localizado na Av. João Pessoa, n° 2050. Originalmente a edificação foi construída para abrigar uma
Escola profissional, em regime interno e semi-interno, para pessoas com deficiência auditiva, visual
e de fala, chamado de Instituto Santa Luzia (ISL-RS, 2017). Entretanto, o Instituto nunca chegou a
ocupar este espaço, porque houve uma permuta ente Estado e Município. Em 1961 terminou a
construção e, em 1962, já estavam instalados alguns setores da polícia civil, como a Escola de
Polícia, o Departamento de Trânsito e, progressivamente, foram transferidos os outros
departamentos que encontraram ali “instalações adequadas e que serviu, também, de sede para
6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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então Secretaria de Segurança Pública” (GONZALES E SESTI, 2006 p.27-28). Neste ínterim, o
DOPS/RS ocupou todo o 2° andar do prédio, isto significa que em 1964 o departamento já estava
em atividade neste local, permanecendo ali até sua extinção em 1982.
No período ditatorial, pós-golpe de 1964, o DOPS gaúcho foi se adequando às acepções de
combate ao comunismo a partir do regime de Terrorismo de Estado (TE), seguindo as lógicas da
Doutrina de Segurança Nacional (DSN) (PADRÓS, 2010). A atuação enquanto braço legal do
Estado, utilizado para controle civil, no combate ao avanço ideológico comunista e, também, como
parte da engrenagem que sustentava o novo plano político e econômico nacional. As adequações
pelas quais passou o DOPS/RS, neste período, consistem em constantes reformulações em suas
estruturas, tais como: institucionalização da DSN; militarização da burocracia; treinamentos de
pessoal; especialização do setor de coleta de informações; reorganização estrutural e alinhamento
administrativo e metodológico entre as esferas, municipal, estadual e federal (BAUER, 2006). A
sua função no combate aos inimigos internos (PADRÓS, 2010) do sistema significou ações como
perseguições, interrogatórios, sequestros, prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e
desaparecimentos. Nesse sentido, o DOPS/RS pode ser entendido como ferramenta legal do aparato
repressivo, traduzida em um Centro de Detenção e Tortura que funcionou até 19828.
Os relatos das ex-presas políticas a que tive acesso, permitem entender que, normalmente, o
destino após a sua prisão ou sequestro era para o DOPS/RS. Lilian Celiberti narra os momentos
seguintes após sua prisão e sequestro dos seus dois filhos menores, que “Nos meteram num carro e
nos levaram para Delegacia [DOPS]. Ninguém falava. Era dessas situações que acontecem, todos
sabem o que está se passando e, no entanto, todos ficam sem palavras” (CELIBERTI e GARRIDO,
1989 p. 15).
Martinha, a Ignez Maria Serpa Ramminger, escreve que foi presa em casa, aos 21 anos de
idade.
“Eles levaram para o DOPS todas as pessoas que estavam no apartamento: minha mãe,
meus três irmãos (todos menores de idade) e um amigo de meus irmãos. (...) Quando
chegamos fomos levados a uma sala no 2° andar do atual Palácio da Polícia. (...) Fui levada
para o 3° andar e não vi os meus familiares durante dois meses, quando, finalmente,
permitiram a visita da minha mãe. (...) No 3° andar, fiquei numa sala grande com mesas de
8 Ver mais sobre a estrutura e o funcionamento do DOPS em Bauer (2006). Sobre DSN, ver mais em Padrós
(2010).
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escritório. Lá conheci o delegado Pedro Seelig. (...) É difícil relatar o que vi e vivi no
DOPS de Porto Alegre.” (RAMMINGER, 2010 p.144).
Estes relatos permitem pensar sobre o modus operandi, isto é, o procedimento adotado
dentro do prédio pelos agentes do DOPS. Após a prisão, possivelmente, as presas eram levadas para
o segundo andar do prédio para iniciar os interrogatórios em uma sala específica, normalmente, para
tortura com choque elétrico em seus corpos nus. Martinha também permaneceu no terceiro andar, o
que demonstra o uso de outros espaços do prédio, que possivelmente seriam de outros
departamentos ligados a Secretaria de Segurança Pública. Isto significa que havia liberdade de ação9
dentro daquela edificação.
Nilce descreve que seu sentimento em relação ao DOPS é de “pânico e ódio” do lugar onde
ela foi torturada nua. “O corpo não é um corpo, é um nada”, explicando que a função da tortura
“além de arrancar a informação é de acabar com toda e qualquer resistência humana” (CARDOSO,
2013). E, a sala onde aconteciam as torturas é descrita por Martinha: “Quando me tiraram o capuz,
vi que estava em uma sala pequena e escura. Ligaram uma luz forte direto nos meus olhos,
deixando-me praticamente cega. Colocaram fios nos dedos de minhas mãos e me deram várias
descargas elétricas. A dor era horrível” (RAMMINGER, 2010 p.145).
O uso do capuz sobre a cabeça da presa era para impedir a visão e aumentar a sensação de
insegurança e, em contrapartida, para os torturadores significava não ver rostos, apenas castigar
mulheres subversivas. Caminhar pelos espaços da edificação, subir e descer escadas, ser levada de
uma sala à outra, ouvir da sala onde estava presa os gritos de pessoas sendo torturadas, a eminência
de ser a próxima quando os ruídos cessavam. A violência de gênero é uma característica dos
regimes ditatoriais por toda a América Latina, segundo Sapriza (2010), sendo a prisão e a tortura as
peças chaves da engenharia repressiva. Durante a tortura se ressaltavam as diferenças de gênero,
pois o corpo feminino era visto como ‘objeto sexual’ e a violência era direcionada aos órgãos
sexuais porque estavam ligados à identidade feminina (JELIN, 2002). Por vezes, mulheres e
homens eram torturados conjuntamente, conforme relata Martinha, “Fui torturada, na maioria das
vezes, junto com o Gustavo e (...) Francisco Martinez, (...). Confesso que não sei o que é pior: ser
torturada ou ver o companheiro ser torturado. Só sei que sofria junto com ele e temia que o
matassem”10 (RAMMINGER, 2010 p. 145). De acordo com Paz (2010), a violência empregada aos
9 Entendo como liberdade de ação a livre ocupação e trânsito nos espaços internos da edificação justificado pelo
combate à subversão como o uso de outros setores dentro da Secretaria de Segurança Pública.
10 Gustavo - Luiz Gustavo Buarque Schiller –, conhecido como Bicho, era um militante da VAR-Palmares e
companheiro da Martinha – Ignez Maria Serpa Ramminger (RAMMINGER, 2010). Martinha menciona o nome do
8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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homens, possuía conotação de autodesqualificação, de destruição da virilidade masculina, de causar
impotência, inclusive, em alguns casos, de responsabilidade sobre o que acontecia sobre o corpo
feminino, no sentido de culpabilidade por não conseguir evitar a tortura, em muitos casos, de suas
companheiras. Apesar do uso compartilhado de alguns espaços o tratamento destinado às mulheres
dentro deste CDT possuía especificidades, inclusive com relação ao uso de elementos
arquitetônicos destinados à condição de gênero. O relato de Martinha remete sempre à condição de
exposição feminina, para além da tortura física, como a falta de privacidade no momento de utilizar
o banheiro. Fala sobre a constante presença masculina junto à mulher presa, inclusive no momento
do banho e das necessidades fisiológicas, com a porta sempre aberta, com um homem olhando de
frente. “Optei por não tomar mais banho como forma de resistir” (RAMMINGER, 2013).
Estas eram práticas recorrentes dentro do DOPS/RS, permitindo compreender o quanto o
aparato repressivo se utilizava da estrutura arquitetônica, enquanto dispositivo de terror e o quanto
essa arquitetura exercia influência sobre os corpos e mentes dessas mulheres, fosse direcionando
movimentos ou por meio do encarceramento em salas diminutas e escuras, com pouca ventilação,
etc., configurando um lugar de isolamento e opressão. Assim como está descrito na denúncia
produzida pelos advogados da OAB/RS, sobre o DOPS/RS:
Vale ressaltar a existência de três celas especiais localizadas no 2º andar do chamado
‘Palácio da Polícia’. (...) são as citadas celas (...) [com] seis pequenos orifícios, de mais ou
menos, polegada e meia cada um, localizados no alto da parede lateral de cada cubículo.
Tais furos servem para canalização do ar e uma vez interrompida a corrente elétrica, (cujo
interruptor se encontra do lado de fora, no corredor) faz-se a escuridão mais completa,
como tivemos oportunidade de testar. (...) Informou um militar (...) que a escuridão das
celas se destina à ação psicológica sobre os detentos e o ‘engenho’ de sua montagem foi
resultante de orientação traçada por técnicos do (...) FBI. (...) ante a necessidade de obter
confissão, deveria optar pelo uso da violência ou o emprego de meios psicológicos,
tendo seu Departamento optado pelos últimos: as celas seriam eficientes instrumentos dessa
natureza (PODER JUDICIÁRIO, 2000 apud BAUER, 2006 p. 78).
O corpo feminino no encarceramento ou dentro da sala de torturas é parte crucial nesse
processo porque as experiências femininas naquele espaço estavam sempre subsumidas às
experiências masculinas, pela visão androcêntrica dos significados em ser um preso político
(SANSAVIERO, 2012). Além disso, o corpo constitui a propriedade última do ser humano e, é
através dele que perpassam as experiências e nascem as memórias, fazendo do corpo feminino o fio
Paco, provavelmente seu amigo, mas não dá mais detalhes sobre quem seria o militante de esquerda, Francisco
Martinez Torres. Ele também é mencionado em Vargas (1981).
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conectivo entre as memórias dessas mulheres (SAPRIZA, 2010) e seu cotidiano, como descreve
Matinha:
Essas torturas eram acompanhadas de palavrões, xingamentos e coisas do gênero, para
humilhar e desmoralizar. A mim, por ser mulher, dizíamos que éramos putas e coisas
parecidas; faziam coisas indizíveis (...). Recebi tanto choque elétrico na vagina que quase
perdi meu útero. (...) Diziam que queriam destruir nossas mentes, porque esta seria a única
forma de acabar com gente como nós. (...) Quando tive meus filhos, a dor do parto me fazia
recordar das torturas (RAMMINGER, 2010 p. 146).
As consequências do Terrorismo de Estado, segundo Padrós (2010), apresentaram efeitos
traumáticos a curto e longo prazo sobre os corpos das vítimas. No plano individual deixaram como
resultados a sonegação da própria história, silenciamento, introspecção, sentimentos de vergonha e
culpa, sensação de insegurança, interdição da fala, lapsos e paranoias, ou seja, tais práticas
provocaram sequelas físicas, psicológicas, morais e econômicas, relegando o sujeito à condição de
permanece readaptação. Estar presa em um ambiente como o DOPS/RS possuía a acepção de total
subordinação do corpo ao desejo do agente repressor. Em contrapartida, estas mulheres presas
enxergavam em pequenas minúcias cotidianas brechas para resistências, como o ato de recusa do
banho feito por Martinha; o não falar durante a tortura; a empatia e solidariedade entre
companheiros presos.
Considerações finais
A importância da materialidade do DOPS para contar suas histórias, consiste na existência
daquela edificação que, ainda hoje é utilizada pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande
do Sul. Lílian reconheceu o DOPS gaúcho onde foi presa, torturada e teve seus filhos sequestrados,
porque segundo ela, Porto Alegre, assim como Montevidéu, é uma cidade pequena e o Palácio da
Polícia foi um lugar facilmente identificável (CELIBERTI, 2013). É importante ressaltar que a
percepção dos espaços está diretamente relacionada ao “tratamento” dado pela polícia política a
estas mulheres no DOPS/RS.
A materialidade é uma constante nas memórias e relatos, em especial, das mulheres aqui
trabalhadas, pois, são ricos na descrição física do ambiente. Isto porque as experiências vividas no
DOPS/RS, os traumas gerados pela violência física e psicológica, deixaram sequelas nos mais
abrangentes aspectos da vida destas sujeitas (físicos, psíquicos, morais, políticos, econômicos, etc)
e, a materialidade deste lugar fez parte desse processo, sendo utilizada como dispositivo de terror e
por ser aquele prédio específico onde tudo aconteceu e não em outro.
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Este exercício metodológico de estudo arqueológico de um Centro de Detenção e Tortura
em Porto Alegre ainda está em processo de construção, com o objetivo de contar histórias de
mulheres que demonstram seu protagonismo na luta cotidiana em manter-se vivas dentro do
cárcere, se subjetivando e edificando pequenas brechas para resistência. Em contrapartida, com
estas análises, foi possível compreender um pouco mais sobre a dinâmica repressiva e uso dos
espaços do DOPS gaúcho, seguindo as lógicas da DSN, desde o momento de sua instalação em uma
edificação projetada para ser uma escola que foi ocupada pela Secretaria de Segurança Pública.
Além disso, a inteligência repressiva utilizou a arquitetura do prédio como dispositivo de terror no
combate aos inimigos. Além disso, este tipo de estudo aponta outros caminhos dentro do campo da
Arqueologia, por trabalhar com a materialidade de um passado considerado recente, bem como,
pode contribuir com novos elementos para as discussões de gênero. Elementos estes que são
oriundos e específicos do olhar arqueológico sobre as relações entre as mulheres e a materialidade
repressiva da Ditadura brasileira.
Agradecimentos: Agradeço ao PPGAnt/Ufpel, à Capes pelo financiamento dessa pesquisa e à
minha orientadora Dra. Loredana Ribeiro.
Bibliografia
ALMEIDA Tânia Mara Campos de; PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. Violência contra
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Poscoloniales em América Latina: Escrituras fronterizas desde el Sur. Buenos Aires:
Ediciones Godot, 2015:295-317.
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Militar em Porto Alegre/RS (1964-1985). Dissertação Mestrado PPG/História/Unicamp. Campinas,
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BAUER, Caroline. Av. João Pessoa, 2050 – 3°andar: terrorismo de Estado e ação de
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Dissertação de mestrado-PPG História/ Ufrgs. Porto Alegre, 2006.
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ARCHEOLOGY TO TELL THE STORY OF WOMEN IN THE DICTATORSHIP IN
PORTO ALEGRE/RS (1964-1985)
Abstract: The objective of this work is to point out the importance of the DOPS / RS materiality to
tell the story of women during the dictatorship period in Porto Alegre. It should be remembered that
the presence of women in spaces such as this informs about a series of specificities both of the
repressive logic and practices of State Terrorism, and of the meanings of being a woman in the
struggle against the Dictatorship. The DOPS was understood as a space that had its architecture,
among other material elements, used as a tool by the repressive apparatus to eliminate opponents of
the regime, as well as to interfere directly in the production of bodies and subjectivities of prisoners.
Thus, in an archaeological approach, I try to understand the relations of these women to the
materiality of the detention and torture center - CDT -, from the memories and narratives of
political expressions that have been in this space. Thus, I intend to point out the relevance of
Archeology to feminist studies on the Brazilian Dictatorship, as a way to produce narratives about
these women, claiming their right to existence and history.
Keywords: Archeology, Feminism, Dictatorship, Porto Alegre/RS.