A governabilidade e o equilíbrio de poder
Na verdade considero três aspetos fundamentais neste processo que tem dado
um manancial enorme de adjetivos que inundam o léxico geopolítico
guineense.
Em primeiro lugar é de referir a questão da inclusão e do enorme peso que a
mesma evidencia no cenário governamental. Confesso que não tinha dado
conta de um governo em que a lógica de participação política em cargos
executivos fosse tão grande e transversal como neste caso em concreto. De
salientar que essa participação foi concedida por um partido que acabara de
ganhar com maioria parlamentar em condições que poderia o próprio governar
sem coligação nem parceria. Recordo ainda que, até há bem pouco tempo, o
nível em que se encontrava a situação política guineense remetia para uma
ausência de Estado e perturbação da ordem constitucional, de modo que era
muito pouco evidente falar em democracia, governação e governabilidade.
Hoje, com a conclusão do processo eleitoral e recente composição do governo,
presenciamos uma revolução no conceito democrático que assiste o País,
esperando que o caminho traçado seja o de ajustamento e do reforço das
competências do Estado e da Nação.
Não obstante, quando refiro a participação em cargos executivos falo
obviamente nos elementos que compõem o governo e a expressão pluralista
que o mesmo toma. Ora, se está correto assim não sei e nem faço intensões
disso, mas sei que a avaliação é a única forma de se ficar a saber, tudo
dependerá da forma como o líder do executivo definir o modelo de governação,
os objetivos traçados e as estratégias delineadas, sendo que é da competência
do mesmo recorrer ao instrumento legal e de gestão que corporiza as
reestruturações e/ou remodelações governamentais, conforme o cumprimento
dos objetivos ou não por parte da sua equipa. Por outro lado, a avaliação do
governo propriamente dito só ocorrerá daqui há quatro anos, conforme emana
a Constituição da República, e o avaliador é o povo, ele é quem mais ordena
através de sufrágio universal, livre, credível e justo.
Página 1
Também não abordei e nem me atreveria a abordar com a S. Exa. Sr. Primeiro-
Ministro as razões que estiveram na base da composição do seu governo, mas
tive oportunidade, tal como todos vós, de ler em vários fóruns que o mesmo foi
forçado a definir a composição da sua equipa por entidades externas ao próprio
líder do governo. Confesso que não sei se é ou não verdade e se também tem
fundamento político e/ou técnico, mas de uma coisa sei e tenho a certeza: “é
importante dar espaço ao líder do governo, deixá-lo trabalhar com a sua equipa
e acreditar que existe capacidade técnica e política para alavancar a Nação”.
O que pretendo salientar com isto é o facto de existirem sem dúvida alianças
políticas e estratégias comuns, algo que é normal e recomendável numa
democracia que se pretende coesa. Na verdade, e a título de exemplo, quem
acompanhou com alguma atenção todo o processo eleitoral para a liderança do
PAIGC reparou que existiram acordos, parcerias e/ou alianças estratégicas que
resultam, como o próprio nome indica, tratarem-se de uma ligação baseada na
afinidade/identificação e visam criar uma relação de confiança que obedece a
uma estratégia comum. Portanto, o impacto sobre as pessoas resulta pelo facto
de que os parceiros devem colocar-se no lugar de cada um destes grupos de
interesse e definir as vantagens e desvantagens que as alianças lhes poderão
trazer, antecipando assim problemas potenciais e as possíveis soluções. Assim
foi, resultou naquilo que todos sabemos, algo que me parece ter sido novidade
no seio dos militantes do partido de Cabral, políticos da praça e até de alguma
franja da sociedade civil, mas, também, algo que me parece aceitável e normal,
que resulta de uma atividade política no verdadeiro sentido da palavra.
Portanto, é importante ter presente que a política é feito de pequenos detalhes,
de aproximações e de recuos, mas tendo sempre em conta o espírito patriota
que garanta os interesses coletivos.
O segundo aspeto a realçar tem a ver com a dinâmica associada à escolha dos
elementos não integrantes do partido com a maioria parlamentar para
incorporarem o governo, caso em especial que demonstra humildade e espírito
de unidade que se pretende para o País.
Contudo, se por um lado demonstra abertura ao diálogo para uma estabilidade
política duradoura, por outro deixa uma preocupação latente que é a enorme
Página 2
heterogeneidade e não tanto o peso enorme do PAIGC. A meu ver isso sim é
arrojado e demonstra a capacidade e experiência política do seu líder em
procurar novas formas de abordagem e do discurso político interno, criando
espaço para um diálogo mais aprofundado com o exterior e vontade de
reformar a visão e o conceito “Poder, Democracia e Participação Política” no
seio desse grande partido.
A leitura que se retira de todo este processo de criação do governo de base
alargado é que, neste momento, o mais importante de tudo é a estabilidade
politica e governativa no sentido de demonstrar ao povo e à comunidade
internacional que a Nação pretende ganhar o seu rumo, mas que para isso
todos são chamados a dar o seu real contributo para a edificação plena que
sustenta os pilares da coesão, unidade e esforço nacional.
Por conseguinte, também vejo uma grande oportunidade dada aos partidos
políticos que, através das suas lideranças, assumiram pastas neste Governo,
em “dossiers” estratégicos e de grande responsabilidade política e técnica,
casos concretos da Justiça, Energia, Orçamento, Comunicação Social e
Turismo.
Sobre este aspeto, entendo que estão criadas condições para os tais
governantes demonstrarem as suas reais competências, sentido de Estado e
responsabilidades em matéria da defesa dos interesses da Nação e
manutenção do equilíbrio de “poder”. Certeza que fazendo um bom trabalho,
mesmo no quadro de um Governo de base alargada do PAIGC, com um
projeto e linhas programáticas sustentados a priori pelo mesmo, projetará os
líderes e partidos que representam, granjeando dessa forma mais eleitorado à
sua causa. Daí entender também que indiretamente a democracia guineense
acaba de ganhar outra forma de abordagem e de participação muito mais
alargada do que tem tido até agora.
Por último, e em terceiro lugar, como não podia deixar de alertar, o que me
parece também importante realçar é que face à participação alargada de quase
todos os partidos com assento parlamentar, como também os que não têm
representação nesse colégio, não vir condicionar o debate cordial e honesto
que se pretende no seio da casa da democracia que é a Assembleia Nacional
Página 3
Popular. Para mim esta é a preocupação maior que merece maior atenção por
parte da sociedade civil, pois a mesma carece de monitorização e de alerta
constante, criando condições para que haja debate político sério e frontal,
garantindo que os diplomas ali produzidos refletem o verdadeiro sentido da
democracia.
Neste momento, importa sim o exercício da cidadania com sentido de
responsabilidade e abraçar com firmeza e confiança os propósitos desenhados
pelas autoridades do País. A Nação tem um longo caminho das pedras para
percorrer. No entanto, só se caminha o caminho das pedras quando se põe as
coisas a caminho! LV
Lisboa, 17-07-2014
Luís Vicente
Página 4