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A CRIMINALIDADE, DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS
MÁRIO FERREIRA NETO 1
INTRODUÇÃO:
A finalidade deste artigo é discorrer sobre a criminalidade, relatando a evolução
histórica das penas aplicadas aos indivíduos delinqüentes para confrontar com o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, descrevendo ainda a
criminalidade em nosso país em relação à realidade do sistema penal e prisional
brasileiro.
Sabe-se, que para uma correta aplicação do Direito, a Constituição Federal
deve ser o ponto de partida, seja nas lides cível ou penal, com mais atenção à
pessoa humana e à efetiva harmonização social.
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS E O DIREITO PENAL
Quando se cuida da concretização do jus puniendi do Estado em confronto
com o jus libertatis do indivíduo, ganha importância à diretriz inserida no art. 1º,
inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a "dignidade da
pessoa humana". Depois do seu reconhecimento como valor moral, foi atribuído
valor jurídico à dignidade da pessoa humana, passando do âmbito da consciência
1 Acadêmico do 1º semestre do Curso de Direito da Faculdade de Palmas (FAPAL) e Servidor do Poder
Judiciário do Estado do Tocantins (Contador Judicial).
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coletiva para o âmbito jurídico. A dignidade da pessoa humana passou a ser
entendida como um atributo imanente ao ser humano para o exercício da liberdade e
de direitos como garantia de uma existência plena e saudável, razão pela qual
passou a ter amparo como um objetivo e uma necessidade de toda humanidade,
vinculando governos, instituições e indivíduos.
No Direito, fica claro quando se observa a aplicação da lei penal desprovida
de uma filtragem constitucional que resguarde a dignidade humana. O ser humano
age quase sempre com base no emocional e muito pouco com base no racional. A
prova disso é o mundo que construímos: injusto, repleto de excluídos, guerras e
atrocidades, um planeta indiscutivelmente perigoso e inseguro, prestes a sucumbir,
a qualquer hora, sob um gigantesco desequilíbrio ecológico e/ou guerra nuclear.
Para que se possa iniciar um processo penal (devido processo legal) é
indispensável que existam indícios suficientes de autoria e prova da materialidade
do crime. A acusação tem a obrigatoriedade de produzir prova material contra o
indivíduo delinqüente, em contraposição, ao acusado deve ser garantido o exercício
da ampla defesa (contraditório), a qual poderá demonstrar a inocência.
Alguns indicativos da participação do acusado no suposto delito, não são
provas materiais suficientes para considerá-lo culpado. Os indícios devem ser
robustecidos na instrução criminal, quando unívocos, para fornecer suporte a uma
condenação. Os vestígios de um crime (crimes materiais) devem ser provados com
o exame de corpo de delito. Empreende-se a prova da materialidade, por outros
meios: confissão do acusado, depoimentos testemunhais, circunstâncias que
rodeiam o fato, conclusões lógicas de peritos, fotografias, laudos diversos, exames
de DNA, etc.
A criminalidade deve ser combatida da maneira mais ampla possível,
utilizando-se de todos os meios legais, respeitando, acima de tudo, os direitos e as
garantias fundamentais do indivíduo.
O princípio da dignidade da pessoa humana é a origem dos direitos humanos
consagrados em nossa Constituição Federal de 1988. Desse modo, ele se reflete
em todos os ramos do direito, mas pode-se dizer que de um modo especial está
atrelado ao direito penal.
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O direito penal possui a função de descrever as condutas que são definidas
como crime, além de prescrever penas para quem nelas incorrer. Ocorre que é
necessário também frear o Estado em seu afã de punir, principalmente quando nos
deparamos diante de uma situação que causa comoção social (clamor público).
Ora, é por isso que tais assuntos são tratados na atual Constituição Federal
como cláusulas pétreas. De tempos em tempos estamos diante de crimes que
recebem grande destaque na mídia e produzem um estado de abalo em todas as
camadas sociais. De modo geral, as pessoas ficam condoídas com as vítimas das
barbáries criminais praticadas.
Imaginemos então que nossa Constituição não tivesse elegido como cláusula
pétrea os direitos fundamentais do ser humano. Diante de uma conjuntura que
proporcionasse no meio social tamanho ressentimento, correríamos o risco de no
calor dos acontecimentos criminais produzirem leis que atentassem contra a
dignidade da pessoa humana como uma forma de conseguir, não justiça, mas
vingança.
Tendo como base o pensamento jus naturalista dos séculos XVII e XVIII, a
concepção da dignidade da pessoa humana, passou por um processo de laicização
e racionalização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos
os homens em dignidade e liberdade.
De modo particular, KANT, concebia a dignidade como parte da autonomia
ética do ser humano, afirmava que ele não poderia ser tratado, nem por ele próprio,
como objeto:
“A autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si
mesmo e agir em conformidade com a representação de certas Leis, é um
atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo assim, o
alicerce da dignidade humana”.
Para HEGEL, a dignidade é uma qualidade a ser conquistada, o ser humano
não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento em que assume a sua
condição de cidadão.
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Esta concepção de que dignidade necessita de reconhecimento,
consubstancia-se com a máxima de que cada um deve ser pessoa e respeitar os
outros, como pessoa e cidadão.
Parte-se do pressuposto de que a dignidade possui uma voz ativa e passiva,
ambas se encontram conectadas. Isso nos conduz a afirmar que o ser humano não
poderá jamais ser tratado como coisa ou objeto, como também não pode ser mero
instrumento para a realização dos fins alheios.
É por isso que o princípio da dignidade pessoa humana repercute de modo
profundo no direito penal.
O fundamento constitucional da humanização do indivíduo delinqüente está
centrado no art. 5º, inciso III, da Constituição Federal de 1988: “ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Não é difícil
entender as motivações do constituinte ao prescrever a vedação de tratamento
desumano e cruel. Seria factível pensar, no atual estágio em que se encontram os
direitos humanos, uma pena de trabalhos forçados em uma penitenciária? É certo
que não. Isso feriria de modo flagrante a dignidade das pessoas que cumprissem
uma pena criminal.
A dignidade da pessoa humana possui duas dimensões que lhe são
constitutivas: uma negativa e outra positiva. A negativa significa que a pessoa não
venha ser objeto de ofensas ou humilhações. Daí o nosso texto constitucional
dispor, coerentemente, que "ninguém será submetido à tortura nem a tratamento
desumano ou degradante".
Com efeito, "a dignidade pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua
autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às
outras pessoas" (MIRANDA, 1991, p. 168/169). Impõe-se, por conseguinte, a
afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável
da sua individualidade autonomamente responsável; a garantia da identidade e
integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade; etc.
Por sua vez, a dimensão positiva presume o pleno desenvolvimento de cada
pessoa, que supõe, de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade, sem
interferências ou impedimentos externos, das possibilidades de atuação próprias de
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cada homem; de outro, a autodeterminação que surge da livre projeção histórica da
razão humana, antes que uma predeterminação dada pela natureza.
Viu-se que a proclamação do valor distinto da pessoa humana teve como
conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem. A
dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, o núcleo essencial dos direitos
fundamentais, a "fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais" (FARIAS, 1996,
p.54), a “fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância
prática ao sistema dos direitos fundamentais” (MIRANDA, 1991, p. 166/167).
Existem basicamente três teorias que explicam as finalidades da pena. Na
primeira traz em seu bojo a própria idéia de castigo, ou seja, se um indivíduo
transgredir a lei penal é preciso que seja punido, servindo isso, como uma lição,
para que não volte mais a delinqüir.
Na segunda, encontra-se a finalidade de prevenção. Se uma pessoa comete
um crime, é provável que represente perigo para a sociedade em que vive, torna-se
necessário privar esse meio de um indivíduo que represente tal periclitação.
Por último, entende-se que a pena objetiva recuperar o indivíduo condenado,
reeducando-o de tal forma que esse possa retornar ao estado social e não tornar a
infringir a lei, além de possuir estrutura psicológica e uma qualificação profissional
que o torne capaz de produzir sua própria subsistência.
É perfeitamente plausível e aceitável que os três pensamentos acerca da
pena convivam e formem um sistema coeso. Uma pessoa ao violar a legislação
penal deve ser punida e reeducada, ao mesmo tempo em que o meio social é
privado de sua periculosidade enquanto esta perdure. É por isso que a sanção deve
ser dosada usando a proporcionalidade: quanto mais grave o crime e o perigo
representado pelo agente, maior deverá ser a pena.
Entretanto, em nenhuma situação o indivíduo condenado poderá ser tratado
com desumanidade e crueldade, também nenhum tipo de barbaridade é admitido em
nosso ordenamento jurídico. O preso tem garantidos os seus direitos, cumpre
analisar se estes têm sido respeitados, pois, embora não haja em nosso país a
previsão de sanções desumanas ou cruéis, tais como os campos de concentração
da Coréia do Norte, onde, segundo relatos, os presos trabalham de 12 a 15 horas-
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diárias. O sistema carcerário brasileiro atualmente apresenta falhas graves que
submetem seus presos a situações que, sem dúvida, agridem sua dignidade.
O primeiro problema que nos salta à vista é a superlotação nos presídios
brasileiros. Uma CPI realizada no ano de 2008 sobre o sistema prisional brasileiro
calculou que existem no país cerca de 440 mil presos, porém existem nos
estabelecimentos vagas para apenas 260 mil. Há um déficit de 180 mil leitos (celas).
Não é raro encontrar presídios onde 60 pessoas dividem uma mesma cela
apropriada para no máximo 15 indivíduos.
Bem se sabe que a realidade dos presídios e delegacias brasileiras, está
longe do aceitável, mais longe ainda de alcançar a finalidade que lhes deveria ser
atribuída.
Diariamente, a mídia divulga situações de miséria a que são expostos os
presos. Estas pessoas além de enfrentarem tripla punição, porque, primeiramente
são punidos pelo Juiz-Estado [jus puniendi]; depois, dentro do presídio, sofrem
agressões advindas dos pares ou dos agentes carcerários; finalmente, quando
deixam à prisão, seja por cumprirem a pena ou conseguiram regime diferenciado de
cumprimento de pena, são punidos pela sociedade.
É justamente quando o preso deixa o presídio, estará ainda mais fragilizado,
por sentir sobre sua cabeça o peso do preconceito, da discriminação, etc., mais uma
vez a dignidade e o respeito, são esquecidos.
As sábias palavras de Zaffaroni refletem bem o processo de “demonização” a
que o egresso do sistema prisional é submetido:
“A negação jurídica da condição de pessoa ao inimigo (no caso, o
condenado) é uma característica do tratamento penal diferenciado que lhe é
dado, porém não é de sua essência, ou seja, é uma conseqüência da
individualização de um ser humano como inimigo”.
No Brasil é facilmente visível a diferenciação entre o inimigo e o infrator;
algumas pessoas cometem um ou vários crimes, por isso, mesmo sendo acusados,
julgados e condenados, são apartados do seio social, são estereotipados e
estigmatizados, deixam de ser considerado objeto de proteção do direito e da
consciência de respeito ao próximo, este seria o inimigo.
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Existem presos com diferentes graus de periculosidade que permanecem em
um mesmo ambiente, ou seja, cumprem suas penas na mesma cela com outros,
isso significa dizer que o indivíduo condenado por um crime de latrocínio ou estupro
[hediondo] pode estar junto de uma pessoa punida por furtar um relógio.
O indivíduo delinqüente deve receber uma pena de acordo com suas
condições pessoais e com a gravidade do delito que cometeu, considerando-se suas
qualidades pessoais e periculosidade. A explicação se faz lógica e está ligada ao
princípio da dignidade da pessoa humana: não pode um indivíduo ter uma pena
elevada por conta de outro delinqüente contumaz e perigoso, é necessário que
respeite o fato dele não o ser. A pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado.
Durante o cumprimento da pena deve-se respeitar a dignidade da pessoa humana.
Problema grave enfrentado nos presídios nacionais é a insalubridade e a falta
de cuidados profissionais para com os presos portadores de doenças. Têm
estabelecimentos, onde simplesmente não existe qualquer tipo de higienização,
facilitando assim a proliferação de doenças. É notório, também que muitos presos
sofrem de moléstias, incluindo as sexualmente transmissíveis e não recebem
tratamento condizente com seu estado clínico.
A segurança ou falta desta, também é uma problemática visível nos
estabelecimentos prisionais. Presos amotinados, portando todo o tipo de arma e até
mesmo aparelhos celulares, colocam em risco a vida dos agentes penitenciários que
lá trabalham e a de milhares de pessoas que por perto vivem e de modo indireto,
representam um risco para toda a sociedade.
Em novembro de 2007 veio à tona um caso chocante que escandalizou o país
e tocou de forma profunda nesta problemática social: na cidade de Abaetetuba,
Estado do Pará, uma adolescente de 15 anos de idade foi detida, depois de uma
tentativa de furto. A polícia a encarcerou por 20 dias em uma cela com mais de 20
homens, onde a mesma sofreu abusos sexuais e psicológicos. Além de ser menor
de idade, o que lhe dá direito a tratamento diferenciado de acordo com o Estatuto da
Criança e do Adolescente, é inadmissível que homens e mulheres partilhem uma
mesma cela.
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Entendemos que a recuperação de reclusos e detentos não pode ser tida
como mera utopia. O que tem tornado esta tarefa difícil são as mazelas que
atualmente observamos no sistema prisional do país. Não é oferecida a população
carcerária, ao menos de forma maciça, meios destinados à educação, o que torna
inviável a reinserção dessas pessoas na sociedade. Cursos, palestras, trabalho
digno, atendimento médico e psicológico, estabelecimentos seguros e limpos seriam
condições apropriadas para que um detento pudesse reinserir-se no meio social com
qualificação profissional e estrutura emocional que lhe permitissem manter sua
subsistência.
Observar-se que, embora a legislação brasileira garanta os direitos dos
presos e proíba a imposição de penas que causem sofrimento excessivo, a
realidade da organização carcerária do país tem atentado contra o princípio da
dignidade da pessoa humana.
O atual sistema prisional é o que desejamos para nosso país?
Estabelecimentos de reclusão e detenção que flagrantemente violam a dignidade
dos estão custodiados? Certamente não. Não acreditamos, porém, que decretar a
sua falência e seguir adiante ignorando esta mácula social seja o ideal. É necessária
uma total reformulação, num esforço conjunto entre sociedade e governo para que o
sistema carcerário brasileiro se apresente de modo seguro, eficaz e decente.
Os métodos ilegais de investigação, por sua vez, não podem ser empregados
no combate à criminalidade, devendo se tiver uma fiscalização rigorosa a quaisquer
ofensas aos princípios fundamentais inseridos na Constituição Federal de 1988 e na
Declaração dos Direitos Humanos.
O advento da nossa Constituição consagrou o valor da dignidade da pessoa
humana como princípio máximo e o elevou, de maneira inconteste, a uma categoria
superlativa em nosso ordenamento, na qualidade de norma jurídica fundamental.
Por outro lado, a criminalidade é um processo social indissociável das
relações humanas. Onde houver sociedade haverá necessariamente crime. Essa
criminalidade pode ocorrer de várias formas na sociedade (individual ou organizada).
Seus motivos também são, os mais variados. O homem por ser um ser racional,
pensante e adaptável às novas condições sociais, possui certas regras ou padrões
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de comportamentos indispensáveis para a convivência social. Não há como
dissociar o homem do seu meio social. Todas as pessoas são diferentes na esfera
privada, mas iguais na esfera pública. Essas diferenças causam os conflitos sociais.
O direito é uma forma de controle social. Toda sociedade necessita de um
direito que possa regulamentar as condutas sociais.
Durante muito tempo, a “condenação” e a “execução” eram feitas na hora.
Isso era comandado pelos que dominavam o Poder, por mais sumário e transitório
que fosse. Assim, foi criada a pena de morte. Das mais diversas formas. No ano de
1215, os nobres ingleses impuseram ao Rei João Sem-Terra a “Magna Charta
Libertatum”, que incluía como direito a garantia do Tribunal do Júri:
“Nenhum homem livre será preso ou despojado ou colocado fora da lei ou
exilado, e não se lhe fará nenhum mal, a não ser em virtude de um
julgamento legal dos seus pares ou em virtude da lei do país”.
Na antiguidade, o direito era exercido pela violência e crueldade das penas
aplicadas [sociedades primitivas]. Assim, o mais forte subjugava o mais fraco pela
violência nas lutas individuais ou nas guerras coletivas, tornando-o, às vezes,
escravo. Era como se vê o mais forte quem dominava o mais fraco pela força.
As espécies de penas em sua evolução histórica eram: penas de morte e
corporais, banimento (exclusão do grupo social) [povos sem escrita]; penais cruéis
(trabalhos forçados, chicotadas, abandono aos crocodilos, etc.) [primeiras
civilizações da antiguidade – principalmente Egito]; penas de apedrejamento,
queima do indivíduo vivo (fogueira), forca (dependurar em árvore), afogamento ou
empalação, decapitação e mutilação, flagelação, excomunhão [Hebreus – lei de
origem divina]; pena de talião, pena para o delito equivalente ao dano causado “olho
por olho, dente por dente” (punição ao delinqüente, mesmo sofrimento causado pelo
crime) [Mesopotâmia]; penas de morte: atirar aos cães ou queimar em cima de uma
cama de ferro aquecido [Índia]; penas de morte, de empalação, de marcas a ferro
em brasa, açoites, castração [China]; castigos, multas, feridas, mutilações, morte e
exílio [Grécia]; penas severas e de morte (crucificação) [Roma]; penas de morte por
enforcamento e esquartejamento (conspiração contra o rei), perdas de bens [Brasil
Colônia]; penas corporais de reclusão, detenção, prisão simples e multas (regimes
das penas: fechado, semi-aberto e aberto) [atualmente no Brasil].
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Viu-se que todos os tipos de castigos penais foram aplicados no transcurso
da evolução da História do Direito Penal. Aplicava-se, no direito primitivo, o castigo
divino, a vingança privada, a lei do talião, a composição e a vingança pública.
O castigo divino exteriorizava-se por meio dos fenômenos naturais e
decorriam da revolta da divindade. A vingança privada consubstanciava-se pela
entrega do indivíduo delinqüente à vítima ou aos seus familiares para o cumprimento
da pena, fazer-se justiça pelas próprias mãos. A lei de talião, por seu turno,
correspondia uma pena proporcional ao mal cometido. Permitia-se, por intermédio
da composição, a compra pelo delinqüente de sua liberdade. E, finalmente, na
vingança pública, a pena era aplicada publicamente para servir de exemplo à
sociedade – prevenção penal geral. A pena capital era executada através da
guilhotina, da forca, do sepultamento da pessoa ainda com vida, do lançamento do
delinqüente às feras, do arrastamento, do apedrejamento, da crucificação e, mais
recentemente, da cadeira elétrica, da injeção letal e da câmara de gás. Além da
pena capital, os delinqüentes tinham seus membros amputados (pênis, nariz,
orelhas, mãos, língua, etc.).
Também eram torturados, submetidos a garrote vil e marcados com ferro
quente na testa. As prisões, por seu turno, eram perpétuas e os delinqüentes
ficavam acorrentados pelos pés, mãos e pescoço. Os delinqüentes, no período
antigo, equiparavam-se aos animais com a perda da paz. Essa pena, com o passar
dos tempos, foi sendo superada e humanizada. Com a adoção dos ideais
humanistas, filósofos, glosadores e pós-glosadores passaram a exigir que as penas
tivessem ainda um caráter utilitário e preventivo e deveriam ser cumpridas em
estabelecimentos adequados, limpos, arejados e dignos. O homem à semelhança de
Deus deve ter os mesmos direitos que um cidadão livre; deve ainda ter as mesmas
oportunidades ao retornar à sociedade, ressocializado, depois de cumprir sua pena;
deve, por fim, ter todas às garantias concedidas aos homens livres, ou seja, as
garantias dos direitos humanos.
A criminalidade não se deve combater com a violência, mas com inteligência.
É necessário encontrar mecanismos eficientes para, gradativamente, ir eliminando
ou minando essa criminalidade do meio social. A prevenção é o meio mais
importante para eliminar a criminalidade. A punição da criminalidade deve servir de
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exemplo à sociedade, demonstrando que o Estado está presente para tomar as
medidas adequadas contra a criminalidade. O Estado deverá exercer suas funções
em dois momentos distintos. No primeiro, preventivamente, com o policiamento
ostensivo e repressivamente; no segundo, com a atuação eficiente da polícia
judiciária.
O combate à criminalidade não se restringe no afastamento do indivíduo
delinqüente do convívio social, pura e simplesmente. O Estado deve aplicar-lhe uma
sanção e, ao mesmo tempo, educá-lo ou reeducá-lo para o retorno ao convívio
social (ressocialização), dando-lhe as oportunidades necessárias para tal finalidade.
Deve-se educá-lo ou reeducá-lo com base nos princípios inerentes à sua dignidade
como pessoa humana.
Ressalte-se, por outro lado, que os direitos humanos não se aplicam somente
aos indivíduos delinqüentes. Os direitos humanos são garantias do cidadão.
Também é cidadão aquele que, eventualmente, comete crime. Direitos humanos não
são direitos dos indivíduos delinqüentes, mas de todas as pessoas [todos nós].
Trata-se de uma garantia do cidadão que deve ser preservada. Sua dignidade deve
ser preservada por maior que seja o seu crime. Não há dúvidas que o indivíduo
envolvido em algum crime deve ser punido, mas tal punição deve ser necessária e
eficaz em observância aos princípios constitucionais. Assim, crime sem pena: é
ineficaz. Pena sem crime: é abuso. O objetivo do Estado é punir o delinqüente.
Deve-se aplicar uma pena condizente com o crime praticado. A pena tem uma
finalidade educativa e não punitiva.
A criminalidade, como se vê, deve ser combatida com critérios racionais e
dentro dos limites permitidos por lei, respeitando-se aos direitos e garantias
especificadas na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Os direitos humanos, por sua vez, devem ser colocados como
parâmetros dessa repressão à criminalidade, aplicando-os as vítimas, aos
delinqüentes e aos cidadãos e, principalmente, aos familiares daquelas. Não se
deve institucionalizar a ilegalidade investigatória exercida pelo Estado a pretexto de
combate à criminalidade, pois no fundo a ilegalidade (crime) é a mesma.
Modernamente o Direito Penal tem se detido principalmente sobre alguns
temas de fundamental relevância para o seu sistema atual, como a proteção dos
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bens jurídicos, os direitos humanos, a evolução do conceito de ação e conduta,
prevenção geral positiva e negativa da pena, a teoria da imputação objetiva, sem
falar no simbolismo que hoje lhe é outorgado colidindo com os movimentos que
propugnam a sua abolição.
Contudo, caracterizada está a falência da intervenção estatal nas relações
sociais no que toca a aplicação da pena, já que a pena de prisão é incapaz de
reinserir o condenado na sociedade.
CONCLUSÃO
Concluímos que o Direito Penal é coativo, cuja principal sanção é a pena
privativa de liberdade, que atinge diretamente a liberdade do ser humano, há que se
existir o debate a respeito dos rumos a serem traçados para os fins do Direito Penal,
pois é necessário traçar diretrizes básicas que delimitem e regulem o alcance das
normas penais, não simplesmente abolindo a pena, mas evitando-se, destarte, a
constante ameaça a liberdade.
O Estado tem o dever de criar condições que permitam a educação e a
ressocialização do preso. É como o Desembargador Celso Limongi bem salienta, “O
Estado não pode descer ao mesmo nível dos criminosos”. É pouco provável que
medidas de repressão e controle sejam mais eficazes do que uma política séria em
educação, em bases de formação da sociedade.
É necessário que a sociedade conscientize-se que o problema da
criminalidade no Brasil somente será resolvido quando ocorrerem investimentos em
bases educacionais. Quando o indivíduo infelizmente já tiver sido vítima da
influencia do mundo do crime, que sua recuperação seja possível, que a ele sejam
proporcionadas chances de refazer sua vida de forma digna.
Ao contrário do que se vivencia a dignidade do homem e os direitos humanos
não são contrapontos do sistema penal. É um equívoco colocar, como se tem feito o
paradigma humanitário como inimigo da persecução punitiva, já que essa função do
Estado pode se realizar plenamente e alcançar sua finalidade, sem ofensa aos
valores jurídico-políticos, que na realidade são sua base.
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Deve-se investir na humanização, na melhora do sistema prisional e na
ressocialização do preso como exigência do Estado de Direito, mesmo porque, não
se justifica que ao cumprimento da pena, seja acrescentado um sofrimento, não
previsto em lei, a degradação do ser humano.
Mesmo nestes tempos críticos, de aumento desenfreado da violência e da
criminalidade, inexiste qualquer justificativa à afronta dos ideais democráticos e
humanitários, cuja preservação é sempre imperativa. Essa preservação não impede
nem a realização da prevenção geral positiva nem o combate ostensivo ao crime.
Os garantidores do sistema penal não podem, portanto, em face de violações
ou de ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente
reconhecidos, manter a indiferença ou admitir passivamente que legislações
infraconstitucionais e/ou as práticas jurídicas avancem sobre esses bens sem
qualquer levante/resistência constitucional, sob pena de se conceber um sistema
ilegítimo.
Percebe-se que desde o início da existência do mundo a criminalidade tem
sido um problema social de política pública gravoso, pois os indivíduos têm praticado
crimes, mesmo os delitos de menor potencial ofensivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 3ª edição. Porto Alegre: Livraria
dos Advogados, 2004.
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Janeiro: Renovar, 2002.
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face da Constituição: princípios constitucionais do processo penal, 2ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 1998.
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ZAFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: A perda de
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HEGEL, G. Lições Sobre a Filosofia da História Universal. Madri, Filosofia
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