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As Guerrilheiras Curdas e a Redefinição das Questões de Gênero na Guerra: o Combate
ao Terrorismo do Estado Islâmico no Iraque e na Síria
Antonio Henrique Lucena Silva1
Bruna Valença Bacelar2
Juliano Cesar Shishido Góes3
Maria Eduarda Buonafina Franco Dourado4
Mariana Ribeiro do Nascimento5
Marília Travassos Paiva6
Resumo: Com o atual conflito na região do Curdistão, situado entre Síria e Iraque, as
guerrilheiras curdas têm exposto ao mundo o papel decisório da mulher na guerra, deixando
de ser um agente passivo nos conflitos, uma vez que, normalmente, a mulher faz parte do elo
mais frágil atingido pela guerra, para ser um agente ativo. Este artigo adota a metodologia de
estudo de caso, com foco no conflito do Curdistão, para fornecer um panorama de como a
questão de gênero, que é fortemente presente nesta sociedade, é desconstruída pelas
guerrilheiras no âmbito do conflito contra o Estado Islâmico, e de que forma elas utilizam o
gênero feminino em sua atuação no front de batalha. O artigo conclui que a participação das
guerreiras curdas descontrói a imagem de “sexo frágil” edificada naquela sociedade. Também
identificamos que as mulheres utilizam táticas de combate diferentes, com foco na
inteligência para aquisição de informações.
Palavras-chave: Curdistão; Peshmerga; YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres); Feminismo;
Segurança Internacional; Estado Islâmico.
Introdução
Os curdos são uma etnia nativa do Curdistão, região que não é reconhecida pela
Comunidade Internacional como Estado Nacional e que está situada majoritariamente entre
Turquia, Iraque, Irã e Síria. A população curda é bastante expressiva nestes países e também
1 Professor Doutor de Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Orientador do trabalho. 2 Graduanda do 8º semestre do curso de Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã. 3 Graduando do 5º semestre do curso de Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã. 4 Graduanda do 8º semestre do curso de Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Membro do GEESI-UFPB. 5 Graduanda do 8º semestre do curso de Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã. 6 Graduanda do 8º semestre do curso de Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã.
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está presente em grande número em outras localidades como Líbano, Azerbaijão, países
europeus, Estados Unidos, Canadá e Austrália. Há aproximadamente 36 milhões de curdos
espalhados pelo globo, o que faz deles a maior etnia sem pátria do mundo.
Embora o Estado do Curdistão não exista de fato, parte dos curdos deseja que sua
independência se concretize. Nesse intuito, foram criadas instituições para que o povo tivesse
representação dentro dos Estados que habita, como exemplo, pode-se citar o PKK (Partido
dos Trabalhadores do Curdistão), PYD (Partido da União Democrática), YPG (Unidade de
Proteção Popular), YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres).
Vale ressaltar que, além da organização política e econômica, os curdos também se
organizam militarmente, como é o caso dos Peshmerga, que é a denominação para quem faz
parte do exército curdo para defesa do território do Curdistão iraquiano, sejam homens ou
mulheres. A palavra Peshmerga é de origem curda e significa “aqueles que enfrentam a
morte”, sendo “Pesh” equivalente a enfrentar, e “Marg” equivalente à morte. Ultimamente,
sua divisão feminina ganhou visibilidade ao redor do mundo, pois, além do combate direto
que é realizado diariamente, utilizando táticas de guerrilha na luta contra o Estado Islâmico
(EI), está desconstruindo as questões de gênero que influenciam a vida social de homens e
mulheres e a divisão do trabalho em sua sociedade, uma vez que é característica de sociedades
patriarcais como as que estão localizadas na região do Oriente Médio.
Além do Peshmerga, existe também o YPJ, , formado exclusivamente por mulheres e
que é uma ramificação do YPG, exército curdo que age no território do Curdistão sírio, .
Estas, assim como no Peshmerga, sentiram a necessidade de ingressar na vida militar para
defesa de seu território e seu povo. O YPJ está redefinindo o papel da mulher tanto na guerra
quanto na sociedade, pois ela passa a ser um agente ativo do conflito e não é mais vista como
um agente passivo e frágil que precisa da proteção dos homens, que normalmente são os
agentes ativos em conflitos. Desta forma, por conta da participação feminina como player na
vida militar, está ocorrendo um novo questionamento no âmbito do Feminismo e da
Segurança Internacional nas Relações Internacionais.
Ao utilizar o Feminismo, com foco em Segurança Internacional, o presente artigo tem
como objetivo analisar a participação das guerrilheiras curdas como agentes ativas do
conflito, agindo como guerrilheiras nos exércitos curdos no conflito que está em curso contra
o Estado Islâmico. Outro objetivo é explorar as razões e os impactos desta participação nos
setores social, político e militar.
1 Feminismo e Segurança Internacional
O termo “gênero” inicialmente era utilizado pelas feministas para questionar o sexo
como fator determinante para a formação de um sujeito e o consequente determinismo
biológico impregnado em expressões como “sexo”, “feminilidade” ou “masculinidade”
(SCOTT, 1989). Com isso, o sujeito feminino passou a ser entendido por meio da diferença
entre sexo e gênero, sendo o primeiro a composição biológica e o segundo a construção
cultural e social em torno do primeiro (BUTLER, 2003).
O emprego do “gênero” também tinha o intuito de aplicá-lo como categoria de análise
e incluir a pesquisa sobre a mulher em variadas disciplinas para, assim, transformar a história
e os paradigmas de cada uma, o que aconteceu no final do século XX. Até então, as teorias
sociais não faziam uso do termo e eram inadequadas para explicar as desigualdades entre
homem e mulher (SCOTT, 1989). É neste contexto que Joan Scott (1989, p. 21) desenvolve
sua definição para o termo com base em duas afirmações: “o gênero é um elemento
constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é
uma forma primeira de significar as relações de poder”. Para Scott (1989), o gênero evidencia
alguns aspectos da relação social entre os sexos e as suas diferenças: primeiro, há símbolos
culturais que representam e tipificam os sexos; segundo, há conceitos normativos que
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interpretam tais símbolos; terceiro, as relações de gênero são marcadas por desigualdade nos
sistemas parental, político, econômico, educacional, etc.; quarto, o poder é construído e
legitimado com base no gênero, e a oposição binária masculino/feminino é utilizada para
definir todos os tipos de relações sociais, especialmente a relação política (SCOTT, 1989).
Sobre isto, Pierre Bourdieu (2012) afirma que na oposição binária entre masculino e
feminino estão inseridas outras oposições, normalmente biológicas, que a legitimam e a
“naturalizam”: alto/baixo, seco/úmido, duro/mole, direita/esquerda, etc. A normalidade na
divisão entre os sexos é dada através das relações sociais e objetivada nas coisas, constituindo
o que Bourdieu (2012, p. 18) chama de ordem masculina, a qual tem sua força evidenciada
por não necessitar de justificação, pois “a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não
tem necessidade de se enunciar em discursos que visem legitimá-la”. Além disso, a ordem
social e a dominação masculina são garantidas por uma máquina simbólica que permeia
vários aspectos da sociedade, desde a divisão social do trabalho baseada no sexo, até a
exclusão das mulheres das relações internacionais, como veremos a seguir.
O fim da Guerra Fria trouxe à tona cenários políticos mais complexos, cuja análise
realizada pelas teorias tradicionais das Relações Internacionais (RI) se tornaram insuficientes
para elaborar uma avaliação completa da nova dinâmica mundial, como por exemplo os
conflitos e guerras de cunho étnicos ocorridos no leste europeu após a queda da União
Soviética. A dificuldade de interpretar os novos acontecimentos pelas teorias tradicionais
(Realismo e Liberalismo) abriu espaço para novas abordagens teóricas, como o
Construtivismo, o Pós-Modernismo, a Teoria Crítica e o Feminismo, que será analisado a
seguir (MESQUITA,2016).
A teoria feminista busca romper com alguns conceitos considerados basilares dos
estudos de RI, como Estado, segurança e guerra, que estão diretamente relacionados a uma
noção masculinizada. Ao mesmo tempo, esta teoria busca introduzir a noção de gênero como
peça-chave para entender as relações de poder no cenário internacional (MONTE, 2010).
A análise feminista tem sido um esforço pela inclusão do “gênero” como uma
categoria de análise, com o objetivo de compreender e evidenciar as formas pelas
quais as normas de gênero estão presentes nas relações da vida social internacional e
como se constroem/desconstroem/reconstroem-se mutuamente (BOZZA, 2012, p.6).
Para o feminismo, a disciplina de RI e suas análises são predominantemente
masculinas, o que torna as questões de gênero praticamente invisíveis e subnegadas. Sobre
isto, Simone de Beauvoir (apud TICKNER, 1992 p.1) afirma que “representation of the
world, like the world itself, is the work of men; they describe it from own point of view,
which they confuse with absolute truth”7. Em outras palavras, a experiência em guerras e
conflitos é sempre contada sob uma ótica da experiência masculina, o que também é
reproduzido nos Estudos de Segurança Internacional (ESI) (MONTE,2010). Tal ótica está
enraizada tanto nos setores público e privado, como no âmbito diplomático e militar, que, em
sua maioria, são espaços majoritariamente ocupados por homens. Isto acaba por excluir as
mulheres das decisões, conforme colocado por Eleanor Roosevelt (apud TICKNER, 2011,
p.44) no epílogo de seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1952, “Too
often the great decisions are originated and given form in bodies made up wholly of men, or
so completely dominated by them that whatever of special value women have to offer is
shunted aside without expression”8.
7 Representação do mundo, como o mundo em si mesmo, é um trabalho dos homens; eles o descrevem a partir
do seu ponto de vista, o que confundem com a verdade absoluta (Tradução livre). 8 Comumente, grandes decisões são originadas e dadas formas em instâncias formadas inteiramente por homens
ou tão completamente dominadas por eles que qualquer contribuição especial as mulheres tenham para oferecer é
posta de lado sem expressividade (Tradução Livre).
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É importante ressaltar que a participação das mulheres na disciplina de RI e nos ESI já
existia, porém a experiência feminina não fazia parte da estrutura de pensamento ou como
objeto de análise, pois as que produziam material teórico na área terminavam por reproduzir a
ótica masculina, desconsiderando a existência da perspectiva feminina e a sua relação dentro
de uma guerra ou um conflito armado.
A presença das mulheres nas guerrilhas, nos movimentos nacionalistas e sua
exploração sexual em situação de conflito – seja pela prostituição militarizada, seja
pelo emprego do estupro como arma de guerra – são fenômenos que sempre
estiveram presentes, mas eram interpretados como ausência por causa da forma
como se estudava a guerra. (MONTE, 2010, p. 96)
Esse cenário começou a mudar durante todo o século XX, quando as mulheres
passaram a se relacionar diretamente aos assuntos tradicionais de segurança. Alguns episódios
que impulsionaram mudanças na posição das mulheres foram a participação delas na indústria
de material bélico durante a Grande Guerra, sua crescente participação nos exércitos nacionais
e uma maior atuação política após a conquista do sufrágio. A introdução dos estudos
feministas no campo dos ESI vem com o principal objetivo analisar a guerra sob a ótica da
mulher, buscando levantar questões que antes eram invisibilizadas pela visão e construção
teórica masculina, como os sujeitos que se encontram em desvantagem estrutural. Segundo
Buzan (2012, p.222): Supõe-se que a segurança estatal deva fornecer segurança a todos os cidadãos, mas,
ainda assim, há uma diferença baseada no gênero em como os homens e as mulheres
são afetados […] As mulheres não são inerentemente mais pacíficas ou
necessariamente mais propensas a morrer, mas elas são ameaçadas de maneiras
diferentes dos homens e suas inseguranças são validadas de formas distintas dentro
dos discursos de segurança estadocêntricos.
Esta suposta passividade da figura da mulher se constrói dentro do discurso de
segurança nacional quando relacionada à lógica masculina de proteção. Isso se dá quando:
Essa lógica é a soma de duas identidades mutualmente dependentes: o modelo
negativo do macho dominante e o modelo de proteção “cavalheiresca”. Elas são
mutualmente dependentes porque a proteção benéfica dos “homens bons” só faz
sentido a partir da existência da imagem do agressor, que deseja invadir a
propriedade alheia e conquistá-la, estando nessas narrativas incluídas, entre
“propriedade” as mulheres. A masculinidade dominadora e agressiva, por outro
lado, constitui a proteção masculina positiva, por outro. Essa imagem do protetor é o
que faz do doméstico um local seguro. (MONTE, 2010, p. 99)
Essa lógica termina reproduzindo uma relação de subordinação daqueles que estão em
situação de protegidos, inclusive a mulher. Esse raciocínio termina distanciando a mulher de
cargos importantes de tomadores de decisões de segurança ou política do Estado em que
vivem, pois como é evidenciado por Tickner (apud VIA, 2010, p.43), “particularly, in the
international security realm, values associated with masculinities (e.g., strength, rationality,
autonomy) are prized over values associated with femininities (weakness, emotion,
interdependence)” 9.
Ao longo do texto buscaremos evidenciar de que forma as guerrilheiras curdas, sua
participação nos conflitos e sua recente visibilidade estão desafiando a hegemonia e
superioridade masculina em diversas áreas, inclusive na de segurança, ao questionar a posição
e as características que lhes são impostas pelas diferenças de gênero, ilustrando como o
9 Particularmente, nos estudos de segurança internacional, valores associados à masculinidade (ex. força,
racionalidade, autonomia) prestigiados sobre valores associados à feminilidade (fraqueza, emoção,
interdependência) (Tradução livre).
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gênero é social e culturalmente construído. Mais ainda, a atuação das guerrilheiras
exemplifica a importância da presença feminina na guerra em um papel tão ativo e relevante
quanto o masculino, mostrando-se também capaz de modificar o resultado dos embates.
2 Curdistão
O Curdistão é uma área montanhosa que se encontra majoritariamente entre os
territórios de países como Iraque, Irã, Turquia e Síria, de acordo com Rodrigues (2010, p. 1):
“A área de 500.000km, agregando os territórios do Irã (oeste), Iraque (norte), Síria (nordeste)
e Turquia (leste), denominada Curdistão, recebe esse nome por, em sua natureza, agregar a
nacionalidade curda”, mas também há uma pequena parte (2% do território) na Armênia e
Azerbaijão, seguida de porções de 43% na Turquia, 31% no Irã, 18% no Iraque e 6% na Síria,
como é abordado por Gunter (2011, p. 2):
Although only approximations can be cited, Turkey has the largest portion of
Kurdistan (43 percent), followed by Iran (31percent), Iraq (18 percent), Syria (6
percent), and the former Soviet Union (now mainly Armenia and Azerbaijan—2
percent).10
Com base no que foi exposto anteriormente, podemos visualizar a localização do
Curdistão no mapa seguinte:
Figura 1 - Mapa da região do Curdistão
10 Embora apenas aproximações possam ser citadas, a Turquia possui a maior parte do Curdistão (43%), seguido
por Irã (31%), Iraque (18%), Síria (6%), e antiga União Soviética (agora principalmente Armênia e Azerbaijão –
2%). (Tradução livre)
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Fonte: DREAMSTIME (2017). Traduzido e adaptado pelos autores.
Nos países que contêm parte do Curdistão, existe uma expressiva população curda.
Estima-se que o maior número se encontra na Turquia, onde há entre 12 a 15 milhões de
curdos, compondo entre 18% e 23% da população total do país. O Irã possui 6.5 milhões de
curdos, formando 11% da população iraniana e, no Iraque, há entre 4 e 4.5 milhões de curdos,
somando entre 17% e 20% da população iraquiana. Na Síria, existem 1 milhão de curdos,
contabilizando 9% de toda população síria. Cerca de 200 mil curdos também habitam a região
da antiga União Soviética onde, nos dias atuais, localiza-se a Armênia e o Azerbaijão
(GUNTER, 2011). Além disso, os curdos sofreram opressão e migrações forçadas, sobretudo
ao longo dos séculos XX e XXI, o que gerou diásporas as quais levaram a existir uma
pequena quantidade no Líbano11. Na Europa, os curdos são aproximadamente 1 milhão e, nos
EUA, são 250 mil (GUNTER, 2011).
É importante salientar que, como o Curdistão situa-se em terrenos irrigados pelos rios
Tigres e Eufrates, trata-se de uma porção de terra altamente fértil, onde é desenvolvida a
agricultura, além de possuir grandiosas reservas de petróleo, gás natural, água e outros
minerais que possuem alto valor agregado no mercado internacional. Os recursos naturais,
bem como sua inserção majoritária em quatro países do Oriente Médio e sua posição
estratégica para a geopolítica, são algumas das razões pelas quais os curdos ainda não
conseguiram a autonomia da região (com exceção do Curdistão iraquiano), tampouco a
concretização de sua independência até os dias atuais.
Ao longo do século XX, os governos centrais dos países onde o Curdistão está
inserido oprimiram os curdos com políticas de arabização12 e assimilação, as quais tinham o
propósito de suprimir a identidade e presença curda nos seus territórios. Consequências disto
11 Segundo Rodrigues (2010, p.2), de acordo com a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, há
aproximadamente 100 mil curdos vivendo no Líbano. 12 A política de arabização foi implantada no Curdistão do Iraque e Síria pelo Partido Baath e tinha como
propósito a deslocação forçada de curdos para o assentamento de árabes em suas áreas, como aborda Stokes
(2009, p. 387).
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foram o fortalecimento dos movimentos nacionalistas curdos e a eclosão de diversas revoltas
(Revolta de Sheikh Said, Revolta de Dersim, Revolta de Simko e República de Mahabad),
que também foram sumariamente suprimidas pelos governos, como por exemplo o genocídio
curdo promovido pelo Iraque com a Operação Anfal13, em 1988. Outras consequências foram
a organização de partidos políticos14 curdos para aumentar a sua participação na esfera
política, mesmo sendo considerado subversivo, e a formação do setor militar, uma vez que se
organizaram e fortaleceram sua atuação com os guerrilheiros (homens e mulheres), como os
Peshmerga15. Ultimamente, o conflito com o Estado Islâmico intensificou a presença de
mulheres nos exércitos, fato que ganhou destaque com a criação do YPJ, um pelotão de
guerrilheiras curdas, como uma ramificação do YPG.
Em 2003, a invasão do Iraque trouxe mudanças significativas na situação dos curdos e
do Curdistão. Nos desdobramentos do conflito, eles passam a gerir sua região sem a
interferência de Bagdá, oportunidade em que estabeleceram a autonomia de seu território,
formando o Governo Regional do Curdistão (KRG), com o Presidente Massoud Barzani
(reconhecido pelo governo central). Os curdos assumiram o controle da produção e venda do
petróleo em seu território, utilizado como impulso para o desenvolvimento do Curdistão do
Iraque. Essa nova configuração que os curdos do Iraque forneceram ao seu território gerou
impactos nos outros locais do Curdistão.
Com advento do Estado Islâmico (EI), que autoproclamou seu califado16 ao abranger o
Curdistão, toda a região passou a sofrer com o expansionismo realizado pelos terroristas, pois,
ao tomar cidades, promovem o terror com assassinatos em massa, a utilização do estupro
como arma de guerra, a venda de mulheres e meninas como escravas sexuais, entre outras
ações. Um dos alvos do EI é a população Yazidi17, um grupo étnico-religioso curdo que
acredita em um único Deus e na figura de Tamusi Malak, o anjo pavão que foi criado por
Deus. Esta crença na figura do anjo que se manifesta em forma de pavão é considerada
imprópria pelos terroristas e o motivo da perseguição realizada em ataques, sobretudo na
população feminina, visando o extermínio deste grupo étnico curdo, visto que para os Yazidi
a pertença ao grupo se dá pelo nascimento, não pela conversão18.
Nesse sentido, os curdos passaram a atuar mais incisivamente na defesa de seu
território e de sua população, gerando um aumento significativo no seu contingente militar,
sobretudo de mulheres que, além de se proteger, desejam proteger os civis para evitar que
mais mulheres sejam capturadas e sofram com as ações realizadas pelos terroristas. Deste
modo, os exércitos Peshmerga, a YPG e a YPJ aumentam seu contingente para atuação
terrestre. Vale citar que os exércitos curdos são especializados em lutas de guerrilha e as
cidades curdas estão resistindo às ofensivas do EI, recebendo, inclusive, ajuda direta da
Coalizão Internacional liderada pelos EUA, em que são realizadas ações ofensivas em
território iraquiano. Os Estados Unidos realizaram bombardeios aéreos nas proximidades de
13 Em 1993, o Human Rights Watch publicou um dossiê sobre o genocídio: Genocide in Iraq: The Anfal
Campaign against the Kurds. Disponível em: https://www.hrw.org/reports/1993/iraqanfal/ 14 Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), Partido Democrático do Curdistão (KDP), União Patriótica
Curda (PUK), KDPI Partido democrático do Curdistão do Irã (KDPI), Vida Livre no Curdistão (PJAK), Partido
Curdo Democrático da Síria (KDPS). 15 Nome do Exército do Curdistão do Iraque, que no idioma curdo o nome é dado para os guerrilheiros (as), e
significa “aqueles que enfrentam a morte”, como é abordado por Gunter (2011, p.250-251). 16 O grupo terrorista Estado Islâmico proclamou como califado a região do Oriente Médio até o continente
europeu com base em uma interpretação de uma vertente islâmica feita pelo grupo. 17 Buarque (2016) fornece considerações importantes sobre os Yazidi em seu artigo: The Violence Against
Yezidi Women: The Islamic State’s Sexual Slavery System. Malala, v. 4, n. 6, p. 43-56, 2016. Ademais, é
importante explicar que há diversas formas de escrita do nome, podendo der Yazidi, Yezidi, porém em curdo é
Ezidi. 18 Isto é baseado na tradição oral do grupo étnico, como ALLISON (2001, p. 3) explica em seu livro: The Yezidi
Oral Tradition in Iraqi Kurdistan. Grã Bretanha: Curzon Press. 2001.
8
Erbil, que é a capital do Curdistão iraquiano, com o objetivo de reduzir o poder bélico dos
terroristas para que as forças Peshmerga pudessem combater o EI por ofensivas terrestres.
Assim como foi realizada a Operação para retomada da cidade de Mosul no Curdistão
iraquiano, que os terroristas tomaram e se apropriaram das grandes reservas de petróleo,
utilizando-as como financiamento de sua ofensiva para criação do califado. Por sua vez, no
Curdistão da Síria, o YPG e o YPJ continuam intensivamente defendendo o território contra o
EI. Por conta destes grupos, diversas cidades e vilas curdas estão sendo retomadas do controle
dos terroristas e já foi iniciado o processo de reconstrução de algumas delas, como a cidade de
Kobani19, que contou com a participação das mulheres como agente ativo do conflito
expulsando os terroristas da região.
3 As guerrilheiras curdas
Peshmerga é a denominação para quem faz parte do exército curdo para defesa do
território do Curdistão. A palavra Peshmerga é de origem curda e significa “aqueles que
enfrentam a morte”, sendo “Pesh” equivalente a enfrentar, e “Marg” equivalente à morte. O
exército curdo que age principalmente no Curdistão iraquiano é formado tanto por homens
quanto por mulheres e, ultimamente, a divisão feminina do Peshmerga ganhou visibilidade ao
redor do mundo. Por sua vez, o exército curdo feminino que luta mais incisivamente em
defesa das cidades curdas sírias é chamado de YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres) e
surgiu como uma ramificação do YPG (União de Proteção Popular), que atua principalmente
no território do Curdistão sírio. Esse exército surge pela necessidade das mulheres curdas que
habitam o território sírio em participar do setor de segurança e defesa, principalmente das
mulheres. Com a presença dos terroristas do EI mais expressiva em cidades curdas da Síria,
eles capturavam mulheres e meninas curdas para vendê-las no mercado como escravas
sexuais e praticavam estupros coletivos contra elas. Ou seja, os terroristas utilizavam o
estupro como arma de guerra, com a finalidade de atingir parte da população que é vista como
vulnerável. (…) the intensification of sexual violence against women in ethnic conflict has
multiple meanings. It means, as we have come to understand through the work of
many feminist scholars, that the culture is being attacked through the symbol of its
strength—its women (HALE, 2010, p.112)
Vale destacar que, segundo as Nações Unidas, a prática do estupro como arma de
guerra realizada pelos terroristas do EI ocorria também com a comunidade étnica curda dos
Yazidi, como foi exposto anteriormente, em que meninas e mulheres foram violadas e
vendidas como escravas sexuais, assim como ocorreu no conflito na antiga Iugoslávia durante
os anos 1990, em que o estupro foi utilizado como arma de guerra e com pretensões de
realização de uma limpeza étnica na população, como é observado abaixo:
Sexual slavery was also a prominent form of sexual violence in the conflict
in the former Yugoslavia in the early 1990s. According to a European Union
investigation, approximately 20,000 girls and women suffered rape in 1992 in
Bosnia-Herzegovina alone, many of them while held in detention facilities of
various types (WOOD, 2010, p. 127) 20
19 Oficialmente é cidade de Ayn al- Arab, contudo a população curda a chama de Kobani, que está situada no
Curdistão sírio (que os curdos nomeiam de Rojava). 20 A escravidão sexual também foi uma forma proeminente de violência sexual no conflito na antiga Iugoslávia
no início dos anos 90. De acordo com uma investigação da União Europeia, cerca de 20.000 meninas e mulheres
sofreram estupro em 1992 apenas na Bósnia-Herzegovina, muitas delas foram mantidas em centros de detenção
de vários tipos (Tradução livre).
9
Devido à ocorrência destes ataques, uma parte das mulheres curdas se organizou para
combater diretamente os terroristas e evitar que mais ações como essas fossem praticadas
contra outras mulheres e meninas, além de participarem da retomada das cidades ocupadas
pelos terroristas do EI. As guerrilheiras devem ter entre 18 e 40 anos para ingressarem como
voluntarias do exército curdo. As adolescentes não podem participar, mas podem solicitar
treinamento militar para estarem preparadas quando tiverem idade suficiente para ingressar.
Inicialmente, foi estipulado que 45% do contingente total do exército curdo presente no
Curdistão sírio era formado por mulheres. Por conta dos desdobramentos do conflito com o
EI, houve o aumento da demanda de guerrilheiros e com isso a quantidade de mulheres nos
exércitos aumentou.
Apesar do aumento do número da participação das curdas no setor militar, é
importante explicarmos que essa resistência armada feminina não é novidade entre os curdos,
pois desde os anos 1960 as mulheres do Curdistão iraquiano lutam contra os
baathistas conjuntamente com os Peshmergas. Apenas em 1996 foi criado um batalhão
inteiramente formado por mulheres nessa região. Em relação ao Curdistão sírio, as mulheres
correspondem a aproximadamente 40% do contingente total de guerrilheiros, enquanto que o
PJAK21 iraniano conta com 50% de mulheres nas suas fileiras. Na Turquia, segundo declara
o PKK, há mais de 15% de mulheres entre seus combatentes.
É importante destacar que, muitas das mulheres que ingressam no exército curdo, além
de primar pela segurança dos civis, visam garantir sua autonomia, ter voz frente à sociedade,
visto que os papéis do homem e da mulher são muito especificados na região, mesmo se
levarmos em consideração que as curdas têm mais espaço na sociedade, se compararmos com
as árabes. Com isso, é importante destacar que, na cultura curda, as mulheres são bastante
valorizadas e respeitadas, principalmente no setor militar. Nesse sentido, existe a ideia de que
as mulheres são independentes, têm sua própria vontade e elas podem ser iguais ou até
melhores que os homens no trabalho organizacional, no exercício da liderança e nos
combates. Na maioria das guerrilhas curdas, as mulheres matam para sobreviver, ou então
serão mortas. Elas tentam conscientizar as pessoas explicando que sua luta é motivada pela
liberdade delas e dos curdos no geral. De acordo com o ponto de vista dessas mulheres, elas
têm uma vida livre, pois tentam alcançar seus objetivos e não seguem os padrões impostos
pela sociedade. As guerrilheiras curdas também almejam o direito à democracia, à liberdade,
à igualdade e à educação. Desta forma, a autonomia da mulher também é um motivo para elas
ingressarem nos grupos.
Outro fato observado é que parte das guerrilheiras não deseja se casar ou ter filhos,
desconstruindo assim com o costume que é perpetuado até os dias atuais no Oriente Médio,
em que a menina deve ser preparada por sua mãe ou por outra mulher de sua família para que
um dia obtenha um matrimônio com um homem que o pai da mesma autorizar e, após o
casamento, ela deixa de ser propriedade de seu pai ou da figura masculina de sua família e
passa a ser propriedade de seu marido, momento em que vai cuidar de sua nova casa e dos
filhos que vão ser gerados. Então, por intermédio do ingresso no grupo e da participação no
movimento nacionalista curdo, elas desconstroem o costume e redefinem o papel da mulher
na região em que vivem como players no conflito, por meio de sua participação nos setores
militar e político. (…) women have discovered in nationalist movements a new public persona and an
opening for new political participation. Seeing themselves as, and being seen by
21 Partido da Vida Livre do Curdistão.
10
others as, members of a nation have given these women an identity larger than that
defined by domesticated motherhood or marriage (ENLOE, 2014, p. 88).22
Como consequência do conflito, as guerrilheiras estão ganhando um papel de
destaque, pois, com sua atuação, elas contam com um elemento particular: os jihadistas
(fundamentalistas islâmicos que promovem o terror) que fazem parte do EI temem ser
abatidos pelas guerrilheiras, uma vez que eles acreditam que caso um homem integrante do EI
seja morto por uma mulher, ele não vai para o paraíso após sua morte e que não vai ser
premiado com as 72 virgens prometidas aos mortos em batalha. Esta promessa que os
terroristas do Estado Islâmico pregam é fruto de uma interpretação de um segmento da
religião islâmica que eles seguem. Desta forma, as guerrilheiras curdas utilizam esse fato em
favor do grupo para lutar e aniquilar o inimigo. Por exemplo: elas foram de suma importância
para a retomada de Kobani que, anteriormente, estava sob controle dos terroristas do Estado
Islâmico, e essa ação serviu como marco para todas as guerrilheiras e impulsionou o aumento
da participação feminina como player do conflito. Assim, considerando sua participação no
conflito atual, o especialista em segurança Khaled Okacha afirma que as mulheres curdas
desempenharam um papel importante e extraordinário na luta contra o EI:
“Dès les premières heures du déclenchement de cette guerre, les femmes
kurdes se sont vite engagées dans le combat d’une manière bien structurée. Leur
expertise militaire a été très évidente, notamment dans la bataille de la libération de
Kobané syrien, connue par la révolution de la femme de Rojava, ou dans la bataille
de Mossoul en Iraq. [L]a lutte de la femme kurde a changé le stéréotype de la femme
aux temps des guerres, soit victime, manifestante ou simple infirmière offrant des
soins médicaux aux hommes sur les champs de bataille. A l’inverse de ces images,
la femme kurde a réussi à porter par excellence l’appellation de combattante com-
plète”23.
Assim, no contexto do conflito, diante do avanço das tropas iraquianas e dos grupos curdos em
Mosul, os extremistas do EI fugiram para Raqqa, cidade situada no Curdistão sírio às margens
do rio Eufrates. Raqqa tem cerca de 200 mil habitantes e, em março de 2013, foi tomada pelos
terroristas, passou a servir, dessa forma, como hub para ataques. Até então, foram impostos à
população um código de vestimenta islâmica e as igrejas foram atacadas, gerando, posteriormente,
sequestros e decapitações. Desse modo, inicia-se a operação para retomada de Raqqa e, com isso,
há o papel importantíssimo das guerrilheiras curdas do YPJ que participam da campanha para
tentar recuperar a cidade de Raqqa do Estado Islâmico na chamada Operação Fúria do
Eufrates. Segundo Cihan Ehmed, uma das oficiais e porta-voz do YPJ, esse grupo de
combatentes formado exclusivamente por mulheres tem desempenhado um papel crucial
nessa operação, além de ter demonstrado "uma performance excepcional". Ela também afirma
que um dos principais objetivos desse grupo é libertar as mulheres escravizadas pelo EI em
Raqqa e que essas combatentes estão na linha de frente desse conflito. Assim, em uma
entrevista ao site Al-Mashareq, Cihan Ehmed declara que a Operação Fúria do Eufrates conta
com 10.000 mulheres combatentes e com um mesmo número de mulheres sendo treinadas.
22 As mulheres descobriram nos movimentos nacionalistas uma nova personalidade pública e uma abertura para
uma nova participação política. Vendo-se como, e sendo visto por outros como, membros da nação deram a estas
mulheres uma identidade maior do que aquela definida pela maternidade ou pelo casamento (Tradução livre). 23 “Desde as primeiras horas da eclosão desta guerra, as mulheres curdas se engajaram rapidamente no combate
de uma forma bem estruturada. Sua experiência militar era muito evidente, especialmente na batalha de
libertação de Kobani, no Curdistão sírio, conhecida pela revolução das mulheres de Rojava, ou na batalha de
Mosul, no Curdistão do Iraque. A luta da mulher curda mudou o estereótipo das mulheres em tempos de guerra,
seja como vítima, manifestante ou simples enfermeira oferecendo cuidados médico aos homens no campo de
batalha. Contrariamente a essa imagem, a mulher curda conseguiu com sucesso ser reconhecida como
combatente plena” (Tradução livre).
11
Afirma, ainda, que as novas recrutas recebem não apenas um treinamento para utilização de
armas, mas também uma formação ideológica com objetivo de que participem ativamente e
para que nasça nelas um espírito de liderança. Cihan Ehmed alega, também, que uma das
jovens recém libertadas declarou que elas desejam fazer o mesmo por outras jovens.
Então, considerando a Operação Fúria de Eufrates, há, atualmente, três grupos que lutam
para reconquistar Raqqa: as Forças Democráticas Sírias (SDF), o YPG, o YPJ, grupos e tribos
árabes e o exército sírio, apoiado por milícias pró-governo, paramilitares iranianos e a milícia
libanesa xiita Hezbollah. Assim, há aproximadamente 100.000 soldados nas tropas lutando
contra o EI: 50.000 soldados iraquianos, 40.000 curdos Peshmerga, 9.000 milícias tribais
sunitas e pequenos grupos cristãos participando ativamente. Além da presença no Peshmerga,
e no YPJ, as mulheres curdas ainda têm um exército formado por 600 combatentes aliadas ao
PAK (Partido pela Liberdade do Curdistão). Elas lutam junto com as forças iraquianas para
expulsar o EI da região, criar e defender a nação curda.
Nesse contexto, as mulheres do YPJ lutam com o objetivo de fazer com que os
terroristas do Estado Islâmico sofram assim como as mulheres que eles capturam sofrem, ou
seja, elas desejam se vingar dos inúmeros casos de estupros e assassinatos contra mulheres e
meninas promovidos pelo EI, da escravização, dos sequestros e das vendas das mulheres no
mercado de escravos. De modo geral, as guerrilheiras obtiveram progresso no campo político
e, principalmente, no campo militar, pois mudou a concepção de que a mulher era vista como
um ser inferior. Com isso, é importante destacar que a guerra que essas combatentes curdas
travam é dupla, pois elas lutam contra tudo que afronta seus direitos, tanto como mulheres
quanto como povo curdo.
Nesse sentido, a participação determinante das mulheres nos exércitos é de suma
importância para a quebra de paradigmas e de padrões de gênero, os quais são estabelecidos e
seguidos à risca na região do Oriente Médio, por conta de sua tradição com base patriarcal,
como qual é o tipo de atividade que uma mulher deve desempenhar e os espaços que ela
nasceu para ocupar, pois segundo as tradições, as mulheres deveriam se ater a atividades
domésticas e educação dos filhos. Desta forma, é observado um determinismo biológico em
como a sociedade é dividida e como esta divisão impacta nas vidas das pessoas, sobretudo na
vida das mulheres. Assim, devido à nova configuração que as guerrilheiras curdas estão
fornecendo no âmbito de mulher como agente ativo de conflitos, ocorre a quebra de
paradigmas que sempre existiram nas sociedades mundiais e que, sobretudo, estão enraizadas
nas sociedades patriarcais presentes no Oriente Médio.
Conclusão
Por conta da atuação decisória e importante para questão da segurança que as
guerrilheiras curdas têm atualmente, as mulheres estão redefinindo o seu papel na sociedade
por meio de sua luta contra o Estado Islâmico (EI), ao defender os civis e o território. Assim,
as mulheres rompem com a visão de que são supostamente frágeis e que não conseguem
tomar decisões de cunho securitário. Ou seja, desconstroem a ideia de que as diferenças entre
homens e mulheres são determinadas por fatores biológicos e trazem à tona a problemática de
gênero que envolve a divisão de tarefas entre homens e mulheres, sobretudo pelas sociedades
situadas no Oriente Médio.
Vale ressaltar que, em razão da necessidade da presença das mulheres no Peshmerga e
no YPJ, elas estão ganhando uma maior autonomia e voz na sociedade curda, e lutam
diariamente contra o patriarcalismo, uma vez que ingressam no serviço militar juntamente
com os homens e executam as mesmas funções que sempre foram designadas somente a eles,
tanto na área militar quando na política.
12
Desta forma, as guerrilheiras curdas utilizam o fator do gênero feminino, para defesa
de seu território e população civil contra o expansionismo feito pelo Estado Islâmico (EI), já
que os jihadistas (fundamentalistas islâmicos que promovem o terror) acreditam que se forem
mortos por mulheres eles perdem as regalias que, supostamente, teriam quando morressem
pela causa que eles seguem. As guerrilheiras, então, utilizam o fato de serem mulheres para
aniquilar o inimigo, ao utilizar o fator do gênero em favor da divisão militar feminina de
combatentes, para questão securitária do Curdistão e para defesa dos civis.
Outro ponto importante que foi observado é que os guerrilheiros da divisão masculina
do Peshmerga recorrem mais à tática física, enquanto as guerrilheiras utilizam mais a
inteligência e o planejamento no momento em que executam suas tarefas para defender o
Curdistão. Ainda assim, elas utilizam a força das armas para se defender, bem como ao
território e população. No final, as mulheres guerrilheiras realizam o mesmo trabalho que a
divisão masculina faz: combater o inimigo, EI, visando a vitória sob os jihadistas, mas com
um fator inédito, o qual corresponde à utilização de seu gênero como fator decisório do
conflito, por meio de sua atuação como agente ativo do conflito nos fronts de batalha. Desta
forma, fazem a desconstrução da imagem frágil que foi atribuída ao gênero feminino e trazem
um novo olhar sob a participação de mulheres em guerras e conflitos.
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