UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
DENIS DE SOUZA AZEVEDO
ATOS ILOCUCIONÁRIOS: FORMALIZAÇÃO E CONDIÇÕES DE SATISFAÇÃO EM
SEARLE E VANDERVEKEN
CAMPINA GRANDE
2013
DENIS DE SOUZA AZEVEDO
ATOS ILOCUCIONÁRIOS: FORMALIZAÇÃO E CONDIÇÕES DE SATISFAÇÃO EM
SEARLE E VANDERVEKEN
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Filosofia da
Universidade Federal de Campina Grande,
como requisito parcial à obtenção do título
de Bacharel em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Sousa
Silvestre
CAMPINA GRANDE
2013
ATA DE DEFESA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA (BACHARELADO)
As dez horas e dez minutos, do dia vinte e três do mês de abril do ano de dois mil e treze, no
auditório do Hall das Placas (sala 15), compareceram para defesa pública do Trabalho de Conclusão
de Curso, obrigatória para a conclusão da graduação no Curso de Filosofia (Bacharelado), o aluno:
DENIS DE SOUZA AZEVEDO (matrícula de número 109130283) tendo como Título de sua
monografia: ATOS ILOCUCIONÁRIOS: FORMALIZAÇÃO E CONDIÇÕES DE SATISFAÇÃO EM
SEARLE E VANDERVEKEN. Constituíram a Banca Examinadora os professores: RICARDO SOUSA
SILVESTRE (orientador), EBERTH ELEUTÉRIO DOS SANTOS (examinador titular) e ANTÔNIO
GOMES DA SILVA (examinador titular). Após a apresentação do aluno e realizadas as observações
dos membros da banca avaliadora, ficou definido que o trabalho foi considerado APROVADO com
NOTA 8.5. Eu, RICARDO SOUSA SILVESTRE, na condição de Presidente da Banca Examinadora,
lavrei a presente ata que segue assinada por mim e pelos demais membros da Banca Examinadora.
Membros da Banca Examinadora:
_____________________________________
PROFESSOR DOUTOR RICARDO SOUSA SILVESTRE
Orientador
______________________________ ______________________________
PROFESSOR DOUTOR PROFESSOR DOUTOR EBERTH ELEUTÉRIO DOS SANTOS ANTÔNIO GOMES DA SILVA (Examinador Titular) (Examinador Titular)
Ao meu pai, por sua compreensão perante
minhas decisões e que sempre esteve ao
meu lado durante as dificuldades que
enfrentei na vida acadêmica.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq, pela possibilidade que me permitiu a executar esta pesquisa.
Também ao meu orientador, Ricardo Sousa Silvestre, por sua complacência em
deixar-me responsável por novos rumos que dei ao projeto inicial de nossa bolsa de Iniciação
Científica.
Por fim, a todos aqueles que me deram força para seguir em frente em momentos de
desmotivação e desilusão concernentes ao curso e à minha carreira. Em especial, aos meus
amigos Israel Galvão e Manassés de Oliveira, com os quais pude obter, novamente, foco para
seguir nesta empreitada.
“O homem fala. Falamos quando acordados e em sonho.
Falamos continuamente. Falamos mesmo quando não deixamos
soar nenhuma palavra. Falamos quando ouvimos e lemos.
Falamos igualmente quando não ouvimos e não lemos e, ao
invés, realizamos um trabalho ou ficamos à toa. Falamos sempre
de um jeito ou de outro. Falamos porque falar nos é natural.
Falar não provém de uma vontade especial. Costuma-se dizer
que por natureza o homem possui linguagem. Essa definição não
diz apenas que, dentre muitas outras faculdades, o homem
também possui a de falar. Nela se diz que a linguagem é o que
faculta o homem a ser o ser vivo que ele é enquanto homem.
Enquanto aquele que fala, o homem é: homem. [...] Mas ainda
resta pensar o que se chama assim: o homem.”
(HEIDEGGER, 2012, p. 7).
RESUMO
A teoria dos atos da fala versa sobre as intenções e consequências das enunciações dentro de
um contexto do enunciado. Os atos ilocucionários são parte dessa teoria que carregam consigo
as intenções do falante ao proferir uma proposição. O objetivo do nosso trabalho é perpassar
pela estrutura que solidifica os atos ilocutórios enquanto forma de discurso, isto é, exporemos
todas as partes que compõem a teoria ilocucionária para que esta torne-se rígida e completa.
Para isso, tomaremos como base as obras mais ressaltadas para a teoria em questão, a saber:
as de Searle e de Vanderveken, ambos os maiores expoentes nesta vertente da linguagem.
Nosso trabalho será uma explanação geral do tema proposto, de forma que apresentaremos
todas as partes constituintes dos atos ilocucionários. A teoria dos atos da fala e,
consequentemente, a dos atos ilocucionários vêm contrapor-se à postura positivista do Círculo
de Viena. Daí, a importância de um tratamento com mais afinco a esta postura linguístico-
filosófica. A partir desta concepção de relevância do tema para a filosofia, nosso trabalho
tratará da exposição de todos os pontos possíveis à teoria ilocucionária, deixando um pouco
de lado sua formalidade lógica. Este trabalho será metodologicamente mais expositivo do que
uma acepção lógica da linguagem.
Palavras-chave: Linguagem. Atos da fala. Atos ilocucionários. Vanderveken.
ABSTRACT
The theory of speech acts is about the intentions and consequences of utterances within a
context of utterance. The illocutionary acts are part of this theory that carry with them the
intentions of the speaker to utter a proposition. The goal of our work is to pass by the
structure solidifies the illocutionary acts as a form of discourse, i. e., expose all the parts that
compose the theory that this illocutionary to become solid and complete. For this, we will
build on the works more salient to the theory in question, namely the works of Searle and
Vanderveken, both major exponents in this aspect of language. Our work will be a general
explanation of the proposed topic, so we will present all the constituent parts of illocutionary
acts. The theory of speech acts and, consequently, of illocutionary acts are counter to the
positivist stance of the Vienna Circle. Hence the importance of a harder treatment to this
stance linguistic-philosophical. From this conception of relevance of the subject for
philosophy, our work will focus on the exhibition of all possible points illocutionary theory,
leaving a little aside its formal logic. This work is methodologically more expository than a
logical meaning of language.
Keywords: Language. Speech acts. Illocutionary acts. Vanderveken.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................9
CAPÍTULO I: ATOS DA FALA E ATOS ILOCUCIONÁRIOS ...................................................16
1.1. ATOS DA FALA ...........................................................................................................................16
1.2. ATOS ILOCUCIONÁRIOS ..........................................................................................................19
1.3. FORÇAS ILOCUCIONÁRIAS .....................................................................................................21
1.3.1. PONTO ILOCUCIONÁRIO ....................................................................................................22
1.3.2. GRAU DE FORÇA DO PONTO ILOCUCIONÁRIO ............................................................23
1.3.3. MODO DE ALCANCE ............................................................................................................23
1.3.4. CONDIÇÕES DO CONTEÚDO PROPOSICIONAL .............................................................24
1.3.5. CONDIÇÕES PREPARATÓRIAS ..........................................................................................25
1.3.6. CONDIÇÕES DE SINCERIDADE .........................................................................................26
1.3.7. GRAU DE FORÇA DAS CONDIÇÕES DE SINCERIDADE ...............................................27
CAPÍTULO II: AS FORÇAS ILOCUCIONÁRIAS E SUAS PECULIARIDADES ....................28
2.1. DIFERENÇAS ENTRE AS FORÇAS ILOCUCIONÁRIAS .........................................................28
2.1.1 FORÇA ASSERTIVA ..............................................................................................................28
2.1.2 FORÇA COMISSIVA .......................................................................................................... ....29
2.1.3 FORÇA DIRETIVA .................................................................................................................29
2.1.4 FORÇA DECLARATIVA .................................................................................................. ......30
2.1.5 FORÇA EXPRESSIVA ............................................................................................................31
2.2. DIREÇÕES DE AJUSTE ...............................................................................................................31
CAPÍTULO III: OS ATOS DA FALA E AS CONDIÇÕES PARA UMA EXECUÇÃO BEM
SUCEDIDA ............................................................................................................................. ..............33
3.1. CONDIÇÕES DE SUCESSO .........................................................................................................33
3.1.1 CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA ASSERTIVA ...........................................................36
3.1.2. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA COMISSIVA ..........................................................36
3.1.3. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA DIRETIVA .............................................................37
3.1.4. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA DECLARATIVA ...................................................37
3.1.5. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA EXPRESSIVA .......................................................38
3.2. CONDIÇÕES DE SATISFAÇÃO ..................................................................................................39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................................41
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................43
9
INTRODUÇÃO
A filosofia, enquanto modo de buscar entender os princípios das coisas que compõem
o homem e tudo o que há no mundo, não deve deixar de fora a busca pelo entendimento
daquilo que dá base à (con)vivência do ser humano. Este é parte integrante do macrocosmo,
ao qual dá significado. O fenômeno a que é de grande valia dispormos uma parte de nosso
tempo para tentarmos compreendê-lo é o da linguagem.
A sociabilidade, as relações individuais e entre pessoas, o desejo, o querer e tudo o
que move o homem em direção aos seus objetivos têm, como base, o fator linguístico sobre o
qual ele está posto. Grosso modo, é a linguagem que permite relacionarmo-nos com os outros
indivíduos e com o mundo em que vivemos, cultural e intelectualmente. Sendo assim, a
estrutura basilar de nossa cultura se dá por meio dessa capacidade humana que nos diferencia
dos outros seres vivos. E disso o pensamento filosófico não pode ficar à parte.
Para dar conta dos problemas e das obscuridades que a linguagem nos traz, a filosofia
se propõe a estudar e analisar a parte linguística do desenvolvimento humano. A essa subárea
dá-se o nome de filosofia da linguagem. Seu objetivo é a elucidação da relação existente entre
indivíduos e o mundo através da execução linguística do sujeito.
Dentro dessa categoria da filosofia — a filosofia da linguagem — há vários temas
abordados que dizem respeito à interação entre o homem e a natureza (natureza aqui falada de
forma ampla). Trataremos da relação emissor/receptor presente na teoria dos atos da fala.
Essa teoria estuda como se dá o processo linguístico entre falante (emissor) e ouvinte
(receptor) dentro dos contextos de uso de suas emissões (utterances).
A teoria em questão teve como pioneiro o filósofo britânico John Langshaw Austin
(How to do Things With Words), o qual desenvolveu essa perspectiva em oposição às ideias
do neopositivismo lógico. A escola filosófica do século XX propunha a eliminação da
metafísica nos discursos científico-filosóficos, pois, para os neopositivistas, os termos e/ou
objetos de referência metafísicos eram destituídos de sentido. Nessa concepção, os enunciados
deveriam possuir critérios de verificabilidade empírica para que pudessem ser aceitos pela
ciência. Do contrário, eram desconsiderados do discurso científico. Em outros termos, o
Círculo de Viena (outro nome dado à escola à qual fazemos referência) defendia que as
sentenças deveriam descrever coisas de fato, reais, concretas, e que estas fossem verificáveis
na natureza. Vejamos:
10
O principal problema dos neopositivistas do Círculo de Viena [...] era encontrar um critério
de significação que permitisse distinguir entre enunciados aceitáveis pela ciência,
enunciados que pudessem descrever efetivamente dados de fato, e enunciados que não
pudessem ser aceitos na ciência, mas fossem considerados sem sentido ou metafísicos. O
critério exigia que os enunciados aceitáveis tivessem claras condições de verdade e que,
além disso, pudessem ser verificáveis. (PENCO, 2006, p. 154).
Sendo assim, ou seja, defendendo que os enunciados que devem ser aceitos pela ciência têm
de possuir critérios de significação, o positivismo lógico só atentou para as sentenças
descritivas de coisas no mundo. Para os filósofos dessa corrente, são apenas estas últimas
sentenças as representantes de credibilidade para o conhecimento, uma vez que podem ser
verificáveis empiricamente para estipularmos valores de verdade: podemos constatar sua
verdade ou falsidade.
Alfred Jules Ayer, em sua obra Language, Truth and Logic, deixa explícita a postura
defendida pela escola à qual faz parte:
[...] é fácil ver que o propósito de uma “teoria da verdade” é simplesmente descrever o
critério pelo qual a validade de vários tipos de proposições é determinada. E como se todas
as proposições ou são empíricas ou a priori, [...] tudo que é agora requerido para completar
nossa teoria da verdade é uma indicação do modo no qual determinamos a validade de proposições empíricas.1 (AYER, 1952, p. 87 [tradução nossa]).
Vemos que, nessa passagem, Ayer atenta apenas para as proposições que descrevem o mundo
e que essas devem possuir um valor de verdade compatível com os dados empíricos a elas
referidos, excluindo, dessa forma, outros tipos possíveis de enunciações. Em outros termos,
esse valor-verdade se restringe à hipótese aceita de que são somente as proposições empíricas
que trazem consigo a conformidade ou a não conformidade com os estados de coisas que
descrevem.
É na contramão dessa hipótese que a teoria dos atos da fala exerce sua utilidade. Na
obra How to do Things with Words, o pioneiro dessa teoria, John Austin, nomeia essas
proposições defendida pelo neopositivismo de constatativas (ou constativas), pois as mesmas
não apenas descrevem situações, e sim, também, constatam realidades ou estados de coisas:
“Nem toda declaração verdadeira ou falsa são descrições, e por essa razão eu prefiro usar a
palavra ‘constatativa’” (AUSTIN, 1962, p. 3 [tradução nossa]). Essa questão de nomenclatura
refere-se ao fato de que os filósofos do Círculo de Viena nomeavam estes enunciados de
descritivos.
1 “[…] is easy to see that the purpose of a ‘theory of truth’ is simply describe the criteria by which the validity of
the various kinds of proposition is determined. And as all propositions are either empirical or a priori, […] all
that is now required to complete our theory of truth is an indication of the way in which we determine the
validity of empirical propositions.”
11
Como contra-argumento a essa posição tomada pelos neopositivistas, Austin defende
que há enunciações que não descrevem e nem constatam estados de coisas. Elas, uma vez
proferidas, fazem com que executemos certas ações. Afirma Penco (2006, p. 154): “Trata-se
de enunciados no indicativo ativo, e ainda por cima na primeira pessoa, e tais que o ato de os
proferir comporta consequências proporcionais bem determinadas. Proferindo esses
enunciados, observa Austin, executamos determinadas ações com exatas consequências.”
Sendo assim, essas expressões, que não são nem descrições nem constatações de coisas de
fato, não tratam de questões de nonsense (absurdo), assim como queriam os filósofos daquela
escola referida anteriormente, ou seja, o neopositivismo. Pois, para os neopositivistas,
enunciados que se remetessem a coisas que não estão no mundo concreto ou não são a priori
não comportariam sentido e, portanto, seriam absurdos. As expressões que Austin afirma
existir são as performativas. Estas trazem consigo, como consequência de seu proferimento,
ações tanto da parte do falante como do ouvinte.
Neste exemplo, “Eu nomeio você como presidente da classe!” não há critério de
verdade ou de falsidade. Não se pode afirmar que essa sentença é verdadeira ou falsa. Sendo
assim, ela não descreve uma situação no mundo, como defende Austin: “[...] parece claro que
proferir a sentença (em circunstâncias apropriadas, é claro) não é descrever meu feito [...]”2
(1962, p. 6 [tradução nossa]). Isto é, o exemplo dado não é uma mera descrição do que estou
fazendo, e sim, determina um novo estado de coisas que será configurado após a emissão da
sentença. Esse tipo de enunciação é denominado de atos da fala, pois a fala (a expressão da
sentença) gera ações tanto por parte de quem a profere como por aquela a quem é dirigida,
dependendo do seu conteúdo e das intenções que lhes são incumbidas.
As sentenças performativas, como podemos inferir dos exemplos dados, não possuem
valores de verdade como verdadeiro e falso. Elas podem ser satisfeitas ou não satisfeitas,
serem bem sucedidas ou malsucedidas. Penco (2006, p. 155) nos mostra isso:
Antes de tudo, quando se trata de enunciações performativas, não se pode dizer que são
verdadeiras ou falsas. São ações, são atos, e uma ação não é verdadeira nem falsa; faz-se
(bem ou mal) ou não se faz. Das ações se pode dizer que são ou bem sucedidas ou
malsucedidas (isto é, “sem efeito” ou “nulas”), se emitidas em circunstâncias não
apropriadas.
O que, portanto, esses enunciados possuem são as condições de sucesso (ou condições de
felicidade). Essa denominação também foi dada por Austin. Essas condições são atribuídas
aos atos que são executados mediante a emissão dos enunciados, como também está exposto
2 “[...] it seems clear that to utter the sentence (in, of course, the appropriate circumstances) is not to describe my
doing […]”
12
na citação de Carlo Penco acima, isto é, ações não são verdadeiras ou falsas; elas
simplesmente são executadas ou não executadas, e a isso atribui-se felicidade ou infelicidade
(são bem sucedidas ou malsucedidas), respectivamente.
Para Austin, existem três tipos de propriedades que compõem os atos linguísticos. São
eles: ato locucionário, ato perlocucionário e ato ilocucionário. O primeiro é simplesmente o
ato de o falante proferir uma sentença, levando em consideração apenas a forma linguística da
proposição. O segundo, o ato perlocucionário, é a ação feita pelo ouvinte a partir da emissão
do ato linguístico pelo falante. Os atos que possuem uma intenção quando proferidos, isto é,
quando sua emissão tem por finalidade uma certa ação (ou até mesmo o relato de uma
situação), são chamados de atos ilocucionários: “[...] dizemos que também executamos atos
ilocucionários tais como informação, ordem, alerta, promessa, etc., ou seja, enunciados os
quais têm uma certa força (convencional)”3. (AUSTIN, 1962, p. 108 [tradução nossa]). Na
sentença “Eu quero que você saia do quarto!”, o ato locucionário é simplesmente a disposição
semântica e/ou sintática da enunciação, não aludindo a seu propósito; o ato perlocucionário,
por sua vez, é a ação do ouvinte, a saber, sair do quarto. O ato ilocucionário, por fim, é a
intenção que o falante expressa ao proferir tal sentença, ou seja, o desejo de que o ouvinte
deixe o quarto. Para que essa intenção que caracteriza o ato em questão seja configurada, por
assim dizer, é preciso a sentença possuir uma força a qual deixe aquela explícita. Por
exemplo: “Eu prometo escrever minha monografia” expressa a intenção e o compromisso do
falante de executar uma ação, a saber, escrever seu Trabalho de Conclusão de Curso. Assim, a
força ilocucionária expressa a intenção do falante a executar uma ação. No exemplo dado, ela
é ilustrada pela oração “Eu prometo”.
A teoria dos atos da fala obteve contribuições de grande e indispensável valia para o
seu refinamento e maior precisão. Dois filósofos ícones dessa vertente, atualmente, são o
americano John Rogers Searle e o belga Daniel Vanderveken. Ambos puseram tal teoria sobre
fundamentos lógicos muito mais precisos do que Austin elaborou. Este último não ergueu sua
teoria em uma base sólida, que desse sustentação a toda estrutura teórica.
Diferentemente de Austin, Searle elaborou uma teoria dos atos linguísticos a partir de
suas forças de expressão, e não a partir dos verbos que aquele filósofo britânico tinha exposto
em sua obra. Isto é, Austin, ao expor sua teoria, propôs uma análise dos verbos ilocucionários
— verbos que expimem, ou desembocam, uma ação ou um estado psicológico do falante —,
fazendo com que sua teoria se referisse apenas às expressões de tais verbos em um
3 “[...] we said that we also perform illocutionary acts such as informing, ordering, warning, undertaking, &c., i.
e. utterances which have a certain (conventional) force.”
13
determinado contexto. Para Searle, essa teoria não poderia estar arraigada apenas na
qualificação de tais verbos, pois, se fosse assim, não passaria de uma análise e classificação
de verbos e que não classificaria os atos ilocucionários:
A primeira coisa a ser notada sobre essas listas é que não são classificações de atos
ilocucionários, mas de verbos ilocucionários ingleses. Austin parece assumir que uma
classificação de diferentes verbos é eo ipso uma classificação de espécies de atos
ilocucionários, que dois verbos quaisquer não sinônimos devem marcar diferentes atos
ilocucionários. (SEARLE, 2002, p. 14).
Para que se analise os atos ilocucionários de forma satisfatória, deve-se levar em
consideração os diferentes tipos de forças. Por quê? Sabemos que há vários tipos de ilocuções
(ou enunciações), cada uma com suas intenções e, portanto, com seus propósitos particulares.
Sendo assim, para a análise dessas intenções e de como elas se relacionam com o ato
linguístico, faz-se necessária a elaboração de uma classificação dos contextos em que a
sentença é executada, e não apenas uma classificação dos verbos que, supostamente,
classificam os atos ilocucionários, como queria Austin. Para isso, é preciso que estudemos e
avaliemos outros aspectos fundamentais que regem os atos ilocucionários, objeto de estudo de
nosso trabalho.
Em conformidade com Austin, porém de forma a deixar a teoria em questão mais
robusta e mais completa, Searle elabora uma taxonomia que dá conta dos atos ilocucionários e
daquilo que está implícito nas suas execuções para que assim sejam determinados, a saber:
suas forças ilocucionárias, suas direções de ajuste e seus propósitos ilocucionários. A força
ilocucionária é o contexto em que a expressão é proferida, configurando, assim, seu propósito,
ou seja, sua intenção, seu comprometimento, etc. A direção de ajuste — parte da força
ilocucionária — é como a sentença se relaciona com o mundo ou como esse se relaciona com
aquela. Para ilustrar, vejamos o exemplo:
Suponhamos que um homem vá ao supermercado com uma lista de compras feita por sua
esposa, onde estão escritas as palavras “feijão, manteiga, toucinho e pão”. Suponhamos
que, enquanto anda pelo supermercado com seu carrinho, selecionando esses itens, seja
seguido por um detetive, que anota tudo que ele pega. Ao saírem da loja, comprador e detetive terão listas idênticas. No entanto, a função das duas listas será bem diferente. No
caso do comprador, o propósito da lista é, por assim dizer, levar o mundo a corresponder às
palavras; ele deve fazer com que suas ações se ajustem à lista. No caso do detetive, o
propósito da lista é fazer com que as palavras se ajustem ao mundo; ele deve fazer com que
a lista se ajuste às ações do comprador. (SEARLE, 2002, p. 4).
Isso exposto, vemos que a direção de ajuste é também fundamental para a compreensão dos
atos da fala, e, consequentemente, para os atos ilocucionários. É esse constituinte da teoria
que irá, posteriormente, definir ou delinear, junto com os outros, as ações que serão
14
executadas a partir de uma enunciação. O propósito ilocucionário, por sua vez, é a intenção
que o falante transmite ao proferir o ato linguístico, este deve possuir a finalidade de uma
ação ou expressar um determinado estado psicológico.
A nova taxonomia searleana é composta de atos semelhantes aos que Austin elaborou.
São eles: assertivos, compromissivos (ou comissivos), diretivos, expressivos e declarativos.
Os assertivos expressam fatos como sendo o caso, ou seja, afirmam estados de coisas. A
expressão desse tipo de ato ilocucionário compromete o falante à verdade de seu enunciado.
Esse tipo de ato inclui a concepção de verdadeiro e falso. A execução do mesmo é avaliável
sob o escopo desses valores de verdade. Os compromissivos comprometem o falante a uma
ação futura, ou seja, esse último (o falante) expressa um ato ilocucionário que deixa explícita
sua intenção de praticar algo. Os diretivos expressam as tentativas do falante de fazer com que
o ouvinte pratique uma ação futura. Os expressivos exprimem os estados psicológicos do
falante. Vejamos: “O propósito ilocucionário dessa classe é o de expressar um estado
psicológico, especificado na condição de sinceridade, a respeito de um estado de coisas,
especificado no conteúdo proposicional.” (Id. Ib. p. 23). Finalmente, os declarativos
expressam a capacidade de o falante designar fatos correspondentes entre o conteúdo
proposicional e o mundo, quando bem sucedido: “[...] se sou bem sucedido em realizar o ato
de designá-lo presidente, então você é o presidente; se realizo com sucesso o ato de nomeá-lo
candidato, então você é um candidato; se realizo com sucesso o ato de declarar um estado de
guerra, então estamos em guerra [...]” (Id. Ibid.)
É na formalização desses atos da fala, em especial os atos ilocucionários, que Searle e
Vanderveken trabalham a fim de erguer toda uma teoria em cima de uma base sólida, que é a
lógica ilocucionária. Esta última dá o arcabouço formal e rígido para a elaboração das
relações existentes nesse ramo da filosofia da linguagem contemporânea.
Para que o estudo das implicações linguísticas se dê de forma consistente e complexa,
é necessário que a estudemos atentando para a sintaxe, a semântica e a pragmática. A sintaxe
diz respeito apenas às relações entre as expressões linguísticas entre si. A semântica diz
respeito às relações entre as expressões linguísticas e os objetos aos quais elas se referem. A
pragmática, por sua vez, e talvez a parte mais fundamental para o estudo dos atos da fala, é a
relação existente entre as expressões, os objetos aos quais elas se referem e os contextos de
uso da linguagem. Para que analisemos as implicações dos atos de fala, precisamos estar
munidos do que o contexto nos oferece, só assim chegamos às condições de satisfação dos
enunciados.
15
É preciso distinguirmos, também, uma coisa: as condições de sucesso diferem das
condições de satisfação. Ambas dizem respeito a coisas diferentes. Enquanto a primeira é
acerca da semântica, a segunda diz respeito à pragmática, isto é, as condições de sucesso
referem-se à relação entre as expressões linguísticas e os objetos, estabelecendo critérios para
o sucesso ou o insucesso de uma enunciação. Por outro lado, as condições de satisfação
referem-se à relação existente entre as expressões e os contextos de uso que são proferidas, ou
seja, estabelecem critérios para a satisfação ou insatisfação do enunciado através das ações
consequentes a ele. Exporemos isso, minuciosamente, no Capítulo 3 desta Monografia.
O nosso trabalho focará na exposição dos atos ilocucionários a partir de sua estrutura
semântico-formal e suas relações com o mundo dos enunciados, ou seja, os contextos de uso
da linguagem. Portanto, mostraremos a formalização semântica de tais atos linguísticos e suas
condições de adequação aos contextos que são inseridos. Tal exposição que trabalharemos
aqui será conforme aos trabalhos de John Searle e Daniel Vanderveken, os quais são os mais
recentes até então.
No Capítulo 1 falaremos dos atos ilocucionários e de todos os seus componentes, estes
sendo partes constituintes e necessárias para que possamos classificar aqueles. Sendo assim,
iremos expor cada um destes constituintes dos atos. Classificamo-los em sete pontos distintos.
No Capítulo 2, trataremos das forças ilocucionárias e seus tipos diversos, as quais
classificam os atos ilocucionários quando proferidos. Para isso, explicaremos as
características particulares de cada tipo dessas forças. Feito isso, exporemos as direções de
ajuste de cada tipo para que possamos entender a relação existente entre a força ilocucionária
e o mundo ou os estados de coisas.
Por fim, no Capítulo 3, mostraremos aquilo que talvez seja a parte mais importante
para a teoria dos atos da fala, qual seja: as condições de sucesso e satisfação. Só após
explicitarmos tais condições é que podemos entender quando estamos aptos a afirmar qual
proposição é ou não é um ato ilocucionário. Assim, é necessário estarmos de posse de todos
os fatores que constituem esse tipo de ato, a saber: falante, ouvinte e força ilocucionária.
Este Trabalho de Conclusão de Curso, portanto, versará sobre a formalização da teoria
ilocucionária contida nos escritos de Searle e de Vanderveken, para que, assim, sejamos
capazes de elucidarmos as relações existentes entre a fala e os estados de coisas os quais ela
tenta representar. Porém, não apresentaremos tal teoria sobre uma fundamentação da lógica
ilocucionária. Trabalharemos apenas em sua estrutura teórica.
16
CAPÍTULO I: ATOS DA FALA E ATOS ILOCUCIONÁRIOS
1.1. ATOS DA FALA
A teoria dos atos da fala surgiu da necessidade de ultrapassar os limites impostos pelo
neopositivismo lógico acerca das sentenças, as quais, para tal escola, deveriam ser descritivas
e que falassem do mundo objetivo, ou seja, do mundo real. Dessa forma, se tratava apenas de
enunciados que descrevessem o mundo empírico e leis lógicas e/ou matemáticas, isto é, a
precisão linguística e racional eram o que mais os filósofos dessa vertente enfatizavam. Em
outras palavras, o discurso deveria ter caráter descritivo acerca dos fenômenos e de leis que o
regulassem, por exemplo, enunciados a priori, analíticos e contingentes.
O conjunto de sentenças declarativas de uma determinada linguagem natural ou
científica era classificado e dividido da seguinte maneira, segundo os neopositivistas:
Primeiro, o conjunto de todas as sentenças declarativas desta linguagem que são a priori, analítica e necessariamente verdadeiras. (De acordo com os positivistas lógicos, o primeiro
conjunto contém todas as sentenças que afirmam as leis da lógica e matemática).
Segundo, o conjunto de todas as sentenças que são a priori, analítica e necessariamente
falsa.
Terceiro, o conjunto contendo todas as sentenças declarativas que são a posteriori, sintética
e contingentemente verdadeiras. (Exemplos de tais sentenças declarativas são aquelas as
quais afirmam as leis das ciências empíricas).
E, finalmente, o último conjunto contendo todas as sentenças que são a posteriori, sintética
e contingentemente falsas.4 (VANDERVEKEN, 2009, p. 156 [tradução nossa]).
Daí, nasceu a carência de formular uma teoria que desse conta de outras formas de sentenças
que não fossem apenas dos tipos descritos acima.
Como já mencionamos na Introdução, John L. Austin, pioneiro da teoria dos atos da
fala, elaborou esta para, justamente, mostrar que existem outras categorias de enunciados que
não têm apenas caráter descritivo (constatativo) sobre os fenômenos do mundo: são as
chamadas sentenças performativas. Essa nomenclatura se dá a partir do verbo inglês to
perform, o qual significa “executar”, “fazer”, “cumprir”, etc. Sendo assim, enunciados
performativos são denominados como tais por terem como consequência de seu proferimento
uma ação ou uma intenção por parte de quem os enunciam (falante), e não apenas descrevem
4 “First, there is the set of all declarative sentences of that language that are a priori, analytically and necessarily
true. (According to the logical positivists, this first set contains all the sentences that state laws of logic and
mathematics).
Second, there is the set of all the declarative sentences that are a priori, analytically, and necessarily false.
Third, there is the set containing all declarative sentences that are a posteriori, synthetically, and contingently
true. (Examples of such declaratives sentences are those which state of laws of empirical sciences).
And finally, there is a last set containing all declarative sentences that are a posteriori, synthetically, and
contingently false.”
17
ou constatam objetos ou estados de coisas no mundo, como queriam os neopositivistas lógicos
com suas sentenças descritivas.
Além da emissão de uma sentença desse tipo (performativo) culminar em uma ação,
ela pode, também, expressar processos psicológicos daquele que a profere, expandindo,
assim, seu campo de domínio. Em outras palavras, os atos linguísticos — usaremos neste
trabalho “atos linguísticos” como sinônimo “de atos da fala” — não apenas têm o caráter de
executar uma ação proveniente de sua emissão, mas, em junção a isso, também possuem o
papel de externalizar determinados estados mentais do falante, quando este estiver de posse da
sinceridade com a qual é possível a expressividade de tal sentimento (esse ponto ficará mais
detalhado quando falarmos das condições de sucesso). Podemos, aqui, objetar que talvez essa
conduta — de que os atos da fala também expressam estados psicológicos — não seja
condizente com as sentenças performativas, já que estas delineiam uma ação. No entanto,
expor certas reações psicológicas “[...] é expressar a atitude do falante sobre o estado de coisa
P.”5 (SEARLE e VANDERVEKEN, 2009, p. 58 [tradução nossa]), caracterizando, assim, um
ato por parte do emissor.
Os atos da fala são caracterizados enquanto tais pela ação provocada através da
emissão de um enunciado. É fácil de observar que o neopositivismo lógico do Círculo de
Viena, ao qual Ayer fazia parte, aludia somente a um tipo de sentenças, a saber, as descritivas
(e às quais Austin deu o nome de constatativas), ignorando todas as outras existentes no
campo da comunicação humana. Mesmo as enunciações que expressam certos estados
emocionais do falante são, ainda assim, atos de quem as proferem em virtude de sua reação a
estados de coisas ou mental, e, por isso, são classificadas como um ato linguístico. Por
exemplo, quando alguém pede desculpa a outro, esse pedido é a expressão de um processo
mental em detrimento de uma ação que tenha sido má ao ouvinte. Isso quer dizer que o fato de
desculpar-se é um ato da fala, pois quem se desculpa, além de expor suas reações
psicológicas, exerce uma relação para com aquele a quem se dirige.
A teoria dos atos da fala divide uma enunciação performativa em dois diferentes
componentes que, juntos, caracterizam as ações de uma certa emissão linguística: força
ilocucionária e conteúdo proposicional. Veremos estes constituintes mais
pormenorizadamente no próximo tópico deste capítulo. Usaremos, nesse trabalho, o termo
“enunciação” em contraste ao termo “sentença”, assim como defende Levinson (2007, p. 22):
“[...] queremos dizer que sentença é uma entidade teórica abstrata, definida numa teoria da
5 [...] is to express the speaker’s attitude about the state of affairs that P.”
18
gramática, enquanto uma enunciação é a emissão de uma sentença, um análogo de sentença
ou fragmento de sentença, num contexto específico.” Em outras palavras, uma sentença é
apenas a disposição das palavras em uma frase ou oração; a enunciação é a expressão dessa
sentença por um falante ou emissor em uma determinada situação ou contextualização.
Penco (2006, p. 158) expõe essa referência às partes dos atos linguísticos mais
detalhadamente:
A teoria da ação linguística deve, deste modo, compreender como parte própria sua os
resultados das teorias da linguagem que a definem como nos três níveis da fonética, sintaxe
e semântica. [...] toda ação lingüística, para ser tal, deve dar-se em uma linguagem assim
como a definiram os lingüistas e os filósofos. Austin chama este aspecto da ação lingüística de “ato locutório”. Mas o ato linguístico que Austin quer descrever na sua totalidade tem
outros dois aspectos. O segundo aspecto, que Austin denomina “ato ilocutório”, é o
herdeiro da sua análise dos performativos e traz à mente o fato de que um enunciado é
sempre emitido com uma certa força (uma asserção, uma ordem, etc.). O terceiro e último
aspecto do ato lingüístico é determinado pelo contexto em que é proferido e diz respeito às
conseqüências do próprio ato. A este Austin chama de “ato perlocutório”.
Para que uma ação proveniente da fala efetue-se é necessário que sejam levados em
conta os três elementos citados acima que possibilitam uma enunciação completa: é preciso
que a sequência dos símbolos esteja em conformidade com as regras da língua em que é
proferida (sintaxe); que a expressão linguística refira-se, realmente, àquilo ao qual quer
remeter-se, ou seja, que haja uma equivalência entre a sentença e o objeto alvo (semântica); e,
finalmente, que a expressão linguística, além de referir-se ao objeto alvo, respeite as
características do contexto no qual é proferida (pragmática).
Na análise dos atos linguísticos faz-se necessário, além das regras básicas da língua
em que um enunciado é expresso, conhecermos os contextos nos quais as expressões são
emitidas. Para isso, a junção dos três componentes citados é de suma importância para que,
dessa forma, possamos identificar o significado de cada expressão e o que o falante deseja ou
intenciona com o seu proferimento. Para tanto, precisamos estudar e lançar mão de uma das
partes mais importantes e decisivas — para a execução das ações consequentes da enunciação
— da teoria dos atos da fala, a saber: os atos ilocucionários.
Aqui, cabe-nos, por fim, responder o que é um ato da fala. Diante de tudo que foi
exposto nesse tópico, este último é a expressão que transmite determinados aspectos
psicológicos do falante e/ou faz com que esse expresse suas intenções para com o(s)
ouvinte(s) e isto, por conseguinte, é causa dos atos perlocucionários, ou seja, as ações que são
efeitos da enunciação. Em outras palavras, um ato linguístico é tal que sua emissão pode
proporcionar novos estados de coisas a partir do enunciado, referentes ao mundo e até às
relações entre falante e ouvinte, pois sempre são emitidos com uma força que determina a
19
ação subsequente ou a intenção do falante (veremos isso quando expormos as noções de
direções de ajuste). São compostos da locução, da ilocução e da perlocução, assim como
vimos na citação de Penco acima.
1.2. OS ATOS ILOCUCIONÁRIOS
Quando uma expressão é proferida por um falante as intenções deste são trazidas à
tona através, sobretudo, do contexto no qual é emitida. A intenção do emissor é caracterizada,
na teoria corrente, de ilocução6. O ato ilocucionário é, convencionalmente, a parte
responsável por expor, numa enunciação, certas forças que delineiam o propósito de quem a
profere. Nos exemplos “Eu quero que você saia do quarto” e “Peço desculpas pelo que lhe
causei!”, ambas as sentenças expressam um propósito por parte do falante. Enquanto a
primeira mostra um desejo do emissor para com o ouvinte, ou seja, uma ação será executada
(ou não) a partir da enunciação, a segunda expressa um estado mental daquele que cometeu
alguma má ação e arrependeu-se. Desse modo, o ato de exprimir uma atitude ou uma
finalidade também é denominado de ato ilocucionário, tendo em vista que emite forças
distintas com intenções díspares. Atualmente, falar de atos da fala é, em última instância, falar
em atos ilocucionários, pois são estes que externalizam o desejo do falante através de uma
enunciação.
Para que um ato ilocucionário seja caracterizado como tal, não é preciso levar em
consideração as atitudes do ouvinte. O que apenas nos interessa para estudá-lo são o contexto
no qual é proferido e as finalidades do falante. Como afirmou Pagin (2008), “O ato
ilocucionário não depende da reação do ouvinte para o que foi dito.”7 (Tradução nossa). Os
efeitos que esses atos da fala causam nos seus receptores, como já mencionado anteriormente,
são chamados de efeitos perlocucionários, causando, assim, os atos provenientes desses
efeitos, a saber: os atos perlocucionários. Estes, sim, têm conotação unicamente com as
reações do ouvinte. Porém, não nos deteremos nos mesmos em nosso trabalho. Isso dito, fica
claro que os atos ilocutórios aludem principalmente ao falante, além da situação na qual se
encontra o discurso.
Searle & Vanderveken (2009, p. 1) defendem que “As mínimas unidades da
comunicação humana são atos da fala de um tipo chamado atos ilocucionários. Alguns
6 Neste trabalho, diferenciaremos os termos “elocução” e “ilocução”. O primeiro, usaremos como sinônimo de
“enunciação”, ou seja, a expressão de uma sentença, de forma mais genérica. O segundo termo, quando nos
referirmos a uma sentença ou enunciação ilocucionária, ou seja, será um uso mais específico. 7 “The illocutionary act does not depend on the hearer’s reaction to what has been said.”
20
exemplos destes são afirmações, questões, comandos, promessas e desculpas.”8 (Tradução
nossa). Isso quer dizer que nossa comunicação está, em princípio, fundada nessas unidades
mínimas do discurso. É fácil notar que, ao nos comunicarmos, exprimimos asserções sobre
determinados estados de coisas, expomos pontos de vistas, pedimos algo a alguém,
imploramos, mandamos, desculpamos e inúmeras outras coisas. Todas essas ações da fala são
caracterizadas como ato ilocutório, pois, ao expressarmos cada enunciado com tais conteúdos,
expressamos reações psicológicas e intenções.
Para que estudemos essa ramificação tão importante e fundamental da teoria dos atos
da fala, é preciso que estipulemos as partes que a compõe.
Os atos ilocucionários possuem uma estrutura particular que os definem como tal.
Primariamente, ela é composta por uma força ilocucionária e um conteúdo proposicional. À
primeira parte, atribuímos o símbolo representativo F; à segunda, o símbolo P. Com isso,
formalmente, representamos o ato ilocucionário pela forma F(P). A força é a parte do ato que
indica sua espécie, isto é, por ela classificamos qual a ação a ser esperada e é por ela que
podemos formalizar suas regras. Nos exemplos a seguir, diferenciamos os dois atos pelas suas
forças: “Eu ordeno que você saia do quarto!” e “Eu sugiro que você saia do quarto.” Embora
o conteúdo dessas duas sentenças seja igual, suas forças são distintas, pois a primeira passa a
noção de ordem — que é mais forte —, enquanto a segunda passa a noção apenas de sugestão.
O conteúdo proposicional, por sua vez, enquanto constituinte explícito do ato, é a
parte da sentença que se segue à força ilocucionária. Nos exemplos anteriores, o conteúdo é
representado pelo enunciado “que você saia do quarto”.
Por meio do contexto é que podemos distinguir certas forças que a enunciação carrega.
Aquele determina a força ilocucionária do ato proferido. É sob o escopo daquele que a força é
definida. Na sentença: “Eu peço que você feche a porta”, a força ilocucionária pode ter duas
características diferentes. Por um lado, pode ter o aspecto de um simples pedido; porém, por
outro lado, pode ter o aspecto de uma ordem. O que diferencia essas duas situações é o
contexto que suporta a execução do ato. Por exemplo, se esta sentença for proferida por
alguém que ocupe um cargo hierárquico maior que o do ouvinte, então sua sentença tornar-se-
á uma ordem. Se não for esse o caso, então a sentença representará um mero pedido.
Por fim, o contexto possui elementos que são imprescindíveis para sua composição e
para que possamos classificar a força do ato. Esses elementos são: o falante, o ouvinte, o
tempo e o lugar. Sem esses constituintes não podemos estabelecer critérios de classificação
8 “The minimal units of a human communication are speech acts of a type called illocutionary acts. Some
examples of these are statements, questions, commands, promises, and apologies.”
21
das forças ilocucionárias. É preciso saber a posição do falante, do ouvinte e tudo o que rodeia
o campo da ilocução, para que, assim, estabeleçamos que tipo de ato ilocucionário é
proferido. Ainda é preciso haver uma interação entre falante e ouvinte para que o ato possa ser
caracterizado. Isto é, “[...] para um ato da fala realizar-se, geralmente se exige supor que o
destinatário ouviu, registrou e, em alguns casos, [...] reagiu ao que foi dito (as exceções são,
talvez, coisas como maldições, invocações e bênçãos).” (LEVINSON, 2007, p. 330). Portanto,
é necessário que as partes fundamentais de um discurso, ou seja, emissor e receptor, estejam,
de fato, de posse da ciência do que está acontecendo para, assim, ser possível a análise dos
atos a que nos referimos. Em resumo, os atos ilocucionários subdividem-se em duas partes
essenciais: força e conteúdo proposicional. Enquanto o conteúdo vincula-se à sintaxe e à
semântica, a força ilocucionária tem relação estrita com o contexto, ou seja, é a parte
pragmática do ato da fala correspondente.
Para que o estudo efetivo desses atos que expomos nesse trabalho seja realmente
possível, precisamos estudar, com mais profundidade, as forças ilocucionárias que formulam
tais unidades da comunicação humana. Isso é o que faremos no próximo tópico.
1.3. FORÇAS ILOCUCIONÁRIAS
Para estudarmos os atos ilocucionários, não podemos, em hipótese alguma, deixar de
lado as forças ilocucionárias das enunciações. São elas — as forças — que suportam toda a
estrutura do ato linguístico, fazendo com que seja possível seu estudo e a atribuição das
condições de sucesso e satisfação.
Como Vanderveken (2009, p. 103) afirma, “[...] a noção de força ilocucionária não é
tomada como uma noção primitiva, mas é derivada a partir de noções mais primitivas.”9
(Tradução nossa). Portanto, exporemos tal componente através das partes que o compõe.
Dessa forma, a força ilocucionária é o conjunto dos elementos que a determinam. Esses
elementos são sete: ponto ilocucionário (as direções de ajuste são partes deste), grau de força
do ponto ilocucionário, modo de alcance, condições do conteúdo proposicional, condições
preparatórias, condições de sinceridade e grau de força das condições de sinceridade.
Na obra Meaning and Speech Acts, Vanderveken divide a força ilocucionária em seis
componentes. O autor menciona apenas, em sua divisão, um grau de força. No entanto,
9 “[…] the notion of illocutionary force is not taken as a primitive notion, but is derived from more primitive
notions.”
22
preferimos dividi-la como encontrado na obra Foundations of Illocutionary Logic10
, na qual
os autores mencionam um grau de força para o ponto ilocucionário e outro grau de força para
as condições de sinceridade. Nossa preferência não será comprometida, pois Vanderveken,
embora não mencione na divisão um grau de força para cada componente citado (ponto e
condições de sinceridade), faz essa alusão na sua definição. [Cf. VANDERVEKEN, 2009, p.
103 ss.]. Em outras palavras, nossa preferência por essa divisão se dá pelo fato de que
achamos justo falar de grau de força do ponto ilocucionário, pois as intenções do falante são
exprimidas com diferentes intensidades, assim como as condições de sinceridade. Dessa
forma, se falamos de grau de força das condições de sinceridade, por que não falarmos do
grau de força do propósito do emissor?
Para que entendamos esse constituinte dos atos ilocucionários, ou seja, a força
ilocutória, é necessário sabermos o que significa e qual a função de cada elemento que o
compõe.
1.3.1. PONTO ILOCUCIONÁRIO
O ponto ilocucionário é o que denominamos de propósito do falante, isto é, o emissor,
ao proferir uma sentença, possui o intuito de que sua enunciação seja satisfeita ou, em outras
palavras, que o receptor, por exemplo, execute a ação proveniente da emissão do enunciado.
Podemos ver isso em Searle e Vanderveken (2009, pp. 13-14): “O ponto de afirmações e
descrições é contar às pessoas como as coisas são, o ponto de promessa e juramentos é
comprometer o falante a fazer alguma coisa, o ponto de ordens e comandos é tentar que as
pessoas façam algo [...].”11
(Tradução nossa).
O ponto ilocucionário é o principal elemento da força ilocucionária. É aquilo que
determina, com mais objetividade, a intenção do falante. Em dois distintos atos da fala
diretivos, um pedido e uma ordem, por exemplo, sabemos que o ponto ilocucionário é fazer
com que alguém execute uma ação. O que diferenciará, neste caso, a configuração que os
distingue serão os outros componentes da força, os quais veremos mais adiante. O que
queremos afirmar aqui é que o ponto ilocucionário é o responsável mais direto por fazer
transparecer o desejo que o emissor passa em sua enunciação.
10 Cf. 2009, p. 20. 11 “The point of statements and descriptions is to tell people how thing are, the point of promises and vows is to
commit the speaker to doing something, the point of orders and commands is to try get people to do things […].”
23
Uma sentença que não possua um propósito intrínseco não pode ser denominada de
ato da fala. O que vai determinar a característica de ato linguístico é, justamente, o ponto
ilocucionário de uma elocução, pois este último é carregado com as intenções do emissor para
uma ação ou para a expressão de sentimentos e emoções.
1.3.2. GRAU DE FORÇA DO PONTO ILOCUCIONÁRIO
Ao expressarmos uma intenção através de uma enunciação, também passamos ao
ouvinte uma força que será, na sentença, aparece por meio de uma entonação. Esse tom
revelado unicamente pela expressão é denominado de grau de força do ponto ilocucionário:
“Por exemplo, se eu peço a alguém que faça alguma coisa, minha tentativa de que ele consiga
fazer é menos forte que se eu insista que ele faça isso.”12
(SEARLE e VANDERVEKEN,
2009, p. 15 [tradução nossa]).
Isso quer dizer que expomos nossos desejos de formas variadas: uns mais fortemente
(mais urgentes) que outros. Assim, distinguimos esses modos de intensidade através dos graus
de forças das respectivas intencionalidades do falante ao proferir suas ilocuções.
Podemos diferenciar algumas espécies de intenções do emissor e, consequentemente,
seus graus de forças do ponto ilocucionário. Começaremos, a fim de exemplificação, de forma
ascendente, ou seja, do grau de força menor para o maior: sugerir, pedir, insistir, implorar,
mandar, ordenar. As intenções descritas por estas palavras nos mostram a diferença existente
entre cada forma de desejo daquele que as emite. Dessa forma, uma sugestão tem um menor
grau de força do que um pedido, e este, por sua vez, tem menor força intencional do que uma
insistência, e assim por diante. Cada um destes pontos ilocucionários possuem seus graus de
força em virtude do propósito ao qual o emissor está vinculado. Sendo assim, fica fácil
identificar a força de cada desejo expressado pelo falante.
1.3.3. MODO DE ALCANCE
Os atos da fala são caracterizados enquanto tais a partir de sua execução. A força
ilocucionária específica a cada enunciação é estipulada, por assim dizer, pela forma como ela
é requerida. Por exemplo, um comando proferido por um falante se torna tal pela
superioridade que este possui de antemão, isto é, como Searle e Vanderveken defendem,
12 “For example, if I request someone to do something my attempt to get him to do it is less strong than if I insist
that he do it.”
24
aquele que profere um ato desse tipo invoca sua posição de autoridade. Só assim é possível
uma ilocução se tornar um comando, e não apenas um mero pedido. A fim de exemplificação,
vejamos:
Alguns, mas não todos, atos ilocucionários requerem um caminho ou conjunto especiais de
condições sob os quais seu ponto ilocucionário tem de ser alcançado na execução do ato da
fala. Por exemplo, um falante que emite um comando a partir de uma posição de autoridade
faz mais que alguém que emite um pedido.13 (SEARLE e VANDERVEKEN, 2009, p. 15
[Tradução nossa]).
Os atos ilocucionários podem possuir o mesmo ponto ilocucionário e diferentes modos
de alcance. Este último não determina o primeiro. Podemos confirmar isso atentando ao fato
de que um pedido e uma ordem possuem o mesmo ponto ilocucionário — ambos direcionam
o ouvinte a executar uma ação futura —, porém diferentes modos de alcance: enquanto o
pedido pode ser feito por qualquer falante, a ordem só pode ser proferida por alguém que
obtenha uma posição superior a do ouvinte.
O que é, portanto, o modo de alcance de um ato ilocucionário? É a forma de como um
ato da fala é alcançado por sua execução, isto é, proferimos as enunciações conforme o
contexto no qual estamos inseridos, e este caracteriza que tipo de ato ilocucionário emitimos.
Dessa forma, o modo de alcance é o que distinguirá, em virtude do contexto de uso do falante,
os diferentes tipos de atos executados, o qual distinguirá, então, os pedidos das ordens,
afirmações de declarações, e assim por diante. Cada uma destas espécies de atos
ilocucionários é determinada a partir do modo de alcance de sua execução, e isso se deve ao
fato de que este depende exclusivamente do contexto de cada ilocução e que, também,
envolve o emissor.
1.3.4. CONDIÇÕES DO CONTEÚDO PROPOSICIONAL
No proferimento de um ato da fala, bem como no de qualquer outra sentença que
tenha sentido, é preciso que haja clareza naquilo que se quer transmitir ao receptor. Assim, as
condições de conteúdo proposicional são o componente da força ilocucionária que representa,
por meio da sentença, a ação do falante. Por exemplo, em um ato ilocucionário de promessa, o
conteúdo proposicional da enunciação deve passar, àquele que a ouve, uma ação futura do
emissor. Não se pode prometer algo que irá fazer no passado. A sentença deve corresponder,
13 “Some, but not all, illocutionary acts require a special way or special set of conditions under which their
illocutionary point has to be achieved in the performance of the speech act. For example, a speaker who issues a
command from a position of authority does more than someone who makes a request.”
25
obrigatoriamente, a cada tipo específico de ato ilocucionário. A fim de exemplificação, atos
da fala que comprometem o falante ou o ouvinte a uma ação têm seus conteúdos
proposicionais que expressam a execução no tempo futuro. Por outro lado, atos que remetem
a fatos passados possuem conteúdos proposicionais que deixam explícitos o tempo — no
caso, o tempo passado — que eles foram executados.
Essas condições de conteúdo proposicional têm relação direta com a parte sintática das
sentenças, ou, em outras palavras, são condições estritamente sintáticas. O desrespeito delas
acarretam, por assim dizer, anomalias sintaticamente perceptíveis, como Searle e
Vanderveken (2009, p. 16) pontuaram muito bem: “Estas condições obviamente têm
consequências sintáticas: sentenças tais como ‘Eu ordeno-lhe comer feijão semana passada’
são linguisticamente estranhas.”14
(Tradução nossa). Portanto, as condições de conteúdo
proposicional é o componente responsável por nos expor, com clareza, através do enunciado
proferido, o que a enunciação representa. E isso se deve ao fato de respeitar as convenções
sintáticas da linguagem natural.
1.3.5. CONDIÇÕES PREPARATÓRIAS
As condições preparatórias, que também compõem a força ilocucionária, estabelece o
pano de fundo dos atos ilocucionários, ou seja, um ato só deve ser expresso se as condições
que o garante estiverem de acordo com a realidade. Em outros termos, o falante pressupõe,
para cada enunciação proferida, outras sentenças que alicerçam a execução de sua ilocução.
Por exemplo, quando alguém se compromete a realizar uma ação futura, deve levar em
consideração sua possibilidade de execução do fato comprometido, ou seja, o emissor possui,
primariamente, pressuposições de que é capaz de cumprir com sua promessa. Da mesma
forma, se eu faço um pedido a outra pessoa para que ela feche a porta, as condições
preparatórias desse meu pedido são tanto que a porta esteja aberta como que o ouvinte não
tenha nenhum impedimento de executar tal ação. Vanderveken (2009, p. 114) nos assegura
isso: “[...] cada força ilocucionária F tem um componente, chamado de condição preparatória
de F, o qual determina quais proposições o falante deve pressupor quando executa um ato
14 “These conditions obviously have syntactic consequences: sentences such as ‘I order you to have eaten beans
last week’ are linguistically odd.”
26
ilocucionário [...].”15
(Tradução nossa). Assim, as condições preparatórias de um ato
ilocucionário são o que sustentam sua execução de modo a permitir o seu sucesso.
Há, nas pressuposições a serem requeridas, uma particularidade que deve ser
mencionada: é preciso diferenciar as pressuposições da força ilocucionária das do conteúdo
proposicional. As primeiras, podemos observá-las nos exemplos anteriores, não dizem
respeito, diretamente, ao que o conteúdo proposicional remete-se, e sim pressupõem fatores
contextuais que garantem a exequibilidade da ação proveniente do ato da fala proferido. As
segundas, referem-se ao sentido das sentenças — como, por exemplo, as descrições definidas
em Russell.16
O filósofo belga, Vanderveken (Ibid. p. 115), nos afirma:
As condições preparatórias determinam um conjunto de pressuposições peculiares à força ilocucionária. Estas pressuposições devem ser distinguidas de outras pressuposições de
enunciações as quais derivam do conteúdo proposicional. Assim, por exemplo, enunciações
bem sucedidas de sentenças tais como “Você verá a Rainha da Inglaterra?” e “Você verá a
Rainha da Inglaterra” pressupõem a existência de uma Rainha da Inglaterra por causa do
significado das descrições definidas. Tais pressuposições, peculiares ao conteúdo
proposicional, [...] são independentes da força ilocucionária.17 (Tradução nossa).
Isso exposto, devemos tomar cuidado no que concerne às pressuposições inerentes às
condições preparatórias. Elas dizem respeito à força ilocucionária, ou seja, ao contexto da
ilocução proferida pelo falante, e não ao que a sentença denota. Assim, as pressuposições que
devem ser levadas em consideração são as referentes à força.
1.3.6. CONDIÇÕES DE SINCERIDADE
Este componente é o estado psicológico que o falante expressa junto ao ato
ilocucionário. Com a execução deste, “[...] o falante também expressa (ou manifesta) estados
mentais de certos modos psicológicos sobre o estado de coisas representado pelo conteúdo
proposicional.”18
(VANDERVEKEN, 2009, p. 117 [tradução nossa]). A conformidade do ato
e do estado psicológico configura as condições de sinceridade. Exemplificando isso, para que
a condição de sinceridade seja estabelecida em uma promessa, o falante deve ter a pretensão
15 “[...] each illocutionary force F has a component, called the preparatory condition of F, which determines
which propositions the speaker must presuppose when he performs an illocutionary act […].” 16 Para uma visão genérica sobre esse ponto, ver Penco (2006, cap. 5). 17 “The preparatory conditions determine a set of presuppositions peculiar to illocutionary force. Those
presuppositions must be distinguished from the others presuppositions of utterances which derive from the
propositional content. Thus, for example, successful utterances of sentences such as ‘Will you see the Queen of
England?’ and ‘You will see the Queen of England’ presuppose the existence of a Queen of England because of
the meaning of the definite descriptions. Such presuppositions, peculiar to propositional content, […] are
independent of illocutionary force.” 18 “The speaker also expresses (or manifests) mental states of certain psychological modes about the state of
affairs represented by the propositional content.”
27
de cumprir com o prometido. Da mesma forma acontece com um pedido: o falante só deve
pedir algo a um ouvinte se ele quiser que este último execute o seu pedido.
Cada ato da fala é carregado das condições de sinceridade do falante. No entanto,
distinguimos atos destes tipos sinceros e insinceros. Os primeiros são aqueles em que o
conteúdo proposicional é idêntico aos estados psicológicos do emissor. Por exemplo, quando
alguém faz uma asserção, deve acreditar no que afirma, ou seja, o enunciado tem de estar de
acordo com o estado mental de quem o emite. Por outro lado, os atos da fala insinceros são
tais que o conteúdo proposicional não está em conformidade com os estados psicológicos de
quem os proferem. Para ilustrar o afirmado, em uma mentira o falante não crê no que profere,
ou seja, o conteúdo da sentença não corresponde ao estado psicológico: há uma discrepância
entre a enunciação literal e o propósito do emissor.
1.3.7. GRAU DE FORÇA DAS CONDIÇÕES DE SINCERIDADE
O grau de força das condições de sinceridade estipula a intensidade que caracteriza o
estado psicológico do falante. Por exemplo, se um falante pede algo e depois implora esse
algo, o grau de força do pedido é menor que o grau de força da súplica:
Assim como os mesmos pontos ilocucionários podem ser alcançados com diferentes graus de força, os mesmos estados psicológicos podem ser expressos com diferentes graus de
força. O falante que faz um pedido expressa o desejo de que o ouvinte faça o ato pedido;
mas se ele suplica, roga ou implora, expressa um desejo mais forte do que se ele
meramente pedisse.19 (SEARLE e VANDERVEKEN, 2009, p. 19 [tradução nossa]).
Esse componente da força ilocucionária demonstra a urgência, a importância ou a
prioridade da ação proveniente do ato ilocucionário emitido pelo falante. Este enuncia
sentenças que são tratadas subjetivamente ou em detrimento do contexto que está inserido,
por importâncias, ou seja, a relevância da ação a ser executada através do ato ilocucionário
determina o grau de força das condições de sinceridade. Por exemplo, quando alguém sugere
alguma coisa a outrem, o grau de força das condições de sinceridade é menor que se ele
executasse uma súplica. No segundo caso seu desejo é mais forte que no primeiro. Sendo
assim, o grau de força das condições de sinceridade de cada ilocução é o responsável por
passar ao ouvinte a força do desejo ou intenção que o emissor expressa mediante o ato
ilocucionário.
19 “Just as the same illocutionary point can be achieved with different degrees of strength, so the same
psychological state can be expressed with different degrees of strength. The speaker who makes a request
expresses the desire that the hearer do the act requested; but if he begs, beseeches, or implores, he expresses a
stronger desire than if he merely requests.”
28
CAPÍTULO II: AS FORÇAS ILOCUCIONÁRIAS E SUAS PECULIARIDADES
2.1. DIFERENÇAS ENTRE AS FORÇAS ILOCUCIONÁRIAS
Assim como não possuímos um único tipo de discurso, os atos ilocucionários também
podem ser expressos com vários tipos de forças ilocucionárias. Estas nos ajudam a diferenciar
a intenção que o falante expressa com sua enunciação. Por exemplo, a ilocução “Saia do
quarto” pode ser tanto uma sugestão, um pedido ou uma ordem. Isso dependerá de quem a
profere e em qual contexto esta sentença está inserida. Para isso, precisamos examinar seu
contexto mediante os elementos que acabamos de ver no Capítulo I.
Quando mantemos uma relação emissor-receptor, expressamos diferentes atos
ilocucionários e estes com diversos modos de expressabilidade e propósito. A isso, como já
visto, damos o nome de força ilocucionária. Para compreendermos os diferentes tipos dessas
forças, precisamos estar cientes de que, em uma ilocução, emitimos estados psicológicos
distintos, tais como: afirmações, comprometimentos, comandos, pedidos ou ordens,
declarações, expressão de sentimentos, etc. À cada uma dessas categorias atribui-se uma
classe de força ilocucionária particular. Para exemplificarmos, existem cinco tipos de força
ilocucionária diferentes. São eles: forças ilocucionárias assertiva, comissiva, diretiva,
declarativa e expressiva. Cada uma dessas classes compreende um conjunto de modos de
elocuções, conforme veremos a seguir.
2.1.1. FORÇA ASSERTIVA
A classe da força assertiva dispõe do conjunto das elocuções que emitem afirmações
do falante sobre um determinado assunto: testemunhos e relatos são alguns exemplos de tal
força. Searle e Vanderveken (2009, p. 37) defendem que “O ponto assertivo é dizer como as
coisas são. [...] em enunciações com o ponto assertivo o falante apresenta uma proposição
representando um atual estado de coisas [...].”20
(Tradução nossa). Os autores mencionam
“ponto assertivo”, porém o sentido é o mesmo do nosso, isto é, podemos usar, por exemplo,
tanto força assertiva como ponto assertivo. Ambos denotam o mesmo intuito, qual seja: fazer
referência ao propósito do emissor.
20 “The assertive point is to say how things are. […] in utterances with the assertive point the speaker presents a
proposition as representing an actual state of affairs […]”
29
Apresentar um enunciado que represente a configuração de alguma coisa é fazer uma
asserção com a intenção de ajudar ou contribuir com um discurso ou com qualquer situação
correspondente. O falante que profere uma asserção possui a crença na sua proposição ou tem
razões para tal emissão. Sobre esta abordagem veremos quando falarmos sobre as condições
de sucesso e satisfação dos atos ilocucionários.
2.1.2. FORÇA COMISSIVA
Os atos ilocucionários que têm a função de comprometer o falante a uma ação futura
são denominados de atos ilocucionários comissivos, ou seja, possuem força ilocucionária
comissiva. Essa nomenclatura vem desde o trabalho de J. Austin21
— o pioneiro da teoria dos
atos da fala —, a qual decorre do verbo inglês to commit: comprometer. Exemplos desse tipo
de força são as promessas, juramentos e tudo o que põe o emissor diante de um
comprometimento próprio a uma determinada ação, como defendem Searle e Vanderveken
(2009, p. 55): “Uma vez que ilocuções comissivas são por definição acerca das ações futuras
do falante, [...] a proposição deve representar algum curso de ação futura pelo falante.”22
(Tradução nossa).
Toda forma de, por exemplo, manter uma palavra dada para com outrem é considerada
uma força comissiva. Em outras palavras, sempre quando uma enunciação é proferida com o
intuito de deixar o emissor comprometido com qualquer espécie de ação, seja ela intelectual,
física ou até simbólica, estamos diante de uma ilocução de força comissiva. Trataremos desse
tipo de força quando expormos as condições de sucesso e satisfação, no Capítulo III.
2.1.3. FORÇA DIRETIVA
Assim como nos comprometemos e nos pomos a mercê de uma ação, como tratado no
tópico anterior, também fazemos isso para com outrem, ou seja, muito frequentemente
colocamos alguém diante de um compromisso ou de uma atividade. Fazemos isso por meio de
enunciações de comando, ordem, pedido, sugestão e outras do mesmo gênero — o que faz
com que outra pessoa faça algo. Esse tipo de ilocução carrega consigo a força ilocucionária
21 Cf. AUSTIN, 1962, p. 150 ss. 22 “Since commissive illocutions are by definition about the future actions of the speaker, […] the proposition
must represent some future course of action by the speaker.”
30
diretiva. O conteúdo proposicional dessa força “[...] representa um futuro curso de ação do
ouvinte.”23
(Id. Ibid. p. 56 [tradução nossa]).
Não é difícil observar que os exemplos dados aqui, dos tipos de proposições diretivas,
levam o ouvinte a executar uma ação futura. Sendo assim, para que um ato ilocucionário
dessa espécie seja caracterizado como tal, é preciso que o receptor esteja em condições de
executar a atividade proveniente da emissão do falante. Veremos isso e outras noções de
exequibilidade desse ato nas condições de sucesso e satisfação.
2.1.4. FORÇA DECLARATIVA
Dentre todas as forças que explicitamos e que iremos explicitar, há uma que não
necessariamente precisa de uma relação emissor/receptor. Esta força se chama força
ilocucionária declarativa. As consequências desse ato da fala se dão através da expressão de
uma declaração por parte do falante. Os estados de coisas se configurarão a partir dessa
emissão por meio das convenções linguísticas e sociais existentes em cada cultura. Por
exemplo, na cerimônia de casamento, quando o juiz emite a sentença “Declaro-vos marido e
mulher!”, uma nova configuração se estabelece no mundo dos cônjuges.
O ato ilocucionário declarativo (ou de força declarativa) não requer, de forma
necessária, a existência de um ou mais ouvintes. O mundo muda em virtude apenas da
enunciação proferida pelo emissor. Para exemplificar isso, podemos batizar algum objeto
inanimado com um nome e outras ações do tipo. Isso, é claro, não necessita de um receptor
humano, como foi o caso até aqui das outras forças ilocucionárias.
Uma peculiaridade dessa força ilocucionária é que o emissor precisa possuir um status
extralinguístico para a execução do seu ato da fala correspondente, como afirmam Searle e
Vanderveken (2009, p. 56):
O ponto ilocucionário de uma declaração é conduzir mudanças no mundo, assim o mundo
iguala-se ao conteúdo proposicional somente em virtude da execução bem sucedida do ato
da fala. Normalmente, isso é alcançado invocando alguma instituição extralinguística de tal
modo que dentro da instituição a execução da enunciação conte como conduzindo uma
mudança no mundo.24 (Tradução nossa).
23 “[...] represents a future course of action of the hearer.” 24 “The illocutionary point of a declaration is to bring about changes in the world, so that the world matches the
propositional content solely in virtue of the successful performance of the speech act. Normally, this is achieved
by invoking some extralinguistic institution in such a way that within the institution the performance of the
utterance act counts as bringing about the chance in the world.”
31
Exemplos dessas instituições extralinguísticas às quais os autores se referem, podemos
constatar nos juízes, padres, pastores, presidentes de assembleias e todos aqueles que possuam
algum poder de decisão, pois estes possuem aparatos sociais (convenções) que não são de
cunho linguístico. Sendo assim, a força ilocucionária declarativa tem o propósito de mudar o
mundo mediante a emissão de uma sentença que esteja de acordo com dois quesitos
indispensáveis: as convenções sociais e a invocação de uma entidade extralinguística pelo
falante.
2.1.5. FORÇA EXPRESSIVA
Essa força expõe os sentimentos ou as atitudes psicológicas do falante. Como seu
nome já denuncia, ela é a expressão dos estados mentais do emissor. Por exemplo, o pedido
de desculpas por alguma má ação do falante para com o ouvinte é a expressabilidade de um
arrependimento ou de um constrangimento, ou seja, um estado emocional daquele que se
desculpa.
Tal força é a característica intencional do falante de expor seus sentimentos a um
ouvinte em relação a um determinado acontecimento, como afirmam Searle e Vanderveken
(2009, p. 58): “O ponto ilocucionário de uma ilocução expressiva [...] é expressar as atitudes
do falante sobre o estado de coisas P.”25
(Tradução nossa). Esse estado de coisa P pode ser
representado por uma ação infeliz, por um acontecimento importante ou por qualquer outro
fato que desperte os sentimentos do emissor. Entre esses fatos nos cabe expor: condolências,
boas vindas, cumprimentos, agradecimentos, etc. Em suma, a força ilocucionária expressiva
transmite ao ouvinte os estados mentais do falante em detrimento ou virtude de fatos
acontecidos.
2.2. DIREÇÕES DE AJUSTE
As direções de ajuste relacionam o conteúdo proposicional de uma enunciação e o
mundo. São partes que integram o ponto ilocucionário, como podemos observar em
Vanderveken (2009, p. 104 ss). Algumas ilocuções objetivam igualar seu conteúdo ao estado
de coisas a que se refere. Outras, que o mundo iguale-se ao seu conteúdo. Ainda há aquelas
que têm as duas pretensões. Por fim, existe um tipo de enunciação que é destituída deste tipo
25 “The illocutionary point of an expressive illocution […] is to express the speaker’s attitude about the state of
affairs that P.”
32
de direcionamento. À primeira espécie atribuímos o nome de direção de ajuste palavra-
mundo. À segunda, direção de ajuste mundo-palavra. A terceira possui ambas as direções e a
última tem direção de ajuste vazia ou nula, pois esta não tem por objetivo mudar ou igualar o
mundo da enunciação ao seu conteúdo, ou vice-versa.
Correlacionando as direções de ajuste às forças ilocucionárias, podemos expor como e
a quais direções cada tipo de força interage. A força assertiva tem direção de ajuste palavra-
mundo. Podemos ver isso em Searle e Vanderveken (2009, p. 93): “Quando o ponto
ilocucionário da enunciação é igualar o conteúdo proposicional ao mundo do enunciado,
como com as ilocuções assertivas, dizemos que a enunciação tem a direção de ajuste palavra-
mundo.”26
(Tradução nossa). Seu objetivo é dizer como o mundo é ou se encontra um estado
de coisa específico, como é o caso de afirmações, testemunhos, relatos, etc.
Ao contrário das ilocuções assertivas, as comissivas e as diretivas possuem a direção
de ajuste mundo-palavra. O objetivo destas é mudar o mundo, ou um estado de coisas, a partir
de seu proferimento. Ao prometer algo a outro, o falante tem o compromisso de executar a
ação que o conteúdo proposicional expressa, isto é, sua ação configurará uma específica
situação. Da mesma forma acontece com a força diretiva: o emissor, ao direcionar um ato
ilocucionário a um ouvinte, este deve executar aquilo que o conteúdo proposicional
representa, mudando, deste modo, o mundo atual.
A força declarativa tem ambas as direções de ajuste, pois, ao mesmo tempo em que
tenta igualar seu conteúdo proposicional ao mundo, iguala este ao seu conteúdo. Em outros
termos, o ato ilocucionário com o ponto declarativo muda um estado de coisa a partir de sua
enunciação e igualando esta àquele, como no caso, por exemplo, do batismo e da declaração
de casamento por parte de um juiz.
A força expressiva não possui direção de ajuste por não igualar nem seu conteúdo ao
mundo nem o mundo ao seu conteúdo. Este ponto apenas expressa as atitudes psicológicas do
falante em relação a algum fato, como, por exemplo, no caso de condolências.
Em suma, as direções de ajuste mostram como os atos ilocucionários se relacionam
com o mundo, ou seja, se têm a pretensão de mudar este último ou se o mundo deve igualar-se
ao conteúdo proposicional. É com a noção de direção de ajuste — mesmo que de modo não
muito explícito, pois, ao proferirmos um ato de fala, não atentamos conscientemente para esse
aspecto da força ilocucionária — que conseguimos distinguir a ação ou os estados mentais
que se seguirão à enunciação.
26 “When the illocutionary point of the utterance is to get the propositional content to match the world of the
utterance, as with the assertive illocutions, we say that the utterance has the word-to-world direction of fit.”
33
CAPÍTULO III: OS ATOS DA FALA E AS CONDIÇÕES PARA UMA EXECUÇÃO
BEM SUCEDIDA
Na teoria dos atos da fala, os atos ilocucionários necessitam de um pano de fundo no
qual esteja estabelecida as condições para que sua execução seja adequada, ou bem sucedida.
Sem esse fundamento, não podemos estipular a adequação entre o ato da fala, o contexto do
discurso e os estados de coisas. Para isso, é preciso expormos as condições de sucesso e as
condições de satisfação. Essas duas condições são semelhantes. No entanto, há algumas
peculiaridades em cada uma, fazendo com que uma necessite da outra. Isso é o que veremos
nos tópicos a seguir.
3.1. CONDIÇÕES DE SUCESSO
As condições de sucesso de um ato ilocucionário dizem respeito às regras básicas que
a enunciação deve estar de acordo para que seja executada com sucesso. Em outros termos, o
falante, ao proferir um ato da fala, tem de possuir os requesitos necessários ao sucesso de seu
enunciado.
Há duas espécies de atos ilocucionários, a saber: os atos elementares e os atos
complexos. Para que seja possível estipularmos completamente as condições de sucesso
daqueles, é imprescindível que explicitemos tais condições dessas duas classes.
Para um ato da fala, em especial os atos ilocucionários, ser bem sucedido a partir de
sua enunciação é indispensável que sejam fundamentadas as estruturas basilares que
sustentam tal sucesso. Por isso, a teoria linguística em questão elabora todo esse arcabouço
que dá conta, lógica e pragmaticamente, do comprometimento entre a sentença proferida e as
ações dela provenientes. Por um lado, logicamente, para que os fundamentos sólidos que toda
teoria que se preze formal deve obter para, assim, elaborar todas as suas consequências, isto é,
os atos da fala são suplantados, em primeira instância, numa base lógica, a chamada lógica
ilocucionária. Em nosso trabalho não focaremos nessa parte formalizada dos atos
ilocucionários. Apenas introduziremos, de modo bem básico, a seguir, uma formalidade a
respeito das condições de sucesso. Por outro lado, pragmaticamente, devido às ações que
podem ser executadas a partir do proferimento de um ato da fala específico. Isto é, só se tem
sucesso em um ato ilocucionário se todos os elementos necessários para sua execução
estiverem encadeados completamente, seguindo desde o conteúdo proposicional até as
34
condições de sinceridade do falante. Só assim um ato é pragmaticamente possível, ou seja,
suas implicações serão realizadas no mundo com sucesso.
Para começarmos a mostrar as condições de sucesso dos atos ilocucionários,
partiremos dos atos elementares, depois dos atos complexos e, por último, analisaremos as
forçar ilocucionárias, cada uma em sua particularidade.
1) Um ato elementar A, do tipo F(P), é executado com sucesso em um determinado contexto
se, e somente se:
[...] (1) é bem sucedido no alcance do ponto ilocucionário de F sobre P com o característico
modo de alcance e grau de força de F, (2) executa o ato proposicional o qual consiste em
expressar P e P satisfaz as condições de conteúdo proposicional de F com respeito a i27, (3)
pressupões que as condições preparatórias de F(P) e as pressuposições proposicionais são
obtidas, e, finalmente, (4) expressa os estados psicológicos especificados pelas condições
de sinceridade de F(P) com o característico grau de força das condições de sinceridade de
F.28 (SEARLE e VANDERVEKEN, 2009, pp. 75-76 [Tradução nossa]).
Os autores mencionam todas as condições que precisam ser respeitadas para que
executemos um ato ilocucionário bem sucedido. Em outros termos, todos os elementos que
compõem um ato — desde o ponto ilocucionário até o grau de força das condições de
sinceridade —, têm de serem alcançados com o máximo de fidelidade possível, ou seja, nem
podem ser burlados — executados de forma insincera ou infeliz — e nem omitidos.
Esse foi o primeiro e o mais simples tipo de ato a ser especificado. Agora, partiremos
para os atos ilocucionários complexos.
2) Um ato complexo A, sendo uma conjunção do tipo (A1A2), é executado com sucesso num
determinado contexto se: “[...] ambos conjuntos são executados nesse contexto. Assim,
(A1A2) é executado no contexto i se, e somente se, A1 e A2 forem executados em i.”29
(Id.
Ibid. p. 76). A explicação desse ato complexo é mais genérica pelo fato de já ter explicado o
ato elementar anterior. Pois, para que a conjunção seja executada sucedidamente, os passos a
serem respeitados são os mesmos do ato elementar F(P) mais os que acabaram de ser
expostos. Todos os sete elementos da força ilocucionária devem estar de acordo com a
definição acima apresentada para o sucesso da ilocução.
27 Na Lógica Ilocucionária de Searle e Vanderveken, a letra “I” refere-se ao conjunto de todos os contextos possíveis. Sendo assim, o “i” minúsculo remete-se a um contexto específico. 28
“[…] (1) succeeds in achieving the illocutionary point of F on P with the characteristic mode of achievement
and degree of strength of F, (2) performs the propositional act which consists in expressing P and P satisfies the
propositional content conditions of F with respect to I, (3) presupposes that the preparatory conditions of F(P)
and the propositional presuppositions obtain, and, finally, (4) expresses the psychological states specified by the
sincerity conditions of F(P) with the characteristic degree of strength of sincerity conditions of F.” 29 “[…] both conjuncts are performed in that context. Thus, (A1&A2) is performed in context i iff A1 and A2 are
performed in i.”
35
3) Um ato complexo A, sendo uma negação do tipo ¬A, é executado com sucesso num
determinado contexto se, e somente se: “[...] o falante neste contexto executa um ato cujo
objetivo é deixar explícita sua não execução de A.”30
(Id. Ibid.). Em outras palavras, o
emissor, nesse ato complexo de negação, tem como obrigação negar a execução do conteúdo
proposicional representado por A. Por exemplo, se queremos expor nosso desejo de não ir à
aula, então nosso ato ilocucionário de negação será: “Eu não desejo ir à aula hoje!” A
sentença “desejo ir à aula hoje” é representada por A, enquanto sua negação é representada
pelo símbolo “¬”. Portanto, o ato ilocucionário de negação é a externalização do ouvinte em
não executar a ação representada pelo conteúdo proposicional.
4) Um ato complexo A, sendo um condicional do tipo (P→A), é executado com sucesso num
determinado contexto se, e somente se: “[...] o falante neste contexto executa um ato cujo
objetivo é cumprir o ato A sobre a condição de que P seja verdadeiro.”31
(Id. Ibid. p. 77).
Dessa forma, um ato ilocucionário complexo condicional só é bem sucedido se, além de todos
os pré-requisitos já estipulados para os outros atos serem o caso, o falante deixa explícita a
execução de A com a condição de que o conteúdo de P seja verdadeiro. Do contrário, ou seja,
se P se revelar falso, o ato complexo (P→A) tornar-se-á malsucedido, pois A não se adéqua às
condições de sucesso particular do condicional.
5) Os autores não expõem nada referente ao ato complexo do tipo disjunção (A1A2). No
entanto, podemos formular uma condição de sucesso para essa forma de ato complexo, para
que o leitor não dê por falta. Em consonância com a lógica formal, isto é, a partir do que esta
nos apresenta, é possível afirmarmos que uma disjunção, (A1A2), é executada com sucesso
num determinado contexto se, e somente se: A1 é executado em i e A2 não é executado em i ou
vice-versa, a saber: se A2 é executado e A1 não é executado, ambos no contexto i. Em outras
palavras, a disjunção só é bem sucedida numa ilocução se apenas uma das partes é executada,
não sendo possível as duas serem (ou não) o caso ao mesmo tempo.
Essas, portanto, são as condições de sucesso referentes aos tipos de atos
ilocucionários: elementar e complexos. Falta-nos, por fim, expormos tais condições para as
cinco diferentes forças ilocucionárias, pois cada uma tem uma forma específica de ser bem
sucedida em sua executabilidade. Isso é o que elucidaremos nos próximos tópicos.
30 “[…] the speaker in that context performs an act whose aim is to make explicit his non-performance of A.” 31 “[…] the speaker in that context performs an act whose purpose is to perform act A on the condition that P is
true.”
36
3.1.1. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA ASSERTIVA
Assim como os atos ilocucionários precisam de fatores que os possibilitem serem bem
sucedidos quando proferidos, as forças, em suas diferentes formas, também necessitam de
uma formulação particular para seu sucesso. A cada uma delas, o falante tem de estar de posse
de certos pré-requisitos para que seja possível uma performance condizente com o que o ato
deve requerer.
Na força assertiva, o falante deve representar os estados de coisas no mundo. Tais
estados não só se remetem a objetos, mas também a uma ordenação, por exemplo, de fatos
acontecidos ou a acontecer, como já exposto anteriormente. Podemos chamar a esse requisito
as condições de conteúdo proposicional, pois, este último, tem a obrigação de deixar o falante
na condição de relator da realidade. Assim, basicamente, “Todas as forças ilocucionárias
assertivas têm a condição preparatória que o falante tem razão (motivo ou evidência) que
conte em favor ou sustente a verdade do conteúdo proposicional.”32
(SEARLE e
VANDERVEKEN, 2009, p. 54 [Tradução nossa]). Além disso, “Um falante que é bem
sucedido na execução de uma força ilocucionária assertiva da forma F(P) é sincero apenas se
ele acredita nas proposições que expressa.”33
(Id. Ibid. pp. 54-55).
O que podemos ver nisso é que uma força assertiva é composta, principalmente, da
sinceridade daquele que emite a ilocução. Em outras palavras, o emissor deve ter consigo a
convicção de que sua proposição é realmente o que se passa ou se passou com o estado de
coisas recorrente. Em última instância, ele deve crer no que profere, como condição essencial
para o sucesso de seu ato ilocucionário.
3.1.2. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA COMISSIVA
Para essa força ilocucionária, o falante deve proferir um enunciado que deixe explícito
seu comprometimento para com uma ação futura. Isto é, a condição de conteúdo
proposicional é deixar clara a obrigação, por parte do emissor, de realizar uma determinada
atividade, como afirmam Searle e Vanderveken (Id. Ibid. p. 55): “[...] a proposição deve
representar algum futuro curso de ação pelo falante.”34
(Tradução nossa). A força comissiva,
32 “All assertive illocutionary forces have the preparatory condition that the speaker has reasons (or grounds or
evidences) that count in favor of or support the truth of the propositional content.” 33 “A speaker who succeeds in performing an assertive illocutionary act of the form F(P) is sincere only if he
believes the propositions he expresses.” 34 “[…] the proposition must represent some future course of action by the speaker.”
37
para ser realizada com sucesso, carrega a condição preparatória de que o falante é capaz de
pôr em prática o que se compromete a fazer, ou seja, a proposição tem de estar em
conformidade com as capacidades físicas e mentais do seu emissor e com as contextuais,
quais sejam: o estado de coisas no qual a enunciação é proferida permite a execução do ato
ilocucionário comissivo. Além dessas duas condições essenciais, a condição de sinceridade
também é de suma importância, pois o autor da ilocução deve conter a intenção de realizar o
que se compromete.
São essas as principais condições para o sucesso de um ato com força ilocucionária
comissiva.
3.1.3. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA DIRETIVA
A força diretiva assemelha-se à força comissiva. O diferencial é que enquanto a última
remete-se ao falante, aquela almeja o ouvinte. Portanto, a condição de conteúdo proposicional
da força diretiva é que a proposição deve deixar clara uma futura ação para o receptor. As
condições preparatórias, por sua vez, é que o ouvinte deve ser capaz de realizar a ação
requerida pela enunciação. Em adição a essas duas condições relevantes, a condição de
sinceridade parte do emissor, ou seja, este tem o estado psicológico de querer ou desejar que
seu ato diretivo seja executado por aquele a quem é dirigido. Em outras palavras, o ato não
será bem sucedido se o falante não deseja ou quer que ele seja realizado, pois, se isso
ocorresse, faltaria uma condição indispensável ao seu sucesso, a saber: a condição de
sinceridade.
3.1.4. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA DECLARATIVA
Essa força ilocucionária peculiar gira em torno, por assim dizer, da posição do falante.
O emissor, para exprimir um ato com tal força, deve invocar uma postura extralinguística, isto
é, tem de possuir um poder diferenciado dos demais falantes. Por exemplo, um cidadão
comum, senão um padre, um pastor ou algo que o valha, não pode batizar uma criança ou uma
pessoa qualquer, pois não teria um status social ou legal que o possibilitasse a esse feito.
Sendo assim, uma força declarativa deve ser tal que o falante tenha uma posição social que
torne possível a execução da enunciação e que esta faça com que o mundo iguale-se a
sentença e, ao mesmo tempo, a sentença iguale-se ao mundo. A fim de exemplificação,
38
quando um governante declara guerra a um país, o estado de coisa — a guerra — passa
imediatamente a existir e, assim, essa nova configuração da realidade, ou seja, o mundo,
iguala-se à enunciação.
A peculiaridade da força declarativa está na posição extralinguística do falante.
Imediatamente ao proferimento do ato ilocucionário, o mundo e a proposição se completam
concomitante e mutuamente.
Afirmam Searle e Vanderveken (2009, p. 57): “[...] uma ilocução declarativa é bem
sucedida apenas se o falante produz o estado de coisas representado por seu conteúdo
proposicional no mundo da enunciação.”35
(Tradução nossa). Isto é, um ato com força
declarativa só é bem sucedido se o emissor invoca um poder de autoridade para sua
declaração, como, por exemplo, um juiz a dar uma sentença a um réu. Do contrário, é incapaz
de obter êxito em seu ato ilocucionário.
A condição de sinceridade é composta de dois estados psicológicos. Um é o desejo do
falante para que sua declaração seja bem sucedida. Outro é a crença de que sua enunciação
produzirá uma mudança no mundo, gerando um novo estado de coisas.
3.1.5. CONDIÇÕES DE SUCESSO DA FORÇA EXPRESSIVA
A força ilocucionária expressiva tem por objetivo expor as atitudes emocionais, por
assim dizer, do falante referente a determinados acontecimentos ou estados de coisas. A
condição preparatória é que a expressão — o conteúdo proposicional — do sentimento do
emissor é verdadeira no mundo da enunciação. O conteúdo proposicional, então, deve expor
os sentimentos do falante em relação ao estado de coisa recorrente.
Por outro lado, não podemos pontuar as condições de sinceridade dessa força em
especial. Pois, por se tratar de manifestação das próprias emoções ou sentimentos, supõe-se
que o falante expressa toda sua sinceridade junto a seu ato expressivo.
Essas, portanto, foram as condições de sucesso para a execução bem sucedida dos atos
ilocucionários em todas as suas cinco forças. Cabe-nos agora expormos as condições de
satisfação para os atos da fala em questão.
35 “[…] a declarative illocution is successful only if the speaker brings about the state of affairs represented by its
propositional content in the world of the utterance.”
39
3.2. CONDIÇÕES DE SATISFAÇÃO
As condições de satisfação dos atos ilocucionários estão relacionadas com as
condições de verdade do conteúdo proposicional de cada enunciação. Para que um
determinado ato seja satisfeito em seu contexto, é necessário que seu conteúdo esteja de
acordo com o estado de coisa referente, isto é, a proposição precisa relatar fidedignamente a
realidade do fato em questão. Como Vanderveken (2009, pp. 132-133) pontuou, “[...] as
condições de satisfação de um ato ilocucionário elementar da forma F(P) são uma função de
ambas condições de verdade de seu conteúdo proposicional e a direção de ajuste de suas
forças ilocucionárias.”36
(Tradução nossa). Isso nos mostra que há uma relação indispensável
entre esses dois fatores para que possamos estipular as condições de satisfação dos atos
ilocucionários.
Para atos ilocucionários com direção de ajuste palavra-mundo, como a força assertiva,
o conteúdo proposicional, necessariamente, para satisfazê-la, tem de expor a realidade com o
máximo de fidelidade possível, ou seja, o conteúdo precisa ser realmente verdadeiro no
contexto da enunciação, como podemos observar aqui: “[...] as condições de satisfação dos
atos ilocucionários assertivos são idênticas com as condições de verdade de seu conteúdo
proposicional.”37
(Id. Ibid. p. 133).
Por outro lado, quando o ato ilocucionário tem a direção de ajuste mundo-palavra ou
dupla, como no caso das forças comissiva, diretiva e declarativa, respectivamente, a condição
de satisfação depende da ação do falante ou do ouvinte para que a enunciação seja satisfeita:
[...] quando um ato ilocucionário tem a direção de ajuste mundo-palavra, ele é satisfeito em
um contexto de enunciação sob uma interpretação se, e somente se, o falante ou ouvinte faz
seu conteúdo proposicional verdadeiro neste contexto em ordem para satisfazer este ato
ilocucionário.38 (VANDERVEKEN, 2009, p. 133 [Tradução nossa]).
Assim, todo ato com força comissiva, diretiva ou declarativa depende, para ser satisfeito, da
ação proveniente do emissor ou do receptor. Tal ação, para corresponder a essa condição de
satisfação, deve estar em harmonia, obviamente, com o que o conteúdo proposicional requer.
Por fim, os atos com força ilocucionária de direção de ajuste vazia — os atos
expressivos — não possuem condições de satisfação, pois,
36
“[…] the conditions of satisfaction of an elementary illocutionary act of the form F(P) are a function of both
truth conditions of its propositional content, and of the direction of fit of illocutionary force.” 37 “[…] the conditions of satisfaction of assertive illocutionary acts are identical with the truth conditions of their
propositional content.” 38 “[…] when an illocutionary act has the world-to-words direction of fit, it is satisfied in a context of utterance
under a interpretation if and only if the speaker or hearer makes its propositional content true in that context in
order to satisfy that illocutionary act.”
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[...] na execução de tais atos da fala, o falante não expressa uma proposição com o objetivo
de alcançar um sucesso de ajuste entre a linguagem e o mundo. Ele apenas expressa suas
atitudes proposicionais sobre o estado de coisas representado pelo conteúdo proposicional,
portanto esta não é uma questão de sucesso ou falha de ajuste.39
(VANDERVEKEN, 2009,
p. 134 [Tradução nossa]).
Dessa forma, os atos da fala com força expressiva não podem ser satisfeitos ou insatisfeitos.
No entanto, podemos afirmar que eles possuem conteúdos proposicionais verdadeiros ou
falsos, pois eles devem estar de acordo, ou não, com os fatos ocorridos. Por exemplo, ao pedir
desculpa a outrem, o falante deve, realmente, ter passado por algum evento que seja cabível
tal atitude de sua parte.
No geral, são essas as condições de sucesso e de satisfação dos atos ilocucionários.
Tais são imprescindíveis para a execução apropriada dos atos da fala. Sem elas não
poderíamos afirmar como os modos de execução seriam bem sucedidos num contexto de
enunciação.
39 “[…] in the performance of such speech acts, the speaker does not express a proposition with the aim of
achieving a success of fit between language and the world. He only means to express his propositional attitudes
about the state of affairs represented by the propositional content, so that there is no question of success or
failure of fit.”
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos no Capítulo 1 e pudemos deduzir a partir de todo o trabalho, a teoria dos
atos da fala formula as unidades primárias do sentido ou significado de uma linguagem, quais
sejam: as sentenças.
Para que seja possível tal formulação é preciso que todas as particularidades que
compõem um ato ilocucionário estejam devidamente expostas, assim como foi feito durante
esta Monografia. Começamos pelos sete pontos indispensáveis que integram tal tipo de ato da
fala junto às suas forças. Sem estes sete elementos primordiais não seria possível
classificarmos os diferentes atos ilocutórios. É em decorrência da classificação das forças
ilocucionárias que podemos diferenciar as discrepantes formas de execução de um ato. Sendo
assim, o ponto ilocucionário e os seis pontos que lhe seguem são, grosso modo, o alicerce
para a formalização da teoria linguística à qual nos referimos em nossa Monografia.
A partir da explicitação dos componentes da força ilocucionária, nos restou mostrar os
diferentes tipos desta. O ponto ilocucionário, o mais importante dentre os sete elementos,
carrega distintos objetivos em sua execução. Não há possibilidade de haver, na nossa
comunicação, apenas uma espécie de diálogo ou de atitudes mentais. Para tanto, faz-se
necessário que ramifiquemos, por assim dizer, aquele elemento primordial. Feito isso, vimos
que existem cinco diferentes formas de força ilocucionária. Isso acontece em detrimento do
ponto ilocucionário, pois, para que classifiquemos tais forças, é preciso que saibamos
distinguir a finalidade do ponto, ou seja, qual o objetivo que o falante almeja ao proferir uma
determinada enunciação.
Cada força ilocucionária tem um propósito em especial, isto é, externaliza uma atitude
ou uma intenção do emissor. As cinco forças — assertiva, comissiva, diretiva, declarativa e
expressiva — dão conta da ação humana proveniente da ilocução. São nessas formas de atos
da fala que estão expostas todas as possibilidades de intenções e de expressão de sentimentos
que um falante pode exprimir através da enunciação. Nestas forças ilocucionárias há a figura
daquele que as exprime e daquele(s) que as ouve(m), e, com isso, todos os estados mentais do
falante estão englobados.
Uma vez elaboradas todas as espécies de forças ilocucionárias, é recomendável
estipular quais têm o direcionamento para os estados de coisas existentes no mundo e quais
procuram configurar o mundo ao conteúdo proposicional proferido. Para tal exercício, há a
teorização das direções de ajuste, sobre as quais ergue-se a noção de direcionamento de uma
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força, isto é, se ela possui apenas o poder de relatar o mundo, se pretende mudar algum estado
de coisas ou se tal direção é nula. A partir das direções de ajuste é que podemos partir para a
elaboração das condições de sucesso e de satisfação.
Para que um ato da fala seja executado em sua completude, ou seja, para que não haja
falha de execução, as condições de sucesso e de satisfação necessitam de todos os elementos e
aspectos expostos até aqui. Uma teoria para tais condições não pode deixar de fora desde o
ponto ilocucionário até as direções de ajuste dos atos ilocucionários, por isso a necessidade de
uma teoria ilocucionária fechada como a presente neste trabalho.
Em resumo, a força ilocucionária com seus sete elementos intrínsecos e subdividida
em mais cinco diferentes forças, em adição às direções de ajuste e mais as condições de
sucesso e de satisfação, são tudo o que compõem basilarmente a teoria linguística dos atos
ilocucionários. De posse de todos estes constituintes, é que podemos elaborar a teoria dos atos
da fala e extrair suas consequências linguísticas e suas relevâncias dentro da filosofia da
linguagem. Com tudo o que foi exposto aqui, os filósofos Searle e Vanderveken começam a
composição da lógica ilocucionária, a parte lógico-formal de toda a teoria apresentada.
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REFERÊNCIAS
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James Lectures).
AYER, Alfred Jules. Language, Truth and Logic. New York: Dover Publications, Inc.,
1952.
HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Tradução de Márcia Sá Cavalcante
Schuback. 6ª edição. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. (Coleção Pensamento Humano).
LEVINSON, Stephen C. Pragmática. Traduções de Luís Carlos Borges e Aníbal Mari. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
PAGIN, Peter. Assertion. Edward N. Zalta (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy.
2012. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/archives/win2012/entries/assertion/>. Último
acesso em: 27/03/2013.
PENCO, Carlo. Introdução à Filosofia da Linguagem. Tradução de Ephraim F. Alves. Rio
de Janeiro: Vozes, 2006.
SEARLE, John R. Uma Taxonomia dos Atos Ilocucionários. In: . Expressão e
Significado: Estudos da teoria dos atos da fala. Traduções de Ana Cecília G. A. de Camargo e
Ana Luiza Marcondes Garcia. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 1-46. (Coleção
Tópicos).
SEARLE, John R.; VANDERVEKEN, Daniel. Foundations of Illocutionary Logic. 3ª
reimpressão. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
VANDERVEKEN, Daniel. Meaning and Speech Acts: Principles of language use, Volume
I. 2ª reimpressão. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.