Aula 5: UNIDADE II – 2.2 Movimento de Reconceituação: as perspectivas teórico-
metodológicas do Serviço Social. (28/04/2021). Próxima aula: UNIDADE III – A Renovação do Serviço Social no Brasil sob a Autocracia Burguesa (texto: Serviço Social e o Popular- pg:29-70)
DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL (p.307)
Fenomenologia- Em filosofia, trata-se (a) da pura descrição dos “fenômenos” da experiência
humana, tal como se apresentam em direta consideração, independente da história, da
particularidade, da causalidade e do contexto social dessas experiências; e (b) do movimento
filosófico europeu do século XX, associado em particular a Edmund Husserl (1859-1938),
defendendo esse método de investigação em várias formas. Em segundo lugar, em sociologia
— e em particular com inspiração nos textos de fenomenologia social de Alfred Schutz (1899-
1959) —, é o estudo dos modos como as pessoas vivenciam diretamente o COTIDIANO e
imbuem de significado as suas atividades. Em terceiro lugar, na psicologia da percepção, é uma
escola influenciada pelo filósofo Maurice Merleau Ponty (1908-1961), a qual afirma que o
corpo e o comportamento são portadores imediatos e pré-lingüísticos de significado na
experiência (Shapiro, 1985) (ver PSICOLOGIA). Este verbete concentra-se na fenomenologia em
filosofia e sociologia. A fenomenologia é um ramo abstrato, rigoroso e especializado da
filosofia, com várias escolas e tradições nacionais.
Exemplo:
UNIVERSALIDADE (CAPITALISMO/PEQ. E GD. POLÍTICAS/QUESTÃO SOCIAL/ HISTÓRIA).....
PARTICULA (área da saúde, etc, outras características------)
SINGULARIDADE (BOLSA FAMÍLIA) AQUI! Fenomenologia.
As pesquisas fenomenológicas, em geral, não têm a intenção de produzir afirmações factuais,
mas sim reflexões filosóficas não-empíricas, ou “transcendentais”, sobre conhecimento e
percepção e sobre atividades humanas como a ciência e a cultura. Husserl visava estabelecer
nada menos que a pura VERDADE, independente de tempo, lugar, cultura ou psicologia
individual. Não estava interessado na percepção de objetos particulares, concretos, mas sim
no “percebido como tal”, que ele chamou de noema. Para chegar a tais essências abstratas dos
objetos, Husserl defendeu um procedimento que chamou de “redução transcendental”, ou
epoché, por meio do qual as questões de ONTOLOGIA eram mantidas em estado de
suspensão. Através de uma mudança de atitude, a crença no mundo efetivo da existência
humana em qualquer sociedade, comunidade ou período histórico foi suspensa, ou “posta
entre colchetes”. Colocando-se assim os objetos sociais ou naturais concretos e individuais
entre colchetes, era possível, acreditava ele, variar muitos exemplos de coisas para descobrir
os aspectos essenciais que qualquer coisa dada deve possuir a fim de ser reconhecida como
um exemplo dessa coisa. Em fenomenologia, esse método é conhecido como a abordagem
eidética (Husserl, Ideas, 1931). A doutrina da intencionalidade é importante em Husserl e na
fenomenologia em geral, e deriva de Franz Brentano, professor de Husserl.
A característica mais fundamental da consciência é tida como sendo o fato de ela ser sempre
consciência de alguma coisa. Independente do status existencial do objeto em questão, a
consciência é “dirigida”. Os indivíduos destacam entidades em sua experiência para a sua
atenção e, assim, as constituem em objetos. Mas do fato de um ato consciente ser dirigido a
alguma coisa não se pode inferir que essa coisa exista. Para Husserl, todo ato é “dirigido”
porque, mesmo que não tenha um objeto óbvio, será dirigido a um noema. O método
produziria verdades não-empíricas, apodíticas, a priori, que seriam universalmente válidas e
livres de pressupostos. Estas proporcionariam um sólido baluarte contra a dúvida céptica, o
historicismo, o relativismo e o irracionalismo político.
Rigorosamente falando, Schutz estava delineando apenas as precondições para a pesquisa na
ciência social humanista, e não tentando uma descrição empírica de qualquer sociedade nem
fornecendo conceitos para uso direto em pesquisa social. Conforme as palavras de Thomas
Luckmann (1983, p.viii-ix), a fenomenologia social é uma “proto-sociologia” que “revela as
estruturas universais e invariáveis da existência humana em todos os tempos e lugares”. Mas
essa pretensão à universalidade, baseada como era unicamente no raciocínio filosófico,
sempre foi contestável. De onde deriva o catálogo abstrato de estruturas básicas do
Lebenswelt? Que evidência empírica, se é que existe, poderia mudá-las? Estarão sendo sub-
repticiamente introduzidos valores e preconceitos a respeito da natureza humana? Além do
mais, a natureza esclarecedora, a priori, do empreendimento que os fenomenólogos haviam
reunido para si próprios significava que — como eles mesmos reconheceram — não eram
competentes para fazer quaisquer afirmações concretas, sistemáticas, a respeito das urgentes
questões de poder e dominação social em sociedades específicas. Tal tarefa científicosocial
estava fora de sua esfera. Sua principal pretensão à fama, portanto, tornou-se a crítica
humanista do objetivismo e do POSITIVISMO onde estes existiam na corrente dominante da
ciência social. Uma vez que os sociólogos absorveram esse corretivo, a fenomenologia foi
gradualmente perdendo o seu apelo. 2. O foco “egológico” da fenomenologia teve
importantes repercussões para as variantes tanto social quanto filosófica. Esse molde
individualista é óbvio em Husserl, mas também fica claro na visão que Schutz tem da
sociedade como consistindo em círculos concêntricos em torno de si próprio. Com referência a
Nós, cujo centro sou eu, outros se destacam como “Você”, e com referência a Você, que se
refere de volta a mim, terceiros se destacam como “Eles”. Meu mundo social, com os alter
egos nele incluídos, está arrumado, em torno de mim como centro, em associados (Unwelt),
contemporâneos (Mitwelt), predecessores (Vorwelt) e sucessores (Folgewelt ), com o que eu e
minhas diferentes atitudes para com outros instituímos esses relacionamentos múltiplos. Tudo
isso é feito em variados graus de intimidade e anonimidade. (Schutz, 1940, p.181.)
Esse ponto de partida nominalista para a ciência social tem sido alvo de consideráveis críticas
em sociologia, de Karl Marx e Emile Durkheim em diante e, recentemente, de forma notável,
no trabalho teórico e empírico de Norbert Elias, em que foi encarado como uma forma
inaceitável de monadologia (Elias, 1978 e 1991). O mesmo egoísmo significou que as versões
filosóficas, particularmente a de Husserl, sempre foram assoladas pelo fantasma do
solipcismo. Sua solução — a auto-experiência universal do “ego transcendental” — foi atacada
pelos fenomenólogos existenciais (Sartre, 1936-7; Merleau-Ponty, 1945). Estes tentaram evitar
tal perigo mudando a ênfase para a ontologia. Criaram conceitos como o “estar-no-mundo” da
humanidade para tentar descrever a união préteórica das pessoas em sociedade. O
movimento anti-subjetivista e anti-humanista do ESTRUTURALISMO no pensamento social
europeu, nos anos 50 e 60, foi também, em parte, uma reação às formas mais individualistas
de fenomenologia. Em fenomenologia, o sujeito individual, ou Ego empírico, sempre teve um
status analítico, embora explicitamente se assumisse ser ele um indivíduo adulto. A referência
ao desenvolvimento desse indivíduo era feita de maneira formal, por exemplo, na distinção de
Husserl entre gênese “ativa” e “passiva” do Ego (Cartesian Meditations, 1931, seção 38). Em
suas primeiras obras, Schutz descreveu explicitamente o agente individual, tido em suas
análises como o “adulto plenamente consciente”. Essa suposição estatística é corrigida em sua
obra póstuma The Structures of the Lifeworld (Schutz e Luckmann, 1974), que contribuiu para
desenvolver o que ficou conhecido como “fenomenologia genética”. Nessa obra, foi
plenamente reconhecido o fato de os adultos terem sido crianças que aprenderam a partir de
uma cultura preexistente através da socialização. Esse ponto de vista pode ser encontrado, de
forma sofisticada, na influente obra de metateoria de Berger e Luckmann intitulada The Social
Construction of Reality (1961). No entanto, de acordo com o caráter transcendental da análise
fenomenológica em geral, a gênese é inevitávelmente tratada, aqui também, de modo formal,
abstrato, como parte de uma estrutura universal de orientação subjetiva para as ciências
sociais, com o mundo de gênese real, empírica, colocado entre colchetes. Os sociólogos têm
chamado a atenção para o fato de a fenomenologia ser um produto proeminente do
egocentrismo da filosofia européia tradicional de Descartes a Kant e Husserl. Essa tendência foi
convincentemente explicada pelo desenvolvimento de complexos estados-nações ocidentais,
com paz interna. Pode ser vista como expressão da auto-experiência do indivíduo moderno,
eminentemente autocontrolado, característico dessas sociedades (Elias, 1939). A direção
predominante que surge nas pesquisas contemporâneas da sociologia da individualidade
afasta-se do transcendental rumo às investigações empíricas, de forma simultânea, nas duas
frentes do que Norbert Elias chamou de psicogênese e sociogênese (Burkitt, 1991).
POSITIVISMO (P.592)- De um modo muito parecido com o conceito de ideologia, que também
começou tendo amplo curso e aceitação mais ou menos no mesmo período, a noção de
positivismo vangloria-se de uma controversa e irônica trajetória. Originando-se como
autodesignação positiva nos escritos de Auguste Comte, oferecido como uma “filosofia para
acabar com todas as filosofias” pelo círculo de Viena (ver VIENA, CÍRCULO DE) e equiparada à
ciência tout court pelos defensores do FUNCIONALISMO e do COMPORTAMENTALISMO nos
Estados Unidos do pós-guerra, o positivismo tornou-se um termo de acusação polêmica,
quando não insultuoso, na ciência social contemporânea — muito poucos sociológos
reivindicariam ou acolheriam com agrado o rótulo de positivistas. E, tal como a ideologia,
assumiu uma multiplicidade de significados, de modo que existem quase tantas definições de
positivismo quantas as críticas de que é alvo.
A dispersão e a inversão da carga semântica da palavra são indicativas das mudanças que
transformaram a FILOSOFIA DA CIÊNCIA desde a década de 60 e desafiaram a longa
hegemonia do positivismo na investigação social ao suscitar uma vez mais a questão do
“dualismo das ciências naturais e culturais” (Habermas, 1967). Em seu mais amplo sentido
filosófico, o positivismo refere-se à teoria do conhecimento proposta por Francis Bacon, John
Locke e Isaac Newton, a qual afirma a primazia da observação e a busca da explicação causal
por meio da generalização indutiva (Kolakowski, 1966). Nas ciências sociais, ficou associado a
três princípios afins: o princípio ontológico do fenomenalismo, de acordo com o qual o
conhecimento só pode fundamentar-se na experiência (beirando a fetichização dos “fatos”
como imediatamente acessíveis à percepção sensorial); o princípio metodológico da unidade
do método científico, o qual proclama que os procedimentos da ciência natural são
diretamente aplicáveis ao mundo social com o objetivo de estabelecer leis invariantes ou
generalizações semelhantes a leis sobre fenômenos sociais; e o princípio axiológico da
neutralidade, que se recusa a conceder aos enunciados normativos o status de conhecimento
e mantém uma rígida separação entre fatos e valores. Três amplas tradições sucessivas do
positivismo podem ser esquematicamente distinguidas: a francesa, a alemã e a americana.
A linhagem francesa origina-se com Auguste Comte e o seu mentor Saint-Simon (que,
por sua vez, era devedor de Condorcet), e está exemplificada, da melhor maneira, pela
sociologia de Émile Durkheim. A ambição de Comte era fundar uma ciência naturalista
da sociedade capaz de explicar o passado da espécie humana e predizer o seu futuro
aplicando os mesmos métodos de investigação que tinham provado ser tão bem-
sucedidos no estudo da natureza, a saber, observação, experimentação e comparação.
Comte criou o termo “sociologia” para designar a ciência que sintetizaria todo o
conhecimento possível, desvendaria os mistérios da estática e da dinâmica da
sociedade, e orientaria a formação do governo positivo. Durkheim abandonou a
substância da filosofia de Comte, mas reteve o seu método, insistindo na continuidade
lógica entre as ciências sociais e naturais e na aplicação à sociedade do princípio de
causalidade natural. “O nosso principal objetivo”, escreveu ele em Les règles de la
méthode sociologique (Durkheim, 1895), seu manifesto revolucionário em prol da
explicação sociológica científica, “é estender o racionalismo científico à conduta
humana(...). Aquilo a que chamam o nosso positivismo nada mais é que uma
conseqüência desse racionalismo.” Para estabelecer a independência definitiva da
sociologia de toda a filosofia e, assim, a sua autonomia como campo científico distinto,
Durkheim propôs uma concepção da sociedade como uma realidade objetiva sui
generis cujos componentes, estrutura e funcionamento, obedecem a regularidades
que se impõem aos indivíduos como “necessidades inelutáveis”, independentes de sua
volição e consciência. Também propôs um conjunto de princípios metodológicos
condensados na famosa recomendação de “tratar os fatos sociais como coisas”:
rejeitar as preconcepções comuns em favor de definições objetivas, explicar um fato
social somente por outro fato social, distinguir a causa eficiente da função e os estados
sociais normais dos patológicos etc. Esses princípios foram convincentemente
ilustrados em Le suicide, modelo inegável do positivismo francês, no qual Durkheim
(1897) se absteve de analisar o significado do suicídio em favor da revelação de seus
tipos e causas sociais via uma análise estatística dos correlatos e variações de seu
grupo.
O grupo de filósofos, matemáticos e cientistas analíticos (entre eles, Moritz Schlick,
Ernest Mach, Rudolf Carnap, Carl Hempel e Otto Neurath) que se tornou conhecido
como o Círculo de Viena nos anos de 1923-36 tomou o partido da explicação e unidade
da ciência. Sua finalidade era efetuar uma síntese de empirismo humano, positivismo
comteano e análise lógica que livrasse para sempre a filosofia das ocas especulações
da metafísica ao fundamentar firmemente todo o conhecimento na experiência (Ayer,
1959). De acordo com esse positivismo lógico, o conhecimento científico assenta em
uma sólida base de fatos formulada por meio de “sentenças protocolares” (Mach) que
fornecem um registro genuíno porque imediato da experiência sensorial, ou elaborada
através de “regras de correspondência” (Carnap), formando uma ponte entre a
linguagem teórica e a linguagem da observação. À parte as proposições analíticas da
lógica, os únicos enunciados significativos são os que podem estar sujeitos ao
“princípio de verificação”, ou seja, ser comprovados por observação. Em oposição
frontal à idéia de Geisteswissenschaften, pressuposta em um cisma entre as ciências
da natureza e as culturais, o Círculo de Viena afirmou que a explicação científica em
sociologia ou história obedece à mesma “lei explanatória” ou modelo “dedutivo-
nomológico” que as ciências naturais (Hempel, 1965), em que um explanandum é
deduzido de uma combinação de condições iniciais e de uma lei e explicação universais
sinônimas de previsão.
Nos Estados Unidos, uma compreensão semelhante da ciência social evoluiu para o
que Bryant (1985) chama o positivismo instrumental, tradição incrementalista,
naturalista, da pesquisa social empenhada em atingir padrões de rigor comparáveis
aos da física ou biologia. Baseada em uma concepção nominalista e voluntarista da
sociedade como mero agregado de indivíduos, essa tradição reinou absoluta desde a
década de 30 até a de 60, englobando uma variedade de orientações teóricas, e
continua impregnando a sociologia norte-americana. Distingue-se por sua
preocupação com questões de método e de mensuração, incluindo o refinamento de
técnicas estatísticas, a ênfase na operacionalização e na verificação (Zetterberg, 1954)
e a prioridade que confere a projetos experimentais, levantamentos quantitativos e
pesquisas por equipe. É “instrumental” na medida em que os instrumentos de
investigação determinam as questões formuladas, a definição de conceitos (através da
construção de indicadores empíricos) e, assim, o conhecimento produzido, com a
testabilidade, a replicabilidade e a viabilidade técnica suplantando a teoria como guias
idôneos da prática e da avaliação científicas. O positivismo instrumental foi
inicialmente articulado por George Lundberg, que adaptou da física a doutrina de
“operacionalismo” de P.W. Bridgman (a qual sustenta que o significado de uma
variável é definido pelas operações necessárias para medi-la), e por William F. Ogburn
(1930), que equiparou a sociologia científica à verificação e acumulação quantitativas
de “pequenos fragmentos e peças de novo conhecimento” e orgulhosamente
vaticinou que todos os sociólogos seriam um dia estatísticos. Mas coube a um scholar
vienense no exílio, Paul Lazarsfeld, institucionalizar o positivismo na universidade
americana. Lazarsfeld não só introduziu na sociologia uma série de inovações
metodológicas (análise multivariada, amostragem em bola de neve e análise de
estrutura latente, entre outras) e técnicas adotadas da pesquisa de mercado, como os
estudos de painel, mas inventou o veículo organizacional que promoveria a
profissionalização, burocratização e comercialização da pesquisa social positivista nos
Estados Unidos e seus países satélites: o “escritório de pesquisa aplicada” (Pollack,
1979). A ascensão e o domínio do positivismo enfrentaram críticas e oposição de duas
espécies: a antipositivista e a pós-positivista. Os dissidentes antipositivistas
sustentaram há muito que as ciências naturais e humanas são ontológicas e
logicamente discrepantes e que a própria idéia de uma ciência explicativa da
sociedade é insustentável (Winch, 1958). Os proponentes da HERMENÊUTICA e da
sociologia “interpretativa” — recentemente reforçados pelos defensores do pós-
modernismo e da DESCONSTRUÇÃO — sustentam que descrições causais do
comportamento social não podem ser construídas porque as práticas, instituições e
crenças humanas são inerentemente significativas, ou melhor, constituídas pelos
entendimentos que os participantes têm delas (Taylor, 197). Portanto, a tarefa dos
“estudos humanos” não pode ser a especificação de leis invariantes do
comportamento humano, mas fazer com que esse comportamento seja inteligível
mediante a sua interpretação em relação com intenções subjetivas. Para Gadamer
(1960), além disso, todas essas interpretações envolvem uma projeção de
preconceitos culturais baseados em uma rede ou “horizonte” de expectativas e
suposições constitutivas de uma tradição cultural. Segue-se que a meta da sociologia
interpretativa não pode se duplicar ou confirmar pesquisas prévias, mas rever
preconceitos pela elucidação de novas dimensões de um fenômeno. As críticas
feministas do positivismo que proliferaram na década de 80 aderem a esse ataque,
mas por uma razão diferente. Afirmando que a ciência é uma instituição afetada pelo
gênero que reflete o ponto de vista truncado e opressivo dos homens, as feministas
evoluíram de uma perspectiva reformista que procurava realizar a paridade de
gêneros no campo científico para uma postura revolucionária que visava proceder a
uma revisão geral dos próprios alicerces da ciência a fim de erradicar o seu
“androcentrismo” constitutivo (Harding, 1984). Essas críticas percorrem toda uma
gama que vai do empirismo feminista (para o qual o sexismo pode ser corrigido pela
imposição mais rigorosa dos ditames metodológicos padronizados da investigação
científica) ao ponto de vista epistemológico (o qual sustenta que a subjugação das
mulheres as coloca em situação privilegiada para produzir o verdadeiro conhecimento)
e ao feminismo pós-moderno, que questiona as próprias noções de universalidade e
razão que servem de base à ciência. Para Sandra Harding, os princípios aceitos de
imparcialidade, neutralidade dos valores e objetividade são instrumentos de controle
social que estão a serviço dos homens em seu projeto de fazer da ciência uma
prerrogativa masculina. A genuína objetividade, sustenta ela, não decorre da adesão à
idéia “patriarcal” da unidade do método científico, mas de um compromisso com os
“valores participantes” do anti-racismo, do anticlassismo e do anti-sexismo. Portanto,
não é a ciência, mas a discussão moral e política que fornece um paradigma para a
investigação racional. Em vez de o rejeitar abertamente, os expoentes do pós-
positivismo procuraram reformar o entendimento recebido de ciência. Os ataques de
W.V.O. Quine, Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos
convergiram para abalar as próprias fundações da filosofia positiva da ciência natural
(Chalmers, 1982) ao demonstrarem que as teorias científicas não são construídas
indutivamente nem testadas individualmente na base exclusiva da evidência
fenomenal, pois se há coisa que não existe é a observação teoricamente neutra. Nem
é o seu julgamento formulado estritamente em bases racionais, na medida em que
teorias rivais são sempre “escoradas” por dados e participam geralmente de
“paradigmas” ou amplos quadros de referência científicos cujos critérios de avaliação
são incomensuráveis (Giddens, 1978). O REALISMO de Bhaskar (1975) também repudia
o fenomenalismo e o verificacionismo, diferenciando três níveis de realidade (o real, o
efetivo e o empírico) e afirmando a existência de estruturas e mecanismos ocultos que
podem funcionar independentemente do nosso conhecimento deles, mas cujos
poderes e responsabilidades são, não obstante, empiricamente investigáveis. O
“racionalismo aplicado” de Pierre Bourdieu — resultante da importação pela
sociologia da epistemologia historicista de A. Koyré, G. Bachelard e C. Canguilhem —
derruba também a estrutura epistemológica do positivismo ao postular que os fatos
científicos são “conquistados, construídos e constatados” (Bourdieu et al., 1968)
através da ruptura com o senso comum de leigos e eruditos, a aplicação sistemática de
conceitos relacionais e o confronto metódico do modelo construído com as provas
geradas por diferentes metodologias.
A teoria crítica da ESCOLA DE FRANKFURT combina elementos das críticas
antipositivista e pós-positivista na rejeição do CIENTIFICISMO (a idéia de que somente
a ciência produz conhecimento), na fusão de explicação com previsão por meio de leis
universais e na dicotomização de fatos e valores, ao mesmo tempo em que combate,
porém, o idealismo da hermenêutica e se recusa a abandonar as pretensões à
VERDADE científica. Assim, Habermas (1968) afirma que, para não se tornar cúmplice
da racionalidade que sustenta o positivismo e o converte em outro instrumento
ideológico de dominação, a ciência social não pode ater-se a uma análise das relações
causais externas. Sendo o universo social um mundo “pré-interpretado”, cabe-lhes
explicar também as relações internas de significado e propósito e, portanto,
reconstruir o conceito de objetividade legado pelas ciências naturais de um modo que
recupere a dimensão crítica da ciência como instrumento para a emancipação. Eclipse
não é morte: o positivismo pode ter sido desacreditado como filosofia da ciência, mas
ainda informa ativamente e, pode-se até dizer, domina os projetos e a implementação
de pesquisas sociais empíricas. E promete sobreviver, se não prosperar, como um
contraste e uma sub-reptícia epistemologia operante enquanto o projeto de Max
Weber de colocar a interpretação e a explicação “sob um só teto” não for plenamente
realizado na prática cotidiana dos cientistas sociais.
MARXISMO (p.445)- marxismo Corpo de teoria social e doutrina política derivado da obra de
Karl Marx e de seu íntimo colaborador Friedrich Engels. Somente depois da morte de Marx é
que o marxismo se desenvolveu como uma “visão do mundo” de amplo alcance e como a
doutrina política característica de muitos partidos socialistas, inicialmente pelo trabalho de
Engels, que expôs a “visão marxista do mundo” como a perspectiva da classe operária,
comparando seu papel ao da filosofia clássica alemã em relação à burguesia (Engels, 1888),
embora ao mesmo tempo tenha enfatizado seu caráter científico. Através de seus textos e de
sua correspondência, Engels exerceu forte influência sobre a primeira geração de pensadores
marxistas, e no final do século XIX o marxismo estava firmemente estabelecido, em grande
parte fora das instituições acadêmicas, como teoria social e doutrina política de grande
importância, assimilado em alguns casos a um sistema filosófico geral. Na teoria social, é
possível distinguir três elementos principais.
Primeiro, uma análise dos principais tipos de sociedade humana e sua sucessão histórica, em
que se dá lugar de destaque à estrutura econômica, ou “modo de produção”, na determinação
da forma completa da vida social: “O modo de produção da vida material determina o caráter
geral dos processos sociais, políticos e espirituais da vida” (Marx, 1859, Prefácio). O próprio
modo de produção é definido em termos de dois fatores: as forças produtivas (a tecnologia
disponível) e as relações de produção (o modo como a produção é organizada e, em particular,
a natureza dos grupos que possuem os instrumentos de produção ou simplesmente
contribuem com seu trabalho para o processo produtivo). A partir dessa análise, surgiram duas
idéias fundamentais da teoria marxista: uma periodização da história, concebida como um
movimento progressivo através dos modos de produção antigo, asiático, feudal e capitalista
moderno, e uma concepção do papel das classes sociais na constituição e transformação das
estruturas sociais.
O segundo elemento é um esquema explanatório que abrange as mudanças de um tipo de
sociedade para outro, no qual dois processos têm importância crucial. Por um aspecto, as
mudanças são provocadas pelo progresso da tecnologia, e o próprio Marx enfatizou isso
quando escreveu (1847, cap.2, seção 1) que “o moinho manual nos dá uma sociedade com
senhores feudais, o moinho a vapor, uma sociedade com capitalistas industriais”, ou
novamente mais tarde, nos Grundrisse (1857-58, p.592-4), em que examinou mais
amplamente as conseqüências do rápido avanço da ciência e da tecnologia para o futuro do
capitalismo. Por um outro aspecto, porém, as transformações sociais são resultado de lutas de
classe conscientes; mas os dois processos estão intimamente relacionados, uma vez que o
desenvolvimento das forças produtivas está preso à ascensão de uma nova classe, e a classe
dominante existente torna-se cada vez mais um obstáculo a um maior desenvolvimento.
O terceiro elemento é a análise do capitalismo moderno, à qual Marx e marxistas posteriores
dedicaram a maior parte de sua atenção. O capitalismo é concebido como a forma final da
sociedade de classes, em que o conflito entre burguesia e proletariado se intensifica
continuamente junto com as contradições econômicas do capitalismo, que se manifesta em
crises recorrentes, e o processo de SOCIALIZAÇÃO DA ECONOMIA é acelerado pelo
desenvolvimento de cartéis e trustes. Essa análise e o crescimento de partidos socialistas de
massa levaram necessariamente a uma preocupação com as formas que poderia assumir uma
transição para o socialismo e à elaboração de uma doutrina política marxista que ajudaria a
integrar e orientar o movimento da classe operária. Desde um estágio inicial, no entanto,
houve diversas interpretações do legado de Marx e desacordos quantos a seu ulterior
desenvolvimento. Na Alemanha, em grande parte sob a influência de Karl Kautsky, o marxismo
foi concebido basicamente como uma teoria científica da evolução social (sendo fortemente
enfatizadas suas afinidades com o darwinismo), e seus aspectos mais deterministas pareciam
ser confirmados pelo desenvolvimento do capitalismo e pelo rápido crescimento do
movimento socialista. Na Rússia, por outro lado, onde o capitalismo mal havia começado a se
desenvolver e não havia movimento socialista de massa, o marxismo foi uma doutrina exposta
por pequenos grupos de revolucionários, e em especial por Plekhanov, como uma visão de
mundo filosófica, a partir da qual Lenin desenvolveu a idéia de uma “consciência socialista”
levada de fora para a classe operária; e esta posteriormente se tornou um elemento central na
ideologia do partido bolchevique e do estado soviético. Essa divisão entre interpretações mais
deterministas e mais voluntaristas percorre toda a história posterior do marxismo, em
incessantes revisões e reformulações da teoria social e da prática política que, pelo menos em
parte, dela derivou. Na primeira década do século XX o marxismo foi também confrontado por
uma crescente discussão crítica, tanto vinda de fora, nos textos, por exemplo, de Max Weber,
Émile Durkheim e Benedetto Croce, quanto de dentro, em especial na exposição de Bernstein
(1899) sobre os resultados de seu esforço para “deixar claro exatamente onde Marx está certo
e onde está errado”, que o levou a criticar vários aspectos da ortodoxia marxista, incluindo a
visão de “colapso econômico” para o fim do capitalismo e a idéia de uma crescente polarização
da sociedade entre burguesia e proletariado, e em textos posteriores a afirmar que o
movimento socialista exigia uma doutrina ética tanto quanto uma teoria social (ver
REVISIONISMO). Entre os marxistas que reagiram às críticas feitas ao marxismo como ciência
social, e de maneira mais geral a novas concepções em filosofia e economia, os
austromarxistas ganharam uma nítida influência através de sua elaboração dos princípios de
uma sociologia marxista e de sua pesquisa inovadora em novos campos de investigação, entre
os quais se incluíram os estudos do nacionalismo, do direito, e do mais recente
desenvolvimento do capitalismo em seu estágio imperialista (ver AUSTROMARXISMO). Lenin e
os bolcheviques, porém, com a parcial exceção de Bukharin (1921), deram pouca atenção a
teorias sociais alternativas e reagiram às críticas de Bernstein identificando o revisionismo com
o REFORMISMO e com o abandono dos objetivos revolucionários. Suas versões do marxismo
concentram-se em grande parte na criação de um partido revolucionário disciplinado, capaz de
liderar a classe operária e seus aliados (especialmente, no caso russo, o campesinato) rumo a
uma bem-sucedida conquista do poder. Desse modo, o marxismo foi convertido em uma
doutrina que enfatizava a vontade política e a liderança do partido como os fatores cruciais
para a mudança social. A revolução russa, que instalou os bolcheviques no poder, criou
condições inteiramente novas para o desenvolvimento do pensamento marxista. O leninismo e
posteriormente o stalinismo estabeleceram-se como uma ideologia oficial dogmática que
adquiriu grande influência internacional com a fundação de partidos comunistas dentro do
modelo soviético em outros países, enquanto o Partido SocialDemocrata alemão,
profundamente dividido e enfraquecido em resultado da guerra e da derrota dos levantes
revolucionários de 1918-19, perdeu sua antiga proeminência como centro de teoria e prática
marxista. Nos anos do entreguerras e por algum tempo depois da Segunda Guerra Mundial, o
marxismo tornou-se amplamente identificado na mente do público com o marxismo soviético,
embora tenha havido de fato uma profunda cisão no pensamento marxista, em parte
coincidindo com a divisão do movimento internacional da classe operária entre a versão
soviética e o que seria mais tarde chamado de “marxismo ocidental”. Mas este último era ele
próprio bastante diversificado. Em algumas de suas formas, e especialmente na obra dos
austromarxistas, continuou a se desenvolver como um campo de investigação científica,
analisando as mudanças na sociedade capitalista depois da Primeira Guerra Mundial, a
ascensão do fascismo e o desenvolvimento de uma ditadura política e de uma economia
estatal totalitária na União Soviética. Outros marxistas ocidentais, porém, que se tornaram
membros dos recém-formados partidos comunistas, rejeitaram a concepção do marxismo
como sociologia científica e adotaram dele uma visão mais leninista, como umaconsciência
revolucionária incorporada em um partido da classe operária, embora tenham existido ou
surgido diferenças consideráveis entre os principais expoentes desse ponto de vista, Korsch
(1923), Lukács (1923) e Gramsci (1929-35). Korsch, mais tarde (1938), rejeitou toda essa
perspectiva dizendo que “a principal tendência do materialismo histórico não é mais
‘filosófica’, mas sim a de um método científico empírico”, e as análises de Gramsci do estado e
da sociedade civil continham muitos elementos que poderiam ser, e foram, incorporados a
uma teoria sociológica. Lukács também mudou suas idéias e, no prefácio a uma nova edição de
sua antiga obra (1923 (1971)) referiu-se, de forma autocrítica, a seu “messianismo
revolucionário, utópico” e expressou dúvidas quanto ao conteúdo e à validade metodológica
do tipo de marxismo que ele havia então proposto. Os primeiros textos de Korsch e Lukács,
porém, também ajudaram a promover outra forma do pensamento marxista, com a criação do
Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, em 1923, que mais tarde (nos anos 60) floresceu de
forma exuberante na teoria crítica da ESCOLA DE FRANKFURT. Os problemas práticos de se
construir uma sociedade socialista na Rússia pós-revolucionária, em um país principalmente
agrário e devastado pela Primeira Guerra Mundial, pela guerra civil e pela intervenção
estrangeira, criaram dificuldades de outro tipo para a teoria marxista. A maioria dos primeiros
marxistas, como o próprio Marx, de qualquer maneira, pouca atenção dera à questão de como
uma economia socialista e novas instituições sociais e políticas seriam efetivamente
organizadas, limitando-se a descrições gerais, como “o modo associado de produção” ou “uma
sociedade de produtores associados” — embora Kautsky (1902) e os austromarxistas tenham
de fato examinado mais amplamente algumas das questões implícitas. Na União Soviética, as
dificuldades do desenvolvimento socialista foram aumentadas pela necessidade urgente de
restauração da economia destroçada e da promoção da rápida industrialização; e esse tornou-
se o ponto central dos intensos debates dos anos 20 sobre as políticas e programas do
“período de transição”, debates que foram finalmente encerrados pela ditadura de Stalin e a
imposição impiedosa da industrialização e da coletivização da agricultura.
Os marxistas ocidentais, no período do entre-guerras, tiveram de enfrentar uma série de
problemas: o fracasso dos movimentos revolucionários nos países capitalistas avançados, a
ascensão do fascismo, o caráter mais totalitário do regime soviético e ataques críticos a toda a
idéia de uma economia socialista planejada, iniciados por von Mises (1920, 1922), que tiveram
seqüência em uma alentada controvérsia entre economistas conservadores, como Hayek
(1935) e, do lado do marxismo, especialmente Lange (Lange e Taylor, 1938). Não obstante, a
influência do pensamento marxista, predominantemente em uma forma leninista-stalinista,
cresceu durante os anos 30, em grande parte devido ao contraste entre o desenvolvimento
bastante rápido e prolongado da economia soviética e as condições de crise econômica e
depressão no mundo capitalista, bem como ao reconhecimento da União Soviética como
grande oponente dos regimes fascistas. Mas entre os próprios marxistas a crítica ao socialismo
totalitário continuou, e houve também dúvidas crescentes, mais vigorosamente expressas
pelos pensadores da Escola de Frankfurt, a respeito do papel político revolucionário da classe
operária na sociedade capitalista. Esses temas continuaram a dominar o pensamento marxista
depois de Segunda Guerra Mundial. A extensão do sistema soviético pela Europa Oriental,
seguida por uma sucessão de levantes contra os novos regimes, dos anos 50 aos 80, produziu
recentes críticas ao que era chamado de “socialismo real” e seus defensores ortodoxos, e a
influência do marxismo soviético foi se reduzindo incessantemente. Ao mesmo tempo, a série
variada de teorias e doutrinas conhecida como marxismo ocidental adquiriu influência bem
maior, incluindo a exercida sobre movimentos dissidentes na Europa Oriental, mas em
condições muito diversas das que predominaram nos anos do entre-guerras.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo entrou em fase de crescimento econômico
excepcionalmente acelerado e prolongado, acompanhado na Europa Ocidental, sob a
influência de movimentos socialistas que estavam agora mais fortes do que nunca, por uma
ampliação da propriedade pública, certo grau de planejamento econômico e o
desenvolvimento do que veio a ser chamado de “estado de bem-estar”. Na Europa Oriental,
movimentos de revolta, especialmente na Hungria, em 1956, e naTchecoslováquia, em 1968, e
o rumo inteiramente diverso tomado pela Iugoslávia, a partir de 1951, na construção de um
sistema de autogestão operária, pareceram indicar que se acabaria alcançando, naquela parte
da Europa, uma forma de sociedade socialista democrática. De qualquer forma, contribuíram
para um notável reavivamento do pensamento marxista, que agora se tornava amplamente
difundido em países ocidentais, não apenas na história, na sociologia e na ciência política,
onde há muito tinha um tipo de presença, mas na economia e na antropologia, na filosofia e
na estética.
O marxismo, assim, tornou-se um ponto focal de importantes controvérsias que o colocaram
em novo relacionamento com outras correntes do pensamento social. Mas esse renascimento
também aumentou a diversidade de concepções marxistas, influenciada também por uma
difusão mais ampla de alguns dos textos menos conhecidos do próprio Marx, como os
Manuscritos econômicos e filosóficos (1844) e os Grundrisse (1857-58). A Escola de Frankfurt,
através dos textos de Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse, ganhou ampla
influência como crítica cultural da sociedade burguesa, concebida como dominada pela
“racionalidade tecnológica” e por uma correspondente orientação positivista/cientificista das
ciências sociais, em vez de o ser por uma classe capitalista.
Contra isso, o marxismo estruturalista de Louis Althusser, formado em parte pelo movimento
estruturalista mais amplo (ver ESTRUTURALISMO), afirmou a importância de se analisarem as
estruturas profundas das sociedades humanas, especialmente seus modos de produção, e
retratou o marxismo como uma “nova ciência” dos diferentes níveis de prática social, da qual o
sujeito humano, como ser autônomo ativo, foi eliminado. Em outra direção, o grupo Praxis, de
filósofos e sociólogos iugoslavos, concentrou sua atenção nos problemas de alienação nas
sociedades tanto capitalista quanto socialista estatal, bem como no desenvolvimento e nas
perspectivas do socialismo autogestionário, autogerenciado, e seus textos exerceram um
impacto particular nos intelectuais da Europa Oriental. O pensamento marxista desse período
dividiu-se não apenas entre um vigoroso marxismo ocidental e um moribundo marxismo
soviético (como uma breve incursão do maoísmo como doutrina política que cativou alguns
estudantesradicais), mas entre duas concepções alternativas que podem ser amplamente
categorizadas como “humanista” e “científica” (Bottomore, 1988, “Introdução”). Os marxistas
da primeira categoria enfatizaram o conteúdo humanista, democrático ou emancipatório da
economia marxista, e as ações conscientes e intencionais de indivíduos e grupos sociais,
enquanto os da segunda estavam basicamente preocupados com seu caráter científico,
explanatório, e com o esquema conceitual e a teoria do conhecimento característicos que lhe
estão subjacentes. Ambas as orientações envolveram pensadores marxistas em controvérsias
muito mais amplas sobre todo o campo das ciências sociais, da história e da filosofia, a
respeito de “estrutura” e “mediação humana” na vida social, da importância relativa de fatores
culturais (ou ideológicos) e sociais no desenvolvimento da sociedade e de questões
metodológicas fundamentais; e eles próprios deram contribuições substanciais a esses
debates. Embora o marxismo tenha conservado um lugar mais importante no pensamento
social do que ocupara no início do século, tornou-se menos influente nos anos 80 do que na
década anterior, e teve de enfrentar problemas importantes. Um destes é fornecer alguma
análise convincente da estabilidade e crescimento do capitalismo no pós-guerra e, à luz dessa
análise, reconsiderar a natureza, ou de fato a possibilidade, de uma transição para o socialismo
como até agora concebido nos países industriais avançados, levando em conta especialmente
o aparente declínio de políticas especificamente de classe operária e a ascensão de várias
formas de políticas não-classistas nos novos tipos de MOVIMENTO SOCIAL. Problema ainda
maior é representado pelas mudanças nos países de “socialismo real”, que culminaram, no
final dos anos 80, na derrubada dos regimes comunistas na maior parte da Europa Oriental e
na aceleração de mudanças fundamentais na União Soviética, em direção a uma economia
mais orientada para o mercado e a um sistema político multipartidário. Uma vez que a maioria
dos países da Europa Oriental embarcou então em uma restauração do capitalismo, é evidente
que a teoria marxista da história, que não previu semelhante transição inversa, do socialismo
para o capitalismo, fica necessitando de uma revisão drástica, e é uma resposta singularmente
inadequada dizer que os países envolvidos não eramrealmente socialistas.
O que se exige é uma análise muito mais fundamental do desenvolvimento do capitalismo e do
socialismo no século XX, e uma reorientação da teoria marxista, se isso é possível, de ser
básica ou até exclusivamente uma análise da ascensão, desenvolvimento e prevista superação
do capitalismo para uma análise que dê igual ou maior destaque aos estudos do surgimento e
desenvolvimento do socialismo e das contradições e crises que podem ocorrer dentro de uma
economia e uma sociedade socialistas. Se essa reorientação de idéias virá a ser acomodada
dentro de um esquema de pensamento que ainda seja reconhecivelmente uma forma de
“marxismo clássico”, ou se marca o início de uma era “pós-marxista”, é algo que só o futuro
dirá. É óbvio, pelo menos, que no decorrer das poucas últimas décadas o marxismo já se havia
desenvolvido de tal modo que seu caráter era menos o de uma única e bem amarrada teoria, e
mais o de um amplo, embora ainda característico, paradigma dentro do qual diversos tipos de
explicação e interpretação são possíveis; e é evidente também que, nesse processo, seu papel
como doutrina política, distinta da doutrina do socialismo em geral, foi grandemente
atenuado, de forma que, no futuro, é muito provável que partidos “marxistas” venham a ser
uma espécie de raridade.