Susana de Oliveira Matos da Cunha
Licenciada em Engenharia Qumica
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Dissertao para obteno do Grau de Mestre em
Tecnologia e Segurana Alimentar
Orientador: Ana Lusa Almaa da Cruz Fernando,
Professora Auxiliar da Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
Jri:
Presidente: Prof. Doutora Benilde Simes Mendes
Arguente(s): Prof. Doutor Antnio Pedro Louro Martins
Vogal(ais): Prof. Doutora Ana Lusa Almaa da Cruz Fernando
Setembro de 2015
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
COPYRIGHT em nome de Susana de Oliveira Matos da Cunha,
da Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e da
Universidade Nova de Lisboa.
A Faculdade de Cincias e Tecnologia e a Universidade Nova de Lisboa tm o direito,
perptuo e sem limites geogrficos, de arquivar e publicar esta dissertao atravs de
exemplares impressos reproduzidos em papel ou de forma digital, ou por qualquer outro
meio conhecido ou que venha a ser inventado, e de a divulgar atravs de repositrios
cientficos e de admitir a sua cpia e distribuio com objectivos educacionais ou de
investigao, no comerciais, desde que seja dado crdito ao autor e editor.
Agradecimentos
Susana Cunha
Agradecimentos
Fui louvada por voltar a estudar para obter um grau de mestrado apesar de ter j anos de
experincia na minha rea, mas a verdade que no foi um esforo porque no h nada que eu
goste mais do que aprender. Por isso, comeo por agradecer a todos os professores que
cruzaram o meu caminho na Faculdade de Cincias e Tecnologia da UNL pela sua dedicao e
profissionalismo, bem como a todos os meus colegas do curso, pela sua amizade, simpatia e
entreajuda. Eles fizeram o meu caminho interessante e agradvel.
Devo agradecer em especial orientadora deste trabalho, Prof. Ana Lusa Fernando, cujo
envolvimento comeou pela proposta deste tema to interessante para a minha tese, e que foi
alm do seu dever para facilitar a logstica das tarefas a realizar. Tambm a sua simpatia, boa
disposio e dedicao foram cruciais para tornar o meu percurso uma fase amena da minha
vida.
Tambm gostava de deixar uma palavra a todos os trabalhadores da Yonest, a comear pelo
Eng. Filipe Botto por propor a parceria FCT, mas tambm a Eng. Cristiana Nunes por toda a
disponibilidade na resposta s minhas perguntas e no acompanhamento da recolha de amostras.
No podia deixar de agradecer minha famlia pelo apoio, compreenso e motivao, que
acompanharam mais uma etapa da minha vida.
Finalmente, este trabalho no poderia ter sido feito sem a preciosa ajuda das tcnicas do
laboratrio de qumica da Faculdade de Cincias e Tecnologia da UNL. s Sra. D. Rita Almeida
Braga e Sra. D. Rosa Pinto, o meu profundo agradecimento pela sua participao e simpatia.
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Resumo
Susana Cunha
Resumo
-
- --
-
-
-
-
-
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Abstract
Susana Cunha
Abstract
Whey is a by-product of the cheese, casein and concentrated yogurt industries, which requires costly treatment before disposal due to its high protein and lactose content. Whey from different origins have different composition and functional properties. Whey from concentrated yogurt is produced in lower quantities worldwide, and has not been the subject of many studies.
Whey proteins have nutritional and functional properties much appreciated, and can be marketed as concentrate or powder. Whey is also rich in lactose which can be recovered. The transformation of whey in these products is expensive and Greek type yoghurt is often produced by small enterprises without the ability to transform the whey. A need to establish a shelf life for this product in raw form and study the best ways of storage and stabilization arises.
This work intended to study the stability of Greek yogurt whey before and after pasteurization. For this purpose, two types of whey were characterized: non-fat yogurt whey and whole yoghurt whey. Both types of whey had the general characteristics of acid type whey (whey derived from the coagulation of casein by lowering pH). The non-fat yogurt whey showed more protein, lipids, ash and total solids than whole yogurt whey, which showed higher lactose content. The whole yoghurt whey had also more calcium and phosphorus than the non-fat yoghurt whey. These differences in composition may be related to the presence or absence of fat in the curd, and that showed to have influence on the functional properties of whey.
Whole yogurt whey was analysed for its stability. Pasteurization at 63 C for 30 minutes (P63) was effective in microbial control and the samples were stable for 21 days at 20 C and for 90 days at 4 and -18 C. Thermic treatment at 72 C for 1 minute in batch (P72) was not effective in reducing microbial load, showing growth of moulds and yeasts (M&Y) above 103 CFU mL-1 from as early as the second week, despite being stored at 4 C. Non-pasteurized whey (NP) was assessed over 21 days at 4 C having shown a good chemical stability, but also a growth of M&Y above 103 CFU mL-1 after the 13th day. The shelf-life of NP whey may be extended eliminating all sources of contamination by M&Y. A better balance between the populations of Lactobacillus delbrueckii subs. bulgaricus and Streptococcus thermophilus can also be beneficial to whey conservation.
None of the studied conditions showed increased proteolysis with storage period. There was, however, proteolysis derived from pasteurization detected by the increment in ammonia nitrogen, and the decreased in soluble nitrogen, with increasing treatment temperature. Only the P72 samples showed a decrease in proteic nitrogen. The pH varied without tendencies between 4.07 and 4.29 over the 90 day study period. Titratable acidity was between 6.48 and 8.55 g of lactic acid per litre, showing no significant variation. Establishing a maximum pH of 4,2 for whey (and for the yoghurt it comes from) may assure quality and food safety in this product.
The good foaming capacity demonstrated by raw whey opens up possibilities for its use in beverages like smoothies. Results of emulsifying capacity were comparable to those of proteins marketed as emulsifiers. There are whey based products that can be developed by a small producer, such as liquid yoghurt, protein fortified fruit drinks, and desserts. Other uses are discussed.
The recovery of whey must be studied case by case, i.e. for each whey source, each treatment applied to the whey, and each end use considered. It is important therefore that small and medium enterprises first find a destination of their by-product, and only then apply the treatment, tailored to the desired characteristics.
Keywords: whey, Greek yoghurt, pasteurization, shelf-life, foaming properties, emulsifying properties
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
ndice
Susana Cunha
ndice
Agradecimentos ....................................................................................................................................... I
Resumo ................................................................................................................................................... III
Abstract ................................................................................................................................................... V
ndice ..................................................................................................................................................... VII
ndice de Figuras ..................................................................................................................................... IX
ndice de Tabelas .................................................................................................................................... XI
Abreviaturas ......................................................................................................................................... XIII
Captulo I. Introduo ....................................................................................................................... 1
1. Enquadramento do trabalho ....................................................................................................... 1
2. O iogurte ...................................................................................................................................... 2
2.1. Fabrico de iogurte grego ..................................................................................................... 4
3. O soro como subproduto ............................................................................................................ 6
3.1. Caracterizao ..................................................................................................................... 8
3.2. Valor biolgico e funcional do soro ................................................................................... 10
3.3. Processamento do soro ..................................................................................................... 13
4. Avaliao da estabilidade .......................................................................................................... 15
4.1. Desenvolvimento microbiolgico ...................................................................................... 17
4.2. Protelise ........................................................................................................................... 18
5. Avaliao das propriedades funcionais ..................................................................................... 20
Captulo II. Metodologia .................................................................................................................. 23
1. A Yonest True Yogurt .............................................................................................................. 23
2. Projecto experimental ............................................................................................................... 24
3. Produo do soro de iogurte ..................................................................................................... 25
4. Amostragem e pasteurizao .................................................................................................... 25
5. Caracterizao do soro .............................................................................................................. 27
5.1. pH, acidez e condutividade ............................................................................................... 27
5.2. Matria seca e cinza .......................................................................................................... 27
5.3. Lpidos ................................................................................................................................ 27
5.4. Acares ............................................................................................................................ 28
5.5. Protena (azoto total) ........................................................................................................ 28
5.6. Fsforo ............................................................................................................................... 29
5.7. Cloretos ............................................................................................................................. 30
5.8. Elementos minerais ........................................................................................................... 30
6. Avaliao da estabilidade do soro pasteurizado ....................................................................... 30
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
6.1. pH, acidez e Brix ............................................................................................................... 30
6.2. Anlises microbiolgicas ................................................................................................... 30
6.3. Azoto amoniacal, solvel e no proteico .......................................................................... 31
7. Avaliao das propriedades funcionais ..................................................................................... 32
7.1. Estabilidade da espuma ..................................................................................................... 32
7.2. Capacidade Emulsionante ................................................................................................. 32
8. Tratamento de dados ................................................................................................................ 33
Captulo III. Resultados e Discusso .................................................................................................. 35
1. Caracterizao do soro .............................................................................................................. 35
1.1. Lpidos ................................................................................................................................ 36
1.2. Acares ............................................................................................................................ 37
1.3. Protena e azoto ................................................................................................................ 37
1.4. Cinza e minerais ................................................................................................................. 38
2. Avaliao da estabilidade do soro pasteurizado ....................................................................... 40
2.1. pH, acidez e Brix ............................................................................................................... 40
2.2. Anlises microbiolgicas ................................................................................................... 44
2.3. Azoto amoniacal, solvel e no proteico .......................................................................... 48
3. Avaliao das propriedades funcionais ..................................................................................... 53
3.1. Propriedades Espumantes (PE) ......................................................................................... 54
3.2. Capacidade Emulsionante (CE) .......................................................................................... 57
Captulo IV. Valorizao do soro de iogurte ..................................................................................... 61
Captulo V. Concluses ..................................................................................................................... 69
Captulo VI. Referncias .................................................................................................................... 71
ndice de Figuras
Susana Cunha
ndice de Figuras
Figura I.1 - Processo de produo do iogurte do tipo grego (gordo e magro) ........................................ 5
Figura I.2 - Produo portuguesa de soro concentrado e em p ............................................................ 8
Figura I.3 - Esquema resumo dos principais tratamentos aplicados ao soro e seus produtos ............. 14
Figura II.1 - Alguns produtos da Yonest................................................................................................. 23
Figura II.2 Pontos de venda da Yonest: Moto Yogurtman (esquerda) e Caf Yogurtman (direita) ... 24
Figura II.3 - Equipamento onde foi realizada a pasteurizao .............................................................. 26
Figura III.1 - Resultados de pH para as sries P63/20C e SP/4C ......................................................... 41
Figura III.2 - Resultados de pH para as sries P72/4C, P63/4C e P63/-18C ....................................... 41
Figura III.3 - Resultados da evoluo da acidez para as sries SP/4C e P63/20C ............................... 42
Figura III.4 - Resultados da evoluo da acidez para as sries P72/4C, P63/4C e P63/-18C ............. 42
Figura III.5 - Resultados da evoluo do Brix para as sries SP/4C e P63/20C .................................. 43
Figura III.6 - Resultados da evoluo do Brix para as sries P72/4C, P63/4C e P63/-18C ............... 43
Figura III.7 - Resultados das anlises microbiolgicas s amostras pasteurizadas a 63 C ................... 45
Figura III.8 - Resultados das anlises microbiolgicas s amostras P72 ............................................... 46
Figura III.9 - Resultados das anlises microbiolgicas s amostras sem pasteurizao ....................... 47
Figura III.10 - Resultados do azoto amoniacal para as sries P72/4C, P63/4C e P63/-18C .............. 49
Figura III.11 - Resultados do azoto amoniacal para as sries SP/4C e P63/20C ................................. 49
Figura III.12 - Resultados do azoto solvel para as sries P72/4C, P63/4C e P63/-18C .................... 50
Figura III.13 - Resultados do azoto solvel para as sries P63/20C e SP/4C ...................................... 51
Figura III.14 - Resultados do azoto no proteico para as sries P72/4C, P63/4C e P63/-18C .......... 52
Figura III.15 - Resultados do azoto no proteico para as sries P63/20C e SP .................................... 52
Figura III.16 - Resultados de FE (%), ExE (%) e EE (%) para as vrias amostras estudadas.................... 55
Figura III.17 - Resultados e expresso das 1 e 2 derivadas para a amostra SP gordo ....................... 58
Figura III.18 - Resultados da capacidade emulsionante para as vrias amostras estudadas ................ 59
file:///C:/My/MyDocuments/Dropbox/A%20minha%20tese/Cunha%202015%20Avaliao%20da%20estabilidade%20do%20soro%20de%20iogurte.docx%23_Toc438142496file:///C:/My/MyDocuments/Dropbox/A%20minha%20tese/Cunha%202015%20Avaliao%20da%20estabilidade%20do%20soro%20de%20iogurte.docx%23_Toc438142498file:///C:/My/MyDocuments/Dropbox/A%20minha%20tese/Cunha%202015%20Avaliao%20da%20estabilidade%20do%20soro%20de%20iogurte.docx%23_Toc438142518
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
ndice de Tabelas
Susana Cunha
ndice de Tabelas
Tabela I.1 - Composio genrica do soro de leite ................................................................................. 8
Tabela I.2 - Teor de algumas vitaminas no soro bruto .......................................................................... 10
Tabela I.3 - Definies de perodo de vida til dum alimento .............................................................. 15
Tabela II.1 - Dias de armazenagem das vrias amostras ....................................................................... 26
Tabela III.1 - Resultados de condutividade e pH dos diferentes tipos de amostra ............................... 35
Tabela III.2 - Caracterizao do soro de iogurte (P63) .......................................................................... 36
Tabela III.3 - Resultados das fraces de azoto amoniacal, solvel e no proteico para cada tratamento
............................................................................................................................................................... 38
Tabela III.4 - Resultados da anlise da cinza do soro ............................................................................ 39
Tabela III.5 - pH e condutividade das amostras utilizadas para a anlise das propriedades funcionais
......................................................................................................................................................... 54
Tabela III.6 - Capacidade de formao de espuma de algumas protenas ............................................ 57
Tabela IV.1 - Aplicaes de soro de leite ............................................................................................... 62
file:///C:/My/MyDocuments/Dropbox/A%20minha%20tese/Cunha%202015%20Avaliao%20da%20estabilidade%20do%20soro%20de%20iogurte.docx%23_Toc438143514file:///C:/My/MyDocuments/Dropbox/A%20minha%20tese/Cunha%202015%20Avaliao%20da%20estabilidade%20do%20soro%20de%20iogurte.docx%23_Toc438143514
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Abreviaturas
Susana Cunha
Abreviaturas
ANP Azoto no proteico
B&L Bolores e Leveduras
BOD5 Carncia bioqumica de oxignio calculada para 5 dias (biochemical oxygen demand)
BSA Albumina do soro bovino (Bovine Serum Albumin)
CE Capacidade emulsionante
CFU Colony forming units
COD5 Carncia qumica de oxignio calculada para 5 dias (chemical oxygen demand)
EE - Estabilidade da espuma
ETAR Estao de tratamento de guas residuais
ExE Capacidade de expanso da espuma
FE Capacidade de formao de espumas
HACCP Anlise de riscos e pontos crticos de controlo (Hazard analysis and critical control points)
IAE ndice de actividade emulsionante
Ig Imunoglobinas
LAB Bactrias cido-Lcteas (Lactic Acid Bacteria)
M&Y Moulds and yeasts
MRS Man Rogosa Sharpe Agar (meio de cultura microbiolgica)
MTV Microrganismos Totais Viveis
NP Non-pasteurized whey
P63 Pasteurizao a 63 C por 30 minutos em batch
P72 Pasteurizao a 72 C por 1 minuto em batch
PCA Plate Count Agar (meio de cultura microbiolgica)
PE Propriedades espumantes
RBC Rose Bengal Chloramphenicol Agar (meio de cultura microbiolgica)
SP Sem pasteurizao
T0 a T90 Tempo de armazenagem de X dias (X = 0, 3, 7, 9, 13, 14, 17, 21, 27, 42, 56, 62, 90)
TCA cido tricloroactico
UFC Unidades formadoras de colnias
-La -Lactalbumina
-Lg -Lactoglobina
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Introduo
Susana Cunha
Captulo I. Introduo
1. Enquadramento do trabalho
O soro um subproduto das indstrias de queijo, casena e iogurte concentrado, que
necessita de tratamento dispendioso antes de ser descartado. O seu elevado contedo proteico
e de acares resultam numa elevada carncia bioqumica de oxignio (BOD5), na ordem de
35000 55000 mg O2 L-1 e uma carncia qumica de oxignio (COD5) de cerca do dobro (Tsakali,
et al., 2010). As indstrias que possuem este subproduto tm procurado a sua valorizao,
integrando-o em outros produtos ou criando novos produtos derivados do soro, havendo j
vrias solues de valorizao bem-sucedidas.
As solues de valorizao passam geralmente por um processo de spray-drying (semelhante
ao usado na fabricao de leite em p), produzindo um p com elevado teor proteico que pode
ser incorporado em farinhas para panificao, lacticnios, sobremesas, bebidas proteicas para
atletas, ou usado na preparao de emulses e espumas (Siso, 1996). Outra forma comum de
utilizao do soro na forma concentrada, que geralmente produzida por processos de
ultrafiltrao, podendo incluir uma etapa de desmineralizao ou separao das protenas de
forma a valorizar a jusante cada componente do soro separadamente (Bylund, 1995). Estes
processos, no entanto, comportam elevados custos energticos e de investimento, s indicados
para exploraes de grandes dimenses, excluindo pequenos e mdios produtores de queijo e
de iogurte concentrado. Para estes, as solues mais viveis passam pela valorizao do soro
como produto lquido em bruto. Este produto muitas vezes encaminhado para exploraes
agro-pecurias onde pode ser usado como bebida para animais ou fertilizante agrcola, mas
sempre que possvel tambm incorporado em produtos para a alimentao humana, tais como
bebidas e produtos base de fruta e vegetais (Holsinger, et al., 1974; Shon & Haque, 2007).
O soro de queijo encontra-se extensamente caracterizado na literatura, inclusive derivado da
produo de diferentes tipos de queijo, encontrando-se tambm diversos estudos sobre a sua
possvel utilizao em produtos alimentares ou na produo de cido lctico, lactose ou como
meio de cultura para microrganismos (Panesar, et al., 2007; Siso, 1996; Soydemir, 2008). No
entanto, escassa a literatura referente a soro de iogurte, naturalmente devido s menores
quantidades produzidas a nvel mundial.
A produo da maioria dos tipos de iogurte no produz soro como subproduto. Somente no
caso dos chamados iogurtes concentrados que o soro separado (Bylund, 1995). Neste caso,
como por exemplo para um iogurte do tipo grego, as quantidades de soro so aproximadamente
iguais quantidade de iogurte preparado, e o seu destino final tem de ser planeado. Dado que o
iogurte do tipo grego muitas vezes produzido por pequenas exploraes sem capacidade para
transformar o soro em p, surge a necessidade de estabelecer um prazo de validade para este
produto na forma bruta e estudar as melhores formas de armazenamento e estabilizao.
Com este trabalho pretendeu-se estudar a estabilidade do soro de iogurte grego antes e
depois de pasteurizao. Para tal, efectuou-se uma caracterizao do soro quanto sua
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
composio, pH e acidez, ao que se seguiu o estudo do crescimento microbiolgico e da
protelise ao longo do tempo, para vrias temperaturas de armazenamento. Foram tambm
efectuados testes capacidade emulsionante e espumante do soro bruto e discutidas possveis
formas de valorizao.
2. O iogurte
A fermentao do leite uma prtica ancestral que surgiu quase simultaneamente com a
domesticao de ruminantes, h cerca de 10 000 anos. Existem vrios tipos de leites
fermentados com origem em diferentes zonas do globo, onde a conjugao de hbitos, clima e
microrganismos concorreram para a descoberta da extenso do tempo de vida til do leite
atravs da fermentao por bactrias lcteas. (Tamime, 2006)
O leite de diferentes animais foi usado dando origem a produtos caractersticos. Enquanto
na Europa preferido o leite de vaca, o leite de bfala muito usados em vrios pases asiticos,
enquanto o leite de ovinos, caprinos e camelo so os materiais de partida para leites
fermentados em vrios pases do Mdio Oriente. A microflora tambm muito variada. Nas
zonas mais quentes, bactrias termfilas (35-45 C) esto presentes na maioria dos produtos
(por exemplo em iogurte, labneh e no iogurte concentrado dito tipo grego), e nas zonas mais
frias foram utilizadas bactrias mesfilas (20-30 C), como por exemplo os buttermilk, filmjlk,
tetmjlk e lngofil originrios do norte da Europa. Em alguns locais utilizaram-se
adicionalmente leveduras para criar produtos lcteos com algum teor alcolico como o kefir e o
kumys, originrios da Rssia e sia Central. Tambm existem produtos com adio de bolores,
como o uso de Geotrichum candidum na produo de viili, na Finlndia. (Chandan & Kilara, 2013;
Tamime, 2002)
Estes produtos variam ainda por adio de diferentes componentes como acares, fruta,
condimentos, gos e frutos secos, e ainda pelos mtodos utilizados como concentrao,
congelamento e secagem, que em conjunto com o resultado da actividade microbiana resultam
numa vasta variedade de flavours e texturas. A maioria destes produtos tem institucionalizadas
propriedades caractersticas em termos de acidez, pH, teor alcolico (kefir, kumys), composio
(em especial o teor de gordura) e/ou microflora especfica (clulas viveis dos microrganismos
fermentativos e, quando aplicvel, probiticos). Outras caractersticas controladas ao longo da
produo so: pH, viscosidade, flavour e aparncia visual (cor, enchimento do recipiente,
formao de grumos, corpo e textura e integridade geral). (Chandan & Kilara, 2013)
Os iogurtes podem ser categorizados pela sua consistncia e composio. Em termos de
consistncia os iogurtes podem ser slidos, batidos, lquidos, gelados ou concentrados. Os
iogurtes slidos so aqueles que apresentam uma textura firme, sofrendo uma coagulao
directamente nas embalagens individuais de venda a retalho, no sendo aplicada qualquer tipo
de homogeneizao. Por seu lado, os iogurtes batidos tm uma textura cremosa, passando o seu
processo de fabrico por uma prvia coagulao em cubas de fermentao sendo posteriormente
embalado. Quanto aos iogurtes lquidos, tal como o nome indica, tm uma estrutura menos
viscosa que conseguida atravs da liquefaco do cogulo antes de ser embalado. Os iogurtes
Introduo
Susana Cunha
gelados (ou gelado de iogurte) so congelados do mesmo modo que um gelado, aps a sua
incubao em tanques. Finalmente, os iogurtes concentrados, em que se inclui o iogurte do tipo
grego, so dessorados aps incubao, perdendo 50-65% do seu volume na forma de soro.
(Bylund, 1995)
A classificao quanto composio pode ser relativa ao contedo de matria gorda ou
adio de acares ou fruta. Relativamente matria gorda, a diviso dos iogurtes feita em
gordo, meio-gordo e magro, conforme o teor de gordura presente na parte lctea de cada uma
delas. Para os iogurtes gordos este teor de gordura no mnimo de 3,5% (m/m), para os meios-
gordos situa-se entre 1,5% (m/m) e 1,8% (m/m), e os magros tero um mximo de 0,3% (m/m).
(Portaria n 742/92, 1992)
Quanto aos aditivos, o iogurte pode ser natural, aucarado, aromatizado ou com pedaos de
fruta. Um iogurte natural constitudo apenas pelo leite e culturas microbianas, no sofrendo
qualquer tipo de adio. Em contraposio, um iogurte aucarado um iogurte ao qual se
adicionou sacarose ou outro tipo de acar, edulcorantes e emulsionantes. Os iogurtes
aromatizados tm adio de aromas ou outros aditivos alimentares. Finalmente, os iogurtes com
pedaos so aqueles aos quais se adicionam pedaos de fruta, geralmente na forma dum xarope
com 50% de acar, constituindo cerca de 15% do produto final. (Bylund, 1995; Portaria n
742/92, 1992)
A portaria n 742/92, de 24 de Julho, define o iogurte como um produto coagulado obtido
por fermentao lctica devido aco exclusiva de Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus
(L. bulgaricus) e Streptococcus thermophilus (S. thermophilus) sobre o leite ou produtos lcteos
(leite pasteurizado, leite pasteurizado parcialmente desnatado, leite pasteurizado desnatado ou
nata pasteurizada), com ou sem a adio de leite em p ou derivados, acares ou edulcorantes,
devendo a flora especfica estar viva e abundante no produto final (mnimo de 107 UFC1 g-1).
O processo geral de fabrico do iogurte relativamente simples, consistindo num pr-
tratamento trmico do leite (j homogeneizado quanto ao teor de gordura) que reduz a carga
microbiana e desnatura parcialmente as protenas do soro, seguido da inoculao com as
bactrias cido lcteas (LAB) e incubao temperatura adequada ao seu crescimento. Com o
abaixamento do pH pela formao de cido lcteo, d-se a coagulao da casena que forma
uma estrutura reticular com os lpidos, os minerais e algumas das protenas do soro
desnaturadas, formando um gel com uma consistncia firme ou viscosa (iogurtes slidos ou
batidos). Nos iogurtes lquidos efectuada uma homogeneizao posterior para converter o
cogulo a partculas, com adio de estabilizantes. Nesta fase so ento adicionados os aditivos
adequados (acar, sumo ou pedaos de frutas, aromas) e o produto ento embalado.
Finalmente, nos iogurtes concentrados efectuado um dessoramento, com perda de gua e
nutrientes na forma se soro. (Tamime, 2006) O processo de fabrico do iogurte concentrado
discutido na seco 2.1.
Hoje em dia, o produto de leite fermentado mais popular o iogurte e o seu consumo tem
vindo a aumentar. A nvel mundial, segundo os dados da Food and Agriculture Organization
(FAO), verificou-se um aumento no fabrico na ltima dcada (cerca de 250 mil toneladas em
1 UFC Unidades Formadoras de Colnias
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
2003 para cerca de 280 mil toneladas em 2013). O nvel de produo no tem tido uma subida
constante, tendo havido um pico de produo nos anos 2006 e 2007. (FAO, 2015)
Em Portugal, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatstica, o consumo per capita de
leite fermentado aumentou de 18,5 para 22,4 kg por habitante e por ano, no perodo
compreendido entre 2003 e 2013. Em 2012 consumiram-se 233 mil toneladas de leite
fermentado em Portugal. Apesar disso, das 344 empresas de lacticnios em funcionamento nesse
ano, cerca de 76% eram pequenas empresas empregando menos de 10 pessoas (INE, 2015).
O aumento do consumo de iogurte pode-se atribuir consciencializao da populao para
uma alimentao mais saudvel, na qual os iogurtes tm sido includos. Alm de poder ser
considerado um substituto do leite, tem diversas outras caractersticas nutricionais que o
tornam um alimento relevante. O leite um alimento completo com protenas de elevado valor
biolgico, um acar de fcil digestibilidade (a lactose) e vrios minerais e vitaminas essenciais.
No entanto, uma percentagem da populao no consegue digerir facilmente a lactose por no
possuir o enzima -galactosidase (lactase) no seu sistema digestivo, mas a flora especfica do
iogurte pr-digere a lactose, por processos que ainda no so completamente conhecidos,
tornando este produto adequado para quem possui este tipo de intolerncia. O iogurte
concentrado ainda mais adequado para este fim, dado que a quase totalidade da lactose
removida no dessoramento. (Chandan & Kilara, 2013)
2.1. Fabrico de iogurte grego
O iogurte do tipo grego um iogurte concentrado. O seu processo geral de fabrico
apresentado na Figura I.1.
O iogurte concentrado feito pelo mtodo tradicional comea por um pr-tratamento trmico
que no to intenso como o dos iogurtes no dessorados. Nestes ltimos, o pr-tratamento
usualmente aplicado de 90-95 C por 5-10 minutos. Isto permite desnaturar 70 a 80% das
protenas do soro, facilitando a sua interaco na estrutura reticular do cogulo, e assim
minimizar o fenmeno de sinrese (separao do soro aps produo e embalagem), e melhorar
a consistncia (iogurtes slidos) ou viscosidade (iogurtes batidos) do produto final. No caso do
iogurte concentrado, pretende-se a separao do soro aps incubao, pelo que as
temperaturas aplicadas no pr-tratamento so somente as suficientes para alterar a estrutura da
casena de forma a facilitar a criao da estrutura do cogulo. Outras funes do pr-tratamento
trmico so: a desnaturao parcial de algumas protenas de forma a libertar aminocidos que
iro estimular a aco das culturas starter; a expulso de oxignio do leite para criar condies
propcias ao crescimento das bactrias microaerfilas do starter; e a reduo da flora endgena
do leite que poderia de outro modo competir com as LAB. (Bylund, 1995; Tamime, 2006)
Introduo
Susana Cunha
Aquecimento do Leite Magro 55-57 C
Leite do Dia Magro Leite do Dia Gordo
Aquecimento do Leite Gordo 68-70 C
Filtrao
Mistura (35-45 C)
Incubao em Estufa 40-45 C 16h
Dessoramento
Embalamento
Starter
Figura I.1 - Processo de produo do iogurte do tipo grego (gordo e magro)
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Aps o pr-tratamento, o produto filtrado para remover impurezas e arrefecido at 35-45 C, a temperatura ptima para o crescimento das bactrias do starter. O starter ento adicionado e bem misturado, e o produto incubado a 40-45 C por cerca de 16 horas, at ao pH desejado, dependendo do flavour que se pretende obter. A coagulao da casena inicia-se a pH 5,2-5,3 e considera-se completa a pH 4,6. O pH dever obrigatoriamente ser inferior a este valor, mas um pH muito baixo pode resultar num produto demasiadamente acdico. O pH ideal depende dos teores de gordura e de slidos totais. Ao passo que um pH de 4,2 aceitvel num iogurte no concentrado, o pH dum iogurte do tipo grego pode descer at 3,7-3,8 sem que se torne demasiado acdico, dada a sua maior concentrao de slidos totais. (Chandan & Kilara, 2013; Tamime, 2006)
Durante a incubao, o L. bulgaricus degrada a casena, fornecendo peptdeos e aminocidos aos streptococci, que tm fraca capacidade proteoltica. O S. thermophilus cresce mais rapidamente de incio, baixando o potencial redox e acidificando ligeiramente o meio. Estas condies so satisfatrias para o crescimento do L. bulgaricus que aumenta a acidificao do meio. As duas espcies crescem em simbiose e vo fermentando a lactose a cido lctico, libertando para o meio os compostos responsveis pelo aroma caracterstico do iogurte, nomeadamente diacetil (S. thermophilus) e acetaldedo (L. bulgaricus), mas tambm cidos gordos volteis, etanol, acetona, cido actico e butanona. O cido lctico, cerca de 90% dos produtos da fermentao, alm de acidificar o meio actua como conservante no produto final. (Chandan & Kilara, 2013; Nogueira, et al., 1998)
A pH abaixo de 4,6 a maioria da casena precipita na forma de sais de casena (p. ex. caseinato de sdio) e forma-se o cogulo formado por casena ligada a algumas protenas do soro, formando uma estrutura reticular que retm os lpidos, a gua e minerais dissolvidos ou precipitados. (Bylund, 1995; Chandan & Kilara, 2013)
O dessoramento pelo mtodo tradicional efectuado colocando o iogurte em sacos de pano e deixando o soro escoar por aco da gravidade. Hoje em dia usam-se filtros de fibra sinttica, mais higinicos, ou, a nvel duma indstria de maior dimenso, efectua-se o dessoramento em centrfugas ou por aplicao de presso. O dessoramento por aco da gravidade dura entre 15 a 20 horas e deve ser efectuado a uma temperatura abaixo dos 10 C, at a uma concentrao de slidos totais de cerca do dobro da inicial. A concentrao de slidos inicial e a temperatura de dessoramento so factores determinantes do rendimento do processo. (Tamime, 2006)
Aps dessoramento, o iogurte concentrado est pronto a ser embalado. O subproduto, o soro de leite escoado, o objecto deste trabalho.
3. O soro como subproduto
Por cada kg de queijo so produzidos aproximadamente 8,7 kg de soro (Morr, 1992). J no
caso do iogurte concentrado, o valor pode variar entre 1 a 1,5 kg de soro por cada kg de iogurte
(Nergiz & Sekin, 1998). Na produo de casena, a quantidade de soro produzido varia com o
mtodo utilizado, sendo o mais implementado a acidificao qumica, resultando num soro cido
(Bylund, 1995). Mundialmente so produzidos cerca de 145 milhes de toneladas de soro,
maioritariamente da produo de queijo e casena, mas tambm da produo de iogurte
concentrado (Tsakali, et al., 2010).
Introduo
Susana Cunha
O soro um efluente extremamente poluente, tendo um BOD5 de 35000 mg L-1 e um COD5
de 68000 mg L-1. Isto devido ao elevado teor de protena (cerca de 0,55% em base hmida) que
fornece azoto e fsforo, mas tambm ao elevado teor de lactose (cerca de 4,8% em base
hmida) que fornece substrato actividade microbiana. O tratamento deste efluente
complicado, devendo combinar vrios mtodos de forma a conseguir uma reduo da carga
orgnica dentro dos valores legais. Alm disso, o soro especialmente difcil de tratar por
mtodos convencionais de tratamento de efluentes, visto que as propriedades emulsionantes
das protenas impedem a sedimentao das lamas na ETAR. A produo de etanol, biomassa ou
metano para produo de energia por vezes utilizada e pode reduzir o BOD5 at 75%, mas no
evita a necessidade de tratamento aerbio. (Bylund, 1995; Mawson, 1994; Morr, 1992)
No entanto, a classificao do soro de leite como efluente um desperdcio de componentes
com elevado valor comercial e nutricional. O soro contm cerca de 20% das protenas do leite,
protenas estas com elevado potencial de actividade biolgica, e a quase totalidade da lactose do
leite, que constitui cerca de 75% dos slidos do soro. Por estas razes, o aproveitamento do soro
de uma ou outra forma no algo recente, apesar de, no incio dos anos 90, ainda somente 50%
da produo mundial de soro era tratada como subproduto de valor econmico em vez de
efluente a alijar. (Bylund, 1995; Smithers, 2008)
Historicamente, o reaproveitamento do soro comeou pela utilizao como bebida para
animais ou fertilizante lquido. Um trabalho por Ryder (1980) apresenta estas solues como as
principais utilizaes economicamente vantajosas no incio dos anos 80. Na alimentao animal,
foi calculado que 1 L de soro em bruto fornece a mesma protena e energia que 0,081 kg de
cevada, estando o seu uso limitado pelo contedo mineral, que poder ser excessivo. Na
agricultura o soro pode ser utilizado na irrigao em 110-220 toneladas por hectare, fornecendo
gua, azoto e fsforo, mas apenas em solos neutros ou bsicos. (Morr, 1992; Ryder, 1980)
Uma grande percentagem do soro produzido mundialmente ainda valorizado dessa forma,
mas avanos nos anos 80 e 90 nas tecnologias de processamento e no conhecimento da
tecnologia alimentar, permitem agora valorizar o soro pelo valor dos seus componentes
(Smithers, 2008). Siso (1996) reporta que o uso do soro, data do seu estudo, era de cerca de
45% na forma bruta, 30% em p, 15% como lactose ou derivados da lactose e 10% como
concentrados de protena do soro. Em 2013, foram produzidos 97 milhes de toneladas de
queijo mundialmente e 134 milhes de toneladas de concentrados e ps de soro. Em Portugal,
s nos ltimos anos que a produo de concentrados e ps de soro comeou a ganhar
expresso, como se pode ver pelo grfico da Figura I.2, e as quantidades produzidas no
acompanham a produo nacional de queijo, que rondou as 70 mil toneladas por ano em 2013.
(FAO, 2015)
A valorizao do soro pelos seus componentes, que tem ganho maior expresso na ltima
dcada, s foi possvel devido aos avanos no conhecimento das funcionalidades e interaces
das protenas do soro com os vrios componentes dum sistema alimentar. As protenas do soro
so o componente de mais alto valor do soro, principalmente pelo maior destaque que os
produtos com actividade nutracutica tm vindo a ganhar nos ltimos anos.
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Figura I.2 - Produo portuguesa de soro concentrado e em p
Fonte: FAO (2015)
3.1. Caracterizao
O soro do leite um lquido amarelo resultante da coagulao e remoo da casena e
comporta 80 a 90% do volume total do leite, contendo cerca de 50% dos seus nutrientes
originais. O principal componente do soro a lactose, cerca de 75% dos slidos totais, seguido
das protenas do soro. A composio genrica do soro apresentada na Tabela I.1.
Tabela I.1 - Composio genrica do soro de leite
Constituinte (%)1 Soro de Queijo Soro cido (Produo de Casena)
Slidos Totais 6,8% 7,0%
Lpidos 0,8% 0,6%
Protena 11,4% 11,4%
Lactose 75,0% 76,6%
Cinza 7,8% 12,5%
Clcio 0,7% 1,8%
Fsforo 0,6% 1,0%
Sdio 0,8% 0,8%
Potssio 2,5% 2,5%
Cloretos 1,7% 1,7%
Adaptado de Bylund (1995). 1 Percentagens dos slidos totais.
O soro pode ser classificado como soro doce ou soro cido. A coagulao da casena
pode ser efectuada por coagulao enzimtica, e nesse caso produzido um soro de pH entre
5,9 a 6,6, referido na literatura como soro doce, soro rennet ou simplesmente soro de
queijo. O soro cido, com pH entre 4,3 e 4,6, produzido por acidificao do leite at ao ponto
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013
Ton Produo Portuguesa de Soro Concentrado e em P
Soro Concentrado Soro em P
Introduo
Susana Cunha
isoelctrico da casena, por adio de LAB, no caso de queijos frescos ou iogurte, ou por
acidificao qumica, no caso da produo de casena. (Bylund, 1995; Zall, 1992)
Quase 80% das protenas do leite so casenas que formam o cogulo que constitui o
iogurte, juntamente com as protenas da membrana. Estas protenas da membrana so um
grupo de protenas existente no leite, que forma uma camada protectora em volta dos glbulos
de gordura, estabilizando a emulso, e que s podem ser separadas destes por aco mecnica.
O baixo contedo de gordura do soro consequente das ligaes reticulares que se formam
entre a casena e as protenas existentes na membrana dos glbulos de lpidos existentes no
leite. (Bylund, 1995)
As restantes protenas so chamadas protenas do soro e incluem principalmente -
lactoglubina (-Lg), -lactoalbumina (-La), albumina do soro bovino (BSA) e imunoglubinas (Ig),
entre outras. Tal como uma percentagem das protenas do soro permanece no iogurte, alguma
casena ou fragmentos desta permanece tambm no soro. Podem ainda existir algumas
protenas desnaturadas (peptdeos e aminocidos livres) devido s temperaturas utilizadas no
tratamento do leite que antecede o fabrico do iogurte. (Bylund, 1995; De Wit & Klarenbeek,
1984)
O soro de queijo possui uma maior percentagem de fragmentos de casena do que o soro
cido (20% no soro de queijo e apenas 2% no soro cido), mas a restante composio relativa
das protenas muito semelhante. A -Lg compe mais de 50% das protenas do soro cido,
seguida da -La (23%) e das Ig e BSA (6% cada). Entre as fraces menores das protenas do soro
encontram-se protenas com actividade biolgica como a lactoferrina e o enzima lactoperoxidase
(ver tambm seco seguinte). Existem ainda uma quantidade considervel de complexos
protena-fosfolpidos presente (cerca de 5%). (Patel, et al., 2015; De Wit, 1998)
A -Lg existe em forma de dmero a pH entre 5,5 e 7,5, mas dissocia-se em monmeros para
outros pH e acima de 40 C. Cada monmero possui 2 resduos de cistina e 1 de cistena, o que
significa que forma duas pontes de enxofre na sua estrutura tridimensional e possui um grupo
tiol livre para formar pontes de enxofre com outras protenas. A -La uma protena globular
compacta com um peso molecular relativamente baixo. bastante resistente desnaturao
pelo calor, alterando a sua conformao de forma reversvel. Possui grupos carboxlicos que se
ligam fortemente ao clcio a pH superiores a 4. A presena ou ausncia de clcio tem grande
influncia na sua conformao. Possui 4 pontes de enxofre intramoleculares responsveis pela
reversibilidade da sua desnaturao. A BSA conhecida por efectuar o transporte de cidos
gordos na corrente sangunea. uma protena de cadeia longa com 35 resduos de cistena, e
que sofre desnaturao cida a pH inferior a 4,0. As Ig presentes no soro de leite bovino so
constitudas principalmente por Imunoglobina G (cerca de 80%), mas incluem tambm as
imunoglobinas A, M e E. Estas Ig so as mesmas que existem no leite humano e que conferem
imunidade passiva ao recipiente. Cada classe de Ig tem as suas caractersticas e comportamento
quanto a variaes de pH e temperatura. (De Wit & Klarenbeek, 1984; Mulvihill & Donovan,
1987)
O teor de cinza do soro muitas vezes o factor limitativo para a sua utilizao ou
tratamento. No caso do soro de queijo, possui muitas vezes um alto teor de sdio e cloretos
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
derivado do fabrico do queijo, que limita a sua utilizao para irrigao de solos ou incorporao
em produtos para a alimentao animal ou humana. O soro cido possui, no entanto, um teor
ainda maior de cinza, com um contedo de clcio elevado (dado que os sais de clcio so mais
solveis nesse pH, e pelo fato de se libertar do complexo casenico), o que interfere na eficincia
dos tratamentos a aplicar ao soro. (Zall, 1992)
O soro possui ainda um contedo vitamnico considervel, em especial as do complexo B,
mas tambm todas as restantes vitaminas hidrossolveis. A Tabela I.2 apresenta os valores
comuns de algumas vitaminas no soro.
Tabela I.2 - Teor de algumas vitaminas no soro bruto
Vitamina Teor no soro bruto (mg kg-1)
Tiamina 0,31 Riboflavina 0,16 Niacina 1,18 cido Pantotnico 3,94 cido Flico 0,07 Colina 108,00
Adaptado de Zall (1992)
Existem outros componentes do leite que podem estar presentes no soro conforme os
tratamentos que foram previamente aplicados. Um desses so os enzimas, dado que a
temperatura de inactivao varia de um enzima para outro - um facto que tem sido amplamente
utilizado para determinar o grau de pasteurizao de leite. Por regra, a temperatura ptima dos
enzimas varia entre 25 e 50 C e a sua temperatura de inactivao situa-se entre 50 e 120 C.
Conforme os tratamentos aplicados, o soro pode conter Peroxidase (inactiva se tratada a 80 C
por alguns segundos), Catalase (destruda a 75C por 60 segundos), Phosphatase (72C por 15 a
20 segundos), ou Lipase (maioritariamente inactivada por pasteurizao, mas pode aparecer
posteriormente por sntese microbiana). (Bylund, 1995)
Finalmente, tambm dependendo dos tratamentos aplicados ao leite, podero existir
diversos microrganismos no soro originrios do leite, para alm das LAB inseridas no fabrico do
iogurte. (Bylund, 1995)
3.2. Valor biolgico e funcional do soro
O leite de vaca evoluiu para fornecer nutrio e proteco imunolgica aos vitelos em
crescimento e, como tal, contm muitos componentes com actividade biolgica reconhecida, a
maioria destes presentes no soro. A protena do soro tem um valor biolgico excepcional que
ultrapassa o da protena do ovo, a antiga protena de referncia, por cerca de 15%. A FAO define
valor biolgico como a proporo de azoto absorvido que retido no organismo e
presumivelmente utilizado para a sntese de protenas, reflectindo portanto verdadeira
qualidade duma protena (Srikantia, 1981). Em essncia, refere-se a quanto e quo rapidamente
o corpo pode utilizar a protena consumida, e as protenas do soro de leite (a -La em particular)
Introduo
Susana Cunha
destacam-se neste campo e so a protena de escolha para culturistas, atletas de alta
competio, e pessoas com problemas de sade. (De Wit, 1998; Steele, 2004)
As protenas do soro de leite so uma boa fonte de aminocidos essenciais, quando
comparadas com outras protenas alimentares tpicas, e tambm so ricas em aminocidos de
cadeia ramificada (leucina, isoleucina, valina) e de enxofre (metionina, cistena) que
desempenham um papel regulador no metabolismo humano. (Steele, 2004)
A -Lg bastante resistente aos cidos e enzimas proteolticas existentes no estmago, e
pensa-se ser um importante transportador de retinol (provitamina A) para os vitelos, mas este
factor no tem muita importncia na alimentao humana (razo pela qual esta protena no
est presente no leite materno). a protena do soro que apresenta maior teor de aminocidos
de cadeia ramificada e uma boa fonte de cistena, um precursor da glutationa intracelular com
aco anticarcinognica contra tumores intestinais. A -La a segunda protena do soro e a
primeira do leite humano, caracterizando-se por ser de muito fcil digesto. Contm o maior
teor de triptofano entre todas as fontes proteicas alimentares (6%), sendo tambm rica em
lisina, leucina, treonina e cistina. A -La possui ainda a capacidade de se ligar a certos minerais e
afectar positivamente sua absoro. Alm disso, a -La apresenta actividade antimicrobiana
contra bactrias patognicas, como, por exemplo, Escherichia coli e Staphylococcus aureus. (De
Wit, 1998; Haraguchi, et al., 2006)
A BSA liga-se cidos gordos livres insolveis facilitando o seu transporte no sangue e
tambm provavelmente uma fonte importante para a produo de glutationa, dado o seu
elevado contedo de cistena (cerca de 6%). A principal imoglobina do soro, a imoglobina G, est
presente em todos os mamferos, e, em conjunto com as restantes Ig do soro, confere
imunidade passiva e tem actividade antioxidante. (Haraguchi, et al., 2006)
Mas existem ainda outras protenas bioactivas no soro, como a lactoferrina, a
lactoperoxidase, e peptdeos bioactivos, entre outros, cada um dos quais presente no soro em
pequenas, mas significativas, quantidades.
A lactoferrina, existente no soro em cerca de 35 mg L-1 (Bylund, 1995), considerada como
tendo propriedades antibacterianas, anticarcinognicas, antioxidantes e moduladoras do
sistema imunitrio. Por ser uma protena que se liga ao ferro, considera-se que facilita a sua
absoro tendo um papel transportador no sistema gastrointestinal, e possvel que tenha um
papel sequestrante de toxinas. (Chandan & Kilara, 2013) Tem tambm sido demonstrado que
possui propriedades de melhoramento do crescimento sseo. Esta pesquisa tem ajudado a
formar uma forte base cientfica para o uso de lactoferrina como um complemento a vrias
estratgias na preveno e tratamento da osteoporose. (Smithers, 2008)
O teor tpico de lactoperoxidase no soro ronda os 20 mg L-1 (Bylund, 1995). A lactoperoxidase
conhecida por ter actividade antimicrobiana, que tem sido explorada numa variedade de
produtos de sade oral, nomeadamente na inibio de microorganismos associados gengivite
e para promover a cicatrizao de sangramento nas gengivas (Smithers, 2008). Dada a sua aco
sobre o perxido de hidrognio, considerada um preservativo natural, e tem sido sugerido o
seu uso para controlar a acidificao do iogurte aps embalagem (Chandan & Kilara, 2013).
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Existem tambm uma srie de peptdeos bioactivos, nomeadamente a lactoferricina
(derivada da lactoferrina), as seroforina e albutensina (derivadas da BSA), as -lactotensina e -
lactoforina (derivadas da -Lg) e a -lactoforina (derivada da -La). A sua actividade tem vindo a
ser estudada e inclui actividades antimicrobiana, opiide, inibidora do enzima de converso da
angiotensina (ACE) e a nvel do funcionamento do leo. (Steele, 2004)
As protenas no so o nico valor nutricional do soro. No devemos esquecer que a lactose
um acar de fcil digesto que facilita a absoro de clcio pelo organismo (Chandan & Kilara,
2013). O conjunto de protenas, lactose e minerais existentes no soro formam um sistema
alimentar de grande valor nutricional.
Com o advento de novas tecnologias e conhecimento, os componentes do soro tm sido
considerados pelas suas propriedades funcionais para alm do seu valor nutricional. As protenas
do soro tm propriedades emulsionantes, espumantes e gelificantes que podem ser utilizadas na
formulao de produtos melhorando o processo de fabrico ou as caractersticas do produto final.
No entanto, estas propriedades intrnsecas das protenas so altamente dependentes de
factores extrnsecos como o pH, a temperatura, a acidez e a presena de certos minerais, bem
como os processos a que as protenas so submetidas (homogeneizao, aquecimento,
congelamento) e a interaco com outros componentes do sistema alimentar onde so inseridas
(lpidos, acares, sais e outras protenas). (De Wit, 1998)
Os emulsionantes alimentares so substncias tensioactivas, que contm pores
hidroflicas e hidrofbicas, e so classificados como inicos ou no inicos. As protenas do soro
so compostos poli-inicos, mas com a desvantagem de que podem reagir com vrios outros
ies em alimentos. As protenas de soja e casenas tm propriedades de emulso mais elevadas
do que as do soro, o que significa que conseguem incorporar uma maior quantidade de leo na
menor quantidade de protena. A superfcie de adsoro das protenas do soro nos glbulos de
gordura altamente dependente do pH, e a resistncia ao calor das emulses estabilizadas por
protenas de soro reduzida com a adio de sais de clcio. As protenas de soro individuais
diferem nas suas caractersticas de adsoro de gordura, sendo que, a pH 7,0 a -Lg, as Ig e a
lactoferrina so absorvidas preferencialmente, mas baixando o pH aumenta a adsoro da -La e
diminui a adsoro da -Lg. (Schmidt, et al., 1984; Zall, 1992)
Propriedades de formao de espuma dependem da habilidade das protenas se
desdobrarem e orientarem na interface ar-gua. As propriedades espumantes (PE) das protenas
do soro so bastante imprevisveis pois dependem de muitos factores, entre os quais: a sua
concentrao (ptima a cerca de 10%), a presena de sais de clcio que podem induzir
agregao das protenas, o potencial redox (sendo que a presena de oxidantes tende a
melhorar as PE e a de redutores a inibi-las), e o estado de desnaturao das protenas. A
presena de sucrose, lpidos residuais, surfactantes, bem como o pH, o tempo de batimento e a
forma de batimento, so outros factores que influenciam a estabilidade das espumas formadas.
(Schmidt, et al., 1984; Zall, 1992)
Uma das propriedades mais interessantes das protenas do soro a sua capacidade para
reter a gua depois de desnaturadas. Nas condies adequadas, forma-se uma matriz
Introduo
Susana Cunha
tridimensional com grande capacidade de reteno de gua. Estas propriedades de gelificao
tm sido estudadas e observou-se uma concentrao ptima para gelificao de cerca de 15% de
protena, formando geles firmes a pH neutros e alcalinos, que no revertem por temperatura ou
pH. As aplicaes em sistemas alimentares so diversas, tais como formulaes base de carne
e substituio de clara de ovo, mas a principal aplicao em alimentos lcteos, principalmente
em iogurte slido em que pode prevenir a separao do soro. No entanto, para este fim a
protena do soro deve ser o mais pura possvel (desionizada, clarificada) de forma a no alterar
as caractersticas desejadas no produto final. (Lucey & Singh, 1997; Zall, 1992)
Estas propriedades funcionais das protenas do soro so tambm afectadas pelas condies
de fabrico do produto de onde provm, condies de tratamento trmico de estabilizao,
eventuais condies de fraccionamento e isolamento, e at as condies de armazenamento.
Assim, os mtodos de processamento do soro devem ser cuidadosamente seleccionados.
Modificaes de processo, tais como tratamento selectivo de calor, desmineralizao ou de
permuta inica selectiva, e hidrlise proteoltica enzimtica podem alterar a possibilidade de
aplicao para um determinado fim. (Schmidt, et al., 1984)
3.3. Processamento do soro
A valorizao do soro pelos seus componentes d origem a uma srie de produtos com
caractersticas e funcionalidades diferentes. A Figura I.3 resume as principais vias de valorizao
dos componentes do soro e os respectivos produtos.
A desmineralizao do soro muitas vezes feita pois o elevado contedo de cinza , na
maior parte dos casos, o principal obstculo sua utilizao. A desmineralizao pode ser
efectuada por nanofiltrao produzindo um soro adequado para incorporar em gelados e
produtos de panificao, ou por electrodilise ou permuta inica, caso em que a
desmineralizao mais completa e o resultado pode ser utilizado em alimentao para bebs,
incluindo leite de amamentao. A remoo do clcio em particular trs grandes vantagens a
nvel das funcionalidades das protenas. (Morr, 1992)
A ultrafiltrao permite a remoo das protenas do soro, que podem ser utilizadas em
forma de concentrado ou, aps secagem, em forma de p. Estes concentrados ou p de
protenas de soro, especialmente se forem desmineralizados, tm grande interesse como
protenas funcionais em emulses, geles e espumas. (Siso, 1996) O outro resultado da
ultrafiltrao o permeado de soro, tambm chamado de soro desprotenado, e que pode ser
usado de vrias formas para valorizao da lactose. A lactose pode ser convertida qumica ou
biologicamente em vrios compostos com valor comercial, como apresentado na Figura I.3 (ver
tambm Captulo IV). No entanto, uma das utilizaes mais generalizadas do soro e do
permeado de soro a formao de molassos, por concentrao a 40% de slidos, que so ento
usados para alimentao animal. Aps uma concentrao a 30-40% de slidos, a lactose pode
ser cristalizada e purificada, podendo ento ter outros usos. (Siso, 1996; Smithers, 2008)
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Figu
ra I.
3 -
Esq
ue
ma
resu
mo
do
s p
rin
cip
ais
trat
ame
nto
s ap
licad
os
ao s
oro
e s
eu
s p
rod
uto
s
Ad
apta
do
de
Byl
un
d (
19
95
) e
Siso
(1
99
6).
Soro
Co
nce
ntr
ao
Lact
ose
Soro
em
P
(in
teir
o, p
rote
ico
, d
esm
ine
raliz
ado
, d
esp
rote
nad
o)
Cri
stal
iza
o
Seca
gem
Des
min
eral
iza
o
Ult
rafi
ltra
o
Co
nce
ntr
ado
de
P
rote
nas
do
So
ro
Co
nve
rso
da
Lact
ose
Glu
cose
Gal
acto
se
Lact
ito
l La
ctu
lose
So
tbit
ol
& O
utr
os
Ferm
enta
o
Etan
ol
ci
do
Lc
tico
Vit
amin
a B
12
Go
ma
Xan
tan
a B
iog
s B
iom
assa
& O
utr
os
Pe
rme
ado
de
So
ro
Soro
De
smin
era
lizad
o
Introduo
Susana Cunha
Qualquer fraco do soro pode ser tornada em p por secagem, aumentando assim a sua
durabilidade e reduzindo custos de transporte. Nos pases onde legalmente permitido, pode
ser adicionado um conservante ao soro, tipicamente 0,4% de bissulfito de sdio, ou 0,2% de
perxido de hidrognio a 30%. Para melhorar a qualidade e longevidade do produto,
importante que o soro seja processado assim que recolhido, ou mantido abaixo de 5 C quando
em bruto. (Bylund, 1995)
4. Avaliao da estabilidade
A deteriorao dos alimentos pode ser definida de vrias maneiras diferentes. Geralmente,
um alimento considerado estragado quando j no aceitvel para o consumidor. Apesar da
sua importncia, no existe na literatura uma definio simples e geralmente aceite de perodo
de vida til dum alimento. Na Tabela I.3 encontram-se listadas vrias definies oferecidas por
organizaes oficiais, que tm em comum trs factores que influenciam o perodo de vida til
dum produto: (a) segurana alimentar, (b) reteno das propriedades fsicas, qumicas e
nutricionais e (c) aceitao do consumidor.
Tabela I.3 - Definies de perodo de vida til dum alimento
Organizao Definio de perodo de vida til Fonte
Codex Alimentarius
O perodo durante o qual um alimento conserva a sua segurana e adequao microbiolgica, a uma dada temperatura de armazenamento e, quando necessrio, a determinadas condies de armazenamento e processamento
(DEFRA, FSA, 2011)
Unio Europeia
Perodo correspondente ao intervalo de tempo que precede a data limite de consumo dos produtos, ou a data de durabilidade mnima, conforme definidas nos artigos 9 e 10 da Directiva 2000/13/CE
(Regulamento (CE) N. 2073/2005 da Comisso, 2005)
Instituto de Cincia e Tecnologia de Alimentos (UK)
"O perodo durante o qual o produto alimentar permanecer seguro; se presuma que retenha as caractersticas sensoriais, qumicas, fsicas, microbiolgicas e funcionais desejadas; e cumpra com qualquer declarao no rtulo sobre dados nutricionais, quando armazenado nas condies recomendadas"
(Robertson, 2009)
Instituto de Tecnlogos de Alimentos (EUA)
"O perodo entre a produo e a compra de retalho de um produto alimentar, durante o qual o produto est num estado de qualidade satisfatria em termos de valor nutricional, sabor, textura e aparncia"
(Robertson, 2009)
(a) O pior caso de deteriorao quando se torna uma questo de segurana alimentar, em
que o produto alimentar pode causar doena no consumidor ou at mesmo a morte. Estes casos
do-se quando ocorre contaminao do alimento por microrganismos patognicos que, quando
encontram condies favorveis ao seu desenvolvimento, podem multiplicar-se at valores
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
inaceitveis e/ou produzir toxinas que persistem no alimento mesmo aps tratamento trmico.
Esta situao evita-se eliminando fontes de contaminao segundo os princpios do HACCP
(anlise de riscos e pontos crticos de controlo), aplicando tratamento de conservao adequado
inactivao ou eliminao destes microrganismos e suas toxinas, e, conforme adequado,
efectuando anlises microbiolgicas que garantam a eficcia das medidas implementadas. A
presena de microrganismos, patognicos ou no patognicos, pode tambm contribuir para a
degradao fsico-qumica do alimento, bem como alteraes nas propriedades fsico-qumicas
podem modificar as condies de crescimento microbiano. O soro de iogurte, dado o seu baixo
pH, no oferece as melhores condies para o desenvolvimento dos principais agentes
patognicos, e o controlo especfico da sua presena e crescimento no produto encontra-se fora
do mbito deste trabalho.
(b) Outro caso de deteriorao ocorre quando nutrientes do alimento (por exemplo,
contedo de vitamina) se deterioraram a tal ponto que o produto alimentar j no satisfaz o seu
valor nutricional declarado. Trata-se da alterao de caractersticas do alimento que podem
ocorrer por alteraes fsicas (p. ex. temperatura), qumicas (p. ex. reaces entre componentes
do alimento) ou microbiolgicas (p. ex. degradao de componentes pelos microrganismos). De
acordo com Steele (2004), os principais mecanismos de deteriorao em produtos lcteos so a
oxidao, a rancificao e a cristalizao da lactose, pelo que a presena de oxignio, luz solar e
temperatura de armazenagem so variveis importantes na conservao destes produtos.
(c) Casos menos graves de deteriorao dos alimentos podem ser simplesmente que a cor,
sabor, textura, ou aroma do alimento se deteriorou a tal ponto que j no aceitvel para o
consumidor. A avaliao da estabilidade dum produto em relao as estas caractersticas deve
ser efectuada por testes sensoriais no produto acabado. No entanto, estas alteraes so muitas
vezes uma consequncia de alteraes fsicas e qumicas ou de crescimento de microrganismos
no produto.
O tempo que leva para um produto alimentar atingir uma destas condies de deteriorao
o geralmente denominado perodo de vida til do produto. O perodo de vida til pode ser
estimado considerando dados publicados na literatura referentes ao produto em questo ou a
produtos semelhantes, ou avaliando as prticas do mercado, legislao e registos de
reclamaes de consumidores. (Steele, 2004)
Os lpidos so em geral o constituinte menos estvel dos alimentos, e so susceptveis a
oxidao rancificativa com produo de cidos butrico e hexanico que do um aroma
indesejvel ao produto, alm de poderem gerar radicais livres no processo autoltico que
promovem a perda de vitaminas, alterao da cor ou degradao de protenas (Steele, 2004). No
entanto, o soro de iogurte ter tipicamente muito poucos lpidos, dado que a gordura do leite
fica na quase totalidade retida no cogulo, pelo que a anlise da liplise do soro ser
desnecessria (Bylund, 1995).
J a degradao das protenas dever ser analisada, dado que o leite possui enzimas
proteolticos endgenos, aos quais acresce os enzimas produzidos por microrganismos, e
Introduo
Susana Cunha
tambm vitaminas que so sensveis aco da luz. Os vrios mtodos de avaliao da
protelise aplicveis ao soro de iogurte so discutidos na seco 4.2 deste Captulo.
As anlises microbiolgicas e fsico-qumicas so amplamente usadas nos estudos de
alimentos. Nos mtodos clssicos de anlise microbiolgica de alimentos, destacam-se a
contagem de microrganismos aerbios totais a 30 C e a contagem de Enterobacteriaceae, que
constituem indicadores gerais de higiene do alimento. No entanto, a acidez e pH do soro de
iogurte tal que no se espera o desenvolvimento de Enterobacteriaceae, e o mesmo se aplica a
microrganismos patognicos como Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus. J os
bolores e leveduras devero ser analisados, visto crescerem nas condies fsico-qumicas do
produto, como se discute na seco seguinte.
4.1. Desenvolvimento microbiolgico
Os microorganismos de degradao dos alimentos podem incluir bactrias, fungos (bolores e
leveduras B&L), vrus e parasitas. O crescimento da maioria dos microrganismos pode ser
impedido ou retardado, ajustando a carga microbiana inicial, a temperatura de armazenamento,
reduzindo a actividade da gua, diminuindo o pH, por utilizao de conservantes, e/ou
embalagem adequada. Os passos a tomar para prevenir a degradao por microrganismos
dependem do produto e suas caractersticas.
O soro de leite em bruto no comercializado para o consumidor final, pelo que no existem
indicadores de qualidade microbiolgica estabelecidos. A Portaria n 742/92 especifica
caractersticas e limites microbiolgicos para o iogurte, que podero servir de guia. So definidos
valores mximos para coliformes (negativo em 1 cm3), bolores (mximo 10 UFC cm-3) e leveduras
(mximo 100 UFC cm-3). Quando se tratam de iogurtes com fruta ou acares adicionados, os
valores limites de B&L so elevados para o dobro, dado que a adio de frutas geralmente a
principal fonte deste tipo de contaminao. A presena de B&L em valores superiores aos
referidos significa geralmente que o iogurte se ir deteriorar antes do final do tempo de vida til
(cerca de 30 dias em refrigerao). (Moreira, et al., 2001)
O crescimento de B&L um problema conhecido nos lacticnios que pode ser atribudo sua
capacidade de crescimento a baixas temperaturas, de assimilar/fermentar a lactose, de assimilar
cidos orgnicos como os sucnico, lctico e ctrico, sua actividade lipoltica e proteoltica e
resistncia a concentraes elevadas de sal. As contaminaes por leveduras nos equipamentos
e ar ambiente nas instalaes de indstrias de lacticnios tm sido detectadas com frequncia.
Trata-se duma preocupao premente nestas indstrias visto que a sua resistncia a agentes de
limpeza as torna muito difceis de eliminar. (Viljoen, 2001)
No caso da indstria de iogurtes, devido adio ou processamento paralelo de frutas, a
contaminao por B&L elevada, em especial por Saccharomyces cerevisiae. Outras leveduras
comuns em iogurte so Debaryomyces hansenii, Kluyveromyces marxianus e Candida espcies
lusitaniae e krusei. (Steele, 2004; Viljoen, 2001) Fungos como Alternaria spp. ou Aspergillus spp.
podem arruinar a aparncia do iogurte slido, mas em iogurtes batidos as condies raramente
so aerbicas o suficiente para permitir um desenvolvimento detectvel. (Tamime, 2006)
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
A deteriorao por leveduras manifesta-se por um crescimento visvel formando um filme ou
lodo na superfcie do produto, por produo de gs, desenvolvimento de odores e/ou sabores
desagradveis, e causando turvao e sedimentao nos produtos lquidos (Steele, 2004).
Apesar de no queijo os B&L no serem a principal causa de deteriorao nos iogurtes, estes
organismos so responsveis por off-flavours inaceitveis, perda de textura por produo de gs,
e pelo fenmeno de colapso das embalagens (Moreira, et al., 2001).
Os produtos lcteos representam nichos ecolgicos especficos para B&L devido a pH
relativamente baixo, alta concentrao de sal e baixa temperatura de armazenamento. Sob estas
condies s podem crescer microrganismos que sejam capazes de utilizar a lactose e que
possuam actividade proteoltica e/ou lipoltica. Os B&L possuem estas caractersticas, mas os
seus enzimas lipolticos e proteolticos raramente so activos o suficiente para causar hidrlise
extensa das protenas e lpidos presentes nos lacticnios. As espcies de B&L consideradas como
tendo capacidade de deteriorao dos alimentos representam uma minoria das espcies de
contaminao, e as boas prticas de fabrico conseguem limitar ainda mais este grupo. No
iogurte, no entanto, a deteco e contagem de B&L so essenciais ao controlo da qualidade,
dada a sua sensibilidade aos seus efeitos prejudiciais e facilidade de contaminao atravs das
frutas e acar adicionados. O facto de no se conhecerem leveduras patognicas transmitidas
por alimentos faz com que, apesar disso, o iogurte seja considerado um produto relativamente
seguro do ponto de vista da sade pblica. (Steele, 2004; Tamime, 2006)
4.2. Protelise
Dado o elevado contedo proteico e a importncia biolgica e funcional das protenas do
soro, uma importante alterao a monitorizar o grau de protelise em funo do tempo de
armazenagem. A protelise, para alm de afectar o desempenho funcional das protenas
(Johansen, et al., 2002), pode ainda afectar o flavour por produo de aminocidos livres,
pequenos pptidos e precursores de compostos volteis (McSweeney & Fox, 1997).
Os principais agentes proteolticos so enzimas que podem ter origem no prprio leite ou
nas bactrias utilizadas como starter no fabrico do iogurte. A principal proteinase presente no
leite a plasmina, que pode sobreviver s temperaturas de pasteurizao, havendo tambm
outras proteinases derivadas da microflora natural do leite. No starter, o Lactobacillus spp. e o
Streptococcus salivarius ssp. thermophilus possuem sistemas de proteinases e peptidases
complexos que contribuem para a protelise do soro, em especial na produo de peptdeos
curtos e aminocidos livres. (McSweeney & Fox, 1997; Steele, 2004)
comum considerar-se a protelise de lacticnios em duas fases sequenciais. Considera-se
como extenso da protelise a hidrlise primria das protenas, na qual h a produo de
pptidos longos, eventualmente insolveis em gua, e mdios, solveis em gua, que podem ser
posteriormente degradados. Esta hidrlise tem como principal responsvel a plasmina (e no
queijo tambm os enzimas do agente coagulante) e geralmente medida a partir do quociente
entre azoto solvel em gua e azoto total. A protelise secundria, ou profundidade da
protelise, ocorre principalmente pela aco das proteinases e peptidases da flora microbiana
(nativa e do starter), e corresponde degradao subsequente dos pptidos em pptidos de
Introduo
Susana Cunha
cadeia curta e aminocidos livres. Pode ser avaliada a partir da relao entre o azoto no
proteico (APN) e o azoto total ou, caso se pretenda uma avaliao qualitativa, por
fraccionamento e anlise das fraces azotadas por cromatografia lquida de alta eficincia.
(Alvarenga, 2008; Soares, 2013)
O fraccionamento do azoto conforme o tamanho dos peptdeos por via da sua solubilidade
em diferentes solventes o mtodo mais utilizado para avaliar a extenso e profundidade da
protelise. O azoto nas diversas fraces ento determinado pelo mtodo de Kjeldahl. Neste
trabalho optou-se por avaliar o azoto solvel em gua e azoto no proteico (solvel em cido
tricloroactico TCA), bem como o azoto amoniacal, todos discutidos de seguida.
Azoto amoniacal
A desaminao de aminocidos produz amnia e altera caractersticas importantes nos
alimentos em termos de flavour e textura, devido neutralizao da acidez. Este um indicador
de protelise mas no muito usado para esse fim, sendo preterido em favor da medio mais
simples do pH. (McSweeney & Fox, 1997) No caso do soro bruto, no entanto, poder se registar
uma alterao de pH por razes que no a protelise (por exemplo, por aco das LAB), pelo que
este indicador permite esclarecer os mecanismos por trs das alteraes a observar. Alteraes
no azoto amoniacal podem ainda ser indicativas de alteraes de flavour que podero
influenciar a valorizao do soro em bruto por incorporao em bebidas.
Azoto solvel em gua
O teor de azoto solvel em gua muitas vezes utilizado para avaliar o grau de maturao
de queijos. A fraco de azoto solvel em gua, nesse contexto, composta maioritariamente
por pptidos pequenos a mdios, aminocidos livres e os produtos da sua degradao, e cidos
orgnicos e os seus sais. (McSweeney & Fox, 1997) No contexto do soro lquido, no entanto, a
maioria das protenas presentes so solveis em gua, e a avaliao deste teor ao longo do
tempo d-nos mais uma medida da perda de solubilidade das protenas do que o contrrio. Esta
perda de solubilidade pode ser devido a alteraes conformacionais ligadas protelise,
desnaturao trmica, ou alterao de outros parmetros importantes como pH e fora inica.
Alteraes numa das protenas presentes podem ainda ter influncia noutras protenas, criando
ou quebrando ligaes entre estas e causando a sua floculao. Estas alteraes, em particular a
alterao da solubilidade, esto directamente correlacionadas com as capacidades espumantes
e emulsionantes das protenas. A solubilidade considerada uma medida da desnaturao das
protenas do soro. (Schmidt, et al., 1984; Yamauchi, et al., 1980)
Azoto no proteico (APN)
Para determinar o APN largamente usado um fraccionamento com TCA, dado que
diferentes fraces proteicas precipitam a determinadas concentraes de TCA, sendo usadas
concentraes entre 2 e 12% conforme o objectivo. Quanto maior o peptdeo, menos solvel
em TCA. Yvon et al. (1989) observaram que, a concentraes de 12%, todos os peptdeos com
menos de cerca de 7 aminocidos so solveis e geralmente aceite que, a esta concentrao
de TCA, se encontraro pptidos com entre 2 a 20 aminocidos (a solubilidade dos peptdeos
est relacionada com a sua hidrofobicidade). A fraco solvel pode ento ser determinada pelo
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
mtodo de Kjeldahl e comparada com o azoto total e a sua evoluo ao longo do tempo de
armazenagem indicativa da degradao das protenas. (McSweeney & Fox, 1997; Soares, 2013)
5. Avaliao das propriedades funcionais
As protenas podem servir para diversos fins no-nutritivos em alimentos, mas a funo mais
comum contribuir para a estrutura dos alimentos a nvel molecular. A capacidade de formar
e/ou estabilizar as estruturas reticulares (geles e filmes), espumas, emulses e solues coloidais
so as principais propriedades funcionais das protenas. (Foegeding & Davis, 2011)
As protenas do soro so bem conhecidas pelas suas propriedades funcionais. O uso de
concentrados de protena de soro de leite com este fim representa uma das utilizaes mais
comuns das protenas de soro, com especial expresso nas indstrias de lacticnios, panificao e
misturas em p. As propriedades funcionais mais comuns atribudas aos concentrados de
protenas do soro so: solubilidade, viscosidade, emulsificao, formao de espuma, absoro
de gua e gelificao. (De Wit, 1998; Sanmartn, et al., 2012; Zall, 1992)
A estrutura tridimensional das protenas pode dar uma perspectiva das propriedades
funcionais esperadas, mas as protenas alteram a sua estrutura de acordo com as caractersticas
do sistema alimentar em que so inseridas. A alterao da estrutura das protenas
(desnaturao) deve ser vista em dois passos: um equilbrio entre a estrutura nativa e a cadeia
desdobrada, seguido de reaces de agregao com outras espcies presentes no meio
(incluindo outras protenas), ou duma clivagem irreversvel da cadeia proteica. As propriedades
funcionais das protenas variam com cada alterao de estrutura sofrida e com as espcies
presentes no sistema alimentar, pelo que o estudo do seu comportamento em diversas
condies fundamental para prever o seu desempenho nos alimentos. (Foegeding & Davis,
2011; De Wit & Klarenbeek, 1984)
A abordagem mais simples para entender a funcionalidade duma protena examinar
solues dessa protena isolada. Por exemplo, -Lg uma das protenas alimentares mais
estudadas em relao funcionalidade. No entanto, as protenas disponveis para integrao em
alimentos so geralmente uma mistura de protenas e outras molculas tais como os acares e
sais minerais (e as protenas do soro de leite so disso o melhor exemplo). Alm disso, uma
protena adicionada a uma frmula ser um de vrios ingredientes presentes no alimento e, por
conseguinte, a sua funcionalidade ir depender das suas propriedades nesse sistema alimentar
complexo. (Foegeding & Davis, 2011)
Assim, existe uma considervel variao nas propriedades funcionais dos concentrados de
protena de soro de leite, dependendo da sua origem (que determina a sua composio) e do
processamento aplicado ao soro (que altera tambm a composio, mas principalmente o
estado de desnaturao das protenas). Os vrios processos de preservao e separao de
componentes do soro, representados na Figura I.3 (seco 3.3 deste captulo), produzem
concentrados de soro ou soro em p com diferentes propriedades e aplicaes. (Zall, 1992)
Introduo
Susana Cunha
Neste trabalho pretende-se caracterizar um soro de leite especfico (soro de iogurte do tipo
grego) com vista sua valorizao na forma no processada ou com um processamento mnimo.
No se encontram na literatura muitos estudos sobre a utilizao de soro nestas condies, pelo
que avaliar algumas das suas propriedades funcionais permite apreciar a possibilidade da sua
utilizao como elemento funcional dum alimento. Para tal, escolheu-se avaliar duas das
propriedades das protenas do soro mais estudadas na literatura: as propriedades espumantes e
emulsionantes. O estudo das propriedades de gelificao2 foi posto de parte, considerando que
as protenas do soro utilizadas para esse fim so quase exclusivamente utilizadas na forma de
soro em p, para a aumento do teor de slidos-no-gordura do leite em gelados e sobremesas
lcteas (Morr, 1992).
Para compreender as propriedades espumantes e emulsionantes das protenas do soro,
necessrio compreender a importncia da sua solubilidade e estado de desnaturao. A
completa solubilidade das protenas um requisito para a sua funcionalidade pois a capacidade
de estabelecer ligaes com as outras molculas presentes no meio dependente da sua
capacidade de se reorientar no solvente (Zall, 1992). O seu estado de desnaturao influencia a
exposio dos grupos laterais da cadeia proteica que podem efectuar ligaes (hidrofbicas ou
pontes de hidrognio ou enxofre) com outras molculas presentes (De Wit & Klarenbeek, 1984).
Para obter as caractersticas de formao de espuma e emulsionantes ideais, as protenas
devem ser substancialmente solveis, difundir-se para a interface recm-formada,
desdobrarem-se e reorientarem-se de maneira que baixe a tenso interfacial, e formar filmes
coesos e viscoelsticas por polimerizao principalmente via pontes de enxofre e interaces
hidrofbicas (Dissanayake & Vasiljevic, 2009). So estas interaces, que resultam na formao
de complexos com pesos moleculares mais elevados, a que se referem os termos agregao,
precipitao, coagulao e floculao (Patel, et al., 2015).
Um agente emulsionante aquele que tem a capacidade de estabilizar uma mistura de dois
lquidos imiscveis (por exemplo, leo e gua). O leite por si uma emulso de gordura lctea em
gua, estabilizada pelas casenas e protenas do soro. (Bylund, 1995; Patel, et al., 2015) As
protenas do leite desempenham um papel chave na formao e estabilidade das emulses. A
actividade de superfcie das protenas do leite conduz sua adsoro rpida na interface leo-
gua durante a emulsificao, produzindo uma camada estabilizadora que protege as gotculas
de leo contra floculao ou coalescncia. (Britten & Giroux, 1991)
Muitas protenas, incluindo casena, protena de soja, protena muscular, e protena de ovo
tm sido utilizadas em vrios produtos alimentares emulsionados. A estabilizao de emulses
por protenas de soro de leite tem sido tambm alvo de vrios estudos. (Yamauchi, et al., 1980)
2 A gelificao um agregado ordenado de protenas, formando uma estrutura reticular
tridimensional, em que as interaces protena-protena e protena-solvente produzem uma matriz
bem ordenada que capaz de reter quantidades significativas de gua (Patel, et al., 2015). o que
acontece durante a coagulao do leite para a produo de iogurte ou queijo, por desnaturao da
casena. As protenas do soro, quando desnaturam, formam geles com grande capacidade de
reteno de gua, mesmo em baixas concentraes de protena (cerca de 15% de protena em base
hmida, 50% em base seca). (Zall, 1992)
Avaliao da estabilidade do soro de iogurte
Susana Cunha
Destes estudos, concluiu-se que o desempenho das protenas do soro como agente
emulsionante depende de factores extrnsecos que afectam os nveis de desnaturao,
agregao e interaco protena-protena a nvel molecular, e que incluem temperatura,
concentrao de protena, pH, fora inica e do tipo de io, condies de processamento, e de
energia externa, tal como cisalhamento, calor, alta presso ou de ultra-som. Factores intrnsecos
protena incluem hidrofobicidade, interaces electrostticas