UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – BALNEÁRIO CAMBORIÚ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA - NPJ
BOA-FÉ OBJETIVA E BOA-FÉ EM MATÉRIA POSSESSÓRIA: POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO
HENRIQUE JULIANO DE OLIVEIRA
Balneário Camboriú , 22 de maio de 2014
DECLARAÇÃO
DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PÚBLICA EXAMINADORA
BALNEÁRIO CAMBORIÚ, ____ DE ____________ DE 20__.
________________________________ Professor(a) Orientador(a)
No ato da entrega na Secretaria do NPJ, o(a) aluno(a) deverá levar
uma cópia do arquivo em formato PDF
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – BALNEÁRIO CAMBORIÚ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA - NPJ
BOA-FÉ OBJETIVA E BOA-FÉ EM MATÉRIA POSSESSÓRIA: POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO
HENRIQUE JULIANO DE OLIVEIRA
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito. Orientador: Professor Msc Nelcy Renatus Brandt
Balneário Camboriú , 22 de maio de 2014
AGRADECIMENTO
A Deus por ter me dado saúde e força para superar
as dificuldades.
A esta universidade, seu corpo docente, direção e
administração que oportunizaram a janela que hoje
vislumbro um horizonte superior, convicto de que
disponho do apoio pedagógico e institucional
necessários à minha jornada acadêmica que apenas
começou.
Ao meu pai que enquanto vivia, se bastou como
exemplo para me manter sempre no caminho
daquilo que é justo, e por isso tornou fácil a tarefa de
ser ético.
A minha mãe, que pela verdadeira devoção aos
filhos, me faz ser forte porque dar orgulho à ela é o
mínimo que posso fazer em retribuição pelo carinho,
amor e suporte.
Em especial à minha amada esposa, por suportar a
solidão em detrimento da minha instrução, por me
esperar todos os dias e ser motivo para que eu
queira sempre voltar para casa, por existir da forma
que existe me dando o privilégio de amá-la.
A meu filho, que apesar da pouquíssima idade, já
entende a importância de minha ausência quando
lhe falto às brincadeiras em razão dos estudos. A
este ser incrível que só por existir, sem nada fazer já
me deixa feliz, que me ensinou que o amor pode ser
sempre maior e que não cabe em nós mesmos, por
ser a razão de minha existência e já ter feito dela
plena, meu especialíssimo agradecimento.
A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da
minha formação, especialmente aos amigos que por
esperar muito de mim, me impulsionaram a dar o
meu melhor, o meu muito obrigado.
DEDICATÓRIA
À minha amada esposa e filho, aos meus pais e
irmãos, e aos amigos, Enfim, a família, tanto a que
escolhemos como à qual somos agraciados desde o
nascimento.
(...)
“A gente vai.. a gente vai.. e fica a obra, mas eu
persigo o que falta ... não o que sobra”
Lenine
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Balneário Camboriú, 22 de maio de 2014
Henrique Juliano de Oliveira Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Henrique Juliano De Oliveira, sob o
título Boa-fé Objetiva e boa-fé em matéria possessória: Possibilidades de aplicação,
a Monografia, foi submetida em 22 de maio de 2014 à banca examinadora composta
pelos seguintes professores: Nelcy Renatus Brandt (Presidente) e Marcos Alberto
Carvalho de Freitas (Membro), e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]).
Balneário Camboriú , 11 de Junho de 2014
Professor Msc. Nelcy Renatus Brandt Orientador e Presidente da Banca
Professor Msc. Marco Alberto Carvalho de Freitas Coordenação da Monografia
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................... 8
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 9
1. A POSSE ........................................................................................ 14
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITO .......................... 14
1.2 TEORIAS DA POSSE .................................................................................... 16
1.3 EFEITOS DA POSSE..................................................................................... 18
1.3.1 PROTEÇÃO INTERDITAL DA POSSE .................................................................. 19
1.3.2 RESSARCIMENTO DOS DANOS CAUSADOS PELO POSSUIDOR .............................. 20
1.3.3 CONDUÇÃO AO USUCAPIÃO............................................................................. 20 1.3.3.1 Ius possidendi e ius possessionis....................................................................21
1.3.4 PERCEPÇÃO DOS FRUTOS PELO POSSUIDOR..................................................... 22
1.3.5 DAS BENFEITORIAS E DO DIREITO DE RETENÇÃO ............................................. 29
Capítulo 2 ............................................................................................. 37
A BOA-FÉ ............................................................................................ 37
2.1 BOA-FÉ: UNIVERSO CONCEITUAL ............................................................ 37
2.2 BOA-FÉ SUBJETIVA ..................................................................................... 38
2.3 BOA-FÉ OBJETIVA ....................................................................................... 40
2.4 BOA-FÉ E A POSSE ..................................................................................... 45
Capítulo 3 ............................................................................................. 51
A BOA-FÉ E A POSSE NOS TRIBUNAIS PÁTRIOS À LUZ DA
DOUTRINA ATUAL ............................................................................. 51
3.1 O CONTEXTO HEMENÊUTICO DAS ANÁLISES ......................................... 51
3.2 A PRAXIS JURÍDICA NO QUE TANGE A BOA-FÉ OBJETIVA ................... 55
3.2.1 A BOA-FÉ E DIREITO DE RETENÇÃO: PERCEBER OU INDENIZAR FRUTOS?.......... 56
3.2.2 A BOA-FÉ (SUBJETIVA OU OBJETIVA?), POSSE E NÃO POSSE: ........................ 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 71
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................ 78
RESUMO
Essa pesquisa tem por escopo abordar o instituto da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro, mas com enfoque no direito civil, visto que seu alcance irradia por diversas áreas do direito, tributário, administrativo, empresarial, etc. E ainda dentro dessa delimitação do campo do direito estudado cabe a ressalva de que a pesquisa se centraliza nas semelhanças e diferenças entre a boa-fé objetiva e subjetiva, de tal feita que acaba por perquirir respostas quanto à aplicabilidade de cada uma dessas faces da boa-fé, principalmente quanto à possibilidade de se perceber um fortalecimento da boa-fé objetiva ganhando força como fonte de direito, na ordem de princípio geral de direito e cláusula geral de interpretação, na medida em que se coaduna com a nova ordem constitucional de cunho ético-social e garantista, inerente ao Estado social, bem como pondera a respeito da possível sobreposição do caráter objetivo em relação ao subjetivo, mesmo em matérias decorrentes de relações possessórias, o que denota o contraste entre o novo Código Civil de 2002 e o antigo Código Civil de 1916. Por óbvio que devido ao conteúdo, há todo um aparato conceitual doutrinário a respeito da posse e de seus efeitos que permitem realizar tais análises, razão pela qual a posse e seus efeitos são parte integrante e basilar da tese.
Palavras-chave: Posse; Boa-fé Objetiva; Boa-fé Subjetiva; Frutos; Benfeitorias
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto o estudo do princípio
da Boa-fé no que tange a sua aplicabilidade em matérias de direitos que se fundam
no instituto da posse, bem como dos seus efeitos.
O seu objetivo é analisar quais são as teorias da boa-fé
cabíveis no sistema jurídico brasileiro nos mais variados âmbitos, para que, em
comparação ao que se tem aplicado em matérias de posse, seja possível perscrutar
sobre as possibilidades de aplicações do instituto da boa-fé, na esfera objetiva e
subjetiva, querendo assim instigar um estudo que avalie o quanto o princípio da boa-
fé evoluiu em nosso sistema civil codificado para lograr aplicabilidade objetiva como
regra geral de direito, ou seja, determinar o quanto a boa-fé caminhou no sentido de
se afastar de princípio meta-jurídico para se aproximar de regra de conduta jurídica,
ou mesmo se se trata de cláusula geral, como costuma-se ouvir muito, e aqui
pretende-se esclarecer o que é.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando de caracterizar
o que é “posse” no direito brasileiro, e quais são os seus efeitos no mundo jurídico,
visto que são sobre tais efeitos que se insurgem os direitos aptos a se submeterem
ao princípio da boa-fé, tanto objetiva como subjetiva.
É importante frisar que alguns tópicos que ordinariamente em
monografia que tratasse exclusivamente de “posse” deveriam ser dissecados com
maior minucia, aqui não terão está atenção, pois serão abordados apenas no que
tange a sua utilidade para a tese principal, como exemplo disso tem-se que quanto a
classificação da posse muito mais linhas serão dedicadas a caracterização da posse
de boa-fé ou má-fé, do que as demais classificações. No entanto não se pretende
negligenciar nas demais classificações, sendo elas apresentadas no contexto ao
longo da monografia conforme a necessidade de fazê-lo para compreensão de
algum outro objeto correlato, pois é sabido que o estudo em questão guarda estreita
relação entre tais conceitos, de tal feita que as classificações de posse se conectam
e aplicam-se concomitantemente na vida prática operacional do direito.
Ainda no primeiro capítulo, além de conceituar, dissertar sobre
o objeto e a natureza jurídica, e classificar a posse, se procederá à análise dos
efeitos da posse no mundo jurídico. Para tanto a tese se socorre das doutrinas
diversas disponíveis na bibliografia nacional no intuito de definir quantos e
principalmente quais são os efeitos da posse, pois são estes efeitos que trazem
consequências dignas de pesquisa no tocante a aplicabilidade do instituto da boa-fé,
ou seja, são dos direitos derivados do uso da posse que se faz necessário analisar
sob qual aspecto (objetivo ou subjetivo) deve o operador jurídico encarar a boa-fé.
Assim como no estudo da posse, também dar-se-á maior
ênfase à alguns efeitos em detrimento de outros, isso ocorre por dois motivos:
primeiro por que alguns efeitos geram mais dúvidas no que concerne a
aplicabilidade da boa-fé do que outros, razão pela qual tem mais relevância para
esta tese; e segundo porque se o pesquisador se debruçar de forma exaustiva sobre
os efeitos da posse, certamente encontrará material suficiente para realizar uma
monografia sobre cada efeito, sendo essa outra razão pela qual ao longo da tese
alguns efeitos serão brevemente tratados e outros com maior zelo, contudo apenas
na profundidade suficiente para embasar o estudo dos demais capítulos a respeito
da boa-fé.
No Capítulo 2, os estudos vão se concentrar em específico na
boa-fé. A pesquisa vai abordar a boa-fé no ordenamento jurídico como assunto
autônomo, ou seja, analisar sua aplicabilidade como princípio, bem como delinear a
sua previsão já positivada no ordenamento jurídico, inclusive transcrevendo os
dispositivos de lei que a tratam expressamente, para, dessa foram extrair da
doutrina e da lei como evoluiu tal instituto, para que se possa questionar quais são
as interpretações admitidas em cada caso.
No desenvolvimento deste capítulo, primeiro se fará um estudo
de qual é o universo conceitual no qual vem se desenvolvendo as teorias da boa-fé.
Com estudos que já eram feitos à luz do ordenamento desde antes do nosso atual
Código Civil que data de 2002, até os estudos que o apontam como regra prevista
expressamente no referido código.
A análise será propositalmente feita abordando de maneira
mais ampla a aplicabilidade da boa-fé, não só em matérias de posse, mas também
em direito contratual, obrigacional, etc., justamente para que os fundamentos que
autorizam a aplicabilidade da boa-fé (objetiva ou subjetiva) restem bem delimitados
a ponto de permitir que a conclusão sobre sua aplicabilidade em matérias de posse
se dê de forma menos sujeita a vícios, ou seja, para que não haja mera repetição do
que já se tem escrito sobre o assunto, mas sim uma análise sistemática da boa-fé no
ordenamento jurídico capaz de adequar o seu entendimento as mutações
constantes no mundo jurídico que inevitavelmente ocorrem como consequência da
mutação da própria sociedade sujeita ao ordenamento. Dessa forma pretende-se ao
menos especular sobre variações da boa-fé para que o resultado não seja
redundante em comparação às fontes pesquisadas, e pretensamente ao final tenha-
se pelo menos um panorama do instituto em consonância com a, relativamente
recente, nova ordem constitucional pós 1988.
Para lograr no intento acima explicitado, O Capítulo 3 contará
com estudo breve inserido no capítulo anterior sobre a teoria do homem médio, que
é assunto sensível no mundo jurídico, pois a partir da aceitação de tal teoria no
ordenamento e na jurisprudência é que pode ser vislumbrado, por exemplo a
aplicação da boa-fé objetiva, mesmo em matérias de posse, o que a priori não é a
regra do direito brasileiro, como se pretende demonstrar ao longo da pesquisa.
Este capítulo derradeiro será desenvolvido fazendo relação da
teoria exposta nos dois capítulos anteriores para analisar a jurisprudência
envolvendo a boa-fé, bem como as matérias de posse, além de elencar casos
hipotéticos a serem estudados à luz dos julgados reais, para com isso determinar
até que ponto pode ser elastecida a aplicabilidade da boa-fé como fundamento para
acessar um direito, no sentido de compreender se é aceitável ou não decidir um
caso concreto pautado na boa-fé objetiva quando a regra tem sido a subjetiva, ou
vice-versa. Para isso pretende-se valer de parâmetros hermenêuticos validos e
fundamentados, no sentido de não fazer especulações levianas a partir da
jurisprudência dos tribunais brasileiros.
Importa alertar ao leitor que a presente monografia não goza
de tradicional simetria no que tange a quantidade de linhas por capítulos, visto que
os conceitos a serem elencados no primeiro capítulo superam em quantidade de
conteúdo do segundo, e por isso mesmo tende a ocupar maior quantidade de linhas
na pesquisa, bem como o terceiro capítulo não deve ser tão extenso como o inicial,
visto que se prestará a demonstrar a aplicabilidade do conteúdo pesquisado até
então nos tribunais nacionais fazendo as ponderações pertinentes para responder
as hipóteses levantadas. Contudo espera-se que a riqueza material seja equânime,
visto que cada capítulo destina-se a cumprir tarefa igualmente relevante para a
conclusão da tese que traz as hipóteses a seguir.
Hipótese 1: A posição da boa-fé no direito brasileiro mantém-se
a mesma desde o Código Civil de 1916, onde é positivada como parâmetro subjetivo
das relações jurídicas, sendo a sua face objetiva meramente doutrinária de
aplicação subsidiária e não como regra vinculante.
Hipótese 2: A boa-fé objetiva, apesar de já positivada na ordem
jurídica atual, não substitui por completo a visão subjetivista, sendo assim direito
abarca os dois conceitos, cada qual com previsão própria de aplicabilidade.
Hipótese 3: Para os tribunais pátrios o dever de diligência
exigido do homem comum no que tange a eticidade frente os negócios jurídicos e
demais relações juridicamente relevantes, ou seja precaução para não incorrer em
vícios na pretensão de um direito, atualmente pode ser encarado como uma
imposição tal que objetive a boa-fé, mesmo em matéria possessória.
Ao final da pesquisa por ocasião das Considerações Finais,
serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à
continuidade dos estudos e de futuras reflexões, não apenas sobre a boa-fé ou a
posse, mas sobre quaisquer aspectos destacados que guarde relação com os
demais ramos do direito, pois se sabe que a interdisciplinaridade é característica
inerente ao direito, visto que ele se aplica ao homem, ser plural, e em constante
evolução ou mutação dependendo do prisma que se avalie.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o
Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente4, e da Pesquisa Bibliográfica5.
No tocante as categorias fundamentais para a monografia, bem
como os seus conceitos operacionais serão apresentados no decorrer da
monografia, já em um contexto que permita o seu entendimento conforme a intenção
do escritor.
1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.
2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.
3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.
5 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.
1. A POSSE
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITO
Caio Mario da Silva Pereira6 ensina que desde o Direito
Romano a posse dispunha de atenção minuciosa por parte dos juristas. A
consequência da qualidade do estudo Romano ao disciplinar o instituto da posse fez
com que os demais estudos posteriores sempre o tomassem como modelo,
culminando em forte influência no direito moderno, o que facilmente se percebe
pelas terminologias e princípios práticos presentes já no Código Civil Brasileiro de
1916, e que não foram abandonados pelo sucessor de 2002.
Em análise quanto aos diversos aspectos semânticos da
palavra “posse” Pereira7 conclui que em todos os casos que referem-se a posse, a
exemplo de tratar da existência de um estado de fato (posse do título de filho de
alguém), ou da investidura em um cargo (posse do presidente), ou ainda dos bens
ou posição social de alguém ( pessoas de altas posse em contraposição aos que
não tem posses), enfim, qualquer que seja a acepção da palavra posse elas
guardam uma constante comum: A pessoa possuidora, a despeito de ser ou não
proprietária, sempre “exerce sobre a coisa poderes ostensivos, conservando-a e
defendendo-a”. O reforço dessa afirmação vem com o apontamento das situações
onde se pode vislumbrar a semelhança, como o proprietário, ou aqueles que tem
apenas a fruição jurídica cedida por outrem (locatário, comodatário, usufrutuário),
entre outros exemplos em que sempre tem-se uma coisa e uma vontade sobre ela
que se traduz em relação de fruição.
Também sobre a semântica que envolve a palavra “posse”
Venosa8 se manifesta: “é comum ouvir dos leigos referências a pessoas de grandes
6 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Volume IV – Direitos Reais. 20ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 11.
7 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Volume IV – Direitos Reais. p. 12-13.
8 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. V. 5. 6. Ed.. São Paulo: Atlas, 2006. p. 30.
posses, grandes posses imobiliárias, quando a referência é a propriedade e não a
posse”.
Com relação a posse, a doutrina tradicional de Silvio de Salvo
Venosa9 faz uma interessante introdução sobre a influência do estado de aparência
no direito. Explica o autor que seria impossível a convivência, se o ser humano não
presumisse ser de direito determinadas situações, como por exemplo, o motorista do
ônibus ou do taxi, ser habilitado, ou se o professor que entra na sala de aula está
devidamente qualificado e contratado. A ponderação anterior acaba por levar a
conclusão de que “Conquanto inexista disposição expressa, a defesa da boa-fé em
cada caso concreto é modalidade de aceitação da aparência no campo jurídico.
Coloca-se a observação de Venosa acima, pois entende-se ter
influência forte da teoria que predomina no Brasil, como se pretende ver neste tópico
referente às teorias da posse, bem como pela menção direta a boa-fé que o autor
faz ao iniciar seu estudo de posse na obra referida.
Nesse contexto Venosa10 traz a conclusão quando a posse
nesse estado de aparência:
Desse modo, a doutrina tradicional enuncia ser a posse uma relação de fato entre pessoa e coisa. A nós parece mais acertado afirmar que a posse trata de estado de aparência juridicamente relevante, ou seja, estado de fato protegido pelo direito. Se o direito protege a posse como tal, desaparece a razão prática, que tanto incomoda os doutrinadores, em qualificar a posse como simples fato ou como direito.
Bem por essa razão, e por considerar que tal caracterização
não prejudicará na análise das consequências das relações possessórias sob o
prisma da boa-fé, é que se vai adentrar mais no campo da natureza jurídica da
posse, partindo desde já para outro aspecto desse instituto.
A partir da ideia geral sobre a posse, observa Caio Mario11, que
nem todo fato em relação a coisa caracteriza posse, pois por vezes trata-se de mera
9 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. V. 5. p. 27-28.
10 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. V. 5. p. 28.
11 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Volume IV – Direitos Reais. p. 13.
detenção. Das divergências conceituais sobre essa distinção é que advêm as
diferentes teorias da posse.
1.2 TEORIAS DA POSSE
Dos estudos sobre as teorias da posse na obra de Caio Mario
da Silva Pereira12 denota-se que há uma identidade de elementos caracterizadores
da posse, ou seja, uma coisa e uma vontade, ou mais comum na doutrina, corpus e
animus, termos que até hoje são usados para aludir-se aos elementos objetivo e
subjetivo da posse respectivamente. Não obstante a identidade terminológica,
decorrem daí as principais divergências que dividem as escolas de pensamento
sobre a posse.
Segundo esse autor as principais teorias de maior relevância e
que encontram competentes defensores de ambos os lados, são a Teoria
Subjetivista de Savigny e a Teoria Objetivista de Ihering. No tocante aos
entendimentos destas correntes doutrinárias Pereira
Para Savigny, o corpus ou elemento material da posse,
caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa, e de
defendê-la das agressões de quem quer que seja; o corpus não é a coisa em si, mas
o poder físico da pessoa sobre a coisa; o fato exterior, em oposição ao fato anterior.
(...) O outro elemento, interior ou psíquico, animus, considera-o Savigny a intenção
de ter a coisa como sua. Não é a vontade de ser dono – opinio seu cogitatio domini
– mas a vontade de tê-la como sua – animus domini.
Já para Rudolf Von Ihering, segundo VENOSA13 “o autor
principia por negar que o corpus seja a possibilidade material de dispor da coisa,
pois nem sempre o possuidor tem a possibilidade física dessa disposição”. Também
diverge Ihering de Savigni no que se refere ao elemento animus, pois pra ele o
animus não é “nem apreensão física e nem a possibilidade material de apreensão”
segundo esta obra, Ilhering entende que:
12 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Volume IV – Direitos Reais. p. 13.
13 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. V. 5. p. 38.
O importante é fixar o destino econômico da coisa. O possuidor
comporta-se como faria o proprietário. O animus está integrado no conceito de
corpus. É o ordenamento jurídico que discrimina a seu arbítrio, sobre as relações
possessórias, criando assim artificialmente a separação da detenção jurídica
relevante de outras situações não protegidas.
Tem-se da afirmação acima a objetividade da teoria de Ihering,
que segundo Venosa, deixou a certeza de que não se pode deixar a distinção entre
posse e detenção ao mero arbítrio do sujeito. Dessa forma consta no ordenamento
jurídico brasileiro, em que predomina a teoria objetiva de Ihering, que “Há que se
examinar em cada caso se o ordenamento protege a relação com a coisa. Quando
não houver proteção, o que existe é mera detenção. Como consequência, a posse
deve ser a regra.” 14
Para Farias e Rosenvald15 o CC/2002 se filiou na teoria
objetiva de Ihering, como depreende-se do “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade."
Ainda da obra de Farias e Rosenvald, se extrai uma moderna
observação, pois busca-se nesta tese quais são, e se existem possibilidades de
variação nas teorias da boa-fé em matérias de posse; e o que os autores afirmam
vem a instigar o estudo, por estampar uma faceta adaptável do direito à realidade
que estiver sujeita a ele. Veja o que os autores ponderam:
...nos dias atuais, no âmbito de uma sociedade plural, as teorias de Savigni e Ihering não são mais capazes de explicar o fenômeno possessório à luz de uma teoria material dos direitos fundamentais. Mostram-se envelhecidas e dissonantes da realidade social presente. Surgiram ambas em momento histórico no qual o fundamento era a apropriação de bens sob a lógica de ter em detrimento do ser. Ambas as teorias se conciliavam como a lógica do positivismo jurídico, na qual a posse se confirma no direito privado como uma construção científica, exteriorizada em um conjunto de regras herméticas.
14 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. V. 5. p. 38.
15 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: reais. P. 66
Os autores acima citados tem o reforço de um contraponto
constante no contexto jurídico da ordem moderna que leva em consideração a
função social da propriedade, como bem disserta Ana Rita Vieira Albuquerque: 16
“atualmente a semântica da posse passa a ser melhor compreendida por meio dos
sentidos de permanência, habitação, produção econômica sustentável” e arremata:
“Enfim, a posse desperta para seus fins sociais, como exigência humana
integradora, e não de dominação e estratificação, apenas a serviço do direito de
propriedade.”
O que se quer esclarecer com as considerações extraídas de
cada obra, é que há sim a predominância na legislação civil da teoria objetiva de
lhering, contudo se pode vislumbrar ainda concessões a teoria de Savigni, visto que
o animus domini de Savigni está contemplado no Código Civil de 2002 - CC/2002 -
no que tange ao usucapião por exemplo17, contudo ainda mais importante é
demonstrar o que por último foi citado, ou seja, que a doutrina precisa continuar
doutrinando conforme os paradigmas vão surgindo e se modificando, razão pela
qual se vai no decorrer da pesquisa ponderar os dispositivos e ao final algumas
jurisprudências para avaliar se os parâmetros da boa-fé em relação à posse podem
ser delimitados.
Nesse ínterim, das classificações da posse, a que merece
destaque nesta tese é a que caracteriza a posse de boa-fé e de má-fé, o que será
abordado no capítulo seguinte por oportunidade do estudo da boa-fé em ampla
acepção.
1.3 EFEITOS DA POSSE
A posse tem relevância no mundo jurídico a partir dos efeitos
jurídicos que ela produz ou é capaz de produzir. Quanto a estes efeitos Arnold
Wald18 lista de maneira bem objetiva: “1) Direito aos frutos e produtos; 2) Direito
16 ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da Função Social Da Posse. Rio de Janeiro: Lumem Juris,
2002. P.77
17 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. P. 66.
18 WALD, Arnold. Direito Civil: Direito das coisas, v. 4. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 109.
do legítimo proprietário à indenização pelos danos causados pelo possuidor; 3)
Direito do possuidor ao ressarcimento das benfeitorias; 4) Condução ao
usucapião; 5) proteção interdital.” [grifou-se]
O destaque dado aos frutos e benfeitorias acima guarda
relação direta com a relevância que estes efeitos têm para a tese ora apresentada.
Não se trata de elevá-los à condição de mais importantes que os demais efeitos
para o direito, mas sim de enfatizá-los, pois é sobre o viés destes efeitos que recai a
pretensão desta pesquisa.
Tomemos uma ideia geral dos efeitos da posse, um a um.
1.3.1 Proteção Interdital da Posse
Washington de Barros Monteiro o traz como gênero,
denominado “ações para defesa da posse” e o divide em modalidades, que
podemos tomar como espécies, são elas:
I) Ação de manutenção de posse, também chamada de ação
de força nova turbativa, e que corresponde ao interdito retinendae possessionis; II)
ação de reintegração de posse, também denominada ação de forca nova espoliativa,
interdito recuperatório, ação de esbulho, e que corresponde ao antigo recuperandae
possessionis; III) interdito proibitório, também chamado preceito cominatório
(obrigação de fazer ou não fazer), ação de fora iminente e embargos à primeira; IV)
ação de imissão na posse; V) embargos de terceiro senhor e possuidor; VI) ação de
nunciação de obra nova.19
Ressalta-se que no que tange a estes interditos, a grande
maioria da doutrina os divide apenas em três (Reintegração de posse; Manutenção
de Posse e; Interditos proibitórios), sendo que as demais “espécies” para
Washington de Barros Monteiro, são para outros doutrinadores ações autônomas
que também tutelam a posse, não sendo, portanto uma mera espécie de ação
possessória.
19 MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de Direito Civil:
Direito das coisas.v.3. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 55
1.3.2 Ressarcimento dos danos causados pelo possuidor
Esta é a nomenclatura utilizada por Arnold Wald a outro efeito
da posse (art. 1.217 e 1.218 CC). O autor discorre sobre este efeito:
Pode ocorrer que a coisa venha a ser destruída ou a sofrer algum dano enquanto está sob a guarda do possuidor. O problema consiste em saber até que ponto haverá responsabilidade do possuidor em relação a estes prejuízos causados durante a sua posse.20
Para caracterização da responsabilidade quanto a estes
prejuízos se faz necessário avaliar a posse sob o prisma da boa-fé e da má-fé.
Ainda na obra de Arnold Wald encontra-se a seguinte analise do Código Civil quanto
a este assunto:
Sendo o possuidor de boa-fé, somente responderá pela perda ou deterioração da coisa que der causa (art. 1.217), (...) E a aplicação do princípio geral do art. 186, de acordo com o qual aquele que, por negligência, imprudência ou imperícia, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, deverá ressarci-lo. O possuidor de má-fé responde pela perda ou deterioração da coisa, salvo se puder provar que do mesmo modo teriam ocorrido se o objeto estivesse na posse do reivindicante (art. 1.218).21
No tocante a esta pesquisa interessa desse efeito da posse
perceber a influência que tem o caráter da posse. Se de boa-fé o possuidor causar
dano só responde se sua culpa for provada, enquanto se estivesse de má-fé se
inverteria o ônus da prova cabendo a ele provar ser o dano inevitável. Tal
abordagem teórica do instituto da boa-fé se faz oportuna para análise específica em
capítulo próprio a frente.
1.3.3 Condução ao usucapião
Segundo Arnold Wald22 “O usucapião é meio de adquirir a
propriedade pela posse continua, que perdura por certo prazo, fixado por lei”
20 WALD, Arnold. Direito Civil: Direito das coisas, v. 4. p. 111
21 WALD, Arnold. Direito Civil: Direito das coisas, v. 4. p. 111.
22 WALD, Arnold. Direito Civil: Direito das coisas, v. 4. p.113
Já Washington de Barros Monteiro23 se limita a comentar: “O
derradeiro efeito da posse é gerar o usucapião”. Esta forma comedida de citar efeito
tão relevante da posse se dá em razão do mesmo ter muito mais relevância por se
tratar de um modo de aquisição de propriedade do que por ser um efeito da posse,
sendo, portanto objeto de outro estudo muito mais do que deste.
Contudo se faz imperioso estabelecer então breve distinção
entre os diferentes prismas que posse pode assumir, com consequência ou não para
usucapião. Trata-se da classificação em Ius possidendi e ius possessionis.
1.3.3.1 Ius possidendi e ius possessionis
Por ser importante definir quando a posse vai ser apta de ser
invocada para fim de aquisição de propriedade, ou quando vai ser meramente
imbuída de efeitos alheios à usucapião, como o exemplo do direito de defesa da
posse pelas ações possessórias, é que se procede a transcrição do que entende
Cristiano Imhof: 24
Assim, tem-se que a posse decorre de um poder de fato sobre a coisa e independe do título jurídico que a liga a seu possuidor (poder de direito). Nesse sentido, importa fazer a clássica distinção entre ius possidendi e ius possessionis: o primeiro diz respeito ao direito de posse com fundamento na propriedade, em outro, direito real ou mesmo obrigacional (faculdade jurídica de possuir), enquanto o segundo, por sua vez, é o direito fundado na posse considerada em si mesma (fato da posse), independentemente do título jurídico que o embasa. Desse modo, é de se convir que, no âmbito das ações possessórias, discute-se o ius possessionis, isto é, o poder de fato sobre determinado bem, sendo, portanto, irrelevante a invocação do domínio (ius possidendi)”.
No mesmo sentido entendem Rosenvald e Farias25
No juízo possessório, são exercitadas as faculdades jurídicas oriundas da posse em si mesma, não se cogitando de qualquer relação jurídica subjacente. De fato, nada impede que uma pessoa submeta uma coisa a seu poder, sem que a posse seja justificada
23 MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de Direito Civil:
Direito das coisas.v.3. p. 63
24 IMHOF, Cristiano. Código civil: interpretado anotado artigo por artigo. 4. ed. Florianópolis: Publicações Online, 2012. 1788 p. 1.098.
25 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais p. 111.
por qualquer título jurídico e, mesmo assim, mereça proteção pelo sistema. Em síntese, tutela-se a posse com base no fato jurídico da posse. Em contrapartida, no juízo petitório, a proteção da posse decorre do direito de propriedade ou de outro direito dela derivado. Busca-se a posse com fundamento na titularidade formal. O titular pleiteia a posse por ter consigo as faculdades de uso e fruição da coisa, em razão de portar um direito obrigacional ou real.
Por último ficam para serem detalhados os dois efeitos em
destaque nesta tese, quais sejam a Percepção dos Frutos e as Benfeitorias
atreladas ao Direito de Retenção. Para tanto, utilizar-se-á seção exclusiva para cada
um deles.
1.3.4 Percepção dos frutos pelo possuidor
Os frutos enquanto efeitos da posse tem relação direta com o
caráter de tal posse, ou seja, se é de boa ou de má-fé, sendo irrelevante o título da
posse. É o que ensina Silvio de Salvo Venosa:
Essa discussão independe do título da posse. É examinada apenas a boa ou má-fé daquele que se despoja da coisa. Se não existissem essas regras na lei, em tese todos os títulos deveriam ser restituídos, ocasionando enriquecimento injustificado. A reivindicação da coisa
implicaria sua devolução com todos os acréscimos e proveitos. 26
A relação inequívoca que a lei brasileira impõe entre o direito
de percepção dos frutos e a boa ou má-fé que o possuidor emprega no tocante ao
bem que os produz, reserva importante papel basilar para esta pesquisa. Proceder-
se-á, pois, às definições das categorias que envolvem este conceito, ponderando, no
que for conveniente, as consequências da boa ou má-fé, de forma que se possa
conhecer os “elementos” que compõe a teoria final.
Nelson Rosenvald ao tempo em que define o que são frutos os
diferencia de produtos:
Frutos são as utilidades econômicas que a coisa periodicamente produz, sem alteração ou perda de sua substância. Esta definição parte da noção de fruto como algo que é produzido e lhe destaca duas características: a periodicidade de sua produção e a preservação da substância da coisa frutífera. Com efeito, as coisas
26 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. V. 5. p. 105
que sejam produzidas aleatoriamente ou em detrimento da substância da coisa não são tidas como frutos, mas como produtos, cuja extração determina a progressiva diminuição da coisa principal, sem renovação. Ao contrário do fruto, o produto não “produz e se reproduz”. Seria o caso das jazidas, na medida em que retiradas
exaurem a substância do bem. 27
Tal diferenciação se faz necessária, segundo o autor, pois tem
relevância quanto aos efeitos em outros institutos do direito, caso do usufruto, no
qual o usufrutuário tem direitos aos frutos, mas não aos produtos. Por conta da
peculiar diferença prática entre frutos e produtos, o estudo vai seguir apenas
considerando àqueles, pois apenas eles interessam no que tange os efeitos da
posse.
Também diferencia frutos de produtos o autor Silvio de Salvo
Venosa:
Os frutos podem ser vistos como utilidades periodicamente produzidas pela coisa, sob o aspecto objetivo. Pela visão subjetiva, frutos são riquezas normalmente produzidas por um bem, podendo ser uma safra, como rendimentos de um capital. (...). Produtos são bens extraídos da coisa, que diminuem sua substância porque não
se reproduzem periodicamente como os frutos. [grifou-se] 28
Quanto à característica acessória dos frutos infere-se
importante consequência no mundo jurídico, como bem explica Renan Lotufo ao
demonstrar que sendo possível separar os frutos (acessórios) do principal tornam-se
coisas independentes, tais frutos podem ser objeto de relação jurídica distinta da
que existe com relação à coisa principal. Por este viés, denota-se a possibilidade de
garantir direitos sobre frutos ainda não colhidos. Nesse sentido adverte o autor
quanto às limitações à que estão sujeitos tais negócios jurídicos:
Assim, sendo futura a sua existência, poder ser objeto de livre pactuação entre as partes, obedecendo, obviamente, as regras da teoria geral das obrigações, não se estando diante de relação que tenha como objeto bem impossível, mas eventualmente, poderá não
vir a ser colhido 29
27 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 111.
28 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 106
29 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. São Paulo: saraiva, 2003, v.1. p. 244
No que tange os frutos, enquanto acessórios da coisa, que
exatamente por isso acarretam as referidas consequências acima, importa frisar
mais um ensinamento de Silvio de Salvo Venosa30, que relaciona a característica
acessória à consequência de serem os frutos, regra geral, propriedade do titular da
coisa principal, enaltecendo a relevância da boa-fé por ser responsável em excetuar
esta relação permitindo que o possuidor se torne proprietário dos frutos. Enfim,
caracterizar a boa-fé é imprescindível para que o possuidor acesse plenamente seus
direitos, e mais do que isso a depender de como se encara o instituto da boa-fé
objetiva pode se estar a conceder ou tolher um direito do possuidor, é portanto mais
um aspecto objeto de análise desta pesquisa.
O código civil é fonte de respaldo aos autores, haja vista que
em seu art. 95 preconiza “Apesar de ainda não separados do bem principal, os
frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico”.
Nelson Rosenvald31 procede à classificação clássica dos frutos:
a) Frutos naturais: aqueles que não dependem
essencialmente da participação do homem para existir, muito embora o homem
possa atuar no sentido de melhorar sua qualidade ou intensificar a produção, o fruto
em questão é decorrências da força da natureza no que tange sua existência
precípua.
b) Frutos industriais: “aqueles cuja produção decorre do
engenho humano sobre a natureza”. Nesse caso o homem interfere no ciclo natural
para produzir a coisa.
Referente à diferença conceitual entre frutos naturais e
industriais o autor explica que “não há grande relevância, eis que sujeitos a idêntico
regime, como se extrai da leitura do art. 1.215, do Código Civil. ” Razão pela qual se
transcreve o dispositivo legal abaixo para uma conferência imediata.
30 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 107
31 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 171
“Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos
e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.” 32
c) Frutos Civis: são as “rendas periódicas provenientes da
concessão do uso e gozo de uma coisa frutífera por outrem, que não o proprietário
(v.g., juros e alugueis). ” 33
Logo após esta classificação de frutos civis Nelson Rosenvald,
ainda pondera brilhantemente sobre a pressão que tal boa-fé, inerente à posse,
exerce sobre princípios aplicados à propriedade enquanto exercida conforme sua
função social, podendo suprimir direitos do proprietário:
Na qualidade de coisas acessórias, normalmente pertencerão os frutos ao proprietário ou ao titular da coisa ao tempo em que forem colhidos. Atendendo, porém à função social da posse, a lei homenageia a eticidade da conduta do possuidor de boa-fé, em detrimento do proprietário inerte que abandonou a posse, outorgando àquele direito à percepção dos frutos, enquanto a posse remanescer com tal qualidade. Há uma relativização evidente dos princípios da sequela e aderência, no cotejo com a boa-fé imprimida pelo possuidor
Considerações quanto à definição do que vem a ser posse de
boa-fé, Tanto Nelson Rosenvald como diversos outros autores trazem conceitos
bastante esclarecedores, os quais serão pormenorizados e devidamente
caracterizados quanto suas peculiaridades em capítulo próprio desta pesquisa. Infra.
Por hora, basta inferir o que preconiza o Código Civil de 2002 –
CC/2002 - em seu art. 1.214, a respeito da relação entre boa-fé e os frutos no
contexto da validade daquela: “Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito,
enquanto ela durar, aos frutos percebidos. ”. 34
Geralmente o momento em que cessa a boa-fé está atrelado à
formalidade da citação em demanda possessória ou petitória. Nesse sentido Nelson
Rosenvald vincula tal momento aos requisitos para se perceber os frutos, pois o
autor o aponta como determinante do referido direito. Segundo o autor há que 32 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm acessado em 19 de abril de 2013
33 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p.172
34 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm acessado em 19 de abril de 2013
cumprir dois requisitos para merecer os frutos: “a) que tenham sido separados; b)
que tenha ocorrido antes de cessar a boa-fé (até a citação em demanda possessória
ou petitória, se a ação for julgada procedente ao final) ” 35
No entanto, segundo a mesma obra supracitada, tal critério
objetivo, qual seja a citação válida, é subsidiário, visto que muito mais relevância
tem a apuração do exato momento em que o possuidor passou a ter a posse de má-
fé. Acerca do tema pontifica o autor que:
Imprescindível quanto aos frutos é a apuração do momento de sua percepção em cotejo com o bem principal e o estado psicológico do possuidor naquele instante. Assim, de acordo com o estado em que se encontram, surgem quatro denominações de frutos que se ajustam à conduta do possuidor de boa-fé ou má-fé: percebidos são os frutos que já foram separados da coisa principal ao tempo da citação e colhidos na constância da boa-fé; pendentes são os frutos que ainda aderem naturalmente à coisa e não podem ser colhidos, posto não separados da coisa principal, no momento em que cessa a boa-fé, sendo ainda considerados bens imóveis por natureza; colhidos com antecipação – são os frutos percebidos prematuramente, quando ainda eram pendentes; percipiendos , os
que deviam ou podiam ter sido colhidos, mas não o foram. 36
Do trecho acima se conclui que o estado psicológico do
possuidor é o determinante da boa ou má fé, o que implica dizer que a transmutação
da situação de boa para má fé pode ocorrer antes da citação válida. Depreende-se
ainda do referido texto que há uma subclassificação dos frutos segundo o momento
de sua “coleta”, definidos como, percebidos; pendentes; colhidos com
antecipação; percipiendos.
Cabe ainda esclarecer ainda que os frutos naturais
consideram-se colhidos, desde o momento em que são produzidos, enquanto os
civis são colhidos dia-a-dia, para que se preservem os direitos do possuidor de boa-
fé, proporcionalmente aos dias em que a manteve, mesmo que os frutos sejam
percebidos mensalmente ou semanalmente por exemplo. Inteligência do art. 1.215
35 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p.173
36 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 173.
do CC “Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos,
logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.” 37
Quanto ao modo diferenciado de percepção dos frutos civis, ou
seja, dia por dia, como prevê o final do art. 1.215 do CC, também Fábio Ulhoa
Coelho38 justifica a opção do legislador com a necessidade de indenizar
proporcionalmente o possuidor de boa-fé, como podemos conferir em sua obra:
“Quer isso dizer que a renda mensal ou anual extraída da fruição da coisa deve ser
calculada proporcionalmente aos dias em que dura a posse, na definição da parte
cabível ao possuidor de boa-fé. ”
Importa dizer que ao possuidor de boa-fé resta a possibilidade
de ser o proprietário dos frutos conforme for cada caso. Nesse sentido discorre
Nelson Rosenvald:
...no momento em que cessa a boa-fé, o possuidor tem direito aos frutos obtidos e separados tempestivamente, abrangendo-se aí tanto os “colhidos”, como “percebidos” (art. 1,214 CC). Vale dizer, o possuidor de boa-fé será proprietário dos frutos percebidos ou
colhidos39
No seguimento do texto doutrinário, Nelson Rosenvald traz a
situação que excetua a regra acima, disposta no art. 95 do CC já mencionada nesta
tese anteriormente. Porém segundo o autor, não basta que o negócio jurídico cujo
objeto seja a percepção futura dos frutos tenha sido realizado na vigência da boa-fé,
mas também deve ser do conhecimento de quem tem o dever de indenizar para que
haja a obrigação de dar por parte deste que retoma a posse. 40
Em contrapartida ao direito do possuidor de boa-fé, o CC/2002
em seu art. 1.216, responsabiliza o possuidor de má-fé pelos frutos que utilizou, ou
deixou que terceiro utilizasse ou até mesmo impediu que o detentor do direito sobre
eles pudesse deles se aproveitar. É o que pretende o dispositivo legal supracitado e
aqui transcrito: “Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos
37 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm acessado em 19 de abril de 2013.
38 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume 4. São Paulo: Saraiva. 2006. p.34.
39ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p.174.
40 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 174.
colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber,
desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da
produção e custeio. ” 41
Trata-se de inteligência legislativa do ponto de vista doutrinário,
como se destaca: “Cuida-se de uma sanção em face do possuidor que sabe que sua
posse é ilegítima e viciosa e propositalmente descura em conceder ao bem a
destinação econômica a que era vocacionado. ” 42
No mesmo sentido, obriga-se o possuidor de má-fé a restituir
os frutos colhidos antecipadamente, por força do art. 1.214, parágrafo único, do CC
que em sua parte final assim define: “Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo
em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da
produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com
antecipação. ” 43
Ao analisar este dispositivo, Nelson Rosenvald44 discorre de
maneira bastante perspicaz atribuindo presunção de má-fé ao ato de colher o fruto
antes da hora. Nesse sentido não resta situação em que o possuidor de má-fé não
deva indenizar a quem retoma a posse, sendo o único direito para quem de má-fé
percebe os frutos da posse viciada, ser reembolsado pelas despesas de produção e
custeio, por inteligência do art. 1.216 do CC, parte final, no que converge a doutrina
majoritária ao justificar tal regra para que seja evitado o enriquecimento sem causa
do retomante.
No mesmo sentido Cezar Fiuza45 é também enfático ao
interpretar como o código despiu de direitos o possuidor de má-fé:
O possuidor de má-fé, ao contrário, não tem direito a nada. Deverá restituir todos os frutos, assim os pendentes como os colhidos e
41 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm acessado em 19 de abril de 2013.
42 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 174
43 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm acessado em 19 de abril de 2013.
44 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: reais. 8. p. 175
45 FIUZA, Cesar. Direito Civil: Curso Completo. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 896
produzidos. Mas se para que a coisa produzisse frutos o possuidor de má-fé houver feito despesas, fará jus a ser indenizado por elas. Além de não ter direito aos frutos, o possuidor de má-fé deverá indenizar o verdadeiro dono pelos frutos que se perderam por culpa sua.
Finalizando este item sobre frutos enquanto efeito da posse,
importa citar duas observações trazidas por Nelson Rosenvald46. Primeiro que em
razão do princípio da equidade os princípios detalhados aqui a respeito dos frutos
são aplicáveis aos produtos, por ser de direito do possuidor o proveito econômico da
coisa se for de boa-fé a sua posse, salvo divergências expressas trazidas pela lei.
Em segundo lugar cabe ressaltar que tais regras e princípios até agora detalhados
são de aplicação subsidiária, haja vista que as partes são livres para acordarem
diversamente a respeito do tema, caso este em que a vontade das partes
prevalecerá, assim como prevalecerá outra regra se houver lei específica que regule
uma situação de caso concreto, respeitando assim o princípio da especialidade.
No mesmo sentido das ponderações imediatamente acima,
importa antecipar que a boa-fé objetiva é por muitos doutrinadores considerada uma
verdadeira regra de conduta, ou mesmo um princípio geral que norteia os negócios
jurídicos, o dever de boa-fé, sendo, portanto parte deste bojo de regras que tange as
relações jurídicas aptas a tutelar os frutos além dos objetos principais, ou mesmo
das que tem os próprios frutos como objetos principais. Contudo como se verá a
frente, a relação dual que existe entre boa e má-fé no que tange ao dever de boa-fé
como princípio será nem sempre terá essa dicotomia, visto que do ponto de vista da
boa-fé objetiva, o seu antagônico é a ausência de boa-fé e não a má-fé
propriamente dita, como será melhor detalhado em capítulo próprio sobre o tema.
1.3.5 Das Benfeitorias e do Direito de Retenção
Tal como no direito a percepção dos frutos, também as
benfeitorias são tratadas pelo código, como explica Silvio de Salvo Venosa47, como
“mais uma situação legal a impedir o enriquecimento injusto”. Por certo que esta
informação é insuficiente para compreender as circunstâncias que rodeiam as
46 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 175.
47 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 108
benfeitorias e o respectivo direito de retenção, bem por isso o viés doutrinário ora
apresentado também não se contenta com a simplicidade dessa informação, de
maneira que apresenta também a relação crucial que á entre a boa ou má-fé,
passando antes por definições e classificações. É o que se verá a seguir.
Inicialmente há que se definir benfeitoria para que seja
oportuno dissertar sobre o tema do ponto de vista dos efeitos da posse. Nelson
Rosenvald define benfeitorias sucintamente: “consistem em obras ou despesas
efetuadas para fins de conservação, melhoramento ou embelezamento. Vale dizer
que benfeitorias não são coisas, porém ações que geram despesas e bens” 48
Da definição acima, incorre uma classificação implícita das
benfeitorias, cuja doutrina de maneira geral divide em Necessárias; Úteis;
Voluptuárias. Vejamos alguns conceitos para que o desenrolar da pesquisa siga
consoante a eles, segundo Silvio de Salvo Venosa49:
São necessárias as que têm por finalidade conservar a coisa ou evitar que se deteriore. Nesse sentido, serão benfeitorias necessárias os reparos nas vigas de sustentação de uma ponte; a substituição de peça de motor que impede ou prejudica o seu funcionamento; a cobertura de material colocado ao relento, sujeito a intempéries; São úteis as que aumentam ou facilitam o uso da coisa. Serão benfeitorias úteis, por exemplo, a pavimentação do acesso a um edifício; o aumento de sua área de estacionamento e manobras; (...). São voluptuárias as benfeitorias que redundam em acréscimos de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual da coisa, ainda que a tornem mais agradável, ou de elevado valor. Serão benfeitorias voluptuárias, por exemplo, a colocação de piso de mármore importado; a pintura de um painel do móvel por artista premiado; a substituição dos metais de banheiro por peças de ouro ou prata etc. [grifou-se]
Apesar de o texto legal ser ratificante desses conceitos rígidos,
como, se entende do Art. 96 do CC/2002 “As benfeitorias podem ser voluptuárias,
úteis ou necessárias” segundo Nelson Rosenvald deve-se levar em consideração
qual o nível de essencialidades da benfeitoria para a coisa principal para se aferir
48 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 177
49 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 109
em qual categoria se encaixa. Em sua obra o autor cita Alvaro Rozindo Bourguinon,
que brilhantemente exemplifica:
A pintura de uma casa pelo possuidor é benfeitoria necessária, pois evitou a deterioração do bem; mas apenas voluptuária, se executada por questões estéticas. Da mesma forma, a colocação de uma piscina para o lazer da família é benfeitoria voluptuária; pode tornar-se útil, caso sirva a uma escola; converte-se em necessária, quando instalada em escola de natação50
Cabe diferenciar pertenças de benfeitorias para que não haja
confusão entre ambas nas questões futuramente suscitadas nesta pesquisa. No
tocante a este tema tem-se o discernimento de Nelson Rosenvald:
Os animais, máquinas e veículos intencionalmente empregados na exploração industrial, aformoseamento ou comodidade da propriedade são pertenças, que não se confundem com as benfeitorias. Como bem acessórios, as benfeitorias se incorporam ao bem principal, perdendo a sua identidade, de forma a acompanhar o bem quando for entregue ao retomante, por isso são indenizáveis. A seu turno, as pertenças se caracterizam pela não aderência, mantendo sua autonomia, já que não integram fisicamente a coisa e
são passíveis de remoção e alienação destacada. 51
Em nosso ordenamento jurídico as pertenças são, portanto,
tratadas como bens móveis e sua relação com os bens imóveis aos quais estão
atrelados se afasta do que acontece com as benfeitorias, como podemos identificar
nos dispositivos do CC transcritos abaixo:
Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da
manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso. 52
Deve-se ainda diferenciar benfeitorias de acessões artificiais,
para isso reporta-se ao que já foi explanado a respeito de benfeitorias, ou seja,
50 BOURGUIGONON, Álvaro Manoel Rozindo. Embargos de retenção por benfeitorias. São Paulo:
Revista dos tribunais, 1999. p.99
51 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 178.
52 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm acessado em 18 de abril de 2013
pressupõe obras ou despesas realizadas para conservar, melhorar ou embelezar a
coisa já existente. Enquanto, segundo Nelson Rosenvald, “acessões são as
construções e plantações que têm caráter de novidade, pois não procedem de algo
já existente, uma vez que objetivam dar destinação econômica a um bem que até
então não tinha repercussão social. ” 53
Objetivamente a lei distingue acessões de benfeitorias lhes
dedicando regras próprias, disciplinadas pelos art. 1.253 e seguintes do CC, em que
se pode caracterizá-las como modo de aquisição de propriedade em detrimento de
qualquer alusão a efeitos possessórios.
Não obstante a não identidade entre acessão e benfeitoria, há
uma importante consideração que Nelson Rosenvald faz às situações fronteiriças
em que há evidente dificuldade em caracterizar-se uma ou outra. Exemplifica o
autor, com a construção de um muro ou garagem em terreno desprovido de
construção, caso em que se posiciona no sentido de aplicar o sistema que favoreça
economicamente o possuidor, normalmente o das benfeitorias, que lhe assegura
direito de retenção e pretensão indenizatória se for benfeitoria tida como necessária,
mesmo que sendo de má-fé a posse, ao contrário do que repercute da acessão em
caso de má-fé como se denota no art. 1.255 do CC.
O que se viu até agora sobre benfeitorias faz induzir que sua
relevância está na existência das mesmas pelo direito de retenção e/ou indenização
que elas podem ou não suscitar. Partindo do pressuposto de que o direito de
retenção é apenas um meio de coagir o proprietário a indenizar o possuidor, sendo a
indenização o único direito do benfeitor, resta claro que a propriedade da benfeitoria,
devido ao seu caráter acessório, acompanha a propriedade do bem principal. É
nesse sentido que Nelson Rosenvald disserta54.
Perceber-se-á a partir de uma análise dos artigos. 1.219 e
1.222 do CC/2002, que os efeitos econômicos das benfeitorias são intimamente
atrelados à boa-fé ou a má-fé do possuidor.
53 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 178 e 179.
54 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 180.
Decorre da dependência da boa-fé uma série de
consequências práticas. Estando de boa-fé, o possuidor tem direito de retenção das
benfeitorias necessárias e úteis, inteligência do art. 1.219 do CC, porém das
benfeitorias voluptuárias não entendeu o legislador que decorresse igual direito,
cabendo ao possuidor, mesmo que de boa-fé, apenas levantar as benfeitorias
voluptuárias, sendo-lhe ainda negado está opção se o proprietário preferir indenizá-
lo e integrar a benfeitoria ao seu patrimônio. Cabe ainda ao possuidor benfeitor arcar
com as despesas que decorrerem do levantamento das benfeitorias voluptuárias,
pois não lhe é permitido diminuir o valor do patrimônio do proprietário para realizar o
levantamento, de tal maneira que se não for possível fazê-lo sem prejuízos ao
proprietário da coisa melhorada, resta ao possuidor apenas a indenização. Contudo
não se deve, em qualquer caso, pela impossibilidade de levantar a benfeitoria
voluptuária, em casos que se mostram de expressivo valor econômico, restar sem a
devida indenização, pois do contrário estaria a lei por favorecer o enriquecimento
sem causa.
Embora seja comum ouvir que se não puder levantar uma
benfeitoria voluptuária, não há obrigação de indenizá-la, não é este o entendimento
do Nelson Rosenvald, segundo o qual também compartilha Tupinambá Miguel
Castro do Nascimento55, ambos convergentes ao que foi dissertado logo acima.
Por outro lado, se for de má-fé a posse, os direitos do
possuidor revelam-se bastante prejudicados. Cabe a ele apenas o ressarcimento por
benfeitorias necessárias, visto que de qualquer forma o proprietário haveria de
implementá-las se estivesse na posse plena ou ao menos direta do bem, sendo este
direito ao ressarcimento, mais uma vez, uma preocupação do legislador em evitar o
enriquecimento sem causa. No tocante a benfeitorias úteis e voluptuárias não vige
direito de ressarcimento se comprovada má-fé, independentemente do valor das
melhorias, assim como descabe direito de levantar as benfeitorias voluptuárias. Este
é o entendimento de Nelson Rosenvald56, que justifica que não pode o
comportamento ilícito de um possuidor ser desconsiderado ao ponto de permitir que
55 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 180.
56 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 180-182.
ele venha a reter a propriedade de outrem a fim de constranger o proprietário a
indenizá-lo por algo que fez mesmo sabendo ser proibido.
Outra divergência ente os direitos do possuidor de boa-fé e de
má-fé, se dá no tocante ao valor das indenizações, nos casos em que cabem a
ambos. O código disciplina a questão no art. 1.222 do CC: “Art. 1.222. O
reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o
direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé
indenizará pelo valor atual.” 57
Interpretando este dispositivo, Silvio de Salvo Venosa, discorre:
“optará o retomante pelo valor que lhe for mais favorável se estiver lidando com
possuidor de má-fé” 58
A opção entre os valores atuais ou não das benfeitorias em
caso de possuidor de má-fé, é um direito potestativo do responsável pela
indenização, como ressalta Nelson Rosenvald59.
Ainda sobre o viés de Nelson Rosenvald, em obra e páginas
imediatamente supracitadas, em sua interpretação do Código Civil, a partir do artigo
1.221, permite-se a compensação das benfeitorias com os danos, sendo amplo o
entendimento de danos, a exemplo da desvalorização do terreno pelo
desmatamento que deve ser considerada para efeitos de compensação. Para
compreensão dessa norma, mais uma vez carecemos da caracterização da boa ou
má-fé, sendo que se nos casos onde há boa-fé, o possuidor só se responsabiliza se
tiver a culpa comprovada (art. 1.217 do CC); enquanto que nos casos em que se
configura a má-fé, o único meio de livrar-se da reparação do dano pela via
indenizatória é comprovar que tal dano era inevitável e teria ocorrido mesmo que a
coisa estivesse na posse da parte contraria. (art. 1.218).
Importa ainda explicitar o entendimento de Ernane Fidelis,
enunciado na obra de Rosenvald60 esclarece que o conceito de “existência” da
57 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm
58 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p.113.
59 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 182.
benfeitoria é relativo, estando ligado à utilidade prática para a qual ela foi
implementada de tal forma que “se em uma área foi construída cerca para vedar um
terreno de agricultura, quando não mais se pratica plantação sobre ele, nenhuma
utilidade prática continuará ela a ter para o imóvel”
No que tange ao direito de retenção por benfeitorias, há como
bem lembra Nelson Rosenvald61 uma modalidade de “excetio non adimplti
contractus”, ou seja, exceção do contrato não cumprido, previsto no art. 476 do
código civil. É, pois, “um meio de defesa outorgado ao possuidor de boa-fé, a quem
é reconhecida a faculdade de continuar a deter a coisa alheia (...) até ser indenizado
pelo crédito...”
Quanto à natureza do direito de retenção, destacam-se dois
pontos de vista, o primeiro de Silvio de Salvo Venosa que aponta como “modalidade
de defesa do possuidor, que inibe a entrega do bem até que seja satisfeita a
obrigação” 62, ou seja, define como sendo direito obrigacional. Já Álvaro Rosindo
Bourguignon, apesar de concordar em ser um direito obrigacional, faz alusão ao fato
de não advir de uma obrigação Inter partes, mas sim da lei. É o ensinamento:
(...)o direito de retenção deve ser inserido nos direitos obrigacionais, pois não se inclui no rol números clausus dos direitos reais do art.
1.225 do Código Civil, nem ao menos é passível de registro no ofício imobiliário. Nada obstante seria um direito obrigacional sui generis –
que deriva imediatamente de uma norma jurídica, e não de uma relação obrigacional, dotado de oponibilidade erga omnes,
independentemente de quem se apresente no outro polo da lide. 63
De suprema importância é ressaltar que o direito de retenção
só há de ser conhecido se o possuidor que pleitear estiver munido de boa-fé
enquanto benfeitor, como se percebe do relato de Silvio de Salvo Venosa:64 “o
possuidor de boa-fé não apenas tem direito de receber o valor das benfeitorias
60 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p.182.
61ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p.183
62 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 109-10
63 BOURGUIGONON, Alvaro Manoel Rozindo. Embargos de retenção por benfeitorias, São Paulo: Revista dos tribunais, 1999. pp. 48-49
64VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 109.
necessárias e úteis, como também pode reter a coisa enquanto não for paga. ”.
Enfim mais uma vez a boa-fé protagoniza um direito decorrente da posse.
Capítulo 2
A BOA-FÉ
2.1 BOA-FÉ: UNIVERSO CONCEITUAL
A boa-fé no âmbito do direito vem se atualizando ao longo dos
anos, sendo possível perceber mudanças não apenas no campo teórico, como no
campo prático atinente à aplicabilidade de tal instituto. As alusões à boa-fé variam
de mero princípio à verdadeira regra inerente aos negócios jurídicos, e é no sentido
de delimitar o conceito e o campo de aplicabilidade deste instituto que o presente
capítulo deve se desenrolar.
No que tange às teorias subjetivas e objetivas da boa-fé segue
análise de Fernando Noronha em estudo do tema, mesmo antes da vigência do
código civil de 2002, o que já apontava para uma tendência doutrinária desde a
década que antecedeu o atual diploma civil.
Atualmente, a noção clássica de boa-fé subjetiva vem cedendo espaço à sua face objetiva, a qual leva em consideração a prática
efetiva e as conseqüências de determinado ato em lugar de indagar sobre a intenção do sujeito que o praticou. A boa-fé objetiva diz respeito a elementos externos à norma de conduta, que determinam como se deve agir. É um dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura,
honestidade. 65
Da observação de Noronha, supracitado, tem-se interessante
conclusão do que vinha a ser, já à época, boa-fé objetiva, que segundo Alessandro
Schirrmeister Segalla66, em artigo publicado dissertou:
Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação "refletida", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual,
65 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 1994.
66 http://jus.com.br/revista/texto/605/da-possibilidade-de-utilizacao-da-acao-de-despejo-pelo-fiador-do-contrato-de-locacao acessado em 13 de maio de 2013.
respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização do interesse das partes.
José Augusto Delgado67, Magistrado aposentado do STJ, e
professor de Direito por mais de cinquenta anos ensina em publicação, já na
vigência do CC de 2002:
Na concretização desses princípios o magistrado irá guiar-se pela retidão de caráter, honradez e honestidade, que expressam a probidade que todo cidadão deve portar no trato de seus negócios. São conceitos abstratos, mas neles se pode visualizar o que podemos chamar de mínimo ético, patamar onde o juiz deve lastrear sua decisão.
Pode-se perceber que existe uma diferença grande entre boa-
fé objetiva e subjetiva, sendo a primeira totalmente diversa da segunda, a despeito
do caráter subjetivo que a determina, ou seja, independente da subjetividade
inerente aos termos literais “lealdade processual” “retidão de caráter”, “honradez” e
“honestidade”, há alusão ao objeto do negócio jurídico, devendo ele ser
comtemplado pelos sujeitos como preconiza o próprio negócio, enquanto que no
tocante à boa-fé subjetiva o que está em pauta é a posição de consciência do sujeito
negociante antes mesmo da existência do negócio.
Partindo dessas premissas é que segue o estudo a perscrutar
quais são as características e peculiaridades da boa-fé.
2.2 BOA-FÉ SUBJETIVA
Para adentrar no tema se faz necessário inferir um conceito de
boa-fé subjetiva. Para tanto temos há uma exposição bastante oportuna por ser
bastante caracterizadora do elemento ao qual recairá futura diferenciação da teoria
objetiva:
A boa-fé subjetiva se resume à situação de um sujeito perante certo fato. É a circunstância do desconhecimento de uma dada ocorrência,
67 DELGADO, José Augusto. O contrato de seguro e o princípio da boa-fé: questões
controvertidas. São Paulo: Método, 2004. p.127
de um vício que torne ilegítima a aquisição de um determinado direito
ou posição jurídica.68
Do conceito apresentado pelo autor supracitado, pode-se inferir
que a boa-fé subjetiva, como a nomenclatura denota, está atrelada ao sujeito de
direito perante o fato, ou seja, os pressupostos para sua verificação são inerentes ao
sujeito e não ao objeto do negócio jurídico. No que tange as relações de aquisição
da posse o CC/2002 comtemplou o caráter subjetivo da boa-fé expressamente no
art. 1201: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que
impede a aquisição da coisa”
Por este viés, é como o sujeito vê o fato que importa para que
se caracterize a boa-fé, sendo um critério ínsito ao estado de consciência deste
sujeito, independe, pois, se há vicio no negócio, importando apenas se o sujeito
conhece ou não tal vício.
Desenvolvendo acerca do tema Fernando Noronha: 69
[...] a boa fé subjetiva ou boa fé crença, diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes ao sujeito. É o estado de ignorância acerca das características da situação jurídica que se apresenta, suscetíveis de conduzir à lesão de direitos de outrem. Na situação de boa fé subjetiva, uma pessoa acredita ser titular de um direito, que na realidade não tem, porque só existe na aparência. A situação de aparência gera um estado de confiança subjetiva, relativa à estabilidade da situação jurídica, que permite ao titular alimentar expectativas que crê legítimas.
É importante frisar aqui que a confiança a que se refere o autor
neste conceito é a confiança do sujeito na expectativa de negociar, por tanto se
diferenciando da confiança que se espera daquele que já contratou adquirindo
direitos e obrigações. Tal observação se faz necessária, pois o termo é também
abordado no tocante a boa-fé objetiva, porém com outros contornos.
No mesmo sentido e ainda trazendo uma diferença crucial
entre boa-fé Objetiva e boa-fé subjetiva, sobretudo acerca do que vem a ser a
68 DUARTE, Ronnie Preuss. A cláusula geral da boa-fé no novo código Civil brasileiro: questões
controvertidas. São Paulo: Método, 2004. p. 413.
69 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003.p. 122.
situação antagônica cada um dos institutos, é conveniente que se valha dos
ensinamentos de Nelson Rosenvald70
(...) a boa-fé objetiva é examinada externamente, vale dizer, a aferição se dirige à correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. O contrário da boa-fé subjetiva é a má-fé; o agir humano despido de lealdade e correção é apenas
qualificado como carecedor de boa-fé objetiva.
No intuito de aprofundar o estudo na boa-fé objetiva, se
passará logo ao próximo tópico, mesmo porque a boa-fé subjetiva ganhará mais
enfoca que complemente o seu entendimento mais a frente, quando se pretende
analisar em específico, a boa-fé que se exige em matéria possessória.
2.3 BOA-FÉ OBJETIVA
Há uma infinidade de conceitos para boa-fé objetiva, assim
como uma infinidade de aplicações no direito. Partindo desta premissa há que se
abordar o assunto de forma a delimitar qual seria o aspecto relevante de cada
conceito no tocante à sua aplicabilidade, perfazendo um compêndio conceitual útil
no que tange a posse e seus efeitos. Tal caminho deve partir do surgimento da boa-
fé como regra inerente ao direito obrigacional, culminando em seu entendimento no
que tange a aplicabilidade na posse.
Atente-se ao conceito de José Augusto Delgado:
A boa-fé objetiva é concebida como uma regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados, antes mesmo de serem partes nos contratos.
O contratante é pessoa e como tal deve ser tutelado. 71
Este conceito de Delgado põe em evidência uma característica
relevante para a tese; trata-se da alusão ao tratamento isonômico da boa-fé, que é o
suporte para que o estudioso a considere uma regra de conduta. Extrapolando o
conceito acima podemos relacionar à boa-fé, de maneira análoga, com a regra do
70ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p.80. 71DELGADO, José Augusto. O contrato de seguro e o princípio da boa-fé: questões controvertidas. p. 126.
art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB
“Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. ” 72 . Por
esta análise, tem-se imputado ao sujeito um impedimento de alegar o
desconhecimento do dever de agir de boa-fé.
A ideia de desenhar a boa-fé como regra implícita no
ordenamento jurídico é uma constante no meio acadêmico, como podemos
depreender do que disserta Ronnie Preuss Duarte73 em publicação a respeito:
Na medida em que dá corpo a uma regra de conduta a ser seguida pelos contratantes, independentemente de qualquer previsão contratual, a boa-fé permite que o Direito seja permeado de uma forte noção ética. Veda-se a malícia, a intenção de prejudicar. Desde as negociações preliminares, passando pela execução propriamente dita e mesmo após o cumprimento das prestações pelos contratantes, remanesce um vínculo e deveres recíprocos. Há uma acentuada preocupação na proteção da situação de confiança que resulta de um contrato negocial, que o ordenamento jurídico procura salvaguardar.
Do conceito de Duarte extrai-se a importância da boa-fé no que
tange a eticidade que ela acresce a uma relação jurídica, além de denotar a
manutenção dos efeitos da mesma no tempo. Tais observações vão ao encontro do
ponto que se quer avaliar com a tese, visto que sua aplicação como regra geral do
direito merece ser questionada no que tange a alcançar as relações possessórias, é
o ponto de ponderação ante a doutrina e jurisprudência que será perquirido no
decorrer deste e no último capítulo respectivamente, como é o caso dos efeitos da
posse com relação às benfeitorias e aos frutos. Esta afirmação encontra contra
argumentação na ainda muito forte corrente que aponta a teoria subjetiva como
inafastável das relações possessórias; cabe ao capítulo seguinte fazer a
aproximação da teoria objetiva de tais relações; por hora segue a pesquisa com
aspectos relevantes que justifiquem e fundamentem a referida vinculação entre boa-
fé objetiva e posse.
O que o conceito de Duarte contribui para isso é que se torna
difícil de negar que a boa-fé como apresentada até agora tende a deixar a relação
72 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm acessado em 15 de maio de 2013.
73 DUARTE, Ronnie Preuss. A cláusula geral da boa-fé no novo código Civil brasileiro: questões controvertidas. p. 413.
jurídica mais ética, e contribui para aumentar a segurança jurídica, tão em voga no
direito “pós-moderno”. Outra observação de Duarte que corrobora para construção
do conceito ideal de boa-fé objetiva que se quer concluir, é o que o autor apregoa
sobre a expectativa da confiança de cada sujeito em uma relação jurídica. Sobre o
tema ele disserta:
Os fatos concretos verificados devem ter o condão de objetivar e efetivamente incutir no agente uma determinada expectativa. Afasta-se o atendimento ao requisito quando houver torpeza ou excessiva credulidade deste. Na prática, o requisito se reputa preenchido com a resposta positiva à seguinte indagação: qualquer pessoa normal, submetida às mesmas circunstâncias, criaria a expectativa afirmada
pelo sujeito? 74
Ou seja, para que se possa exigir uma obrigação objetiva do
sujeito se faz necessário que o mesmo seja ao menos medíocre, no sentido literal da
palavra, excluindo-se esta possibilidade em situações em que o dissertante
considerou como de torpeza ou credulidade excessivas. Mais afrente o tema será
retomado, pois converge com o que se pretende abordar referente à “Teoria do
homem médio”. Ainda na obra de Duarte há uma indagação quanto à
responsabilidade nas relações: Imputação ou responsabilidade pela situação de
confiança, ou seja, o sujeito que infundiu a confiança deverá responder por ela. “Não
se admite, por exemplo, que A inspire a confiança e B venha a ser responsabilizado
pela situação.” 75
Na obra de Duarte supracitada, ele trata o tema como funções
da boa-fé, e além dos quesitos de confiabilidade e responsabilidade dos sujeitos ele
ainda aponta a obrigação de adquirir um benefício ou evitar um prejuízo para se
evocar a proteção da boa-fé. O autor finaliza dizendo em alguns casos um destes
três requisitos pode ser tão relevante que dispense a exigência de outros para que
se evoque a proteção decorrente da obrigação de boa-fé.
74DUARTE, Ronnie Preuss. A cláusula geral da boa-fé no novo código Civil brasileiro: questões
controvertidas. p. 416.
75 DUARTE, Ronnie Preuss. A cláusula geral da boa-fé no novo código Civil brasileiro: questões controvertidas. p. 416.
José Augusto Delgado76 define o que chama de funções da
boa-fé em termos mais objetivos, apontando inclusive os dispositivos legais que
fundamentam seu ponto de vista, segundo o desembargador, há três funções nítidas
no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa (art. 113); função de controle
dos limites do exercício de um direito (art. 187) e função de integração do negócio
jurídico (art. 422).
A saber, os dispositivos elencados por Delgado são todos do
código civil de 2002. São os seguintes: 77
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que,
ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
No tocante à função integrativa da norma, exposta pelo art. 422
do código civil de 2002, há uma espécie de evocação da boa-fé como instrumento
de integração da norma objetiva, não se confundindo com os instrumentos de
colmatação previstos na LINDB em seu art. 4º (Analogia, costumes e princípios
gerais de direito), pois a boa-fé objetiva atuando como instrumento de integração é
tida como regra preconizada em lei, enquanto que tais instrumentos de colmatação
seriam aplicados subsidiariamente.
Em dissertação sobre o tema MELLO (2002)78:
76 DELGADO, José Augusto. O contrato de seguro e o princípio da boa-fé: questões
controvertidas. São Paulo: Método, 2004. p. 129.
77 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm acessado em 16 de maio de 2013.
78 MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. A função social do contrato e o princípio da boa-fé no novo Código civil brasileiro. Revista Síntese de direito civil e processual civil. a. III, n. 16, p. 142-159, mar.-abr. 2002, p. 158. Disponível em: http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:revista:1999;000558867 .
Os contratantes nesse novo contexto são entendidos como parceiros leais e probos, e, portanto, hão de auferir suas vantagens, segundo expectativas legítimas, dentro de uma equação econômica razoável, que não represente excessos irracionais e desproporcionais segundo as praxes do mercado e as leis da livre economia tuteladas pela Constituição Federal em seu artigo 170, IV.
A interpretação do art. 422 do CC acerca da boa-fé encontra
bom argumento nos dizeres de Flavio Tartuce79 em artigo oportunamente
relacionado:
A cláusula geral de boa-fé, mais especificamente, traz aos contratos e aos negócios jurídicos deveres anexos para as partes: de comportarem-se com a mais estrita lealdade, de agirem com probidade, de informar o outro contratante sobre todo o conteúdo do negócio. Nesse tom, a colaboração está presente de forma inequívoca. Sob esse prisma, o enunciado número 24 do Conselho Superior da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002, prevê que o desrespeito desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato, espécie de inadimplemento a imputar responsabilidade contratual objetiva àquele que viola um desses direitos anexos.
Enfim, Tartuce endossa a tese de que a boa-fé objetiva como
prevê o art. 422 do Código civil se apresenta como regra inerente aos contratos.
Uma consequência de adotar-se a teoria objetiva da boa-fé é
de suma importância nas relações jurídicas em geral, sobretudo com vistas à
selvageria que provém das manifestações de vontade entre particulares em uma
sociedade capitalista e cada vez mais competitiva. É o entendimento coerentemente
sustentado pelo professor José Augusto Delgado80:
Com efeito, a vida na sociedade capitalista nos ensina a sermos competidores, onde o contrato é mais uma arena dessa luta diária. A boa-fé objetiva, aliadas aos ideais do Estado Social, busca humanizar essa disputa, impondo aos contratantes deveres anexos às disposições contratuais, onde não tem cabimento a postura de querer sempre levar vantagem.
79TARTUCE, Flávio. O Princípio da boa-fé objetiva em matéria contratual: apontamentos em relação ao novo código civil e visão do projeto nº 6.960/02. Disponível em: http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/O%20PRINC%C3%8DPIO%20DA%20BOA.pdf Acessado em 16 de maio de 2013.
80 DELGADO, José Augusto. O contrato de seguro e o princípio da boa-fé: Questões Controvertidas: Método, 2004. p. 126.
Dos dizeres acima, de Delgado, pode-se atribuir interpretação
no sentido de que deixar que a quebra de confiança em uma relação jurídica se
paute apenas em uma variável meramente subjetiva, como inferir se um contratante
sabia ou não de determinado vício, ou se um possuidor conhece ou não o vício em
sua posse, é possibilitar, muitas vezes, que alguém de má-fé seja desleal e em seu
benefício simplesmente diga: “- Eu não sabia”. Eis a importância de se avaliar
aceitabilidade da teoria subjetiva da boa-fé em matérias de posse com a devida
adequação ao que o homem médio está sujeito.
Ainda mais longe vão os autores Cristiano Chaves de farias e
Nelson Rosenvald quando ensinam sobre a boa-fé objetiva e sua abrangência no
campo das obrigações: 81
O princípio da boa-fé atuará como modo de enquadramento constitucional do Direito das Obrigações, na medida em que a consideração pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação contratual, mais não é, quase o respeito à dignidade da pessoa humana em atuação no âmbito negocial.
A posição dos autores com relação à boa-fé na obra referente
aos direitos reais tem outros contornos, mas que também contribuem para o que
esta pesquisa pretende demonstrar. As razões dessa afirmação seguem no tópico
seguinte deste capítulo.
2.4 BOA-FÉ E A POSSE
Das lições de Silvio de Salvo Venosa extrai-se a afirmação de
que o código civil de 2002 em seus artigos 1.201 e 1.202 não chegam a caracterizar
um caráter objetivo da boa-fé na posse. Analisemos os artigos para entender o
posicionamento deste autor:
“Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício,
ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.”
81 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações, 4ª. ed., Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.240.
“Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a
presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não
admite esta presunção”
“Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e
desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não
ignora que possui indevidamente.”
Discorre sobre o tema Venosa: 82
Embora existam críticos desses dispositivos que sustentam que o legislador criou aspecto objetivo à conceituação de boa-fé na posse, as dicções legais fazem o caso concreto depender sempre do exame da vontade do possuidor. Nesses termos, temos que examinar, no caso sob testilha, se o possuidor ignora o vício da posse. Em seguida, concluiremos cessada a boa-fé no momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que
possui indevidamente.
Enquanto Silvio de Salvo Venosa se detém num primeiro
momento a afirmar que: “Desse modo, não se afasta a necessidade do exame
psíquico do agente para concluir por sua boa ou má-fé”; A obra de Farias e
Rosenvald, se preocupa em realizar uma crítica ao comedimento do legislador no
tocante a esta matéria, do ponto de vista da tendência de “eticidade, socialidade e
operabilidade, norteadora do novo código civil de 2002”83 como se pretende
demonstrar a seguir.
Em Farias e Rosenvald84 apresenta-se a caracterização legal
da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro:
O Legislador de 2002, reiterando o código civil de 1916, não foi sensível à eticização da boa-fé psicológica, perdendo uma bela
oportunidade de se ajustar às concepções mais atuais do direito privado e a própria diretriz de eticidade que permeia o novo código civil. Com efeito, o artigo 1.201, do código civil concebe a boa-fé de modo negativo, como aquela em que o possuidor ignora o vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa. Isto é, mesmo que não
82 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 64
83 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 153
84 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 150
haja plena convicção de legitimidade da posse, somente a dúvida
relevante exclui a boa-fé. [grifou-se]
Enfim, esses autores reconhecem a matriz subjetiva da boa-fé
em matéria possessória, contudo invocam a necessidade de não deixar a sua
caracterização ao mero aspecto psicológico “assim o possuidor de má-fé seria
aquele que não só conhece o vício da posse, como também aquele que deveria
conhecê-lo, em razão das circunstâncias”. Nesse contexto é possível que se tenha
circunstâncias objetivas que permitam elidir a mera alegação do agente do
desconhecimento de um vício para se escusar de responsabilidade. Cristiano
Chaves de farias e Nelson Rosenvald justificam sua posição assim: 85
O conceito restrito de boa-fé psicológica é um prêmio para os desidiosos e lenientes, e uma punição para os diligentes e cuidadosos, que seriam sancionados por perceber aquilo que todo cidadão comum podia facilmente atinar. Ademais é humanamente impossível ingressar no íntimo de cada pessoa para desvendar se ela conhecia ou não determinada circunstância. Portanto a boa-fé deixa de ser um mero desconhecimento convertendo-se em um “desconhecimento se culpa”. Assim, se o possuidor adquiriu a coisa de menor impúbere com aparência infantil, não pode alegar ignorância da nulidade que pesa sobre o seu título, como também não pode ignorá-la se comprou o imóvel sem examinar a prova de domínio do alienante.
Em suma Cristiano Chaves de farias e Nelson Rosenvald
entendem que “a posse titulada conta com presunção de boa-fé, pois objetivamente
confere a uma pessoa a noção de legitimidade de sua conduta sobre a coisa”. E no
que tange a interpretação do artigo 1.202 do CC/2002, já transcrito acima, os
autores admitem que quanto a circunstância caracterizadora da quebra de boa-fé a
interpretação mais coerente com o ordenamento jurídico contemporâneo é de que
“cuida-se de engano aceitável, dentro das circunstâncias”, ou seja, guarda relação
com que se pode esperar da diligência de um homem médio, que apesar de ser uma
ficção jurídica cumpre função de não deixar a caracterização da má-fé ao arbítrio da
consciência do agente.
Nesse contexto é aspecto relevante do ordenamento jurídico
para a caracterização da boa-fé, é a existência ou não do justo título, pois se faltar
85 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 151
justo título não há presunção de boa-fé. É o que se encontra em Cristiano Chaves
de farias e Nelson Rosenvald86:
A boa-fé para fins de posse não será presumida mesmo quando o possuidor não detenha justo título, que é definido como o título hábil a transferir a posse, e que realmente a transferiria se não possuísse um vício. Aquele possuidor que não desfruta de um título deverá provar por outras formas que agiu com diligência e dedicação. Ou seja, quando o título que justifica a posse for meramente putativo, a má-fé poderá ser reconhecida já para o início da posse sem a
necessidade da citação do possuidor.
Está ressalva quanto ao momento que iria se considerar a
posse de má-fé, é extremamente importante para relacionar a boa-fé e seus efeitos,
como se pretende fazer com a análise da jurisprudência à luz da doutrina no capítulo
derradeiro. Tal importância assenta no fato de que, na falta de justo título, recai
sobre o possuidor a necessidade de demonstrar ter agido com diligência na
aquisição da posse para que seja configurado como de boa-fé, e nesse contexto a
depender da rigorosidade que se cobre tal diligência do possuidor estaríamos a
admitir a objetivação da boa-fé em matéria possessória.
Contudo em razão do caráter fático que permeia a posse,
consoante ao estado de aparência sobre qual discursa Venosa87, as exigências para
obtenção de justo título nestes casos são mitigadas quando em comparação as
exigências para fins de usucapião, como pontuam Farias e Rosenvald88:
“Ilustrativamente, um comodato verbal efetuado por aquele que é visto na região
como aparente proprietário do bem é suficiente para presumir boa-fé do
comodatário, que escusavelmente acreditou naquele contexto informacional”
A despeito das diferentes abordagens do tema pelos autores,
existem pontos convergentes. Explica-se essa identidade com o exemplo da citação
feita anteriormente: “cuida-se de engano aceitável, dentro das circunstâncias”, nesta
passagem Rosenvald89 fala do que se espera de um cidadão comum frente a
86 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 152
87 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 65
88 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 153
89 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 151
aquisição da posse no que tange aos vícios óbvios, justamente por ser ele um
homem comum. Pois assim sendo não há como não perceber clara alusão a teoria
do homem médio aludida por venosa90 nos dizeres: “em matéria de posse não se
configurará a posse de boa-fé quando a ignorância derivar de circunstâncias
facilmente perceptíveis pelo comum dos homens.” [grifou-se].
Sob a égide dessa teoria, qual seja à do homem médio,
Venosa discorre apontando para o critério subjetivo para caracterizar boa ou má-fé.
Sua obra registra:
O critério é a subjetividade. Não bastará, contudo, alegar apenas ausência de ciência de ilicitude. Atitude passiva do sujeito. A consciência de possuir legitimamente deve vir cercada de todas as cautelas e investigações idôneas para caracterizar o fato da posse. Há necessidade, portanto, de um aspecto dinâmico nessa ciência de boa-fé. Não basta o possuidor assentar-se sobre um terreno que se encontra desocupado, sem investigar se existe dono ou alguém de melhor posse. Tão somente a atitude passiva do agente não pode caracterizar boa-fé, porque é curial que ao homem médio incumbe verificar ordinariamente se a coisa tem outro titular. O estado de boa-fé requer ausência de culpa, devendo, pois, o possuidor empregar todos os meios necessários, a serem examinados no caso concreto, para certificar-se da legitimidade de sua posse. A situação poderá exigir o exame da gradação de culpa equivalendo a culpa grave ao
dolo. 91
Tal posicionamento da doutrina encontra respaldo legal na Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB, que em seu artigo 3º
preconiza que “ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece”. A
despeito do dispositivo legal do posicionamento de Venosa quanto a atitude do
homem médio frente a posse, e deste dispositivo da LINDB recém citado, o autor
ratifica o entendimento de Darcy Bessone92 que admite sim que o erro de direito,
bem como o erro de fato podem dar ensejo a caracterização da boa-fé.
Sob o enfoque dado pela teoria do homem médio em Venosa,
a contrário senso do que o próprio Venosa assevera sobre não haver caráter
objetivo da boa-fé em matérias possessórias, a sua explicação que impõe ao
90 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 65
91 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 65
92 BESSONE apud VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 65-66
homem médio um dever diligente na aquisição com a extensão que ele propõe, beira
a tal “diligência extrema” a que se refere Rosenvald93, afirmando que se cobrada do
agente equivaleria a objetivar a boa-fé, ou seja, tomar toda e qualquer atitude
diligente possível para evitar qualquer vício na aquisição da posse, garantiria que
não se tomasse qualquer posse viciada, logo todo vício denotaria uma quebra de
boa-fé, portanto estaríamos diante da boa-fé objetiva em uma questão possessória.
Contudo ambas as doutrinas acabam, como visto por refutar tal rigor a ponto de
objetivar a boa-fé, por um lado Venosa esclarece ser afeito a Bessone (supracitado),
admitindo para efeito de boa-fé invocar erro de fato e erro de direito; por outro lado,
no mesmo sentido, Farias e Rosenvald, também mencionam expressamente que
admite-se o erro de fato e de direto em acepção equivalente à de Venosa, e ainda
acrescentam que há uma reconstrução da regra da boa-fé subjetiva, que passa pela
cláusula geral da função social da posse, denotando uma clara adequação do
instituto à ordem constitucional pós 1988 e ao movimento de constitucionalização do
direito civil. Esta última observação pode ser verificada pela passagem:
Outrossim, há inegável necessidade de ponderar a atuação do possuidor que deu destinação econômica à coisa, mesmo sem qualquer titulação, diante da inação do proprietário desidioso que não zelou pelo que lhe pertence. Não atenderia a noção de proporcionalidade e razoabilidade obrigar o possuidor diligente a restituir todos os frutos que recebeu e não ser indenizado por acessões e benfeitorias ao final de uma ação reivindicatória, pelo simples fato de ter exercido poder fático sobre a coisa sem um título
que lhe desse amparo jurídico. 94
Enfim, tal interpretação dificulta, por exemplo que se utilize um
possível caráter objetivo da boa-fé como fundamento suficiente para negar direito a
frutos ou retenção de benfeitoria ao possuidor. A maneira como estas relações vem
sendo enfrentadas pela jurisprudência e as possíveis variações sob diferentes
prismas hermenêuticos, é o que se pretende abordar no capítulo final a seguir.
93 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p. 152
94 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p.155 -156.
Capítulo 3
A BOA-FÉ E A POSSE NOS TRIBUNAIS PÁTRIOS À LUZ DA
DOUTRINA ATUAL
3.1 O CONTEXTO HEMENÊUTICO DAS ANÁLISES
Caio Mario da Silva Pereira95 lançou a seguinte assertiva sobre
a hermenêutica do código civil:
Na hermenêutica do código civil destacam-se hoje os princípios constitucionais e os direitos fundamentais, os quais se impõe às relações interprivadas, aos interesses particulares, de modo a fazer prevalecer a “constitucionalização” do direito civil.
Sendo assim, a primeira observação a ser feita é sobre o
contexto ao qual estará submerso a análise final das questões levantadas como
hipóteses para esta pesquisa. Trata-se de ambiente inserido em uma, relativamente
recente, ordem constitucional, pois o estudo a respeito da boa-fé retoma o instituto
ao longo de sua existência, o que inevitavelmente abrange o tempo anterior a
CRFB/88 até os tempos atuais. Nesse contexto se faz necessário introduzir o
assunto com contornos hermenêuticos básicos para que se possa fazer uma análise
crítica da jurisprudência pátria sem que se esteja eivado dos vícios da antiga ordem
(pré-constituição). Tal inserção se justifica por ser o ordenamento jurídico um todo
que deve manter sua coerência, e em um Estado Democrático de Direito onde o
referente limitador legal e de poder é a constituição, qualquer crítica feita que não
leve em conta a base principiológica constitucional será inócua, e por conseguinte
depreciará toda a pesquisa prévia, pelo menos do ponto de vista legal.
Atinente ao tema o autor Rogério Gesta Leal96 traz à tona
breves considerações críticas à hermenêutica jurídica e aos princípios
95 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil. Teoria
Geral de Direito Civil. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 77.
96 LEAL, Rogério Gesta. Hermenêutica e Direito: Considerações Sobre a Teoria do Direito e os Operadores Jurídicos. 2. ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999. p. 135 - 139.
constitucionais do Estado democrático de direito no Brasil. A crítica parte da
premissa de que os operadores jurídicos não têm se esforçado para desvendar os
significados da Constituição Federal enquanto instrumento político jurídico que
estabelece valores e princípios norteadores da república como Estado Democrático
de Direito, em consequência disso, a prática jurídica acaba impondo uma
despolitização dos saberes jurídicos e afastamento das implicações sociais.
Na prática o que a doutrina acima citada tem de útil para esta
tese é justificar a afirmação de que se precisa regular as lentes de quem olha para a
prática jurídica para enxergar se o direito como está sendo aplicado responde ao fim
para o qual foi criado, ou seja, se reflete a justiça ou se afasta-se dela. Nesse
sentido Leal97 pondera:
É já pacífico entendimento entre os teóricos contemporâneos da Teoria do Direito que a dogmática jurídica que informa o pensamento jurídico vigente e conservador não consegue mais dar conta de uma série de desafios e demandas sociais atinentes à sociedade hodierna. Em decorrência dessa situação, os instrumentos e institutos jurídicos utilizados pelos operadores do direito, na sua maioria, da mesma forma não respondem ou sequer conseguem se adequar aos fenômenos sociais que lhe dão causa.
Por óbvio que o autor supracitado está se referindo à questões
que são bases da sociedade contemporânea e que, já depois de ele ter escrito o que
escreveu vieram à tona em diversas causas de relevância social que demostram a
necessidade constante de adequação dos operadores do direito aos aspectos
fundamentais da CRFB/88, como bem representam as ações constitucionais que
trataram de uniões homoafetivas em busca de direito como união estável e
reconhecimento como família; descriminalização do “aborto” de anencéfalo; a
apreciação da constitucionalidade das cotas raciais; entre tantas outras que
surgiram e ainda vão surgir. Contudo, a despeito de a análise da boa-fé nos tribunais
não ter a mesma repercussão dos temas recém relacionados, não se pode
negligenciar em adequar o estudo à pressupostos hermenêuticos que sejam atuais e
consonantes aos fundamentos do Estado criado pela CRFB/88.
97 LEAL, Rogério Gesta. Hermenêutica e Direito: Considerações Sobre a Teoria do Direito e os
Operadores Jurídicos. p. 135 - 139.
Pelas razões expostas, se estabelecerá aqui um norte
interpretativo, e apenas um norte sem a pretensão de desviar a tese para uma
pesquisa específica no campo da hermenêutica jurídica, sendo a finalidade capacitar
o pesquisador a não se restringir a repetir os argumentos do operador que julgou ou
do que arguiu sobre o tema no caso prático, mas que sim desta análise se subtraia
“o ser” e o “dever ser” do direito no que tange especificamente a boa-fé segundo a
doutrina exposta até aqui.
Uma passagem em especial da obra de Rogério Gesta Leal98
denota o rumo que se pretende perquirir no campo hermenêutico de análise:
A hermenêutica de que falamos crê que todo o fenômeno social, e, portanto, o direito, deve ser lido/compreendido considerando seus aspectos ideológicos e relacionando-o com a questão do poder (instituído/instituinte), temas que devem estar constantemente introduzidos em qualquer consideração pertinente ao discurso/prática jurídica, principalmente para evitarmos possíveis desvios para concepções reducionistas da matéria.
Trata-se portanto de uma proposta para não se reduzir a
análise a um racionalismo positivista, ou uma de suas vertentes (neopositivismo e
neoliberalismo, etc.), mas sim aproximar-se das significações não manifestas
(ideológicas) dos textos legais, para que as conclusões sejam coerentes com a
relações sociais reais e não apenas com a preconizada em abstrato pautada em
realidade diversa ou não prevista à época do nascimento de um texto legal.99 Nesse
panorama o que deve-se cuidar é para que a adequação de princípios como o da
função social da posse, que certamente derivam desta ordem constitucional a qual
estar a se falar, não seja suprimido por análise meramente técnica das
fundamentações dos tribunais, no afã de ver alguma das hipóteses confirmadas ou
refutadas.
Importa ressaltar que não se pretende aqui se valer de meras
hipóteses que possam encontrar respaldo na doutrina para subverter a lógica
98 LEAL, Rogério Gesta. Hermenêutica e Direito: Considerações Sobre a Teoria do Direito e os
Operadores Jurídicos. p. 142.
99 SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma Ciência Pós-moderna. Rio de janeiro: graal 1992. p. 47.
sistemática dos códigos positivados, pois a despeito de haver ou não coerência em
teoria doutrinária que refute um ou mais pontos que aparecem inequívocos no
ordenamento, entende-se que por segurança jurídica e respeito ao Estado
democrático de Direito, o qual nos impõe a lei como limitadora no mundo jurídico, a
doutrina como fonte de direito, não pode, por si só justificar mudança no
entendimento dos tribunais, pois sabe-se que das fontes de direito a doutrina é
apenas mais uma, e deve observar regras de hermenêuticas, como expõe R.
Limongi França100: “A regra doutrinária não deve sobrepor-se à norma inequívoca de
direito positivo, nem distanciar-se do espírito do nosso sistema jurídico e das nossas
instituições específicas.”. Em suma utilizar-se-á a doutrina detalhada até então nos
capítulos anteriores para olhar criticamente para a atuação dos tribunais pátrios,
contudo o estudo será concentrado apenas nas incoerências que tais doutrinas
apontarem sobre o ordenamento jurídico existente em relação ao que preconiza a
ordem constitucional pós 1988 no Brasil, procurando não inovar com teses que
venham a ir além do razoável, pra com isso “enquadrar-se em moldes tais que não
desmereçam o ordenamento.” 101
A partir do exposto até aqui se faz importante reforçar o que
que foi debatido superficialmente antes (Item 2.4), por se tratar de verdadeira matriz
dos princípios que norteiam o CC/2002. Sobre este tema muito bem discorrem Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho102, pois condensam a matéria de maneira
didática e concisa:
Consiste o Princípio da Eticidade na busca de compatibilização dos valores técnicos conquistados na vigência do Código anterior, com a participação de valores éticos no ordenamento jurídico. (...) exemplos mais visíveis é (...) Também a boa-fé objetiva, prevista no art. 422, é exemplo de sua aplicação. Já o princípio da Socialidade surge em contraposição à ideologia individualista e patrimonialista do sistema de 1916. Por ele, busca-se preservar o sentido da coletividade, muitas vezes em detrimento de interesses individuais.
100 FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 192.
101FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. p. 193. 102GAGLIANO, Pablo Stolze; PANPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.95-96.
Por fim, o princípio da Operabilidade importa na concessão de maiores poderes hermenêuticos ao magistrado, verificando, no caso concreto, as efetivas necessidades a exigir a tutela jurisdicional. Nessa linha, privilegiou a normatização por meio de cláusulas gerais, que devem ser colmatadas no caso concreto. [grifo-se]
Esses serão os parâmetros hermenêuticos, pelos quais deve
se guiar o andamento da pesquisa. Justifica-se esta introdução ao capítulo pelo que
se estrai do estudo dos textos de Carlos Maximiliano103, em que o autor define a
hermenêutica como conjunto de regras bem ordenadas no intuito de fixar os critérios
e princípios que deverão nortear a interpretação. Diz o autor que a “hermenêutica é
a teoria cientifica da arte de interpretar. ”.
Cabe ainda uma contribuição de Maria Helena Diniz104 ao
tema, quando a autora faz menção a influência interpretativa que tem o art. 5º Da
LINDB na atividade do intérprete aplicador do direito. O artigo referido que discorre:
“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”. Segue a autora ponderando:
O aplicador, nas palavras de Henri Page, não deverá quedar-se surdo às exigências da vida, e sim manter contato íntimo com ela, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela. Daí resulta, continua ele, que a norma se destina a um fim social, de que o juiz deve
participar ao interpretar o preceito normativo.
Definido o norte interpretativo para o estudo do direito dito
pelos tribunais passa-se aos casos concretos já julgados para confrontá-los
dialeticamente com a doutrina exposta.
3.2 A PRAXIS JURÍDICA NO QUE TANGE A BOA-FÉ OBJETIVA
Em princípio tem-se a análise de um acordão do Superior
Tribunal de Justiça - STJ onde se pleiteava, em sede de Recurso Especial - RESP, o
pagamento de aluguel por parte do retentor, como forma de compensar pela
103MAXIMILANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 8. Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. 104DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral Do Direito Civil. V.1. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 67-68.
indenização das benfeitorias realizadas enquanto possuidor de boa-fé, sendo este o
saldo jurídico de uma ação reivindicatória.
No caso em tela, mesmo não encontrando na lei e nem na
vontade das partes respaldo para procedência do Recurso Especial, o tribunal
encontrou na boa-fé objetiva e no princípio da vedação do enriquecimento sem
causa, motivos suficientes para reconhecer a procedência do Recurso em apreço.
Trata-se então de manifestação jurisdicional consoante à matriz ética incorporada
pelo código civil, como visto anteriormente (parte final do item 3.1).
3.2.1 A Boa-fé e Direito de Retenção: Perceber ou Indenizar Frutos?
Expõe-se a seguir a ementa para as subsequentes
ponderações à luz do pesquisado.
RECURSO ESPECIAL Nº 613.387 - MG (2003/0216722-7) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ELISEU LABORNE E VALLE – ESPÓLIO ADVOGADO : ALCIDES JOSÉ DE ANDRADE FILHO E OUTRO(S) RECORRIDO : JOSÉ MARIA LOPES VIEIRA E CÔNJUGE ADVOGADO : STANLEY MARTINS FRASAO E OUTRO EMENTA DIREITO CIVIL. DIREITO DE PROPRIEDADE. POSSE DE BOA-FÉ. DIREITO DE RETENÇÃO QUE SE TORNAR IRREGULAR COM O USO DA COISA. DEVER DO RETENTOR DE INDENIZAR O PROPRIETÁRIO COMO SE ALUGUEL HOUVESSE. - O direito de retenção assegurado ao possuidor de boa-fé não é absoluto. Pode ele ser limitado pelos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e da boa-fé objetiva, de forma que a retenção não se estenda por prazo indeterminado e interminável. - O possuidor de boa-fé tem o direito de detenção sobre a coisa, não sendo obrigado a devolvê-la até que seu crédito seja satisfeito, mas não pode se utilizar dela ou perceber seus frutos. Reter uma coisa, não equivale a servir-se dela. O uso da coisa retida constitui abuso, gerando o dever de indenizar os prejuízos como se aluguel houvesse. - Afigura-se justo que o proprietário deva pagar pelas acessões introduzidas, de boa-fé, no terreno e que, por outro lado, os possuidores sejam obrigados a pagar um valor, a ser arbitrado, a título de aluguel, pelo uso do imóvel. Os créditos recíprocos haverão de ser compensados de forma que o direito de retenção será exercido no limite do proveito que os retentores tenham da propriedade alheia. Recurso Especial provido.
Para início do assunto cabe ressaltar que a data do julgamento
do RESP em questão foi agosto de 2008, ou seja, já na vigência do CC/2002, que
por sua vez foi promulgado sob a égide da CRFB/88. Contudo, cabe a ressalva de
que a legislação pertinente (parâmetro) do julgamento, ainda era o CC/1916, bem
como as outras leis e jurisprudências que balizaram o entendimento do julgador
eram anteriores à constituição e ao CC/2002, por conta da época dos fatos e da
distribuição da inicial, o que como se verá, o cunho interpretativo do julgador se
amolda perfeitamente à época da publicação do acórdão.
Ressalte-se que, o fato da referência legislativa ser o antigo
código civil, não prejudica a intenção da pesquisa em demonstrar qual é a
concepção da boa-fé na atualidade, sobretudo no que concerne a aplicabilidade das
teorias objetiva ou subjetiva, pois a situação de termos um julgamento em época
recente que teve de ponderar quanto à legislação e prática de outrora, configura um
substrato importante da pesquisa acerca do comportamento da boa-fé, sobretudo a
boa-fé objetiva neste caso, antes e depois da vigência do CC/2002, justamente por
haver neste julgamento o reconhecimento de direito que antes era implícito e que
atualmente encontra positivação no ordenamento jurídico.
Do corpo do acordão em inteiro teor, a primeira ponderação
que se faz a respeito da boa-fé é sobre a aquisição da posse do terreno. O trecho
referido discorre (fls 4):
É incontroverso que os recorridos adquiriram de boa-fé o terreno em disputa, nele construindo sua residência e que, nos autos da ação reivindicatória, celebraram transação, na qual assumiram o compromisso de desocupar o imóvel tão logo fossem indenizados pelas benfeitorias que edificaram. [grifo-se]
Aqui se está diante da clara menção a boa-fé subjetiva105, ou
seja, aquela que se pauta no elemento psíquico do agente ao adquirir a posse, e
esta restou configurada, e nem sequer foi contestada, visto que as partes
concordavam quanto à matéria de fato, ou seja, reconheceu-se que a posse havia
sido de boa-fé até então. Contudo o que se discutiria a partir daí era qual caráter
atribui-se a boa-fé após o reconhecimento do direito pela indenização das
105Ver, DUARTE; NORONHA; e Demais autores no item 2.2.
benfeitorias no período de posse (acordo entre as partes no juízo a quo), e se o
acordo para indenizar tais benfeitorias, trazia ao retentor alguma obrigação expressa
ou implícita.
Ao enfrentar o tema a Relatora enalteceu que a lei e a vontade
das partes, não são a única fonte de deveres e obrigações, pois não se pode olvidar
do princípio da boa-fé objetiva e da vedação ao enriquecimento sem causa. A
grande questão é que por ser o julgamento pautado no CC/1916, a Relatora não
dispunha de um dispositivo legal expresso que respaldasse a aplicação do que
chamou de “princípio da boa-fé objetiva”, para garantir o direito do recorrente em
receber aluguéis pela retenção que extrapolava os fins para o qual foi instituído,
sendo utilizada para usufruir da coisa.
Sendo assim a relatora se socorreu de jurisprudências
contemporâneas aos fatos em questão, para justificar a aplicação do princípio da
boa-fé objetiva neste caso em específico. Para isso trouxe à tona algumas
jurisprudências de casos em que o cônjuge afastado do lar tinha em juízo o seu
direito reconhecido de receber aluguel do outro consorte, co-proprietário, que se
fazia devido desde a citação.
Tal conclusão certamente exigiu maior esforço interpretativo da
magistrada para compor seu voto, pois apesar de convicta da justiça em conceder o
direito ao recorrente de receber aluguel pelo uso de sua propriedade retida, lhe
faltava dispositivo legal expresso para fundamentar sua decisão, contudo diante do
inescusável dever de decidir, imposto pelo art. 4º da LINDB106, a magistrada se
utilizou dos artifícios que o próprio dispositivo oferece para decidir em caso de
lacuna legal, neste caso princípios gerais de direito.
Faz-se oportuno estabelecer um paralelo agora, com a postura
que tomaria a magistrada para fundamentar seu voto, se a legislação de referência
fosse o CC/2002. O atual código civil conferiu à boa-fé objetiva a natureza de
cláusula geral de direito, positivada em diversos artigos do CC/2002, contudo a sua
106 Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm
preceituação mais ampla é a constante no art.422107 do referido diploma legal,
cláusula esta que por si só justificaria a outorga do direito ao requerente, por
configurar adequação ao pressuposto ético e basilar de probidade que influenciou
tanto o código civil de 2002108 e que o aproximou dos fundamentos da CRFB/88.
Em verdade, na conjuntura civilista atual, sobrariam
dispositivos expressos na legislação civil para fundamentar a decisão da magistrada
neste caso especificamente, como se depreende do art. 187 do CC/2002: “Também
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.” [grifo meu], pois deste artigo expresso consegue-se visualizar que há
subsunção da conduta do retentor da coisa em garantia pela indenização das
benfeitorias ao artigo citado, visto que configura excesso aos limites de seu direito
colher os frutos da coisa retida em proveito próprio, como visto na pesquisa por
ocasião do primeiro capítulo, em que restou claro após, os ensinamentos de Silvio
De Salvo Venosa109, que deve haver consentimento específico do proprietário para
que o possuidor colha os frutos, sob pena de indenização pela retirada dos mesmos
por se ter agido com ofensa a boa-fé objetiva, visto que o comportamento probo
esperado pelo proprietário do possuidor era que este não usurpasse os frutos,
acessórios de sua propriedade. Neste caso há tal caracterização por ser o aluguel
um fruto civil, como detalhado anteriormente ao passo que se reforçou a tese acima
de Venosa, com argumentação emprestada de Farias e Rosenvald. (ver sobre frutos
civis no Capitulo 1).
Sobre este prisma analítico da jurisprudência em questão
percebe-se que a boa-fé objetiva, já há muito tempo vem sido fundamento para lides
de direito civil, sendo invocada como princípio geral de direito, contudo agora, na
vigência do novo código civil, o julgador conta com tal instituto positivado no
ordenamento, que vincula as partes nas relações jurídicas, sob pena de agir na
ausência da boa-fé, portanto a boa-fé atualmente é instituto que conforme o caso
107 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. 108REALE, Miguel. Estudos preliminares do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 109VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. p. 107.
concreto pode ser enquadrado como princípio norteador das relações civis e até
mesmo como cláusula geral expressa na lei (art. 113 e 422 do CC/2002). Nesse
sentido Nelson Rosenvald110 pontua:
A cláusula geral da boa-fé é cogente e a sua abertura e mobilidade remetem o magistrado a um espectro amplo, pelo qual se poderá restringir a conceder o vetor hermenêutico ao caso, como também lhe será facultado estender a operação a ponto de integrar o negócio jurídico por deveres anexos (art. 422 do CC) ou limitar o exercício de direitos subjetivos (art. 187 do CC).
Então a partir do contexto apresentado, pode-se afirmar que
não só a doutrina, mas também os tribunais pátrios entendem que a boa-fé objetiva
tem cabimento como cláusula geral de direito, estando expressa no texto legal
vigente, e na jurisprudência analisada. Do ponto de vista atual que a boa-fé objetiva
ocupa no ordenamento, teríamos a manifestação da sua função integrativa, pois
compõe a própria manifestação de vontade do retentor, ou seja, a partir do momento
em que o retentor aceitou ocupar o imóvel já reconhecidamente de outro,
meramente com fim de retenção, assumiu o compromisso de indenizá-lo pelo
aluguel, pois do contrário, ter-se-ia enriquecimento sem causa e a ausência da boa-
fé111.
Contudo cabe aqui ressaltar que o julgamento desse RESP
acima, já partiu do pressuposto de que a posse durante o tempo todo anterior ao
ajuizamento da ação foi de boa-fé e nesse sentido a avaliação que se fez foi no
campo meramente da intenção do possuidor frente aquisição da posse, mais
precisamente o estado de consciência deste em relação a inexistência de vícios ao
adquirir a posse. Trata-se portanto da face subjetiva da boa-fé, ou seja, no que
tange à aquisição da posse foi utilizado o parâmetro clássico da boa-fé ante as
relações de posse, o que denota, a priori, que a positivação da boa-fé objetiva como
princípio geral do direito e em alguns casos como verdadeira cláusula geral não tem
o condão de afastar a análise subjetiva nos campos possessórios sobretudo pelo
110ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil. p.90 111Lembrando que a ausência de boa-fé não é o mesmo que má-fé, mas simplesmente a conduta antiética do indivíduo ímprobo frente o seu dever social, conforme já citado nesta tese.
que já se expôs no capítulo passado quanto ao tema inserido expressamente no art.
1.202 do CC/2002 “A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o
momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que
possui indevidamente.”, e também pode-se extrair da doutrina, a exemplo do que o
professor Orlando Gomes112 disserta a respeito para reforçar a tese:
É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito possuído. Para que alguém seja possuidor de um bem, preciso é que esteja convencido de que, possuindo-o, a ninguém prejudica. O direito pátrio concebe a boa-fé de modo negativo, como ignorância, não como convicção. Se tem consciência de que há obstáculo, ou seja, ou se sabe da existência do vício que impede a aquisição da coisa, e, não obstante, a adquire, torna-se possuidor de má-fé. É que a posse deve ser adquirida com fundamento numa relação positiva com o antigo possuidor, que traduz, intrinsecamente, ausência de lesão a direito de outrem. Numa palavra, a aquisição deve ter causa legítima, mesmo aparente, admitindo-se, porém, erro escusável. Na não posse de boa-fé, inexiste o vício subjetivo; na má-fé, ao contrário, o que caracteriza é exatamente o conhecimento do mesmo
vício subjetivo.
Enfim, do que já foi esmiuçado da jurisprudência, já é possível
vislumbrar que a boa-fé objetiva é encarada pela doutrina e pela jurisprudência
como um princípio e como uma cláusula geral, e que pode sim ser parâmetro para
auferir ou desnudar direitos decorrentes da posse, como ocorreu no caso em tela no
tocante a imposição ao retentor de indenizar o tempo que usufruiu do imóvel alheio,
como se aluguel houvesse sido instituído formalmente, pois a boa-fé objetiva exige
tal retribuição pelo uso da coisa neste caso, independente de acordo expresso e
prévio. Este foi o entendimento do STJ e que encontra respaldo na doutrina.
Tendo os apontamentos à jurisprudência já se adequado ao
que se pretendia nesta pesquisa, passa-se agora a questionar outro julgado que
levanta outros pontos de relevância acerca da boa-fé em matéria possessória.
112GOMES, Orlando. Direitos Reais. 14. Ed. Rio De Janeiro: Forense, 1999. P. 41
3.2.2 A Boa-fé (Subjetiva Ou Objetiva?), Posse e Não Posse:
Tratar-se-á agora de jurisprudência do STJ que aborda
especificamente o conteúdo do art. 1.196 do CC/2002:113 “Art. 1.196. Considera-se
possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos
poderes inerentes à propriedade”.
Além do conceito plasmado no artigo supracitado, tal julgado
permite explorar muitos outros temas periféricos às relações possessórias e a boa-
fé.
Pretende-se com análise deste julgado caminhar no sentido de
demonstrar, como se fez no julgado anterior, qual é o entendimento da jurisdição
nacional a respeito das hipóteses levantadas, mas com a clara intenção de focar na
especulação a respeito da possibilidade de se vislumbrar a objetivação da boa-fé no
campo possessório, inclusive levantando questionamentos sobre situações
hipotéticas análogas ao caso concreto da jurisprudência que se analisará a frente.
Sendo o artigo 1.196 do CC/2002 e sua interpretação pelos
magistrados, fundamento basilar do acórdão, faz-se mister retomar o que a doutrina
discorre a respeito desse dispositivo, mesmo antes de apresentar a ementa do
acórdão.
Da obra de Maria Helena Diniz114 extrai-se uma interpretação
da Teoria De Ihering, que foi adotada pelo CC/2002, como explica a autora:
Segundo Ihering, a posse é a exteriorização ou visibilidade do domínio, ou seja, a relação exterior intencional existente normalmente entre pessoa e coisa, tendo em vista a função econômica desta. O Importante é o uso econômico ou destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz de reconhecer a
posse pela forma econômica de sua relação exterior com a pessoa.
Assim, então, entende Diniz, ao passo que Silvio de Salvo
Venosa115 se manifesta em diversas oportunidades a respeito do tema, sendo que
113Código Civil De 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. 114DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 751. 115VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos reais. V. 5. p. 36-40.
ora se restringe ao que também enuncia Diniz, conforme citação imediatamente
acima, ora ele delimita o campo possessório restringindo-o, e até mesmo
subornando-o à pretensão de proprietário:
De qualquer ponto que se decole para compreender a posse, devem ser caracterizados os dois elementos integrantes do conceito: o corpus e o animus. O corpus é a relação material do homem com a
coisa, ou a exterioridade da propriedade (...) caracterizador da aparência e da proteção possessória. Nessa ligação material, sobreleva-se a função econômica da coisa para servir a pessoa. Como corolário, afirma-se que não podem ser objeto de posse os
bens não passíveis de ser apropriados.
A despeito de Venosa, concentrar-se mais na aparência de
proprietário, seu entendimento converge ao de Diniz acerca da função econômica. A
única ressalva que se faz é a respeito da possibilidade de se adquirir a propriedade,
o que de certa forma parece um pouco reducionista, visto que a posse pode ser
exercida com consequências jurídicas mesmo quando não aptas a conduzir à
usucapião, como já estudado no capítulo inicial, em que oportunamente se
diferenciou ius possidendi e ius possessionis. 116
Muitos outros autores117 além dos já citados no capítulo inicial
já posicionaram quanto ao conceito de posse e sua positivação no CC/2002, e
reafirmam a posição do legislador em consagrar a teoria objetiva de Ihering.
Feitas essas observações preliminares quanto ao estudo de
mais uma jurisprudência, passa-se agora a apresentá-la e em seguida pontuar o
entendimento do tribunal quanto aos pontos que interessam para responder as
hipóteses.
RECURSO ESPECIAL Nº 945.055 - DF (2007/0092986-1) RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE: COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA TERRACAP ADVOGADA: THAIS DE ANDRADE MOREIRA E OUTRO(S)
116IMHOF, Cristiano. Código civil: interpretado anotado artigo por artigo. p. 1.098
117Nesse sentido: BEZERRA, Marco Aurelio. Novo Código Civil Anotado. v. 5., Lumem Juris; JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Comentado. 4 ed. Revista Dos Tribunais, p. 704; RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas: v.5. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.269.
RECORRIDO: MARIA FILOMENA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS E OUTRO ADVOGADO: NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS - DEFENSORA PÚBLICA E OUTROS RECORRIDO: JOSMELINDO PEREIRA BARROS ADVOGADO: SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS EMENTA
ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA POR PARTICULARES. CONSTRUÇÃO. BENFEITORIAS. INDENIZAÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. 1. Hipótese em que o Tribunal de Justiça reconheceu que a área ocupada pelos recorridos é pública e não comporta posse, mas apenas mera detenção. No entanto, o acórdão equiparou o detentor a possuidor de boa-fé, para fins de indenização pelas benfeitorias. 2. O legislador brasileiro, ao adotar a Teoria Objetiva de Ihering, definiu a posse como o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade (art.1.196 do CC). 3. O art. 1.219 do CC reconheceu o direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, no caso do possuidor de boa-fé, além do direito de retenção. O correlato direito à indenização pelas construções é previsto no art.1.255 do CC. 4. O particular jamais exerce poderes de propriedade (art.1.196 do CC) sobre imóvel público, impassível de usucapião (art. 183, § 3º, da CF). Não poderá, portanto, ser considerado possuidor dessas áreas, senão mero detentor. 5. Essa impossibilidade, por si só, afasta a viabilidade de indenização por acessões ou benfeitorias, pois não prescindem da posse de boa-fé (arts. 1.219 e 1.255 do CC). Precedentes do STJ. 6. Os demais institutos civilistas que regem a matéria ratificam sua inaplicabilidade aos imóveis públicos. 7. A indenização por benfeitorias prevista no art. 1.219 do CC implica direito à retenção do imóvel, até que o valor seja pago pelo proprietário. Inadmissível que um particular retenha imóvel público, sob qualquer fundamento, pois seria reconhecer, por via transversa, a posse privada do bem coletivo, o que está em desarmonia com o Princípio da Indisponibilidade do Patrimônio Público. 8. O art. 1.255 do CC, que prevê a indenização por construções, dispõe, em seu parágrafo único, que o possuidor poderá adquirir a propriedade do imóvel se "a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno". O dispositivo deixa cristalina a inaplicabilidade do instituto aos bens da coletividade, já que o Direito Público não se coaduna com prerrogativas de aquisição por particulares, exceto quando atendidos os requisitos legais (desafetação, licitação etc.). 9. Finalmente, a indenização por benfeitorias ou acessões, ainda que fosse admitida no caso de áreas públicas, pressupõe vantagem, advinda dessas intervenções, para o proprietário (no caso, o Distrito Federal). Não é o que ocorre em caso de ocupação de áreas públicas. 10. Como regra, esses imóveis são construídos ao arrepio da legislação ambiental e urbanística, o que impõe ao Poder Público o dever de demolição ou, no mínimo, regularização. Seria incoerente impor à Administração a obrigação de indenizar por imóveis
irregularmente construídos que, além de não terem utilidade para o Poder Público, ensejarão dispêndio de recursos do Erário para sua demolição. 11. Entender de modo diverso é atribuir à detenção efeitos próprios da posse, o que enfraquece a dominialidade pública, destrói as premissas básicas do Princípio da Boa-Fé Objetiva, estimula
invasões e construções ilegais e legitima, com a garantia de indenização, a apropriação privada do espaço público. 12. Recurso Especial provido. [grifou-se]
O acórdão em questão, veio a reformar acordão do Tribunal a
quo, que como visto no item 1 da ementa, equiparou detentor a possuidor de boa-fé
para fins de benfeitorias. O que moveu o Tribunal de Justiça no tocante a
fundamentação, foi a tolerância do poder público ante a ocupação combinada com a
vedação ao enriquecimento sem causa por parte do poder público, pois retomaria a
área com todas as benfeitorias feitas, dentre elas casas para moradia, plantações,
etc. Percebe-se, portanto um esforço do Tribunal a quo em se coadunar com os
princípios constitucionais, além do já citado inibidor do enriquecimento sem causa,
também reconhecendo a função social e econômica que se deu ao terreno durante o
período da ocupação.
Contudo, o que importa para esta tese é o motivo pelo qual o
STJ reformou o acórdão e como a visão da aplicabilidade da teoria da boa-fé
objetiva influenciou no voto do relator e dos demais ministros. Porém, se mencionará
brevemente também os motivos que não estão intimamente ligados a boa-fé
objetiva, mas que ajudaram a fundamentar o voto, pois importa contextualizar o
acórdão, até mesmo para não emitir parecer leviano.
Quanto à estas questões periféricas, as quais mencionou-se
acima, tem-se em contraposição à intenção do acórdão a quo de reconhecer a
função social dada ao terreno pelos ocupantes, o Relator vislumbrou que reconhecer
direitos a indenização por benfeitorias aos ocupantes do imóvel que é público, seria
“reconhecer a posse privada do bem coletivo, o que não se coaduna com os
Princípios da Indisponibilidade do Patrimônio Público e da Supremacia do Interesse
Público.” Este argumento, embora pese na decisão do julgador, guarda muito mais
relação com o direito administrativo, e o Direito constitucional, sobretudo no que
tange a validade de ponderar princípios, e se pode ou não ponderá-los em confronto
com regras, etc. ou seja, matéria para outra pesquisa. A intenção é focar no
reconhecimento ou não da posse, e na teoria da boa-fé adotada.
Contudo aqui neste ponto, como fundamento para justificar se
estaria reconhecendo o benefício privado de bem coletivo, o relator cita
expressamente alguns artigos do CC/2002, os quais são consoantes aos efeitos da
posse abordados no primeiro capítulo, quais sejam: 1.219 que preconiza que ao se
conceder direto a indenização por benfeitorias, implica direito à retenção do imóvel
até que o valor seja pago pelo proprietário; e também o artigo correlato 1.255 que
prevê a possibilidade de aquisição do terreno ocupado se as benfeitorias excederem
consideravelmente o valor do imóvel.118 Aqui a intenção clara do relator é demonstrar
que se os dispositivos lavam a crer que conceder o direito de indenizações por
benfeitorias significa pôr em risco a propriedade do bem, e nesse sentido, tal
argumento chega a beirar a negativa de que diferença entre os conceitos de ius
possidend e ius possessiones, como visto neste estudo119. Inclusive o relator diz
expressamente que o fato de não haver requisito para usucapião implica
necessariamente em descaracterização de posse (item 4. Da ementa).
No que tange à possibilidade do reconhecimento ou não da
posse, pelos ocupantes, o relator se apegou ao fato de ter o CC/2002 ter adotado a
teoria objetiva de Ihering, denotada pelo art. 1.196 deste código, exatamente nos
moldes já debatidos e ilustrados com a doutrina no capítulo primeiro, bem como
quando da oportunidade de apreciação da primeira jurisprudência relacionada
acima. O relator frisou o caráter de indissociabilidade da posse com a manifestação
de alguma faculdade do proprietário, aludindo exclusivamente à Ihering, no que
tange à teoria da posse.
Em suma, o acórdão julga procedente o RESP, com base em
alguns argumentos: a) Efeitos da posse não se estendem às detenções; b)
segurança jurídica, no sentido de não incentivar invasões de áreas públicas; c)
indisponibilidade dos bens públicos e Supremacia do interesse Público; d)
Inexistência de valor agregado ao terreno para que se impute dever de indenizar,
118Quanto ao entendimento aludido dos art. 1.219 e 1255, ver: item 1.3.5 Das Benfeitorias e do Direito de Retenção. 119À esse respeito ver: 1.3.3.1 Ius Possidendi e Ius Possessionis.
visto que a benfeitoria implica em ônus para o erário que terá de proceder a
demolição ou regularização, o que se coaduna com a doutrina de Tito Fulgêncio120
“o juiz da necessidade ou utilidade é o proprietário”. ; e) impossibilidade de
reconhecer direito aos ocupantes para por via indireta realizar políticas públicas de
habitação, sob pena de ofender o princípio da separação dos poderes, base do
Estado Democrático de Direito, já políticas públicas não cabem ao judiciário; f) e por
fim, a preservação do princípio e cláusula geral da Boa-fé Objetiva, sendo este
último fundamento o que mais interessa para a tese, e o que será dissecado a
seguir.
No tocante ao que o relator mencionou sobre o fato de
reconhecer o direito de indenização por benfeitorias e/ou retenção, são os dizeres
do relator: “destrói as premissas básicas do Princípio da Boa-Fé Objetiva”. Tem-se
indiscutível apreciação da face objetiva da boa-fé em matéria de posse, ou no caso
em questão, de “não posse”.
Ora bem, sabe-se que não se está a falar da intenção dos
ocupantes no momento da ocupação ou em todo o período em que realizaram as
benfeitorias, portanto sequer chegou o acórdão a discutir se os invasores sabiam ou
não ser a terra pública. Tal informação é relevante, pois no contexto fático o estado
psicológico do invasor não varia em relação e de qualquer adquirente de posse em
outra situação onde a mesma fosse passível de reconhecimento, logo, a
determinação do que é posse ou deixa ser posse para configurar mera detenção
está unicamente ao encargo da lei e seus critérios objetivos, consoante à teoria de
Ihering, onde tudo é posse cabendo a lei excetuar um estado de aparência para
colocá-lo no campo da mera detenção. Ou seja, nas situações de posse
configurada, cabe à análise subjetiva da boa-fé para saber se ela está ou não
presente à uma situação de posse. Contudo quando se trata de excluir as situações
em que há mera detenção, pouco importa se o ocupante desconhece o vício, pois a
análise que se faz da boa-fé é a objetiva, quer dizer, imputa-se ao sujeito o dever de
diligência tal que independente da ciência do vício, ele responde pela ignorância não
120FULGÊNCIO, Tito. Da Posse e Das Ações Possessórias. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 158.
tendo direito ao reconhecimento da posse. Desta feita pelo menos por via indireta,
ou seja, para determinar quando não há posse, já resta comprovado que a boa-fé
objetiva cumpre o papel autônomo, até mesmo dispensando a verificação da má-fé,
em detrimento da comprovada falta de boa-fé imposta pela lei, pois como restou
compreendido do estudo até aqui – ma-fé e ausência de boa-fé – são conceitos
atinentes à diferença básica entre boa-fé subjetiva e objetiva, respectivamente,
como bem observou Nelson Rosenvald121, oportunamente citado antes.
Então, pelo exposto, tem-se que o princípio da boa-fé objetiva,
tem o condão de determinar direitos em matérias de posse, porém por via indireta,
visto que até agora só restou provado que servirá apenas para negá-los em razão
da descaracterização da posse em si mesma. Essa pelo menos é a visão do STJ,
fortemente adepto à Teoria objetiva de Ihering.
O que se questiona agora é se, pela dialética entre, a teoria da
aparência e do homem médio, ambas levantadas por Silvio S. Venosa, e já expostas
nesta tese, e uma situação concreta levada a juízo poderia, de forma hipotética,
seria possível o tribunal reconhecer a aplicação da teoria objetiva da boa-fé em um
caso onde não haja configurada a mera detenção. A seguir especula-se sobre essa
possibilidade.
Antes de se ponderar a respeito, registre-se um reforço
doutrinário à teoria do homem médio, avençada também por Bruno Lewick122:
Investigação eivada de dificuldades e incertezas, faz-se necessária a consideração de um patamar geral de atuação, atribuível ao homem médio, que pode ser resumido no seguinte questionamento: de que maneira agiria o bonus pater familiae, ao deparar-se com a situação
em apreço? Quais seriam suas expectativas e suas atitudes, tendo em vista a valoração jurídica, histórica e cultural do seu tempo e de
sua comunidade.
Por ocasião da inclusão acima em sua obra os autores que à
citaram à ratificam com os dizeres “É preciso além do estado de ânimo positivo, que
121Nelson Rosenvald. Op. Cit. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil. Op. Cit. P.80. 122Apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PANPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.382.
as partes se comportem segundo um padrão ético objetivo de confiança recíproca,
atuando segundo o que se espera de cada um, em respeito a deveres implícitos”
Retomado aquilo que já havia se levantado sobre a teoria do
homem médio em um contexto conexo ao que já se expôs sobre a boa-fé objetiva,
passa-se agora a especular a seguinte proposição: Supondo-se que no acórdão
referente ao RESP 945.055, exposto anteriormente, não envolvesse direito
administrativo por conta da presença de ente público, mas se tratasse de questão
estritamente do campo do direito civil. Exemplificando: A terra ocupada fosse
particular, para implementação de empreendimento igualmente particular, para
recreação, moradia, ou qualquer coisa que o valha, e que ainda o ocupante, seja um
advogado atuante na área civil de um grande centro urbano.
Pois bem, ao lembrar o que a doutrina preconiza a respeito do
estado de aparência no mundo jurídico, especialmente no que tange a posse,
conforme se consubstancia-se do tratamento dado ao tema no item 1.1 desta tese, e
agregando-se o que em linhas atrás relembrou-se a respeito da teoria do homem
médio, bem como a recente demonstração do acolhimento da boa-fé objetiva como
norte interpretativo do Direito civil – tanto como princípio quanto como cláusula geral
– pode-se concluir que os frutos civis eventualmente colhidos pelo adquirente da
posse no exemplo proposto, bem, bem como a própria caracterização da boa-fé
diante da aquisição da posse, restariam prejudicadas, a despeito do estado
psicológico do adquirente da posse nesse caso, pois é inimaginável que um homem
urbano, formado em direito, possa se eximir do mínimo diligencial antes de se
apossar-se de um terreno, imputando ao proprietário ou qualquer outro lesado, a
obrigação de demonstrar se ele conhecia ou não o vício da posse, para só então
configurar-se a sua má-fé no interesse de despir-lhe de quaisquer direito aos efeitos
da posse.
Se não fosse presumida a ausência de boa-fé desde o início da
posse pelo tribunal julgador neste caso hipotético, seria como bem observou Nelson
Rosenvald123 “um prêmio para os desidiosos e lenientes, e uma punição para os
123ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: Reais. p.15.
diligentes e cuidadosos, que seriam sancionados por perceber aquilo que todo
cidadão comum podia facilmente atinar”, está consequência certamente não se
coaduna com a matriz de eticidade, socialidade e operabilidade que segundo Miguel
Reale são a base principiológica do CC/2002, pois tais princípios o permeiam em
múltiplos dispositivos que o definem e o adequam à CRFB/88.124 Logo, Bastaria o
vício para que o adquirente neste caso fosse privado dos direitos pretendidos com a
posse visto que lhe faltou, desde o início, a boa-fé, no caso objetivamente.
Pelo exposto e pelas conjecturas feitas em confronto da
jurisprudência do STJ com a doutrina atual, passa-se as considerações finais da
pesquisa, onde se pretende ressaltar quais e até que ponto se pôde confirmar ou
refutar as hipóteses levantadas.
124Por capricho didático, ver: GAGLIANO, Pablo Stolze; PANPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. p.95-96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o longo caminho basilar percorrido, para se delimitar
conceitos operacionais que sustentariam qualquer tese advinda como resultado da
pesquisa, muitos temas periféricos acabam sendo abordados apenas na medida em
que tem cabimento para dirimir as dúvidas do pesquisador em função da proposta
empreendida.
Nesse ínterim, muitos assuntos surgem, mas são colocados de
lado, a despeito de sua relevância jurídica, apenas por não serem convenientes para
o estudioso naquele momento. Então o entendimento que se tem é que nessas
considerações tais assunto que despertam o interesse acadêmico devem ser
registrados para que não se resumam em mera curiosidade inócua, mas sim sirva de
fonte de ideias para novas produções acadêmicas. Sendo assim, ponderar-se-á
também sobre tais ideias antes de concluir sobre as hipóteses, para garantir o
registro das mesmas em algum lugar a mais que na memória do pesquisador, onde
as ideias não são úteis a ninguém.
O primeiro ponto que pode ensejar apontamentos próprios de
outra tese monográfica, é que a tensão que existe entre as teorias clássicas da
posse, leia-se: as de Ihering e de Savigny, não encontram em todos os
ordenamentos a mesma síntese, pois se no brasil o direito civil encampou a teoria
de Ihering, em outros Estados é a matriz doutrinária de savigny que predomina,
nesse sentido a mera busca da resposta pela pergunta: “as consequências que
temos aqui seriam diferentes se o brasil adota-se a teoria de Savigny? Quantos
artigos do código civil sofreriam com o fenômeno da mutação? Algum seria
tacitamente revogado?” Tais questionamentos poderiam ser respondidos pelo direito
comparado, caminho empírico e mais fácil, contudo não o único, ou seja, em uma
dialética como esta que já perdura a tantos anos nos ordenamentos jurídicos por
esse mundo afora, certamente tem-se campo fértil para pesquisas não repetitivas,
pois daí novas teorias muito mais afeitas à realidade de agora e não à dos referidos
autores devem despontar, talvez mais aptas a responder as demandas que inovam
o judiciário.
Ressalte-se também que a abordagem de usucapião, foi breve
não à toa, pois o que se tem é uma infinidade de teses acadêmicas que se reportam
ao instituto, razão pela qual não foi aprofundado, além do fato de não contribuir tanto
para o objeto. Contudo esse assunto leva a outro que talvez interesse para futuro
diálogo catedrático, qual seja, a questão levantada em uma das jurisprudências
sobre a possibilidade de se adquirir a propriedade como consequência de realização
de benfeitoria ou acessão de forma a superar em muito o valor da coisa. Trata-se de
um modo pouco discutido de aquisição da propriedade, pelo menos no meio
acadêmico hodierno, e portanto campo a ser explorado.
Observação interessante também se faz da questão levantada
acerca da natureza jurídica do direito de retenção, pois na conclusão da doutrina
citada, seria um direito obrigacional sui generis, já que decorre da lei, e portanto tem
oponibilidade erga omnes. Sobre essa informação o que conclui-se, em comparativo
com a compreensão do resto da tese, é que trata-se de regra que se coaduna com a
matriz ética inerente à atual codificação civil.
No que tange ao estudo da boa-fé propriamente dita, o que se
enfatiza como grande ganho para os próximos estudos, é a contextualização deste
instituto na contemporaneidade. Foi a partir do estudo comparado entre o
entendimento da doutrina e dos tribunais no século passado, e sua transição para o
atual diploma legal (CC/2002), em que oportunamente recorreu-se aos relatos sobre
a influência de Miguel Reale neste diploma, bem como utilizando-se dos diversos
apontamentos sobre a consonância da boa-fé, especificamente a objetiva, com os
preceitos fundamentais da CRFB/88, que se pode perceber o acendimento do que
antes cogitava-se ser o princípio da boa-fé objetiva, levando-o ao patamar de
princípio consagrado, tanto de forma expressa em diversos dispositivos destacados
ao longo da tese (art. 113, 118, 422, etc. do CC/2002), como de forma não expressa,
mas igualmente escancarada, na exposição de motivos do código civil, que
preconiza a eticidade como valor fundante, logo conclui-se pela inegável exigência
de boa-fé objetiva em qualquer conduta com relevância jurídica.
Além de ratificar por ocasião da conclusão da pesquisa o que
se expôs sobre a eticidade acima, cabe ainda acrescentar que a boa-fé como
cláusula geral deve ser também, na conjuntura construída, um instrumento
interpretativo que se harmoniza com os preceitos de operabilidade do direito civil
moderno.
Outras teses que merecem destaque são: a teoria da aparência
e a teoria do homem médio de Venosa. A primeira que genericamente admite que
uma série de situações de direito na vida cotidiana devem ser presumidas pela
“aparência”, pois do contrário a vida em sociedade seria inviável, dada a
interatividade da vida diária (presume-se que o taxista é habilitado, etc.), o que
denota um imperatividade de se pautar na boa-fé objetiva para conviver. A segunda
diz respeito a julgar as atitudes de alguém segundo os parâmetros do homem
médio, ou como Pablo S. Gagliano chamou de “bonus pater familiae”, ou seja, o
dever de todos agirem conforme o padrão ético esperado em cada contexto.
Há necessidade de ter-se feito menção às duas teorias acima,
porque elas são substrato da busca de confirmação das hipóteses avençadas, claro
que não de maneira autônoma, mas como mais um item a ser debatido no confronto
com os casos práticos, bem como qualquer outro hipotético a ser questionado, da
maneira como se fez na pesquisa.
A validade de não se ter meramente demonstrado o que é
pacífico na doutrina, bem como no STJ, repousa na constante mutabilidade social,
que bombardeia os tribunais nacionais com questões que não encontram na lei uma
previsão hermética, e portanto delegam ao operador do direito, sobretudo os
Magistrados, a função de “legislar” pelo menos no âmbito Inter partes. O que nos
leva a elencar mais um tema efervescendo no âmbito jurídico atual, qual seja, o
ativismo judicial, ou a judicialização de direitos. No tocante a este tema não só seria
oportuno explorar o tema do ponto de vista das semelhanças e diferenças entre os
temas, como também, da validade de tais práticas frente ao Estado Democrático de
Direito, separação dos poderes e etc. Enfim apenas registre-se tais considerações
para efeito de despertar interesse em outras buscas cognitivas e evolutivas do
direito.
Contudo, para a tese em questão o que tem relação entre os
temas elencados no parágrafo anterior, é como os juristas tem encarado a boa-fé
objetiva nesse contexto de ativismo e/ou judicialização supracitado? Qual a função
hermenêutica exercida pela boa-fé objetiva? As análises das jurisprudências a partir
do ponto de vista crítico das doutrinas, ao passo que são didáticas pela necessidade
de fundamentação coerente por parte dos magistrados, ajudam na compilação do
estudo, ora empreendido, pois facilitam para o pesquisador amoldar o conteúdo aos
casos concretos da vida, bem como realizar análises hipotéticas análogas aos casos
sob júdice, facilitando a conclusão em cada hipótese, no intuito de confirmá-las ou
refutá-las.
Enfim, no que tange a hipótese 1: “A posição da boa-fé no
direito brasileiro mantém-se a mesma desde o Código Civil de 1916, onde é
positivada como parâmetro subjetivo das relações jurídicas, sendo a sua face
objetiva meramente doutrinária de aplicação subsidiária e não como regra
vinculante.”
Trata-se de hipótese não confirmada. Do estudo
contextualizado da primeira jurisprudência analisada, já se percebe que aquilo que já
havia sido dissertado a partir da doutrina (capitulo 2), também era reconhecido pela
jurisprudência pátria desde antes da promulgação do código civil atual, ou seja, a
conduta proba do agente perante o exercício de um direito é um dever que se não
observado lhe tolhe direitos, seja pela omissão ou pelo excesso.
A demonstração disso veio do voto da relatora, Ministra Nancy
Andrigui, pois a relatora julgou o caso tendo por base a legislação antiga, ou seja, o
CC/1916, bem como seu parâmetro jurisprudencial foi o da mesma época. Nesse
contexto ela faz alusão ao entendimento doutrinário com respeito a boa-fé objetiva e
à vedação ao enriquecimento sem causa, pois à época ainda não estava positivada
a boa-fé objetiva no código civil, e ainda ressalta jurisprudência em que ao se afastar
um cônjuge do lar o privando de habitá-lo, os magistrados outorgavam aluguel a ser
pago pelo cônjuge residente, pois pelo princípio da boa-fé objetiva é o mínimo ético
por usufruir sozinho imóvel que era de ambos. A partir daí a magistrada vota no seu
turno no sentido de conceder direito ao proprietário de receber alugueis do retentor
de seu imóvel a título de indenização por benfeitorias, a despeito da posse ser de
boa-fé no âmago subjetivista, pois mesmo não havendo aluguel expressa ou
tacitamente acordado, utilizar-se de imóvel alheio sem indenizar o proprietário por
isso, fere sim o dever de boa-fé objetiva.
Tal entendimento, que exigiu da Ministra Nancy certo esforço
hermenêutico, colmatando a jurisprudência e a doutrina da época, atualmente
encontra respaldo nas premissas positivadas no CC/2002, que tornam a boa-fé
objetiva, um princípio, e uma cláusula geral do direito, e portanto vinculante do
ordenamento jurídico, portanto repita-se aqui: Hipotese 1 refutada.
Acerca da Hipótese 2: “A boa-fé objetiva, apesar de já
positivada na ordem jurídica atual, não substitui por completo a visão subjetivista,
sendo assim o direito abarca os dois conceitos, cada qual com previsão própria de
aplicabilidade”.
Essa hipótese restou confirmada. Como ficou largamente
demonstrado pela doutrina elencada, que apontou o artigo 1.196 do CC/2002, como
um baluarte da boa-fé subjetiva em matéria de posse, garantindo ser esta a regra
para determinar-se vício de boa-fé na aquisição da posse, Nesse sentido, como
observou Nelson Rosenvald, parece que o legislador se portou conservadoramente
para com a posse em confronto com a boa-fé subjetiva, mantendo-a como regra.
Tanto é desta forma que no acórdão analisado à luz da legislação civil atual, fica
claro que a ausência de vicio psicológico, reconhecida pelas partes faz presumir a
boa-fé. Portanto a hipótese 2 está confirmada por ter respaldo na doutrina na
jurisprudência, e na lei, que garantem a manutenção da boa-fé subjetiva no
ordenamento civil brasileiro, a despeito da força que ganhou a boa-fé objetiva.
No que diz respeito à Hipótese 3: “Para os tribunais pátrios o
dever de diligência exigido do homem comum no que tange à eticidade frente os
negócios jurídicos e demais relações juridicamente relevantes, ou seja precaução
para não incorrer em vícios na pretensão de um direito, atualmente pode ser
encarado como uma imposição tal que objetive a boa-fé, mesmo em matéria
possessória.”
Tal hipótese nº 3 encontra-se parcialmente confirmada.
Pois como se verificou do acórdão exposto que tratou da ocupação de terras
públicas por particulares, a ofensa à boa-fé objetiva foi escancaradamente alegada
no sentido de negar qualquer direito aos ocupantes. Isso se deu pelo fato de que
terras públicas não são passíveis de posse, então qualquer ocupação é mera
detenção, independente do estado de consciência do ocupante, ou seja, a boa-fé
subjetiva não tem a menor relevância jurídica, cabendo unicamente à ausência da
boa-fé, que é estado antagônico da boa-fé objetiva, jogar os ocupantes na zona da
mera detenção que não lhes outorga qualquer dos poderes inerentes à posse, em
virtude da precariedade absoluta. Enfim a hipótese 3 está parcialmente
confirmada, pois pode ser vislumbrada no campo possessório, porém apenas de
maneira negativa, visto que serve para determinar a “não posse”, pois pleitear
direitos próprios de possuidor quando a situação enseja mera situação de detenção,
viola a cláusula geral de boa-fé objetiva, consoante ao artigo 422 do CC/2002.
Ademais, chegou-se a se especular a respeito de situação em
que seria negado o reconhecimento de boa-fé a um indivíduo exemplo de “bonus
pater familiae” porque as circunstâncias da aquisição da posse exigiam dele, homem
médio, e probo, que fosse diligente a ponto se evitar a aquisição de posse eivada de
vício, sob pena de se presumir a ausência de boa-fé. Sob o prisma reducionista da
teoria do homem médio, proclamada por Venosa e Gagliano, seria possível objetivar
a boa-fé em matéria de posse nesse caso hipotético e genérico. Contudo mantém-se
aqui a posição de que tal afirmação não pode ser confirmada, sob pena de estarmos
negligenciando o direito enquanto ciência, afinal, o objeto não está bem definido, já
que em uma sociedade plural, globalizada, e miscigenada como a que vivemos não
é tarefa fácil determinar o que vem a ser um “homem comum”, “medíocre”, ademais
mesmo que fosse fácil, ainda assim se estaria falando de conceito subjetivo, já que o
parâmetro seria o ideal de um “homo sapiens”, idealizado, e por isso de conceito
aberto e propenso a desvio padrão alto demais para se assegurar o resultado de
uma pesquisa, ou seja, o homem médio para o julgador “x” pode estar “abaixo da
média” para o julgador “y”. Desta feita entende-se pela impossibilidade de
confirmação total desta derradeira hipótese, neste contexto.
Porém, entende-se que se houver empenho no sentido de
alargar a especulação a respeito desta última hipótese, pode-se chegar a um
resultado satisfatório. Existe um entrave nesta pesquisa, porque a resposta para o
dilema exige outros campos de atuação, que não só o do direito civil. Deve haver
pesquisa no campo da sociologia, antropologia, filosofia, além de ramos específicos
do direito, etc. ou seja, assunto para outra tese. Por isso fica o registro de que só foi
possível confirmar parcialmente a 3º hipótese, por ocasião da caracterização “da não
posse”, onde mesmo que todos os requisitos de boa-fé subjetiva para a aquisição da
posse estejam presentes, ou seja, desconhecimento do vício, e ainda que a sua
ignorância fosse tamanha a ponto de ignorar um vício óbvio para um homem
medíocre, ainda assim ele seria privado da posse porque, segundo o entendimento
do STJ, a ocupação de coisa impassível de apropriação é mera detenção.
Avaliado o conteúdo das hipóteses cabe só mais uma ressalva
em relação a um entendimento do STJ. Na fundamentação do voto do segundo
acórdão do STJ apreciado na pesquisa, o relator Herman Benjamim faz a
correlação, aqui parafraseada: “Se um imóvel não pode ser usucapido, não se pode
reconhecer o direito à retenção, ou indenização por benfeitorias, sob pena de se
violar o direito de propriedade. ” Contudo entende-se que tal afirmação é
demasiadamente simplista, e acaba por mitigar a classificação entre ius possidendi e
ius possessionis, que levam ao interprete admitir posse e efeitos da posse, que
configuram direitos mesmo quando a posse não é passível de conduzir à aquisição
da propriedade, sendo esta a última observação que se faz para fins de proposta a
futura pesquisa.
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