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Tadeu Sarmento
Breves FraturasPortteis
2005
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Certa manh, s oito horas, um jovem estava diante da porta de uma casa isolada e de bela
aparncia. Chovia. Para mim, pensou o rapaz ali postado, uase um mila!re ter
nas mos um !uarda"chuva.
Walser, Robert. O Ajudante. 1aed. So Paulo: Editora ARX.
#eus l$bios diziam todo o dicion$rio, meus dedos todos tentando toc$"lo. #as nada era
tocado por mim, ento eu dormia, no linho dos len%&is ue no sabia diz"los. 'em saber,
eu era poeta. ( desenhava ep)!ra*es.
Brando, Frank. Caderno de esa!onta"entos. #n$dito.
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Este livro fruto de um caso de amor mais intenso do que o
medo da morte, do que o apeo pela vida ou qualquer outra
situa!"o e#trema que voc$ possa imainar% & tam'm
resultado de uma possess"o semel(ante )quela de *
E#orcista, o livro de +illiam Peter Blatt filmado por +illiam
Fried-in, mas n"o me refiro aqui ao (orror enquanto $nero,
pois este n"o um livro para espantar ninum .em'ora o
t/tulo talve suira isto1% qui o dem3nio tomou sua forma
mais oriinal, a forma de ver'o, de palavra, e a referida
possess"o tomou conta da alma e do corpo de Tadeu
Sarmento, e n"o o de 4inda Blair% Porm o esp/rito de Tadeu
Sarmento foi possu/do pelo dia'o da literatura, um tipo de
satans imune a e#orcismos% Sei que essa situa!"o temerria
deveria ser comum, dever/amos estar (a'ituados a ver ovens
escritores tomados pela literatura, mas n"o, o que n"o falta
(oe em dia s"o novos escritores pu'licando, escrevendo em
'los, editando revistas, indo a festas literrias, mas lendo,
a(, ver novos escritores lendo n"o l muito comum% o
menos n"o como Tadeu Sarmento, que n"o pode ver lin(a
a'ai#o de lin(a que sai lendo, o'cecado, tomado pela
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literatura, o'sessivo, 'uscando o fio de sua meada pessoal,
atrs do al(o perfeito que possa a'ri6lo na rvore
eneal7ica de sua fam/lia literria ideal% E um escritor que se
prea que n"o est incorporado por esse deseo ledor n"o
pode construir te#to que se pree% 8m escritor que n"o l$
um saco vaio que n"o para em p% E surem evid$ncias
desse lastro literrio em cada um dos contos de Breves
Fraturas Portteis, em cada frase tortuosa, em cada imaem
inusitada deste livro% Tadeu Sarmento dei#a pistas de seus
antecessores presentes no estran(o mtodo potico de
composi!"o usado na constru!"o de suas narrativas, e ent"o
eis que surem, entremeadas aos t/tulos, as m"os de 9uan
:arlos *netti e 9uan ;ulfo nos acenando, e poss/vel ver
deenas, centenas de m"os de outros escritores nos dando
adeus, e podemos recon(ecer na soma desses acenos uma
nova composi!"o que sure, a can!"o oriinal e de ue seu aceno nunca aca'e,
que sua possess"o perdure% >ue sua pai#"o nos inspire? @
9oca ;einers Terron%
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SA%&'E
av& no pede e/plica%0es a nin!um. ela uem senta ao centro da mesa, uem serve os
pratos, escolhe os talheres, a cor da toalha. v&s no precisam de e/plica%o, so como
satlites, !erminam e dan%am no ar da noite onde apenas caminhamos. v&s j$ assistiram
ao menos a duas !uerras, a v$rias mortes, v$rios nascimentos, colecionam calend$rios. 2
esposo das av&s !eralmente j$ est$ morto, morto de c3ncer, morto na !uerra, morto de
v)cio. 2s homens morrem antes e so tristes. 4eles, h$ apenas medalhas para lembr$"los
!uardadas dentro da !aveta. 4e honra ao mrito, de e/)mio pai respons$vel, de cidado. (
as av&s *icam bem, um pouco melanc&licas, um pouco entediadas, um pouco loucas,
conversam com plantas e recebem pens0es. 5razem entre os dedos an!ulosos ter%os a
serem rezados e uma cruz de madeira na parede do uarto. Conversam consi!o sozinhas,
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masti!am silncios, e !ostam de caminhar. 7aro uererem outro esposo, pre*erem cuidar
dos *ilhos, re!ar canteiros, alimentar passarinhos, e acham ue o ne!ro lhes veste bem. 8o
!ostam de m9sica, mas enuanto cozinham assistem atentas a 5:s com o som desli!ado. (
cozinham bem. ( en/otam da cozinha netos curiosos e baratas distra)das. 5odos a
vassouradas. v&s so macias e no tm dentes, mas doces estocados no arm$rio anti!o,
onde colocam em cima o rel&!io ue sempre badala nas horas cheias. 5odas tm pele
sobrando debai/o do bra%o ue d$ vontade de morder. 4a vida; 2 ue vocs sabem da
vida; (las dizem a vida tem um peso pr&prio ue nos uebra os ossos s av&s possuem
ossos, cada vez mais *r$!eis e vis)veis com o passar do tempo. minha, disseram ue
enlouueceu, mas eu no acredito. (la no pedia e/plica%0es a nin!um, sentava ao centro
da mesa, servia os pratos, os talheres escolhidos na noite anterior, a cor da toalha era azul.
minha teve um esposo alemo, marinheiro !erm3nico, no bra%o a tatua!em dos seus
nomes atados. 2 av< morreu de c3ncer, mas o anivers$rio da av& seria hoje. 2itenta e cinco
anos. =avia visto duas !uerras, a morte de dois *ilhos, o nascimento de uatro netos, mas
colecionava chaveiros. 5odo *inal de ms ia at a *arm$cia e comprava absorventes. #inha
av& san!rava. >uando souberam, as *ilhas respirando disseram? nossa@ ( as netas
masti!ando cuspe disseram? puta ue o pariu@ ( era o tempo de sua vida, do seu l)uido
deslizar, e nin!um acreditou nela at o dia em ue viram o san!ue lhe escorrendo das
pernas ma!ras. 5odos !ritaram? :ov& ainda ovula@ 8este instante, minha prima pro*essora
do prim$rio, pensou para si re!istrar a patente da *rase e *icar rica ao trocar a cartilha do
:ov< viu a uva pela da :ov& ainda ovula. #as eu acreditei nela antes deles. Aoi
uando ela sorrindo me per!untou? meu *ilho, como o nome dauele alemo ue me dei/a
louca; 7espondi"lhe o nome de meu av< e ela sorriu de volta. ( o san!ue lhe escorrendo
das pernas como *i!os amassados no ar... #as che!ou o dia em ue no parou mais de
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menstruar e come%ou a dizer ue as m$uinas amavam, e ue 4eus *alava com ela, os olhos
soltos boiando numa $!ua *urtada. #inha me dizia? v l$ se 4eus tem tempo de tratar com
velhos. 8este dia calhei de *altar em sua casa. Aoi uando a av& esuecida per!untou para a
*ilha? minha *ilha, como o nome dauele alemo ue me dei/a louca; 4isseram
lzheimer. ( eu nunca mais a vi.
&'ARA(C)'*A ES+'EC#O E CO%-#%E%-E #S-A%-E
2 barbeiro o pr&prio tempo parado em sua porta. porta de sua barbearia azeda de ver,
!asta e ro)da, velha porue !uarda um museu cheirando a mo*o ue nin!um ter$ inten%o
de roubar. #as tranca bem. barbearia o local onde trabalha h$ uarenta e seis anos. 2
o*)cio em ue trabalha aprendeu com o pai, um portu!us resmun!o ue sempre trazia
uma navalha no bolso. 2 barbeiro em uesto tambm portu!us, mas veio para o rasil
muito novo. Portu!ueses so m)sticos e melanc&licos por trazerem no san!ue a heran%a
cat&lica de tantos !enoc)dios. (les tm um rei ue desapareceu e voc mesmo, ao observar
o barbeiro sentado em sua cadeira espera de um primeiro cliente, deve ima!in$"lo triste.
Dedo en!ano. 8a verdade, o barbeiro lembra ue uando crian%a, a coisa ue ele mais
ueria possuir no mundo era um !uarda"chuva. Dembra tambm ter aprendido o o*)cio
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paterno para poder comprar um com o primeiro sal$rio !anho. ( ele comprou, e no mesmo
dia seu pai tirou a navalha do bolso e abriu duas rosas de san!ue em cada pulso. 7osas so
*eitas de dor e de san!ue, e se insistem mesmo em nascer, so capazes de rachar at o
cr3nio de um morto. morte, assim como a minhoca, no tem ossos. ( *oi assim desossada
ue veio buscar o pai do barbeiro, uando imerso em uma banheira com $!ua uente e
tin!ida de rubro. 2s mdicos no deveriam revelar aos suicidas ue a $!ua uente ajuda a
dilatar os poros. 'uicidas costumam aceitar su!est0es. 2 barbeiro *u!iu de 'alazar ainda
muito novo. 8o ueria servir ao e/rcito em uma das *ronteiras com a F*rica. Portu!al
conuistou o mundo inteiro, mas no conse!uiu e/tin!uir a melancolia criminosa do san!ue
dos seus *ilhos. (les so &r*os, pois tm um rei ue desapareceu. 4izem ue a*o!ado. 2
barbeiro tambm *u!iu da chuva, ue sempre o molhava uando era menino. (le comprou
um !uarda"chuva com seu primeiro sal$rio, mas esueceu de lev$"lo ao enterro do pai e se
molhou novamente. Chovia. Guarda"chuvas so *eitos para serem esuecidos. 2 dele *ez
uesto de encostar atr$s da porta azeda de ver e !asta e ro)da da barbearia onde o barbeiro
trabalha h$ tanto tempo. 8in!um nunca entrou l$, nem para roubar nem para cortar o
cabelo. 7aramente uns entram para *azer a barba. Com eles, o barbeiro pa!a as contas de
luz. Hm ou outro cliente desses !osta de conversar. 2 barbeiro no !osta de conversar, mas
conversa pela *or%a de um h$bito. l!uns dizem? e a *am)lia; 2utros viu o jo!o de
ontem;. ( a todos o barbeiro responde. l)n!ua como *osse mec3nica. #as o barbeiro
um homem !rave e r)spido. (le no !osta de !aiatos. mim ele nunca responde a per!unta
ue *a%o. (u sou !aiato. (u menosprezo a dor do outro. (u sempre olho para o !uarda"
chuva encostado atr$s da porta azeda de ver e !asta e ro)da e per!unto? ser$ ue chove
hoje;. (le nunca me respondeu, e tampouco preciso *azer a barba. :ou l$ por crueldade, e
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por !ostar ue ele me raspe os poucos plos. #as mais por crueldade. =$ uarenta e seis
anos no chove por aui.
PE+'E%AS OBSER*A/ES SOBRE AR+'#P0A&OS
(m dias de muito *rio as padarias *icam lotadas. s pessoas amontoam"se para se
auecerem e buscam o melhor lu!ar para isso. (las lutam por melhores espa%os assim
como lutam os !er3nios para !erminarem no !elo. 2 melhor lu!ar para se auecer em uma
padaria o mais pr&/imo do *orno. D$ bastante uente, e sempre se pode beber conhaue
enuanto se olha o tr3nsito dos pezinhos *ume!antes. 2s pezinhos ueimam como
cora%0es vivos servidos em bandeja. 'o estrelas ue cintilam dentro do vidro. #as,
pr&/imo ao *orno, no m$/imo, cabem dez sortudos apenas. s pessoas com mais sorte so
auelas ue che!am primeiro. velocidade uma espcie de prote%o escura. 2 se!undo
lu!ar mais disputado em volta dos balc0es de alum)nio, onde podemos arranhar nossos
cotovelos e pedir um ca* com um !esto !racioso e brusco de maestro *inalizando uma
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oruestra. 4o balco poss)vel ver os pezinhos *ume!antes, os dentes ran!endo de *rio, os
l$bios rachados pelo mesmo motivo, a menina ue se levantou para buscar o doce. 5udo *az
parte de um movimento *9til na cena em ue os ci!arros so acesos. 8o proibido *umar
em padarias. 8as padarias os pulm0es so cinza e pesados como pedidos de desculpa. s
pessoas *azem men%o de escarrar mas en!olem o catarro. 8o h$ onde cuspir em uma
padaria. 2s ue mais en!olem, embora *a%am menos men%0es, so os ue pre*erem pousar
em *rente 5:. s pessoas pousam como p$ssaros. 2s p$ssaros ue assistem 5:
!eralmente so os mais a!asalhados. (les tm v$rias blusas e dois cachec&is no m)nimo e
mesmo assim insistem em es*re!ar as mos como se uisessem inverter o sentido da
corrente eltrica para acend"las. 'uas mos so como *&s*oros ue ueimam por meio do
atrito. Por isto as pessoas no se tocam. Por isso ue, mesmo no *rio, as pessoas evitam se
tocar. 'e se tocassem, na certa se esuentariam com mais *acilidade. #as elas pre*erem
no. 'o receosas da dor de dedos alheios. (las descon*iam. ( por serem descon*iadas
olham com desprezo para aueles ue pre*erem se esuentar na *ila em *rente ao cai/a. s
pessoas da *ila se tocam, se es*re!am, se sentem. 'e *osse permitido por lei, elas se
lamberiam em p9blico. #as proibido lamber em p9blico. l)n!ua !ostosa mas tem ue
permanecer !uardada. 'e pudessem, todos os sortudos, todos os maestros do balco e todos
os p$ssaros telespectadores apedrejariam as pessoas da *ila. s pessoas da *ila so
prom)scuas, eles dizem estarrecidos, pensam ue isto aui um prost)bulo. #as as pessoas
da *ila no pensam nisso. penas !ostam da pele um do outro. pele um ne!&cio em
desuso ue *oi inventado antes do pl$stico. (m dias de muito *rio as padarias *icam lotadas.
ue *ica perto da minha casa tambm. (u sou um dos maestros do balco. Gosto de
escrever poemas enuanto observo os aruipla!os se distanciando. (u tomo meu ca*
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calmamente. Gosto dele com muito a%9car. ( tra!o sempre uma pedra na mo para o dia
em ue se *izer necess$rio.
A 2R*ORE
Lma!inem um homem parado bem no meio de uma rua movimentada. 8o um homem
ualuer, mas um de idade. 4e bastante idade. 'im, ele usa bon azul e velho, meio
en!on%ado e veste um terno esuisito. 'eu terno *eito de madeira. 'im, duas placas de
madeira, uma na *rente e outra atr$s. 8a da *rente est$ escrito? Lnternet Ca*, uatro reais a
hora. 8a de tr$s pode"se ler? (ntre e coma vontade. (m cada uma das placas h$ uma seta
indicando o caminho. (/atamente, sem elas as pessoas no saberiam aonde ir, e pe!aria
mal para o velhinho no ue se re*ere placa das costas. 2 velhinho recebe dois sal$rios
m)nimos pelo trabalho? um pa!o pelo dono do restaurante, o outro pela dona do Lnternet
Ca*. Como no estaria triste; (le trabalhou a vida inteira e sua aposentadoria no d$ nem
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para morrer de *ome com decncia. 'eus olhos b&iam uma m$!oa a!uada de dar vontade de
levar para casa e servir um prato de sopa. #as ima!inem ue no podemos *azer isso.
:elhinhos tristes no so cachorros nem !atos. 'o velhinhos tristes. 8o podemos cri$"los
em casa como animais domsticos. (nto eles *icam l$, bem no meio de uma rua
movimentada. #as o velhinho triste ue ima!inamos no se move, s& as pessoas ao seu
redor ue sim. s pessoas ao seu redor vm e vo a toda hora, serpenteando como !rossas
epilepsias. (las no o en/er!am. Passam por ele mas no o vem. >uando muito, lem a
propa!anda. 2 velhinho triste no a mensa!em, mas a pr&pria tristeza. mensa!em a
propa!anda. 2 (scritor passa por ele sem saber das tantas hist&rias ue tem para contar. 2
velhinho triste no seuer o portador da mensa!em. 2 portador so as placas.
mulherzinha passa com pressa e nem ima!ina ue o velhinho triste j$ *oi bom nisso. 2
velhinho triste no nem mesmo o suporte do portador da mensa!em, a*inal, poderiam
colocar um cavalete em seu lu!ar ue daria o mesmo e*eito ue ele. #as a dona do Lnternet
Ca* e o dono do restaurante pre*erem velhinhos tristes em vez de cavaletes. ( pre*erem
por caridade, por pena, e a caridade e a pena so a *orma mais so*isticada da crueldade.
dona do Lnternet Ca* e o dono do restaurante so japoneses, caridosos, penalizados e
desumanos. #esmo ue *a%a chuva ou sol, ou *rio ou calor, os velhinhos tristes
permanecero l$. :elhinhos tristes so uma imobilidade obscura. 2 m9sico passa por ele e
entra no restaurante. (le no sabe ue o velhinho triste em uesto !osta de jazz, e ue seus
discos todos se perderam uando a casa ala!ou. Lma!inemos ainda ue o velhinho triste,
a!ora j$ to caro ao ri!or de nossa ima!ina%o, *oi um carteiro uando jovem. 'im, ele
entre!ava cartas e era novo, embora usasse o mesmo bon azul. (le !ostava do seu
trabalho, e !ostava porue ele se movia, e as pessoas o viam, sorriam para ele, diziam
obri!ado e davam"lhe !orjetas. 2 velhinho triste nesta poca era ale!re, era o portador da
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mensa!em, ele e/istia. =oje ele no nada e triste. invis)vel, to invis)vel ue nem
conse!ue chorar. Lma!inem isso com cuidado, o m)nimo ue podemos *azer? um homem
parado bem no meio de uma rua movimentada, no um homem ualuer, mas um de
idade... Lma!inaram; Pois , eu no sei nada sobre ele. 8enhum de n&s sabe. (u no sou
seuer o velhinho triste em uesto. (u sou o portador da mensa!em. 'ou o (scritor ue
ontem, sem en/er!$"lo, passou por ele.
A PROF'%#AE O POO
2 menino da cidade peuena !osta de buracos. cidade to peuena ue para mudar de
h$bito os habitantes precisam subir em $rvores. (ste *ato os mantm conservadores,
conservadores porue di*icilmente mudam de h$bito, e no mudam porue so pre!ui%osos.
'ubir em $rvores d$ muito trabalho. ( os habitantes da cidade peuena no !ostam muito
de trabalhar. (les pre*erem *eriados. 2 menino da cidade peuena no !osta dos buracos
em si, mas de en*iar coisa neles. Hm h$bito imut$vel ue muito enver!onha seu pai. 2 pai
do menino da cidade peuena o pre*eito dela. >uando do caso do estupro do bode,
inventou um *eriado no mesmo dia, para distrair o *alat&rio do povo. Povo coletivo de
habitantes. ( os habitantes da cidade peuena adoram *eriados. 8os *eriados, costumam
dan%ar e uebrar pratos enuanto bebem. Hma ale!ria ine/plic$vel toma conta de seus
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esp)ritos. l!uns at conversam com as vacas para ue no *iuem sozinhas. 8o sabem
ue as vacas possuem uma solido instintiva e no !ostam de ser amoladas enuanto
masti!am capim. 2 dono do bode violentado um dos habitantes da cidade peuena. (le se
esueceu de prestar uei/a depois de embebedar"se na *esta do *eriado. 2 menino da cidade
peuena no !osta dos buracos em si, mas de en*iar coisa neles. (le en*iou a coisa no
buraco do cu do bode. 2 bode no suportou os *erimentos e morreu a caminho do hospital.
2 pre*eito conse!uiu evitar um esc3ndalo promovendo o *eriado, embora o pro*essor de
D&!ica da universidade da cidade vizinha tenha uebrado o silncio ao escrever uma tese
sobre o assunto. (le soube do caso por intermdio de uma prima ue veio !ozar do *eriado
promovido. prima mora na cidade vizinha mas nasceu na peuena. #udou"se uando
casou com um mdico !inecolo!ista ue l$ reside. pesar de muito tempo *ora, no perdeu
o h$bito de !ostar de *eriados. tese do pro*essor de D&!ica intitulava"se? 2 cu, se!undo
o mtodo da livre associa%o, no seria um buraco em si; pesar disso, o menino da
cidade peuena continuou sua *ome. (n*iava coisa em palmeiras, em !alinhas, em !arra*as,
em canos de escape e de es!oto. Certa vez, no perdoou nem o mamo maduro ue a me
comprou para *azer vitamina. me, ue no era mulher de desperd)cios, tomou a vitamina
assim mesmo. 2 menino levou uma surra do pai, mas a me *icou saud$vel e corada para
sempre. 2 apetite do menino s& cresceu com ele. 8enhum ori*)cio lhe escapava s vistas. (
tome surra, e tome *eriado. situa%o limite aconteceu uando o menino en*iou coisa na
roda de tr$s do trem ue parara na esta%o *errovi$ria. 8a roda de tr$s do trem *altava um
para*uso, e o menino, ue no tinha mais nada para *azer, inventou de superar a si mesmo.
Aicou preso na roda. 5iveram ue chamar os bombeiros para tir$"lo de l$. 2s bombeiros
serraram a roda com um ma%arico e tiveram o cuidado de no serrar o menino. opera%o,
de delicada, durou horas, e *oi to ve/aminosa ue o pai precisou se e/plicar na c3mara de
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vereadores. (m discurso, o pre*eito ale!ou ue auilo era assim mesmo, e ue meninos
nessa idade tm mais ue comer *erro para no crescerem anmicos. ( mais? ue os
habitantes da cidade peuena no entendiam nada de vitaminas, s& de *eriados, e ue por
conta disso estava instaurado nauela presente data mais um *eriado municipal. 2 menino
da cidade peuena continuou metido em buracos at entrar na vida adulta e casar, se!undo
as leis da i!reja, com uma mo%a de *am)lia, vir!em e muito prendada. 2 buraco da mo%a
era 9mido e escuro e macio, como o est
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O A&RESSOR
:izinhos so contra o silncio. 2 prdio tem uatro andares e dois apartamentos por andar.
*rente do prdio descasca de velha e a li/eira a cu aberto. !ara!em para dentro do
cho e sinistra e escura. porta de bai/o en*erruja um c3ncer amarelo e pouco se!ura.
#as *echa, pelo menos. 8o h$ porteiro no prdio, s& h$ porta. porta a 9nica coisa entre
os corredores vazios e o crime. 2s criminosos esto l$ *ora, junto da noite *ria, esperando o
desastre. 2 propriet$rio chama os vizinhos de inuilinos, mas trata a todos como se *ossem
cachorros. 2s corredores vazios no tm e/tintores de incndio. *ia%o eltrica velha e
h$ vazamentos em todos os apartamentos. :azamentos so hemorra!ias ue causam
in*iltra%o nos tetos. s)ndica do prdio tem os dentes tortos e, dizem, !uardou dentro de
um *rasco de vidro o ue mais lhe *ez *alta no marido depois ue ele morreu. (la tem olhos
mali!nos, colares ancestrais e um riso semelhante ao pio de uma be/i!a esvaziando.
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s)ndica uma bru/a mas tambm vizinha. ( vizinhos so inuilinos para o propriet$rio. 2
propriet$rio trata a todos como se *ossem cachorros. (le *az isso por ser !rosso. (le
!rosso porue velho e est$ louco. 2 propriet$rio to velho uanto seu prdio. 2 prdio
uma asma doente er!uida sobre ossos. 2 propriet$rio ca!a nas cal%as por no conse!uir
mais se!urar o es*)ncter. 2 es*)ncter um m9sculo anular respons$vel por *echar ou abrir
os ductos naturais do corpo. 2 dele uma v$lvula !asta ue uebrou enuanto ele contava
dinheiro. 2 propriet$rio !osta de dinheiro. (le !anha dinheiro cobrando os alu!uis dos
inuilinos. Lnuilinos so vizinhos para a s)ndica do prdio. :izinhos so contra o silncio,
!ostam de ouvir m9sica alta e discutir ualuer assunto aos berros. vizinha do terceiro
andar tosse todas as manhs uma tosse canina. (la *uma, sua tosse incomoda, uma asma
em contralto enterrada na !ar!anta. 'ua tosse canina, mas ela no, embora o propriet$rio
ache isso. 2s de!raus das escadas so desnivelados e as paredes so todas tortas. 2 prdio
todo torto. 2 prdio todo su!ere a impresso da ueda. (le assim porue o pedreiro ue
o construiu alco&latra. 2 pedreiro *uncion$rio contratado do propriet$rio h$ mais de
vinte anos. Aoi ele uem espalhou pelo prdio ue o velho tem o es*)ncter solto. Aoi uem
tambm disse do *rasco de vidro da s)ndica. (le conhece a todos, mas no passa de um
bbado ue se internou duas vezes para se desinto/icar. ( uem a*irma isso porue no o
conhece. 'uas mos tremem, mas porue sua alma mer!ulhada em uma a!onia muda.
pesar do desprop&sito aruitet
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so contra o silncio, e do silncio se alimenta o poeta. 2 poeta mora no 9ltimo andar do
prdio. (u sou o poeta, o 9nico vizinho a *avor do silncio. #eus versos so *eitos de
esuecimento e de silncio. 'ou uem esuecer$ a porta aberta. 8o *rasco de vidro, b&iam
os olhos mortos em um *ormol imundo.
PA%-O#A
#ormente re*ere"se aui ao seu embuste, sua representa%o. 'ua e/istncia a pr&pria
!alho*a. 5rata"se de um tipo re*inado de calhorda, de poeta, as roupas sempre um n9mero
acima do seu. 2 circo che!ou cidade depois de correr mundo. (stacionou na !rama 9mida
ao lado da i!reja. 2 circo esma!ou todas as *ormi!as ue l$ viviam. 8a !rama 9mida, as
*ormi!as viviam seu sonambulismo implac$vel. 5rabalhavam, comiam, dormiam,
acordavam, lambiam"se, trabalhavam, carre!avam *olhas. s *ormi!as tm l)n!uas
invis)veis. pesar disso, *oram esma!adas e mortas pelas rodas do circo. s rodas do circo
trazem a poeira de todos os lu!ares, e as cinzas de mortos do mundo inteiro. o transporte
de um mundo impens$vel. 2 circo che!a com seus seres ima!in$rios, estra!a !ramas
9midas e esma!a *ormi!as sem pedir consentimento a nin!um. #ormente re*ere"se aui
sua *alsa ale!ria. 2 palha%o a ima!em c)nica do pr&prio circo, sua *oto est$ em todos os
cartazes espalhados na cidade. 2 palha%o $ o circo, mas uem colou os cartazes *oram a
1I
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mulher barbada e o macaco. 2 !aroto observava os pezinhos de leite envolvidos na
pr&pria maciez da bandeja cheia. (le per!untou? de hoje; 4o balco, a*irmaram ue sim.
Comprou dois. 8a sa)da, viu o cartaz pre!ado no poste. Poste uma pe%a comprida de
madeira, *erro ou concreto, !eralmente cil)ndrica ou uadran!ular, destinada a suportar *ios
de cerca, eltricos, tele!r$*icos ou tele*
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ranzinza e por isso no ir$ ver o circo. 2 !aroto triste e ranzinza e por isso no !osta de
cartazes colados em postes, nem de *ormi!as esma!adas, e muito menos de palha%os. (le
!osta de pezinhos de leite envolvidos na pr&pria maciez da bandeja cheia. #as s& se *orem
de hoje. Por isso ele per!untou? de hoje; 4o balco, a*irmaram ue sim. Comprou dois.
>uando che!uei em casa, mordi um, mas s& para descobrir ue haviam me en!anado outra
vez.
E+'A3O
l
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vem em todos os lu!ares, voc no acha; cho o u; >ue uma !rande sacana!em de
4eus criar o mundo e depois se retirar para assistir de camarote ao circo pe!ar *o!o;
verdade. 8os dei/ou aui cheios de d9vida e ainda cobra ue acreditemos 8ele. Puta
sacana!em mesmo. (nto me *az o *avor; Pra *azer *avor eu *a%o toda hora. #e chama l$
ela. (la, ele, ela, detesto pronomes pessoais da terceira pessoa, tento evit$"los sempre
uando escrevo. h, ento temos aui um escritor tambm. Por ue tambm, voc escreve;
(screvo, trabalho em cart&rio mas sou escritor. ( eu estou desempre!ado no momento.
(nto me diz uma coisa a), companheiro de o*)cio e de in*ort9nio? ela !osta do ue voc
escreve; (la uem; Ne disse seu nome mais uma vezO. Gosta nada, toda vez ue ela l ela
diz? tenho certeza ue voc comeu essas mulheres todas. Lsso *oda, acontecia comi!o
tambm. ( no adianta nada dizer a ela o se!uinte? comi nada, s& no !osto de escrever na
terceira pessoa, detesto te/tos na terceira pessoa e seus pronomes pessoais todos. h, mas
ela no entende no ; (la uem; :oc sabe, a Ne disse seu nome de novoO. (ntende nada,
mulheres no entendem de !ram$tica, so re!idas pela lua e san!ram sempre ue a mar
enche. nimais loucos, as mulheres, no ; '&. (nto; (nto o u; #e *a%a a *ineza de
chamar ela pra mim. (la uem; 2lha ami!o, por ue voc insiste nisso; 8isso o u;
Lnsiste em me prender aui desse jeito. #as eu no estou lhe prendendo. ue sempre ue
*alo um pronome voc me corri!e, sendo ue voc mesmo j$ *alou um monte e nem
percebeu. ( ser$ ue al!um percebeu; cho ue no. Gosto de al!um. (u tambm,
su!ere idia de al!uma. l!uma &timo@ l)n!ua portu!uesa a melhor de todas no ;
Hma l)n!ua sem ossos, uma l)n!ua s& m9sica. (nto, me chame ela l$, e no venha me
dizer ela uem, no adianta evitar o inevit$vel. >ue inevit$vel; 2 inevit$vel de ue nos
*alaremos al!um dia. l!um &timo, adoro al!um. (u tambm, su!ere idia de mediano,
de re!ularidade, de um entre dois ou mais. 'u!ere idia de ue viveremos para sempre. (u
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no !ostaria de viver para sempre. ( de !ostaria, voc !osta; 8o, esse tempo verbal no
me soa bem. ( por ue no; 2lha, eu pre*iro !osta. (nto porue *alou !ostaria; >uer *azer
o *avor de me chamar ela; 8o !osto ue nin!um me d ordens. #as de !osto voc !osta.
Gosto. '& ue em casa de corno manda uem che!a primeiro. 2 ue voc uer dizer com
isso; 8o uero dizer nada, s& estava brincando, ali$s, eu s& ueria *alar com ela. Com ela
uem; :$ tomar no olho do cu. 2lha, *icou braba a monalisa de repente, tudo bem, vou
cham$"la. #e *a%a esse *avor. Pra *azer *avor eu *a%o toda hora. 2bri!ado. ( uem uer
*alar; 4i!a a elaue ele. (nto bati o tele*one na cara dele.
AOPEC#A
2s cabelos crescem. (sta talvez a 9nica certeza irrevo!$vel da vida. lm dela s& a morte.
morte che!a para tudo o ue vive. Lsto tambm irrevo!$vel. =aver papis hi!inicos
$speros e macios *ato, no certeza. Pessoas ue pre*erem um em detrimento do outro
concluso in*erida, no certeza nem *ato, uesto de escolha, de !osto. Cabelos crescem
em tudo ue vive, como pra!as silenciosas. (m tudo ue morre tambm. 5udo na vida
morre a*ora cabelos. Cad$veres, por e/emplo, aduirem vastas cabeleiras com o passar do
tempo. Cad$veres so cabeludos mas no necessitam mais de escovas ou espelhos. (scovas
e espelhos so objetos para vivos. 2s vivos so vaidosos. #ortos no se importam. #ortos
su!am das ra)zes a *erocidade da terra e isso lhes basta. Cabelos so *eitos de acr)lico e
desenham ventos na pele. 'ervem para auecer a carne e prote!er os poros. Cabelos nascem
dos poros, ou de ualuer outro ori*)cio a ue se permitam. 8as mulheres, cabelos lon!os
so concluso in*erida, uesto de escolha e de !osto. l!umas pre*erem mais curtos, o ue
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um eu)voco. Cabelos lon!os caem bem em mulheres. 'o len%&is macios ue descem
pelo pesco%o. =omens de cabelos lon!os deveriam ser mortos. '& a homens mortos deveria
ser permitido cabelos lon!os. 5odo cemitrio uma !rande banda de roc. 7oueiros
!ostam de cabelos lon!os mas so imbecis, animais est9pidos ue respiram porue
autom$tico. 7espirar ato aut
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PR#A*ERA
:asos de *lores e/istem. :asos de barro com *lores dentro, melhor se di!a. Hm e/iste na
sala, na sala modesta do apartamento onde tudo compreende. 2 apartamento *ica no 9ltimo
andar, mas suas janelas esto todas rachadas. 5rincaram com o *rio. =$ cortinas balan%ando
como p$lpebras presas s janelas. Cortinas so como membranas ue se movem uando
venta. 2 vento *rio, ele uem trincou as janelas. 2 vidro ran!eu como os dentes de um
son3mbulo e rachou. Hm continente partido pelo movimento das placas tectuanto
do universo compreende o apartamento; s paredes respiram conversas alheias, so bocas
trauteando se!redos, a poeira dan%a bailarina pelos cantos di*)ceis de varrer. s tardes so
silenciosas no apartamento. 'o*$s comun!am com espumas, livros descem de !oteiras pela
mesa, esp)ritos habitam os arm$rios embutidos. ( o vaso de *lores l$, e/istindo sobre seu
pedestal. s *lores esto vivas, e tocam o barro do vaso como se uisessem anim$"lo. =$
um vazamento de $!ua bem em cima delas, um cano estourado ue as alimenta. 5odos os
+-
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mecanismos so desajustados mas permitem a vida. matem$tica, en*im, desconhece a
e/tin%o.
Hm poeta mora no apartamento. Hm poeta e5iste no apartamento. (le sopra tedioso as
contas atrasadas para bem lon!e. bsurdo, ele pensa, ima!inar ue e/isto assim como
e/iste este vaso de *lores. (nto sorri, bebendo o amarelo amar!o da cerveja. Poetas
costumam beber muito, e na mesma medida em ue *umam. #as esse poeta em uesto
no *uma, seno, no teria *
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ERA
(ntre as pessoas normais vo!a um consenso? atores so esuizo*rnicos peri!osos, e s& no
*oram tranca*iados ainda em hosp)cios por !anharem a vida com sua loucura. Ganhar a vida
si!ni*ica trabalho, e trabalho um termo criado para justi*icar as pessoas terem dinheiro.
4inheiro auilo ue disseram se precisa para se viver. #as as pessoas no deveriam
precisar de dinheiro. (las deveriam sorrir e andar na praia respirando os maremotos. (
deveriam se amar mais e se lamberem e se *izessem isso, saberiam ue a pele sal!ada.
tores so loucos ue !anham a vida com seus desvios de personalidade. =oje so
8apoleo, ontem Mac Qerouac, amanh sero o pr&prio Papa sentado no trono de Pedro.
#as h$ loucos mais peri!osos. Hm homem saiu rua !ritando ue era um m&vel. (le disse?
eu sou a estante da minha sala, e estou cheio de livros. Prenderam"no num hosp)cio. #as
porue se pode dizer ser 8apoleo sem se ser preso; ( uanto a Mac Qerouac; ( ao
pr&prio Papa ento R:L sentado em seu trono macio, bebendo vinho e comendo uma
+B
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co/inha de *ran!o; Pense"se nisso. #as, ah, eles respondero, loucos ue ima!inam ser
estantes no podem trabalhar. (stantes no se movem, no intera!em, no tm *ala. >ue se
corrija ento? loucos podem sim, andar livremente nas ruas sem serem presos, contanto ue
sejam produtivos. 2 racioc)nio, s vezes, pode ser uma vi!il3ncia letal. 2 pecado atual do
homem a improdutividade. pre!ui%a a lepra do novo mundo. Hm homem ue diz ser
uma estante no louco, mas pre!ui%oso. (ntre as pessoas normais vo!a um consenso?
devemos ir a teatros para assistir aos loucos produtivos se debaterem no palco como pei/es
em au$rios com $!ua *ervendo. 4evemos pa!ar para ver um maluco ue acha ue Mac
Qerouac e ue ainda uer ue acreditemos nele. 5eatros so o*icinas de loucos, mas uando
as cortinas se *echam, todos podem ir para casa, tanto a platia uanto o elenco. platia
uma massa sombria e silenciosa *ormada por trabalhadores ue tm dinheiro para pa!ar o
in!resso. 2 elenco uma mem&ria coletiva na ual os loucos se sentem em casa e vo
pescando seus monstros. 8a platia h$ de tudo, s& bbados no se admite. bados so
como crian%as, e crian%as no deveriam ir desacompanhadas dos pais ao teatro. bados
*azem barulho, e a platia reuer silncio. bados *azem barulho por serem to vaidosos
uanto os atores. bados so vaidosos, mas loucos eles no so. Hm homem saiu rua
!ritando ue era um m&vel. (le disse? eu sou a estante da minha sala, e estou cheio de
livros. Prenderam"no num hosp)cio. 8o hosp)cio, *icou vinte e seis anos sem se me/er. 2s
mdicos che!aram a !uardar pesados compndios de medicina le!al dentro dele. >uando
resolveu se mover, pensaram ter se curado. #as no. 2 louco ale!ou simplesmente no ser
mais uma estante. (le disse? a!ora eu sou uma cadeira com rodinhas, e come%ou a andar e a
escrever uma carta. Hma lon!a carta. >uando a concluiu, per!untaram a ele? uem o
destinat$rio da carta; (le respondeu? sou eu mesmo. ( do ue se trata a lon!a ep)stola; (le
+E
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disse? no sei, ainda no recebi. 'ou eu o destinat$rio da carta, embora estivesse na platia
tambm.
*#%C#A
2 medo uma perturba%o resultante da idia de um peri!o real ou aparente ou da presen%a
de al!uma coisa estranha ou peri!osa. #as h$ medos e medos. =$ medos mais pro*undos
do ue os ue se escondem nos dicion$rios. 2 verdadeiro medo tem uma raiz ancestral ue
d$ brotos em nossa pele. Hm susto impresso no pr&prio san!ue, mer!ulhado no pavor da
pr&pria carne, como este ue a !arota sente e dele se arrepia toda vez ue tranca a porta do
banheiro. raiz do verdadeiro medo ancestral porue transmitido pelo terror das bocas
ue insistem, desde ue o mundo mundo, em aterrorizar para corri!ir. 2 monstro da
corre%o muito mais )ntimo ao homem do ue se pode ima!inar, to anti!o uanto a
*ome, o amor, a colheita, o se/o, a morte. !arota tranca a porta com duas voltas de chave.
2 banheiro p$lido e *rio, e seus espelhos esto cheios de l$!rima. 4o banheiro ela escuta
a me dizer? cuidado menina, ue nada escapa aos olhos de 4eus. boca da me o livro
anti!o ue !uarda as palavras do p3nico, sua l)n!ua a serpente ancestral e escamosa ue
+I
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transmite o terror com seus chocalhos. 5odos os dias a mesma *rase incisiva, e desde ue o
mundo mundo o mesmo medo se apossa do corpo da !arota. 2 medo da !arota o mesmo
ue sentiram os macacos uando ouviram o trovo, ou uando viram o *o!o crepitando pela
primeira vez na $rvore verde. mesma paralisia s9bita e o mesmo !osto met$lico na
l)n!ua, pois desde ue o mundo mundo, os olhos de 4eus esto riscados no tempo como
uma cicatriz invis)vel. #as mesmo assim ela abre o chuveiro de $!ua uente. $!ua
uente cai cristalizando o azulejo com seu h$lito 9mido enuanto a crian%a tira a roupa. (la
entra nua no o/ e *echa a porta de vidro. li dentro, *icar$ mais di*)cil para ela ouvir a
mesma *rase ue a me insiste em repetir da sala onde toma seu ca*. !arota espera um
pouco o medo ir dissolvendo"se em seu san!ue assim como a $!ua dissolvendo suas !otas
em contato com o azulejo *rio. (m se!uida, ela li!a a peuena man!ueira de a%o.
peuena man!ueira de a%o uma e/tenso do chuveiro criada para dar prazer e para lavar"
se bem entre os dedos do p. boca de a%o da man!ueira morna e macia para as co/as da
!arota. (la a es*re!a entre elas como se conjurasse uma prece demon)aca. 8esta hora, ela
no pensa mais nos 2lhos de 4eus escondidos atr$s da touca de pentear. (la v cores de
mundos distantes e, presa ao colorido secreto deles, se!ue conhecendo prazeres novos ue
seuer havia tido tempo para sonh$"los. 2 monstro da corre%o muito mais )ntimo ao
homem do ue se pode ima!inar, to anti!o uanto a *ome, o amor, a colheita, o se/o e a
morte. '& ue em al!uns casos ele se torna ine*icaz, to ine*icaz uanto um mandado de
priso. 2s 2lhos de 4eus saem ento, discretamente, de tr$s da touca de pentear, e se
en*iam ralo do es!oto abai/o. 8este instante, a !arota uer !ritar mas se!ura o !rito. 2
!rito uma *elicidade de carne sustido na !ar!anta. 'ustido porue no para a me
escut$"lo. ( ela no o escuta. 'ua boca sorvendo o ca* *az um barulho esuisito ue lhe
+J
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toma os ouvidos. #as eu o escuto. (u no sou os olhos de 4eus, mas os ouvidos do homem
encostado atr$s da porta enuanto se toca.
S#%-AXE
*aca sobre a mesa uma idia. 4ei/ou de ser objeto para se tornar um plano. 8o plano,
apenas a *aca idia, apenas ela transcendeu. o seu redor, orbitam talheres. 5alheres so?
!ar*o, colher, abridor de !arra*as, espremedores de alho. 5odos so objeto, todos so
c9mplices da idia da *aca. idia da *aca um silncio de a%o, ele no o/ida. 'ilncios
no o/idam, sobrevivem imaculados ao tempo da mesa. *aca e seu silncio *i/o,
constante, met$lico, imune ao o/i!nio ue respira a toalha. toalha velha e azul, estava
sobre as *rutas de pl$stico mas no combinava com elas. 5ambm no combina com a
mesa, mas isto no vem ao caso. 2 e/istir da toalha a pr&pria ne!li!ncia das cores e
nunca vir$ ao caso discuti"lo. o caso vir$ discutir a mo. 'im, porue a *aca sobre a mesa
uma idia, mas no concebida por si. idia o plano, o esbo%o da mo. Aoi a mo uem
transcendeu a *aca, uem viu ue ela servia. Gar*o, colher, abridor de !arra*as,
K
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espremedores de alho no serviam, s& a *aca ue sim. 5anto a mo uanto a *aca e/istem,
embora em espa%os e tempo di*erentes. matria da *aca i!ual matria da mo, mas
esto apartadas apenas para no comprometer a inte!ridade do universo. >uando o universo
morrer, *aca e mo voltaro a ser parte de uma 9nica coisa. Por ora, seu 9nico v)nculo a
partilha m9tua de inten%0es.
2 dono da mo demorou a perceber ue a *aca servia. (le ainda no tinha pensado na *aca
em outros termos menos usuais. >uando crian%a, o pai do dono da mo dizia ue o *ilho
no entendia nada de *erramentas. 2 pai tinha uma o*icina em casa onde amolava os
objetos. (le nunca uis ensinar seu o*)cio ao *ilho. 'eu ci9me era pelas l3minas, s& ele
poderia ser capaz de a*i$"las to bem. 2 pai a*iava objetos com a*inco? *acas, tesouras,
alicates, ter%ados. *iados, *icavam a ponto de cortar pensamentos, sendo os objetos a
pr&pria oposi%o ao ato de pensar.
Aaca e mo. *aca im&vel sobre a mesa, a mo solta no ar descrevendo a *ic%o 9nica de
um movimento. '& ue a *aca no est$ to im&vel assim uanto se pensa, e nem a mo se
move assim to r$pido uanto se ima!ina. mbas esto, de *ato, cumprindo um prop&sito
ainda desconhecido, um *ato inevit$vel ue as unir$ em breve, uma unio *)sica alm do
v)nculo da partilha m9tua de inten%0es. ( antes ue o universo morra, os dedos da mo iro
cumprir, em teoria, o ue a *)sica vem prometendo para uando tudo acabar? a unio de
toda matria em um 9nico corpo sem sentido. ( at mesmo a toalha velha e azul ue estava
sobre as *rutas de pl$stico mas no combinava com elas, e ue tambm no combina com a
mesa, *ar$ parte deste mesmo corpo. (nto no se sentir$ mais sozinha a toalha, a pr&pria
ne!li!ncia das cores ue ela representa dei/ar$ de *azer sentido assim como tudo. ( no
1
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vir$ mais ao caso discuti"la, assim como nada mais vir$ ao caso discutir"se. 8em mesmo
importa onde ela estar$ no momento? se sobre as *rutas de pl$stico, ou sobre a mesa, ou
mesmo se cobrindo a carne do corpo morto onde *aca e mo e/ecutaro seu plano. 8em
mesmo importa se estar$ manchada de san!ue, j$ ue *aca, mo, san!ue, *ruta, toalha,
pl$stico, colher, !ar*o, abridor de !arra*as, espremedores de alho e literatura tornar"se"o
todos um 9nico tipo de tdio, de resultado in9til. mo ue empunha a *aca minha, mas,
no *ri!ir dos ovos, tudo pertence ao in)cio.
AEROPOR-O
Hm velho est$ sentado sobre a pra%a. 8o sobre ela e/atamente, mas sobre um dos seus
in9meros bancos espalhados ao redor. (ste o seu banco pre*erido, auele ue sempre *az
sombra a esta hora da tarde. Pra%as p9blicas so lu!ares ideais para velhinhos, onde podem
apenas sentar e esuecer. 7ecordar tambm. ( como recordam os velhinhos silenciosos e
sentados, como lhes *az bem o ar puro ue sussurra entre os !alhos das $rvores. 7ecordam
na mesma medida em ue esuecem. mem&ria dos velhinhos como os milhos lan%ados
ao cho para alimentar os pombos. #as reparem? este velhinho em uesto est$ recordando,
suas mos en*iadas nos bolsos so mos de uem lembra. =$ in9meros bancos espalhados
ao redor da pra%a. 8o banco va!o ao lado do ual o velhinho est$ sentado h$ um livro
repousando, embora ele no saiba disto ainda. Pra%as p9blicas so lu!ares ideais para
velhinhos sentarem, esuecerem, lembrarem, mas tambm para se esuecer de livros. #as
no *oi o velhinho uem o esueceu, outra pessoa sentou l$, abriu a p$!ina marcada, leu
+
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trs ou uatro par$!ra*os e *oi embora, dei/ando o livro. Poder prescindir das coisas um
tipo de liberdade bastante saud$vel. (suecer dauilo ue nos pertence abrir mo do
menos importante na vida, ape!ar"se idia de valores maiores, mais absolutos, mais
amplos. 2 velhinho sentado sobre o banco da pra%a abriu mo de v$rias coisas em sua vida
apenas pelo prazer de no se importar mais. (le !osta da pra%a e ele vai at a pra%a, e nem
se incomoda ue as outras pessoas o chamem de velhinho e o ajudem a atravessar a rua.
8esses casos, sorri docemente. 2 velhinho sabe e/atamente uem ele . s outras pessoas
no. '& ele sabe ue h$ uarenta anos *oi um !rande poeta e escreveu um livro. 'abe
tambm no ser culpa sua o livro no ter sido publicado. 2 livro est$ l$ at hoje, sobre sua
prateleira, e todo dia ele l um ou outro poema e sorri. 'orri docemente. (le sabe o ue
escreveu e isso lhe basta. 'abe tambm o ue lhe restou, e isso lhe basta. 8o amar!urado
consi!o nem cruel com as outras pessoas. =$ uarenta anos ele *oi um !rande poeta e hoje
ele tem um chapu. >ual a di*eren%a, ele per!unta, e sorri novamente. 2 velhinho em
uesto !osta de chapus. Gosta tambm de sentar sosse!ado no banco da pra%a e observar
as $rvores. 8o banco va!o ao lado do ual o velhinho est$ sentado h$ um livro repousando,
e s& a!ora ele se d$ conta disso. (stava to entretido com suas lembran%as e, nossa, hoje o
velhinho est$ para recordar hein; Devanta"se lentamente e S para u a pressa se o destino
de todos a morte, ele pensa S senta"se no banco ao lado para *olhear o livro. Pode"se dizer
ue a tarde passou r$pido para ele. 4epois de ler o livro todo, o velhinho o dei/a no mesmo
lu!ar onde o encontrou e levanta"se novamente, a!ora para tomar o rumo de casa. (le est$
*eliz, muito *eliz. 2 livro o dei/ou *eliz. Poder prescindir das coisas um tipo de liberdade
bastante saud$vel, e esuecer dauilo ue nos pertence abrir mo do menos importante na
vida, para ape!ar"se idia de valores maiores, mais absolutos. =$ uarenta anos o
velhinho *oi um !rande poeta, mas, a!ora basta. manh ele esuecer$ o livro ue escreveu
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h$ uarenta anos, no mesmo banco e na mesma pra%a onde auele ue hoje ele leu tambm
*oi esuecido. 4epois, ele ir$ embora com seu chapu, auele panam$ ue tanto lhe cai
bem. 2s dias ue se se!uiro a este, tero a mesma presen%a *eliz do velhinho sentado
todos os dias e mesma hora da tarde sobre a pra%a. ( desta vez ser$ sobre a pra%a mesmo.
Como sei disso; Aui eu uem esueceu o primeiro livro l$.
O ES-RA%)O
7e*ere"se s vanta!ens do desconhecido. 2 corpo deitado em sua cama o desconhecido
dauela manh. Hm corpo de mulher, uma beleza de m$uina respirando macio as narinas
en*iadas no len%ol. Coisa incerta uma mulher em sua cama uela hora do dia, ou a
ualuer outra hora do dia ou da noite e desde ue o mundo mundo. 5alvez um presente
da noite anterior, ou uma pe%a pre!ada pela mem&ria dos seus olhos, mas no, ele es*re!a o
sono dos olhos e os abre bem abertos e ela ainda est$ l$? desconhecida para ele, respirando
macio as narinas en*iadas no len%ol. >ue tranTilidade, ele pensa, como se todas as
manhs acordasse ali, e desde ue o mundo mundo em seu uarto, to )ntima ue se
encontra dele. 5entou lembrar o ue havia acontecido na noite anterior mas seu lembrar era
uma luz *ria, um sonho emba%ado de lin!ua!em invertida. 8unca soube beber mesmo, trs
ou uatro copos de cerveja e l$ estava ele, dan%ando em cima da mesa e cantando estranhas
can%0es de cabars esuecidos. 2 uarto era escuro. ( como sabia ue era de manh; 2
despertador havia tocado pontualmente. ( como sabia ue era uma mulher; o ser
-
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despertado pelo sino, sentiu um leve ro%ar de um par de seios em sua costa. =$ uanto
tempo no sentia uma pele to leve e to uente; 8em mesmo ele sabia. Poderia acord$"la
e esclarecer o assunto; t poderia, mas um terror *undado na pr&pria escurido de sua
alma o impedia de *az"lo. 2 uarto era escuro. 4ecidiu encontrar o interruptor ue *aria a
claridade se espalhar pelo uarto, percebendo mais uma vez como so m$!icos os
interruptores ue li!am as l3mpadas, ue !eram as luzes, ue iluminam os uartos para ue
se vislumbre os corpos deitados. 8unca havia dei/ado de admirar o *en
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O#SS0#A
Hm livro viaja via correio. 7ompe espa%os. :ara o tecido do ar habitado por *or%as de um
sopro transparente. 8o viajaria assim se no houvesse a dist3ncia, os uil
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imenso. 'eus corpos, uando da li!a%o *inalizada, eram sozinhos e distantes. 'eus
movimentos, tornados va!os, traduziam a ale!oria dos espelhos. 'e pudessem se en/er!ar,
veriam ue andavam va!amente i!uais, para l$ e para c$, na casa de ambos uma sensa%o
de espa%os sobrando. >uando se uniam pela voz, os movimentos eram cheios, corados pelo
san!ue ue brotava de uma raiz comum aos dois. 2s espa%os diminu)am e tudo se tornava
pr&/imo, perto, uente e 9mido como um canteiro de *lores.
5alvez leve meu cheiro at ele, ela disse, es*re!ando as mos em cada cent)metro de papel
ue *oi poss)vel es*re!ar. Poro a poro, p$!ina e pele *oram *riccionados como se pudessem
produzir um tipo de chama. Hma chama leve e viva, ue o ueimasse no primeiro toue
como uma $!ua"viva escondida entre os corais. ( ele desejava esta ueimadura mais ue
tudo, a leso dela a lamb"lo a pele como uma l)n!ua de lepra. (stava in*lamado de sua voz
e saudade at a medula, no t"la ali por perto era uase uma o*ensa, uma o*ensa celular
ue o dilatava por dentro, ue *azia correr por sua carne uma a!onia s9bita.
Hm livro viaja via correio. 7ompe espa%os. :ara o tecido do ar habitado por *or%as de um
sopro transparente. 2 livro, no mais ue um uadrado repleto de p$!inas, pouco mais de
cem p$!inas, cento e poucas p$!inas de silncios breves, de silncios breves cortados ao
meio por um !rito. 'im, um !rito, uma mecha de seus cabelos castanhos, a ueimadura
concreta e cortada tesoura, ue trairia as p$!inas inodoras do livro. (u dormiria com ele
en*iado nas narinas, embora o usasse para marcar as p$!inas tambm.
E
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OS-O#0*S7#
Ci!arros acendem e apa!am na sala mal iluminada. Ci!arro uma peuena por%o de
tabaco picado e enrolado em papel *ino ou palha de milho para se *umar. Ci!arros so
*umados com certa pressa, pulm0es in*lam com a *uma%a e a se!uram. 5m vida curta os
ci!arros entre os dedos dos jo!adores. Mo!adores so uatro sentados mesa mal iluminada
por uma luz 9mida e morti%a. =$ um uinto jo!ador compondo a cena, mas este no jo!a
hoje nem senta mesa. (ste hoje *ica em p e con*ere o dinheiro e passa as *ichas e as
cartas. 2s jo!adores sentados so !raves e silenciosos porue apostaram tudo. (sta a
9ltima rodada da noite e todos tm ble*es na man!a, menos um. le*e um tiro no escuro,
o iludir no jo!o simulando ter boas cartas. Ci!arros acendem e apa!am, so estrelas de
*
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por ima!ens m)ticas de cruzados uebrando ossos de mouros sob as botas. 4eus est$ do
lado de uem vence, lo!o, o um vencer$. 2 um um cruzado, o cruzado ue esma!ar$ os
ossos dos mouros sob as botas. 4eus est$ do lado dos 'eus, o um diz a si. 4eus loiro, tem
olhos azuis e *ormado em 4ireito no #acenzie. Ci!arros so acesos. 2 uinto jo!ador
d$ as cartas e as *ichas, mas nin!um deveria con*iar nele. (le treinou v$rios anos uma
tcnica de passar dicas com o piscar dos olhos e ele bom nisso. (ntre os uatro sentados
mesa h$ um ue ele *avorecer$. 'eus olhos so r$pidos e silenciosos como as mos de um
ilusionista. Ci!arros apa!am"se. l!um lo!o bater$ a mesa toda. 2 um mer!ulha na
sombra e na a*li%o do tempo ue corre. (le orientado por ima!ens m)ticas de cruzados
uebrando ossos de mouros sob as botas. 4eus est$ do lado de uem vence, lo!o, o um
vencer$. 2 um um cruzado, o cruzado ue esma!ar$ os ossos dos mouros sob as botas.
4eus *iel ao san!ue dos 'eus *ilhos, ueles ue *oram !erados na carne do 'eu barro.
os demais, (le o*erece !enoc)dios, a vin!an%a escura de 'ua *or%a indeci*r$vel. 2 um cr
em 4eus e na vit&ria certa, embora mer!ulhe seu rosto na sombra. A uma linha de
crdito onde se est$ sempre no vermelho. 8o h$ euivalncia para ela no mundo. Por isso
o um perder$ o jo!o. 4eus loiro, tem olhos azuis, e *ormado em 4ireito no #acenzie.
2 4iabo idem, com a vanta!em de ter matado aula para jo!ar cartas no re*eit&rio. (le
piscou o olho para mim.
J
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C#%EREA
(/istem homens ue vendem sapatos, outros ue escrevem poemas, mas raros so os ue
vendem sapatos e escrevem poemas. 'apateiros poetas so to raros uanto pin!Tins"rei do
norte $rtico, embora sintam tanto *rio uanto eles. 5odas as pessoas precisam de sapatos,
mas poucas precisam de poetas. Cal%ados so mais 9teis ue poemas. Aato comprovado?
observe"se nas ruas uantas pessoas caminham cal%adas, e uantas com livros de poesia
auecidos debai/o do bra%o. 7aros so os homens ue vendem cal%ados e escrevem
poemas. 'apateiros poetas, embora raros, e/istem. #as apenas um deles vive este dilema? o
da utilidade dos cal%ados em detrimento da inutilidade da poesia. 5alvez por isso s& tenha
escrito um 9nico poema at a!ora. (scrito no, come%ado a escrever. =$ vinte anos um
poema inacabado de trs versos e/iste em uma p$!ina sobre sua mesa. 8o entanto, ao
contr$rio disso, em vinte anos vendeu tantos sapatos ue at j$ perdeu a conta. 'ua vida
transcorre calma h$ duas dcadas, entre a ele!3ncia acr)lica das solas. tudo no mundo
observa do 3n!ulo dos ps, acostumou"se a respirar nos n)veis mais bai/os da e/istncia,
conhece sapatos como nin!um, assim como sand$lias, ps, dedos, saltos altos, unha
encravada, *rieiras, talco e chul. Poemas conhece poucos, o escrito em uma p$!ina aberta
sobre sua mesa menos ainda. 4iante dele, o sapateiro sente"se peueno, menor, um terror
-K
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imediato o condensa, ele sua, torna"se l)uido, des*az"se e escorre de volta para o mundo
onde pode apenas cal%ar sapatos sem ser amolado. Pre*ere a vida urdida entre cai/as de
papelo ao p3nico estril de ter ue construir si!ni*icados para ela. ( no se en!ane uanto
a isto? ele est$ bem, o sapateiro poeta aprecia seu o*)cio de cal%ar pessoas, e o e/ecuta com
rara abne!a%o. (le realmente !osta de estar entre sand$lias e ps, e dedos e saltos altos,
unha encravada *rieiras, talco e chul. '& assim sente"se 9til, verdadeiro, homem de carne e
san!ue. (nto por ue mantm a p$!ina aberta com o poema inacabado; Por ue no a
jo!ou h$ vinte anos e desistiu da idia; coisa ue no se sabe, per!untas como estas so
sapatos com *uro na sola. #as h$ uma teoria? talvez ele seja temente idia de ter al!o
inacabado em sua vida. l!o em ue possa *racassar. 'im, porue sua vida transcorrida
entre a ele!3ncia acr)lica das solas ele a jul!a completa, vitoriosa, satis*at&ria. Hma vida
inteira entre sapatos, ele diz suspirando, al!o a ue se deve almejar. Hma vida simples em
ue s& se pense em n9meros, em tamanhos, em meias, em estoues e ue, no raro, se
possa ver uma calcinha distra)da entre as co/as das madames, al!o ue se apro/ima da
per*ei%o. Poemas so imper*eitos, calcinhas distra)das e sapatos no. (/istem homens
assim, ue vendem sapatos e escrevem poemas. (sses so raros, to raros uanto pin!Tins"
rei do norte $rtico. (ste em uesto mais raro ainda? pois sonha no com poemas, mas
com o dia em ue ser$ promovido para a se%o de lin!eries. ( este meu dia che!ar$.
-1
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PRESS2O
Lma!ine"se um escritor na noite chuvosa. noite chuvosa antes, peuenas !otas de vidro
uebrando tediosas o zinco dos telhados. noite, e o escritor no conse!ue escrever.
Lma!ine"se ue so*re de insuem estaria
aui no meu lu!ar, se!urando entre os dedos este ci!arro aceso; 8in!um, provavelmente.
8in!um como ele uando menino !ostava de subir no telhado do prdio onde morava para
ver de perto as estrelas. beleza o *eria, por isso decidiu escrever, para re!istrar preciso
seus *erimentos, como um mdico le!ista sobre um parecer criminal. 8a poca em ue
-+
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escrevia, ima!ine"se ue recorda, vivia rodeado de pessoas e acontecimentos, mulheres
breves e lindas escorriam das suas mos como doces uentes, ualuer coisa o comovendo
para ue *osse re!istrada por seus dedos, como se suplicassem por isso, as coisas, e
dissessem necessitar disso para sobreviver. !ora nada o comove, nada o *ere, nada o pede
uma p$!ina seuer. ( se chora, mais por lembrar dessa poca e menos por estar *erido ou
comovido neste instante, poca das mos tensas escrevendo, da mesma tenso nos dedos
acariciando os ne!ros cabelos dela, a mesma mo ue hoje envelhece e est$ morta para o
te/to. Lma!ine"se como so*re, como detesta a chuva ue cai, como uer o sono e as
palavras de volta. Lma!ine"se no saber ao certo uando tudo come%ou, esta esterilidade
im&vel, a va!a no%o apenas de h$ dez anos ter andado e andado em c)rculo em volta da
p$!ina, da p$!ina onde havia o conto, o conto ue ria lhe escancarando a arcada, ria de seus
es*or%os, de seu circular incessante e in9til. 4eve ter sido ali, ele pensa, ue a idia da
per*ei%o se *ez, a idia da obra m$/ima lhe al*inetando as p$lpebras. Lma!ine"se ue *oi ali
mesmo a pantomima descrita, uando a espontaneidade da escrita cedeu lu!ar ima!em do
!nio *ormal *orjada por ele. 2 *ormalismo, senhores, esta chuva ue cai. Lma!ine"se ue
recorda a poca em ue escrevia? ele vivia rodeado de pessoas e acontecimentos, mulheres
breves e lindas escorriam das suas mos como doces uentes, ualuer coisa o comovendo
para ue *osse re!istrada por seus dedos, como se suplicassem por isso, as coisas, e
dissessem necessitar disso para sobreviver. =orr)vel ima!inar isto no; !ora, ima!inem
um vaso de *lores sobre a mesa. Porue eu di!o? a mesma coisa.
-
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OS SAPA-OS E ORO-)8
(le diz? ue pssimo dia ser$ hoje, e seus olhos se *i/am no espelho. de manh cedo,
mais um dia de manh cedo. Hm pssimo dia em particular, porue *az *rio, as chaves
con!elam dentro das *echaduras da porta. =$ duas *echaduras na porta, trancadas por duas
voltas, tudo para di*icultar poss)veis roubos de ue tem not)cias. M$ houve v$rios roubos em
uase todos os apartamentos do prdio, menos no dele. 2 dele prote!ido por duas
*echaduras com duas voltas de chave cada, mas tudo in9til. ( uem vai uerer roubar esta
dro!a, ele pensa, enuanto *az seu ca*, os dentes ran!endo de *rio, as mos en*iadas nos
bolsos da cal%a tocam moedas *rias. (le tira as mos dos bolsos e as assopra em concha, o
ca* c
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uais vinha tendo ue se levantar mesma hora e todos os dias, mesmo pre*erindo
permanecer prote!ido pelo calor dos cobertores tuberculosos ue nunca eram lavados.
Pensava nisso enuanto sorvia da !arra*a de a!uardente al!uma espcie de compensa%o.
Pensou nisso a!ora tambm, h$ minutos, enuanto colocava o par de sapatos uatro
n9meros menor ue o seu. 'ua cabe%a do)a, matou a !arra*a inteira ontem, bebendo $lcool
em um copo de pl$stico. lou%a est$ toda suja, e ele no ter$ cora!em de lav$"la enuanto
o *rio no *or embora mas, h$ uanto tempo no vai; (le !osta de !arra*as vazias, mas,
mais do ue isso? !osta ele mesmo de esvazi$"las. l!uns ami!os !ratuitos dizem ue
porue tem sede, outros mais !ratuitos ainda a*irmam ter ele o talento de assoprar notas
musicais para dentro delas. (le no con*irma nenhuma das hip&teses, apenas se!ue
bebendo, um moto"cont)nuo movido tristeza. ( desespero. (le diz? ue pssimo dia ser$
hoje, e seus olhos se *i/am no espelho. #ais um pssimo dia repete novamente, diz de novo
para si, a!ora colocando o par de sapatos uatro n9meros abai/o do seu. pesar do ue
possa parecer, este seu par pre*erido de sapatos. 'apatos so uma das poucas coisas ue
ele tem sobrando. lm de livros, s& sapatos. Poderia p
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*rias. 2 homem precisa ter al!um tipo de compensa%o na vida. 8em ue seja a promessa
de um simples par de sapatos sendo tirado. (u sou o sapateiro poeta ue h$ vinte anos lhe
vendeu os sapatos.
O F#)O
(las riram dele na noite anterior, os cotovelos riscando a madeira da mesa. (le tentava
escolher uma delas, mas estava di*)cil, havia bebido muito e todas eram lindas, verdadeiras
m$uinas suaves vestindo meias de seda. 'uas risadas ainda ecoam l)uidas em sua
mem&ria, ele ali sentado no banheiro, *azendo es*or%o h$ horas. Dembra de ter dito? sou u"
es9ritor, uando decidiu levantar da mesa e pa!ar a conta sem levar nenhuma. (las riram
mais dele na noite anterior do ue nas outras noites, e mais ainda uando levantou"se
empunhando auela *rase. *rase como um buu de rosas de san!ue, como l3minas
)ntimas sua boca, o dei/ou em pssimos len%&is. >ue idiota eu *ui, ele pensa, contraindo
os m9sculos do est
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diante delas, peueno, por isso talvez nunca tenha levado nenhuma. Gosta de olh$"las, de
observ$"las, de esperar ue elas o lesem, o *iram, o destruam com a beleza delicada e
poderosa dos pr&prios !estos. 'ou um escritor; >ue !rande merda. Pre*eria ser uma
prostituta, ele pensa, e no entanto est$ ali h$ horas, e nada. >uando o mundo acabar,
escritores no sero mais necess$rios, se nem a!ora o so de *ato, ento, para u terminar
nossos livros, ele se per!unta, mil vezes ser o solo *rtil onde as sementes so jo!adas, o
cho 9mido de ov$rio *ecundo, at mesmo o pr&prio ov$rio em si, ualuer um dos corpos
laterais do 9tero da *mea, ualuer coisa menos o escritor, o escritor no, o palha%o at, o
bbado, o criminoso, tudo menos o embuste de tudo isso. (las riram dele na noite anterior,
a noite ne!ra de ontem, uando levantou"se da mesa e, sem levar nenhuma, disse? sou u"
es9ritor, e !ortanto "e res!eite".( como elas riram, riram de chorar, riram at uase
uebrar os ossos da mand)bula. Como as mulheres riem, como parecem ter molas dentro da
!ar!anta, como so 9midas e riem, como so l)uidas e riem, eternas e riem, e como riram,
e como ale!raram"se com o alheio a elas, elas sabem ue trazem as sementes da
humanidade no ventre e por isso re!ozijam"se com o desastre sucedido a outro, e riram
tripa *orra, e riram at rebentarem as ilhar!as enuanto o escritor dissolvia"se em chorume,
e escorria para *ora.
=$ horas ele estava ali, *azendo es*or%o, e nada. Che!ou a adormecer no sanit$rio, at
sonhou ue era uma mulher prestes a dar luz. 2 !rito da crian%a 9mida e azul o *ez
despertar. :iu ue ainda estava em seu banheiro imundo, e suspirou. Percebeu ue tambm
passara a priso de ventre, al!o em seu est
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8em teve tempo de dizer ue sim, sou um escritor... Hma mo inesperada e ne!ra, viscosa
e *rrea, *antasma e des!ra%adamente il&!ica subitamente emer!iu do sanit$rio, a!arrando"
lhe os test)culos. N#inha !ar!alhada ainda soaria por horas, reverberando entre as paredes
do banheiroO.
SA%&'E
'onhou ue 4eus arrebatava todas as mulheres menstruadas do mundo e as levava para o
cu do azul limp)ssimo e elas *icavam l$, tomando vinho tinto e menstruando, bebendo e
menstruando, san!ue saud$vel e !rosso e turvo, e bebiam e menstruavam, e eram belas e
*ortes as mulheres ue san!ravam e sorriam e menstruavam e bebiam tanto, escorredouro
tanto, deslizes tantos, e tantas encharca%0es de rubros ue choveu san!ue no mundo da
tarde do seu sonho, e no havia !uarda"chuvas nem tetos, nem copas de $rvores nem
abri!os poss)veis, nada ue prote!esse os homens desse chover sa!rado e delicioso e
uente. Choveu acr)lico san!ue nesse sonho, e as mulheres l$, re!ando a terra, arando as
plan)cies, enchendo de vermelhido o cinza carvo dos solos. Aoi tanta e tanta chuva, ue
os sapos vomitaram espumas escarlates e da terra nasceram crian%as macias e *lores 9midas
e *etos ue pulsavam, alm de lindos !or!ulhares sobre o poro das pedras, enuanto ele
pensava ue sim, ue e/istiam lu!ares como este do seu sonho, porue ele sabia ue a av&
tambm estaria l$, chovendo e se encharcando do mais viscoso escorrer dela, sorrindo e se
encharcando de tudo auilo ue sonhou, embora, talvez, no instante se!uinte, ela no se
lembrasse mais disso.
-I
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PREF2C#O
2 ue o senhor uer dizer com isso;
>ue uma espcie de neurose doutor, acontece, por e/emplo, uando estou espremendo
laranjas.
Daranjas;
Hm dia desses ela *icou doente, !ripada, e tive ue espremer o suco de vinte e uatro
laranjas para ue ela bebesse.
8o entendo.
(/plico? na uarta laranja espremida tive a sensa%o do tempo parar, do vazio do tempo se
estender ao meu redor, o silncio, *iuei observando a cor do espremedor com a cor das
laranjas, as cores se misturando ali, bem diante do trabalho dos meus m9sculos e da
curiosidade dos meus olhos, as laranjas laranjas e o espremedor verde se misturaram, se
tornaram uma coisa s&, minha mo junto, depois meu bra%o, meus plos, sobrancelhas, a
carne en*im, tudo dissolvido e misturado, e o tempo ao redor um eni!ma se estreitando
sobre a cozinha, o senhor entende no ;
8o, me e/pliue melhor.
(u esueci de mim doutor, *ui varado por uma violncia *eita de beleza e de espanto, de
p3nico, ento esueci de mim, e uis descrever em palavras esse esuecimento...
-J
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50/59
2 senhor se esueceu do senhor, espremendo laranjas;
Lsso acontece tambm uando estou andando, j$ lhe disse ue adoro caminhar;
8o@
Pois adoro, e *a%o caminhadas lon!as e di$rias, to lon!as ue em determinado ponto do
percurso sinto minhas pernas me levarem a esmo, como se eu no *osse mais dono delas,
elas se apartam de mim e continuam sozinhas, ento meu corpo antes caminhante torna"se o
caminho, o pr&prio caminho sou eu, uer dizer, o corpo mantm"se em movimento com as
pernas, mas a mente, a mente va!a em um vero distante, e/altado, respira com todas as
coisas ao redor como se todas lhe pertencessem, e neste instante ue as palavras sur!em,
o senhor me acha um neur&tico no;
8o sei ainda ao certo.
ima!ina%o uma espcie de neurose, desde crian%a *ui assim, uando crian%a, eu
acordava em p3nico, achando ue no ia mais me mover.
(m p3nico;
Hm se!undo de p3nico apenas, onde come%ava primeiro me/endo os dedos do p, depois o
joelho, a perna, ento ia me acalmando, a carne rela/ada suspirava de al)vio, e as palavras...
s palavras lhe vinham tambm nesta hora;
(/atamente, sempre tive esta vontade de descrever tudo em palavras, e ao mesmo instante
em ue vivia sabe, retirar as palavras da pedra do dicion$rio para p
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#inha av& so*ria do #al de lzheimer, eu escrevi sobre ela, meu tio era um barbeiro
melanc&lico e portu!us, ueria escrever sobre ele, ueria escrever sobre tudo, meus olhos
so obsessivas m$uinas *oto!r$*icas apontadas para o mundo, certa vez, observando uma
padaria lotada, *azia *rio, e eu tive uma viso.
Hma viso;
Corri para casa porue havia esuecido o caderno l$, ueria re!istrar o ue vi, re!istrar os
velhinhos vestindo cartazes no centro, o !aroto ue conheci e ue tinha problemas com
buracos, meus vizinhos barulhentos, meu &dio por palha%os, por tele*ones, meu amor pelos
cabelos ue crescem, pelos vasos de *lores ue e/istem, pelos loucos, ah os loucos, acha
ue sou louco doutor;
8em um pouco, mas...
5udo pode ser apreendido atravs das palavras, tudo pode ser compreendido por elas, tudo
menos 4eus, a*ora 4eus tudo, todos os outros objetos, as *acas, uma vez olhei para uma
*aca e...
#inha nossa, o ue voc *ez;
8ada, absolutamente nada, este o meu problema? minha imobilidade diante da beleza de
tudo.
>ue susto@
Hma vez, vi um velhinho sentado em uma pra%a e chorei por horas.
Por u;
Chorei por todas as possibilidades e/istentes no poru de haver velhinhos sentados nas
pra%as, j$ lhe disse ue adoro velhinhos;
8o.
61
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Gosto mais de velhinhos do ue de andar, do ue de espremer laranjas, mas mais de
escrever, um corpo estranho deitado em minha cama, um livro ue viaja rompendo espa%os
via correio, as cartas na mesa, as doen%as, a solido, o obscuro ue h$ em mim necessita
en!olir tudo, at sapatos doutor, at a pr&pria porcaria da literatura, o pr&prio o*)cio de
escrever, a ima!ina%o uma doen%a, uma doen%a terr)vel, ela me dei/a vulner$vel ao
mundo, ela me *ere, me *ere com a beleza e a des!ra%a de todas as coisas e/ternas a mim, o
ue *a%o;
em...
Conhe%o est&rias demais doutor, e todas as palavras do mundo j$ atravessaram meus dedos,
uma verti!em de *ebre esse uerer escrever, precisar disso, este nosso papo inclusive, ser$
escrito...
:oc precisa se acalmar...
Precisar e conse!uir so duas cora!ens di*erentes, ambas di*)ceis, o ue o senhor me
recomenda;
om, diante do uadro...
(le masti!a a caneta entre os dedos...
2 ue disse;
8ada, ue j$ estou louco para ir pra casa e escrever.
om, diante do uadro nada me resta a *azer a no ser encoraj$"lo a continuar escrevendo.
(screvendo;
'im, mas antes de tudo...
2 u;
ntes de tudo...
4i!a doutor, devo escrever um livro;
6+
7/27/2019 Breves Fraturas Portteis
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8o, pelo visto o livro j$ est$ escrito.
(nto; ntes de tudo voc precisa escrever...
2 u a*inal;
(screver um pre*$cio para ele@
AEROPOR-O COR-AO POR F'SO )OR2R#O
s possibilidades so in*initas.
2utro velho poderia estar sentado sobre o banco da pra%a.
Hma mulher nua !irando uma ciranda pela sala esperando um homem ue no vir$.
2utro livro repousaria no banco ao lado do ual o velho se senta.
(la desistiria da espera, tomaria um banho, vestiria"se de ne!ro, pintaria os olhos, e sairia.
2 velho no moveria um dedo seuer.
:elhos no tm para aonde ir, pre*erem sentar nos bancos da pra%a e esuecer.
Hma me alcoolizada correria no parapeito da varanda do seu apartamento no stimo andar.
(la estaria triste, por isso bbada.
(m vez de um chapu, o velho portaria um !uarda"chuva.
2utro velho co%aria suas *rieiras em casa, esperando a hora de tomar seu remdio. l!uns
velhos pre*erem *icar em casa, achando ue a ualuer momento um de seus *ilhos ou netos
entrar$ pela porta para dizer o uanto ele importante.
Hma loira travaria um di$lo!o imposs)vel com outra ami!a tambm loira sobre as
vanta!ens de se tocarem ali mesmo.
mbas estariam cansadas da pressa dos homens e decidiriam ali mesmo investir nas
mulheres.
(las se tocam.
6
7/27/2019 Breves Fraturas Portteis
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Vmidas.
Hm pouco entediado, o velho sentado na pra%a notaria o livro esuecido no banco ao lado.
Hm homem levaria a mo cabe%a e choraria.
(le no sabe mais o ue *azer.
a terceira noite ue sua *ilha dorme de barri!a sem nada.
2s an9ncios de empre!o estariam todos marcados de promessas e caneta bic.
'ua mulher o culparia.
#andaria tomar al!uma atitude.
(le apanharia a arma e sairia.
2 velho da pra%a abriria o livro na primeira p$!ina.
=averia uma dedicat&ria nela.
8a esuina, o homem desesperado toparia com uma !arota vestida em ne!ro.
(le a assaltaria.
8a dedicat&ria, o velho leria? para a Doira, com amor, ass? (le.
!arota vestida em ne!ro bateria assustada no primeiro apartamento ue encontraria.
4uas loiras 9midas ue se tocavam atenderiam.
2 velho leria o livro at o uarto par$!ra*o e pararia de ler, seus olhos doeriam porue
esueceu os &culos em casa.
Wculos;
2 homem desesperado iria ao mercado comprar comida para *ilha, na bolsa ue traria,
v$rias notas de cinTenta.
(le levaria o ue desse mais um ma%o de ci!arros ue no *uma h$ semanas.
8a sa)da, esbarraria em um velho ue procura seus *ilhos.
2 rev&lver dispararia.
6-
7/27/2019 Breves Fraturas Portteis
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cincia a servi%o do acidente.
2 velho no veria mais seus *ilhos.
2 livro versaria sobre assassinatos.
8a certa um romance policial.
Hma mulher apareceria morta na uarta p$!ina.
'an!ue.
'an!ue na p$!ina.
2 homem correria mais desesperado ainda.
s latas de biscoito cairiam pelas ruas.
Hma chuva de acr)lico.
(le che!aria em *rente ao prdio onde mora.
mulher assustada contaria para as loiras 9midas ue se tocavam ue seu namorado havia
lhe dado cano e ue ainda por cima *ora assaltada.
uele miser$vel.
'eria consolada pelas duas desacreditadas dos homens e dos assaltos.
Vmidas.
'an!ue.
Lrritado por seus olhos ue do)am, o velho se intri!aria?
>uem porra seria a Doira;
2 homem desesperado suspiraria de al)vio no momento em ue uma me alcoolizada cairia
do stimo andar bem em cima de sua cabe%a.
:elhos no tm para aonde ir.
Pre*erem sentar nos bancos da pra%a e esuecer.
#as este velho em uesto decidiria *inalmente mover"se.
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7/27/2019 Breves Fraturas Portteis
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#over"se para procur$"la@
(le tomaria um t$/i.
(u per!untaria?
Para onde senhor;
'i!a do uinto par$!ra*o em diante@
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POSF2C#O
=$ um livro sobre a mesa.
8o o ue viaja via correio rompendo espa%os, mas outro.
Hm ue se terminou, e no apenas um ue se terminou, mas um ue basta terminado, ue
se completa, ue autodevora"se.
Poucas coisas no mundo, alm do livro, se bastam terminadas.
pedra.
porta.
mo com os dedos *echados.
mulher ue !era.
2 !uarda"chuva esuecido atr$s da porta.
Poucas so inviol$veis.
2 livro inviol$vel,
e inviol$vel porue j$ maculou a nudez da p$!ina em branco com todas as palavras
necess$rias.
Palavras no so mais necess$rias ao livro.
s ue esto, j$ bastam.
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8ada pode ser acrescentado ao livro, ou retirado dele, seuer al!uma coisa poder$
machuc$"lo.
2 livro $e ponto.
2 livro tem est&rias, peuenas e breves est&rias de curto *
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=$ um livro sobre a mesa.
8o o ue viaja via correio rompendo espa%os, mas outro.
Hm ue se terminou, e no apenas um ue se terminou, mas um ue basta terminado.
o redor dele, h$ um mundo.
( dentro do mundo, o homem ue o escreveu.
2 homem pertence ao mundo, mas escreveu o livro.
2 homem viol$vel, o livro no.
2 homem ri e chora, e ama os outros homens e toma banho e diz?
bom dia S
e cruel e belo.
2 homem respira *ora do livro, nasceu do 9mido de sua me, e em breve morrer$.
(le morrer$, mas no o livro.
Por isso ue sorri, por isso ue colocou a cabe%a para *ora da janela, para participar das
ruas novamente.
(le lo!o sair$ de casa e andar$ pelas ruas.
(is o homem ue, apartado do mundo, escreveu o livro.
( ue em breve voltar$ de sua lon!a caminhada,
para escrever outro.
( escrever$ no por vaidade, e sim porue no h$ como ser de outra maneira.