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ISSN 1517-2422
Cadernos Metrpole n 18pp. 1-296 20 semestre 2007
cadernos
metrpoleacumulao urbana
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Cadernos Metrpole / Observatrio das Metrpoles n. 1 (1999) So Paulo: EDUC, 1999SemestralISSN 1517-2422
1. reas Metropolitanas - Peridicos. 2. Sociologia urbana - Peridicos. I. Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo. II. Grupo Pronex Metrpole: Desigualdades Socioespaciais e GovernanaUrbana
CDD 300.5
Peridico indexado na Library of Congress - Washington
Catalogao na Fonte - Biblioteca Reitora Nadir Gouva Kfouri / PUC-SP
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Conselho EditorialAna Maria Rapassi
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PUC-SP
Reitora
Maura Pardini Bicudo Vras
Vice-Reitora Acadmica
Bader Burihan Sawaia
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cadernos
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CONSELHO EDITORIAL
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sumrio
9 Apresentao
dossiera metrpole e a acumulao urbana
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A cidade como negcio: produodo espao e acumulao do capitalno municpio de So Paulo
Adriano Botelho
Mercado imobilirio e estruturaodo espao na Regio Metropolitanade Curitiba
Gislene PereiraMadianita Nunes da Silva
Rede sociotcnica do direito habitao e a configuraodo espao em Curitiba
Samira KauchakjeClovis Ultramari
A gesto dos bens imveis da Uniosob o comando do Exrcito e adinmica espacial em Recife e Olinda
Maria do Carmo de Albuquerque Braga
The city as business: spaceproduction and capital accumulation
in the city of So Paulo
The sociotechnical network ofthe right to housing and space
configuration in the city of Curitiba
The Armed Forces managementof the Governments real estate
assets and its implications for thespatial dynamics of the cities
of Recife and Olinda
Social capital, neighbourhoodrevitalization and the role of housing
associations: Dutch evidence
Capital social, revitalizao debairros e o papel das associaeshabitacionais: o caso dos Pases Baixos
Hugo Priemus
Reinout Kleinhans
Real estate market and spaceorganization in the Metropolitan
Region of Curitiba
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135 Transformaes na estruturasocioespacial das favelas cariocas:a Rocinha como um exemplo
Gernimo Leito
Transformations in the socio-spatialstructure of Rio de Janeiros slums:
Rocinha as an example
275 Trabalho, moradia e (i)mobilidadeespacial na metrpole do Riode Janeiro
Luciana Corra do Lago
Work, housing and spatial (im)mobilityin the metropolis of Rio de Janeiro
251 Segregao residencial, condiosocial e raa em Salvador
Inai Maria Moreira de Carvalho
Vanda S Barreto
Residential segregacion, socialcondition and race in Salvador
Dinmica imobiliria e turismo: novasrelaes, novos riscos
Alexsandro Ferreira Cardoso da SilvaAngela Lcia de Arajo Ferreira
Real estate dynamics and tourism:new relations, new risks
173Present and future of themetropolises of Latin America
Presente y futuro de las metrpolisde Amrica Latina
Emilio Pradilla Cobos
Lisett Mrquez Lpez
O verde como estratgia devalorizao imobiliria: a formao deum projeto urbanstico em So Paulo
Daniella Almeida Barroso
157Green areas as a strategy of realestate valorization: the formation
of an urbanism project in So Paulo
Asentamientos irregularesmontevideanos: la desafiliacinresistida
Mara Jos lvarez Rivadulla
207Irregular land occupations inMontevideo: resisting exclusion
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Apresentao
A cidade brasileira contempornea resulta da combinao perversa de dois me-
canismos: de um lado, um laissez-faire, pelo qual a cidade foi transformada em objeto
da acumulao privada de riqueza e, de outro, a poltica de tolerncia total com todas
as formas de apropriao do solo urbano. O primeiro permitiu a aliana entre as classes
dominantes em torno de um projeto concentrador de desenvolvimento que precisou aco-
modar os interesses locais da burguesia e os interesses das firmas internacionais. A acu-mulao urbana foi o escoadouro dos interesses locais, o Estado agindo como protetor
dos mercados da construo civil e da concesso de servios coletivos. A segunda teve o
papel de incorporar na poltica, de maneira subalterna, as classes populares urbanas for-
madas pelo massivo processo de transferncia da populao do campo para as cidades.
A poltica perversa de tolerncia total serviu para deixar espaos para que a populao
construsse, pela autoproduo, as precrias bases urbanas da sua reproduo.
Atravessamos hoje um momento de transio desse modelo. A acumulao urbana
reconfigurada pela crescente incluso de interesses de grandes corporaes internacio-
nais, articuladas pelo capital financeiro. Chegaram ao Brasil, com efeito, os efeitos imobi-
lirios da fase vivida pela economia mundial, na qual a combinao entre sobreacumula-o de capital, queda da taxa de juros, prosperidade e estabilizao monetria tornam os
ativos urbanos importantes objetos de investimentos. A demanda de grandes capitais por
solo urbano, para realizao de uma variada sorte de negcios, vem gerando forte valo-
rizao imobiliria. Como fundamentos desse movimento esto, de um lado, os fundos
de investimentos estrangeiros que buscam no imobilirio a diversificao da sua lgica
de acumulao financeira, e, de outro lado, os investidores que saram da produo em
busca das at ento hiperatrativas taxas de juros e que agora perseguem as promissoras
expectativas de valorizao imobiliria.
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Mas a reconfigurao da acumulao urbana no est restrita s grandes cidades
e, tampouco, ao circuito imobilirio-residencial. Na regio metropolitana de Vitria, as
incorporaes esto se concentrando nos bairro de Laranjeiras, no municpio de Serra.
No Rio de Janeiro, a rea total licenciada para construo aumentou 34% no primeirotrimestre de 2007, fortemente concentradas na zona sul tradicional e na vasta rea da
Barra da Tijuca. Em Salvador, a venda de imveis cresceu 32% no primeiro trimestre
de 2007.
Alm do mercado residencial de alto luxo, outro segmento vem reconfigurando a
acumulao urbana. Trata-se de um novo segmento do imobilirio-turstico, em franca
expanso nas metrpoles nordestinas de Natal e Fortaleza e que se espalha para Recife
e Salvador. O novo sopro de investimentos nesse seguimento relaciona-se com as trans-
formaes desse mercado globalizado, que vinha de concentrando nos Estados Unidos,
Espanha, Portugal, Mxico, Repblica Dominicana. As cidades do Nordeste surgem co-
mo alternativa competitiva aos capitais europeus especializados na produo da segundaresidencial, demanda formada por aqueles que se beneficiam das novas modalidades de
crescimento dos pases desenvolvidos. No temos tsumanis, nem furaes, alm de des-
frutarmos de um clima extremamente favorvel o ano inteiro, 3.3 kilmetros de costa,
razovel infra-estrutura e posio estratgica em termos de ligao area com os Esta-
dos Unidos e a Europa. Acrescentem-se a esses fatores os baixos preos da terra e da
mo-de-obra, alm de uma poltica de federal de incentivo ao mercado de turismo j em
curso h alguns anos.
So novos atores, novo porte dos empreendimentos e novas modalidades de in-
corporao imobiliria. O imobilirio-turstico toma a forma principal da construo dehotis-resorts que so, simultaneamente, condomnios-fechados oferecidos compra
aos investidores e usurios estrangeiros. Os ganhos so realizados em trs negcios: no
empreendimento propriamente turstico o hotel , no residencial apartamento que
podem ser usados gratuitamente pelo comprador-investidor e nos servios oferecidos
de lazer e entretenimento. Outro derivativo negcio torna-se extremamente atraente.
Trata-se da captura de renda do solo decorrente da valorizao imobilirio gerada pelo
empreendimento no entorno urbano. Uma srie de subnegcios imobilirios decorrem
dessas operaes, sem falar dos derivativos que penetram no cada vez mais organizado
mercado da explorao sexual.
importante assinalar que por detrs desse movimento esto poderosos interes-ses financeiros comandados pelas seguradoras, na medida em que a alternativa oferecida
pelas cidades nordestinas permite a diluio dos riscos de desvalorizao decorrentes das
catstrofes naturais que assolam os j constitudos espaos de expanso desses negcios
no mundo. Essa questo nos parece essencial para entender as conseqncias da incor-
porao da acumulao urbana nessa lgica.
Com efeito, nos dois casos, samos de uma fase em que a produo mercantil da
cidade se realizava pela dinmica da produo molecular-incremental, movida pela busca
da apropriao de rendas fundirias decorrentes das mudanas urbanas, para outra, em
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que a produo monopolista e promotora direta de fortes alteraes das estruturas
urbanas das cidades. Fortaleza e Natal so cidades que esto sentindo na carne os efeitos
fragmentadores dessa nova lgica da acumulao urbana, pois o tecido urbano anterior
vem sendo esgarado pela fora de arrasto desses empreendimentos. Outro aspecto im-portante dessa mudana decorre das ameaas desvalorizao dos empreendimentos,
que implicam em macias imobilizaes territoriais de capital, decorrentes da vigncia
da poltica perversa de tolerncia total. Com efeito, a continuidade dessa poltica est
sob a presso dos processos de ocupao ilegal, invaso e favelizaesdos territrios
mais centrais das metrpoles. So processos resultantes da combinao da precariza-
o e informalizao do trabalho e da crise da mobilidade urbana. Para que um vasto
contingente de populao trabalhadora esteja na grande cidade depende da proximidade
ou da acessibilidade aos territrios nos quais esto se concentrando a renda pessoal e a
riqueza. Essa luta pela centralidade tem sido gerida de maneira diferente de cidade pa-
ra cidade, conforme o regime urbano que organiza a gesto do territrio, expresso nacorrelao de foras entre os interesses dominantes e as classes populares. Naquelas em
que, historicamente, o regime urbano foi menos permeado pela aceitao da proximida-
de territorial entre ricos e pobres, o tamanho e o volume da atual presso dos condena-
dos da cidade pela centralidade tm gerado reaes intolerantes do poder pblico quanto
informalidade e ilegalidade. Trata-se de respostas do regime urbano local s ameaas
de desvalorizao das novas facetas da acumulao urbana decorrentes da proximidade
entre riqueza e pobreza.
Neste nmero dos Cadernos Metrpole so colocados em cena os principais agen-
tes sociais envolvidos na produo e distribuio do solo urbano, apresentando paradebate alguns dos aspectos centrais da questo fundiria nas cidades. As abordagens
contemplaro tanto a participao da sociedade civil e dos movimentos populares quanto
a atuao do poder pblico no dilogo com os agentes imobilirios do setor formal e
informal, com o capital incorporador e com as foras do mercado.
Alguns autores assumiram a tarefa de desvendar a lgica da produo da cidade
como um negcio, analisando os mpetos da acumulao capitalista na configurao de
um espao urbano desigualmente distribudo, com a mediao do mercado imobilirio.
Adriano Botelho destaca (com base no caso de So Paulo) a interao dos Fundos de
Investimento Imobilirio e dos Certificados de Recebveis Imobilirios, apontando seus
efeitos nos processos de segregao socioespacial. J o texto de Daniella Almeida Barro-so discute a utilizao de estratgias de apelo ecolgico, na rea do Parque Burle Marx,
tambm na cidade de So Paulo, que a exemplo de outras reas recentemente recria-
das pelo capital imobilirio, funciona como reserva de valor, com impactos no processo
de valorizao do entorno, em nome da preservao do verde eterno. Mesmo no caso
do aglomerado metropolitano de Curitiba, estruturado sob a gide do marketingurbano
e do planejamento estratgico, a lgica perversa do mercado tambm se fez sentir de
forma muito acentuada, abrindo espao para as ocupaes irregulares e para o mercado
imobilirio informal. Tendo em vista a compreenso das dinmicas presentes naquela
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rea metropolitana, Gislene Pereira e Madianita Nunes da Silva apresentam resultados
de pesquisa que reforam a idia de que a ilegalidade de ocupao do solo tambm
decorrente da natureza do marco legal que define o estatuto da propriedade e do uso do
solo nas cidades.Em cidades onde predominam as leis do mercado, a legislao disponvel pa-
ra garantir os direitos e a proteo social torna-se extremamente vulnervel. Nesse
sentido, as relaes Estado-sociedade civil so permeadas por tenses decorrentes do
distanciamento do discurso legal e das prticas reais. Com base nesses supostos, o
texto de Samira Kauchakje e Clovis Ultramari que tambm aborda o caso de Curiti-
ba destaca a importncia do planejamento como instrumento que fortalece o alcance
das polticas pblicas (no caso, as voltadas habitao) como garantidoras dos direitos
sociais na cidade.
Nesse embate observado nas cidades brasileiras e, especialmente, nas regies me-
tropolitanas, entre as leis do mercado, a dinmica imobiliria, as polticas urbanas e osagentes sociais, emergem algumas especificidades no contexto das cidades litorneas.
Tais especificidades referem-se tanto construo de espaos ntidos de segregao,
delimitados pela proximidade da orla martima, como pela interferncia das atividades
do setor turstico, atraindo investimentos estratgicos para o setor residencial. Alm
disso, freqente, em cidades litorneas, a presena de reas do patrimnio imobilirio
pblico, seja do Exrcito, da Marinha e/ou da Aeronutica, que acabam por interferir na
dinmica imobiliria daquelas cidades. O texto de Maria do Carmo de Albuquerque Bra-
ga, referindo-se especificamente aos casos de Recife e Olinda, procura mostrar como o
Exrcito, em razo do patrimnio que acumulou, tornou-se um dos importantes agentesdo mercado imobilirio na regio metropolitana do Recife.
Analisando o caso de Salvador, Inai Maria Moreira de Carvalho e Vanda S Barre-
to discutem as articulaes entre segregao residencial, posio social e raa, trazendo
uma contribuio que ultrapassa a questo da territorializao de brancos e negros, e
mostrando que a rede de relaes sociais, com sua base espacial, constitui um fator
decisivo para o acesso ao mercado de trabalho. Conforme assinalam as autoras, alguns
estudos tm constatado que uma alta concentrao de pobres, destitudos de capital
cultural e social, afeta o desempenho escolar, reduzindo a possibilidade de concluso do
segundo grau (...) patamar mnimo para obteno de um emprego formal.
A relao entre espao urbano e capital social tambm discutida por HugoPriemus e Reinout Kleinhans, demonstrando que, respeitadas as diferenas entre pa-
ses, a base espacial o lcus das relaes sociais a partir das quais se produz capital
social e onde so geradas sinergias para a atuao da sociedade civil e das associaes
de moradores.
O texto de Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva e Angela Lcia de Arajo Ferreira
procura desvendar os meandros de um fenmeno relativamente novo nas cidades nor-
destinas a atuao do setor imobilirio, vinculada s atividades tursticas, na promoo
de novssimas localizaes residenciais. Procuram tambm analisar as estratgias e os
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mecanismos utilizados por esses agentes produtores de espaos segregados para sua
comercializao. Embora o trabalho refira-se, especificamente, Regio Metropolitana
de Natal, os autores consideram que estudos desenvolvidos para as metrpoles de Forta-
leza, Recife e Salvador sero fundamentais para apontar as semelhanas e diferenas dalgica de ocupao dos territrios, bem como de seus mecanismos de implantao.
Complementando os textos do dossi temtico, Luciana Corra do Lago trata de
uma questo bastante discutida nos ltimos anos a imobilidade espacial das camadas
pobres da populao que habitam as grandes cidades brasileiras, em especial a metrpole
do Rio de Janeiro. A autora parte das formas de segregao existentes ao longo das lti-
mas dcadas na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro e discute as diferentes teses que
explicam o fenmeno da imobilidade, relacionadas tanto ao mundo do trabalho quanto
ao dinamismo da economia e dos novos fluxos do capital.
As mudanas ocorridas durante os ltimos cinqenta anos na estrutura socioespa-
cial da favela da Rocinha, localizada na cidade do Rio de Janeiro, so o foco do trabalhode Gernimo Leito. Local tradicional de moradia de migrantes nordestinos, a Rocinha
passou por drsticas modificaes: o uso e a apropriao do solo tornaram-se cada vez
mais complexos, o comrcio estruturou-se, diversificou-se. O mercado de trabalho cres-
ceu dentro da prpria comunidade e o mercado imobilirio informal ganhou espao, por
meio da atuao de imobilirias e empreiteiras, elevando o preo do solo e dificultando o
acesso antiga terra sem dono.
O artigo de Mara Jos lvares Rivadulla analisa as ocupaes irregulares de ter-
ra na cidade de Montevideo, no Uruguai, focalizando o fenmeno das ocupaes como
parte da Questo Social Urbana com as especificidades que assume, hoje, nos pases daAmrica Latina. Vinculando as possibilidades de acesso terra urbana s diferentes for-
mas de excluso social que eclodem nas cidades, a autora discute o alcance das polticas
pblicas e traa um perfil detalhado da populao residente nos assentamentos irregula-
res e de suas formas de insero no mercado de trabalho urbano, apontando o aumento
da vulnerabilidade entre essas populaes. Destaca, tambm, as importantes mudanas
observadas nas relaes que se estabelecem entre os moradores desses assentamentos e
o Estado, alm do expressivo aumento das demandas por polticas de incluso social.
Finalmente, o dossi sobre as transformaes do mercado imobilirio publicado
neste nmero complementado pela reflexo proposta por Emlio Pradilla Cobos e Lisett
Mrquez Lpez sobre os resultados urbanos das polticas neoliberais nos pases da Am-rica Latina. Para os autores, podemos hoje encontrar neste continente cidades neolibe-
rais cujas facetas mais visveis so a disperso urbana, a desordem, a informalizao e
a fragmentao, colocando grandes desafios queles que lutam por utopias da la ciudad
incluyente, tema do livro de Emlio Pradilla Cobos, inspirador do presente artigo.
A se confirmarem as tendncias aqui descritas, de reconfigurao da acumulao
urbana nas cidades brasileiras, estamos diante de uma nova fase da mercantilizao da
cidade, ao mesmo tempo em que a poltica de tolerncia anteriormente vigente com
respeito proximidade territorial entre ricos e pobres que, embora perversa, permitiu
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que os segundos se beneficiassem da concentrao territorial dos primeiros est sendo
substituda pela segregao residencial total. Em outras palavras, a pura fora do merca-
do, que erguee destri coisas belas, radicalizar uma das tendncias do modelo urbano
brasileiro: a justaposio de mundos sociais, fazendo com que, na sociabilidade urbanabrasileira, a mixofobiabloqueie a mixofilia, atributo promissor da vida urbana. Quais as
conseqncias para a vida social e poltica da sociedade brasileira? Vale a pena lembrar-
mos as palavras de Z. Bauman, sobre esse impasse das metrpoles contemporneas.
A mixofilia um forte interesse, uma propenso, um desejo de mistura com
as diferenas, ou seja, com os que so diferentes de ns, porque muito hu-
mano e natural, e fcil de compreender, que a mistura com estranhos abre
caminho a aventuras de toda espcie, ao aparecimento de coisas interessantes,
fascinantes. Podem viver-se experincias fantsticas, experincias desconheci-das at ento.
Lucia Bgus
Luiz Csar de Q. Ribeiro
Editores cientficos
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A cidade como negcio: produodo espao e acumulao do capital
no municpio de So Paulo
Adriano Botelho
Resumo
O artigo tem como tema a crescente inser-
o da produo do espao nos circuitos de
acumulao capitalista, espao esse que,alm de produto, se torna produtivo na l-
gica de valorizao do capital. Nesse senti-
do, seu objetivo analisar os impactos da
acumulao na configurao espacial urbana
e na estrutura de desigualdades socioespa-
ciais atravs do estudo do caso do proces-
so de formao do mercado imobilirio no
municpio de So Paulo, destacando-se a
recente atuao dos Fundos de Investimen-
to Imobilirios e Certificados de RecebveisImobilirios. Tais instrumentos representam
um novo grau de interao entre o capital
financeiro e o mercado imobilirio, com pro-
fundos efeitos para a configurao do tecido
urbano e para a segregao socioespacial.
Palavras-chave: urbano; capital financei-
ro; mercado imobilirio; segregao socio-
espacial; So Paulo.
Abstract
The subject of the present article is the
increasing insertion of spatial production
in the circuits of capitalist accumulation.This space, besides being a product, is also
productive in the logic of capital valuation.
In this sense, the article aims to analyse the
impacts of accumulation on the urban space
configuration and on the structure socio-
spatial inequalities. To achieve this, it studies
the process of real estate market formation
in the City of So Paulo, highlighting the
case of the Real Estate Investment Funds
and the Real Estate Bonus. These financial
tools represent a new level of interaction
between the financial capital and the real
estate market, with deep consequences to
the urban tissue configuration and to socio-
spatial segregation.
Keywords: urban; financial capital; realestate market; socio-spatial segregation;
So Paulo.
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adriano botelho
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Introduo
O espao, ao longo da histria do modo de
produo capitalista, passou a fazer partedos circuitos de valorizao do capital, seja
pela mercantilizao da terra, seja por seu
parcelamento (por loteamento ou por ver-
ticalizao) ou, como vem ocorrendo mais
recentemente, por sua crescente incluso
nos circuitos de circulao do capital finan-
ceiro. A produo do espao passa a ser um
elemento estratgico para a acumulao do
capital. Segundo Henri Lefebvre, escrevendoem 1970, ocorreria uma crescente depen-
dncia do capitalismo em relao produo
e ao consumo do espao nas ltimas dca-
das, pois:
[...] o capitalismo parece esgotar-
se. Ele encontrou um novo alento
na conquista do espao, em termos
trivia is na especulao imobil iria,
nas grandes obras (dentro e fora das
cidades), na compra e venda do espa-
o. E isso escala mundial. (...) A es-
tratgia vai mais longe que a simples
venda, pedao por pedao, do espa-
o. Ela no s faz o espao entrar na
produo da mais-valia, ela visa uma
reorganizao completa da produo
subordinada aos centros de informa-
o e deciso. (1999, p.142)
A relao entre o espao (sua produ-
o, vivncia, percepo, concepo e con-
ceituao) e o modo capitalista de produo
deve ser vista como uma via de mo-dupla,
como parte de uma relao dialtica e com-
plexa. Pois o espao no o locuspassivo
das relaes sociais, j que possui um papel
ativo, como saber e como ao, utilizado
operacional e instrumentalmente pela classe
hegemnica. O espao capitalista no esta-
ria, porm, purgado de suas contradies,
apesar da hegemonia de uma classe. Segun-do Lefvebvre (1976), a burguesia, enquanto
classe dominante, dispe de um duplo poder
sobre o espao: atravs da propriedade pri-
vada do solo, que se estende totalidade do
espao (exceo feita aos direitos das cole-
tividades e do Estado) e atravs da globali-
dade, a saber, o conhecimento, a estratgia,
a ao do Estado propriamente dito. Exis-
tiriam conflitos inevitveis entre esses dois
aspectos (burguesia e Estado) e, no planoinstitucional, essas contradies se fariam
patentes entre os planos gerais de ordenao
espacial levados a cabo pelo Estado e os pro-
jetos parciais dos negociantes de espao.
Para o entendimento da produo do
espao, sobretudo do espao urbano, deve-
se levar em considerao, ento, o monop-
lio de uma classe, o que exclui principalmen-
te os pobres da propriedade fundiria (Har-vey, 1980). Isso porque a classe que detm
a maior parte dos recursos pode, atravs
do dinheiro, ocupar, modelar, fragmentar
o espao da forma que melhor lhe convm.
A maximizao dos valores de troca produz
benefcios desproporcionais para alguns gru-
pos e diminui as oportunidades para outros.
Faz-se necessrio, portanto, uma com-
preenso de como o capital, crescentemen-
te, domina o espao para que temas comoa estruturao do espao urbano, a segre-
gao socioespacial e a fragmentao desse
espao, entre outros, possam ser devida-
mente tratados.
O presente trabalho tem por objetivo
analisar como a crescente insero do es-
pao urbano nas estratgias de acumulao
do capital tem efeitos profundos na sua
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produo e configurao, e como, por sua
vez, estrutura as desigualdades socioespa-
ciais. Ou seja, na medida em que a cidade
se torna um grande negcio para o capital,as leis de mercado passam a ditar as regras
do ordenamento da configurao socioespa-
cial urbana, com efeitos devastadores para
a boa parte de sua populao.
Assim, no prximo item, ser discutido
como o espao integrado na acumulao
capitalista, sendo, alm de produto, tam-
bm produtivo para o capital. Em seguida
ser analisado o caso da evoluo histrica
do mercado imobilirio no municpio de SoPaulo, destacando-se os Fundos de Inves-
timento Imobilirios e dos Certificados de
Recebveis Imobilirios, para exemplificar
como o espao crescentemente modelado
pela ao do capital ao inserir-se nos circui-
tos de valorizao financeira. Por fim, sero
feitas algumas consideraes sobre os efei-
tos que essa dominao do espao pelo ca-
pital acarreta para a populao que vive nasgrandes cidades atravs do exame do caso
da metrpole paulistana.
O consumo e a produodo espao sob o modode produo capitalista
O espao uma condio geral de existn-cia e reproduo da sociedade. No modo de
produo capitalista, ele utilizado como
meio de produo para a gerao de mais-
valia (alm de propiciar a obteno de uma
renda aos proprietrios fundirios), sendo,
nesse sentido, consumido produtivamente.
O consumo produtivo sempre faz desapa-
recer uma realidade material ou natural
uma energia, uma fora de trabalho, um
instrumento, por exemplo para transfor-
mar-se em valor adicionado mercadoria
resultante do processo de trabalho. O con-sumo produtivo usa a realidade material
ao mesmo tempo em que tambm produz
(Lefebvre, 2000). E, como a privatizao
dos meios de produo uma determinao
geral do capitalismo, isso implica uma cres-
cente privatizao do espao, na medida em
que este se incorpora ao capital como meio
de produo.
dimenso utilitria do espao, que o
torna um valor de uso para a sociedade, sesobrepem determinaes histricas da pro-
duo e da reproduo social, as quais, sob
a vigncia das relaes capitalistas de pro-
duo, sintetizam o valor de troca e o valor
de uso. O valor de troca se sobrepe histo-
ricamente ao valor de uso, o que significa
que, para usufruir determinados atributos
do lugar preciso que se realize, antes de
tudo, seu valor de troca. Assim, os proces-sos de valorizao do espao passam, neces-
sariamente, pela mercantilizao do prprio
espao, mais concretamente pela mercantili-
zao dos lugares (Seabra, 1988).
De forma mais abrangente, a produo
e o consumo do espao, assim como a ur-
banizao, esto inseridos no amplo proces-
so de reproduo das relaes de produo
capitalistas, na medida em que so guiados
pelos ditames da propriedade privada e soregulados pelas necessidades do capital, de
gerar valor excedente. Segundo Lefebvre:
[...] no somente a sociedade inteira
quem se torna o lugar da reproduo
(das relaes de produo e no so-
mente dos meios de produo), mas
o espao inteiro. Ocupado pelo neo-
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capitalismo, setorializado, reduzido
a um meio homogneo e, portanto,
fragmentado, esmigalhado (somente
migalhas do espao so vendidas clientela), o espao se torna a sede
do poder. (1973, p.116)
O espao e em particular o espao
urbano passa, ento, a ter cada vez maior
importncia para o capital, ao mesmo tem-
po em que influenciado pela dinmica
do modo de produo capitalista. A predo-
minncia do financeiro nas estratgias de
acumulao capitalistas tem a produo doespao como uma das condies de sua rea-
lizao (Carlos, 2004). So exemplos desse
espao produzido em consonncia com o
capital financeiro a construo de shopping
centers, empreendimentos de turismo e la-
zer, centros empresariais, grandes condo-
mnios verticais e horizontais, hotis e flats.
Alm disso, grandes operaes de rearranjo
espacial so levadas a cabo pelo Estado em
parceria com o capital, com a finalidade de
criar novos espaos que sirvam lgica da
circulao do capital, como o caso de al-
gumas das Operaes Urbanas de So Paulo
(Faria Lima, guas Espraiadas, gua Bran-
ca, etc.).
Da mesma forma que o capital imobili-
za-se no imobilirio, o ambiente construdo
e o solo, de bens imveis passam a ser bens
mveis, que circulam atravs dos ttulos depropriedade que a cada momento podem ser
transformados em dinheiro. Para que possa
haver um valor de troca do espao, neces-
srio que haja tambm intercambiabilidade
de fraes desse espao, que conseguida
atravs do fracionamento e da homogenei-
zao de parcelas crescentes do espao (a
produo de clulas intercambiveis). Nes-
se sentido, a propriedade fundiria (e suas
metamorfoses em direo transformao
do ttulo de propriedade em uma ao ne-
gocivel no mercado financeiro) assumeimportante papel na circulao capitalista,
sendo a garantia contratual de intercambia-
bilidade entre compradores e vendedores,
bem como a garantia legal de extrao da
renda fundiria.
O circuito do imobilirio foi, durante
muito tempo, um setor subalterno, subsidi-
rio, e, paulatinamente, se foi convertendo
em um setor paralelo, destinado a inserir-se
no circuito de reproduo capitalista, poden-do, inclusive, tornar-se o setor principal se o
circuito de reproduo capitalista, baseado
na produo-consumo se v interrompido
por algum motivo conjuntural ou mesmo es-
trutural (Lefebvre, 1976).
Os capitais buscam, assim, um circuito
secundrio, baseado na mercantilizao da
terra e do habitat, anexo com respeito ao
circuito normal do capital (produo-consu-mo de mercadorias), como setor compensa-
trio da reproduo capitalista. Deve-se ter
claro, porm, que o espao no uma coisa
entre as coisas, um produto qualquer entre
os produtos, ele compreende as coisas pro-
duzidas e suas relaes na sua coexistncia e
simultaneidade. Por isso, produzir o espao
no o mesmo que produzir uma mercado-
ria qualquer, como um quilo de acar ou
um metro de tecido (Lefebvre, 2000).Para se ter uma idia do peso do setor
imobilirio, tem-se o exemplo de So Paulo,
onde as atividades imobilirias foram res-
ponsveis por 20,8% dos investimentos rea-
lizados na Grande So Paulo no perodo de
janeiro de 1995 a maio de 2000, seguidas
pela indstria automobilstica, com 17,4%,
a indstria qumica, com 9,8%, o comrcio
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varejista, com 7,1%, e telecomunicaes,
com 6,2% (Carlos, 2004).
O setor imobilirio teria, assim, uma
funo essencial a desempenhar na luta con-tra a tendncia de baixa da taxa de lucro
mdia, caracterstica do modo de produo
capitalista, j que o setor da construo au-
fere lucros superiores mdia da produo
industrial, pois esse setor emprega, rela-
tivamente a outros setores da economia,
mais capital varivel com relao ao capital
constante, apesar dos importantes avanos
tcnicos no setor. Trata-se, ento, de uma
fonte de mais-valia considervel. Mas essesetor enfrenta uma grande dificuldade: a
lenta obsolescncia de seus produtos, difi-
cultando a rotao do capital e o aumento da
demanda do seu mercado. Essa obsolescn-
cia, dados os avanos tecnolgicos externos
ao setor da construo e ao marketingque
cria continuamente novas necessidades aos
consumidores, pode ser acelerada, criando
um movimento constante de relocalizao,destruio e reconstruo no e do espao.
A existncia de bolhas imobilirias1
nas diversas economias capitalistas em mo-
mentos que precedem crises um indicador
de que o setor imobilirio , num primeiro
momento, um setor compensatrio da eco-
nomia, atraindo os capitais excedentes, mas
que, ao se sobrevalorizar e explodir, co-
mumente o estopim de crises prolongadas
e srias, que envolvem toda a economia. OJapo experimentou uma bolha imobiliria
nos anos 80, e a exploso dessa bolha in-
dicou o incio de uma longa recesso nesse
pas. Nos anos 70, antes da crise no capita-
lismo que se iniciou nessa dcada, tambm
houve uma bolha imobiliria nas econo-
mias dos pases capitalistas centrais. Ou seja,
h limites para a absoro de capitais pelo
setor imobilirio, e se tomada em consi-
derao a crescente integrao desse setor
reproduo capitalista, ele estaria cada
vez mais sujeito s oscilaes cclicas do mo-do de produo capitalista, diminuindo sua
margem de autonomia para a absoro de
capitais excedentes.
Dessa forma, o espao, consumido
produtivamente nas estratgias de acumu-
lao capitalista, transformado, tem suas
qualidades alteradas pelo consumo; porm,
possui a capacidade de, ao ser transforma-
do, tambm transformar e produzir o novo;
como nos lembra Lefebvre, o consumo doespao duplamente produtivo, na medida
em que produz tanto mais-valia como ou-
tro espao (2000).2No caso da sociedade
regida pelo modo de produo capitalista
contemporneo, o novo, o outro espao,
seria a urbanizao do planeta. E essa ur-
banizao, comandada pelos princpios da
gerao de mais-valia, estaria marcada pela
crescente segregao socioeconmica e cul-tural (ibid., 1978).
A formao do mercadoimobilirio paulistano
Da fundao de So Pauloa meados do sculo XVIII
Com relao mercantilizao da terra e
formao da propriedade fundiria, o pero-
do que vai da fundao do ncleo que deu
origem cidade de So Paulo at meados do
sculo XVIII poder ser caracterizado como
marcado pela quase inexistente separao
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entre o pblico e o privado: as terras eram
concedidas na forma de datas, sem critrios
precisos e definidos para sua concesso pela
Cmara, no havendo um mercado imobili-rio na So Paulo de ento (Silva, 1980).
O regime poltico de propriedade de
terras teve como fundamento, no Brasil, at
1822, a sesmaria, forma de propriedade
instituda pelo Estado absolutista portugus
em 1375, introduzido no Brasil em 1530.
A concesso se fazia gratuitamente, sob a
exigncia de ocupao com cultivo e desbra-
vamento da terra, e a obrigatoriedade do
pagamento de um dzimo da produo Or-dem de Cristo, qual o Brasil oficialmente
pertencia (Andrade, 2002) e em certos ca-
sos, pagava-se tambm um foro anual. Dada
a vasta extenso do pas e sua escassa popu-
lao, a oferta de terra era to grande que
limites precisos das propriedades no eram
estabelecidos, nem eram relevantes.
O mecanismo de sesmarias configurava
uma das formas de organizao fundiriados ncleos urbanos que, na maioria das
vezes, se combinava com as datas, espcie
de sesmaria urbana. Uma vez constituda a
vila, a Cmara detinha o poder de doar e re-
tirar terras, ou seja, cabia municipalidade
a concesso de terras e chos a partir do
rossio da vila, ou seja, as terras comunais
pertencentes vila, outorgadas pelo dona-
trio da capitania (Rolnik, 1999). O proces-
so de obteno de sesmarias era bastantemoroso e burocrtico, o que estimulava, ao
lado do processo legal de apropriao de
terras pela doao de datas e de sesmarias,
a apropriao direta por pessoas de meno-
res recursos e prestgio: eram os chamados
posseiros.
Dentro da rea demarcada da vila de
So Paulo, as mais antigas cartas de data
conhecidas so de 1583 (Taunay, 2003).
As terras eram faci lmente concedidas pela
Cmara, como seria natural numa localida-
de em que havia muita terra e pouca gen-te. Os beneficirios tinham que pagar, em
contrapartida, foros anuais, de valor muito
baixo, havendo ainda concesses sem foro
nem penso alguma, pagando o concessio-
nrio somente o dzimo. A populao que vi-
via nos arredores da vila no se preocupava
em estabelecer a propriedade fundiria, na
medida em que a posse j lhes garantia o
direito de uso da terra.
A existncia de algumas poucas transa-es de compra e venda de terras na So
Paulo quinhentista revela que o preo cobra-
do pela terra e pela construo era irris-
rio. Assim, em 1594, quatro mil ris valiam
umas casas situadas no centro da vila, va-
lor igual ao de uma espada (Taunay, 2003).
Segundo Saes (1992), esse paradoxo seria
apenas aparente, pois construir uma casa
exigia apenas o uso do trabalho do indgenaescravizado que no custava praticamente
nada em termos monetrios, j os produtos
manufaturados eram provenientes do exte-
rior, sendo transacionados em moeda, que
era escassa na vila.
A cidade comerciale oboomcafeeiro
So Paulo, em fins do sculo XVIII, inicia sua
transio para o perodo de predomnio do
capital mercantil, que articularia a produo
de sua hinterlndia com o exterior. Segun-
do Paul Singer (1977) a funo comercial
de So Paulo ampliou-se a partir do sculo
XVIII e comeos do sculo XIX, ao servir a
cidade de entreposto ao intercmbio entre
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diversas regies do pas, que no lhe eram
diretamente tributrias e o interior paulis-
ta, cuja agricultura perdera parcialmente
seu carter de subsistncia, adquirindo ummodesto setor de exportao de acar,
principalmente com a produo de cana-de-
acar nas reas de Campinas e Itu, o que
possibilitou o desenvolvimento de alguns
circuitos propriamente urbanos de riqueza
(Seabra, 1987).
Em 1822, com a Independncia, foi
extinto o regime de sesmarias e iniciou-se
um perodo de amplo apossamento de ter-
ras, sem clara definio dos procedimentosa serem adotados para a sua obteno. Mas
no podemos dizer que nesse momento j
havia uma disputa pela propriedade da terra;
segundo Seabra (1987), os contornos dessa
disputa apenas estavam comeando a se de-
finir, tornando-se mais acirrados em meados
do sculo XIX, com o maior desenvolvimento
das relaes capitalistas na cidade.
Com a Lei de Terras de 1850, ficou es-tabelecido que a nica forma legal de acesso
terra seria a compra devidamente registra-
da. Reconhecia-se, assim, a mercantilizao
da terra e distinguia-se legalmente sua pos-
se e seu uso de sua propriedade legal. Em
1854, em decorrncia da regulamentao
da Lei de Terras, todos os moradores que
estivessem em vilas ou cidades, em reas ur-
banas e rurais, obrigatoriamente, deveriam
ir at a igreja da freguesia em que moravampara definir ou provar sua propriedade (Gle-
zer, 1994/95).
Anteriormente ao boomcafeeiro, So
Paulo passou por um desenvolvimento eco-
nmico lento, porm cumulativo, desen-
volvimento esse tambm incent ivado por
fatores extra-econmicos (Singer, 1977).
Em 1822, a cidade tornou-se a capital da
provncia, passando a ser a sede da burocra-
cia, o centro dos gastos de receitas provin-
ciais e, em 1828, a Faculdade de Direito a
estabelecida, atraindo estudantes de muitaspartes do Imprio, membros das elites re-
gionais, o que impulsionou o comrcio e o
setor de servios que atendia a esses estu-
dantes. O crescimento econmico e popula-
cional da cidade, porm, ainda era lento, o
que contribua para o pequeno desenvolvi-
mento do mercado imobilirio. As relaes
sociais tinham por base as relaes escravis-
tas, o que minimizava a necessidade de se-
gregao espacial no interior da cidade, jque a hierarquia social estava bem definida
por essas relaes.
Somente com a expanso da cafeicul-
tura no oeste paulista, justamente a partir
de meados do sculo XIX, que a cidade
passar a experimentar um novo surto de
crescimento, mais acelerado que o ocorrido
no sculo XVIII e primeira metade do XIX.
a partir de 1868 que o sistema So Paulo-Santos se insere de forma cada vez mais
slida no grande negcio cafeeiro, com a
construo da ferrovia (1867), e, a partir
da ltima dcada do sculo XIX, arrebata ao
Rio de Janeiro sua posio hegemnica, tor-
nando-se o grande eixo de comercializao
do mais importante produto de exportao
brasileiro no perodo.
Os anos iniciais da dcada de 1870 se-
riam fundamentais para o desenvolvimentode So Paulo, na medida em que esse foi o
perodo em que, no oeste paulista, a zona
pioneira da poca, se d uma inflexo na re-
lao entre terra e trabalho, iniciando-se o
processo de desaparecimento da renda capi-
talizada na pessoa do trabalhador (escravo),
que substitudo pela terra como principal
fonte de riqueza.
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Apesar do comrcio cafeeiro localizar-
se sobretudo em Santos, foi em So Paulo
que se concentraram os estabelecimentos
bancrios, dado o seu statusde capital daprovncia, tendo em vista a dependncia dos
negcios bancrios da poltica econmica
do governo. Outro fator, proveniente da
cafeicultura, que influiu no desenvolvimen-
to econmico e urbano de So Paulo foi o
fato de que numerosos fazendeiros fixaram
residncia na capital, ampliando o mercado
imobilirio da cidade e o setor comercial e
de servios para atender a esse grupo. De
acordo com Saes (1992), a transfernciados fazendeiros para So Paulo tambm te-
ve por efeito a transferncia para a cidade,
no apenas de sua residncia, mas tambm
de crescentes parcelas do seu capital, confi-
gurando a capital do capital dos fazendei-
ros. Outro elemento importante foi o esta-
belecimento da Hospedaria dos Imigrantes,3
transformando So Paulo em um mercado
de fora de trabalho para a economia cafe-eira. O grande afluxo de imigrantes para o
trabalho na lavoura teve por efeito o esta-
belecimento de muitos deles na cidade, con-
tribuindo para o crescimento desta.
Segundo Langenbuch (1968), aproxi-
madamente at a dcada de 1890, a cidade
de So Paulo era circundada por um cintu-
ro de chcaras, que, alm de fins agrcolas,
encerravam importante funo residencial
para as famlias abastadas. Essas chcarasformavam um bloco relativamente compac-
to, que circundava a cidade, estendendo-se
at as atuais reas de Ponte Grande, Pari,
Brs, Mooca, Cambuci, Vila Mariana, Jar-
dim Paulista, Vila Amrica, Santa Ceclia,
Barra Funda e Bom Retiro. Foram loteadas
por seus proprietrios, desde fins do Imp-
rio. O desmembramento das antigas chca-
ras de So Paulo, mais do que indicar os
vetores de crescimento da cidade, expressa
uma mudana de mentalidade e de interes-
se sobre o valor do solo urbano (Costa,2003, p. 60).
Pode-se dizer que, a partir de 1880,
algumas circunstncias levaram os imveis
urbanos a se tornarem uma das mais inte-
ressantes opes de investimentos (Brito,
2000): a disponibilidade de capitais, que
vinha se configurando pelo menos desde
1850, com a proibio do trfico de escra-
vos liberando os recursos a imobil izados
por comerciantes e fazendeiros; o cresci-mento demogrfico e econmico da capital,
o que aumentou bastante a demanda por
imveis por todas as classes de renda; a
busca por aplicaes seguras em uma con-
juntura poltica incerta nos ltimos anos do
Imprio e incio da Repblica. Vale lembrar
que a economia cafeeira era sujeita a mui-
tas oscilaes (problemas climticos, crises
externas, superproduo e oferta excessiva,etc.), o que fortalecia o papel da terra ur-
bana como reserva de valor para os capitais
excedentes. Outro elemento importante pa-
ra o estmulo formao de uma atividade
imobiliria importante nos primeiros anos
da Repblica foi o chamado Encilhamento
(1889-1891),4que teve em So Paulo o
efeito de criar quinze bancos e 207 compa-
nhias, muitas delas baseando seus negcios
na atividade imobiliria (Barbosa, 1987).Como exemplo do processo de valori-
zao das terras na cidade tem-se o caso de
Frederico Glette e Vitor Nothmann que, ao
lotearem a Chcara Mau para famlias de
cafeicultores, gastaram cerca de cem contos
na aquisio do terreno e auferiram um re-
sultado final de oitocentos contos na venda
dos lotes (Toledo, 1978).
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a cidade como negcio: produo do espao e acumulao do capital no municpio de so paulo
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Ao mesmo tempo em que se forma um
mercado fundirio na cidade, formas pr-ca-
pitalistas de uso e apropriao da terra ainda
eram comuns: a concesso de datas e enfi-teuses continuava a ser prtica corrente, da
mesma forma que a grilagem de terras mu-
nicipais era muito comum (Brito, 2000). Em
1893, pela lei n 39, de 24/5/1893, o servio
de enfiteuses e arrendamentos foi regulado,
suprimindo-se formalmente a cesso de ter-
renos por datas. Apesar de regulamentado e
interrompido sob o ponto de vista formal, o
processo de grilagem das terras municipais,
muitas vezes de enormes extenses e porum nico indivduo ou empresa, continuou a
ocorrer, num momento em que o mercado
imobilirio da cidade se consolidava e a cida-
de enfrentava grande falta de moradias de-
corrente de seu rpido crescimento.
De acordo com Seabra (1987), com a
inaugurao da fase das ferrovias como mo-
dalidade de transporte, surgem novas ten-
dncias quanto aos processos de ocupaoda cidade: os baixos terraos das vrzeas do
Tiet e do Tamanduate foram ocupados pe-
las linhas frreas, provocando uma valoriza-
o das faixas de terras por elas percorridas.
E os vetores ferrovirios foram predomi-
nantemente ocupados pela indstria e pelas
camadas de mais baixa renda da populao
(Villaa, 1978), sendo que tanto o Rio Ta-
manduate quanto a linha frrea constituam
um marco que delimitava as reas da popu-lao mais rica e a mais pobre. A oeste desse
marco situavam-se os bairros das camadas
de mais alta renda. Dessa forma, durante
dcadas, a cidade encontrou-se dividida en-
tre os bairros centrais e os alm-Tamandua-
te (oeste e leste do rio, respectivamente). E
a segregao socioespacial tornou-se assim
ntida, bem demarcada.
Ao findar o sculo XIX, j se havia esta-
belecido na cidade de So Paulo um mercado
imobilirio considervel, constitudo por ca-
sas, oficinas e quartos para aluguel e lotea-mentos de antigas chcaras. O crescimento
demogrfico decorrente, principalmente,
da imigrao e a diversificao econmica
resultante da riqueza gerada pela atividade
cafeeira acirraram a disputa por localizaes
na cidade, o que favoreceu o mercado de
venda de terras e aluguel de edificaes. En-
tre 1887 e 1890 o preo mdio dos terre-
nos em So Paulo teria triplicado (Raffard,
1892). J existia, por sua vez, uma seg-mentao desse mercado em submercados:
as casas de negcio do centro, os quartos e
casas de aluguel residencial em vrios bair-
ros da cidade, os loteamentos elegantes e as
glebas para lotear para os trabalhadores.
A formao da metrpole
industrialNos primeiros anos do sculo XX, o proces-
so de industrializao j se encontra conso-
lidado na capital paulista e a racionalidade
do capital monopolista j se manifesta de
forma clara atravs das grandes concessio-
nrias de servios pblicos, na incorporao
de novas tecnologias importadas do exterior
(iluminao, bondes eltricos), das grandes
companhias loteadoras e das prprias inds-trias j instaladas, com o seu par indissoci-
vel, a formao de um proletariado que se
concentra nos bairros operrios e nos cor-
tios. Segundo Petrone (1955), nos primei-
ros cinqenta anos do sculo XX, o processo
de industrializao transformou a metr-
pole do caf na dinmica e movimentada
metrpole industrial, sendo que no final
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dos anos 30 So Paulo j era o maior centro
industrial da Amrica do Sul.
Nesse perodo a cidade se expande, com
o crescimento dos subrbios, localizados acerca de trs, quatro ou mais quilmetros
dos limites urbanos, como Santana, Penha,
Ipiranga, Pinheiros e gua Branca (Azevedo,
1961). Ocorre um aumento no nmero de
edifcios e do nmero de andares de muitos
deles, cresce o nmero de veculos motori-
zados, criam-se os bairros-jardim para a
populao de maior renda, e a populao da
cidade aumenta a um ritmo acelerado.
Nas primeiras dcadas do sculo XXo ritmo da construo civil se intensifi-
cou, tornando-se uma importante fonte de
acumulao: expandiram-se as atividades in-
dustriais e comerciais ligadas construo
fsica da cidade, expanso dos prdios,
ao calamento de ruas e urbanizao de
bairros. Pelo menos at a dcada de 1930,
a construo de casas de aluguel, de diver-
sos tipos e tamanhos, era vista como umaforma de investimento de retorno certo e
seguro, pois, alm de uma renda mensal, o
investidor contava com a excepcional valori-
zao imobiliria ocasionada pela expanso
da cidade (Bonduki, 1998).
A partir de 1910, esses empreendi-
mentos passam a ser feitos tambm por
companhias prediais e mtuas. As compa-
nhias prediais eram, ao mesmo tempo lo-
teadoras, incorporadoras, construtoras eadministradoras de imveis. J as mtuas
eram companhias de Crdito Imobilirio,
que operavam captando poupana atravs
de um sistema de pagamento mensal dos
scios. Esse capital era investido em terre-
nos e construes de habitaes econmi-
cas (que podiam ser pequenos grupos de
casas geminadas at centenas de habitaes,
como a Vila Economizadora5), e os scios
podiam adquirir essas moradias atravs de
financiamento da companhia que distribua
bonificaes, penses e aposentadorias.Algumas companhias de maior porte
dedicaram-se ao negcio imobilirio nesse
perodo, reunindo capitais nacionais e estran-
geiros. No se pode deixar de mencionar,
como exemplos de grandes empresas que
atuaram no setor imobilirio em So Pau-
lo, o caso da Companhia City (Wolff, 2001),
criada em 1911, reunindo scios brasileiros
e estrangeiros e o caso da Companhia Light,
grande proprietria de terras nas margensdo Rio Pinheiros (Seabra, 1987).
Inicia-se, concomitantemente expan-
so da cidade, o processo de verticalizao:
as construes verticais passaram de 4% do
total em 1910 para 33% em 1920 (Barbo-
sa, 1987). O capital imobilirio, ento em
constituio, exigia a multiplicao do solo
urbano, o que foi conseguido atravs da
verticalizao das reas centrais mais valori-zadas, constituindo uma nova estratgia de
valorizao do capital (Somekh, 1997).
Ao lado da verticalizao do centro,
observa-se nesse perodo j uma expan-
so horizontal da cidade decorrente das
facilidades de transporte. A operao da
The So Paulo Tramway Light and Power,
iniciada em 1899, acarretou uma segun-
da onda de exploso das vilas na zona su-
burbana, nas superfcies vazias situadas smargens dos rios, nos interstcios da rede
de estradas de ferro ou nas proximidades
dos terminais da Light.
No final dos anos 30, lentamente, co-
mea a ocorrer uma mudana no padro de
crescimento da cidade, marcado pela substi-
tuio do transporte sobre trilhos (bondes)
pelo transporte sobre rodas (nibus, auto-
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mveis) e pela constituio da autoconstru-
o na periferia como forma predominante
de habitao das camadas de baixa renda,
o que resultou no espraiamento progressi-vo e na diminuio da densidade da cidade.
Soma-se a isso, principalmente a partir dos
anos 40, a verticalizao nas zonas centrais e
a consolidao do centro/sudoeste da cidade
como centralidade privilegiada, concentran-
do os bairros residenciais de alta renda e os
principais centros de comrcio e servios.
Nesse contexto, a especulao imobili-
ria tornou-se intensa. Segundo Langenbuch
(1968), a falta de lotes disponveis nasreas mais prximas ocupao mais densa
da cidade e seu alto preo obrigaram parte
dos novos moradores (sobretudo migrantes
nacionais) a se estabelecerem em reas mais
afastadas. A instalao das indstrias ao lon-
go das ferrovias estimulava os operrios a se
estabelecerem em torno das estaes ferro-
virias fora da cidade, onde poderiam ad-
quirir terrenos ou alugar casas a preos maisbaixos. Surge, assim, um extenso cinturo
de loteamentos residenciais suburbanos,
mas ainda escassamente edificados e ocupa-
dos. A enorme oferta de lotes baratos
pois distantes e desprovidos de benfeitorias
urbanas , podendo ser pagos a prestao,
com a possibilidade de serem ocupados sem
os custos e os aborrecimentos envolvidos na
feitura e aprovao de uma planta e sem o
risco de perturbao pela fiscalizao viabi-lizou o mercado de loteamentos distantes e
criou uma alternativa habitacional de massa
para os trabalhadores (Bonduki, 1998).
A cidade de So Paulo, centro industrial
do pas, teve sua populao aumentada de
1,3 milho de habitantes em 1940 para 2,2
milhes em 1950. Esse aumento demogr-
fico criou uma necessidade adicional de mo-
radias, sem contar com o dficit j existente
e o nmero considervel de prdios demo-
lidos em funo do boomimobilirio e de
desapropriaes para obras virias (ibid.).Para agravar a situao, deixara de ser in-
teressante investir na construo de casas
de aluguel devido ao congelamento dos
aluguis (Lei do Inquilinato de 1942) e s
restries governamentais ao financiamen-
to de incorporaes de edifcios. Em virtu-
de dessa situao, nos anos 40, houve uma
acelerao da construo de arranha-cus
na rea central, destinados a investidores
ou aos setores de rendas mais altas, e quedana edificao de prdios para o mercado de
locao residencial de menor renda. Exem-
plo ilustrativo do agravamento da escassez
de moradia em So Paulo o surgimento,
na dcada de 1940, das primeiras favelas,
localizadas em terrenos municipais.
A partir de 1950 a produo imobili-
ria diversifica-se, com empreendimentos
realizados e financiados pelas companhiasconstrutoras e com a atuao dos Institutos
Previdencirios e outros rgos estatais ou
paraestatais no desenvolvimento suburbano
(Langenbuch, 1968). Muitos loteamentos
seguiram a implantao industrial, localizan-
do-se nos novos eixos rodovirios iniciados
a partir do final da dcada de 1940, espe-
cialmente ao longo das vias Dutra e Anchie-
ta. A cidade se expandiu em vrias direes,
ocupando as vrzeas e as colinas, englo-bando antigos ncleos isolados, adensando
loteamentos e reas j ocupadas, levando a
populao para cada vez mais longe do cen-
tro. Ao lado das atividades propriamente
industriais, a atividade de lotear, exercida
pela iniciativa privada, foi uma das locomo-
tivas dessa urbanizao acelerada (Sampaio,
1994). Dentre os loteadores, havia empre-
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srios industriais (os Matarazzo, os lvares
Penteado, os Abdalla, etc.), proprietrios
de empresas de material de construo, lo-
teadores proprietrios de empresas imobi-lirias e construtoras, banqueiros, etc. Na
maior parte dos casos dos empresrios imo-
bilirios, a atividade de lotear no constitua
nem a nica e nem a mais importante ativi-
dade da empresa, e sim um lucrativo com-
plemento de suas atividades.
O crescimento que a cidade experimen-
tou na primeira metade do sculo XX con-
tinuou, de forma acelerada, nas duas dca-
das seguintes dcada de 1950. A RegioMetropolitana de So Paulo, ou Grande So
Paulo, foi a sede do chamado milagre bra-
sileiro da dcada de 1970, sendo objeto de
intensos investimentos que remodelaram
o espao urbano de maneira radical: cons-
truo de vias expressas, pontes, viadutos,
alargamento e abertura de novas avenidas
com vistas a facilitar a circulao automobi-
lstica e das mercadorias.O processo de periferizao se acelerou
a partir de 1964, impulsionado pelo arro-
cho salarial e pela intensificao da especula-
o imobiliria, num perodo de acentuado
crescimento industrial e expanso do aglo-
merado metropolitano, provocando um au-
mento de nove vezes da mancha urbana do
municpio de 1960 a 1990.
Esse padro de crescimento perifrico
mostrou-se uma grande fonte de lucros de-
rivados da especulao imobiliria. Segundo
Kowarick e Campanrio (1994), a terra re-
tida para fins especulativos, em meados da
dcada de 1990, atingia 27% da rea dis-
ponvel para edificao. O desenvolvimento
extensivo e horizontal da Grande So Paulo,
alimentado pela abertura dos loteamentos
irregulares, foi, sem dvida, proveitoso para
os proprietrios fundirios e para os pro-
motores imobilirios graas valorizao
dos vazios urbanos criados e zelosamente
mantidos no processo.Num contexto de constante arrocho
salarial, desemprego e alta rotatividade no
trabalho, tornou-se cada vez mais difcil
para a populao trabalhadora ter acesso
propriedade (mesmo que irregular) do
terreno para realizar a autoconstruo. As
solues de moradia encontradas por uma
crescente parte da populao mais pobre
foram as favelas, os cortios ou a migrao
para as reas mais distantes do municpio
ou de seu entorno. Ao lado das iniciativas
particulares de promoo habitacional (o
cortio, a favela e a casa autoconstruda na
periferia), o Estado assumiu um papel mais
ativo na questo habitacional. A criao do
BNH em 1964 foi um indicador desse fato,
mas no conseguiu atender s camadas mais
pobres da populao, pois grande parte de
seus recursos serviu ao financiamento demoradias para os estratos de rendimento
mdio e alto, de acordo com o interesse
das empresas do ramo da construo civil.
O BNH produziu mudanas radicais no siste-
ma financeiros pblico e privado, bem como
propiciou a modernizao e concentrao
das empresas do ramo de construo civil,
visando sempre a acumulao capitalista
mais do que o atendimento ao problema ha-bitacional (Souza, 1994).
A metrpole a partirda dcada de 1970
A partir da dcada de 1970 observa-se uma
relativa e restrita desconcentrao industrial
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no pas, na regio Sudeste e no estado de
So Paulo (Lencioni, 1994). De acordo com
Rolnik (2001), a indstria mudou radical-
mente, com grandes reflexos no apenas so-bre a estrutura de empregos, como tambm
sobre a organizao espacial da cidade: gran-
des e mdias indstrias deixam a localizao
junto aos eixos ferrovirios e rodovirios e
milhares de pequenas fbricas se misturam
com outros usos no tecido urbano, ocupan-
do at mesmo reas da extrema periferia.
medida que as indstrias saram da cidade
ou se deslocaram para outras reas dela, os
bairros industriais tradicionais tiveram seuuso redefinido para usos residenciais, co-
merciais e de lazer.
Ao lado das transformaes nas inds-
trias, o setor tercirio adquiriu maior peso
nas atividades econmicas da metrpole,
destacando-se o setor financeiro, o que con-
tribuiu para uma produo do espao ligada
a estratgias monopolistas, com maior par-
ticipao do capital financeiro nos empre-endimentos imobilirios. Ao mesmo tempo,
deu-se o aumento do desemprego, do sub-
emprego e da economia informal e a pre-
carizao da moradia de grande parte dos
trabalhadores (com o aumento do nmero
de favelados e moradores de cortios).
Segundo Caldeira (2000), a So Pau-
lo do final dos anos 90 seria mais diversa
e fragmentada do que era nos anos 70. A
oposio centro-periferia continuaria a mar-car a cidade, mas a So Paulo de hoje seria
uma regio metropolitana mais complexa,
que no poderia mais ser mapeada pela sim-
ples oposio de rico versuspobre, sendo,
antes de tudo, uma cidade de muros, com
uma populao obcecada por segurana e
discriminao social (ibid.).
A cidade ilegal, forjada a partir da d-
cada de 1940, cujo processo de formao
de periferias se intensificou na dcada de
1960, continua a representar a maior parteda rea urbanizada e o local de moradia
da maior parte dos habitantes de So Pau-
lo. J a expanso urbana da cidade legal
das duas ltimas dcadas passou a ser de-
terminada por grupos empresarias que se
deslocam para o quadrante sudoeste do mu-
nicpio, evadindo-se do centro tradicional. O
velho centro torna-se, ento, um problema
social, engendrando associaes e projetos
(com o apoio do Estado) de revitalizao,
que envolvem importantes interesses do ca-
pital imobilirio e financeiro.
A crise que se abateu sobre a econo-
mia durante as dcadas de 1980 e 1990
teve efeitos sobre o financiamento de apar-
tamentos para a classe mdia (o BNH foi
extinto em 1986) e boa parte desta ltima
tambm perdeu poder aquisitivo. Dessa
forma, o mercado imobilirio passou a con-
centrar seus lanamentos nas camadas mais
ricas, que poderiam arcar com os custos da
produo habitacional. Uma sada para a
classe mdia foi o autofinanciamento atra-
vs de cooperativas e consrcios habitacio-
nais, o que, de fato, fez com que a produ-
o imobiliria destinada s rendas mdias
se reaquecesse aps 1993 (Castro, 1999).
Esses empreendimentos, muitas vezes, loca-lizam-se em antigas reas industriais, fora
do tradicional eixo sudoeste de valorizao e
concentrao da riqueza.
O mercado imobilirio destinado s
camadas de rendimentos mais altos da po-
pulao mais imune s crises econmicas
e depende menos de financiamento, pblico
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ou privado, sendo o preferido dos empre-
srios do setor. O surgimento, em meados
da dcada de 1990, de novas modalidades
de captao de recursos por parte do setorimobilirio, como os Fundos de Investimen-
to Imobilirio (FIIs) e os Certificados de Re-
cebveis Imobilirios (CRIs), ligadas ao capi-
tal financeiro, sinalizaram uma reafirmao
do vetor sudoeste da cidade como rea de
valorizao privilegiada. Em 2002, 63%
dos lanamentos de alto padro que ocorre-
ram na Grande So Paulo concentraram-se
nos distritos de Moema (597 lanamentos),
Campo Belo (488 lanamentos), Morumbi
(406 lanamentos), Jardins (23 lanamen-
tos) e Alto de Pinheiros (130 lanamentos)
(Lage, 2003).
Tais instrumentos, que significam uma
nova etapa de insero da produo do es-
pao nos circuitos de valorizao do capital,
sero analisados no prximo item.
Os novos instrumentosde financeirizaodo setor imobilirio
A necessidade de recursos volumosos para
a compra de materiais quase sempre bens
intermedirios durveis , para o pagamen-
to da fora de trabalho, para a adequao
s inovaes tecnolgicas (particularmentesensvel na construo de imveis comer-
ciais) e para o acesso ao solo urbano, tendo
em vista a barreira colocada ao setor pela
propriedade fundiria, faz com que o apor-
te inicial de recursos necessrios produo
imobiliria seja elevado, superando muitas
vezes a capacidade de investimento dos em-
presrios do setor. Da a necessidade de cr-
ditos para as obras ser fundamental. Alm
disso, a demanda desse setor encontra-se
fragmentada entre os diversos usos a que se
destina a produo imobiliria e s diversasfaixas de renda da populao que procura
um imvel para morar, havendo muitas ve-
zes a necessidade de financiamento para a
efetivao da demanda. Ou seja, como nos
demais ramos industriais, o setor da cons-
truo necessita de um capital autnomo
(Topalov, 1979) para a viabilizao de suas
atividades produtivas e para a realizao do
capital a investido.
Os Certificados de Recebveis Imobi-lirios (CRIs) e os Fundos de Investimento
Imobilirio (FIIs) so instrumentos intro-
duzidos no Brasil no seio da reestruturao
do financiamento habitacional da dcada de
1990. Apesar de serem considerados por
alguns agentes do setor imobilirio como
o futuro do financiamento da habitao de
mercado, tais instrumentos ainda no rea-
lizaram todas as suas potencialidades poruma srie de fatores que sero analisados
mais adiante. Em sua grande maioria, ain-
da atuam no pas como forma de abreviar o
tempo de circulao do capital comprome-
tido com a produo imobiliria existente e
no como maneira de reunir capitais para o
financiamento de novos projetos, ao contr-
rio do que ocorre em pases onde esses ins-
trumentos so mais antigos.
Em 1997, foi promulgada a Lei 9.514,que estabeleceu o Sistema Financeiro Imobi-
lirio (SFI), aprovada pelo Congresso Nacio-
nal a partir de proposta de lei da Associao
Brasileira de Entidades de Crdito Imobili-
rio (ABECIP); trata-se de um sistema de
financiamento complementar ao tradicional
Sistema de Financiamento Habitacional (que
no deixou de existir com a criao do SFI).
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So inovaes no financiamento imobilirio
nacional atravs da criao de instrumentos
de securitizao imobiliria que possibilitam
a transformao de bens imveis em ttulosmobilirios. A lei que criou o SFI introdu-
ziu tambm um novo veculo legal denomi-
nado Companhia Securitizadora de Crditos
Imobilirios, sociedades com propsitos de
fazer a securitizao dos recebveis imobili-
rios atravs da emisso dos CRIs - ttulos
imobilirios equivalentes a debntures.
Tais inovaes buscam articular o setor
imobilirio com o mercado financeiro, esta-
belecendo um processo de desintermediaobancria para o financiamento da produo,
ao mesmo tempo em que oferecem possi-
bilidades de ganhos financeiros aos investi-
dores. O mecanismo da securitizao amplia
as possibilidades de captao de recursos e
acesso a financiamento aos originadores
desses crditos (as incorporadoras, cons-
trutoras, etc.), dando-lhes acesso direto
ao mercado de capitais e reduzindo, teori-camente, os custos e riscos da captao de
recursos financeiros. A securitizao tam-
bm possibilitaria uma acelerao do tempo
de giro do capital das empresas, atravs de
transformao dos direitos a receber pela
venda dos imveis a prazo em ttulos ven-
didos vista. Dessa forma, a incorporadora
no necessita esperar pelo vencimento da
dvida dos muturios para recuperar o capi-
tal investido.Considerando que os investidores em
ttulos imobilirios securitizados tm como
grande interesse a qualidade dos recebveis
e do ativo originado, essencial que os ati-
vos negociados sejam separados da estru-
tura jurdica do originador, evitando que
o eventual fracasso da instituio emitente
prejudique os direitos dos investidores nos
ttulos que adquiriram sobre o ativo securi-
tizado. Assim, os ttulos so gerados por
uma entidade legal, criada exclusivamente
para suportar a operao de securitizao.Essas entidades so as Sociedades de Prop-
sito Especfico (SPE).
Os FIIs foram criados em junho de
1993, pela Lei 8.668, e regulamentados
pela CVM (Comisso de Valores Mobilirios)
em janeiro do ano seguinte, ano em que foi
lanado o primeiro FII, o Memorial Office
Building, na cidade de So Paulo. Atualmen-
te, j esto em funcionamento cerca de 60
fundos, com um patrimnio lquido de cer-ca de R$ 2,4 bilhes.6Os projetos-alvo dos
FIIs so variados, desde shopping centerse
parques temticos a hospitais, de edifcios
de escritrios e galpes industriais a con-
juntos habitacionais e condomnios de alto
padro. As grandes estrelas dos FIIs so
os shoppings centers(como o Shopping P-
tio Higienpolis em So Paulo) e os edifcios
comercias de alto padro. Em consulta rea-lizada junto aos prospectos de FIIs deposita-
dos na CVM, em novembro de 2002, apenas
dezesseis fundos imobilirios criados at
aquela data tinham como objetivo o merca-
do residencial, de um universo de cerca de
sessenta atuantes no pas naquele momento.
Alguns outros possuam em sua finalidade a
aquisio genrica de imveis, sem especifi-
car o tipo de mercado a que se destinavam.
At 1999, os principais invest idoresnos FIIs eram os grandes fundos de penso
(como a Previ, a Valia, a Petros, a Funcef,
etc.) e investidores institucionais. Somente
a partir desse ano que se buscou atrair
os pequenos e mdios investidores, com o
lanamento de fundos com cotas de valor
unitrio mais baixo, como o caso do Eu-
ropar, do Shopping Ptio Higienpolis, do
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Hospital da Criana, do Projeto gua Bran-
ca, do Reit Brasil, lastreado no edifcio de
escritrios de primeira linha JK Financial
Center, entre outros. Atualmente, os prin-cipais agentes do mercado de FIIs seriam as
instituies financeiras de pequeno e m-
dio porte. Chama a ateno o fato de os
grandes bancos no terem se interessado
por esse mercado, j que possuem formas
de aplicao de seus recursos muito mais
atraentes que os FIIs, como os fundos las-
treados em ttulos pblicos.
J os Certificados de Recebveis Imo-
bilirios (CRIs) foram criados com a lei9.514 de 1997, que criou o SFI. Segundo
essa lei, o Certificado de Recebveis Imobili-
rios CRI um ttulo de crdito nominativo,
de livre negociao, lastreado em crditos
imobilirios e constitui promessa de paga-
mento em dinheiro. De forma equivalente
a uma debnture, o CRI pode ser colocado
no mercado atravs de uma emisso pbli-
ca (ttulos postos venda junto ao merca-do, sem necessidade de destino especfico)
ou de uma emisso privada (especfica pa-
ra determinados investidores j acertados).
Baseando-se em dados da Comisso de Va-
lores Mobilirios (CVM), estima-se que fo-
ram emitidas, at 2002, cerca de R$ 340
milhes em CRIs (Vendrossi, 2002). Desse
total, 50% corresponderia a operaes re-
lativas ao mercado de imveis residenciais,
o que revela uma maior vocao desse tipode instrumento financeiro para atender ao
mercado residencial.
Em levantamento realizado junto
Comisso de Valores Mobilirios (CVM) e
empresas ligadas emisso desses papis,
pde-se perceber que a grande maioria dos
FIIS e dos CRIs lanados na cidade de So
Paulo a partir de 1994 concentram-se no
chamado vetor sudoeste, rea privilegia-
da da cidade e de maior valor venal do so-
lo. De 46 FIIs existentes em 2004, 36 en-contram-se nesse setor do municpio. Dos
40 CRIs consultados, 24 esto situados no
vetor sudoeste. Ou seja, a concepo dos
agentes imobilirios e financeiros de que
a localizao dos empreendimentos fun-
damental para seu maior retorno faz com
que seus interesses se voltem para as reas
mais valorizadas das cidades. O Mapa 1,
elaborado a partir dos dados pesquisados,
mostra a localizao dos FIIs e dos CRIsno municpio de So Paulo, bem como dos
imveis pertencentes a Fundos de Penso
na capital paulista.
Ao serem comparados os dados relati-
vos localizao dos empreendimentos com
aqueles relativos aos preos do solo urbano
no municpio de So Paulo, pode-se perce-
ber que a distribuio dos FIIs e dos CRIs se
concentra nas reas mais valorizadas do mu-nicpio, existindo uma forte correlao en-
tre a ao dos empreendimentos ligados s
instituies financeiras e as reas de maior
valor venal, algo natural se for levado em
considerao o fato de que tais instituies
(representadas pelos Fundos de Penso, pe-
los Fundos de Investimento Imobilirio e pe-
las empresas de securitizao de recebveis
imobilirios) representam parte da frao
mais sofisticada do setor (tanto em termosde produo dos imveis quanto ao mercado
consumidor a que se destinam) e que con-
tam com os recursos do capital financeiro,
potencializando sua ao sobre o urbano.
A partir da co-relao dos dados de lo-
calizao com o preo dos terrenos, tem-se
a seguinte distribuio de freqncias:7
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Grfico 1 Distribuio de Freqncia dos Imveis de instituies financeiras porIntervalo de Valor Venal da Terra no municpio de So Paulo 20048
EmpreendimentosImobilirios
Valor venal da terra
Fonte: Elaborado a partir de dados obtidos junto CVM, Empresas de Securitizao de Recebveis e Fundos dePenso, no perodo entre 2002-2004. Valores em R$.
Mapa 1 Localizao dos Fundos de Investimento Imobilirios (FIIs),Certificados de Recebveis Imobilirios (CRIs) e imveis pertencentes
a Fundos de Penso no municpio de So Paulo
Fonte: CVM - Empresas de Securitizao de Recebveis e Fundos de Penso. Base Cartogrfica Digital e Geopro-cessamento: Prof. Dr. Reinaldo P. Prez Machado. Dados de 2002 a 2004.
kilometers0 3 6 9
I.F. - C.R.I.s (40) I.F. - F.I.I.s (46) I.F. - Fundos Penso (32)
LEGENDA
cm18 indb 31cm18.indb 31 14/4/2008 07:50:2614/4/2008 07:50:26
7/26/2019 Cadernos Metrpoles Revista N 18
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adriano botelho
cadernos metrpole 18 pp. 15-38 20sem. 2007
32
A maior parte dos estabelecimentos
situa-se na faixa entre 114,22 a 1.137,82
R$/m (77 imveis, representando 65,25%
da amostra). Cerca de 6,7% dos imveissituam-se na faixa de preo entre 1.137,83
a 2.063,76 R$/m e outros 6,0% situam-
se na faixa entre 2.063,77 e 6.118,97 R$/
m. Na faixa inferior de valores, 1,7% dos
imveis situam-se numa faixa de valor entre
3,21 e 23,39 R$/m (trata-se de imveis
utilizados com fins industriais e de logstica
pertencentes ao FII Europar, localizados em
reas mais distantes do centro do munic-
pio). E 20% dos imveis situam-se na faixaentre 23,4 e 114,21 R$/m.
Dessa forma, conclui-se que quase 80%
dos imveis pertencentes s Instituies Fi-
nanceiras que atuam no mercado imobilirio
se localizam numa faixa de valores da ter-
ra no municpio de So Paulo que pode ser
considerada como mdia, mdia-alta e alta.9
Tal constatao explica-se pelo fato de que
os agentes ligados s Instituies Financeirasatuam em um setor do mercado imobilirio
cuja demanda possui maior nvel de renda
e cuja lgica a valorizao mxima dos
empreendimentos como forma de prover o
pagamento de dividendos (nos quais se con-
fundem renda fundiria, juros e lucros) aos
seus acionistas ou cotistas.
Pode-se dizer que os grandes empreen-
dimentos, voltados para as camadas de ren-
dimentos mais altos da populao, acentuamo carter de fragmentao e hierarquizao
do espao urbano, ao concentrarem seus
investimentos em reas j valorizadas da
metrpole, aumentado a distncia socioeco-
nmica que separa essas reas do restante
da cidade. Geralmente, so reas que con-
tam com o melhor nvel de infra-estrutura e
de equipamentos urbanos disponveis, e que
so alvo privilegiado das atenes de investi-
mento do setor pblico.
A constituio de um mercado imobili-rio unido estreitamente ao capital financeiro
atua no sentido de aprofundar as distncias
existentes entre as distintas classes e fraes
de classe sociais, pois so apenas pequenos
grupos privilegiados os que podem ter aces-
so produo imobiliria desse mercado
mais restrito. Tal distanciamento acen-
tuado quando se considera a atual poltica
habitacional, que destina a populao mais
pobre s reas menos valorizadas e maisdistantes nas metrpoles brasileiras e que,
dadas as dificuldades de toda ordem impos-
tas ao financiamento habitacional da classe
mdia, contribuiu para sua periferializao
(Botelho, 2007).
Com a criao dos novos instrumen-
tos de captao de recursos financeiros, o
poder de interveno no espao urbano das
empresas do setor imobilirio se amplia, ga-rantindo recursos necessrios, tanto para a
superao da barreira colocada pelos altos
preos da terra urbana nas reas mais valo-
rizadas quanto para a acelerao do tempo
de rotao do capital no setor da constru-
o. Alm disso, complexifica-se a questo
da segregao socioespacial, pois os empre-
endimentos em questo (principalmente os
gra