PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL - MESTRADO
CAMINHOS E POSSIBILIDADES DA PRÁTICA PROFISSIONAL NA FUNDAÇÃO
CASA: RESISTÊNCIA E SUPERAÇÃO
MILKA SAYURI NAKAYAMA OHYA
SÃO PAULO 2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL - MESTRADO
CAMINHOS E POSSIBILIDADES DA PRÁTICA PROFISSIONAL NA FUNDAÇÃO
CASA: RESISTÊNCIA E SUPERAÇÃO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social sob orientação da Profª Doutora Myrian Veras Baptista.
MILKA SAYURI NAKAYAMA OHYA
SÃO PAULO 2009
Banca Examinadora
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Aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa e Aos Profissionais que atuam na Fundação CASA
Certamente, não tenho palavras para agradecer o quanto essas pessoas contribuíram para meu amadurecimento e desenvolvimento em minha vida e para esta pesquisa. Desta forma acredito que posso retribuir com o carinho e o respeito que terei eternamente... Sem vocês eu não teria conseguido... Aos amores da minha vida Julia e Rodrigo, que compartilharam comigo, com toda o amor, a compreensão, o apoio, a paciência, o companheirismo nesse percurso; e ao Felipe que está a caminho e teve que me agüentar por muito tempo sentada, incomodando-o insistentemente; Aos meus queridos pais Os quais eu jamais poderei recompensá-los por toda a educação que dispensaram e a dedicação que sempre tiveram e que permanece; Ao Cleber que dedicou parte de seu tempo para me auxiliar; À Myrian, pelo conhecimento, sabedoria e disponibilidade; À Neuza que me apoiou para que me dedicasse a esse estudo; À Rosana pela amizade; Às Encarregadas de Área Técnica da Fundação CASA, Cláudia, Danielli e Helena que possibilitaram que eu realizasse esse estudo; À Heloisa e à Magali que contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho e tanto me ensinaram e ensinam com suas práticas; Às Professoras Maria Lúcia Martinelli e Marisa Feffermann que tanto contribuíram com seus conhecimentos no processo de qualificação; Aos colegas dos “bancos da PUC” os quais me recordarei com muito carinho e À CAPES que possibilitou esta pesquisa
Resumo
Esta dissertação teve como objeto o estudo da prática profissional
em uma Instituição de atendimento a adolescentes que cumprem medida
socioeducativa de privação de liberdade, a Fundação CASA/São Paulo.
Nos propusemos a discutir a Prática Profissional, uma vez que esta
está intimamente relacionada aos resultados obtidos junto aos adolescentes, ao
direcionamento de suas vidas, tanto institucionalmente quanto pessoalmente.
Compreendemos que não há como pensar no adolescente, sem pensar no
profissional que atua com ele diretamente e que enfrenta diversas situações na
instituição que de algum modo podem qualificar (ou não) suas ações cotidianas.
Para melhor entendimento da dinâmica institucional e da ação
profissional, em um primeiro momento contextualizamos o surgimento das
instituições de atendimento às crianças e aos adolescentes que, de algum modo
encontravam-se em situação de alta vulnerabilidade, com o foco privilegiado no
contexto paulistano.
Posteriormente, trabalhamos a questão da prática profissional e, em
seguida, as perspectivas de resistência e de superação. Esses enfoques se devem
ao fato de considerarmos a Fundação uma instituição sócio-histórica que, diante
dos movimentos políticos vivenciados, foi marcada por momentos seja de
violência, seja de negligência aos direitos dos adolescentes, mas que encontra-se
hoje em um processo de mudança, com a perspectiva de garantia de direitos.
Desta forma, para que pudéssemos ter o entendimento de como se
coloca a prática profissional pautada nos movimentos de resistência e de
superação, realizamos entrevistas com uma assistente social (que não mais atua
na Fundação) e uma psicóloga (que ainda permanece) as quais, a partir de suas
formações acadêmicas e dos conhecimentos acumulados por suas atividades na
Fundação, contribuíram/contribuem na dinâmica institucional e tiveram/tem
papel significativo na vida dos adolescentes com os quais trabalharam/trabalham.
Palavras-chave: Prática Profissional, Resistência e Superação
Abstract
This paper took as an object the study of the professional practice
in an Assistance Institution for adolescents who carry out social-educative
procedures of freedom deprivation, the CASA Foundation / São Paulo.
It was proposed to discuss the Professional Practice, once it is
deeply related to the achieved results together with the adolescents, for their lives
orientation, even as institutionally or personally. It was identified that there is no
way of thinking on the adolescent without thinking on the professional who acts
straight with him and faces several situations in the institution, that in some ways
could qualify (or not) his everyday’s actions.
For a better understanding of the institutional dynamic and the
professional action, at a first moment, it was contextualized the appearance of the
assistance institutions for children and adolescents who, by some means were in
situation of high vulnerability, with the focus privileged in the São Paulo’s
context.
Subsequently, the subject of professional practice was worked out,
followed by the perspectives of resistance and overcoming. These approaches are
due to the fact that the Foundation is considered a historical-social institution
which, facing the past political movements, was highlighted for moments of
violence and negligence to the rights of the adolescents, but it is found today in a
process of change, with the perspective of rights guarantee.
In this way, to achieve the understanding of how it is placed the
professional practice ruled in the movements of resistance and overcoming,
interviews were performed with a social worker (who no longer works for the
Foundation) and a psychologist (who still remains in the Foundation) who, from
their academic background and knowledge accumulated by their activities in the
Foundation contributed/contribute for the institutional dynamic and had/have a
significant role in the adolescents life whom they worked / work.
Keywords: Professional Practice, Resistence and Overcoming
Sumário Introdução.............................................................................................................01
Capítulo I Um breve resgate histórico das instituições de atendimento à criança e ao
adolescente............................................................................................................05
1.1 – O universo institucional em São Paulo........................................................11
Capítulo II A Prática Profissional: Um desafio no contexto institucional..............................24
Capítulo III Resistência e Superação: A luta através da resistência em busca da superação...32
Capítulo IV Depoimentos das experiências profissionais........................................................39
Capítulo V Refletindo sobre o que transmitiu a voz das profissionais...................................80
A adolescência......................................................................................................81
Formação e Prática Profissional...........................................................................90
Instituição Total X Incompletude Institucional....................................................95
Resistência e Superação......................................................................................100
Considerações Finais.........................................................................................110
Bibliografia.........................................................................................................111
1
CAMINHOS E POSSIBILIDADES DA PRÁTICA PROFISSIONAL
NA FUNDAÇÃO CASA: RESISTÊNCIA E SUPERAÇÃO
Introdução
Esta pesquisa foi realizada a partir de nossa preocupação inicial
sobre a qualidade do atendimento realizado ao adolescente que cumpre medida
socioeducativa de privação de liberdade na Fundação CASA/São Paulo (antiga
FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), uma vez que o
direcionamento institucional e pessoal da vida deste adolescente está
intimamente relacionado com a ação de profissionais, notadamente aqueles com
formação em Psicologia e Serviço Social.
A abordagem sobre a importância da intervenção do profissional na
rotina da Instituição é fruto do nosso questionamento cotidiano, considerando o
nosso conhecimento, até por ser um local no qual exercemos atividade laborativa.
É ela (a ação profissional) também que vai apontar a existência ou não de
experiências exitosas na Fundação, as quais podem contribuir ou não uma para
uma transformação, seja na Instituição, seja junto ao jovem atendido.
Para tanto, assumimos como estratégia de aproximação da questão,
a tomada de depoimentos sobre a prática profissional na Fundação CASA, dados
por uma assistente social (que atualmente não mais trabalha na Instituição) e por
uma psicóloga (que continua na Fundação) e que tiveram/tem atuações pautadas
na resistência e na superação das questões vivenciadas no contexto institucional.
A escolha dos sujeitos
Por considerarmos que este tipo de pesquisa tem que ser,
necessariamente, qualitativa e, pelo fato de ser qualitativa, na maior parte das
vezes disponibilizar ao pesquisador uma riqueza extensa de dados diversificados
e, ainda, por acharmos que o depoimento de pessoas que realizaram/realizam um
2
trabalho significativo na instituição tem um sentido de expressão do coletivo,
optamos por nos restringir a duas profissionais, coincidentemente do sexo
feminino, que com suas práticas deram testemunho de resistência e superação:
uma com formação em Psicologia e outra com formação em Serviço Social,
sendo estas figuras representativas do corpo técnico/psicossocial da Fundação.
Para a escolha destas profissionais de forma a contribuir de maneira
mais ampla, levamos em conta suas experiências na Fundação, no intuito de
analisar as proximidades e caso haja, as diferenças de perspectivas, uma vez que
não mais operam nos mesmos espaços. Entrevistamos, uma profissional que
ainda permanece na Instituição e outra que já não mais faz parte do seu corpo
funcional.
Outros requisitos para nossa escolha foram que ambas deveriam ter
no mínimo dez anos de experiência no trabalho na Fundação e ter vivenciado
diferentes cargos/instâncias, desde a atuação de base, como técnico - assistente
social e psicólogo - aos cargos de chefia/gestão. Avaliamos também que seria
interessante que as profissionais tivessem tido êxito em suas práticas na
Fundação. Tais profissionais, conforme José Paulo Netto (1985), poderiam ser
consideradas “elementos típicos” perante muitos, haja vista seus posicionamentos
e ações realizadas no contexto institucional. Conforme Netto (op.cit.), o típico
não é o elemento médio - que seria a “generalização dos traços encontráveis
numa coleção de indivíduos (...) [que] expressa um profundo conservantismo
(...)” - o típico é “a síntese das tendências mais significativas (...) expressa a idéia
[de uma] dinâmica que transcende o quadro dado”.
Selecionamos, pois estas duas profissionais com a intenção de
mostrar como é possível a realização de práticas inovadoras e superadoras das
pressões institucionais e da acomodação ao cotidiano, para o enfrentamento do
que muitas vezes é considerado como posto, como regra, tanto para a Instituição
como para muitos profissionais que nela trabalham e para a sociedade civil.
Há que se ressaltar que, as práticas cotidianas da Instituição
necessitam ter o envolvimento ético-político da profissão, o que muitas vezes não
é incorporado pelos profissionais, uma vez que não são todos que pautam suas
3
ações em um contexto ético e de emancipação do sujeito que está sendo atendido
na medida socioeducativa ou que, tampouco, se reportam ao projeto da profissão.
Em virtude de termos como intenção trabalharmos/explorarmos as
práticas profissionais pautadas nos movimentos de resistência e de superação,
realizamos entrevistas semi-estruturadas para que, com base nos nossos
questionamentos, as entrevistadas aprofundassem as informações e, ainda,
ampliassem o campo de explanação (Minayo: 1999:22). Esta opção se deu por
considerarmos que a pesquisa semi-estruturada possibilitaria a não delimitação
do espaço de fala de forma a provocar respostas pontuais e, também, que esse
tipo de abordagem seria importante para obter uma compreensão mais vasta em
relação à prática profissional desenvolvida e aos significados atribuídos às suas
escolhas no exercício cotidiano.
A partir da leitura atenta das entrevistas, elencamos categorias
analíticas consideradas importantes para a compreensão do objeto de estudo,
considerando que as mesmas “retém historicamente as relações sociais
fundamentais e podem ser consideradas balizas para o conhecimento do objeto
nos seus aspectos gerais (...)” (Minayo: 1994:94). Por ocasião da análise, nos
valemos, também, da observação participante, uma vez que somos membro do
coletivo pesquisado e participamos da atuação cotidiana da Instituição.
Feita a pesquisa, organizamos a exposições dos resultados da
seguinte forma:
No Capítulo I, em razão da importância que atribuímos à realização
de uma contextualização sócio-histórica, para poder compreender e realizar uma
crítica que não somente apontasse questões a serem modificadas, mas que
indicasse também caminhos para a sua superação, elaboramos um breve resgate
histórico de como as instituições davam atendimento às crianças e aos
adolescentes que se encontravam em situação de vulnerabilidade, desde os
tempos da colonização do Brasil até os dias atuais. Nesse resgate, consideramos a
necessidade de elucidar como determinadas situações permanecem e de como
algumas foram sendo modificadas.
4
No Capítulo II, abordamos a prática profissional, a qual avaliamos
como questão fundamental no tocante ao atendimento ao adolescente que cumpre
medida de internação e ainda por avaliarmos que os profissionais são sujeitos que
podem possibilitar uma transformação no cotidiano institucional.
Em continuidade, no Capítulo III, analisamos as categorias
‘resistência’ e ‘superação’, com base nos conteúdos teóricos apreendidos na
bibliografia estudada, como apoio para a compreensão dos modos de
enfrentamento das questões postas para a prática profissional na Fundação.
Posteriormente, no Capítulo IV colocamos a transcrição editada das
entrevistas, visto que pareceu-nos importante evidenciar a dinâmica expressa
pelas profissionais entrevistadas, sobre a maneira como foram sendo construídas
suas práticas.
No Capítulo V, analisamos a partir dos depoimentos, as
proximidades e caso haja, as diferenças de perspectivas e as evidências de
resistência e superação empreendidas nas atuações das depoentes quando
responsáveis por prática junto a adolescentes em medida privativa de liberdade.
Observamos que em determinados momentos nos depoimentos e na
análise destes, será mencionado FEBEM e em outros Fundação CASA, em
decorrência das profissionais terem trabalhado na Instituição em momentos
diferentes.
Ressaltamos ainda que tivemos autorização das entrevistadas para
mantermos seus nomes nesta dissertação, considerando ainda a relevância de
reconhecermos seus trabalhos a partir da prática criativa, da compreensão de que
o adolescente é um sujeito de direitos e do compromisso ético-político de cada
uma delas.
5
Capítulo I - Um breve resgate histórico das instituições de atendimento
à criança e ao adolescente
“A realidade social não é um dado natural, mas uma
construção humana. Ao produzir sua realidade social o homem produz-se a si mesmo como ser histórico e social”
Violante (1984:19).
Considerando fundamental o conhecimento sócio-histórico,
realizamos um breve resgate das instituições que foram criadas para o
atendimento de crianças e de adolescentes que, de algum modo, encontravam-se
em situação de alta vulnerabilidade.
Acreditamos que o homem está inserido em um contexto social
amplo, sendo que as questões políticas e econômicas são elementos
indispensáveis para que consigamos acompanhar os modos de sua inserção. O
mesmo acontece quando se quer compreender as questões referente às crianças e
aos adolescentes em seu processo de inclusão/exclusão.
Seguramente, aqueles que compõem o chamado “excedente
populacional” são levados a diferentes formas de enfrentamento de sua dura
realidade - de subemprego, de condições precárias de habitação no qual,
freqüentemente se verifica a ausência de saneamento e de infra-estrutura básicos,
de dificuldades de garantia de sua sobrevivência física, intelectual e social – o
que pode contribuir para o seu envolvimento no meio ilícito.
Por outro lado, o Estado, historicamente, ao invés de efetivar
políticas públicas que atuem sobre as bases sociais e econômicas, desenvolve
uma ação tendente a criar mecanismos voltados principalmente para “atender”
àquelas crianças e adolescentes que, por tais motivos, já enveredaram no meio
“marginal”. Um desses mecanismos é a ampliação de instituições que oferecem
atendimento a partir de ações assistenciais e correcionais.
De acordo com o material bibliográfico consultado, as instituições
surgiram inicialmente em função da necessidade de atendimentos às questões
sociais, vivenciadas nos diferentes momentos históricos, tendo por objetivo
6
oferecer alternativas de “garantia de atenção” à infância e à adolescência
“desvalidas” pelo fato da sociedade (leia-se o Estado e a classe dominante)
considerar que, caso não existisse tal atendimento à essa população, poderia
haver uma ameaça à “ordem social”.
Nesse sentido, entendemos que as instituições ligadas a essas
políticas de “atenção” assumiam uma forma de controle e correspondiam a
expectativas de redução do problema,
“não sendo um simples fenômeno superestrutural. São
organizações transversais a toda sociedade. Elas aparecem
como mecanismos reguladores das crises do desenvolvimento
capitalista em todos os níveis (...)” (Faleiros: 2001:32).
Vivemos em um país que fora colônia de Portugal por
aproximadamente 322 anos, sendo que quando os portugueses “descobriram o
Brasil”, já havia uma população nativa no país – os índios. Desta forma, de
acordo com as obras consultadas, como facilitador da colonização, os
portugueses utilizaram a catequização dos povos nativos, na busca de aculturá-
los, para facilitar a ocupação.
Conforme Baptista (2006:25):
“(...) A estratégia incluía a vinda dos jesuítas para catequizar os
nativos e facilitar a colonização. Diante da resistência dos
índios, à cultura européia e à formação cristã, os padres
resolveram investir na educação e na catequese das crianças
indígenas, consideradas ‘almas menos duras’”.
Assim, como é de conhecimento de boa parte de nós, no intuito de
doutrinar a população que já vivia no país, a começar pelos filhos dos índios, os
padres da Companhia de Jesus se empenharam em transmitir a religião e a
cultura do “povo branco” desconsiderando o que antes existia. As crianças eram
seduzidas e utilizadas, através da possibilidade de ler e escrever, inclusive por
estas terem “facilidade da aceitação” da outra cultura. A “educação das crianças
7
implicava assim, uma transformação radical na vida dos jovens índios”
(Chambouleyron: 2004:61).
De acordo com Chambouleyron (2004:69), os padres utilizavam-se,
para a evangelização - tanto das crianças como dos adultos -, dos recursos da
‘sujeição’ e do ‘temor’. Para essa ação, os jesuítas criaram as Casas de
Muchachos entre os anos de 1550 e 1553. Esta instituição não atendia somente às
crianças indígenas, mas também os enjeitados pela Corte Portuguesa, sendo
estes, filhos de relacionamento extraconjugais (bastardos), filhos de mães
solteiras, filhos das relações de pessoas da Corte com pessoas que não faziam
parte desta.
Além da catequização e da aculturação, os portugueses
escravizavam os índios para usá-los como mão-de-obra. Entretanto, houve
resistência dos grupos indígenas que, para se libertarem desta submissão,
enfrentavam os portugueses, em lutas que redundavam em mortes sucessivas e
fugas para outras regiões.
Aliada à questão do agravamento da situação de miséria,
exploração e marginalização, conforme mencionado anteriormente, no tocante à
resistência dos índios quanto ao processo de colonização e à conseqüentemente
submissão, houve a necessidade dos portugueses buscarem mão-de-obra fora do
país. Assim, recorreram à busca de pessoas negras oriundas do continente
africano, principalmente para as atividades de agricultura, mineração e de
serviços domésticos. Tal situação perdurou desde o Brasil colônia, até o fim do
Império1.
Em função do processo de exploração sofrido pela população local,
pelos escravos oriundos da África e pelos europeus trazidos para viabilizar a
colonização, houve um aumento da marginalização e, conseqüentemente, do
índice de crianças abandonadas. Segundo Marcílio (apud Baptista: 2006:26) “a
prática de abandono dos filhos foi introduzida na América, pelos europeus, no
período da colonização. A situação de miséria, exploração e marginalização,
aliada às dificuldades de apropriação do modelo europeu de família monogâmica
1 Conforme consulta realizada no dia 12 de março de 2009, no site Wikipédia.
8
e indissolúvel, levaram os moradores da terra ‘a seguirem o exemplo dos
descendentes de espanhóis ou de portugueses, de abandonar seus filhos’”.
Conforme Marcílio (apud Baptista: 2006:26), “Não era comum às
crianças africanas ou descendentes de africanos ficarem expostas: elas [ainda]
tinham um valor de mercado, eram propriedade daqueles que haviam adquirido
ou de seus pais para serem seus escravos”.
Consideramos que, após a Proclamação da Independência (1822), a
conjuntura sofreu ainda mais alterações, uma vez que, com a “liberdade” dos
escravos através da Lei Áurea e a alforria “conquistada”, tais escravos que saiam
das terras dos senhores, não tinham condições de vida satisfatórias, ou seja,
passaram a viver de maneira precária, conseqüentemente acrescendo a camada de
pessoas que se encontravam às margens daquela sociedade. De acordo com
Scarano (2004:127),
“(...) as mulheres negras livres habitavam os lugares mais
desfavorecidos das vilas e arraiais geralmente nas proximidades
de caminhos que levavam para o interior ou nas baixadas e em
lugares de mais difícil acesso, como os morros e isso fazia com
que tivessem mais facilidade em contrabandear e também
alertar os homens negros do mato sobre os perigos iminentes
(...)”.
Somente nesse século (XIX) é que as instituições de proteção à
criança que sofria de abandono foram implantadas. Estas foram concretizadas a
partir da institucionalização das crianças que eram deixadas na “roda dos
expostos2”.
Inicia-se então, em 1828, uma trajetória de institucionalização em
equipamentos fechados/isolados do convívio social, no Brasil, quando foi
fundada a primeira Casa de Recolhimento dos Expostos, por iniciativa da Igreja
Católica,
2 A roda consistia em um “artefato de madeira de forma circular, construído de modo a proteger o anonimato do depositante da criança” (Bierrenbach:1987:81).
9
“O regime de funcionamento das instituições seguia o modelo
do claustro (...) as políticas religiosas e o restrito contato com o
mundo exterior eram características fundamentais” (...) (Rizzini
apud Baptista: 2004: 27).
Durante o século XIX, a Igreja perde gradativamente sua
autonomia e o Estado assume o controle da demanda e do atendimento das
crianças abandonadas, o que dá oportunidade para elaboração das primeiras
políticas públicas nessa área.
No contexto paulistano, após o período Republicano houve um
crescimento populacional significativo em razão da mão-de-obra imigrante,
provocando uma “profunda transformação do quadro social da cidade” (Santos:
2004:212). Devido à dinamização e à ampliação do mercado de trabalho e do
consumo, houve um inchamento demográfico, que resultou em uma ampliação
do espaço territorial. Esse processo provocou uma precarização das condições de
habitabilidade das pessoas, ampliou as dificuldades quanto às condições de vida,
aumentou e diversificou os problemas sociais.
Era visível o aumento da criminalidade, principalmente no contexto
da população que vivia à margem da produção, incluindo aí a população negra
em razão da discriminação. Havia ainda, a população imigrante européia que
tinha ideais que, segundo Santos (2004:213), eram um tanto “progressistas” para
a época e considerados “nocivos” à ordem social.
Ao longo do tempo, já no início do século XX, com o aumento
significativo do número de crianças e de adolescentes abandonados, cresceram as
obras filantrópicas que se destinavam ao atendimento desta população. No
entanto, estas obras não contemplavam todas as crianças e adolescentes: faziam
restrição, principalmente às que tinham tido algum envolvimento com o Poder
Judiciário, as quais permaneciam então, sob a égide do Estado.
Assim, frente à demanda que aumentava a cada dia, foram
efetivadas discussões que pautaram determinações. Por outro lado, essas questões
eram tema também de discussões internacionais – o resultado de uma dessas
discussões foi a 1ª Declaração dos Direitos das Crianças, em 1923, em Genebra,
10
na Suíça. Em conseqüência, no Brasil, foi promulgado em 12/10/1927, o Código
de Menores – Código Mello Mattos. Conforme as ponderações de Ramos
(2004:31), o Código de Menores dividia crianças e adolescentes em abandonados
e delinqüentes e, “ratificava e legitimava a existência das instituições
correcionais totais para tratamento dos desvios de condutas, em sua maioria, para
os adolescentes”.
De acordo com Volpi (2001:31),
“(...) o caráter mais perverso deste Código de Menores e da sua
fundante Doutrina da Situação Irregular, estava na
homogeneização da categoria ‘menores’, em que adolescentes
autores de infrações penais e adolescentes vítimas de todo o
tipo de abuso e exploração eram tratados igualmente por uma
ação concreta de caráter penal eufemisticamente denominada
tutelar (...)”.
Estar em uma Situação Irregular, além das questões acima
mencionadas era estar às margens da Justiça, sendo inclusive privado de
liberdade devido à condição de pobreza. No 2º artigo do Código de Menores, o
“menor” é entendido como em “situação irregular” quando está:
“I – privado de condições essenciais a sua subsistência, saúde e
instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de: a)
falta, ação ou omissão, dos pais ou responsáveis; b) manifesta
impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos
pelos pais ou responsáveis;
III – em perigo moral, devido: a) encontrar-se de modo
habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b)
exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV – privado de representações ou assistência legal pela falta
eventual dos pais ou responsável;
V – com desvio de conduta em virtude de uma grave
inadaptação familiar ou comunitária;
VI – autor de infração penal”.
11
1.1 – O universo institucional em São Paulo
Em virtude da insuficiência do atendimento oferecido à população
pela cidade e pelo Estado, no tocante às questões sociais, as atitudes ilícitas
passaram a ser formas alternativas para a garantia da subsistência. Desta forma os
comportamentos em conflito com as normas legais começaram a fazer parte do
cotidiano local, levando o Estado a assumir a “necessidade” do estabelecimento
de ações que coibissem a inserção da população, principalmente as crianças e os
adolescentes, no contexto da criminalidade.
Face à fragilidade no tocante às políticas públicas que atendessem
às demandas emergentes do próprio sistema de produção, o Estado passou a
efetuar ações no sentido de dar conta das situações de maneira paliativa e
emergencial, ou seja, foram criadas instituições que de algum modo
“abarcariam” as necessidades das crianças e dos jovens que não estavam agindo
de acordo com as normas sociais vigentes.
Conforme Santos (2004:222), o Estado de São Paulo já contava
desde o século XIX;
“com institutos privados de recolhimento de menores, (...)
fundados normalmente por congregações religiosas ou por
particulares ligados à indústria e ao comércio, estes institutos
tinham no ensino profissional sua tônica e diretriz, acolhendo
filhos de operários e comerciantes. Apesar de contar com
algumas vagas nestes estabelecimentos, o Estado tinha
dificuldades em aceitar meninos e meninas que de alguma
forma tivessem sido incriminados judicialmente. (...)”. Informa
ainda que, “(...) só restava ao governo, diante da enorme
demanda, a criação de uma instituição pública de
recolhimento”.
Com o passar do tempo, além da necessidade da institucionalização
face à demanda existente de crianças e adolescentes “incriminados
judicialmente”, havia também a urgência de uma instituição que fizesse cumprir
12
o que estava determinado no Código Penal da República (Mota apud Fonseca:
2007:52/53). Inicialmente, foi proposto um projeto de lei, em 14/08/1893, que
previa a implantação do “Azylo Industrial de São Paulo”, no qual segundo seu
criador, Paulo Egídio, os “menores recolhidos deveriam receber instrução
elementar (...) e principalmente industrial em oficinas, assim como aprendizado
agrícola” (Egídio apud Fonseca: 2007:52). Contudo, este projeto não foi além
das burocracias do Senado, do qual, posteriormente, foi retirado pelo autor.
No ano de 1900, Cândido Mota, apresentou na Câmara dos Deputados do
Estado de São Paulo, a proposta de criação do Instituto Educativo Paulista, o qual
teve sua aprovação, sofrendo algumas modificações. Passou a ser nomeado como
Instituto Disciplinar, por intermédio da lei estadual 844, de 10 de outubro de
1902, tendo sua fundação ocorrido em 19033. Nesta época, as palavras de ordem
no que tange à intervenção institucional, conforme Fonseca (2007:56), foram,
“regenerar e reeducar (...). Para colocar em funcionamento essa
prática corretiva, recorreu-se ao trabalho como instrumento
eficaz para incutir, nos menores, normas de conduta adequadas.
O trabalho foi o grande mote para a influência exercida por
instituições como o Instituto Disciplinar do Tatuapé, tendo se
constituído numa forma de pedagogia. A pedagogia do trabalho
(...)”.
Desta forma, podemos observar que o grande objetivo da ação
desenvolvida junto aos “menores” institucionalizados era, além do estudo, o
trabalho agrícola, as atividades físicas e a educação cívica. Havia, ainda, uma
tendência à domesticação uma vez que era exigida uma rigorosa disciplina, com
rotinas a serem seguidas, as quais não compreendiam as reais necessidades de
uma criança ou de um adolescente.
No entanto, conforme a afirmação de Fonseca (2007:147),
3 O ingresso dos ”menores” no Instituto ocorria através de sentença judicial ou por intermédio da polícia.
13
“Uma instituição com regras definidas e com uma rotina
sedimentada, como era o instituto, com o correr do tempo foi
experimentando o desgaste de suas práticas. O atrito entre as
regras e a vivência dos internos ocorrem em episódios de
desobediência e confrontação, registrados em diferentes
momentos. Esses eventos são importantes por indicarem que o
Instituto nem sempre teve êxito na total aplicação de seus
preceitos disciplinares sobre o contingente internado. Se a
imagem divulgada do Instituto foi a de eficiência na correção
de condutas desviantes, os episódios de atritos com os internos
contam outras histórias que questionam essa memória. Não
trata exatamente de um tipo de rebeldia que pretendesse destruir
a Instituição, e sim, a resistência de determinados internos à
vida regrada. (...)”.
Além deste desgaste, cabe ressaltar que o Instituto, de acordo com
as afirmações de Santos (2007:225), deixava a desejar quanto ao projeto inicial,
uma vez que “eram freqüentes os casos de jovens que após uma longa estadia, de
lá saiam sem nada aprender, em estado de semi-analfabetismo (...)”.
Os internos permaneciam sob a supervisão do corpo funcional e de
seus colegas responsáveis pela vigilância. Entretanto, apesar deste controle e das
punições previstas por um decreto, não eram permitidos castigos físicos para a
correção dos internos4 (Fonseca: 2007:100/101).
O Instituto Disciplinar passou por diversas reformas, sendo que, em
1931, foi transformado em Reformatório Modelo de Menores. Contudo, de
acordo com o material bibliográfico consultado, as situações de intercorrências
continuaram as mesmas, sendo que “a precariedade das suas instalações, os
investimentos insuficientes, o despreparo dos vigilantes, a insolência dos internos
e a pouca utilidade dos ofícios ensinados são exemplos dos problemas que
minavam o bom funcionamento do Instituto”. (Franco apud Fonseca: 2007:152).
4 Apesar do decreto e do próprio regimento interno não permitirem o uso de castigos físicos, havia uma rigorosa aplicabilidade de punições de acordo com a indisciplina praticada, que poderia ser desde a advertência e privação do horário do recreio ao confinamento em cela clara com trabalho ou até mesmo a cela escura (Mota apud Santos:2004:226).
14
Na continuidade ao trato de crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade, de acordo com Bierrenbach (1987:82), “em 1935, foi criado em
São Paulo o Serviço Social de Assistência e Proteção ao Menor (...) [e
posteriormente] em 1956, o Recolhimento Provisório de Menores, RPM, para
atender menores infratores de 14-18 anos (...)”. Verificamos desta forma, que
houve uma manutenção nas ações adotadas de instituições que o precederam.
Na busca de contextualizar o período histórico, ressaltamos que a
posterior criação da FUNABEM e a elaboração e implantação da Política
Nacional do Bem-Estar do Menor - PNBEM, estiveram intimamente ligadas ao
movimento do governo militar - a partir de 1964 - havendo desta forma a
implantação desta ideologia no atendimento ao “menor” e conseqüentemente nas
práticas destas instituições, que eram permeadas pela repressão e pela contenção.
Conforme Baptista (2004:30/31),
“os militares procuraram capitalizar o descontentamento geral,
mostrando-se aptos a dar uma resposta radical: em 1964, foi
aprovada a Lei nº 4.513, que criou a Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (FUNABEM), com o objetivo de formular
e implantar uma política nacional nesta área. O problema da
criança e do adolescente passou a ser abordado como questão
de segurança nacional e, portanto, enfrentado de forma
estratégica, por meio de um conjunto de medidas legislativas,
administrativas e políticas”.
Este conjunto de medidas configurou, a partir de 01/12/64, a
Política Nacional do Bem-Estar do Menor, na gestão do Presidente Castello
Branco, sob responsabilidade da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor,
conforme o artigo 1º do capítulo I – Introdução, da Lei nº 4.513 de dezembro de
1964;
“Fica o Poder Executivo autorizado a instituir, dentro de
noventa dias a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor que
15
se regerá por Estatutos aprovados por decreto do Presidente da
República”.
Esta Política Nacional do Bem-Estar do Menor teve suas diretrizes
referenciadas na Declaração dos Direitos da Criança (de 20/11/595):
“1 – O Bem-Estar do menor resulta do atendimento de suas
necessidades básicas, através da utilização e criação de recursos
indispensáveis à sua subsistência, ao desenvolvimento de sua
personalidade e à sua integração na vida comunitária.
2 – As necessidades básicas do menor para cujo atendimento a
sociedade deve oferecer as devidas condições, condensam-se
em torno destes elementos – saúde, amor e compreensão,
educação, recreação e segurança social.
2.1 – A proteção à saúde do menor exige, desde o período pré-
natal, compreende cuidados médicos e higiênicos, alimentação
racional e ambiente onde esteja a recato de fatores que ponham
em risco a sua integridade física e mental.
2.2 – Nos estímulos do amor e da compreensão repousa o
desenvolvimento harmônico do menor, e têm eles sua melhor
expressão no lar bem constituído.
2.3 – O desenvolvimento integral do menor exige, não só, que
se lhe proporcione educação sistemática, senão também, que se
lhe assegurem oportunidades, assim para o exercício de suas
aptidões como para o acesso à cultura.
A todos os menores se reconhece o direito de uma educação
fundamental e uma iniciação profissional, ainda que mínima,
para auferirem os benefícios da atividade econômica, fundada
no trabalho digno e livre.
2.4 – A recreação sadia e adequada a cada idade é fator
integrante de desenvolvimento pleno e equilibrado do menor.
2.5 – A segurança do menor consiste na proteção efetiva (social
e legal) à sua família e bem assim na preservação e na defesa do
próprio menor contra o abandono, a crueldade, a corrupção ou a
5 Contudo, embora tenha sido considerada a importância da criança e de sua família, de acordo com Bierrenbach (1987:84), não houve uma conversão para a realidade nacional, sendo, a necessidade e o momento histórico.
16
exploração. Esse amparo melhor se dispensará na reintegração
do ambiente familiar. Nem a criança nem o adolescente podem
ser submetidos a condições de trabalho capazes de os
prejudicar, quer na saúde, quer na educação ou impedir-lhes o
desenvolvimento físico, mental e moral.
3 – O menor com necessidades especiais – físicas, mentais ou
sociais – deve receber cuidados de natureza também especiais,
de acordo com o problema ou limitação que apresente. Tais
cuidados abrangerão educação especializada, com vistas a sua
readaptação social.
4 – Decorrendo o desajustamento do menor, principalmente, da
indigência ou desorganização do meio doméstico, a proteção
àquele deve integrar-se em programas de proteção social à
família. Portanto, o fortalecimento econômico-social da família
constitui ponto fundamental em toda política do bem-estar do
menor.
5 – A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor promoverá e
incentivará programas de fortalecimento da família,
principalmente daquelas em processo de marginalização, bem
como de prevenção de abandono de menores e atendimento aos
abandonados e infratores.
5.1 – Em seus planos de assistência técnica e cooperação
financeira, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
assegurará prioridade aos programas que visem:
a) à assistência na própria família;
b) ao incentivo à adoção, nos casos previstos em lei;
c) à colocação familiar em lares substitutos;
d) a estabelecimentos organizados segundo padrões que se
assemelham aos da convivência familiar.
5.2 – A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor estimulará
as comunidades locais a assumirem, conjunturalmente com os
poderes públicos, as responsabilidades que lhes tocarem na
execução dos programas de proteção à família e ao menor, e
cooperará, pelos meios a seu alcance, nas iniciativas, de
qualquer natureza, que se relacionem com os fins previstos na
sua própria instituição.
17
6 – A lei federal confiou à Fundação o encargo de definir e
implantar a política do bem-estar do menor, atribuindo-lhe
funções normativas, de coordenação financeira. Ao Estado
compete, com observância daqueles critérios de ordem geral,
planejar e executar os próprios serviços. E aos Municípios cabe
ação supletiva ou complementar na elaboração e no
cumprimento de programas que atendam aos seus problemas
peculiares ou às matérias de seu particular interesse”.
Os fundamentos para o atendimento são explicitados em seus
capítulos I e II: Capítulo I – Declaração dos Direitos da Criança; Capítulo II –
Importância da Família e sua Significação para o Bem-Estar do Menor.
Em decorrência do próprio momento histórico e político que o país
vivenciava, há uma ênfase de cunho assistencialista6 no conteúdo da Política
Nacional do Bem-Estar do Menor. No entanto, embora considerando o avanço no
que tange à sua proposta para o atendimento da criança e do adolescente, a sua
implantação não teve a efetivação esperada. Em pouco tempo, percebeu-se que
tais diretrizes não tinham condições de ser concretizadas, principalmente pela
estrutura centralizadora da FUNABEM.
Embora a Fundação tenha trazido, conforme Violante (1984:60),
uma suposta modernização a um processo ultrapassado de atendimento ao
Menor, sua efetivação ocorreu através de ações paliativas, se considerarmos que
agia primordialmente sobre os efeitos e não sobre as causas das situações que
faziam com que tais crianças e adolescentes estivessem em “Situação Irregular”.
Passetti (2004:357), ao analisar o conceito de situação irregular diz que:
“a intenção principal ao se adotar a nova metodologia
científica fundamentada no conhecimento ‘biopsicossocial’, era
a de romper com a prática repressiva anterior criando um
sistema que considerasse as condições materiais de vida dos
abandonados, carentes e infratores, seus traços de
personalidade, o desempenho escolar, as deficiências potenciais
6 Considerando ainda que o próprio Serviço Social não havia passado pelo movimento de Reconceituação da profissão.
18
e as de crescimento. Crianças e jovens eram caracterizados
como ‘menores’ provenientes das periferias das grandes
cidades, filhos de famílias desestruturadas, de pais
desempregados, na maioria migrantes, e sem noções
elementares da vida em sociedade. A nova política de
atendimento organizada para funcionar em âmbito nacional
pretendia mudar comportamentos não pela reclusão do infrator,
mas pela educação em reclusão – uma educação globalizadora
na qual não estava em jogo dar prioridades à correção de
desvios de comportamentos, mas formar um indivíduo para a
vida em sociedade”.
Segundo Bierrenbach (1987:84), a criação da FUNABEM resultou
em uma instituição que não contemplou uma perspectiva de totalidade e se
limitou à estagnação, a uma ação meramente paliativa ou, possivelmente,
reformista.
Em São Paulo, em decorrência da implementação da política
instituída pela FUNABEM, a PRÓ-MENOR – Fundação Paulista de Promoção
Social do Menor – iniciou seus trabalhos, tendo como ponto de partida a
pactuação de convênios com a própria FUNABEM. Nesse sentido, também não
desenvolveu um modelo que atendesse e garantisse as necessidades dos ainda,
chamados “menores”.
A PRÓ-MENOR iniciou o atendimento à sua população (crianças e
adolescentes) de modo caótico, uma vez que havia, conforme Bierrenbach (1987:
85) uma
“‘superlotação’ (lotação excessiva) de unidades, inadequação e
mau estado de conservação de sua estrutura física, falta,
desqualificação e acomodação de pessoal, inexistência de
condições básicas para o trato do menor: alimentação, roupas,
agasalhos. Observavam-se, sobretudo, um descompasso
generalizado, a ausência de diretrizes gerais e operacionais e
imediatismo”.
19
Com o intuito do atendimento de caráter estadual, foram criadas
nos estados deste país, a partir da política estruturada na FUNABEM, as
FEBEM’s – Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor. Em São Paulo, tal
criação se deu em 24/04/76.
No entanto, verificamos através das obras consultadas que, mais
precisamente em São Paulo, as diretrizes existentes na PNBEM, não foram
adiante, tanto com relação às divergências de concepções, quanto nas
dificuldades concretas no tocante ao número de atendimentos (Bierrenbach:
1987:87).
Contudo, com base na pesquisa realizada por Vieira (2003:31), o
atendimento da FEBEM de acordo com documento oficial aponta que:
‘Os objetivos da FEBEM-SP, vão constituir-se, segundo
documento oficial da Fundação e da Secretaria de Estado e
Promoção Social, em: ‘Planejar e executar no Estado de São
Paulo programas de atendimento integral ao menor carenciado,
abandonado e infrator, através de programas e providências que
venham a prevenir sua marginalização e corrigir as causas do
desajustamento, cumprindo e fazendo cumprir as diretrizes da
Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBM), emanadas
da FUNABEM’.
No cenário da criação ou da reformulação da política de
atendimento ao “menor”, vivenciamos um contexto histórico-político, ditatorial,
no qual as práticas voltadas ao atendimento aos “menores” continuavam apoiadas
em atitudes repressoras, conservadoras e assistencialistas. A FEBEM era uma
instituição total que oferecia às crianças e aos adolescentes o atendimento, em
síntese, de suas necessidades básicas.
Passados onze anos foi criada, no Governo do Estado de São Paulo,
a Secretaria do Menor, através do Decreto Estadual 27.187, na qual pretendia-se
o rompimento com a ação repressora e assistencialista, no sentido da conquista
de práticas voltadas à garantia de direitos (Vieira: 2003:34).
20
No ano seguinte, com a promulgação da Constituição Federal
(1988), mais precisamente em seu artigo 2277, há a determinação de assumir o
“menor” como um sujeito de direitos, inserido em uma sociedade/instituição
pautada na Doutrina da Proteção Integral. Como assevera Volpi (2001:32):
“o conceito de criança como sujeito de direitos e que tem
condições de participar das decisões que lhe dizem respeito; o
princípio do interesse superior da criança, isto é que os direitos
da criança devem estar acima de qualquer outro interesse da
sociedade e o princípio da indivisibilidade dos direitos da
criança, ou seja, não se trata de assegurar apenas alguns direitos
e sim, todos”.
Baseado nos princípios definidos pela Constituição Federal, e
ainda, sob a pressão dos movimentos sociais da época, foi elaborado o Estatuto
da Criança e do Adolescente, que teve por propósito assegurar os direitos e as
garantias da criança e do adolescente, ou seja, é um Estatuto que “consolida e
reconhece a existência de um novo sujeito político e social que, como portador
de direitos e garantias não se pode mais ser tratado por programas isolados e
políticas assistencialistas, mas deve ter para si a atenção prioritária de todos,
constituindo-se num cidadão, independentemente de sua raça, situação social ou
econômica, religião ou qualquer diferença cultural” (Volpi: 2001:34).
Além do movimento político interno que o Brasil estava
vivenciando, internacionalmente, também já estavam em discussão Diretrizes
que tinham por foco o atendimento aos adolescentes autores de atos infracionais:
as Regras de Beijing (Regras Mínimas Uniformes para a Administração da
Justiça da Infância e Juventude), de 1984; as Diretrizes de Riad (Diretrizes das
Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil), de 1990; e as Regras
das Nações Unidas para Proteção de Menores Privados de Liberdade, de 1991.
7 “É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
21
Apesar do país ser signatário dessas diretrizes internacionais e
embora existam leis que assegurem os direitos das crianças e dos adolescentes, as
práticas voltadas a essa população não conseguiram acompanhar tal
evolução/movimento8.
A própria atuação da antiga FEBEM, subordinada ao Governo do
Estado de São Paulo, durante um longo período não acatou os artigos
contemplados no ECA, e em pleno século XXI, ainda se percebem concepções e
atitudes - seja por parte dos servidores da instituição, seja por parte de alguns
gestores – que ainda não mudaram.
Entretanto, há que se considerar que a instituição até o ano de 2007,
denominada FEBEM, passou a ser intitulada Fundação CASA - Fundação Centro
de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, e está atualmente subordinada à
Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania. Essas mudanças têm o
intuito de romper os ranços da perspectiva da “situação irregular” e ir a busca da
efetivação da Doutrina da Proteção Integral ao adolescente autor de ato
infracional, ou seja, tem por proposta atender o adolescente de acordo com o que
está estabelecido na Constituição Federal, no ECA e no SINASE (Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo)9, considerando ainda todo o Sistema
de Garantia de Direitos.
Uma das principais mudanças no contexto do seu atendimento foi o
reordenamento administrativo da Fundação, através da sua descentralização. Esta
descentralização busca, por um lado, garantir uma melhor distribuição dos jovens
dentre as unidades existentes no Estado de São Paulo, de maneira que se situem
8 No ano de 2008, comemoramos a maioridade da lei (ECA), contudo, ainda há necessidade de dar continuidade às lutas para a sua efetivação. Não podemos deixar de considerar que há uma mentalidade que ainda não permitiu que a criança que carece de atendimentos e/ou o adolescente autor de ato infracional, tenham garantidos seus direitos constitucionais. Há um comportamento “menorista” que é reforçado cotidianamente na sociedade, seja no Poder Público, seja na imprensa midiática. 9 O Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo teve sua elaboração em 2006, no intuito de articular os “três níveis de governo para o atendimento [de] programas de atendimento, considerando a intersetorialidade e a co-responsabilidade da família, comunidade e Estado. Esse mesmo sistema estabelece ainda as competências e responsabilidades dos conselhos de direitos da criança e do adolescente que devem fundamentar suas decisões em diagnósticos e em diálogo com os demais integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, tais como o Poder Judiciário e o Ministério Público” (Sinase: 2006:14). Sua implementação “objetiva primordialmente o desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos humanos. Defende, ainda, a idéia dos alinhamentos conceitual, estratégico e operacional, estruturada, principalmente, em bases éticas e pedagógicas” (Sinase: op.cit.: 16).
22
no ou próximo ao município em que residem e, por outro lado, possibilitar a
desativação de grandes complexos10.
De acordo com as informações colhidas através do site da
Fundação a missão institucional é “executar direta ou indiretamente, as medidas
socioeducativas com eficiência, eficácia e efetividade, garantindo os direitos
previstos em lei e contribuindo para o retorno do adolescente ao convívio social
como protagonista de sua história”.
Cabe ressaltar que as ações no tocante à medida socioeducativa são
direcionadas pelo Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo da Fundação
CASA (elaborado com base em documentos anteriores, em recomendações do
CONANDA e do SINASE), o qual, apresenta como objetivo “reordenar o atual
sistema e especialmente, desenvolver plano pedagógico que supere a secular
dicotomia oscilante entre a educação e a contenção, em especial na internação
(...)” (Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo da Fundação CASA:
2006:03). Tal documento enfatiza, ainda, a importância do trabalho sincronizado
entre os poderes Executivo (Federal, Estadual e Municipal), Judiciário,
Ministério Público e Sociedade Civil.
Considera também que “o plano de trabalho e os programas sócio-
educativos devem (...) ser articulados em rede social, num conjunto de atividades
públicas e comunitárias que assegurem de modo efetivo, todos os direitos e
garantias do indivíduo e criem condições de trabalho de aplicação e execução de
todas as medidas sócio-educativas e não apenas a de internação” (op.cit.:
2006:03).
Aliado a essas reformulações, apontamos ainda que, neste
momento, estamos vivenciando um período de transição do atendimento
realizado. Esta transição é da gestão plena (realizada pelos profissionais que
prestaram concurso público), para o atendimento em gestão compartilhada
(realizado por profissionais da área psicossocial, pedagógica e operacional,
contratados por Organizações Não Governamentais – ONG’s, que firmam
convênios com a Fundação CASA).
10 Conforme pesquisa realizada em 15 de julho de 2008, no site da Fundação CASA.
23
De acordo com Passetti (2004:366),
“(...) É tempo de uma nova administração restrita a um patamar
mínimo de atendimento estatal, norteada por uma nova política
de tributação facilitadora de investimento de impostos pelas
empresas (...)”.
Pontua ainda que:
“(...) No caso de políticas sociais para crianças e adolescentes, o
Estado dispensa parte dos funcionários especializados, como
psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, educadores de rua,
sob regime CLT, não concursados e com experiência, e com
isso contribui para repassá-los às organizações não
governamentais. Estas por sua vez vão tomando a cena política
na medida em que o ideário neoliberal ou liberal social, em
linhas gerais, alinha-se ao Estado que reduziu seus
investimentos sociais, num tempo em que em nome de uma
maior liberdade de mercado, cresce a legitimidade das
organizações da chamada sociedade civil” (2004:367/368).
Cabe ressaltar que o atendimento ao adolescente deve ser pensado
cuidadosamente para que não haja perda do que já foi conquistado
historicamente, e que isto é de responsabilidade do Estado, da sociedade civil e
também dos profissionais que atuam diretamente junto aos adolescentes,
principalmente com aqueles em medida privativa de liberdade.
24
Capítulo II – Prática Profissional: Um desafio no contexto
institucional
A proposta deste Capítulo foi de elucidar a nossa perspectiva a
respeito da prática profissional, por considerarmos que este é um trabalho de
relevância quanto o acompanhamento ao adolescente em medida socioeducativa
e que por sua vez, pode promover uma transformação no cotidiano da Instituição.
O conteúdo deste Capítulo, também subsidiou as análises dos depoimentos dados
pela entrevistadas sobre suas práticas no contexto institucional da
FEBEM/Fundação CASA.
Antes de pensarmos o profissional como profissional, devemos
observá-lo e considerá-lo como um sujeito: sujeito sócio-histórico, portanto, um
ser genérico no dizer de Heller (2000), que é também portador de uma gama de
vivências, experiências, emoções, valores, ou seja, um sujeito individual,
subjetivo, intenso e complexo. Este sujeito está inserido em um contexto que
além de ser sócio-político é institucional, sendo que a prática analisada se dá no
interior dessa instituição. Considera-se ainda que ele compõe um coletivo
profissional e exerce funções para as quais tem formação específica.
Em um primeiro momento, ressaltamos que se tratam de
profissionais que estão inseridos em um sistema capitalista de produção e que
recebem como resultado de sua força de trabalho, o salário11. Tal inserção no
mercado de trabalho e sua relação simbiótica com este (inclusive através do
salário), por vezes limita em elevada proporção os espaços de sua prática, que
passa a ser realizada de forma inconsistente, muitas vezes com a justificativa de
não se sentirem monetariamente reconhecidos. Contudo, existem sujeitos que,
seja qual for seu espaço de trabalho, sua opção profissional se impõe a despeito
da situação sócio-econômica vivenciada, ou seja, profissionais que se reportam
11 Mencionamos a questão do salário, haja vista ser fruto do vínculo empregatício e, ainda, ser instrumento/recurso que subordina o profissional, delimitando-o ao espaço do assalariado, sendo que muitas vezes tal profissional não se manifesta contrariamente à instituição por depender exclusivamente deste rendimento para a sua sobrevivência.
25
em sua prática consistentemente ao projeto ético-político da profissão, ao seu
código de ética e, acima de tudo, ao seu compromisso com o usuário.
Além da questão monetária, existem determinadas situações nas
quais o profissional não consegue se ver reconhecido na atividade que
desenvolve cotidianamente, nem apreender seus resultados, uma vez que o
produto de sua força de trabalho, na maioria das vezes, é algo subjetivo ou que
seus resultados só poderão ser aquilatados no futuro. Isso significa que, caso não
tenha um olhar mais aprofundado e crítico, e uma formação teórico/prática
consistente, ele poderá desvalorizar o tipo de ação que precisaria desenvolver
para garantir a eficácia e a efetividade de sua prática. Na pior das hipóteses, é
possível ainda que este profissional transforme sua vinculação com o usuário,
numa relação coisificada, reificada, como se esta fosse uma mera mercadoria.
Um outro fator importante a ser destacado é a vivência do sujeito
no cotidiano da instituição, seja enquanto profissional, seja enquanto cidadão,
uma vez que seus valores pessoais estão intrinsecamente relacionados com os
valores profissionais. Essa inserção do profissional no cotidiano, é analisada por
Heller (apud Sawaia: 2001:103) da seguinte forma:
“(...) o cotidiano é o lugar do espontâneo, do hábito, do
desempenho automático dos papéis, da rotina, mas é o lugar
onde o homem participa por inteiro, onde coloca em
funcionamento todos os seus sentimentos, paixões, idéias e
ideais. É onde apreende o mundo e nele se objetiva de forma
única, dentro das possibilidades oferecidas por este mundo.
Portanto, é o lugar onde o homem vive sua particularidade, mas
também é onde pode superá-la em direção à humanidade”.
Embora o dia-a-dia seja importante para a construção e
reconstrução das práticas, - uma vez há a possibilidade de a partir de sua
experiência, rever inclusive os posicionamentos frente às questões que emergem
naturalmente – seu enfrentamento precisa ser crítico e consistente. Caso isso não
aconteça corre-se o risco de atuações pautadas em atitudes mecanicistas, sem
26
direcionamento, realizando uma “articulação imediata entre pensamento e ação
(...) apoiada [ainda] em generalizações provisórias, tradicionais, consolidadas
pela confiança, pela fé ou por preconceito (...)” (Gentilli: 1998:66/67).
Isto exige do profissional a busca incessante do rompimento da
prática pela prática, em prol de uma superação de atividades rotineiras,
reconhecendo que as mesmas podem se tornar alienantes e alienadoras12, tanto
para si como para o usuário - no caso estudado, o adolescente, sua família e até
mesmo aos profissionais que com ele atuam diretamente.
É evidente que, como mencionamos anteriormente, o cotidiano
pode ser palco de uma postura mais passiva, considerando a burocratização dos
serviços, haja vista a necessidade do cumprimento de normas, tarefas, prazos,
eficiência, agilidade, os quais não permitem que o profissional execute suas
ações de modo reflexivo, atendendo mais a uma “produção quantitativa, de
aparência imediata, [do] que (...) resultados qualitativos e duradouros” (Baptista:
2001:112). Pode também fazer com que “o cumprimento das normas burocráticas
[passem] (...) a ser a lógica do [seu] trabalho profissional (...)” (Faleiros: 2001:
61).
Ainda conforme Faleiros (op. cit.:35):
“Os procedimentos burocráticos estabelecem um roteiro rígido
de atuação que possa ser bem controlado desde cima, de cima
para baixo. O planejamento e a programação permitem e
obrigam cada vez mais a esse controle interno, transformando a
disciplina em uma questão de competência, de avaliação, de
eficácia (...)”.
Entretanto, apesar deste cenário ser favorável a uma passividade do
profissional, ocasionando uma acomodação diante das práticas rotineiras,
acreditamos que a partir de um processo crítico, emancipador e propositivo é que
12 Entendemos como práticas alienante e alienadora as próprias atividades sistemáticas e organizadas dentro de uma estrutura condicionante, institucional.
27
o profissional poderá ter condições de realizar sua ação cotidiana, em direção à
resistência, à transformação e à superação.
Compreendemos então, conforme Baptista (2001:111) que,
“(...) o espaço privilegiado da intervenção profissional é o
cotidiano, o ‘mundo da vida’, o ‘todo dia’ do trabalho que se
revela como o ambiente no qual emergem exigências imediatas
e são desenvolvidos esforços para satisfazê-las, lançando mão
dos diferentes meios e instrumentos. É um ambiente material e
de relações no qual o profissional deve se mover ‘naturalmente’
com uma pretensa intimidade e confiança, sabendo manipular as
coisas, os costumes e as normas que regulam os
comportamentos no campo social e técnico”.
Consideramos ainda que, de fato, a instituição exerce um poder
sobre o profissional, uma vez que além da remuneração, esta possui o,
“monopólio do objeto e dos recursos institucionais”. Contudo, avaliamos que o
profissional é o responsável por direcionar seu trabalho, “de modo particular,
subjetivo (...) estabelecendo sua própria ordem de relevâncias (...)” , dando,
desta forma, um sentido para a execução de sua ação (Baptista: 2001:113).
Para a realização de uma prática cotidiana, o profissional, ainda que
regido pelos limites institucionais, não pode perder de vista a centralidade do
sujeito ao qual atende, buscando sua emancipação humana e, conseqüentemente,
sua promoção, pautada nos seus direitos. É necessário que delineie, ainda, um
projeto que norteie sua atuação diária – baseado em princípios teórico-filosóficos
e práticos – de forma a garantir uma ação mais relevante do que aquela que
institucionalmente é tida como norma, como diretriz.
Este rompimento e o processo de busca por uma transformação da
ação requerem uma recusa ao conformismo e um enfrentamento da maciça
demanda institucional, muitas vezes repetitiva, de forma consistente.
Para tanto, compreendemos que não há como realizar qualquer
movimento de enfrentamento do processo institucionalizador, se a prática
28
profissional não estiver calcada em uma teoria que possibilite ao profissional o
exercício dialético de avaliar, reavaliar, construir e reconstruir suas ações. Para
ultrapassar o imediato, o limite do objeto posto pela instituição, há que se ter uma
teoria consistente, que fundamente a ação (Baptista: 1999:02).
As discussões teóricas, além de contribuírem para tal movimento,
também fundamentam e contextualizam o cenário econômico, político, social e
cultural vivenciado, tanto pela instituição, quanto pelos profissionais e,
principalmente, pelos sujeitos por eles atendidos. Ou seja, é através do acúmulo
teórico-científico, da apreensão das conjunturas sócio-históricas e do
conhecimento técnico-operativo, que o profissional pode se tornar capaz de
realizar competentemente seus enfrentamentos, seja na esfera institucional, seja
em um campo mais amplo, o social.
A ausência/fragmentação de uma fundamentação teórica fragiliza
as intervenções cotidianas junto ao usuário, ou até mesmo junto à instituição, e
ainda, a sua própria identidade -, não garantindo um direcionamento às suas
ações. Conforme Gentilli (1998:39):
“A falta de discriminação teórica entre atividades profissionais
e atividades organizacionais, assim como a falta de distinções
entre atividades, instrumentos empregados e produtos visados
contribuem para o agravamento deste quadro de indefinição
profissional, com reflexo imediato na sua identidade
profissional (...)”.
Desta forma, é comum percebermos que a falta de clareza teórica
da atuação profissional, da não percepção das particularidades de sua formação
acadêmica, do despreparo para o exercício de suas atribuições e de suas funções,
fazem com que o profissional acabe executando muitas vezes o trabalho que não
é específico à sua formação, da mesma forma que “permite” que outros
profissionais realizem atividades/ações que a ele (profissional) competem.
Aliado ao conhecimento teórico-científico, técnico-operativo,
consideramos fundamental o posicionamento diante do projeto ético-político que
29
deve nortear suas ações na instituição, uma vez que ele é integrante de um
coletivo regido por uma profissão13 e que desta forma não se encontra
isoladamente realizando um trabalho.
No sentido de dar uma dimensão maior a sua ação, o profissional
apoiado nessa relação teoria-prática tem condições para construir uma
metodologia para a ação, guiada por uma intencionalidade, por um projeto que de
fato alcance a emancipação daqueles junto aos quais trabalha e não a manutenção
da dependência destes aos mecanismos institucionais.
O exercício dessa dimensão maior deixa claro ao profissional a sua
identidade como sujeito coletivo que, de acordo com Martinelli (s/d, em artigo
ainda não publicado) são aqueles que “(...) expressam consciências partilhadas [e
que] são sujeitos que lutam por vontades históricas determinadas (...)”.
Na qualidade de sujeito coletivo o profissional está implicado no
processo/atendimento realizado pelos seus pares, isto é, participa
substancialmente das ações realizadas institucionalmente, ocupando os espaços
de sua competência. Desta forma, a prática profissional não pode ser reduzida a
uma simples maneira de
“(...) contornar as dificuldades de explicação da realidade [as
quais] são resultantes de procedimentos muitas vezes
apressados, sem mediações, consolidados em leituras teóricas
demasiadamente imprecisas, cujos desdobramentos repercutem
sobre a qualidade da prestação dos serviços. Agrava-se ainda
mais pela imperícia técnica dos agentes profissionais e pela
‘polifonia’contida em seus discursos (...)” (Gentilli: 1998: 66).
Ressaltamos também, de acordo com a afirmação de Kameyama
(1981:147), que a prática profissional apesar de:
“Ser entendida como um conjunto de atividades peculiares de
cada profissão, existem aspectos de suas práticas que estão
relacionadas com as dimensões estruturais e conjunturais da
13 No qual existem o Conselho da Profissão e o Código de Ética.
30
realidade. Desta forma, a prática profissional torna-se
subsidiária da prática política, quer seja na perspectiva de
manter o ‘status quo’, quer seja na perspectiva de
transformação da realidade”.
Neste sentido é que defendemos que os profissionais (munidos de
competências teórico-científico, prático-operativo e ético-político) podem:
“(...) além de superar as práticas espontâneas e reflexões que se
confinam em ações pontuais, construir uma proposta de prática
inovadora, dinâmica, abrangente e replicável, que
instrumentalize a intervenção profissional (...)” (Baptista:
2006:73).
Ressaltamos que qualquer movimento de transformação é
complexo por tratar de inúmeras situações que são objeto de mediação14. Faleiros
(2001:96) assinala que:
“O processo de mediação (...) vincula-se à prática pela
mediação dos movimentos e organizações que se servem das
categorias para análises concretas das forças e proposição de
alternativas estratégicas, questionando na prática, os
instrumentos teóricos, que assim se realimentam (...)”.
A reflexão sobre a prática realizada neste trabalho não tem por
intuito responsabilizar única e exclusivamente o profissional, para que as
transformações sociais e políticas ocorram, tampouco que mudem toda a
dinâmica da instituição. No entanto, ela tem por escopo chamar a atenção para a
sua participação nestes processos. É evidente que o profissional embora
apresente condições para uma efetiva contribuição nas questões mencionadas,
“nem sempre ele pode ultrapassar os limites de sua intervenção, mas pode
14 Conforme Faleiros (op.cit.:94), “as mediações são construções de categorias que permitem a análise complexa de situações concretas, e não simples interpretação abstrata isolada”.
31
desocultá-lo: conviver com a realidade não significa ser conivente com ela (...)”
(Cortez apud Baptista: 1994:14).
E, ainda, que a repetição das ações que ocorrem diariamente
também fazem parte da ação cotidiana, contudo o profissional, apesar de não
conseguir ser criativo e inovador a todo o momento, deve cuidar para dar uma
dinâmica inovadora à sua ação (Baptista: 1999a:08).
Em se tratando da prática profissional na Fundação CASA,
verificamos que as questões apontadas neste capítulo podem em determinados
momentos nos parecer instalada. Entretanto, devemos avaliar que nesta
instituição também – apesar de muitas vezes ser de modo isolado –
ocorreram/ocorrem práticas de resistência em busca de uma superação do que
existe, no intuito de ver/tratar o adolescente que está inserido em medida
privativa de liberdade como um sujeito de direitos.
32
Capítulo III - Resistência e Superação: A luta através da resistência
em busca da superação
A escolha dessas categorias15 não foi fruto de uma elucubração
teórica, mas sim, resultado da constatação empírica da importância da resistência
no cotidiano da prática profissional e da construção de estratégias para superação
do modo de ser no trato de adolescentes em situação de alta vulnerabilidade.
Desta forma, consideramos que seria importante aprofundar nosso
conhecimento sobre as categorias resistência e superação. Avaliamos também
que tal discussão contribuiria para a compreensão e a análise das questões postas
nos depoimentos das profissionais entrevistadas.
No apanhado apresentado no Capítulo I, no qual apontamos o
surgimento e a continuidade de instituições que realizavam (e, algumas, ainda
realizam) o atendimento ao adolescente em situação de vulnerabilidade - seja
pessoal, seja social - pôde-se perceber que as mesmas estavam/estão
contextualizadas em conjunturas societárias e em um Estado que seguramente
tinham suas bases hegemonicamente norteadas por idéias conservadoras e, até
mesmo, autoritárias. Também, referimos que as instituições de atendimento aos
adolescentes foram criadas como “respostas” a questões colocadas pela
elite/classe dominante no sentido de “providências” face ao “risco” que estes
poderiam oferecer à sua segurança e ao seu patrimônio.
Apontamos no Capítulo II, a prática profissional inserida em um
contexto institucional e de como os profissionais podem buscar caminhos para as
ações cotidianas, de modo a realizarem um enfrentamento do que pode parecer
posto. Assim, esse enfrentamento - das idéias e das situações que estão
enraizadas nas práticas institucionais- , pareceu-nos que, somente poderia ocorrer
através de ações que contivessem a intenção de resistência e de superação, o que
15 Segundo Octavio Ianni, em aula dada na PUC/SP, para Marx, explicar dialeticamente é construir categorias que resultam de refletir sobre o real e desvendar nele o que não está dado, partindo do princípio de que não se trata apenas de descobrir os nexos, mas a reconstituição do real.
33
levou-nos a procurar aprofundar, conforme mencionado anteriormente, nosso
conhecimento sobre essas categorias.
A convicção expressa na afirmação anterior, tem por base a nossa
observação de que, o conformismo apresentado por parte dos profissionais diante
da dinâmica institucional, além de não contribuir para o desenvolvimento de seu
trabalho, também não oferece o efetivo acompanhamento ao jovem privado de
liberdade, o qual tem levado a situações que, de certa maneira, são incompatíveis
com a garantia dos direitos dos adolescentes que nela cumprem medida; direitos
estes já regulados em lei.
Nos escritos de Marilena Chaui (1994:48) sobre esta questão, a
autora toma como ponto de partida analítico o fato de termos um Estado
organizado de modo hierárquico, cujas relações foram constituídas a partir da
tutela, do favor, da arbitrariedade e do clientelismo por parte dos governantes,
fazendo com que a classe dominada permanecesse à mercê da “assistência”, dos
serviços “oferecidos” por ela.
Ainda de acordo com Chaui nesta mesma publicação, as
características de Estado autoritário foram reforçadas, no Brasil, no período da
ditadura militar que teve início em 1964 (op.cit.:48). Esse período se configurou
como de maior dominação da população, o que acentuou uma cultura que a
mantinha subjugada e reprimida. Tal característica do Estado autoritário, também
cerceou qualquer discussão ou compreensão referente aos direitos das camadas
populares e, até mesmo, qualquer possibilidade de discussão sobre tais direitos.
Contudo, embora em uma conjuntura e em um Estado cerceador de direitos,
ocorreram movimentos de resistência. Resistência ao que estava sendo posto,
seja através de enfrentamentos nitidamente políticos, seja através de outros tipos
de movimentos, como aqueles que tinham como estratégia a irreverência, a
pichação, etc.
As reflexões de Chaui nos levaram a perceber que esses
enfrentamentos aconteceram quando aqueles que os assumiram chegaram ao
entendimento de que as coisas não poderiam continuar da mesma maneira em que
34
estavam e que, seguramente, havia necessidade de mudança no curso dos fatos, da
história.
No contexto sócio-político estudado pela autora, freqüentemente
existiam ambigüidades de posicionamentos: um mesmo sujeito, por um lado,
sentia desejos do enfrentamento e de assumir movimentos para mudança e, por
outro lado, era levado ao conformismo diante da força do que estava instalado
econômica, política e socialmente. Dentre os profissionais da Fundação essa
mesma ambigüidade ocorre, conformando apenas um aspecto da complexidade
da análise que estamos desenvolvendo, a qual busca resgatar esse movimento
contraditório de rompimento com o estabelecido. Ou seja, por um lado,
permanecendo no quadro profissional e fazendo cumprir o que é de lei e, por
outro lado, construindo práticas superadoras e desconstruindo práticas
tradicionais voltadas à conservação do instituído.
No entanto, entendemos que não há resistência sem conflitos, não
há resistência sem a busca do rompimento com o conformismo e/ou com a auto-
conservação institucional, que é uma tendência comum nas práticas cotidianas,
elemento este já assinalado por Heller (1994:12):
“(...) El objetivo del individuo particular es la autoconservación;
el individuo se identifica así de manera espontánea con el
sistema de hábitos y exigencias que permitem su
autoconservación, que hacen de su vida algo lo más ‘comodo’ y
falto de conflitos posible (...)”.
Sem a ruptura dessa identificação e dessa tendência ao mais
“cômodo” e ao não conflito, o profissional não tem condições de agir
teleologicamente, de construir um projeto de prática no qual seja capaz de ser
fonte emancipadora de si e do outro.
Ainda de acordo com Chaui (1994:158) é necessário que, para a
busca da emancipação coletiva para uma posterior mudança e para o
fortalecimento dos movimentos, as pessoas inicialmente deveriam se apropriar da
situação, através de um “processo de conhecimento”. A partir desse processo é
35
que os pensamentos e as ações podem amadurecer e fortalecer a resistência,
abrindo possibilidades de mudança. Esse conhecimento, em nosso entender, deve
ser, inclusive, conceitual, de forma a possibilitar a articulação das idéias com as
ações a serem tomadas. Este tipo de reflexão vem tendo espaço freqüente, porém
historicamente não permanente, na Fundação: ocasionalmente isto ocorre por
iniciativa de pequenos grupos e, outras vezes, a partir da própria administração.
Essa intermitência tem dificultado a consolidação de uma proposta que seja
assumida e aperfeiçoada a partir do próprio movimento da prática refletida, de
forma a encaminhar a ação da Fundação para a superação de seus próprios
limites.
Faleiros (2001:08) situa esse “processo de conhecimento” na
prática profissional quando analisa a relação entre o saber profissional e o poder
institucional:
“(...) O saber é uma forma de enfrentar desafios da natureza
como de contornar ou estimular conflitos, de justificar ou
criticar a ordem social, de articular a continuidade ou
transformação da sociedade e se coloca no processo de luta de
classes e da correlação de forças sociais. O saber é práxis,
concepção de mundo em conflito, relativo às relações de classes
e forças sociais”.
Nesta análise, Faleiros enfatiza as diversas dimensões do saber,
norteadas por diferentes concepções de mundo e posições face à luta de classes e
à correlação das forças sociais, analisando seus resultantes. Pondera que a ação
decorrente de um determinado conhecimento pode ser no sentido da manutenção
e da justificativa do status quo enquanto que, noutra perspectiva, pode basear a
crítica da realidade focada e a construção de uma proposta de superação de seus
paradigmas. Isto vem significar que simplesmente uma ‘ampliação de
conhecimentos’ sem o norte de uma perspectiva de mudança, não leva
automaticamente à superação.
36
Cabe destacar ainda que, a prática/movimento de resistência e de
superação não pode ser entendida como uma simples contraposição do instalado,
mas sim como a busca de rompimento de um status quo, dos interesses que
hegemonicamente estão postos ou que existem institucionalmente. Significa,
portanto, assumir posicionamentos e ações frente ao que, não sendo lógico e não
trazendo contribuições efetivas aos sujeitos, é apresentado autoritariamente como
deliberação, “ordem” ou como “o que sempre vem sendo feito”. Este processo de
superação da “ordem estabelecida” pode ocorrer, então, através do rompimento
do senso comum, da “desobediência civil” ou, até mesmo, através de um
comportamento mais combativo, o qual pode ainda envolver atos de violência.
Nesse sentido, em um contexto institucional, pensar em
rompimento das práticas conservadoras não é tarefa simples, uma vez que torna
imprescindível a “quebra” de paradigmas já cristalizados. Também, é no
contexto do próprio funcionamento institucional - no qual são peculiares o
“adestramento” dos profissionais, definidos por normas rígidas e papéis a serem
desempenhados - que a rotina cotidiana leva o profissional a cumprir suas tarefas
obrigatórias à risca, assoberbando-o com a demanda burocrática do trabalho, que
ele se vê por vezes impossibilitado de se deter, para lançar um olhar crítico e
propositivo às suas práticas e às suas rotinas.
Consideramos ainda que, tratar da questão da resistência e da
superação de práticas exige situá-as em um contexto mais amplo, no sentido de
avaliar que as ações analisadas estão inseridas em relações sociais, cuja dinâmica
é dialética e contraditória, historicamente determinada, não estática nem
homogênea. Portanto, que o homem/sujeito está inserido nesta dinâmica
relacional, vivenciando o seu movimento como ser social.
Esse tipo de entendimento também se aplica no caso de
determinados profissionais da Fundação, frente às situações de evidente falta de
garantia de direitos e/ou ausência de preocupação de alguns destes, em relação ao
futuro daqueles jovens. Desta forma, podemos, então, fazer um paralelo da
análise realizada por Chaui com a que faremos da Fundação CASA – que
também é produto de determinações sócio-históricas e, como instituição, é uma
37
expressão social da organização do Estado, apresentando, conseqüentemente,
hierarquização, burocratização e direcionamento compatíveis com as propostas
de cada administração do executivo estadual, em consonância com os seus
próprios gestores. Assim, não há como analisarmos as categorias resistência e
superação, também no espaço da Fundação, sem termos o entendimento da
proposta governamental – tanto do Estado a que estamos subordinados, quanto
da proposta interna da Fundação CASA - para o enfrentamento da questão da
infração juvenil.
Ao longo do tempo de existência da Fundação, podemos
considerar que tiveram tanto comportamentos conformistas e passivos frente à
condução dos trabalhos (no tocante aos encaminhamentos dados nas práticas
profissionais e à questão da falta da garantia de direitos), como movimentos de
resistência, baseados em posicionamentos técnico-operativos na busca de uma
possível mudança.
Ressaltamos ainda que, para que essa resistência e essa superação
ocorram, há portanto, que se desenvolver, além de um arsenal de conteúdos
práticos do cotidiano – incluindo compreensão da realidade vivida - um acúmulo
teórico que contribua para uma apreensão atenta, fundamentada e crítica da
situação enfrentada, além de sua própria prática, percebidas como imbricadas em
um movimento de contradição, superação e síntese, ou seja, em um movimento
de construção. Essa bagagem teórico-prática é fundamental para que,
estrategicamente, o profissional esteja preparado para o manejo dos argumentos
acumulados, na defesa dos pontos de vista e dos modos de prática que deseja
defender (Faleiros: op.cit.:10).
Ao tratar das estratégias de superação, Faleiros (op.cit.:09) considera a
importância da clareza do profissional em relação aos seus propósitos e da
situação enfrentada:
“(...) Uma força se constitui na dialética da identidade e da
oposição, na descoberta de interesses próprios em conflito com
o adversário, no enfrentamento por defender ou conquistar
posições. Para se ganhar posições é preciso a consciência da
38
posição que se tem, da força do adversário e do processo global
das condições de manobra, isto é, de avanços e recuos
imediatos e de longo alcance das mediações necessárias para
isto, articulando-se organização, mobilização e saber”.
Podemos então dizer que resistir significa lutar, não aceitar, não se
deixar convencer pelos caminhos mais fáceis. Portanto, é fundamental o esforço
cotidiano para embasar a reflexão em uma teoria explicativa da realidade, de
forma a permitir identificar e chegar à essência das questões centrais e direcionar
a prática necessária para a superação de uma imediaticidade acrítica, buscando
um trabalho efetivo e consistente, em prol da qualificação da atuação
profissional, o que resultará na garantia do atendimento efetivo oferecido ao
adolescente.
Esta é a razão pela qual, na estruturação da pesquisa que deu as
bases para esta dissertação, avaliamos importante analisar o relato de
profissionais que, em momentos diferentes escolheram o caminho da resistência
e da superação para a construção de seus projetos de trabalho.
39
CAPÍTULO IV – Depoimentos das Experiências Profissionais
No decorrer deste trabalho fomos pontuando sobre a nossa escolha
para tomar depoimentos sobre a questão em estudo. Ela recaiu sobre uma
assistente social e uma psicóloga, - que tiveram práticas exitosas no interior da
instituição, a Fundação CASA, - as quais seguramente contribuíram/contribuem
para que pudéssemos refletir sobre a atuação dos profissionais no cotidiano, sob a
perspectiva, da resistência e da superação.
Dada a qualidade dos depoimentos e a importância da apreensão do
todo das situações enfrentadas, avaliamos que seria importante que suas falas
fossem mantidas na sua integralidade no texto desta dissertação, por trazerem
fatos e reflexões significativos os quais contribuem para a construção do
conhecimento que se pretende.
Conforme mencionado na Introdução, realizamos entrevistas semi-
estruturadas, com o intuito de não restringirmos as falas, mas com a garantia de
que fossem tratadas as questões as quais considerávamos importantes para a
pesquisa.
Desta forma, fizemos para as entrevistadas as seguintes questões:
Como você, como profissional, avalia o jovem hoje?
Qual foi a contribuição da sua formação para seu trabalho?
A partir dessa concepção, como você viu/vê a sua atuação na FEBEM/Fundação
CASA?
Como você avalia a atuação do assistente social ou do psicólogo na Fundação,
com base em sua formação?
Qual a concepção político-pedagógica que você acha que deve nortear a atuação
na medida privativa de liberdade?
Quais as práticas da sua experiência na Fundação que você considera como uma
forma de resistência ou de superação da proposta institucional da época?
40
Entrevista realizada aos 28/11/2008 – Magali Rainato - Psicóloga
Magali: Com relação à concepção do jovem hoje, considero que é
muito amplo falar disso, porque tem a questão de olhar o jovem dentro da
Fundação e olhar o jovem fora da Fundação. O contexto da privação de liberdade
traz alterações para algumas questões. Mesmo em relação às concepções de ética,
por que, face ao que é ético fora, aqui dentro existem outras éticas que o meio
estabelece.
Eu entendo que o jovem de hoje tem muito acesso à informação, o
que o facilita ter um conceito ético e ter uma consciência política muito diferente
do jovem de algum tempo atrás. Isto acontece por que o acesso à informação está
muito mais facilitado, e a gente percebe, por exemplo, que os meninos daqui, por
sua classe social, a maioria das vezes são meninos que tem uma renda menor.
Isso também tem uma influência grande sobre o que se constitui como concepção
de mundo, visão de mundo desses meninos. Por que, por exemplo, em termos
psicológicos, eles têm as mesmas coisas que os outros meninos de outras classes
têm, mas não têm as mesmas possibilidades.
Os valores é que eu penso que vão se diferenciando ao longo do
tempo, e aí isso tem sempre um lado negativo e um positivo, a medida em que
existem valores antigos que precisavam mesmo ser rompidos, porque amarravam
uma série de obrigações que, talvez, não acrescentassem muito à vida desses
meninos. E existem valores que deviam ser preservados e que a gente vê se
perdendo ao longo do tempo. Por exemplo: um desses valores, que eu acho muito
claro, são os referentes à convivência familiar.
Com essa coisa da família ter mudado muito, no sentido de que
agora a mãe trabalha, todo mundo fica fora de casa, o jovem de hoje precisa criar
muito mais cedo uma autonomia, que antes vinha mais tardia.
E com relação a isso, ele é obrigado a lidar com essas questões da
responsabilidade, das referências que ele vai ter de pai, de mãe, de amigo, de
trabalho, e ele tem que aprender a construir muito dessas coisas sozinho. Não que
eles não tenham essas referências dentro de casa. Mas, muitos não têm.
41
Tem adolescente hoje, que o pai e a mãe estudam e trabalham ou
então têm aqueles que a família trabalha em dois empregos para manter a casa.
Tem a questão do desemprego e aí, qual é o convívio familiar que esse menino
tem?...Tudo isso vai dando referências para o jovem de hoje e, neste momento,
eu penso que ele precisaria de algumas referências de identificação mesmo.
Se não tem esse convívio de casa, ele acaba tendo as referências de
fora, e aí ele vai encontrar isso em outros grupos (ex. grupo da escola, se é que
ele vai para a escola, porque sem esse acompanhamento familiar, nem sempre
está garantido que ele esteja estudando)
Eu estou trazendo um monte de coisas, porque isso vai
destrinchando tantas outras. Tudo isso, vai dando formato à personalidade, pois,
se antes ele tinha uma referência forte da figura materna em casa, hoje ele talvez
busque essa referência em outras pessoas ou na professora, na mãe da namorada
ou na amiga mais velha.
Outra coisa que eu acho que está diferente para o adolescente de
hoje é que antigamente ele podia trabalhar mais cedo, hoje em dia o jovem
começa a trabalhar mais tarde, o que é super positivo, por que ele tem mais
tempo para se dedicar aos estudos e para ter acesso a outras coisas - de cultura e
de lazer – mas, por outro lado, dependendo da região que ele mora, ele vai
continuar sem esse acesso e aí, isso vai ser pior para ele, porque ele vai ficar
ocioso e não conseguir ganhar formalmente o dinheiro, começa então a achar
outros meios informais. Tudo isso vai alterando muitas coisas.
Mas entendo que antigamente o jovem precisava lutar mais por
espaços. Hoje esses espaços já estão conquistados. O jovem de hoje tem
facilidades que, por um lado, são boas por que ele vai poder desbravar outras
coisas, por exemplo, no mundo profissional, mas por outro lado, também faz com
que ele não tenha referência desse tipo de discussão, da briga por um lugar -
porque tem outros lugares para ele conquistar...
Ser jovem hoje é uma coisa bastante confusa, mas é uma fase que
faz parte da vida. A passagem da adolescência para a juventude é aquela coisa
confusa porque uma hora você é criança, outra hora você é adulto. Para o jovem
42
de hoje isso é muito difícil. Antigamente, isso ficava muito mais definido. Todas
as coisas pareciam estar mais organizadas no tempo. Hoje em dia a molecada
namora muito antes, tem relação sexual antes, (embora isso também seja mito –
por que hoje se fala muito mais claramente que antes). Tem a oferta de droga que
aumentou muito.
Acho que todas essas coisas vão configurando muitas outras. Mas
eu acho que o que se mantém ao longo do tempo inteiro é esse sentimento de
intensidade vivido na juventude, por que tudo nessa fase é tão intenso, e é onde
se estabelecem, por exemplo, as referências de amizade e, aí, quem viveu isso
intensamente, vai ter referências muito boas lá na frente, e quem viveu isso de
uma forma ruim, também vai sofrer as conseqüências disso.
Ao mesmo tempo em que ele tem acesso a um monte de coisas, ele
não tem a condição de desfrutar de todas elas, e aí entra a questão do
consumismo, que influi numa série de questões do convívio social. Esta questão
do consumismo e estas coisas da imagem, talvez antes tivessem menos peso.
Acho que hoje aparecem de uma outra forma.
Eu penso que formar uma concepção do jovem de hoje de um lado
é muito fácil, de outro lado, é muito difícil. Porque você tem facilidade de pensar
o jovem de hoje como alguém mais possibilidades, porém, mais sedentário, uma
vez que as brincadeiras mudaram e assim todas as outras coisas mudaram
também. Acho que o jovem de hoje tem mais acesso à cultura, ao lazer, por
exemplo, essas coisas de Virada Cultural, de Virada Esportiva... Isso aí garante
acesso.
Acredito que a qualidade de ensino caiu, e aí você está produzindo
jovens menos qualificados para o mercado profissional. Eu acho que isso tem um
peso gigante, por que daí você percebe esse jovem com muita dificuldade de
entrar neste mercado. Por outro lado também o jovem que tem um pouco mais
de condição de ter uma qualidade de ensino melhor, ele também tem um acesso
melhor e aí a gente vai elitizando as coisas. Por isso eu digo que é confuso.
Hoje em dia, o grau de escolaridade de todo mundo aumentou. Não
que tenha muita gente com ensino superior, mas pelo menos os índices de
43
analfabetismo caíram. Porém, os números nem sempre falam da verdade, da
formação.
Enfim, entendo o adolescente como pessoa em desenvolvimento,
que é a concepção do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente – (que muitos
não entendem), e o desenvolvimento implica em processo, que remete a erro e
acerto, a avanço e recuo, a adaptação e improviso, ou seja, a experiência de vida
e desenvolvimento humano.
Você pergunta qual é a concepção que eu tenho a respeito da
profissão. A psicologia faz você olhar para as coisas de uma forma muito ampla.
Porque você não vai se prender a uma coisa; “olha tem essa questão social que
define tal coisa”. Tem essa questão social, mas têm todas as questões vivenciais e
relacionais, questões de modelo de identificação, de estrutura da personalidade,
de grupo social que esse indivíduo está inserido, de condição sócio-econômica.
Isso vai fazendo você olhar para todas as coisas com muitos questionamentos.
Porque o que pode ser referência muito forte para um, às vezes não faz sentido
para o outro. Mas de forma geral, eu entendo que a juventude tem uma marca,
que é a marca do jovem: ser ousado, ter desejo, descobrir coisas, estabelecer
relações mais consistentes.
Acho que o dinamismo com que as coisas estão se dando, vão
fazendo com que os conceitos vão se modificando o tempo inteiro.
A minha formação da psicologia, as minhas outras formações, da
violência doméstica, do tratamento à dependência química, da psicologia social,
vão fazendo a gente olhar o perfil do jovem de uma forma muito ampla e ver, por
exemplo, que a sociedade está mais violenta, mais carente...
Tem o acesso mais rápido à droga, tem aquele que encontra
emprego no tráfico ao invés de conseguir emprego em uma empresa, tem a busca
para conseguir suprir as necessidades através de outros meios, que não sejam os
meios do trabalho... Tem a questão da violência doméstica, que eu acho que
altera uma série de coisas, tem a questão da desestruturação da família, tem a
questão do desemprego, tem a questão do alcoolismo ou dos vícios todos que
44
estão por aí - e tudo isso tem por trás a questão social, de políticas públicas e/ou a
falta delas.
Por outro lado, tem outras pessoas que estão se qualificando.
Parece-me que a qualificação dos pais também abre um acesso diferente para a
qualificação dos filhos; isso também vai constituindo possibilidade de relação,
porque se você tem uma qualidade de vida melhor, você, com certeza, tem um
pouco mais de tempo para intensificar relações.
E aí, eu entendo que a minha formação vai me dando condições
para pensar nisso na medida em que a gente vai olhando para a pessoa, não só
como um produto do meio, mas como um ser de significações muito pessoais.
Uma outra pergunta que você faz, é a relação do que a gente pensa
com o trabalho na Fundação. Talvez até a minha visão do jovem também esteja
contaminada com isso da Fundação. Possa ser que a gente se prenda mais ao
universo desses meninos, e talvez a minha referência neste momento passe por
esse viés - talvez não, com certeza ela passa por esse viés.
Embora eu tenha o convívio com outros grupos de jovens, por
exemplo, grupos de jovens de igreja que têm um convívio super saudável na
maioria das vezes, por conta desse convívio saudável, acabam tendo uma outra
forma de identificação, de constituição, de visão de mundo... E aí eu fico
pensando na atuação do psicólogo dentro da Fundação. Primeiro, eu acho que
nós temos bons profissionais, mas nós temos muita gente com formação muito
ruim. Eu acho que a gente tem uma turma jovem, e o grupo jovem tem mais
disponibilidade, mais também eu percebo que o grupo jovem tem uma formação
deficitária. Nós temos uma diversidade muito grande de profissionais e de
formações.
Acho que a Fundação devia fazer uma pesquisa nesse sentido, para
conhecer melhor a formação dos seus profissionais. Parece-me que um monte de
gente fez a faculdade e parou nisso. Algumas pessoas, você percebe que nem
lêem mais. E, outras, que continuam estudando, têm uma oferta de intervenção
melhor.
45
Eu entendo que tanto a intervenção do psicólogo quanto do
assistente social, aqui dentro, são fundamentais. Eu diria que, entre todas as
intervenções, elas são as mais importantes. Todas são muito importantes, mas a
intervenção psicológica e a intervenção social, têm que fazer a diferença neste
tempo que o menino está aqui.
O contexto da privação de liberdade prejudica uma série de
intervenções. Mas, por outro lado, pelo fato do menino estar privado de
liberdade, também te dá possibilidade para refletir com ele o que isto significa:
que caminho ele está fazendo com esses conceitos e com esses valores que ele foi
formando e quais são as outras possibilidades que ele tem.
Muitas situações que trazem os meninos para cá foram se
constituindo ao longo do tempo e, para alguns, já estão influindo na estrutura de
sua personalidade. Mas eu entendo a adolescência e a juventude como o
momento no qual alguma coisa pode ser revertida, porque se não for revertida
nesse momento, a possibilidade disso acontecer depois é mínima.
E aí, eu penso que a responsabilidade da atuação do psicólogo e do
assistente social tem uma dimensão muito grande. Talvez nem todos os
profissionais que a gente tem, tenham a dimensão da importância disso. Algumas
pessoas estão presas a modelos. Por exemplo, o psicólogo - que é do que eu sei
falar - ainda tem a visão presa ao atendimento do consultório, da análise, no
sentido da psicanálise. Essa é uma característica do psicólogo - a análise o tempo
inteiro - mas eu penso que as pessoas às vezes, por se prenderem àquele modelo
formal, muitas vezes deixam de fazer a intervenção necessária do ‘aqui e agora’,
e é nessa atuação que você consegue um melhor resultado nesse contexto.
Exemplo: tratar das questões relacionais, conforme ele estabelece essas relações
com os atores desse cenário.
E aí a gente pode falar um pouquinho da questão da experiência. Eu
sei que a pergunta aqui é de como a gente supera a resistência à mudança ou de
quais são as resistências que a gente vai estabelecendo. Nesse momento, na
minha história na Fundação, eu tenho algumas coisas que eu prezo muito. Por
exemplo: eu cheguei na Fundação em um momento de extrema violência: um
46
momento de violência por parte dos funcionários e, depois, um outro momento
de violência dos meninos, entre eles; houve ainda um momento de violência dos
meninos em relação aos funcionários.
Nesse sentido, o tempo inteiro nós tivemos que lidar com a
violência, que não era só violência física, uma vez que a violência psíquica
também às vezes se estabelece.
Eu acho que o psicólogo e o assistente social têm obrigação de
interferir nisso. E, ao longo da história, - eu vou fazer doze anos na Fundação –, a
gente já conseguiu quebrar muito da violência da Instituição, embora estar
institucionalizado já é uma violência.
Eu me orgulho de minha profissão dentro da Fundação. É lógico
que isso está colado a uma série de outras coisas, porque junto com a minha
formação profissional, eu tenho uma formação pessoal, religiosa, etc.
A minha figura de pessoa, não está descolada da minha formação e
de nenhuma das outras coisas que constituem a minha formação pessoal. Essa
minha referência forte, também me deu possibilidade de interferir nisso. Você
tem que ter convicção, e argumentos teóricos.
Os argumentos teóricos ajudam muito. Algumas pessoas entendem
que não, mas eu acho que isso é o que mais falta para o psicólogo e para o
assistente social; não perderem sua referência científica - não perderem a
pesquisa, não perderem a leitura e não perderem a intervenção no contexto geral.
Não é apenas a intervenção do atendimento direto, que é quando
você chama o menino numa sala. É a intervenção com o menino e com a equipe,
porque o psicólogo tem a obrigação de fazer os contrapontos na equipe, de
levantar as questões e à medida que a sua formação não foi muito boa, por
exemplo, ele não vai conseguir discutir tecnicamente. Ele não vai conseguir fazer
uma avaliação diagnóstica correta. Não fazer uma avaliação diagnóstica correta,
é colocar em risco o futuro de um ser humano. E não fazer uma avaliação
diagnóstica correta, significa também fazer uma intervenção equivocada. É dar
encaminhamentos equivocados.
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Uma outra coisa é a gente conseguir fazer a leitura do tempo que o
menino passa na internação. É conseguir lembrar o quanto ele está distanciado de
seus vínculos afetivos, o quanto ele está distanciado das relações significativas de
forma geral.
Ele estabelece outras relações na Fundação. Mas nenhuma relação
substitui a relação com a família. Tanto que a gente vê um monte de meninos
carentes de família - não são carentes de dinheiro... Quando nós trabalhamos os
casos, chegamos à conclusão que o dinheiro é um dos últimos fatores que levam
os meninos a infracionar.
Eu entendo que uma coisa que precisa nortear a medida de privação
de liberdade é, primeiro, o respeito à garantia dos direitos. E eu penso que nesse
sentido a Fundação tem avançado. Essa insistência para que os funcionários
conheçam o Estatuto, que conheçam o Sinase, que discutam o Plano Individual
de Atendimento, esses fóruns de discussões, e a própria capacitação, (que
algumas pessoas aproveitam muito disso e outras não aproveitam), dão condições
para garantir, acima de tudo, direitos. Porque quando se garante direitos, você
está olhando para o ser humano com o respeito que ele merece, pois, os direitos
que estão previstos em lei, são as questões mínimas que temos que garantir, das
relações e do convívio.
Então eu penso que este é o primeiro conceito que devemos ter, e
que eu entendo que o psicólogo e o assistente social, além de todos os
funcionários da Fundação, têm que ter o tempo inteiro – a garantia dos direitos
do ser humano - e isso vale para o menino, vale para o funcionário...
Se se garante o direito do menino e não se garante o direito do
funcionário, você está burlando direitos da mesma forma. E eu entendo que na
medida em que você consegue dar um lugar, olhar para o funcionário, o
funcionário também consegue olhar para o menino de outra forma.
E aí eu também entendo que na minha trajetória na Instituição,
tenho essa marca. Eu sempre consegui qualificar o atendimento do menino, o
olhar para o menino, olhando para o funcionário e respeitando essa pessoa.
Porque você vai tratar da questão da exemplaridade, não vai tratar de uma coisa
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que está longe dele alcançar. Ele vai conseguir transmitir para o outro o que ele
está vivendo. E aí fica mais fácil.
Entrevistadora: Quais as suas experiências, além de seu
enfrentamento como técnica/psicóloga, mesmo como encarregada da área
técnica, diretora, que tiveram relevância na Fundação? Tiveram várias
experiências - e eu conheço um pouquinho delas - que tiveram muito êxito na
Fundação. E eu acho que isso também é uma forma de resistência. Por exemplo,
eu não era da sua equipe na UI-10, mas soube que era uma referência de trabalho,
e de como ela estava contextualizada naquele momento no Tatuapé, porque era
uma coisa totalmente diferente do que se vivia em outras Unidades. Eu acho que
seria interessante você contar um pouco essa experiência, pois, foi uma forma de
ver o menino como sujeito de direitos. A UI-10 tinha uma característica
diferente, uma vez que tinha o esporte como metodologia do trabalho com os
meninos. Soube também de como isso fez muito sentido tanto para os meninos,
como para os funcionários.
Magali: Antes da experiência da UI-10, eu tive uma outra
experiência muito marcante. Eu trabalhava na Imigrantes, e era um lugar
extremamente violento. Violento em todos os níveis. Era um lugar superlotado,
tinha questões que a gente contrapunha diretamente.
Quando eu entrei na Fundação, logo que eu percebi algumas
situações de violência e eu pensava: puxa, eu tenho uma obrigação ética de fazer
alguma coisa por isso. Inicialmente as pessoas diziam: “Olha faça denúncia
fora...” . E muitas pessoas foram por esse caminho de fazer a denúncia fora.
Eu comecei a perceber que essas pessoas iam sendo tiradas dos
lugares. E aí eu pensei: eu não vou conseguir fazer frente a isso se eu não estiver
no meio disso. Assim, comecei a fazer frente. Sempre que aparecia uma questão
de violência, eu discutia com o profissional, com o funcionário que fez aquilo.
A princípio, as direções não me deixavam fazer isso. Não é que não
deixavam declaradamente, existia toda uma coisa que permeava as relações para
você não chegar na verdade, na pessoa.
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Nós fomos fazendo muitas discussões dentro da Instituição para
garantir esse encontro. A garantia desse encontro já colocava as pessoas em
xeque. Não era colocar em xeque para dizer: “Você está errado e eu estou certa,
e eu estou aqui só protegendo o menino”, mas era para mostrar para essa pessoa
o que isso causava também nela e o que causava no menino - para ela enxergar o
menino como uma pessoa, não como um número. Nós fomos conseguindo
mostrar para os funcionários que a violência era também contra eles.
Nós fomos falando do que isso podia provocar na vida dele
juridicamente, e fomos mostrando como é que ele se via nessa cena, o que isso
provocava nele, o que isso provocava no outro, o que ele gerava no menino.
Porque ele não gerava submissão, gerava ódio. Talvez gerasse uma sujeição
àquela situação, mas gerava, em seguida, rebeliões, e muita violência da parte do
menino contra ele, pois ele estava alimentando esse sentimento.
Na medida em que a gente foi conseguindo entrar, eu percebi que
paravam de bater nos meninos que eu atendia. Isso me chamou atenção. Pensei
então: se é possível que esses meninos não estejam passando por isso, então eu
precisava cutucar os meus colegas que estavam acomodados. E aí eu comecei a
fazer discussões dentro da equipe, a questionar o posicionamento dos colegas
quando isso acontecia, se eles não tomavam providências.
A gente foi conseguindo fazer isso de uma forma que as pessoas
não se sentissem que estavam sendo atacadas. E aí acabou a Imigrantes, quando
teve aquela rebelião horrorosa que morreu gente. Acabou o complexo, e eu achei
ótimo que ele tivesse acabado, por que naquela estrutura tinha se desenrolado
uma história ruim.
Foram muitas brigas para a gente conseguir fazer isso. Lá na
Imigrantes ainda, a gente começou a colocar o menino junto com o funcionário
para fazer a intervenção conjuntamente, e fazer uma mediação para o menino
poder falar da angústia dele com aquilo, e para o funcionário falar da angústia
dele para o menino. E é uma mediação difícil, para não tirar a autoridade do
funcionário, mas quando eu vi que isso tinha possibilidade de ser diferente, eu fui
para o Tatuapé.
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No Tatuapé eu fui ser Encarregada Técnica. E eu só topei ser
Encarregada Técnica naquele momento por que o Diretor era assistente social,
que tinha essa visão de que era possível fazer diferente. E aí a gente começou a
fazer diferente na UI-13, que era uma Unidade de meninos reincidentes graves.
Uma Unidade difícil. Mas, a gente começou a trabalhar com os meninos, sem
esse ‘recurso’ da agressão física. A gente começou a fazer reuniões com os
meninos e, a princípio, isso tudo era visto de uma forma muito ruim, porque os
funcionários questionavam: “Onde já se viu você discutir com o menino a
situação de uma Unidade?”, “Onde já se viu você discutir com o menino
posicionamentos que a equipe teve com ele?”. E, na medida em que fomos
fazendo isso, a gente envolvia todo mundo, por que as conversas eram feitas
junto com quem trabalhava lá.
Então começamos fazer essa mediação coletivamente. E a
princípio, o que causou muito medo, começou a dar muito resultado. Com isso os
funcionários começaram a pedir: “não dá para fazer uma reunião com os
meninos para tratar disso?”.
A UI-13 era uma Unidade do circuito grave, onde aconteceram
grandes rebeliões. A Unidade já começou a não participar das rebeliões. Eram
coisas que talvez as pessoas de fora nem conseguissem enxergar - o por quê que
da Unidade não estar participando. A gente tinha clareza do por que os meninos
já não estavam se envolvendo. Não fazia sentido para eles fazerem rebelião se
eles estavam sendo tratados com dignidade e com respeito. Eles iam se rebelar
contra quem? Contra a privação de liberdade? Aí fazia mais sentido tentar fugir
do que se rebelar.
As rebeliões acabaram danificando o telhado do nosso prédio.
Então, tiraram os meninos do circuito grave e levaram para o Cadeião de
Pinheiros. E eu me recusei a trabalhar no Cadeião de Pinheiros, porque eu
entendia que aquele contexto não fazia sentido. Eu trabalhei lá um mês, briguei
muito e aí, saí de lá. Eu não achava que ali ia ter possibilidade de fazer um bom
trabalho.
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Então, eu voltei para o Tatuapé. Fui ser Encarregada Técnica na UI-
01. Como a equipe já estava contagiada com este outro formato de intervenção,
fui convidada para a UI -01, porque a UI-01 era uma Unidade muito violenta e as
pessoas queriam mudar essa história de violência. E aí, fomos eu e o Diretor que
era da UI-13. A gente teve que fazer toda uma discussão.
Essa história de ir passando em lugares que eram violentos e
conseguindo estabelecer coisas, foi o que me levou para a direção de uma outra
Unidade, que foi a UI-12. Na UI-12, eu tive uma resistência gigantesca dos
funcionários. Porque era um outro grupo de funcionários, que quando eu disse
que nós não íamos por esse caminho da violência, cruzou os braços. Então,
fomos para dentro dos pátios, discutir isso com os meninos, mas, nesse intervalo
de tempo, tivemos problemas. Os meninos também, de cara, não entenderam essa
mudança. E, no meio desses problemas, eu acabei saindo da direção dessa
Unidade, e fui convidada para dirigir a UI -10.
Na UI-10, eu tive a possibilidade de rever onde eu tinha falhado,
por que não existe uma receita pronta para você ser diretor. Você sabe que as
diretrizes da Fundação são ‘x,y,z’, mas não tem receita pronta para o manejo do
dia a dia. Nesse momento eu penso que a minha formação ajudou bastante neste
sentido, porque quando chegamos lá, ao invés de primeiro modificar a situação
com os meninos, eu fui fazer esse trabalho com os funcionários. E aí eu já tinha
adeptos. Por que daí eu já pude levar alguns adeptos. Levei a Dani, que é
psicóloga, a Sirlei que é assistente social. Levei um grupo de técnicos do setor
psicossocial, e coordenadores que já acreditavam nessa outra forma de trabalho.
E eram bem poucos.
Nós éramos uma minoria naquele grupo grande, mas fomos
discutindo o trabalho com a equipe e, ao mesmo tempo, vinculando com os
meninos. E conseguimos estabelecer esse tratamento com os meninos - esse
formato de discussão, dos meninos serem participantes. Eles já não eram mais só
aqueles que recebiam tudo pronto. Eles participavam da discussão dessas
mudanças. Tanto que isso virou artigo do Poder Judiciário, e de um livro escrito
pela Equipe Técnica do Judiciário. Por que lá no Poder Judiciário, começaram a
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perceber que os meninos de nossa Unidade se diferenciavam dos meninos de
outras Unidades. Eles falavam do nosso trabalho e da gente com afeto - coisa que
eles não costumavam ver os meninos falando. Daí, nós paramos de ser só aqueles
que cuidavam da privação de liberdade, e passamos a ser referência também de
afeto - sem misturar as coisas, o afeto no sentido do vínculo do cliente e do
terapeuta. Desenvolvíamos uma relação profissional com o menino, mas uma
relação afetiva num ambiente estável.
No Tatuapé, a equipe toda sofreu muito com isso, porque diante do
grupo de todas as Unidades, - eram dezoito Unidades - os nossos funcionários
diziam: “Ai Dona Magali, esse jeito de trabalhar, a gente gosta, mas é
complicado porque as pessoas acham que a gente é ‘madeira’” (‘madeira’ é
como eles chamam aqueles que agradam o menino). No entanto, o que fazíamos
não passava pela questão do agrado, mas pela questão do respeito à pessoa e aos
direitos.
Eu cheguei a receber uma ligação da esposa de um funcionário,
dizendo: “Olha o que vocês fizeram com o meu marido?... porque ele bebia, era
nervoso e, depois que ele está trabalhando com vocês, ele está vindo tranqüilo
para a casa”. Nós começamos a ter retorno da família dos próprios funcionários.
E isso fortalecia os funcionários para a ação. Por outro lado, incomodava todas as
outras Unidades.
Os meninos das outras Unidades queriam ir para a nossa, por que
eles se encontravam na escola, no campo de futebol, e os nossos meninos diziam
que lá era diferente. E isso criou uma frente de resistência. Por que daí, depois de
um tempo, nós vimos que outras Unidades também estavam tomando força para
fazer isso. E tinham algumas unidades que já tinham um ensaio para fazer essa
resistência também. Eram, no caso: a UI-09, a UI-16, a UI-17, que eram do
circuito médio – esta era uma classificação pela característica da infração, de
acordo com o Boletim de Ocorrência.
Na UI-10, a gente recebia muito mais meninos do circuito grave do
que do circuito médio. Raramente a gente recebia um menino do circuito médio.
A UI-10 era uma Unidade que não tinha grades e muros, era cercada só por um
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alambrado. E os meninos do circuito grave que estavam com as grades e com os
muros, iam para a nossa Unidade e não tentavam fugir. E eles tinham toda a
condição para fazer isso.
Eu acho que esse momento foi um momento de uma frente muito
importante no Complexo. Começou a trazer bases para a discussão da questão
também no Judiciário: “por que nas outras Unidades já estão conseguindo fazer
isso, e aqui não se faz?”. Então, eu acho que essa foi uma frente de resistência e
superação. Porque precisou de muito para conseguir sobreviver à pressão do
grupo. Os funcionários contavam com uma questão muito forte da pressão de um
lado e do apoio e estabilidade do outro.
Ao longo desse tempo, fomos tendo outras experiências porque,
depois da UI-10, eu fui trabalhar na Divisão do Tatuapé e, da Divisão, eu fui para
a UI-02. Na UI-02, eu assumi a Unidade depois de uma situação bastante
complicada. Mas aí, nós já tínhamos uma coisa construída. Eu lembro muito que
a maior facilidade que eu tive com a UI-02 – foi que eu cheguei lá com o meu
nome. O meu nome foi uma garantia de respeito. Já era um nome de respeito. Eu
lembro que quando eu fui me apresentar na Unidade, tinham meninos que já me
conheciam. Quando eu cheguei, eles falaram: “Olha: a Dona Magali gosta das
coisas certas, assim, vamos fazer tudo certinho aqui, porque a Dona Magali não
é do ‘couro’, a Dona Magali respeita”. Então, o respeito que nós demos para os
meninos, eles retornaram o tempo inteiro. E esse respeito foi passando se
alargando. É uma coisa que nós não precisávamos mais pregar para os meninos,
nem ficar discutindo isso, porque ele proliferava. Quando os meninos novos
chegavam, eles diziam: “Olha, aqui tem respeito”.
Nós passamos a fase do Alexandre de Moraes (ex-presidente da
Fundação) que foi uma época difícil. Eu acho que naquela época também
conseguimos fazer uma frente importante.
Desde a UI-10, na minha história na Fundação, eu tenho essa
marca: de fazer a equipe trabalhar junto, de dividir as coisas, de não ter medo de
passar as informações, das pessoas saberem o que está acontecendo. Então, neste
período de superação da época do Alexandre de Moraes - onde o Complexo
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estava todo de cabeça para baixo – nós conseguimos manter uma relação de
respeito com os meninos, por mais que eles tenham sofrido a pressão do grupo
para entrar nas rebeliões... Quantas rebeliões nós passamos sem os meninos
entrarem!
E, mesmo quando começou a se instituir uma organização mais
parecida com uma organização de presídio, nós fizemos muita frente contra isso.
Porque mesmo os meninos sendo pressionados, conseguimos, com todo mundo
indo junto e falando... Os meninos também não conseguiam não respeitar a
gente, mesmo quando, em alguns momentos, precisava-se ser duros em relação
ao que se tinha por ali. Eu lembro que nós ‘brigávamos’ com os meninos de uma
maneira muito saudável, para eles não se meterem nas confusões. E eles falavam:
“Mas, senhora, a gente não quer...”, e quantas vezes eles disfarçaram, fingindo
que estavam no movimento, mas lá, com a gente, estava tudo tranqüilo.
Depois disso, eu fui para Mauá viver a gestão compartilhada. Um
outro trabalho mais fácil, no sentido de envolver o menino com a comunidade, de
trazer a comunidade para dentro da Unidade. Essa experiência para mim foi
maravilhosa, porque antes a gente tinha essa coisa só de instituição total, que
tudo estava ali.
Saímos da vivência do Complexo, e fomos para uma Unidade
menor, que tinha meninos daquela região. Precisamos fazer contatos na
comunidade e, na medida em que fomos trazendo a comunidade para dentro,
conseguimos levar mais fácil os meninos para fora.
E aí, de novo, a intervenção psicológica já não tinha só o sentido do
atendimento individual. Tanto o psicólogo quanto o assistente social,
conseguiram definir melhor os seus papéis. Nós conseguimos garantir para o
assistente social e para o psicólogo, papéis definidos dentro da Unidade. Eu acho
que isso marcou bastante coisa para nós.
Acho que com a facilidade dos atendimentos, com a facilidade das
pessoas, na medida em que elas, de fato, estavam ligadas àquilo que é da sua
formação, os profissionais conseguiam aprofundar muito mais, tanto a
intervenção social, quanto à intervenção psicológica, que se fortaleceram muito.
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E elas se fortaleceram também, não só na intervenção com o menino, mas na
intervenção com a família, na intervenção com a equipe de funcionários, e na
inserção do menino fora da Unidade.
E, uma coisa importante nessa caminhada: quando eu saí de Mauá
para vir para Divisão Regional, aconteceu uma coisa que nada, nenhum dinheiro
vai pagar isso nunca. De novo, nós saímos com a avaliação dos meninos e dos
funcionários. Quando eu fui me despedir dos meninos, os meninos choraram
muito e eu também. Os funcionários choraram muito e eu também. Isto, por
conta desse respeito que conseguimos estabelecer e, de novo, fomos deixando
essa marca de respeito e de afeto pela pessoa. Eu acho que isso faz toda a
diferença.
Quando viemos para cá, eu fiz uma avaliação com os funcionários -
e eu tenho isso até registrado. Em Mauá, nós recebemos funcionários de todo
lugar. Muitos funcionários, quando chegaram e me viam lá, falavam; “Ai, meu
Deus! Mas essa é aquela Diretora que não deixa bater...”. Mas essa já não é
também a proposta da Fundação, graças a Deus!
A gestão da Dra. Berenice, por mim, duraria muitos outros anos,
porque eu acho que ela tem conseguido também trazer essas marcas... Mas nós
tivemos as avaliações dos funcionários. Um funcionário usou a seguinte frase
para mim: “Olha, Dona Magali, eu reaprendi a trabalhar”. Um outro
coordenador de equipe, falou assim: “Puxa! Eu queria, ter tido essa referência
desde que eu entrei na Fundação, porque a minha vida ficou mais tranqüila por
trabalhar desta forma”. Cada um se sentia muito respeitado em seu lugar.
Agora, vindo para a Divisão Regional, acho que temos muitas
batalhas e muitas frentes. Eu acho que umas dessas frentes que estamos
desenvolvendo são as Jornadas de Discussões, envolvendo todo mundo, de todos
os setores, fazendo com que as equipes tenham que apresentar os temas. Isso faz
com que as pessoas estudem, pesquisem e tenham que conversar minimamente
entre si. Eu acho que é o começo de uma resistência grande. Não para a questão
da violência, mas para a questão da apatia, para a questão do conformismo, da
intervenção psicológica, da intervenção social, e da segurança. Então é essa
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marca que temos conseguido: mudar aquilo que estava posto e descobrir, de fato,
o que significa incompletude institucional.
O nosso desafio maior talvez seja esse: de fazer os nossos
profissionais entenderem que o menino não tem que ser acompanhado para ficar
bonzinho na instituição. Ele não tem que ser preparado pela instituição... Ser
preparado para a vida. Esse é o desafio maior que a gente tem.
Entrevistadora: Embora você já tenha contemplado, eu gostaria que
você falasse mais a respeito da concepção político-pedagógica que deve nortear a
atuação na medida privativa de liberdade.
Magali: Acho que o primeiro conceito é esse, ter a referência da
incompletude institucional, é ter a referência do adolescente ser protagonista
nesse contexto, por que a juventude tem que ser protagonista no mundo hoje. São
os nossos jovens que vão governar o país, que vão dirigir as empresas, que vão
ser os professores, os formadores de opinião. E aí eu entendo que, nesse
contexto, da privação de liberdade, a Fundação tem as suas diretrizes e, as
diretrizes da Fundação estão apontando neste sentido, e o que não foi visto ainda,
somos nós que temos obrigação de apontar, para complementar as diretrizes.
Eu entendo que na proposta dos projetos político-pedagógicos, em
todo o tempo têm que estar contemplada a questão da inclusão - não só do
menino que está aqui dentro - nos equipamentos lá de fora. Isso é obrigação. Eu
acho que nós temos obrigação de influenciar as políticas públicas. E aí eu acho
que a Instituição tem que sair de trás dos muros e participar das discussões com a
rede de atendimento.
Nenhuma faculdade forma profissionais para trabalhar neste
contexto específico. Não tem uma formação específica aí fora para esse
atendimento, mas eu entendo que o projeto político pedagógico tem que passar
pela formação continuada dos profissionais. Eu acho que a Fundação tem
pensado nisso, pois, a própria criação da Escola para Formação já é um avanço,
uma vez que nos outros Estados não tem isso. Passa pela questão de se qualificar
a oferta interna, de educação profissional, de arte e cultura, de assistência
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religiosa... de abrir possibilidades. De ofertar aqui dentro coisas que sejam mais
próximas da realidade desse menino.
Nesse sentido, a questão da regionalização contribui muito. Hoje se
vê nas Unidades do Litoral, o que tem de formação ocupacional, por exemplo, de
artesanato, não é o artesanato de perder tempo. Mas é um artesanato que vende
na praia. Por exemplo, tem Unidade que vai trabalhar a questão da formação, da
educação profissional, e está preparando o menino para trabalhar na orla, no
porto, no turismo... que é a ‘cara’ daquela região, e que eu entendo que é o que
precisamos fazer para cá.
Algumas unidades que têm cursos semelhantes, por exemplo,
Bragança - que tem aquele curso da texturização – é uma cidade que está
crescendo e que vai usar muito isso. Tem muitas construções novas, então,
aquele menino vai poder, de fato, usar o que aprendeu naquele curso, que na
região dele ele vai poder ser absorvido.
E aí a questão da escolarização do menino: A discussão é a
garantia, nesse tempo que o adolescente está aqui, da qualidade de ensino? Mas
aqui dentro tem classes de no máximo, vinte meninos. Lá fora, tem classe de
quase quarenta e poucos meninos. Nesse sentido, no projeto político pedagógico
o que precisa estar contemplado com maior eficiência é a questão de verificar
essa atuação da Fundação na discussão das políticas públicas. Acho que isso
talvez seja a coisa mais forte nesse momento, junto com a regionalização: a
qualificação do atendimento. Eu entendo que nesse momento seja a coisa de
maior relevância.
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Entrevista realizada em 18/12/2008 – Heloisa Helena Daniel – Assistente Social.
Heloisa: Eu vou falando é aí você me diz se eu não estou desviando
do caminho... Eu não vejo o jovem muito diferente do que eu fui. Eu acho que
tem alguns marcos na juventude, que fazem a diferença. Por exemplo: a questão
da comunicação. Eu acho que a velocidade, o acesso, que o jovem hoje tem a
todas as notícias, às informações do mundo inteiro, são questões que interferem
diretamente na formação dele, naquilo que ele pensa em fazer...
De uma certa forma eu acho isso legal, mas de outra forma não é
tão legal. Eu sou mãe de adolescente. Eu tenho três filhos homens. Passei pelas
adolescências, e agora estou no último, que está na adolescência, com dezessete
anos. Por exemplo: ele não vive sem computador. Se você tirar o computador
dele, ele fica num mau humor extremo. Porque todas as combinações, todos os
acertos, todas as festas, todas as idas ao cinema, são feitos pelo ‘msn’16. Eles não
usam o telefone, eles só usam o ‘msn’ para combinar: vamos ao shopping a tal
horas, vamos fazer “não sei o que, não sei quando”...
Neste ponto, eles perderam muito da vivência do grupo que a gente
tinha, que é uma característica do adolescente, do jovem, viver em grupo. Eles
ainda vivem em grupo durante vinte e quatro horas, mas, distantes, virtualmente.
Eles não estão próximos.
Eu sou uma pessoa que acha que os sentidos são muito importantes
na vida de uma pessoa. Todos os cinco. Eles perderam essa possibilidade dos
cinco sentidos. Do tato, da visão principalmente. Porque ouvir, degustar, o
paladar, isso eles ainda têm. Mas o tato e a visão são coisas que dependem da
gente ver, pegar, ficar junto - isso eles perderam um pouco. Mas também eu não
acho que eles sejam mais individualistas por conta disso. Porque eu vejo meus
filhos participando da vida nacional, fazendo comentários sobre as questões,
sobre a corrupção, sobre o que aconteceu em Santa Catarina... Eles dão palpite.
Eles têm uma formação.
16 MSN Messenger – Programa de mensagens instantâneas, que permite comunicação virtual em tempo real.
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Tem uma outra diferença que eu acho fundamental, que eu não tive.
Eu sou da geração ditadura. Tudo que eu tive de acesso a qualquer formação
política, era escondido. Eu era do diretório acadêmico da escola, e todos os
nossos livros sobre ligas camponesas, sobre Marx e outros ‘caras’, eram todos
encapados com papel pardo para ninguém ver. As coisas eram todas por ‘baixo
do pano’.
Eu acho que hoje eles têm mais informação e mais discernimento,
eles conseguem se posicionar melhor em relação a isso. Mesmo o jovem da
periferia, tem o acesso à informatização da mesma forma.
Quando eu falo da questão da informatização, da notícia muito
rápida... Eu vejo o filho da minha empregada, por exemplo, ele freqüenta Lan
House, no bairro onde ela mora. No morro, na favela, tem sempre um lugar que
tem Lan House.
A feirante que vende limão para mim tem uma barraca. Domingo,
ela estava me contando que ela está vendendo a barraca de limão. Aí, eu
perguntei para ela: “mas o que aconteceu, você arrumou emprego?” Ela falou
“Não! Eu peguei a garagem da minha casa e fiz uma Lan House. Porque assim
não preciso ficar longe dos meus filhos e eu tenho um ganho melhor do que vir
aqui todo domingo, montar feira...”.
A periferia também tem essa possibilidade de ter acesso às
informações, e quando não tem, eles vão repassando uns para os outros. Eu acho
que têm as redes, que, para mim, são fantásticas; tem internet, que considero a
rede mais interessante que existe no mundo, que te dá todas possibilidades até de
arrumar namorado, de arrumar marido, de fazer sexo virtual. São ‘n’ as
possibilidades... De você poder conhecer o Louvre sem ir à Paris. De você ouvir
música sem ter que comprar um disco.
Então, eu acho que essa diferença do jovem de hoje, é uma coisa
que eu gostaria de ter tido. Mas eu também não acho que eles sejam mais
rebeldes, ou mais mal educados, ou mais irreverentes do que eu fui.
Quando a Myrian fala, depois de toda a nossa convivência, que ela
sabe por que optei por esse caminho, que é por que eu fui uma infratora... Eu
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com quinze anos, participava de campeonato de ‘cavalo de pau’ em frente ao
clube que eu freqüentava, e eu ganhava sempre. Porque eu era a rainha do
‘cavalo de pau’. Meu pai tinha um carro, eu pegava o carro e ficava lá e
disputava com os meninos. Eu disputava corrida de carrinho de rolimã... Sempre
fui assim, maluca mesmo.
Se eu fosse adolescente hoje, com certeza eu estaria cumprindo
medida. Independente de quem é o meu pai. Eu ia mesmo. Quando inaugurou a
Rodovia dos Imigrantes, eu desci a Imigrantes em vinte minutos. Peguei o carro e
desci em vinte minutos. Com um carrinho que ganhei com dezoito anos, que era
um Chevette. Era o carro mais legal que tinha. Eu peguei uma garotada e desci a
serra em vinte minutos.
Eu acho que isso faz parte da adolescência: a gente vive correndo
riscos. Você sempre se acha o ‘The Flash’, você se acha imortal... Eu também
passei por isso. Eu tinha uma turma que ia na ‘Kopenhagem’, de guarda-chuva.
Enquanto uns conversavam com a atendente, os outros iam enchendo o guarda-
chuva de coisas, e aí a gente ia para a garagem da casa de um, e ficava o dia
inteiro comendo chocolate. Isso era muito legal, porque faz parte do risco, de
você correr risco.
Se eu fizesse isso hoje, se eu fosse adolescente – inclusive eu falo
isso para os meus filhos, que é uma pena que eles não tenham podido transgredir
de uma forma legal, por que tudo isso faz a gente crescer, amadurecer; por que
você leva ‘dura’, fica de castigo... Os pais tinham essa prerrogativa de te dar
bronca, quando o ato cometido não estava correto, mas fazia parte do grupo.
Eu fui uma menina bem nascida, bem criada. Fui educada em
colégio de freira...
Depois, eu acho que tem a questão do sexo. Eu sou da geração que
liberou o sexo. A gente não tinha preocupação com Aids. A grande preocupação
nossa era a gravidez. Todas as minhas amigas, inclusive eu, casamos grávidas.
Porque a gente não sabia mesmo como controlar, e tudo era muito escondido.
Você não tinha acesso a anticoncepcional. Eu sou uma mulher de cinqüenta anos.
Eu fui adolescente há uns trinta e cinco anos atrás.
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A jovem de hoje já tem a possibilidade de tomar anticoncepcional,
dos filhos usarem camisinha. Na minha época não era assim.
Então eu acho que essas são as diferenças principais. Eu acho que a
questão da mudança, de você deixar de ser criança, passar pelas mudanças
físicas, de você não se reconhecer, de você não ter uma identidade, de ir
nascendo os pêlos, de ir mudando o corpo, de vivenciar mudanças de interesses,
que antes, até uma certa idade – eu vejo na minha casa – ninguém queria saber de
menina, porque menina era chata. De repente muda tudo, mulher é demais... Isso
ainda é muito marcante na vida deles. E passa a ser tudo na vida deles. Eles
passam a tomar banho, passam a usar desodorante, passam a ter um cabelo legal,
a querer se vestir melhor, por conta das meninas.
Então eu acho que isso não mudou, porque na minha época também
era assim. A gente não transava com tanta facilidade. A gente não ficava... Eu
acho que essas são as diferenças.
E também, por que eu acho que os pais perderam um pouco o rumo
da história. Eu não vou falar por mim por que eu me acho uma mãe super legal,
meus filhos também falam que eu sou bem legal, mas a maioria de nós, não
soube lidar com essa mudança. Ou a gente liberou demais ou prendeu em
excesso. Não tem um equilíbrio, uma coisa de você se apropriar do que acontece,
para você discutir, para poder conversar...
Esse menino, por exemplo, o filho da minha empregada... Ele
andou ‘pisando na bola’. Começou a cheirar cocaína... E com quem ele foi
conversar? Foi comigo. E ele me acha demais. Ele fala para mim: “Por que você
não fala com a minha mãe para ela falar assim comigo?” Quem orienta a mãe
dele, sou eu.
Porque neste ponto eu continuo a ser assistente social. Quando eu a
vi chorando... É um menino que eu conheço desde quando ele era menor, e o vejo
com dezesseis anos, tendo algumas atitudes de querer ousar demais... Eu acabo
atuando nessa área com ela e com ele.
Então eu acho que essas coisas mudaram. A facilidade da aquisição
da droga... No meu tempo também tinha droga, só que eram outras. Era chá de
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cogumelo, era LSD, maconha e cocaína. Hoje você tem outras. Tem o ‘crack’,
que eu acho que é o grande vilão da história da vida da meninada, principalmente
dos mais pobres. É o grande vilão, o que acaba mesmo com a vida deles. Eu
separo a juventude em dois tempos. Porque eu já trabalho com isso há muito
tempo. Eu acho que a gente tem duas eras. A era, antes do “crack” e a era depois
do “crack”. Eu acho que o “crack” trouxe uma redução muito triste de
discernimento para eles. Porque vicia muito rápido, e a gente vê todo dia as
perdas que eles tiveram com esse advento, que eu acho muito triste. A gente
ainda tem dificuldade para lidar com isso.
No meu trabalho na Fundação, o que contribuiu muito para eu ter
essa visão de juventude foi que, na minha época, se estudava três tipos de
intervenção em Serviço Social - de casos, de grupo e de comunidade – o que
depois eu acho que mudou um pouco, eu não acompanhei mais a graduação.
Eu tive a felicidade de ter a Carminha Brandt como minha
professora de Serviço Social de grupo. Eu sempre privilegiei o trabalho em
grupo, em relação ao trabalho individual. Casos, nunca foi o meu caso. Então, eu
via o movimento dos meninos. Eu observava muito, conversava muito, ‘trocava
muita idéia’, e via que eles não eram diferentes, não tinham aspirações diferentes
das que os meus filhos tinham. Eles desejavam as mesmas coisas.
É óbvio que quando você estuda em uma escola particular, que te
dá muito mais formação, você avança Se a gente fosse pegar a coisa na essência,
não é diferente. O adolescente gosta das mesmas coisas, vibra com as mesmas
coisas, tem os mesmos desejos...
Eu acho que dentro da Fundação, eu aprendi isso, porque, até eu ir
para a Febem eu não tinha idéia. Eu pouco convivi com a meninada mais pobre.
Eu tinha um ‘status’ mais elevado. Eu tive a felicidade de ter um pai que me
proporcionou uma porção de coisas, depois eu casei com um marido rico, me
separei em seguida, mas, eu tinha outra vida. Eu era burguesa. O pessoal me
chamava de burguesa.
Eu comecei a ver, a sentir a diferença, a perceber que as realidades
eram muito diferentes, quando eu estava na Faculdade e fui fazer o ‘Projeto
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Rondon’. Eu me inscrevi no ‘Projeto Rondon’. Eu não sei por que acabou aquilo.
Eu acho que devia continuar... E eu fui para a Bahia, na divisa de Minas com a
Bahia, no Vale do Jequitinhonha, e era um período de seca muito grande e de
uma pobreza muito agressiva. E foi aí que eu comecei a perceber diferenças.
Quando eu comecei a trabalhar na Febem, eu vi que as diferenças
estavam exatamente na questão das possibilidades. Dos acessos. Porque no fundo
as pessoas são as mesmas pessoas. Têm formação diferente, mas são gente que
deseja coisas, que aspira coisas. Eu perdi a conta de quantos meninos passaram
pela minha mão dentro da Fundação, eu acho que mais de mil.
Eu passei por vários lugares dentro da Fundação. Eu comecei em
uma Unidade na antiga DT – 04, na área de carentes, era um serviço que recebia
a meninada. Não tinha essa coisa de infrator, o ECA ainda não existia... Era outra
situação, era muita criança, muito adolescente, muito convênio, muito abrigo
conveniado fora. A Febem trabalhava com abrigos, e eu trabalhei nessa área.
Quando eu tomei contato com a questão da infração, foi um choque
para mim. Eu não queria de jeito nenhum. Eu tinha uma concepção totalmente
errada daquilo que era trabalhar nesse Universo. Eu fui obrigada, por que foi
quando o Covas assumiu o Governo do Estado e mandou todo mundo voltar para
os seus lugares, e o meu lugar era lá. E por uma questão de proximidade, eu
acabei indo parar na Imigrantes.
Eu trabalhei no Tatuapé, mas eu ficava afastada das Unidades, dos
adolescentes infratores. Trabalhava mais na área dos carentes. E tinha um mito,
sempre existiu um mito do ladrão, o mito do adolescente, da perversidade. E eu
saí para a Imigrantes, e eu vi que os meninos, eram meninos. E que a concepção
que as pessoas têm de jovem, de adolescente infrator, é totalmente equivocada.
Existe uma massa de manobra principalmente da mídia em relação a
culpabilização muito forte daqueles adolescentes. Isso não que dizer, que não
tenham adolescentes maus...
Então a formação da gente, é forjada desde quando se nasce. É
evidente que a escola trouxe para mim coisas que eu não tinha noção. Ela me
formou na profissão. Mas eu acho que tudo que eu recebi na minha história de
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vida, desde a formação que recebi dos meus pais... Tudo isso teve uma influência
direta na concepção que faço de uma criança ou de um adolescente...
Agora, vou pensar dentro da minha família. Por exemplo: nós
somos três irmãs. As minhas irmãs têm a concepção do geral, do senso comum
sobre a questão do adolescente... Se tivesse um plebiscito para pena de morte,
elas votariam a favor, provavelmente, porque tem a coisa da propriedade
mesmo... “É minha propriedade, de repente eu estou sendo violada dos meus
direitos de propriedade; quando eu sou ameaçada por um adolescente...”. E eu
não. Por causa da minha formação profissional e pelo fato de ter trabalhado com
esses meninos a vida inteira.
Então, a gente até tem discussões muito acirradas, porque eu sou
intransigente mesmo. Eu só paro de discutir quando eu vejo que já estou naquela
coisa de “você é burra”, “você não entende as coisas”, “o fato de você morar
em Alphaville, faz você estar fora da realidade brasileira...” . Eu tenho uma irmã
que mora em Alphaville há vinte e seis anos. Alphaville é o mundo dela, e aquela
não é a realidade do Brasil.
Eu acho que tudo isso interfere. E acabou interferindo em meu
trabalho na Febem. Mas também acho que é uma coisa muito pessoal. Por
exemplo: você tem cinco mil trabalhadores dentro da Fundação, e você tem cem
que pensam de uma forma, e tem quatro mil e novecentos que reproduzem a
cultura que vem se perpetuando por um bom tempo.
Eu acho que nós, por exemplo, somos privilegiados. Quem
consegue ver as coisas por outros ângulos é privilegiado. Por que senão você faz
parte do senso comum. Por exemplo: o povo que assiste aqueles programas da
Record, aquilo me irrita profundamente, porque explora, explora, explora as
coisas. Como o caso da menina de Santo André, por exemplo: que eu vivi. Eu
moro pertinho do hospital; aquela coisa de ambulância, toda hora próximo da
minha casa, da menina estar internada lá, do seqüestro... Então eu acho que existe
uma exploração grande em relação a isso.
Ainda bem que o rapaz era maior de idade, se fosse menor, a gente
estaria mais perdido. Para tudo eu fico torcendo para que o garoto não seja
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menor. Eu ouço as notícias e fico na maior torcida, porque tudo é culpa do menor
de idade.
Então, eu acho que é um privilégio a gente poder ter essa visão
diferenciada. Isso acaba contribuindo para que se progrida, para que se chame a
atenção das pessoas e você poder galgar novos espaços, buscando novas coisas
para fazer..., que foi o que aconteceu comigo lá dentro. Eu comecei como
assistente social, e acabei dirigindo a Unidade, porque eu sempre fui mais
briguenta, discutia mais, queria me posicionar mesmo.
Já estou entrando na terceira questão... A minha atuação dentro da
Fundação teve uma certa relevância, pode não ter tido num todo, porque eram
muitas Unidades, muitas pessoas, muitos trabalhadores, mas, eu tenho certeza
que para muitos meninos, que eu trabalhei com eles, eu fiz diferença. Tem alguns
inclusive, que eu falo até hoje. E faz dez anos que eu saí da Fundação... Eles
ainda me ligam, a gente ainda conversa. Então, eu sei que a gente fez diferença.
Na questão de construção de metodologia também, eu acho que nós
também fizemos diferença. Quando eu fui trabalhar na UAP- 01... Eu não sei se
você conhece a história das UAP’s lá na Imigrantes, mas eram duas UAP’s.
Tinha a UAP-06 e a UAP-01. A UAP-06 era dos meninos que tinham uma
compleição física menor e eram aqueles menores na idade, tinham entre quatorze
e dezesseis anos, mas eram os franzinos... – a gente tinha os menininhos da UE-
07, que eram os pequenos de doze anos, que acabavam indo para a UE-07, e
ficavam mais separados.
A UAP-01, que era a Unidade aonde eu fui trabalhar, era a Unidade
dos grandes, daqueles que eram reincidentes, que tinham infrações mais graves,
uma compleição física mais avantajada e até dezessete anos. Era uma unidade em
que você tinha uma tensão maior.
Foi muito interessante a minha ida para lá, porque eu tive que
decidir se ia para o ‘Sampaio Viana’, que era o abrigo dos bebês ou se eu ia para
a Imigrantes. Eu tive que fazer uma escolha, quando o Covas voltou. E aí eu
resolvi ir para a Imigrantes por que ficava próximo de Santo André. “Eu não vou
trabalhar no Pacaembu, eu vou ficar é por aqui mesmo”.
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Eu fui supermal recebida inclusive por que nós que estávamos fora,
éramos tidos como marajás. E trabalhar em Unidade era tido como castigo, como
aquela coisa ruim, - que eu não sei se isso mudou, - mas era bem essa coisa de
ser castigado. Eu fui ‘jogada’ dentro da Unidade. Não tive nenhuma orientação
do que fazer, como fazer... Me puseram em uma salinha, que tinha uma mesa e
duas cadeiras. Uma cadeira para mim, outra cadeira para o menino. E cada um
dos técnicos tinha uma sala separada e ali a gente fazia o atendimento.
O pessoal da secretaria levantava a grade das audiências do dia, e
separava por técnicos as pastas, que eram muitas. Nós tínhamos uns quatrocentos
adolescentes na Unidade, naquela época, onde cabia menos de duzentos. E você
tinha que fazer o atendimento e eles ainda iam datilografar para mandar o
relatório para nós assinarmos e ser levado para a audiência às duas horas da
tarde.
À uma hora saía o ônibus do recâmbio, e os meninos faziam aquela
fila: todos de mão para trás, todos carecas... Uma coisa bem de campo de
concentração mesmo. Quando eles chegavam, tinham que deixar a roupa num
lugar que as pessoas chamavam de ‘pertences’. Tudo aquilo ficava num saco
plástico sujo - coisas limpas com tênis fedido - tudo amarrado num saco plástico.
E eles eram obrigados a vestir as roupas da Unidade, que tinha um carimbo preto
‘deste tamanho’, escrito UAP-01. Então, todos eles usavam o mesmo tipo de
roupa, todos de chinelo, todos de cabeça raspada e, sempre, todos com a mão
para trás.
Era uma coisa bem agressiva mesmo. No início eu falei: “Gente!
Isto aqui não é o lugar que eu quero trabalhar. Eu não quero ficar aqui”. Tinha
uma coisa: ninguém podia atender os adolescentes de porta fechada, porque se
corria risco...
Aos poucos eu fui me familiarizando com aquilo e fui querendo
entrar no pátio para ver como era, por que nós ficávamos separados: a equipe
técnica ficava na parte da administração e os meninos ficavam em duas alas,
separados da gente. Aos poucos eu fui entrando nas alas e conversando com os
meninos... No meu atendimento eu não exigia que eles ficassem com a mão para
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trás. Se eles pedissem, eu fechava a porta. Eu comecei a perceber que eu
precisava ter uma conversa mais de próxima com os pais. E então eu comecei a
mudar um pouco a minha forma de trabalhar com eles. Eu fui muito criticada por
isso, inclusive pela direção. Eles diziam que eu ‘passava a mão’ na cabeça de
‘bandido’, e era uma cultura de coordenador e monitor... Depois mudou a
nomenclatura, mas que eu acho que eles continuam agindo da mesma forma.
Aquela postura de carcereiro, de chamar todo mundo de ladrão...
Logo que cheguei, eu tive um caso de um adolescente que marcou
muito a minha vida. Ele chamava Sidnei. Foi a partir dele que eu achei que tinha
que procurar outros caminhos para atuar com os meninos. Ele tinha participado
de um latrocínio: ele estava junto com um ‘cara’ mais velho quando eles
roubaram um empresário em São Bernardo. Eles roubaram esse empresário e o
empresário foi morto e o encontraram na represa... Eles foram pegos. Só que o
menino era cego... Fisicamente nada identificava a cegueira dele. O próprio
enfermeiro da Unidade falava para mim: “Dona Heloisa, eu não sei se ele finge,
ou se ele realmente não enxerga. Então eu fiz uma coisa, eu o chamei e pus um
latão de lixo no meio caminho, e ele bateu no latão de lixo e caiu”. Porque ele
conhecia a Unidade, ele já sabia andar, ele sabia por onde ia, mas ele não
enxergava mesmo. E eu resolvi que eu tinha que tirar aquele menino de lá
porque, na verdade, ele estava junto, ele ouviu o tiro, ele ouviu as coisas que
aconteceram... Ele estava num período de revolta pessoal, porque estava com
quinze anos e ficou cego de repente. Ele perdera a visão e estava revoltado,
quando o ‘cara’ o chamou para uma aventura diferente. Mas ele não imaginava
que o tal cara fosse matar ou fosse roubar o empresário. Como é que um menino
deste pode ser condenado a ficar três anos interno dentro de uma instituição,
sendo que ele não enxerga? E aí eu resolvi lutar por ele, e arrumei inclusive
oftalmologista para avaliação, tudo fora da Fundação.
Fui levando, requisitando carro. Levei-o ao HC - Hospital das
Clínicas. Eles queriam levar o menino algemado e eu não permiti... Eu fui
ameaçada várias vezes pelos funcionários. Eles diziam que iam me pegar perto
do Zoológico, porque eles sabiam qual era o caminho que eu fazia... E eu
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consegui tirar o moleque de lá. Ele teve a medida suspensa, por que ficou
provada a sua cegueira - inclusive, consegui da Organização Mundial da Saúde
critérios de diagnóstico do que era cegueira; busquei médico particular, fiz vários
laudos... E eu consegui tirar o Sidnei de lá de dentro.
Por muitos anos nós mantivemos contato. E aí ele foi ser atleta
para-olímpico... Ele teve mesmo uma mudança de vida bem grande, e eu vi que
você pode fazer coisas. Foi a partir dele que eu vi que as coisas não eram bem
aquilo que diziam que era.
Teve um outro episódio que me marcou muito também, que foi de
uma audiência nas Varas Especiais, em que o Promotor de Justiça pôs um nariz
de palhaço na cara e falava para o menino: “Olha para mim e diga se eu estou
com cara de palhaço”. O menino não respondia, e ele falava “Fala para mim se
eu tenho cara de palhaço?”. E o menino foi obrigado a dizer sim, porque ele
estava com nariz de palhaço, e aí ele disse: “Então, você vai para a Febem, por
que você está me fazendo de besta”.
Era toda uma coisa de conjuntura. Eu comecei a fazer as análises. E
aí eu fui começando a perceber que com metodologias diferentes, com outros
tipos de ação, com relatório bem fundamentado, você conseguia ter resultados. E
passei por várias mudanças dentro da Fundação.
Teve uma época que eles criaram um ‘pool’ de técnicos, e aí nós
fomos obrigados a sair da Unidade e ir para a entrada do Complexo, e ficavam
todos os técnicos de todas as Unidades naquele lugar, atendendo todo mundo.
Daí desciam alguns ônibus das Unidades - por que tinha a internação (inclusive
das meninas) e tinha a UAP - Unidade de Atendimento Provisório das meninas.
Aquilo me deixava inconformada, por que eu pensava que, se você
não subir para atender o garoto, como você vai ver o que ele está comendo?
Como você vai ver o que ele está fazendo? Como você vai ver como o monitor
está agindo? Porque tudo isso, para mim, era muito importante no meu
atendimento. Mas era importante para mim: os meus colegas, na verdade,
achavam tudo aquilo muito normal.
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Este foi um período, inclusive, que nós tivemos muitas rebeliões.
Chegamos a ter cinco rebeliões num dia. Então, você pegava a bolsa e, quando
tentava subir para a Unidade, na metade do caminho, já descia, por que os
meninos já haviam arrebentado os telhados, já era preciso chamar o pessoal da
DT-05 - que era o pessoal que fazia a manutenção - para arrumar as coisas...
Também fui ameaçada pelos meninos - porque você tem meninos
com uma estrutura criminal mais forte - e fui aprendendo a lidar com as
situações, a ponto de conhecer o menino pela ‘ginga’: conforme o andar dele, eu
já sabia; conforme o olhar, eu já sabia; quando ele vinha conversar, dependendo
do tipo de linguagem – tanto a corporal, como a falada - para mim já eram
indicadores de como eu deveria agir com eles.
Foi nesse momento - que eu comecei a participar das visitas com as
famílias, a ter mais contatos, a fazer grupo com elas e os meninos, aos domingos,
a ter mais contato com a realidade deles - que nós fomos incluídos naquele
‘pool’.
E aí eu fiquei muito brava, revoltada, não era uma coisa que eu
queria. E acontece que teve uma Unidade que foi mais rebelde, a UE-18, e não
aceitou disponibilizar os técnicos para o tal do ‘pool’. Os técnicos queriam ir
para o ‘pool’, porque era mais tranqüilo. E aí o diretor me convidou para ir para
essa Unidade, e eu fui e, então, nós fizemos uma revolução!
Nós adotamos uma metodologia totalmente diferente de trabalho.
Os outros funcionários do Complexo diziam que nós éramos loucos, que não
acreditavam no nosso trabalho. A gente tinha problema com alguns funcionários,
tivemos que trocar vários, e eu acabei assumindo a direção, por que o Vicente foi
para a direção do Complexo, mas nós fazíamos uma coisa mais compartilhada.
Começamos ler muito, estudar muito: lemos Foucault, conhecemos
Makarenko, Paulo Freire, Antônio Carlos Gomes da Costa... A gente foi se
familiarizando com esses ‘caras’ e fomos ousando. Nós começamos a Unidade
com uma casa, e quando eu saí de lá, nós tínhamos quatro casas. Uma ao lado da
outra.
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Nós criamos uma metodologia de intervenção com os meninos que
deu certo. Já começava da forma como os meninos chegavam na Unidade,
porque eu ia selecionar as pastas deles lá na UAP. Eu subia para selecionar,
chamava os meninos, e eles desciam a pé comigo, sem a mão para trás, cada um
segurando seus pertences. E eu dizia para eles: “Isso é uma relação de confiança,
se vocês derem um ‘cavalo doido’17aqui...”. Era uma cerca que separava a
Rodovia dos Imigrantes da Unidade. “Vocês podem fazer, só que eu estou
confiando em vocês, e a gente não quer que mude, e os meninos que estão lá
conosco também não querem que mude, então, é uma opção que vocês vão fazer,
de respeito para com seus parceiros e para conosco”.
Nunca perdi um adolescente. Cheguei a descer com dez de uma vez
só, com oito... E nós vínhamos conversando sobre a vida, sobre as coisas... Nós
desenvolvemos mesmo uma metodologia de acolhida. Começamos trabalhar com
rituais. Então, quando eles chegavam na casa, existia um rito de acolhimento, e
quando eles iam mudando de casa - por que eles iam progredindo na medida -
sempre existiam rituais, nós chamávamos de ‘rituais de passagem’. Até que eles
ganhavam a rua e a nossa última casa, era a nossa ‘semiliberdade’. Porque eles já
faziam tudo fora. Eles já não faziam mais nada dentro da Unidade, a não ser
dormir e cuidar da Unidade. Eles já arrumavam trabalho, ou nós arrumávamos
trabalho para eles... Eles já tinham uma vida totalmente independente. Existiam
os monitores que os ajudavam a administrar seus dinheiros, na compra das
roupas...
Na nossa Unidade, eles sempre andavam vestidos com as roupas
deles. Eles cortavam o cabelo como eles queriam, a gente fazia festa na rua. Nós
tínhamos um curso de culinária entre aspas, que era para poder fazer com que
eles saíssem: eles iam à feira, iam fazer supermercado junto com o monitor. A
idéia era tirar mesmo aquele estigma de que eles não podiam mexer com dinheiro
por que eles eram ladrões... Tudo tinha um caráter pedagógico na ação que nós
desenvolvíamos.
17 Na linguagem dos meninos na Fundação ‘cavalo doido’, significa sair correndo, em disparada.
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Isso não quer dizer que nós não tivéssemos problemas. Nós
tínhamos. Mas os problemas eram muito pequenos em relação ao número de
meninos que tínhamos lá dentro. Quando tínhamos alguma fuga... quando o
menino tinha um envolvimento com ‘crack’ muito forte, por mais tempo que ele
passasse privado de liberdade, chegava uma hora que dava mesmo aquela
‘fissura’ e eles acabavam fugindo. Mas nós mesmos íamos atrás, não importava
aonde ele morasse; se fosse no interior, se fosse em São Paulo, íamos atrás e
entravamos em contato com a família... demorava dias, até que conseguíamos
trazê-lo de volta, antes de comunicar ao Juiz de que ele havia fugido.
Era uma relação vincular mesmo, na qual a gente já estabelecia
pactos, e eles tinham uma grade de pontuação, de atribuição de pontos mesmo.
Então, para eles era muito bom, quando eles conseguiam mudar de uma casa para
a outra. E era muito ruim quando eles regrediam, porque isso também podia
acontecer, dependendo do que fizessem, dependendo de briga que tivessem, da
falta de respeito...
O que era muito importante para nós, era trabalhar por meio da
presença atenta. Então, enquanto eles jogavam futebol, por exemplo, nós
estávamos todos no campo assistindo, e víamos como eles se relacionavam uns
com os outros, e em que grau eles tinham mudado a postura, como é que isso
acontecia... A gente fazia festas de aniversário, trazia as famílias para dentro da
Unidade... Nós sempre trabalhamos com a verdade, e eu acho que isso também é
muito importante para eles. O menino que sai de uma Unidade, pode voltar com
drogas, com coisas e passar para os outros... Isso acontecia, só que, no momento
em que ele era pego, imediatamente a gente já trazia a família, e nós, junto com a
família, conversávamos com eles a respeito.
Muitas vezes eles ficavam bravos comigo, eles ‘queriam me matar’,
por que - imagina! - “contar para minha mãe que eu fiz isso de novo...” Mas se
isso acontecia era para eles assumirem a responsabilidade do ato que haviam
cometido. E eu acho que tivemos muito sucesso nesse trabalho. Foi assim que
nós acabamos virando modelo de trabalho.
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As casas eram pintadas de formas diferentes, e conseguíamos tudo
por doação - poucas coisas eram feitas por meio da própria Instituição. Os
funcionários acabavam nos ajudando... E o ‘Arco Íris’, que era a última casa, era
toda pintada por fora, era toda grafitada de uma forma muito linda, toda colorida,
tinha arco íris, tinha pássaros... Quem olhava da Imigrantes via a nossa casa de
saída.
Os meninos não ficavam lá durante o dia e nem à noite, porque eles
iam estudar fora, na escola, e voltavam só para dormir... e voltavam mesmo!
Nós também começamos a estabelecer uma outra relação com a
família, um outro trabalho... Por que, quando eu entrei lá, eu queria que o pessoal
da DAMC - Departamento de Assistência ao Menor na Comunidade - fizesse
esse trabalho para a gente. Nós tínhamos muitos meninos do interior. Mas eles
não faziam mesmo, então nós resolvemos fazer por nossa conta. Eu acho que
tudo acabou concorrendo para o sucesso ou para o fracasso daquele trabalho.
Porque nós tínhamos uma equipe muito forte. Os profissionais que trabalhavam
na Unidade eram maravilhosos.
Eu acho que a gente teve a felicidade de poder ter escolhido a dedo
esse pessoal. Tanto que quando eu saí de lá, esse povo foi junto comigo. Eu levei
todo mundo embora comigo para a Fundação Criança, e a Fundação Criança
virou um sucesso.
Porque eram pessoas que pensavam como eu, e nós éramos era
muito afinados no conceito, a gente estudava muito... E também tínhamos uma
ação muito forte em cima dos próprios profissionais que trabalhavam conosco,
que sofriam na mão dos outros das outras Unidades, tínhamos também um
constante trabalho de valorização do que eles faziam...
As coisas que nós fazíamos lá eram muito concorridas. As nossas
festas juninas... Eu dançava na festa junina com os meninos. As monitoras...
todas dançavam. Era uma quebra mesmo de protocolo. “Não pode! Você perde a
autoridade!” Eu fazia parte da quadrilha. Nós dançávamos junto, e os meninos da
UAP, e das outras Unidades sempre queriam participar da festa. Porque a gente
arrumava prenda, montava barraca e eles jogavam, ganhavam coisas...
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brinquedos... ganhavam até cigarros que era uma coisa que eles gostavam muito.
Era muito interessante. Comida diferente... doce, paçoca... Coisas que no dia a
dia deles, não tinham mesmo. Então era muito concorrido, e os nossos
profissionais sofriam por conta disto.
A gente conseguiu inclusive ter um programa numa rádio
comunitária do Jabaquara. Eram os meninos que nos ajudavam a fazer o
programa. Era muito divertido. Por que a gente saía, enchia o carro de moleque e
ia para a rádio fazer o programa... Era um trabalho diferente. Eles se sentiam
diferenciados. Tanto que todo menino que entrava na UAP, queria ir para a UE-
18. Ninguém queria ir para outro lugar. Inclusive, na UE-18, eles tinham
liberdade de serem eles mesmos. Eles aprenderam capoeira... tinha o Mestre
Caranguejo, que trabalhava com eles a capoeira. E eles iam para a mata pegar
madeira apropriada, caçamba... cacimba... sei lá o que... e ninguém se perdia.
Ninguém ‘dava perdido’. Existia uma coisa de cumplicidade muito forte.
Nós tivemos um episódio dentro da UE-18 que me marcou muito –
foi quando eu vi o quanto era importante aquela Unidade na vida daqueles
meninos. Nós tivemos uma rebelião enorme, na qual todas as Unidades
‘viraram’, e eles acabaram destruindo tudo, foi uma ‘zona’. A única Unidade que
ficou intacta foi a nossa. Por que os outros meninos não entraram e os nossos não
saíram. E nós estávamos lá com eles. E eles falavam: “vocês podem ficar
sossegados que nós estamos aqui para proteger vocês” . E era uma cerca de
galinheiro que a gente tinha para proteger a Unidade.
O Complexo inteiro foi destruído, menos a gente. Não teve uma
telha fora do lugar, não teve um portão fora, nada, nada, nada. Mas também nós
ficamos lá com eles. Foram setenta e duas horas de rebelião, até que a Tropa de
Choque entrou.
Isso tudo fez com que a gente fosse refletindo sobre a metodologia
que tínhamos criado, desenvolvido, e que não tínhamos noção do tamanho, da
influência que aquilo poderia exercer na vida da garotada.
Eu acho que nós não conseguimos cem por cento de
redirecionamento na vida dos meninos, por conta do lugar onde eles moravam,
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das famílias que tinham, mas eu acho que uma boa parte mudou mesmo, tem
outra vida. Ainda converso com muitos deles, ainda tem muitos deles que falam
comigo, que são dessa época e que nós pusemos no trabalho, e que trabalham na
mesma empresa até hoje... Foi muito bom, foi maravilhoso.
A pena que eu vejo em tudo isso, é que eu acabei recebendo um
convite para sair de lá, para ir para São Bernardo, levei algumas pessoas da
equipe comigo. O Vicente foi para o Tatuapé, e a Unidade acabou. Acabou e
aquilo ficou perdido. Nós tínhamos tudo documentado, paredes inteiras de
fotografias, de todas as coisas que nós fazíamos. Aquilo tudo foi para o lixo, foi
perdido mesmo. Ninguém sabe onde está. É uma pena, mas eu ainda vou
escrever sobre a UE-18, que eu acho que foi o grande ‘start’ na minha atuação
com adolescente infrator. Porque nos vimos que podia dar certo. Nós sabíamos o
que dava certo.
A gente ajudava inclusive famílias, nós nos ‘virávamos’ e fazíamos
mesmo. Eles sentiam segurança em nós. Muitos deles, inclusive, quando saíam e
corriam riscos, iam bater na nossa porta e nos acolhíamos. Eles podiam ficar lá
alguns dias para nos conversarmos, ‘trocarmos idéias’, até que se sentissem mais
tranqüilos e pudessem voltar para as suas casas.
Nós não tínhamos essa coisa de que: saiu, saiu...
Por isso que eu discuto a semiliberdade. Eu sei o que é trabalhar
com semiliberdade. Semiliberdade é isso que nós fizemos lá. Aquilo era
semiliberdade. É quando você tem um garoto que está privado mesmo, por que
recebeu essa medida de privação e ele vai conquistando, vai ganhando a rua, vai
ganhando espaços, vai tendo direitos, vai se sentido respeitado, e passa a te
respeitar também.
Pela complexidade, pela questão do grupo, pela questão dos ritos,
ele se sente partícipe daquele grupo e ele acaba não fazendo coisa errada para não
prejudicar o amigo, o parceiro, ou a gente mesmo. Porque ele sabe que isso pode
nos prejudicar: se ele fizesse alguma coisa, ele sabia que a gente ia responder,
que teria o tal do processo administrativo, e que a gente respondia. Tudo era
discutido muito abertamente com eles.
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Nos lidávamos com essas questões de uma forma bem clara. Eu
fazia grupo com eles debaixo das árvores... A Imigrantes era linda. Nós tínhamos
macacos, nós tínhamos o camping. Nós estávamos ao lado do Zoológico, ao lado
do Jardim Botânico. Lá tinha uma fauna e uma flora bárbaras...Um matagal... era
muito legal. A equipe era muito unida, era muito coesa. Era muito bom. Tudo
era pensado e projetado sempre pensando o melhor para eles e para a família
deles...
Então, eu sei que pode dar certo. Para mim, aquilo era
semiliberdade. É uma conquista. Isso é semiliberdade. Eu não aceito o inverso.
E aí, só para deixar gravado, eu acho que existe uma concepção
equivocada por parte de juízes e promotores quando eles determinam uma
medida de semiliberdade para um garoto por que ele precisa estar em algum
lugar. Eu acho que o Estatuto prevê, em todos os seus artigos que falam da
proteção, medidas protetivas que possam fazer isto. E eles podem
concomitantemente fazer as duas coisas.
Eu vivi esta experiência também na Fundação Criança. Nós vimos
que dá certo. Adolescentes que saíam, por exemplo, da internação, e iam para o
nosso abrigo, cumpriam LA - Liberdade Assistida - dentro da própria Fundação.
Eles estavam no abrigo, mas não estavam privados de liberdade.
Eu acho que já te falei qual é concepção político-pedagógica que
para mim norteia a medida privativa de liberdade. Primeiro é a questão de ter
uma metodologia clara. De buscar reflexões teóricas que possam dar subsídios
para o trabalho com essa metodologia e sempre ir aprimorando... de respeitar, de
ter respeito pela pessoa humana que está com você.
Uma das coisas que eu comentei com a Myrian, era que tudo para
nós tinha um motivo. Tudo que nós fazíamos, tinha por trás uma
intencionalidade. Eu acho que isso é muito importante. Por que os nossos
meninos eram obrigados a dormir de pijama? Eles eram obrigados por que
recebiam os pijamas quando eram acolhidos e, no ritual, recebiam também as
roupas de cama, as toalhas... Para dormir, ele tinha que tirar, que desvestir
daquela coisa que usara o dia todo... Tinha que ter um rito, inclusive de higiene,
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de limpeza, de respeito para com o seu colega, de cuidado com suas coisas, de
organização, de formação da sua pessoa. Então, eles eram obrigados a dormir de
pijama. Por muitas vezes, nós íamos lá de madrugada para ver se eles estavam
dormindo de pijama.
Nós fazíamos isso tanto com os meninos, como com os
funcionários, para ver o que estava acontecendo. Ninguém sabia quando um de
nós estaria lá. Mas sempre tinha um. De vez em quando às três horas da manhã
aparecia, ficava lá no domingo todo, ou então de repente aparecia... Nós não
tínhamos essa coisa de trabalhar oito horas por dia, ir embora e esquecer, não!
Nós voltávamos mesmo para ver como as coisas estavam acontecendo.
E você tem problemas, isso exige da gente uma dedicação. Claro
que exige, mas dá certo. Porque o nosso foco era o ser humano, era o menino.
Os meninos eram chamados pelo nome. Essa era uma outra coisa
muito importante para nós. Era inadmissível lidar com eles com as gírias que eles
traziam da UAP; da ‘coruja’, de ‘bandeco’18... Eles usavam garfo, faca, talheres
normais. Copos, pratos de vidro, de porcelana. Eles tiravam a comida dos
‘bandecos’ e eles comiam nos pratos, sentados à mesa.
Eram momentos de nós sentarmos junto e nos confraternizarmos,
darmos risada, contarmos piada, porque tudo isso para nós era trabalho. Era nesse
momento em que nós estávamos observando as relações, as coisas como
aconteciam. Então, dá mais trabalho, sem dúvida. Dava muito mais trabalho, mas
ao mesmo tempo, eu acho que era muito mais prazeroso. Porque nós vivíamos
felizes. Era muito bom trabalhar lá dentro.
Quando eu fui convidada para sair, para ir para São Bernardo, foi
um desafio de mudança mesmo, de tudo. Uma mudança estrutural,
organizacional de serviços que estavam completamente na contra-mão da história
da infância. Era 98 e eles ainda trabalhavam como nos anos 80...
Eu saí porque eu acho que nós temos sempre que alçar novos vôos.
Você sempre tem que buscar inovação...
18 ‘Coruja’ significa cueca e ‘bandeco’ significa refeição servida em embalagem de alumínio.
77
Eu sempre falava que o dia em que eu achasse natural, chegar
dentro de uma Unidade e ver um menino espancado e achar que aquilo era
normal ou achar que uma rebelião era normal ou achar que os meninos
‘transarem’ entre eles era normal, estava na hora de eu sair, de buscar outra coisa,
porque já não dava mais para mim.
Eu ainda não estava nesta fase na Unidade, mas eu recebi o convite
e fui. Fui com um aperto no peito muito grande, porque eu gostava demais deles.
E a cada saída, a cada partida de um menino, nós fazíamos festa, a coisa era
muito comemorada, como um ‘bota fora’. Nós fazíamos um ‘bota fora’, como o
de qualquer jovem que vai fazer intercâmbio fora do país... Tinha todo um ritual
de arrumar as coisas, de ver o que tinha, quanto tinha, da espera da família... Era
muito emocionante. Eu sou muito chorona, sempre chorei muito. Os meninos
choravam comigo e eu com eles. A gente ria junto...
Foi difícil para mim, mas como nós fomos para a Fundação, nós
também conseguimos fazer da Fundação... idealizar a metodologia na Fundação,
de tudo aquilo que nós tínhamos visto, do que tínhamos aprendido, do que
víamos que estava errado, e do que nós achávamos que pudesse dar certo, e deu.
E foi por isso que virou um sucesso. Por que era o mesmo grupo de pessoas, e
nós fomos muito ‘peitudo’ mesmo. Nós encaramos a coisa de frente e
conseguimos transformar a Fundação num sucesso.
Eu acho que eu já te falei tudo. Por que a questão que eu considero
que o que vai na direção da resistência ou da superação, é a questão de dar uma
resposta. Dependendo de quem está na gestão, você consegue superar as
dificuldades, e consegue avançar, romper com as resistências ou então você vai
permanecer...
Eu gostaria que tivessem muitos profissionais com a característica
desses com quem eu trabalhei; com quem eu tive a felicidade de trabalhar. Por
que você não faz nada sozinho. Essa é que é a verdade. Tudo é equipe. Você
pode ter alguma idéia... Nós éramos em treze pessoas, com o ‘Vicentão’, que foi
o nosso guru mesmo, e eu acho que devo muito a ele, nessa questão da reflexão...
Foi ele que me ajudou a refletir e que teve o ‘feeling’ de perceber quem eram as
78
pessoas que poderiam estar tocando aquela coisa maluca que ele tinha na cabeça,
para uma Unidade de privação de liberdade.
Ele era louco, e nós éramos também. Nós fizemos tudo juntos...
Então, você não faz nada se não for um consenso de equipe... Isso foi uma das
coisas que eu aprendi lá na Febem e depois eu levei comigo. Se você não
valorizar as pessoas que trabalham com você, pode esquecer, porque não vai ter
resultado nenhum.
Quando você menospreza, desvaloriza, não paga adequadamente...
quando você não dá suporte, incentivo financeiro, de formação... porque eu acho
que você pode capacitar tudo o que você quiser, você pode oferecer ‘quinhentos
mil’ cursos... Isso vai permanecer na pessoa que tem interesse. Porque nem
sempre a pessoa tem interesse. Muitas vezes ela vai fazer, por que é uma forma
que tem para sair, para fazer outras coisas, inclusive, para dar uma ‘matada’ no
curso e ir passear, fazer compras, conhecer a cidade...
Junto com essa formação, você tem que trazer outras coisas para
ela, coisas de afeto, de valorização do trabalho. Reforçar as coisas positivas e
conversar sobre as negativas. Não fazer estardalhaço, por que o ‘cara’ fez alguma
coisa de errado... Eu acho que é exatamente o inverso que você deve fazer...
Eu aprendi muito... e acho que isso é a forma de trabalho que eu
aprendi, que a gente foi desenvolvendo em conjunto... E desse grupo todo, hoje,
cada um está em um canto. Mas eu acho que todo mundo acabou tendo sucesso
na profissão, porque nós trouxemos referenciais diferenciados: de uma ação
política, institucional e metodológica as quais fizeram com que fossemos para a
vida mesmo e virássemos referência. Foi muito bom. Se eu pudesse voltar no
tempo... Eu acho que aquilo podia ser aproveitado para a Fundação inteira... Se
você pegar e separar os meninos que são mais estruturados na infração e pensar
em um trabalho diferente para eles - até por conta dessa estruturação tem
meninos que precisam ser mais contidos. Eu acho que com os demais se trabalha
‘numa boa’, sem muito sofrimento...
Eu acho que esse trabalho é uma questão vocacional. É uma questão
que a psicologia chama de anima, é a alma mesmo. É a sua alma que tem que ter
79
afinidade com aquilo que você faz. Eu falo para todo mundo: “se você não tem,
sai fora, porque esse não é o seu caminho. Você sofre e acaba com a vida dos
outros”. Tem um monte de gente que batalha, que luta, que tenta e acaba
desistindo, porque cansa de ‘dar murros e quebrar os dedos, quebrar as mãos’...
80
Capítulo V – Refletindo sobre o que nos transmitiu a voz das
profissionais
“Eu acho que esse trabalho é uma questão vocacional.
É a sua alma que tem que ter afinidade com aquilo que você faz”.
Heloisa
“O nosso desafio maior talvez seja esse: de fazer os nossos profissionais entenderem que o menino não tem
que ser acompanhado para ficar bonzinho na instituição. Ele não tem que ser preparado pela instituição... Ser
preparado para a vida. Esse é o desafio maior que a gente tem”.
Magali
Em continuidade ao desenvolvimento da pesquisa, neste Capítulo,
nos deteremos na análise dos depoimentos das profissionais - assistente social e
psicóloga – tendo por apoio os conteúdos expostos nos Capítulos I, II e III.
Conforme mencionado na Introdução, consideramos que estas
profissionais certamente contribuíram/contribuem para a construção de uma
atuação/trabalho de qualidade no atendimento ao jovem que cumpre medida
socioeducativa na Fundação CASA tendo em vista a garantia de seus direitos.
Desta forma, cabe-nos ressaltar que procuramos entrevistar
profissionais que através de suas experiências cotidianas, com base na
particularidade de suas formações acadêmicas, pudessem apontar as “brechas”
que encontraram na Fundação para construir e desenvolver seus trabalhos,
enfrentando as “amarras” institucionais em busca de qualificar seus atendimentos
aos adolescentes. Assim, respeitamos e valorizamos a singularidade dos sujeitos
entrevistados, considerando que, ainda que tenham sua própria individualidade,
esta se construiu e se expressa a partir de sua vivência em um coletivo, com suas
determinações, no qual (como dizia Heller) encontraram meios de “condução de
sua própria vida”, ou seja, de construção de sua própria prática.
A partir das entrevistas trabalhamos então, algumas categorias as
quais avaliamos fundamentais para o desenvolvimento do trabalho, uma vez que
os conceitos estabelecidos pelos profissionais diante de tais questões, interferem
diretamente em suas intervenções cotidianas.
81
A princípio nos detivemos na questão da adolescência, apreendendo
de que forma o jovem é visto e compreendido pelas depoentes, posteriormente
abordamos a Formação e Prática Profissional, Instituição Total X Incompletude
Institucional e a Resistência e a Superação. Para tanto, realizamos algumas
considerações prévias acerca de cada temática:
A Adolescência
Falar de adolescente/de jovem, pode muitas vezes ser confuso para
grande parte das pessoas que, pautadas em um senso comum, os vêem como
“aborrecentes”, ou como perturbadores, por apresentarem determinados
comportamentos, não compreendidos em um primeiro momento.
Diante desta situação é necessário que se faça uma reflexão atenta
sobre aqueles adolescentes com os quais convivemos e, também, sobre como ele
está inserido no contexto social, próximo e mais amplo, ou seja, necessitamos ter
claro que ele está em um processo de desenvolvimento e precisamos saber como
isso vem se dando, - o que lhe provoca medos, angústias, ansiedades - e quais são
as suas perspectivas e os seus sonhos.
Conforme Costa (2000:22):
“Os adolescentes (...) não são nem heterônomos como as
crianças, nem são autônomos como os adultos. Eles são
detentores, na verdade de uma autonomia relativa. Sua vida é
marcada por uma sucessão de circunstâncias e situações em que
a autonomia e a heteronomia se alternam e às vezes se
superpõem (...)”.
Uma das entrevistadas, Magali também, considera essas
alternâncias, como uma dificuldade a ser enfrentada:
“Ser jovem hoje é uma coisa bastante confusa, mas é uma fase
que faz parte da vida. A passagem da adolescência para a
juventude é aquela coisa confusa porque uma hora você é
82
criança, outra hora você é adulto. Para o jovem de hoje isto é
muito mais difícil. Antigamente, isso ficava mais definido.
Todas as coisas pareciam estar mais organizadas no tempo (...)”.
Heloisa destaca as diferentes mudanças, as dificuldades identitárias
por elas provocadas:
“(...) a questão da mudança, de você deixar de ser criança,
passar pelas mudanças físicas, de você não se reconhecer, de
você não ter uma identidade, de ir nascendo os pêlos, de ir
mudando o corpo, de vivenciar mudanças de interesses (…)
ninguém queria saber de menina, porque menina era chata. De
repente muda tudo, mulher é demais... (…). E passa a ser tudo
na vida deles. Eles passam a tomar banho, passam a usar
desodorante, passam a ter um cabelo legal, a querer se vestir
melhor, por conta das meninas”.
Isso significa que é preciso estar atento a essas alternâncias e a
essas mudanças, que vão configurando as reais necessidades desse momento da
vida, para que se possa contribuir efetivamente para seu processo de formação e
amadurecimento. É importante destacar que o jovem, neste período de
desenvolvimento carece de uma diretividade, um direcionamento que o permita
avançar, contudo, sem o intuito de tolhê-lo, estimulando-o para “o exercício de
níveis crescentes de auto-confiança, de auto-determinação, de autonomia”
(Costa: 2000:24).
O jovem, sendo um sujeito sócio-histórico, também é produto do
contexto, o qual está vinculado à diversas mudanças sociais, políticas e culturais
de seu meio social19.
Heloisa, em sua entrevista, refere que os jovens de hoje têm mais
acesso às “informações (...), às notícias do mundo inteiro [e que isso também]
19 Ozella (2003:43) afirma que “(...) cada jovem deve ser considerado na sua singularidade e o processo de desenvolvimento da consciência em relação com a atividade deve ser abordado individualmente. Entretanto, o reconhecimento do caráter histórico e ideológico do processo demanda uma consideração de questões presentes em um contexto social determinado (...)”.
83
são questões que interferem diretamente na formação dele, naquilo que ele pensa
em fazer...”.
Magali também faz referência à influência da informação no
adolescente de hoje:
“Eu entendo que o jovem de hoje tem muito acesso à
informação, o que o facilita ter um conceito ético e ter uma
consciência política muito diferente do jovem de algum tempo
atrás. Isto acontece por que o acesso à informação está muito
mais facilitado (…)”.
Verificamos que tanto a assistente social como a psicóloga,
acreditam que o acesso às informações, - até mesmo por conta da informatização
-, possibilita que o jovem de hoje esteja mais atualizado e inserido em uma
conjuntura globalizada.
Em consonância com essas falas, salientamos que o fato de um
adolescente ser de uma família de baixa renda não o impede dessa vivência tanto
através dos veículos de comunicação, rádio e televisão, como através do mundo
da internet. Apesar de ser mais difícil sua acessibilidade à internet, isso não o
impossibilita de fazer uso das informações veiculadas por meio virtual, uma vez
que, conforme Heloisa, o “jovem da periferia tem o acesso à informatização da
mesma forma” que outros em virtude da existência de ‘Lan House’ nos bairros
afastados da região central.
Nesse sentido, Costa (op. cit.:68) afirma que:
“Numa sociedade de massas, os meios de comunicação social
constituem um fator determinante na formação da identidade
juvenil. Nessa perspectiva, a juventude é, a um tempo,
consumidor e produto. Apropriar-se das mensagens da
comunicação pode ser um fator positivo de afirmação e
consolidação da identidade ou converter-se num processo de
alienação e desenraizamento dos jovens em relação ao contexto
geral mais amplo”.
84
Heloisa acrescenta à argumentação de Costa, sua reflexão sobre a
influência dessa forma de acesso à informação na vida do adolescente,
considerando que a mesma, por vezes, faz com que ele perca sua
“vivência do grupo (...), que é uma característica do
adolescente, do jovem, viver em grupo. Eles ainda vivem em
grupo durante vinte e quatro horas, mas, distantes, virtualmente.
Eles não estão próximos. Eu sou uma pessoa que acha que os
sentidos são muito importantes na vida de uma pessoa. Todos
os cinco. Eles perderam essa possibilidade dos cinco sentidos.
Do tato, da visão principalmente. Porque ouvir, degustar, o
paladar, isso eles ainda têm. Mas o tato e a visão são coisas que
dependem da gente ver, pegar, ficar junto - isso eles perderam
um pouco. Mas também eu não acho que eles sejam mais
individualistas por conta disso.”
Essa necessidade de vivência em grupo está relacionada com a
necessidade do jovem de pertencimento, nesta idade, ao nível de seus pares: de
pertencer um grupo, de estar inserido em um coletivo no qual se espelhe, no qual
sinta-se valorizado. O adolescente está em um processo de formação de
identidade, desta maneira, experimenta novos modos de ser, avalia sua relação
com seus sonhos, seus desejos e com o que pretende em sua vida.
É importante salientar que apesar de nosso trabalho (da
pesquisadora e das entrevistadas) estar focado no adolescente autor de ato
infracional, que cumpre medida privativa de liberdade, em momento algum, nos
depoimentos, percebemos diferenciação no trato relacionado a estes, por parte
das entrevistadas, inclusive, suas considerações foram que eles têm as mesmas
características de quaisquer outros adolescentes - que possuem sentimentos,
emoções, valores...
A assistente social salienta
“(…) eu via o movimento dos meninos. Eu observava muito,
conversava muito, ‘trocava muita idéia’, e via que eles não
85
eram diferentes, não tinham aspirações diferentes das que os
meus filhos tinham. Eles desejavam as mesmas coisas. É óbvio
que quando você estuda em uma escola particular, que te dá
muito mais formação, você avança. Se a gente fosse pegar a
coisa na essência, não é diferente. O adolescente gosta das
mesmas coisas, vibra com as mesmas coisas, tem os mesmos
desejos...”.
A psicóloga entende o adolescente
“(...) como pessoa em desenvolvimento, que é a concepção do
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente – (que muitos não
entendem), e o desenvolvimento implica em processo, que
remete a erro e acerto, a avanço e recuo, a adaptação e
improviso, ou seja, a experiência de vida e desenvolvimento
humano”. Que há um “(...) sentimento de intensidade vivido na
juventude, por que tudo nessa fase é tão intenso”. E “(...) que a
juventude tem uma marca, que é a marca do jovem: ser ousado,
ter desejo, descobrir coisas, estabelecer relações mais
consistentes”.
Considera ainda que no processo de desenvolvimento do
adolescente há uma questão social implicada, até mesmo por estarmos inseridos
em um sistema capitalista, no qual o consumismo é exacerbado. Refere que “ao
mesmo tempo que ele tem acesso a um monte de coisas ele não tem a condição
de desfrutar de todas elas (..), [o] que influi numa série de questões do convívio
social (...)”. Cabe ressaltar que há uma sinalização por parte das entrevistadas em
relação à diferenciação entre as possibilidades ao acesso, considerando a questão
das classes sociais.
Heloisa refere que ao ingressar na Fundação, apesar de perceber
que as pessoas, neste caso os adolescentes, desejam e aspiram as mesmas coisas,
“(...) as diferenças estavam exatamente na questão das possibilidades. Dos
acessos (...)”. Magali aponta que os meninos atendidos pela Fundação na “(...)
maioria das vezes tem uma renda menor (...) [no entanto] em termos psicológicos
86
eles têm as mesmas coisas que os outros meninos de outras classes têm, mas não
tem as mesmas possibilidades”.
As entrevistadas também chamam a atenção para o fácil acesso ao
mundo das drogas, seja como usuário, seja como “comerciante”, o que
seguramente compromete um saudável desenvolvimento deste jovem.
Heloisa acredita que “(...) o ‘crack’ é o grande vilão da história de
vida da meninada, principalmente dos mais pobres”. Refere ainda que “o ‘crack’
trouxe uma redução muito triste de discernimento para eles. Porque vicia muito
rápido (...)”.
Magali salienta ainda sobre a preocupação do jovem ter “(...) acesso
mais rápido a droga”, por vias do tráfico, inclusive “para suprir suas
necessidades”.
Consideramos ainda que, conforme mencionado anteriormente o
jovem tem a necessidade de pertencer à, mesmo que em determinados momentos
se coloque em “risco”. O envolvimento com as drogas em muitos casos, nos
remete a fazer uma reflexão no sentido de avaliar se este não ocorre por
necessidade deste pertencimento, desencadeando conseqüentemente prejuízos
futuros, seja nas relações que estabelece, seja no seu próprio desenvolvimento.
Como expõe Ozella (2003:155):
“Aos poucos, a droga que tinha um significado de
pertencimento e de identificação, passa a ter o sentido de
desagregação, alienação e destruição, afetando de forma
negativa sua auto-imagem e gerando forte sentimento de
impotência (...)”.
Percebemos que estas questões estão intimamente correlacionadas
ao contexto social em que vivemos, na qual se insere a questão infracional. De
acordo com Volpi (2001:57), o delito:
“Numa perspectiva marxista, (...) [pode ser entendido] como
resultante de um modo de produção social, isto é, o que define
87
o que é delito ou não, é a superestrutura jurídica e política
baseada na totalidade das relações de produção”.
Magali, em sua entrevista mostra uma perspectiva fundada em
valores para analisar os diferentes tipos de carecimentos e de envolvimentos que,
muitas vezes, redundam na infração do adolescente:
“Os valores é que eu penso que vão se diferenciando ao longo
do tempo, e aí isso tem sempre um lado negativo e um positivo,
a medida em que existem valores antigos que precisavam
mesmo ser rompidos, porque amarravam uma série de
obrigações que, talvez, não acrescentassem muito à vida desses
meninos. E existem valores que deviam ser preservados e que a
gente vê se perdendo ao longo do tempo. Por exemplo: um
desses valores, que eu acho muito claro, são os referentes à
convivência familiar (...). Se não tem esse convívio de casa, ele
acaba tendo as referências de fora, e aí ele vai encontrar isso em
outros grupos (...). Outra coisa que eu acho que está diferente
para o adolescente de hoje é que antigamente ele podia
trabalhar mais cedo, hoje em dia o jovem começa a trabalhar
mais tarde, o que é super positivo, por que ele tem mais tempo
para se dedicar aos estudos e para ter acesso a outras coisas - de
cultura e de lazer – mas, por outro lado, dependendo da região
que ele mora, ele vai continuar sem esse acesso e aí, isso vai ser
pior para ele, porque ele vai ficar ocioso e não conseguir ganhar
formalmente o dinheiro, começa então a achar outros meios
informais. Tudo isso vai alterando muitas coisas”.
Heloisa, por seu lado, em sua entrevista comenta a relação entre o
conceito que a sociedade tem do jovem que infraciona e o modo como a mídia
trata essa infração:
“a concepção que as pessoas têm de jovem, de adolescente
infrator, é totalmente equivocada. Existe uma massa de
88
manobra principalmente da mídia em relação a culpabilização
muito forte daqueles adolescentes [que infracionaram].”
Nesses depoimentos, um outro ponto interessante a ser discutido, é
a possibilidade de ver o adolescente como protagonista20 de sua história, uma vez
que conforme Costa (2000:218):
“O adolescente deve ser visto pelo educador não como uma
ameaça à autoridade dos adultos ou à ordem imperante na
instituição escolar, mas como parte real da solução de suas
dificuldades e impasses”.
Dar oportunidade para o jovem participar das discussões que estão
relacionadas a ele, mesmo em um contexto de privação de liberdade, é uma
forma – ainda que com as limitações institucionais – de colocá-lo inserido em
uma dinâmica relevante do que está ocorrendo, de expressar o seu pensamento
sobre ela.
Vemos, através da experiência de Magali, que ela compartilhava
com os adolescentes muitas discussões a respeito da dinâmica da Unidade.
Refere que começou “a estabelecer esse tratamento com os meninos – esse
formato de discussão, dos meninos serem participantes. Eles já não eram mais
aqueles que recebiam tudo pronto. Eles participavam das discussões dessas
mudanças (...)”.
Heloisa traz contribuições no sentido de perceber o adolescente
dentro da Instituição como ele é, oferecendo ainda oportunidade para que o
estigma de infrator fosse desconstruído:
“Na nossa Unidade, eles andavam com as roupas deles. Eles
cortavam o cabelo como eles queriam, a gente fazia festa na
rua. Nós tínhamos um curso de culinária entre aspas que era
para poder fazer com que eles saíssem: eles iam à feira, iam
20 Costa (2000:150) entende o protagonismo juvenil como “ocupação pelos jovens de um papel central nos esforços ‘por mudança social’”.
89
fazer supermercado junto com o monitor. A idéia era tirar
mesmo aquele estigma de que eles não podiam mexer com
dinheiro porque eram ladrões... (...)”.
Nesse processo de estímulo ao desenvolvimento da identidade do
jovem e de sua participação, Heloisa enfatiza os ritos e a discussão aberta com o
grupo de adolescentes:
“Pela complexidade, pela questão do grupo, pela questão dos
ritos, ele se sente partícipe daquele grupo e ele acaba não
fazendo coisa errada para não prejudicar o amigo, o parceiro,
ou a gente mesmo. Porque ele sabe que isso pode nos
prejudicar: se ele fizesse alguma coisa, ele sabia que a gente ia
responder, que teria o tal do processo administrativo, e que a
gente respondia. Tudo era discutido muito abertamente com
eles”.
Estes depoimentos nos levam a compreender o quanto é
fundamental que os adolescentes participem de decisões, tanto individuais, como
coletivas, principalmente se estiver envolvido em um contexto no qual vive, e
promover de certo modo uma autonomia.
Entretanto, não podemos deixar de mencionar que um dos alicerces
para que este adolescente seja protagonista de sua vida, da sociedade, é a
educação.
Costa (op. cit.:68) afirma que:
“A educação é um dos processos sociais mais importantes
quando se pretende caracterizar a juventude. O período de
preparação, instrução e formação para a vida introduz os jovens
numa ‘fase de moratória’ em relação aos papéis dos adultos que,
no momento oportuno deverão assumir. A desigualdade no
acesso à educação, no entanto, faz com que esse período da vida
varie dramaticamente entre os diversos segmentos da pirâmide
social”.
90
Frente à questão da educação, Magali acredita que “(...) a qualidade
de ensino caiu”, e que isso também interfere na inserção deste jovem no mercado
de trabalho, uma vez que se percebe que há “(...) jovens menos qualificados para
o mercado profissional (...). Por outro lado, (...) o jovem que tem um pouco mais
de condição de ter uma qualidade de ensino melhor, ele também tem um acesso
melhor (...)”.
Sem a educação, o ensino formal é evidente o comprometimento
futuro deste adolescente, principalmente no que tange a uma perspectiva para o
mercado de trabalho que, conseqüentemente, também promove sua autonomia.
A partir desta compreensão, desta leitura do que é ser adolescente, e
do lhe cerca, é que o profissional conseguirá realizar suas intervenções.
Entendemos que ele, o profissional, não pode se permitir olhar para as questões
somente pela sua concepção pura e simplesmente, e sim considerar todo o
movimento social, cultural, econômico e político em que estamos inseridos.
Formação e Prática Profissional
Pensar então no adolescente e na conjuntura institucional, remete
que o profissional tenha clareza da situação/contexto que este adolescente está
inserido e, ainda, da dinâmica/política institucional e do projeto político da
profissão da qual faz parte.
Conforme mencionamos no Capítulo II ressaltamos que a prática
profissional não deve ser compreendida apenas a um fazer cotidiano, exigindo
que este profissional busque algo a mais além de sua formação acadêmica.
Consideramos que o movimento societário vivido pelos profissionais requer um
processo contínuo de formação através dos fundamentos teórico-científicos,
prático-operativo e ético-político.
É necessário termos entendimento que:
“Na prática profissional, as mediações entre a elaboração
teórica, a projeção e a intervenção se dão de maneira complexa:
91
têm que responder a questões muito concretas, sócio-
econômicas e políticas de uma sociedade extremamente
diversificada, colocando-se diante de problemas muito
específicos. Neste espaço, o profissional não tem apenas que
analisar o que acontece, mas tem que estabelecer uma crítica,
tomar uma posição e decidir por um determinado tipo de
intervenção. Na sua forma particular de conhecimento voltado
para a prática, ao conhecer a realidade, vai construindo no
pensamento um projeto de ação, vai emergindo uma maneira
peculiar de ver problemas e construir soluções lançando mão do
desenvolvimento teórico e de aplicações tecnológicas (...)”
(Baptista: 2001:115).
Diante dos depoimentos colhidos, percebemos que ambas as
profissionais têm uma preocupação quanto às ações cotidianas, ao passo que tem
por base suas respectivas formações.
Magali, que considera a intervenção do assistente social e do
psicólogo como fundamentais para o jovem no processo socioeducativo,
preocupa-se quando nota deficiências na formação que os profissionais que
ingressaram recentemente na Fundação vêm apresentando. Acredita que embora
haja um grupo de profissionais que apresentem mostras de qualidade em sua
formação, por outro lado, há um outro grupo que denota uma “formação
deficitária”, o que compromete significativamente a intervenção junto ao
adolescente.
Refere que:
“(...) a medida em que sua formação não for muito boa, (...) ele
não vai conseguir discutir tecnicamente. Ele não vai conseguir
fazer uma avaliação diagnóstica correta. Não fazer uma
avaliação diagnóstica correta, é colocar em risco o futuro de um
ser humano. E não fazer uma avaliação diagnóstica correta,
significa também fazer uma intervenção equivocada. É dar
encaminhamentos equivocados”.
92
De acordo com Martinelli (2001:145/146), existe de fato uma
preocupação quanto ao processo de formação dos profissionais, considerando
que:
“A própria universidade brasileira sofre em suas origens uma
forte influência de herança positivista (...) em que poder,
autoridade e controle exercem uma verdadeira paralisia sobre o
movimento, reduzindo o próprio exercício do saber à
transmissão do conhecimento acumulado”.
Ainda de acordo com o Capítulo II - “A Prática Profissional: um
desafio no contexto institucional” desta dissertação, afirmamos a necessidade do
profissional buscar uma qualificação que permita a fundamentação de suas ações
técnico-operativas e, que a ausência ou fragmentação desta fundamentação não
possibilita a superação das práticas rotineiras, ou até mesmo, do senso comum,
uma vez que nas suas ações cotidianas, há uma tendência de que o profissional
não olhe criticamente para os fatos do dia a dia.
De acordo com Faleiros (2001:27/28):
“A prática profissional se torna cada vez mais complexa e não
pode mais ingenuamente ser reduzida a entrevistas, reuniões e
visitas e nem a um militantismo partidário sectário. Ela se torna
saber estratégico. Ela se torna saber prático (...)”.
Os depoimentos das profissionais também nos apontam a
importância da formação profissional para uma ação qualificada, que ultrapasse o
limite da prática pela prática.
Heloisa refere que “a formação da gente, é forjada desde quando se
nasce”, elucidando com um exemplo pessoal:
“(...) vou pensar dentro da minha família. Por exemplo: nós
somos três irmãs. As minhas irmãs têm a concepção do geral,
do senso comum sobre a questão do adolescente... Se tivesse
93
um plebiscito para a pena de morte elas votariam a favor,
provavelmente, porque tem a coisa da propriedade mesmo...
(...). E eu não. Por causa da minha formação profissional e pelo
fato de ter trabalhado com esses meninos a vida inteira”.
Neste momento, Heloisa, comentando a sua formação profissional
diz que “(...) nós somos privilegiados. Quem consegue ver as coisas por outros
ângulos é privilegiado. Porque você não faz parte do senso comum”.
Magali também se refere à formação profissional relacionando-a
com a formação pessoal, uma vez que considera que a sua “figura de pessoa não
está descolada da [sua] formação e de nenhuma das outras coisas que constituem
a [sua] formação pessoal”.
Ambas pontuam sobre a importância da especificidade de suas
profissões em relação às questões trabalhadas. Magali diz que:
“A Psicologia faz você olhar para as coisas de uma forma muito
ampla. Porque você não vai se prender a uma coisa (...). Tem
[a] questão social, mas têm todas as questões vivenciais e
relacionais, questões de modelo de identificação, de estrutura
de personalidade, de grupo social que esse indivíduo está
inserido, de condição sócio-econômica (...)”.
Em continuidade à sua fala, refere que à sua formação em
Psicologia, sua formação em violência doméstica, do tratamento à dependência
química, da Psicologia Social, fazem com que lhe possibilite um olhar de
maneira mais ampliada, considerando as questões sociais. Compreende que a sua
formação lhe permite que veja a pessoa “(...) não só como produto do meio, mas
como um ser de significações muito pessoais”.
Heloisa pontua que na época em que cursou a faculdade “se
estudava três tipos de intervenção em Serviço Social – de casos, de grupo e de
comunidade (...)”, e que teve oportunidade de ter tido uma boa professora na
discussão do Serviço Social de grupo, o que possibilitou realizar intervenções
importantes junto aos adolescentes.
94
Verificamos nos apontamentos realizados pelas entrevistadas, que
estas utilizaram/utilizam do respaldo teórico, buscando solidificar suas ações
cotidianas para as práticas inovadoras, consistentes.
Heloisa refere ter recorrido, junto com um grupo de profissionais
que compartilhava de seus pensamentos, para propor uma metodologia de
intervenção na ação com os adolescentes, às seguintes referências: Foucault,
Makarenko, Paulo Freire, Antonio Carlos Gomes da Costa. Salienta que esses
profissionais com os quais trabalhava “(...) eram pessoas que pensavam como eu,
e nós éramos muito afinados nos conceitos, a gente estudava muito...”.
No apontamento realizado por Magali, surge também a necessidade
do aporte teórico para fundamentar a ação profissional:
“Os argumentos teóricos ajudam muito (...) eu acho que isso é o
que mais falta para o psicólogo e para o assistente social: não
perderem sua referência científica – não perderem a pesquisa,
não perderem a leitura e não perderem a intervenção no
contexto geral”.
É evidente que realizar um exercício constante que promova uma
prática dinâmica não é tão simples, haja vista, as considerações elencadas no
Capítulo II, tendo ainda como conhecimento a importância do processo de
formação acadêmica, do conteúdo teórico-científico, do conhecimento técnico-
operativo e do posicionamento ético-político, no cotidiano institucional.
A construção do trabalho/das intervenções realizadas pelos
profissionais, pautada em um aporte teórico – considerando também o
posicionamento ético-político-, provoca, de acordo com Baptista (2001:119) “(...)
um tríplice movimento: de crítica, de construção de um ‘novo’conhecimento e de
nova síntese no plano do conhecimento e da ação (...)”.
Magali entende que para se ter uma oferta de trabalho melhor, além
do aporte teórico, como mencionado anteriormente, é preciso que se considere o
“(...) respeito à garantia dos direitos (...) Porque quando se garante direitos, você
está olhando para o ser humano com o respeito que ele merece (...)”.
95
Acreditamos então que é, desta maneira que o profissional pode
construir suas práticas cotidianas de modo que lhe permita reflexões e ações
consistentes e críticas. Entretanto, nos é claro que estar inserido em uma
instituição que tem como característica ser “total”, o rompimento/enfrentamento
das ações rotineiras e condicionantes se torna ainda mais desgastante.
Instituição Total X Incompletude Institucional
A partir do breve histórico realizado no Capítulo I, referente às
instituições de atendimento às crianças e aos adolescentes que, por inúmeras
razões registraram entradas em equipamentos do tipo que ora analisamos no
contexto paulistano, - principalmente nas instituições que realizavam/realizam
atendimento de privação de liberdade -, percebemos que deveríamos apontar
nesta dissertação, ainda com base nos depoimentos, questões relacionadas à
contenção do adolescente/jovem adulto em uma instituição que iniciou e ainda de
certo modo apresenta configurações de atendimento “total”.
Conforme Goffman (2007:11):
“A instituição total pode ser definida como um local de
residência e trabalho, onde um grande número de indivíduos
com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla
por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e
formalmente administrada (...)”.
É nesse sentido que entendemos que as instituições que realizam o
acompanhamento em privação de liberdade, deva ser considerada como uma
instituição total.
Avaliamos que seja necessário realizar uma análise mais
aprofundada sobre a interferência que esse tipo de instituição provoca no sujeito
atendido, ou seja, no adolescente que está inserido em medida socioeducativa de
privação de liberdade. Sua dinâmica interna é marcada por rituais, por rotinas
96
que, seguramente, não fazem parte da vida de qualquer sujeito, que não aquele
que esteja privado de liberdade.
Goffman (op. cit.:24-28) afirma que:
“A barreira que as instituições totais colocam entre o internado
e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu (...) ao
ser admitido numa instituição total, é muito provável que o
indivíduo seja despido de sua aparência usual, bem como dos
equipamentos e serviços com os quais a mantém, o que provoca
desfiguração pessoal (...)”.
Em sua entrevista, Heloisa comenta a rotina de certos momentos da
Fundação à sua época:
“À uma hora saía o ônibus do recâmbio, e os meninos faziam
aquela fila: todos de mão para trás, todos carecas... Uma coisa
bem de campo de concentração mesmo. Quando eles
chegavam, tinham que deixar a roupa num lugar que as pessoas
chamavam de ‘pertences’. Tudo aquilo ficava num saco plástico
sujo - coisas limpas com tênis fedido - tudo amarrado num saco
plástico. E eles eram obrigados a vestir as roupas da Unidade,
que tinha um carimbo preto ‘deste tamanho’, escrito UAP-01.
Então, todos eles usavam o mesmo tipo de roupa, todos de
chinelo, todos de cabeça raspada e, sempre, todos com a mão
para trás”.
Apesar da medida socioeducativa ter um caráter sancionatório –
haja vista o cometimento de um ato infracional – de forma alguma pode
apresentar práticas que sejam contrárias ao desenvolvimento do adolescente e/ou
à sua dignidade.
Contudo, é fato que a institucionalização e, conseqüentemente, os
rituais que dela “fazem parte”, são impactantes ao adolescente. Vestir uma roupa
que não é sua, que não foi por ele escolhida; não poder deixar o cabelo ao seu
modo; estar restrito a espaços físicos determinados; dormir e acordar (apesar de
97
ser educativo) em horários pré-estabelecidos, na companhia de pessoas
desconhecidas, são questões que podem ser compreendidas inicialmente como
uma forma de inserir o adolescente na instituição que tem rituais como uma
forma de organização e controle, mas que muitas vezes provoca um
estranhamento do jovem e um cerceamento do desenvolvimento de sua própria
identidade.
É fato que há necessidade de haver normas claras e procedimentos
que façam com que os adolescentes, a partir de sua história de vida, percebam o
que os levou a tal realização, bem como que busquem novos rumos, novas
perspectivas. Porém, sempre de uma maneira que lhes permita sentir-se parte de
um contexto social mais extenso do que o espaço em que estão confinados.
Se se indagar sobre: o que seria mais perverso do que estar privado
de liberdade? Talvez a resposta seja: é estar privado de liberdade e ainda contar
com um atendimento que não contribua para seu desenvolvimento enquanto
cidadão.
A superação dessa característica de instituição total não tem sido
tão simples. Conforme mencionamos no Capítulo I, as instituições de
atendimento ao adolescente que infracionou, tiveram formas de intervenção de
acordo com o regime político da época e ainda com a garantia dos interesses de
uma camada considerada privilegiada da sociedade (o Estado e a classe
dominante). Apesar das instituições já apresentarem um caráter “total”, tinham
também como parte da metodologia de atendimento, o uso de recursos como a
repressão e a submissão. Trata-se, então, de um contexto histórico-institucional
que não se consegue romper bruscamente.
Há algum tempo já se forjou um princípio operativo valorizando a
incompletude institucional. Desde então, tem havido movimentos/“brechas” para
mudanças, sendo um dos exemplos, atendimentos que buscam recursos para que
os adolescentes possam, cada vez mais, utilizar o que existe na
comunidade/sociedade.
Desta forma, hoje, compreendemos que não é somente a Fundação
CASA que deva oferecer e garantir o atendimento de qualidade ao adolescente
98
autor de ato infracional e que a sociedade e as instituições também estão
implicadas neste processo - uma vez que o adolescente é um sujeito de direitos,
direitos esses garantidos constitucionalmente. Assim, este adolescente que por
algum infortúnio cumpre medida socioeducativa, tem o direito de acessar a rede
de atendimento sócio-assistencial, não mais dependendo única e exclusivamente
de recursos de saúde, de educação profissional, cultural, entre outros, da própria
Fundação.
De acordo coma produção de Baptista (2000) a incompletude
institucional pode ser entendida da seguinte forma:
“(...) pela negação da completude, o que significa partir da
premissa de que a instituição é incompleta e só pode se tornar
suficiente mediante a integração, troca e interação com outras
organizações. Com essa perspectiva passa a considerar a
incompletude institucional como um princípio norteador da
ação, que deve estimular o movimento de busca interativa e
construtiva de integração entre organizações governamentais e
não governamentais responsáveis pelas políticas e pelas ações
na área”.
Baptista, nesta mesma obra, ainda chama a atenção para a
responsabilidade da rede sócio-assistencial, a qual necessita da articulação
“(...) de um conjunto amplo e dinâmico de organizações, com
expectativas e interesses convergentes, que realizam ações
complementares em um processo unitário e coerente de
decisões, estratégias e esforços. Essa articulação em rede inclui,
como componentes necessários, além de programas
especializados na área – constituídos por ações próprias do
poder judiciário e do poder executivo, os programas de
proteção, de defesa e de execução das medidas socioeducativas
-, as ações decorrentes das políticas sociais básicas – educação,
saúde, assistência social – e os programas de defesa, de auxílio,
de socialização, de prevenção, de terapia e de apoio ao
adolescente infrator, de orientação e promoção das famílias e de
99
mobilização dos recursos da comunidade, que contribuem para
o atendimento aos jovens em conflito com a lei”.
Percebemos que o recurso da busca de atendimento extra Fundação
também aparece nos depoimentos, sendo que Heloisa, já utilizava, quando de sua
atuação na Fundação, de recursos da comunidade. Um exemplo foi o
atendimento à saúde do adolescente. Verbaliza como levou um adolescente ao
uso de recursos externos à Fundação, uma vez que, este havia perdido a visão,
anterior ao seu registro na Fundação. Refere:
“(...) eu resolvi lutar por ele, e arrumei inclusive oftalmologista
para avaliação, tudo fora da Fundação. Fui levando,
requisitando carro. Levei-o no H.C. - Hospital das Clínicas (...).
E eu consegui tirar o moleque de lá. Ele teve a medida
suspensa, porque ficou comprovada a sua cegueira, - inclusive,
consegui da Organização Mundial da Saúde critérios de
diagnóstico do que era cegueira: busquei médico particular
(...)”.
Pontua ainda que quando diretora de uma Unidade, em um
determinado momento da medida, os jovens, “(...) já faziam tudo fora [da
Unidade]. Eles já não faziam mais nada dentro da Unidade, a não ser dormir e
cuidar da Unidade. Eles arrumavam trabalho, ou nós arrumávamos trabalho para
eles (...)”. Conta também do desenvolvimento de atividades culturais externas à
FEBEM e em um outro bairro que não o da unidade em que viviam: “A gente
conseguiu inclusive ter um programa numa rádio comunitária do Jabaquara.
Eram os meninos que nos ajudavam a fazer o programa. Era muito divertido. Por
que a gente saía, enchia o carro de moleque e ia para a rádio fazer o programa...
Era um trabalho diferente. Eles se sentiam diferenciados”.
Utilizou também, muitos recursos em prol da melhoria para a
Unidade, através de doações, uma vez que conforme a profissional “(...) poucas
coisas eram feitas por meio da própria Instituição (...)”.
100
A questão da complementação externa para a ação da instituição
também foi apontada no depoimento de Magali, que teve oportunidade de dirigir
além de Unidades da gestão plena, uma Unidade de gestão compartilhada21. Ela
verbaliza que a experiência de vivenciar uma administração compartilhada foi
deveras valiosa:
“Um outro trabalho mais fácil, no sentido de envolver o menino
com a comunidade, de trazer a comunidade para dentro da
Unidade. Essa experiência para mim foi maravilhosa, porque
antes a gente tinha essa coisa só de instituição total, que tudo
estava ali. Saímos da vivência do Complexo, e fomos para uma
Unidade menor, que tinha meninos daquela região. Precisamos
fazer contatos na comunidade e, na medida em que fomos
trazendo a comunidade para dentro, conseguimos levar mais
fácil os meninos para fora”.
Frente a essas questões, embora a importância de se legitimar a
incompletude institucional, recorrendo então, aos atendimentos externos,
ressaltamos que cada qual, seja a Instituição, sejam os recursos da rede, tem uma
parcela de responsabilidade neste atendimento ao adolescente que cumpre
medida socioeducativa, e que de maneira alguma esta parcela poderá substituída.
Resistência e Superação
Mediante esse formato de instituição total e a posterior discussão
sobre a importância “negação da completude”, podemos avaliar o quanto este
movimento, da busca de recursos externos foi e continua sendo um processo de
enfrentamento. Enfrentamento das questões políticas e sociais, em um sentido
intra e extra institucional.
Desta forma, ao longo dos depoimentos, pudemos verificar o quão
árduo foi realizar um enfrentamento/resistência a tudo o que estava - e de algum
modo permanece - institucionalmente instalado, partindo da questão da violência,
21 Questões essas abordadas no Capítulo I.
101
historicamente existente na Fundação, ao conformismo dos profissionais que
atuavam/atuam com os adolescentes.
Nos é evidente que não há como realizar um enfrentamento de
modo isolado. Há necessidade de que um coletivo se manifeste em favor de uma
causa, de um ideal.
Percebemos também, o quão importante é ter um sentido e uma
direcionalidade (Martinelli: s/d) nas ações profissionais que serão adotadas na
direção do enfrentamento e da superação, pois, estas
“(...) demandam um permanente movimento de
construção/reconstrução crítica, pois projetos ético-políticos e
práticas profissionais devem pulsar com o tempo e com o
movimento (...)” (Martinelli: s/d).
Verificamos nos apontamentos das entrevistadas os movimentos de
resistência com os quais realizaram sua busca de garantia da qualidade de
atendimento aos adolescentes, a começar pelo atendimento individual. Heloisa
refere, que no atendimento que realizava:
“(...) não exigia que eles ficassem com a mão para trás. Se eles
pedissem, eu fechava a porta. Eu comecei a perceber que eu
precisava ter uma conversa mais próxima com os pais. E então
eu comecei a mudar um pouco a minha forma de trabalhar com
eles. Eu fui muito criticada por isso, inclusive pela direção. Eles
diziam que eu ‘passava a mão’ na ‘cabeça de bandido’ (...)”.
Construir uma metodologia de trabalho alternativa, conforme
apontado por Heloisa, também pode ser uma forma de resistência, uma vez que
há intencionalidades quanto à prática desenvolvida, principalmente no sentido de
ver e tratar o adolescente e sua família como sujeitos de direito.
Ainda, conforme Heloisa, ela e sua equipe criaram “uma
metodologia de acolhida”:
102
“(...) uma metodologia de intervenção com os meninos que deu
certo. Já começava da forma como os meninos chegavam na
Unidade, porque eu ia selecionar as pastas deles (...). Eu subia
para selecionar, chamava os meninos, e eles desciam a pé
comigo, sem a mão para trás, cada um segurando seus
pertences. E eu dizia para eles: ‘Isso é uma relação de
confiança (...)’”.
Com a metodologia adotada por ela e sua equipe, relata que sofreu
resistências e críticas de profissionais de outras Unidades, e que mesmo dentro de
sua equipe, teve que trocar alguns servidores, pois, não acreditavam no trabalho
conduzido desta maneira, haja vista, o estranhamento no trato com os
adolescentes, considerando que este (o trabalho) nas demais Unidades, não era
costumeiramente realizado de forma acolhedora, tampouco baseado na confiança.
Magali em sua fala também nos deixa claro que, engendrou a um
movimento de resistência, diante do que vivenciou quanto o trato ao adolescente
e de uns com os outros, ao chegar na Fundação. Pontua-nos que
“foi um momento de extrema violência: um momento de
violência por parte dos funcionários e, depois, um outro
momento de violência dos meninos, entre eles: houve ainda um
momento de violência dos meninos em relação aos
funcionários. Nesse sentido, o tempo inteiro nós tivemos que
lidar com a violência, que não era só física, uma vez que a
violência psíquica às vezes também se estabelece”.
Diante essa situação, Magali refletia sobre qual era o seu papel
diante deste contexto: “(...) eu tenho uma obrigação ética de fazer alguma coisa
por isso”. Começou então, a fazer uma frente a essa violência:
“Inicialmente as pessoas diziam: ‘Olha faça denúncia fora...’. E
muitas pessoas foram por esse caminho de fazer a denúncia
fora. Eu comecei a perceber que essas pessoas iam sendo
tiradas dos lugares. E aí eu pensei: eu não vou conseguir fazer
103
frente a isso se eu não estiver no meio disso. Assim, comecei a
fazer frente. Sempre que aparecia uma questão de violência, eu
discutia com o profissional, com o funcionário que fez aquilo.
A princípio, as direções não me deixavam fazer isso. Não é que
não deixavam declaradamente, existia toda uma coisa que
permeava as relações para você não chegar na verdade, na
pessoa. Nós fomos fazendo muitas discussões dentro da
Instituição para garantir [um] encontro. A garantia desse
encontro já colocava as pessoas em xeque. Não era colocar em
xeque para dizer: ‘Você está errado e eu estou certa, e eu estou
aqui só protegendo o menino’, mas era para mostrar para essa
pessoa o que isso causava também nela e o que causava no
menino - para ela enxergar o menino como uma pessoa, não
como um número. Nós fomos conseguindo mostrar para os
funcionários que a violência era também contra eles. Nós fomos
falando do que isso podia provocar na vida dele juridicamente,
e fomos mostrando como é que ele se via nessa cena, o que isso
provocava nele, o que isso provocava no outro, o que ele gerava
no menino. Porque ele não gerava submissão, gerava ódio.
Talvez gerasse uma sujeição àquela situação, mas gerava, em
seguida, rebeliões, e muita violência da parte do menino contra
ele, pois ele estava alimentando esse sentimento. Na medida em
que a gente foi conseguindo entrar, eu percebi que paravam de
bater nos meninos que eu atendia. Isso me chamou atenção.
Pensei então: se é possível que esses meninos não estejam
passando por isso, então eu precisava cutucar os meus colegas
que estavam acomodados. E aí eu comecei a fazer discussões
dentro da equipe, a questionar o posicionamento dos colegas
quando isso acontecia, se eles não tomavam providências. A
gente foi conseguindo fazer isso de uma forma que as pessoas
não se sentissem que estavam sendo atacadas”.
Nesse enfrentamento, Magali privilegiou realizar discussões dentro
da Instituição, com sua própria equipe, buscando sensibilizar os servidores sobre
as conseqüências da violência, não apenas para os jovens, mas também para eles
próprios.
104
Esses depoimentos deixaram claro que, para fazer um
enfrentamento das questões de violência, ou de sujeição do ser humano, há que
se ter, além de uma convicção, um posicionamento, uma equipe de trabalho
(coletivo) que também acredite nisso.
Heloisa salienta que “(...) você não faz nada se não for um consenso
de equipe... (...). Se não valorizar as pessoas que trabalham com você, pode
esquecer, porque não vai ter resultado nenhum”.
Temos conhecimento de que esta equipe muitas vezes é submetida
a pressões, que sofre discriminações caso vá na contra-mão do que esta posto,
pois, conforme Magali “(...) precisou de muito para conseguir sobreviver à
pressão do grupo [demais servidores de outras Unidades]. Os funcionários
contavam com uma questão muito forte da pressão por um lado e do apoio e
estabilidade de outro”. Heloisa acrescenta: “(...) tínhamos uma ação muito forte
em cima dos próprios profissionais que trabalhavam conosco, que sofriam
pressão na mão das outras Unidades, tínhamos também um constante trabalho de
valorização do que eles faziam...”.
Verificamos que alguns resultados que nos indicam a superação
frente a esses movimentos de resistência, apresentam a sensibilização da equipe
de trabalho como estratégia para que não permaneça em uma postura
conformista, a discussão sobre os direitos e a apreensão do adolescente como um
sujeito de direitos. Apresentam também a necessidade do reconhecimento, seja
por parte dos adolescentes, seja por parte dos próprios servidores, de validade do
trabalho desenvolvido na Unidade.
Destacamos então, falas das profissionais que elucidam tais
questões. Diz-nos Magali:
“A UI-13 era uma Unidade do circuito grave, onde aconteceram
grandes rebeliões. A Unidade já começou a não participar das
rebeliões. Eram coisas que talvez as pessoas de fora nem
conseguissem enxergar – o por quê da Unidade não estar
participando. A gente tinha clareza do por que os meninos já
não estavam se envolvendo. Não fazia sentido para eles
105
fazerem rebelião se eles estavam sendo tratados com dignidade
e com respeito. Eles iam se rebelar contra quem? Contra a
privação de liberdade? Aí fazia mais sentido tentar fugir do que
se rebelar”.
Pontua ainda que quando era diretora de uma determinada Unidade,
“os meninos de outras Unidades queriam ir para a nossa, por que eles se
encontravam na escola, no campo de futebol [do Complexo do Tatuapé], e os
nossos meninos diziam que lá era diferente”, e que isso contribuiu para um
movimento de enfrentamento e mudança da metodologia de trabalho de outras
Unidades.
No tocante à questão dos servidores, Magali também salienta uma
situação na qual chegou a receber uma ligação telefônica da esposa de um
servidor que questionou:
“ ‘Olha o que vocês fizeram com o meu marido?... porque ele
bebia, era nervoso, e depois que ele está trabalhando com
vocês, ele está vindo tranqüilo para a casa’. Nós começamos a
ter retorno da família dos próprios funcionários. E isso
fortalecia os funcionários para a ação. Por outro lado,
incomodava todas as outras Unidades”.
Relata que em um outro momento, quando começou a se instituir
na Fundação uma organização entre os adolescentes, mais parecida com uma
dinâmica de presídio, ela juntamente com sua equipe conseguiram fazer um
enfrentamento disso:
“(...) nós conseguimos manter uma relação de respeito com os
meninos, por mais que eles tenham sofrido a pressão do grupo
para entrar nas rebeliões (...) mesmo os meninos sendo
pressionados [por outros adolescentes das Unidades vizinhas],
conseguimos, com todo mundo indo junto e falando... Os
meninos também não conseguiam não respeitar a gente, mesmo
106
quando, em alguns momentos, precisávamos ser duros em
relação ao que se tinha por ali (...)”.
Heloisa também traz contribuições neste sentido, referindo a
resultados com os jovens que cumpriam medida na Unidade que dirigia. Assim,
recorda:
“Nós tivemos um episódio dentro da UE-18 que me marcou
muito – foi quando eu vi o quanto era importante aquela
Unidade na vida daqueles meninos. Nós tivemos uma rebelião
enorme, na qual todas as Unidades ‘viraram’, e eles acabaram
destruindo tudo, foi uma ‘zona’. A única Unidade que ficou
intacta foi a nossa. Por que os outros meninos não entraram e os
nossos não saíram. E nós estávamos lá com eles. E eles
falavam: ‘vocês podem ficar sossegados que nós estamos aqui
para proteger vocês’. E era uma cerca de galinheiro que tinha
para proteger a Unidade. O Complexo inteiro foi destruído,
menos a gente. Não teve uma tela fora do lugar, não teve um
portão fora, nada, nada, nada (...)”.
Diz-nos também:
“(...) ainda converso com muitos deles, ainda tem muitos que
falam comigo, que são dessa época e que nós pusemos no
trabalho, e que trabalham na mesma empresa até hoje (...)”.
Recorda a assistente social, que quando diretora da Unidade, muitos
meninos que ainda estavam na Unidade de Atendimento Provisório – UAP,
queriam ir para a unidade que dirigia, a UE-18. “(...) Ninguém queria ir para
outro lugar (...)”.
Percebemos nas experiências relatadas pelas profissionais, a
importância do vínculo que se estabelece com o adolescente, uma vez que em
nenhum momento as relações parecem reificadas, sendo que as intervenções
107
passam a ter um sentido para o adolescente em virtude deste se sentir
reconhecido em sua singularidade.
Heloisa nos apontou que embora tivessem alguns problemas no
cotidiano, a relação através do vínculo prevalecia:
“(...) os problemas eram muito pequenos em relação ao número
de meninos que tínhamos lá dentro. Quando tínhamos alguma
fuga... quando o menino tinha um envolvimento com ‘crack’
muito forte, por mais tempo que ele passasse privado de
liberdade, chegava uma hora que dava mesmo aquela ‘fissura’ e
eles acabavam fugindo. Mas nós mesmos íamos atrás, não
importava aonde ele morasse; se fosse no interior, se fosse em
São Paulo, íamos atrás e entravamos em contato com a família
... demorava dias, até que conseguíamos trazê-lo de volta, antes
de comunicar ao Juiz de que ele havia fugido. Era uma relação
vincular mesmo, na qual a gente já estabelecia pactos, e eles
tinham uma grade de pontuação - de atribuição de pontos
mesmo. Então, para eles era muito bom, quando eles
conseguiam mudar de uma casa para a outra. E era muito ruim
quando eles regrediam, porque isso também podia acontecer,
dependendo do que fizessem, dependendo de briga que
tivessem, da falta de respeito... O que era muito importante para
nós, era trabalhar por meio da presença atenta (...)”..
Magali também refere à relação dos jovens que eram atendidos pela
equipe da Unidade que dirigia pontuando que:
“(...) Eles [os adolescentes] falavam do nosso trabalho e da
gente com afeto (...) nós paramos de ser só aqueles que
cuidavam da privação de liberdade, e passamos a ser referência
também de afeto – sem misturar as coisas, o afeto no sentido do
vínculo do cliente e do terapeuta. Desenvolvíamos uma relação
profissional com o menino, mas uma relação afetiva num
ambiente estável”.
108
Além da importância do vínculo estabelecido entre a equipe e o
adolescente atendido, consideramos também, a necessidade de um projeto
político-pedagógico norteador das ações profissionais na Instituição, para que os
direitos dos adolescentes sejam garantidos não somente pelos profissionais que
tenham a clareza de suas práticas, mas também por todos aqueles que lidam com
eles.
Para isso, segundo Magali é preciso que:
“(...) o primeiro conceito é (...) ter a referência da incompletude
institucional, é ter a referência do adolescente ser protagonista
nesse contexto, por que a juventude tem que ser protagonista no
mundo hoje (...). Na proposta dos projetos político-
pedagógicos, em todo o tempo tem que estar contemplada a
questão da inclusão (...) nos equipamentos lá de fora. Isso é
obrigação. Eu acho que nós temos obrigação de influenciar as
políticas públicas. E aí eu acho que a Instituição tem que sair de
trás dos muros e participar das discussões com a rede de
atendimento” Uma outra questão apontada é a importância da
garantia de que haja uma “(...) formação continuada dos
profissionais (...)”, qualificando desta forma o trabalho
desenvolvido.
Heloisa acredita que para se ter um projeto político-pedagógico é
importante ter:
“(...) uma metodologia clara. De buscar reflexões teóricas que
possam dar subsídios para o trabalho com essa metodologia e
sempre ir aprimorando... de respeitar, de ter respeito pela
pessoa humana que está com você”.
Acrescenta ainda que, nas práticas desenvolvidas por sua equipe,
sob seu comando, “tudo tinha um caráter pedagógico na ação”.
Magali, que continua trabalhando na Fundação, enquanto gestora,
ressalta a importância de fazer um enfrentamento não somente contra a questão
109
da violência, mas também, contra a questão do conformismo, da apatia, e que
uma das estratégias que ela e sua equipe encontraram foi de realizar uma “(...)
Jornada de Discussões, envolvendo todo mundo, de todos os setores, fazendo
com que as equipes tenham que apresentar os temas [relacionados a questões
pertinentes tanto à medida socioeducativa; como o SINASE, Regimento Interno
da Fundação, Planos Pedagógicos, de Saúde, de Segurança, entre outros, como
para questões que transcendem esses assuntos, como SUAS, Saúde Mental e
Drogas, Adolescência...]. Isso faz com que as pessoas estudem, pesquisem e
tenham que conversar minimamente entre si (...)”.
Conforme Kameyama (1981:149):
“(...) existe uma multiplicidade de práticas possíveis na linha do
‘aproveitar as brechas’, ‘ocupar os espaços’ que devem ser
analisadas em profundidade dentro do contexto e da conjuntura
política que determinam as relações de poder entre a Direção da
Instituição, os agentes funcionais (...) e a clientela”.
Desta forma, a partir dos depoimentos, verificamos o quanto é
possível realizar práticas inovadoras, que permitam o crescimento do adolescente
e da equipe de trabalho, em uma perspectiva de emancipação e de garantia de
direitos. Acreditamos que mediante o conhecimento teórico-científico, prático-
operativo e ético-político é que se consegue fazer o enfrentamento aproveitando
as “brechas” que se encontram, para realizar o trabalho de modo efetivo.
110
Considerações Finais
A dissertação realizada teve por base, além das discussões teóricas,
os dados fornecidos nos depoimentos, sobre as experiências de duas
profissionais, de formações acadêmicas diversas – uma assistente social e uma
psicóloga – que trabalhou/trabalha em instituição de atendimento em medida
socioeducativa de privação de liberdade a adolescentes que cometeram ato
infracional.
A análise desses dados nos mostrou o quanto as intervenções
qualificadas têm importância na vida dos sujeitos que são atendidos. Isto é ainda
mais significativo se consideramos a peculiaridade da adolescência, fase de pleno
desenvolvimento, de formação de personalidades e de construção de perspectivas
para a vida futura.
O fato de termos realizado entrevista com uma profissional que não
mais faz parte do quadro funcional da Fundação e com outra que ainda
permanece, e, as mesmas terem trabalhado em diferentes momentos da
Fundação, não significa que as suas práticas profissionais/as suas ações e as suas
perspectivas de resistência e de superação não possam fazer parte de um mesmo
acervo de conhecimentos. Pelos seus depoimentos ficou claro que uma prática
cotidiana, no sentido da resistência e da superação precisa ser realizada a partir
de objetivos claros, de uma metodologia de trabalho coerente a esses objetivos e,
ainda, contar com um posicionamento ético-político, um aporte teórico-científico
e prático-operativo que dêem suporte às suas ações.
Assim, acreditamos que cabe a cada profissional que trabalhe com
medidas socioeducativas, implicado em um projeto ético-político, buscar cada
vez mais as “brechas”/as possibilidades de executar sua prática de forma a
romper as barreiras institucionais - e as suas próprias - para oferecer um
atendimento efetivo ao adolescente.
111
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