Cristian Schweitzer de Oliveira
Caracterização por Microscopia de Força Atômica de
Camadas Lipídicas Imobilizadas em Superfícies
Florianópolis Agosto de 2007
Universidade Federal de Santa Catarina Curso de Pós-Graduação em Física
Centro de Ciências Físicas e Matemáticas Departamento de Física
Caracterização por Microscopia de Força Atômica de
Camadas Lipídicas Imobilizadas em Superfícies
Cristian Schweitzer de Oliveira Mestrando
André Avelino Pasa
Orientador
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Física da Universidade Federal de Santa Catarina, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Física.
Florianópolis Agosto de 2007
“Prefiro ser esta
metamorfose ambulante do
que ter aquela velha opinião
formada sobre tudo.”
(Raul Seixas)
(“Raulzito!”)
Índice
AGRADECIMENTO
RESUMO
ABSTRACT
1 . Objetivos
1.1. Objetivos Gerais
1.2. Objetivos Específicos
1
2. Introdução e Revisão Bibliográfica
2.1.Membranas Celulares: Funções, Propriedades, Composição e Estados
Físicos
2
2.2. Modelos de Membranas Biológicas 8
2.2.1. Técnicas de Preparação de Membranas Imobilizadas 12
2.2.2. Técnicas e Caracterização para Membranas Imobilizadas 13
2.3 Microscópio de Força Atômica 14
3 . Procedimentos e Técnicas Experimentais
3.1. Preparação dos Substratos
3.1.1. Mica
3.1.2. Silício
21
3.2. Reagentes, Solventes e Fosfolipídio Utilizado 22
3.3. Preparação dos Filmes Lipídicos
3.3.1. Formação de Filmes por Espalhamento de Vesículas
Lipídicas (Lipossomas) – Fusão de Vesículas
3.3.1.1. Preparação das Vesículas ou Lipossomas
23
3.3.1.2. Deposição das Vesículas sobre os Substratos 24
3.3.2. Formação de Filmes por Espalhamento de Solução
Orgânica – “Casting”
3.3.3. Formação de Filmes Lipídicos por “Spin-Coating”
25
3.4. Caracterização por AFM 27
3.4.1. Célula Líquida do AFM 28
3.4.2. Método de Hidratação das Amostras 29
3.4.3. Controle para Atmosfera de Trabalho 30
4 . Apresentação e Discussão dos Resultados
4.1. Análise dos Substratos Utilizados 31
4.2. Análise dos Filmes Lipídicos Formados por Fusão de Vesículas 34
4.3. Análise dos Filmes Lipídicos Formados por “Spin-Coating” 36
4.3.1. Transição de Fase do DMPC 39
4.4. Análise dos Filmes Lipídicos Formados por Simples Espalhamento
de Solução Orgânica – “Casting”
4.4.1. Mica
42
4.4.2. Silício Hidrofílico (SiO2)
4.4.2.1. Soluções Lipídicas em Isopropanol 45
4.4.2.2. Soluções Lipídicas em Clorofórmio
4.4.2.2.1. 20µl de Solução Gotejada 49
4.4.2.2.2. 100µl de Solução Gotejada 51
4.4.3. Silício Hidrofóbico (Si-H)
4.4.3.1. 20µl de Solução Gotejada 53
4.4.3.2. 100µl de Solução Gotejada 57
4.5. Discussão Geral 59
5 . Conclusão 61
6 . Perspectivas 63
7 . Referências Bibliográficas 64
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer à pessoa sem a qual este trabalho talvez não
chegasse ao fim. Por acreditar em mim, por me apoiar, por ajudar sempre que
necessário, por oferecer consolo nos piores momentos, por me ouvir, por me amar,
agradeço a minha noiva Liziane por estar ao meu lado. Te amo!
À meu pai e minha mãe pela educação recebida e por toda ajuda que puderam oferecer
durante não só a realização deste trabalho como ao longo de minha vida.
À minha irmã Caroline pelo apoio dado no início deste trabalho, por me ouvir e
aconselhar nos momentos de necessidade. Obrigado Carol!
À minha irmã Catiúsca por seu exemplo enquanto mãe e profissional, além de sempre
estar disposta e preocupada em me ajudar.
À toda minha família especialmente aos avós Amilton, Hildegard e Walmorina pelos
conselhos, apoio, carinho e etc. Agradeço especialmente ao vô Vilon por seu exemplo e
ensinamentos eternamente vivos na minha memória.
À tia Zaira por ajudar não só a mim como também a minha família num momento
crítico deste trabalho.
À minha amiga Margareth (Mag) que considero como uma irmã, por apoiar e ajudar a
mim e minha família com toda sua paciência e apoio. Obrigado Mag!
À meu orientador Prof. André Avelino Pasa, pela oportunidade de realizar este trabalho,
pelos ensinamentos, paciência, conselhos, parceria, por ter confiado em mim, ......
Obrigado chefe!
À Profa. Tânia Beatriz Creczynski Pasa pela orientação, pelos conselhos, por elogiar
minhas imagens de AFM.......Obrigado!
Ao agora Prof. Maximiliano Luiz Munford, da Universidade Federal de Viçosa pelos
ensinamentos sobre a microscopia de força atômica e tudo mais sobre deposição e
caracterização de lipídios.
Aos colegas de laboratório Vinícius e Ricardo por me ajudarem sempre que
requisitados. Sem a ajuda de vocês as coisas teriam sido muito mais complicadas, valeu!
À colega de pesquisa Vânia por estar sempre disposta a me ajudar e tirar minhas
dúvidas.
Aos amigos Dorico, René e Rose, Rafael e Louise, Zanchinho, Pio, pelos bons
momentos em torno de uma mesa de bar (além da ajuda na hora da cantoria).
Aos colegas de laboratório e amigos Vagner, Clodoaldo, Joaquim, Marília, Joãozinho e
Alexandre, pelos momentos de descontração na hora do trabalho.
À um amigo mais que especial que sempre agradecerei por ter me ajudado, não só
profissionalmente, como também pessoalmente. Obrigado Leônidas!
Aos amigos Rônei, Liliane, Amauri e Jader pela mais que parceria.
Às eternas amigas Menegon e Michele, nunca esquecerei de todo apoio que me deram
em um dos momentos mais complicados da minha vida.
Aos colegas de estudo Estevan, George e Antônio, pela ajudada extremamente
importante no início do mestrado.
À Patricia, Nortenha, Bohemia, Brahma Extra, Kaiser Gold, Original........ por tornarem
meus momentos de lazer mais prazerosos.
À todos que de uma forma ou outra contribuíram para a realização deste trabalho.
Amigos de infância, amigos de curso, amigos de república, professores, amigos de
trabalho, aos amigos distantes, até mesmo aqueles que torceram e fizeram para que este
sonho não se realizasse, pois, deram-me ainda mais motivos para a complementação
desta obra.
À CAPES pelo auxílio financeiro.
RESUMO
Neste trabalho foram preparados filmes lipídicos de DMPC (1,2-dimiristil-
fosfatidilcolina) em substratos de mica, silício hidrofóbico e silício hidrofílico, com a
finalidade de sintetizar estruturas que mimetizem membranas biológicas. As técnicas
empregadas na preparação dos filmes foram fusão de vesículas lipídicas, espalhamento
de solução orgânica por centrifugação (“spin-coating”), e automontagem por
evaporação de solvente (“casting”), sendo que somente a última foi realizada nos três
tipos de substratos. Os solventes utilizados para dissolver os lipídios foram isopropanol
e clorofórmio. A caracterização estrutural e morfológica dos filmes foi realizada por
análise topográfica de imagens obtidas por microscopia de força atômica (AFM). As
amostras com e sem hidratação por vapor de água foram investigadas em ambiente
controlado por fluxo constante de gás nitrogênio (ex-situ). Também foram realizadas
imagens com hidratação total dos filmes por completa imersão das amostras em solução
fisiológica (in-situ). Superfícies com degraus da ordem de 5 nm, característicos de
bicamadas lipídicas, foram observadas principalmente em substratos hidrofílicos, com a
formação ou não de estruturas multilamelares.
ABSTRACT
In this work it has been prepared lipid films of DMPC (1,2-dimyristoyl-sn-
glycero-3-phosphocholine) were prepared on mica, hydrophobic silicon, and
hydrophilic silicon substrates, with the purpose of fabricating structures that mimic the
biological membranes. The techniques used for the preparation of the lipid layers were
vesicle fusion, spin-coating and casting. The solvents used for the dissolution of the
lipids were isopropanol and chloroform. The morphologic characterization of the
deposits was performed by acquiring atomic force microscopy (AFM) images of the
surfaces. The images of samples with and without hydration in water vapor were taken
in a chamber with controlled atmosphere and constant flux of nitrogen gas. This
measuring condition is named ex-situ. In-situ experiments were also carried out by
imaging the lipid films immersed in a physiologic solution. As a general result, surfaces
with step heights of 5 nm, typical of lipid bilayers, were observed on samples prepared
on hydrophilic substrates, being observed also the formation of multilayer structures.
1
1 – OBJETIVOS
1.1 – Objetivos gerais
Este trabalho tem como objetivo a caracterização de camadas lipídicas
imobilizadas em substratos, utilizadas como modelo de membranas biológicas, através
do uso da microscopia de força atômica em atmosfera controlada e em solução aquosa.
Os experimentos realizados visam elucidar os aspectos importantes da morfologia das
camadas lipídicas sustentadas, em função da técnica de preparação das estruturas.
1.2 – Objetivos específicos
Preparar camadas lipídicas em substratos de mica e de silício,
Preparar camadas lipídicas pelas técnicas de automontagem por evaporação do
solvente, por centrifugação, e por fusão de vesículas,
Testar diferentes concentrações de lipídios e os solventes isopropanol e clorofórmio
para solubilizar os lipídios,
Determinar a topografia das camadas lipídicas por microscopia de força atômica,
Analisar o comportamento da estrutura das camadas lipídicas quando submetidas a
hidratação por vapor de água ou imersão em meio líquido.
2
2 – INTRODUÇÃO E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 - MEMBRANAS CELULARES: FUNÇÕES, PROPRIEDADES,
COMPOSIÇÃO E ESTADO FÍSICO
A membrana plasmática de organismos vivos incluindo as células eucarióticas
vegetais e animais, tem como papel fundamental a individualização de cada unidade
celular. É responsável também pelo controle rigoroso do transporte de substâncias entre
os meios intra e extracelulares, sendo permeável as substâncias lipossolúveis e
impermeável aos íons e moléculas polares, além de sustentar proteínas, que atuam na
retenção e transporte de substâncias 1,2-6.
A composição das membranas é determinante para o cumprimento de suas
funções. A sua estrutura é resistente, porém flexível7, o que permite crescimento,
locomoção e fusão celular 1,8,9. Além disso, a membrana tem a capacidade de englobar
substâncias para absorvê-las ou expulsá-las, em processos denominados de endocitose e
exocitose, respectivamente, e apresenta uma importante propriedade que é a de auto-
regeneração1,4-6.
Conforme pode ser observado na Figura 1, as membranas biológicas são
compostas de diferentes estruturas protéicas, inseridas integral ou perifericamente em
uma bicamada lipídica. Existem cerca de 5×106 moléculas de lipídio em uma área de 1
µm2 de bicamada1,3.
Figura1: Ilustração de uma membrana celular 1.
3
O comportamento dos lipídios em relação à água é determinante para a formação
da estrutura da bicamada lipídica da membrana celular, cuja espessura varia de 5nm a
8nm1,3. Na Figura 2 é representado o comportamento diferenciado dos lipídios
dependendo da região de sua estrutura que está em contato com água.
Monocamada Bicamada
Interface água/águaInterface ar/água
Figura 2: Ilustração da montagem molecular dos lipídios em interface ar/água e água/água.
Observam-se as interações hidrofílica e hidrofóbica, entre a parte polar do
lipídio (“cabeça”) e apolar do lipídio (“calda”), com a água, respectivamente. Outra
característica importante é que os lipídios são insolúveis em água e solúveis em
solventes orgânicos, como etanol, isopropanol, éter, clorofórmio e benzeno5,6.
Os lipídios têm a natureza de ésteres, pois são formados pela combinação de
ácidos graxos com álcoois. Ácidos graxos são ácidos orgânicos (ácidos carboxílicos)
que possuem longas cadeias de carbono, variando entre 4 e 36 átomos de carbonos.
Alguns ácidos graxos são saturados, outros insaturados, como é demonstrado na Figura
3. Estes últimos contém uma ou mais ligações duplas em sua cadeia hidrocarbonada, o
que lhes permite adicionar átomos de hidrogênio na molécula1.
Figura 3: Ilustração da estrutura da molécula do (A) ácido esteárico (estearato) e do (B) ácido oléico (oleato)1.
A B
4
Existem três tipos de lipídios em uma membrana celular: glicerofosfolipídios,
compostos por dois ácidos graxos ligados a gliceróis, esfingolipídios, que são
compostos por um ácido graxo ligado e um grupo amina ligado a esfingosina; e esteróis,
caracterizados por uma cadeia fechada de quatro hidrocarbonetos. Nas Figuras 4 e 5 é
apresentada a classificação dos lipídios e a estrutura molecular do colesterol. A parte
hidrofílica destes lipídios pode ser simplesmente um grupo hidroxila (-OH) ligado a um
sistema esterol, ou algo mais complexo. Glicerofosfolipídios e esfingolipídios contém
álcoois carregados ou grupos fosfatos na extremidade de sua parte polar1,2.
Figura 4: Classificação dos lipídios1.
Figura 5: Colesterol – lipídio esterol encontrado na membrana lipídica de todos tecidos do corpo humano1.
De todos os lipídios descritos, os fosfolipídios constituem a principal classe de
lipídios na membrana, porque são os mais abundantes10. Os fosfolipídios, cuja
5
composição é apresentada na Figura 6, são pequenas moléculas lipídicas, compostas de
ácido graxo, glicerol e um grupo fosfato ligado a um álcool 2,11.
Figura 6: Representação geral de uma molécula de fosfolipídeo R1 e R2 variam de acordo com o ácido graxo presente na molécula, X pode ser diferentes álcoois (colina, glicerol, etalonamina, inositol ou serina), ligados ao grupo fosfato.
Os fosfolipídios são nomeados de acordo com o álcool presente em sua
estrutura. A fosfatidilcolina é o lipídio mais comum na membrana celular, é assim
denominado por conter a colina protonada ligada a um derivado fosfórico do glicerol.
Se estiver ligada a etalonamina protonada, então o fosfolipídio chamará
fosfatidiletanolamina e assim segue para os outros álcoois. Na Figura 7 é apresentada à
estrutura química dos fosfolipídios citados.
Figura 7: Estrutura química dos fosfolipídios fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina. As regiões em destaque na figura apresentam o que diferencia os álcoois presentes na composição dos fosfolipídios.
Embora a bicamada lipídica seja estável, os lipídios e moléculas esteróis têm
liberdade para moverem-se pela membrana. O movimento dos lipídios pode ser dividido
em duas categorias: conformacional e translacional. A conformacional descreve os
movimentos intra-moleculares como rotação ao longo do eixo, vibração metilênia
simétrica/assimétrica (“stretching”) e isomerização trans-gauche, enquanto a
translacional envolve a difusão passiva trans-bicamada (“flip-flop”), difusão lateral no
6
plano e transição de fase principal. No esquema da Figura 8 são apresentdas algumas
dinâmicas lipídicas.
Figura 8: Algumas dinâmicas lipídicas. (A) Difusão lateral no plano e difusão passiva trans-bicamada. (B) Rotação ao longo do eixo. (C) Vibração “stretch” simétrica. (D) Vibração “stretch” assimétrica.
O grau de fluidez da membrana depende da composição do lipídio e da
temperatura. Em baixas temperaturas, a movimentação dos lipídios diminui e a
membrana torna-se quase cristalina. Acima de determinada temperatura característica,
associada ao tipo de membrana, a movimentação dos lipídios torna-se muito maior1.
Os lipídios apresentam transição de fase10,12. A temperatura de transição
do estado gel ou paracristalino (Lβ) para o estado líquido cristalino ou fluídico (Lα)
depende da composição dos lipídios. Lipídios com maior concentração de ácidos
graxos saturados apresentam montagem molecular altamente ordenada,
aproximadamente cristalina, estabilizada por interações hidrofóbicas. Porém, a mistura
com ácidos graxos insaturados com ligações duplas cis entre átomos de carbono, que
não permitem a rotação entre os átomos da ligação e introduzem uma curvatura rígida
na cadeia de hidrocarbonetos (conforme observado na Figura 3) interfere na ordem da
A B
C
D
7
bicamada e na temperatura de transição de fase. Estudos revelam que lipídios com
grande concentração de ácidos graxos insaturados apresentam transição de fase numa
faixa menor que 0ºC. Nas Figuras 9 e 10 apresentam-se modelos da estrutura lipídica
com diferentes ácidos graxos e da bicamada lipídica em fases diferentes.
Figura 9: Representação da mistura de ácidos graxos saturados e insaturados1.
Figura 10: Á esquerda, bicamada lipídica no estado sólido ou paracristalino (gel); á direita, bicamada lipídica no estado fluídico (líquido)1.
8
2.2 -MODELOS DE MEMBRANAS BIOLÓGICAS
A membrana celular desempenha papel fundamental em várias funções
celulares, tais como contatos intercelulares, organização, comunicação e transporte de
substâncias13,14. Sendo a bicamada lipídica a estrutura básica das membranas biológicas,
o conhecimento da sua estrutura e propriedades é de grande importância para a
compreensão destas funções 2. Porém, a complexidade das membranas biológicas e suas
interações com os meios intra e extracelulares, dificultam a realização de uma direta
investigação15,16. Atualmente e nas últimas duas décadas vários estudos vêm
investigando formas de biomimetizar a natureza das membranas biológicas, através da
utilização de modelos2,16-18. Lipossomas8,19,20 e membranas suportadas18,21,22 são os
modelos mais comumente usados23,24.
Como neste trabalho será usado o modelo de membranas suportadas, uma breve
descrição do modelo de lipossomas será realizada e a seguir um detalhamento do
modelo de interesse.
Na Figura 11 são apresentados lipossomas e sua classificados por tamanho. Os
lipossomas são vesículas esféricas que se formam espontaneamente quando certos
fosfolipídios são dispersos em água25.
Figura 11: Classificação dos lipossomas de acordo com seu tamanho26,27.
9
A utilização de lipossomas como modelo de membranas, apresenta algumas
vantagens como a facilidade de produção e a obtenção em grandes quantidades 2,5 Uma
relevante aplicação dos lipossomas é o transporte de drogas confinadas em seu interior,
possibilitando o direcionamento na liberação de fármacos28, como por exemplo, em
tecido com tumor29. Porém, apresentam-se bastante instáveis sob armazenamento19,
possuem limitado espaço aquoso para a inserção de substâncias, não possibilitam o
acesso em ambos os lados da membrana com eletrodos2, entre outras desvantagens.
Os modelos de membranas suportadas, que consistem basicamente em
fosfolipídios estruturados desde mono30 até multicamadas31, adsorvidas em substratos
hidrofílicos (como mica32,33, silício oxidado34,35, vidro34 e ouro35) e hidrofóbicos , como
silício após remoção do óxido nativo36. São freqüentemente usados para o estudo da
estrutura e propriedades das membranas biológicas e a investigação de processos
biológicos, tais como reconhecimento celular, catálise enzimática, adesão celular e
fusão de membranas37. Apresentam uma variedade de aplicações como a
biofuncionalização de sólidos inorgânicos e materiais políméricos, a preparação de
camadas ultrafinas com resistência elétrica elevada em condutores e a incorporação de
receptores nestas camadas isolantes para o desenvolvimento de biossensores, podendo
ser feita assim a detecção elétrica e óptica do ligante inserido21,22,38-42. Uma outra
aplicação de grande destaque é a inserção de proteínas, moléculas de DNA, anticorpos e
de antígenos42-46. Porém, as membranas imobilizadas diretamente em substratos sólidos
têm a desvantagem da proximidade entre a membrana artificial e a superfície sólida na
qual é depositada. A distância membrana-substrato não é suficiente para evitar o direto
contato entre as proteínas trans-membranares incorporadas e a superfície sólida16, a
Figura 12 apresenta um modelo referente a este tipo de estrutura.
Figura 12: Representação do contato direto de proteínas inseridas em membrana e a superfície do substrato16.
O contato direto com o substrato faz com que as proteínas desnaturem ou
percam a atividade, podendo causar, por exemplo, uma resposta imune à implantes42,
10
além da perda da mobilidade lateral da proteína na bicamada47 e dos próprios lipídios
constituintes da membrana, cuja fluidez lateral é crucial para a investigação de diversos
aspectos dinâmicos das membranas biológicas16.
Vários são os esforços em aumentar o volume entre membrana e substrato,
proporcionando a formação de um ambiente que imite o meio extra-celular e o
glicocálix16,48 (camada de polissacarídeos que reveste uma célula animal externamente).
Conforme pode ser observado na Figura 13, a funcionalização da superfície do substrato
e do filme lipídico imobilizado pode ser realizada por diferentes estratégias, entre elas o
uso de lipídios sintetizados42 como os tióis-lipídios49,50 ( assim chamados por conterem
grupo bissulfeto em sua estrutura), de monocamadas compostas por espaçadores
orgânicos51 como peptídeos52 e alcanotióis53,54 de polímeros depositados entre a
membrana e a superfície 16,34,55 Há também modificações estruturais no próprio
substrato, como micro poros feitos em substratos de silício. Estes modelos, embora mais
frágeis que o modelo de camada bilipídica suportada diretamente em substrato sólido,
possibilitam o acesso a ambos os lados da membrana, oferecendo mais versatilidade e
estabilidade na composição da estrutura lipídica em cada lado da membrana, o que
possibilita a rápida adição de medicamentos, inibidores, entre outras moléculas de
interesse56.
11
Figura 13: Representação de alguns dos modelos de membranas com espaçadores. (A) polímero16, (B) alcanotiol ligado a substrato sólido suportando uma monocamada de lipídios53 e (C) tiol lipídio: estrutura e ligação ao substrato49.
(C)
(A) (B)
12
2.2.1 - TÉCNICAS DE PREPARAÇÃO DE MEMBRANAS IMOBILI ZADAS
Com o objetivo de obtere apropriadas características, grande importância vem
sendo dada à preparação das amostras de filmes lipídicos suportados. Atualmente várias
são as alternativas para a deposição de filmes em substratos sólidos, dentre elas
mencionam-se as técnicas: Langmuir-Blodget, fusão de vesículas e espalhamento de
solução orgânica, que pode ser feito por simples gotejamento da solução (casting) e por
centrifugação (spin-coating)17,22,31,56,57. As duas primeiras técnicas asseguram a
formação de uma ou duas camadas lipídicas, possibilitando uma superfície ordenada e
livre de defeitos31, sendo instáveis para um número maior de camadas imobilizadas17.
Entretanto, apesar das técnicas oferecerem a presença de uma fina camada de água entre
os lipídios e o substrato22,58,59, o filme lipídico interage fortemente com o substrato60, o
que tráz sérias limitações para a investigação da estrutura e de várias funções das
membranas biológicas34. Por outro lado, o processo de simples espalhamento de solução
orgânica leva à formação de depósitos multilamelares orientados, podendo chegar a
centenas de bicamadas. Esta técnica apresenta algumas vantagens como a incorporação
de proteínas, transporte de fármacos e empacotamento de soluções. Porém, é importante
o controle do número de camadas formadas e uma orientação no alinhamento com o
substrato. A técnica de spin-coating oferece a possibilidade da deposição controlada de
1 até aproximadamente 30 bicamadas ordenadas17,31,60
Todas as técnicas citadas acima, exceto Langmuir-Blodget (por não ser utilizada
neste trabalho), serão detalhadamente discutidas no tópico técnicas e procedimentos
experimentais.
13
2.2.2 - TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO PARA MEMBRANAS
IMOBILIZADAS
As membranas depositadas são acessíveis a uma grande variedade de técnicas de
caracterização, que permitem investigar a estrutura, composição e propriedades dos
filmes de fosfolipídios9. Exemplos destes métodos são: microscopia óptica, microscopia
eletrônica61,62, raios-X34, reflectividade de nêutrons63, difração de nêutrons64,
espectroscopia Raman65, microscopia fluorescente66-68, ressonância superficial plasmon
(SPR), elipsometria9,69, espectroscopia por impedância16, e espectroscopia por infra-
vermelho49,70. SPR e espectroscopia Raman permitem o monitoramento da formação de
filmes lipídicos e a detecção de ligação de biomoléculas, elipsometria é um conveniente
método para a medida da espessura dos filmes, raio-X e nêutrons fornecem não somente
a composição química do filme suportado mas também a organização molecular37,63, a
microscopia óptica permite a medida da massa seca dos lipídios imobilizados69,
microscopia fluorescente permite o estudo da organização molecular e a morfologia de
domínios lipídicos31, a microscopia eletrônica permite a determinação da ordem
molecular e visualização da estrutura lateral em monocamadas orgânicas com resolução
molecular49, e a espectroscopia por impedância permite o sensoriamento condutivo da
atividade de canais iônicos incrustados em membranas suportadas em eletrodos16 .
Entretanto, com o advento do microscópio de força atômica (AFM)71, tornou-se
possível uma direta abordagem no estudo das membranas e uma variedade de novas
possibilidades de pesquisa em filmes lipídicos suportados. O AFM oferece exclusivas
vantagens em relação a outras técnicas, como a capacidade de estudar em tempo real e
em ambiente aquoso, ou em condições nativas, a nano estrutura de filmes lipídicos e
suas mudanças estruturais em moléculas individuais em até três dimensões; possui alta
resolução espacial, de tal modo que simples proteínas podem ser observadas com
resolução melhor que 1nm; permite a combinação de imagem e manipulação,
possibilitando perturbar a estrutura e processos biofísicos em sistemas biológicos em
um nível menor que o celular, na escala de moléculas isoladas; possibilita a medida
quantitativa das forças existente nas interações entre a camada lipídica e a ponta do
AFM, dando informações sobre propriedades mecânicas da amostra biológica. Estas
habilidades justificam o contínuo crescimento de aplicações do AFM na pesquisa de
lipídios sustentados, isto se torna evidente observando-se o constante aumento de
publicações neste campo32,33,37,51,72-74.
14
2.3 – MICROSCÓPIO DE FORÇA ATÔMICA (AFM)
O AFM faz parte de um grupo de instrumentos denominados de microscópios de
varredura por sonda. A microscopia de força atômica não oferece somente
características morfológica e tipográfica da amostra investigada, mas também outras
propriedades físicas, como por exemplo, a condutibilidade elétrica de estruturas
sustentadas em substratos condutores75.
A parte mais importante de um AFM é a ponta, que deve ser extremamente
delgada. Aspectos estruturais como o raio de curvatura, a altura, ângulos de aberturas
frontal e lateral da ponta, determinam o poder de resolução das imagens topográficas,
sejam elas verticais e ou laterais obtidas pelo microscópio. As pontas são usualmente
fabricadas a partir de silício oxidado (SiO2) ou nitreto de silício (Si3N4). Na Figura 14
pode-se observar a imagem de uma ponta no formato piramidal e os aspectos que
determinam sua qualidade na resolução das imagens obtidas76.
Figura 14: (A) Imagem de uma ponta de AFM piramidal. (B) Imagem retirada da referencia 76, onde aparece o raio de curvatura da ponta, durante interação da ponta com uma suposta amostra. (C) Ângulos laterais da ponta. (D) Ângulo frontal e altura da ponta. As figuras B, C e D apresentam os aspectos que determinam sua qualidade na resolução das imagens obtidas
A ponta está conectada a outra parte fundamental do AFM, que é quase sempre
constituído do mesmo material da ponta, o cantilever ou haste flexível.
__2µm_
A C
B D
15
A haste é uma espécie de alavanca com elevada flexibilidade, ou seja, com
constante elástica relativamente baixa ( na faixa de 10-2 a 102 N/m), a razão desta
propriedade física é que a alavanca seja passível à influência de forças na faixa de
nanonewtons (nN). Além de flexível, a haste da alavanca não deve ser suscetível a
instabilidades vibracionais durante a varredura da amostra, devendo ter elevada
freqüência de ressonância, numericamente superior a 10 kHz77-79. A conseqüência direta
deste requisito é que a haste deve ter comprimento muito pequeno82. Na Figura 15, é
apresentada a imagem de um cantiléver na forma triangular.
Figura 15: Foto de uma haste flexível (cantiléver).
Conforme pode ser visto na Figura 16 a haste é ligada a um suporte (“chip”)
geralmente feito de silício, que é à base da sonda composta por ponta, alavanca e o
próprio suporte.
Figura 16: Foto de um suporte (“chip”) com haste flexível e ponta. O conjunto forma a sonda do AFM.
A sonda montada no AFM executa uma varredura sobre a amostra. Esta
varredura que é descrita na Figura 17, é executada com a ponta passando num sentido
ao longo de uma linha na direção horizontal (i) e voltando no sentido contrário sobre a
mesma linha. Logo após, a sonda passa para uma outra linha na direção vertical (j).
200µm
16
Figura 17: Ilustração da varredura por uma sonda de AFM. A linha vermelha inidica o caminho percorrido pela sonda na direção i, a linha azul indica o movimento reverso e seguido de uma passagem para uma região superior a ser varrida. Os pontos presentes na figura indicam as regiões aonde serão armazenadas as informações durante uma varredura.
O movimento da sonda sobre a amostra, é realizado pelo sistema de varredura de
ponta (“scanner”). O scanner é constituído por material piezoelétrico que expande e
contrai proporcionalmente à tensão aplicada, conforme pode ser observado na Figura
18.
Figura 18: Efeito da aplicação de tensão em material piezoelétrico88.
Os piezos utilizados atualmente, movem-se em escala atômica. São constituídos
de materiais cerâmicos e apresentam formato tubular. Por serem compactos e simétricos
permitem a varredura de largas áreas 76,77. Conforme pode ser observado na Figura 19,
as paredes do piezoelétrico cerâmico são polarizadas radialmente e revestidas
internamente e externamente com eletrodos, o eletrodo da face interna é contínuo e o da
face externa é dividido em quatro partes. Com a aplicação de uma diferença de
potencial no eletrodo interno e em todos os outros, o tubo poderá contrair ou expandir
na direção z. Se a tensão for aplicada em um dos quatro eletrodos externos o tubo irá
17
encurvar nas direções x e y. Com o objetivo de poder se obter um encurvamento mais
acentuado, os eletrodos são organizados opostamente em termos da direção, por
exemplo, +x é oposto a –x. O resultado é que se houver a aplicação de +n volts num
eletrodo e –n volts noutro, o encurvamento será duas vezes maior, do que se tensão for
aplicada em um único eletrodo77,78,80.
Figura 19: Esquema de piezo-scanner tubular. Os vetores rosas demonstram a polarização radial do material do piezoelétrico78.
Durante a varredura, a haste flexível sofrerá deflexões, causadas pelas forças
existentes entre a ponta e a superfície da amostra. Dentre todas que contribuem para as
deflexões, a mais associada com a microscopia de força atômica, é a força interatômica
denominada de van der Walls.
Para a descrição matemática da relação entre distância e forças que atuam entre
uma partícula presente na extremidade da ponta de um AFM e outra na superfície da
amostra, utiliza-se uma função de energia potencial para um par de partículas, o modelo
desta função é conhecido como Lennard-Jones.
−
=612
4)(rr
rUσσε
Onde ε e σ são constantes que dependem do material, sendo que a constante σ é
aproximadamente igual ao diâmetro das partículas envolvidas.
Derivando a função potencial (U) descrita acima em função da distância (r),
obtém-se uma expressão para a força (F) em função da distância (r), que pode ser
visualizada a seguir.
18
−=
7
6
13
12224)(
rrrF
σσε
A partir da equação acima encontra-se o gráfico apresentado na Figura 20.
Figura 20: Gráfico força (F) x distância (r), obtido a partir da função Lennard-Jones, usada para um par de partículas. A parte acima do eixo r (região 2) corresponde a região onde predominam as forças repulsivas, ou região de contato. A parte abaixo do eixo r (região 1) corresponde a região onde predominam as forças atrativas, ou região de não-contato
Observa-se no gráfico duas regiões (1 e 2) delimitadas pelo eixo da distância
entre superfície e ponta. Na região 2 a ponta está a poucos nanometros da superfície da
amostra e a haste fica arqueada para cima, devido à forte interação repulsiva existente
pelo princípio de exclusão de Pauli e pela blindagem dos elétrons mais próximos ao
núcleo atômico, nesta região o AFM opera em modo contato. Na região 1 a ponta está
de dezenas a centenas de nanometros da superfície da amostra, nestas distâncias há o
predomínio de forças atrativas de van der Waals e a haste fica arqueada para baixo,
nesta região o AFM opera em modo não contato. No intervalo que começa na região 1
onde há o início da marcação em cinza na curva e termina na região 2 na marcação de
mesma cor, tem-se o modo intermitente ou também denominado de “tapping-mode”,
onde a haste oscila com determinada freqüência entre os modos contato e não contato.
19
Como neste trabalho foi usado somente o modo contato, o restante da secção
será dedicado à descrição deste modo de operação.
Neste modo de operação a ponta permanece em “contato direto” com a amostra
durante a medida. Possibilitando a varredura em altas velocidades; a obtenção de
resolução atômica na topografia das imagens e a investigação da amostra em um meio
líquido77-80.
Para trabalhar em modo contato deve-se ajustar a força entre a amostra e a ponta
causando uma curvatura para cima na sonda, a qual deve permanecer constante durante
toda a varredura, este processo é conhecido como modo de força constante. Para manter
a deformação na alavanca como a pré-ajustada, um laser incide sobre a extremidade da
alavanca e então um fotodiodo com 4 quadrantes detecta o feixe refletido, e converte o
sinal luminoso em um sinal elétrico que fica armazenado no computador como
referência. Qualquer deflexão da alavanca altera a posição do feixe no fotodiodo, isso
faz com que se registrem sinais elétricos diferentes dos iniciais. A diferença entre os
sinais elétricos é então repassada ao piezoelétrico através de um sistema de
realimentação (“feedback”), que então movimenta-se na direção do eixo Z
perpendicular a varredura da amostra.
Quando a varredura de uma amostra é realizada num modo que mantém a
curvatura (∆Z0) da sonda constante, os valores das tensões elétricas enviadas para o
piezo são armazenadas no computador e os deslocamentos nas direções x, y e z do
piezoelétrico são então convertidos na topografia da imagem78.
É importante destacar que o método de detecção por feixe óptico das deflexões
da sonda durante a varredura, embora tenha sido descrito durante a explicação do modo
contato, é também usado para os modos de operação não-contato e intermitente (tapping
mode).
Na Figura 21 é apresentado o esquema descrito acima para o processo de
obtenção de imagens por microscopia de força atômica.
20
Figura 21: Esquema de operação de um AFM76. Através da detecção das deflexões da haste da sonda do AFM por um fotodiodo de quadrantes (A,B,C e D) de um feixe de laser, obtém-se as informações sobre topografia e morfologia da amostra.
21
3 – PROCEDIMENTOS E TÉCNICAS EXPERIMENTAIS
3.1 – PREPARAÇÃO DOS SUBSTRATOS
3.1.1 – MICA
As superfícies de mica muscovita [(KAl2(OH)2AlSi3O10)] utilizadas como
substratos, foram adquiridas da firma SPI-supplies (West Chester, PA, U.S.A), sendo
esta mica a mais usada como substrato para obtenção de camadas lipídicas. A sua
preparação consiste na clivagem da mica, obtendo-se assim superfícies limpas por não
estarem expostas à atmosfera desde sua formação a milhões de anos atrás77.
3.1.2 – SILÍCIO
Para o preparo dos substratos de silício sempre se utilizou água ultrapura
deionizada com resistividade específica de 18 MΩcm.
Os substratos de silício utilizados nas amostras tinham área de 1 cm2,
aproximadamente. As superfícies de silício tipo N (100) foram adquiridas da MEMC
Eletronic Materials (Malásia).
Para a remoção do óxido nativo formado pela exposição do silício à atmosfera,
as lâminas foram colocadas por 30 s em um béquer com água e logo em seguida imersas
em solução de ácido fluorídrico (HF 5%) por 15 s. Após, foram mergulhadas várias
vezes em outro béquer com água por 30 s e na seqüência enxaguadas em fluxo
constante de água, também por 30 s. Para finalizar, as lâminas foram secas em fluxo
constante de gás nitrogênio. O resultado deste procedimento foi a obtenção de ligações
Si-H, as quais impedem momentaneamente a oxidação do silício. Os substratos
submetidos as este procedimento apresentam propriedades hidrofóbicas81,82.
Para a obtenção de superfícies hidrofílicas foi realizada a oxidação do silício.
Inicialmente é feita a remoção do óxido nativo, conforme descrito no parágrafo anterior.
Logo após, as lâminas são mergulhadas em solução piranha de H2SO4 e H2O2 (30%) na
proporção 4:1, aquecida previamente à 80ºC, por 15 minutos. Em seguida, são
enxaguadas por fluxo constante de água por 30s e secas em fluxo de gás nitrogênio.
Através desse procedimento obtém-se na superfície do silício a formação de ligações
SiO2, com propriedades hidrofílicas81,83.
22
3.2 – REAGENTES, SOLVENTES E FOSFOLIPÍDIO UTILIZADO S
Os reagentes, solventes e fosfolipídios adquiridos para utilização nos
experimentos são das marcas relacionadas abaixo:
Sigma - Ácido hidroxietil piperazina etanosulfônico HEPES.
Merck - Peróxido de Hidrogênio (H2O2), isopropanol, clorofórmio, ácido
fluorídrico (HF), ácido sulfúrico (H2SO4).
Avanti Polar Lipids - O fosfolipídio 1,2-dimiristil-fosfatidilcolina (DMPC)
utilizado foi obtido da Avanti Polar Lipids. A temperatura de transição de fase do
DMPC é de aproximadamente 24ºC84.
23
3.3 – PREPARAÇÃO DOS FILMES LIPÍDICOS
Os filmes utilizados nos experimentos foram preparados por três diferentes
técnicas, espalhamento de vesículas lipídicas (fusão de vesículas), espalhamento de
solução lipídica por centrifugação (“spin-coating”) e simples espalhamento de solução
orgânica (“casting”).
3.3.1 – FORMAÇÃO DE FILMES POR ESPALHAMENTO DE VESÍ CULAS
LIPÍDICAS (LIPOSSOMAS) – FUSÃO DE VESÍCULAS
O método de fusão de vesículas tem atraído grande interesse na montagem de
filmes lipídicos por ser de fácil reprodutibilidade e de aplicabilidade em diversos
substratos14. Neste método, uma solução de vesículas lipídicas ou lipossomas é
espalhada sobre o substrato, após um período de incubação, o excesso de vesículas é
retirado por rinsagem de solução tampão HEPES + 0,9% NaCl. Obtém-se bicamadas
lipídicas auto-organizadas sobre o substrato, onde processo de rompimento das
vesículas é induzido principalmente por forças de van der Walls35,51,58,59.
3.3.1.1 – PREPARAÇÃO DAS VESÍCULAS OU LIPOSSOMAS
As vesículas unilamelares ou multilamelares, mostradas anteriormente na Figura
11, são formadas pela solubilização de 20mg de lipídios em 1ml de clorofórmio num
balão de vidro. Em seguida, o solvente é evaporado por fluxo de gás nitrogênio,
formando uma camada no fundo do tubo. O balão volumétrico é colocado em um
dessecador por 2 horas e em vácuo, para a completa evaporação do solvente. O filme
lipídico formado é então hidratado por solução tampão HEPES 10mM em pH 7.4
(fisiológico) e agitado vigorosamente em agitador tipo vortex. A concentração final
obtida foi de 0,3mg/ml.
24
3.3.1.2 – DEPOSIÇÃO DAS VESÍCULAS SOBRE OS SUBSTRATOS
Um volume de 20 µL da solução de lipossomas descrita no item anterior é
gotejada sobre uma superfície de mica de aproximadamente 1 cm2, recém clivada,
deixando-se incubar por 90 minutos para se obter a ruptura das vesículas e a formação
de bicamadas lipídicas, devido à interação hidrofílica entre as vesículas e o substrato,
conforme ilustrado na Figura 22. Em seguida o excesso de vesículas é retirado por
rinsagem de solução tampão HEPES com 0,9% NaCl.
Figura 22: Processo de fusão de vesículas sobre mica. a) Adsorção das vesículas; b) fusão das vesículas ao substrato; c) ruptura das vesículas. (Ilustração extraída da referência 59)
Neste método foi usada somente a mica como substrato. A vantagem dos
substratos hidrofílicos é que durante a deposição do filme lipídico há a formação de uma
camada lubrificante de 10 a 20 Å de espessura de água ou tampão, dando certa
mobilidade para a bicamada sustentada15. A Figura 23 apresenta a estrutura esperada
para as camada formadas, após a ruptura das vesículas constituídas pelo fosfolipídio
DMPC.
25
Figura 23: Esturutra esperada na formação de bicamadas lipídicas pelo método de fusão de vesículas em substratos hidrofílicos59.
3.3.2 FORMAÇÃO DE FILMES POR ESPALHAMENTO DE SOLUÇÃ O
ORGÂNICA – CASTING
A técnica de espalhamento de solução é um método prático e eficiente para o
preparo de filmes de multicamadas lipídicas62,85. Este método é também conhecido pela
palavra em inglês “casting”. Consiste simplesmente em gotejar uma pequena quantidade
de lipídios solubilizados em solvente orgânico sobre o substrato desejado através do uso
de uma micropipeta. Após o espalhamento da solução, espera-se a evaporação do
solvente em uma capela de exaustão, para em seguida colocar a amostra em um
dessecador em vácuo para a completa evaporação do solvente orgânico.
Neste trabalho foi utilizado o fosfolipídio DMPC dissolvido em
clorofórmio ou isopropanol em concentrações de 0,1 mg/ml e 0,3 mg/ml. As soluções
lipídicas foram gotejadas usando micropipetas de 10 µl, 20 µl e 100 µl em substratos de
mica, silício hidrofílico e silício hidrofóbico. O tempo de espera para a evaporação do
solvente na capela de exaustão foi de 12 minutos e no dessecador de 15 horas,
aproximadamente.
3.3.3 – FORMAÇÃO DE FILMES POR ESPALHAMENTO DE SOLU ÇÃO
ORGÂNICA POR CENTRIFUGAÇÃO - SPIN COATING
Conforme mencionado na secção 2.2.1, o método de crescimento de filmes
lipídicos denominado de centrifugação, em inglês “spin-coating”, oferece a
possibilidade de se obter um número controlado de bicamadas sustentadas, que pode
variar de uma a aproximadamente trinta. Nesta técnica os lipídios são solubilizados em
solvente orgânico e pipetados sobre um substrato hidrofílico ou hidrofóbico, montado
26
no topo de um eixo que gira com uma freqüência constante. O equipamento utilizado é
denominado de “spin coater”. Em seguida a amostra é levada para o dessecador, onde
permanece em vácuo por um intervalo de tempo longo, para a completa evaporação do
solvente.
Neste trabalho foram preparadas soluções lipídicas com DMPC diluído em
isopropanol na concentração de 0,3 mg/ml. As soluções foram pipetadas com
micropipetas de 10 µl e 200 µl sobre mica fixada no eixo de rotação de uma centrífuga,
em substituição ao emprego de um “spin coater”, não disponível no laboratório. A
solução foi gotejada com o substrato girando na freqüência de 500 rpm, a qual é
aumentada para 3000 rpm nos últimos 3 minutos de centrifugação. Em seguida as
amostras foram levadas ao dessecador e mantidas por 15 horas em vácuo.
27
3.4 – CARACTERIZAÇÃO POR AFM
As imagens de AFM foram obtidas com um microscópio PicoSPM da Molecular
Imaging Corporation (Tempe, Arizona). As medidas foram realizadas em sonda
composta por cantiléver, e ponta de nitreto de silício, fabricadas em suporte de silício
(“chip”) de 1,6 mm x 3,4 mm. O modelo da sonda utilizada é NP-S com cantilever de
200 µm de comprimento e formato triangular com as hastes formando ângulos de 45º
com o “chip”, e constante de mola nominal de 0,12 N/m. A ponta é de formato
piramidal de raio de curvatura 10 nm com ângulos frontal e laterais de 35º. Para o
controle e aquisição de dados foi utilizado programa computacional PicoScan versão
4.19. Na Figura 24 é apresentado o microscópio utilizado na realização das imagens.
Figura 24: Foto do AFM usado na obtenção das imagens e câmara para evitar vibrações mecânicas e sonoras.
As imagens e gráficos apresentados na dissertação foram tratados pelo programa
computacional de microscopia de sonda por varredura WSxM 4.0 versão 9.2. de agosto
de 2006 da Nanotec Eletrônica SL e Origin 6.1. v6. 1052 (B232) da OriginLab
Corporation.
28
O cálculo da rugosidade média quadrática (w) foi realizado pelo programa
computacional PicoScan versão 4.19 do AFM. A rugosidade média quadrática é
encontrada através da Equação 1, onde h é a altura, Lx e Ly são os comprimentos das
coordenadas (x,y). Na Equação 2 é apresentado o cálculo da altura média (hL) da
amostra86.
2
1 1
_
2]),([
1)( ∑ ∑ −=
= =
xL
i
yL
jLhjih
LLw (1)
onde:
( )∑ ∑== =
Lx
i
Ly
jL jih
Lh
1 1,
1 (2)
Na maioria das medidas realizadas, a temperatura da amostra foi estimada pela
medida da temperatura no interior da câmara antivibração do AFM, através do
termômetro digital acoplado a ela.
3.4.1 – CÉLULA LÍQUIDA DO AFM
Conforme já apresentado na secção 2.2.2, a microscopia de força atômica
oferece a grande vantagem de realização de imagens em meios líquidos. A célula
líquida do AFM foi construída no LFFS para a realização de imagens in-situ. Nesta
célula é usualmente colocado uma quantidade de 800 µl de solução tampão HEPES 10
Mm, 0,9% NaCl, e pH 7,4, com o objetivo de mimetizar o ambiente natural de uma
membrana plasmática. As amostras foram imersas nesta solução e fixadas pelo anel
branco que aparece na Figura 25, para realização das medidas de AFM.
29
Figura 25: Fotos da célula líquida construída no laboratório. A esquerda; célula líquida desmontada com a amostra em seu interior sem a solução tampão. No centro, visão lateral da célula líquida fixada no suporte de amostra do AFM, com a amostra já in-situ. Á direita; visão superior da foto apresentada no centro.
3.4.2 – MÉTODO DE HIDRATAÇÃO DAS AMOSTRAS
Algumas amostras foram hidratadas em vapor de água a 40ºC por 20 minutos. A
hidratação foi realizada colocando-se as amostras em atmosfera úmida em um
equipamento de Banho-Maria com água a 40ºC. Para esta finalidade, o suporte de
amostras do AFM foi posicionado acima do nível da água do banho-maria. O sistema
permanece tampado, durante todo o tempo de hidratação, conforme mostrado na Figura
26.
Figura 26: Fotos do equipamento de banho-maria usado para hidratação das amostras. A esquerda aparece a amostra colocada acima do nível da água sobre suportes imersos em água a 40ºC. A direita o banho maria é tampado durante a hidratação.
30
3.4.3 – CONTROLE DA ATMOSFERA DE TRABALHO
Algumas imagens foram realizadas em ambiente controlado por fluxo de gás
nitrogênio, a fim de diminuir a umidade sobre a superfície da amostra e,
conseqüentemente, a formação de camadas de água causadoras de forças de capilaridade
na ponta do AFM, que interferem na qualidade das imagens obtidas77. Na Figura 27 é
apresentada a base utilizada para o controle da atmosfera, que consiste de um recipiente
de vidro com um flange de metal para que o microscópio encaixe e possibilite que o
sistema fique hermeticamente celado. Através de uma mangueira de plástico lateral,
mostrada na Figura 27 é viabilizada a entrada de gás nitrogênio.
Figura 27: Fotos da base utilizada para controle da atmosfera. À esquerda; suporte utilizado para se obter ambiente controlado. À direita; a base conectada ao tubo do gás nitrogênio, com o microscópio sobre ela. A conexão entre o microscópio e a base é tal que obtém-se um ambiente praticamente isolado do meio externo.
31
4 – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste trabalho foram obtidas imagens de camadas lipídicas imobilizadas em
superfícies por microscopia de força atômica, para as três técnicas de preparação
apresentadas nas sessões 3.3.1, 3.3.2 e 3.3.3, com a finalidade de descrever o processo
de formação e a topografia destas camadas. Foram abordados também aspectos
experimentais que influenciaram no crescimento de camadas lipídicas, bem como
processos físicos que alteram a estrutura morfológica destas.
4.1 – ANÁLISE DOS SUPORTES UTILIZADOS
Todos os substratos analisados neste tópico foram preparados pelos processos
descritos na secção 3.1 e em seguida levados diretamente ao microscópio de força
atômica, para realização de imagens sob ambiente controlado por fluxo constante de gás
nitrogênio.
Na Figura 28 é mostrada imagem da superfícies da mica logo após o processo de
clivagem.
1.0µm
0.0 0.4 0.8 1.2
0
1
2
3
4
5
Altu
ra (
Å)
Distânica (µm)
Figura 28: A esquerda; Imagem de mica logo após o processo de clivagem. . A direita; medida das alturas na região demarcada. A rugosidade média quadrática encontrada foi de 1,05 Å.
Na Figura 29 é apresentada imagen de silício hidrofóbico, isto é, para a
superfície do Si passivada com ligacões (Si-H).
32
400nm
0 200 400 600
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Altu
ra (
Å)
Distância (nm)
Figura 29: A esquerda; Imagem de silício hidrofóbico (SiH), logo após processo de remoção do óxido nativo, sob fluxo constante de gás nitrogênio. A direita; gráfico referente as alturas da região marcada na imagem da esquerda. A rugosidade média quadrática encontrada foi de 1,96 Å.
Na Figura 30 é apresentada a imgem de silício hidrofílico SiO2, oxidadado por
solução piranha.
1.0µm
0.0 0.4 0.8 1.2 1.6
0
1
2
3
4
5
Altu
ra (
Å)
Distância ( µµµµm)
Figura 30: A esquerda; Imagem de silício hidrofílico (SiO2), logo após ser oxidado por solução piranha. A direita; gráfico referente as alturas da região marcada na imagem da esquerda. A rugosidade média quadrática encontrada foi de 0,70 Å.
As alturas que variam entre 0 e 7 Å e rugosidades médias quadráticas de 1,05 Å
(mica), 0,70 Å (SiO2) e 1,96 Å (SiH), indicam a formação de substratos planos que
apresentam uniformidade lateral.
As alturas obtidas nas imagens de SiO2 são menores do que as medidas no silício
hidrofóbico. Embora a camada óxida formada por solução piranha apresente espessura
33
na ordem de 1,5 nm ou mais81, os resultados indicam uma uniformidade nas alturas do
óxido formado sobre o substrato.
34
4.2 – ANÁLISE DOS FILMES LIPÍDICOS FORMADOS POR FUSÃO DE
VESÍCULAS
Conforme já descrito na seção 3.3.1, o método de fusão de vesículas foi
realizado somente em substratos de mica. Utilizando a célula líquida apresentada da
seção 3.4.1, a imagem da Figura 31 foi realizada com a amostra totalmente submersa
em solução tampão HEPES com 0,9% de NaCl (in-situ), na temperatura ambiente de
18ºC.
2.0µm
-0.5 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0-1
0
1
2
3
4
5
6
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 31: A esquerda; imagem topográfica de camada DMPC preparada por fusão de vesículas em substrato de mica, a imagem foi realizada in-situ na temperatura ambiente de 18ºC. A direita; perfil de aproximadamente 5 nm medido na região destacada da imagem topográfica.
As alturas encontradas de aproximadamente 5 nm estão de acordo com as de
bicamadas lipídicas e revelam a ruptura das vesículas ao entrarem em contado com o
substrato. Os resultados encontrados estão de acordo com alguns artigos na literatura
relacionados ao estudo de camadas lipídicas in-situ12,61,35.
A Figura 32 apresentada a seguir, foi realizada em outra região da amostra da
Figura 31, mantendo-se todas as condições já descritas.
35
4.4µm
Figura 32: (A) Imagem topográfica em duas dimensões em outra região da amostra da Figura 31, mantida todas as condições anteriores. (B) Mesma imagem, porém com a topografia revelada em três dimensões. Pode-se observar uma região com maior uniformidade lateral das camadas lipídicas sustentadas. As alturas encontradas são da ordem de 5nm.
A análise topográfica da Figura 32 revela uma maior uniformidade lateral na
distribuição das camadas lipídicas sobre o substrato, se comparado com os filmes
formados na Figura 31. O que demonstra a possibilidade da obtenção de regiões do
substrato com dimensões na ordem de 20 µm2 totalmente cobertas por bicamadas
lipídicas.
A B
36
4.3 – ANÁLISE DOS FILMES LIPÍDICOS FORMADOS POR “SP IN
COATING”
A preparação das amostras das imagens apresentadas a seguir foi feita nas
condições citadas no tópico 3.3.2 desta dissertação, com a utilização de uma pipeta de
200 µL para o gotejamento da solução sobre o substrato de mica. As imagens da Figura
36 foram realizadas ex-situ na temperatura de 26ºC, sem as amostras passarem por
qualquer processo de hidratação.
4.0µm
4.0µm
Figura 36: Filmes lipídicos de DMPC imobilizados em mica pela técnica spin-coating. Utilizou-se uma pipeta de 200 µL no processo de pipetamento da solução lipídica sobre o substrato em rotação. Imagens topográficas de amostras diferentes, porém formadas nas mesmas condições, realizadas ex-situ na temperatura de 26ºC. (A) Formação de bicamadas lipídicas. (B) Observação de multicamadas. Ambas as amostras não foram hidratadas.
Nas imagens da figura 36 observou-se a formação de bicamadas e multicamadas
de DMPC, em duas amostras diferentes que foram submetidas ao mesmo processo de
formação e condições de investigação.
Na Figura 37 observa-se a mesma amostra da Figura 36(A) hidratada em vapor
de água a 40ºC por 20 minutos, A imagem obtida foi realizada ex-situ a 25ºC.
A B
37
4.0µm
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
0
2
4
6
8
10
12
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 37: À esquerda; imagem topográfica ex-situ a 25 ºC da mesma amostra da Figura 36(A) hidratada em vapor de água a 40ºC por 20 minutos, antes da realização da varredura pelo AFM em modo contato. À direita; perfil de alturas que revela a formação de mais de uma bicamada lipídica.
A Figura 37 observa-se a formação de mais de uma bicamada lipídica na mesma
amostra que havia apresentado a formação de uma bicamada em outra região antes da
hidratação por vapor de água, conforme pode ser verificado na figura 36(A). Pelo
resultado encontrado, pode-se chegar a conclusão de que a observação das
multicamadas na Figura 37 está ligado ao processo de hidratação. No entanto, de acordo
com as referências 15 e 94, o processo de hidratação causa mudanças morfológicas na
estrutura dos filmes. Como obteve-se na Figura 36(B), a formação de mais de uma
bicamada para a condição ex-situ sem hidratação, pode-se concluir que apenas está se
observando na Figura 37 uma outra região da amostra com estrutura multilamelar,
porém com estrutura morfológica diferenciada devido a hidratação da amostra.
Outra amostra foi formada nas mesmas condições das anteriores, porém com a
deposição da solução lipídica sendo realizada por uma pipeta de 10 µL. As imagens ex-
situ obtidas na temperatura de 25ºC, de duas regiões diferentes da mesma amostra, após
hidratação feita do mesmo modo que a da Figura 36, são apresentadas nas Figuras 38 e
39.
38
2.0µm
Figura 38: Filmes lipídicos de DMPC imobilizados em mica pela técnica spin-coating. Utilizou-se uma micropipeta de 10 µL no processo de despejo da solução lipídica sobre o substrato em rotação. Imagem topográfica ex-situ realizada na temperatura de 25ºC. A amostra foi hidratada em vapor de água à 40ºC por 20 minutos, antes da realização da varredura pelo AFM em modo contato. (A) Imagem bidimensional e (B) imagem tridimensional.
2.0µm
Figura 39: Imagem em outra região da mesma amostra da Figura 38, nas mesmas condições. (A) Imagem Bidimensional e (B) imagem tridimensional.
As imagens mostradas das Figuras 38 e 39 confirmam a possibilidade de se
observar numa mesma amostra, depositada por spin-coating, a formação de uma ou
mais bicamadas lipídicas.
Comparando os resultados apresentados nas figuras 36, 37, 38 e 39, leva-se a
conclusão de que a concentração lipídica gotejada sobre o substrato em rotação não
interfere consideravelmente na quantidade de bicamadas formadas, pois, caso contrário
deveria ser observado com mais facilidade a formação de multicamadas na amostra das
Figuras 36 e 37 que foi formada pelo pipetamento de 200 µL de solução lipídica. Além
A B
A B
39
do mais, a formação de multicamadas foi observada na amostra onde a quantidade de
10µL de solução foi gotejada. De certo modo o resultado não é tão surpreendente, pois,
de acordo com a literatura os fatores determinantes para a formação de camadas
lipídicas por “spin-coating” são o tamanho do substrato, a rotação a qual está submetido
e a concentração lipídica da amostra pipetada17, ou seja, independe da quantidade de
solução gotejada durante a centrifugação do substrato.
4.3.1 – TRANSIÇÃO DE FASE DO DMPC
Foram realizadas imagens em outras amostras formadas nas mesmas condições
da apresentada nas Figuras 38 e 39. Também, foi realizado o processo de hidratação por
vapor de água a 40ºC por 20 minutos, antes da realização da análise topográfica dos
filmes pelo AFM. Os resultados a serem apresentados nas Figuras 40 e 41, são de
amostras diferentes e foram obtidos em ambiente ex-situ na temperatura de 25ºC.
2.0µm
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5-0.20.00.20.40.60.81.01.21.41.61.8
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 40: Imagem ex-situ realizada na temperatura de 25ºC de filme lipídico previamente hidratado, formado nas mesmas condições do apresentado nas Figuras 38 e 39. O perfil das alturas revela a coexistências da fase Lα (parte mais escura e baixa da imagem) e da fase gel Lβ (parte mais clara e alta da imagem).
40
1.0µm
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 41: Imagem de outra amostra feita nas mesmas condições e temperatura da apresentada na Figura 40. Do mesmo modo, o perfil das alturas (B) revela coexistência das fases gel e líquida na região indicada na imagem bidimensional (A). A imagem tridimensional (C) dá uma idéia melhor da diferença entre a altura da bicamada lipídica e as alturas referentes a fases diferentes do filme de DMPC a 25ºC.
Conforme apresentado na revisão bibliográfica na secção 1.1, os lipídios
apresentam transição de fase do estado líquido cristalino ou fluídico (Lα) para o estado
gel ou paracristalino (Lβ). A fase gel apresenta altura um pouco maior que a fase
fluídica, devido á organização dos hidrocabornetos em ambos os estados. Em artigos de
microscopia de força atômica disponíveis na literatura, o 1,2-dimiristil-fosfatidil colina
(DMPC) inicia sua transição em 23ºC e acaba em 26ºC aproximadamente, sendo que as
A B
C
41
diferenças de alturas encontradas entre as fases lipídicas variam de 0,1 nm à 1 nm,
aproximadamente12,35,61,87. Deste modo as imagens apresentadas nas Figuras 40 e 41
estão de acordo com o esperado.
O método de “spin-coating” dentre as técnicas de deposição de filmes lipídicos
mais utilizadas é uma das mais recentes31. Talvez, por este motivo encontram-se poucos
artigos que tratam à transição de fase de filmes de DMPC formados pela técnica. Por
esta razão, mesmo não sendo o foco deste trabalho apresentou-se a elucidação do
comportamento de fosfolipídios durante a mudança de estado físico nas Figuras 40 e 41.
42
4.4 – ANÁLISE DOS FILMES LIPÍDICOS FORMADOS POR SIM PLES
ESPALHAMENTO DE SOLUÇÃO ORGÂNICA – “CASTING”
A técnica de espalhamento de lipídios por solução orgânica, foi a única que se
usou substratos diferentes e soluções com variações nas concentrações lipídicas. Além
disso, foi a que se fez o maior número de imagens nos modos in-situ, hidratada por
vapor de água e ex-situ. Portanto, este método foi o de maior foco deste trabalho.
Importante destacar que todas as imagens das amostras realizadas em “ex-situ”, foram
expostas a fluxo constante de gás nitrogênio, assim como, as realizadas em in-situ
referem-se a total imersão da amostra em solução tampão HEPES com 0,9% de NaCl.
Para melhor análise dos resultados, as imagens obtidas serão apresentadas de
acordo com os substratos utilizados.
4.4.1 - MICA
Na formação das amostras utilizou-se a concentração lipídica de 0,3 mg/ml de
DMPC diluído em isopropanol. O volume da solução pipetada sobre o substrato foi de
20 µL. Nas Figuras 42 e 43, são mostradas imagens realizadas da mesma amostra, em
condições ambiente diferentes, ex-situ e in-situ respectivamente.
43
4.0µm
0 1 2 3 4 5
0
2
4
6
8
10
12
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 42: Bicamadas lipídicas de DMPC imobilizados em mica pela técnica casting. Utilizou-se uma micropipeta de 20µL no processo de despejo da solução lipídica sobre o substrato. À esquerda; Imagem topográfica ex-situ em ambiente controlado por fluxo constante de gás nitrogênio, realizada na temperatura de 19ºC. À direita; perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica.
2.0µm
0.0 0.4 0.8 1.2
0
1
2
3
4
5
6
7
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 43: Imagem da mesma amostra da figura 42. Entretanto, após ser colocada em meio in-situ à 15ºC. À esquerda, imagem topográfica. À direita, perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica, que revela a estrutura de uma bicamada lipídica. Na imagem da Figura 42 observou-se em ex-situ o crescimento de duas
bicamadas lipídicas, resultado já esperado de acordo com a descrição feita na secção
2.2.1. sobre filmes formados por “casting”. Entretanto, como mostra a Figura 43,
quando a amostra foi colocada in-situ obteve-se somente alturas relativas a uma
44
bicamada. Este fato pode ser explicado pela forte interação existente entre a primeira
bicamada e o substrato hidrofílico, que é maior do que a interação entre a mesma
bicamada e as posteriores 60. Baseado neste argumento, pode-se concluir que a solução
fisiológica do meio in-situ “desprende” as camadas mais externas da primeira bicamada
ligada fortemente ao substrato, restando deste modo a bicamada apresentada na Figura
43. Em reforço a esta conclusão, encontram-se facilmente artigos na literatura que usam
jatos de água sobre amostras formadas por casting, a fim de retirar o excesso de
bicamadas suportadas sobre a primeira, que está em contato com o substrato, antes da
visualização da amostra no AFM. As imagens obtidas após este procedimento estão de
acordo com as de bicamadas lipídicas sustentadas em suportes hidrofílicos34.
A Figura 44 apresenta o resultado obtido para uma outra amostra formada nas
mesmas condições que a das Figuras 42 e 43. A imagem foi realizada ex-situ na
temperatura de 26ºC.
3.0µm
Figura 44: Imagem topográfica realizada em outra amostra, nas mesmas condições da amostra utilizada nas Figuras 42 e 43, porém na temperatura de 26ºC. (A) Imagem Bidimensional e (B) imagem tridimensional, ambas revelam a estrutura de multicamadas lipídicas imobilizadas. Observando as imagens das Figuras 42 e 44, nota-se a formação de um número
maior de multicamadas na última. Este resultado não surpreende, visto que é bastante
comum observar uma não uniformidade lateral em filmes lipídicos crescidos por
espalhamento de solução orgânica. Principalmente pela técnica casting, onde a solução
lipídica não é espalhada uniformemente sobre o substrato, sendo apenas despejada sobre
ele. Portanto, há regiões da amostra com inúmeras bicamadas e outras onde não se
observa camadas lipídicas depositadas.
45
4.4.2 – SILÍCIO HIDROFÍLICO (SiO 2)
Para a adsorção dos fosfolipídios sobre o substrato, foram espalhadas soluções
lipídicas de DMPC diluído nos solventes isopropanol e clorofórmio. Dependendo do
tipo de solvente, alterou-se a quantidade de solução pipetada e sua concentração
fosfolipídica.
As soluções foram pipetadas em quantidades de 20 µl quando o solvente foi o
isopropanol e nas quantidades de 20 µl e 100 µl quando utilizou -se o clorofórmio.
Para o solvente clorofórmio utilizou-se somente a proporção de 0,3 mg/ml na
concentração da solução lipídica. Enquanto que para o isopropanol foi utilizado além de
0,3 mg/ml a proporção 0,1 mg/ml.
Os resultados serão apresentados de acordo com o solvente utilizado na diluição
do DMPC.
4.4.2.1 – SOLUÇÕES LIPÍDICAS EM ISOPROPANOL
A amostra a ser apresentada na Figura 45, foi formada por pipetamento de
solução lipídica de 0,1 mg/ml através de uma pipeta de 20 µL sobre o substrato. As
imagens foram realizadas em meio ex-situ a 26ºC.
46
4.0µm
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
0
2
4
6
8
10
12
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 45: Bicamadas lipídicas de DMPC imobilizados em SiO2 pela técnica casting. Utilizou-se uma micropipeta de 20 µL no processo de pipetamento da solução lipídica com isopropanol de 0,1 mg/ml sobre o substrato. À esquerda; Imagem topográfica ex-situ em ambiente controlado por fluxo constante de gás nitrogênio, realizada na temperatura de 26ºC. À direita; perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica.
Pela morfologia da imagem da Figura 45, verifica-se a facilidade em se obter
alturas relativas a bicamadas de DMPC, devido a baixa concentração da solução lipídica
depositada (0,1 mg/ml).
As imagens que serão apresentadas nas figuras 46, 47 e 48 são de amostras feitas
com solução lipídica na concentração de 0,3 mg/ml, construídas nas mesmas condições
que a da Figura 45.
A seguir, na Figura 46, pode ser observada a imagem topográfica em duas e três
dimensões de camadas lipídicas investigadas em meio ex-situ na mesma temperatura da
imagem obtida para a Figura 45, 26ºC.
47
3.0µm
0 1 2 3 4
0
20
40
60
80
100
Altr
ua (
nm)
Distância (µm)
Figura 46: Multicamadas lipídicas de DMPC imobilizados em SiO2 pela técnica casting. Amostra formada nas mesmas condições da figura 45, sendo que modificou-se a concentração da solução lipídica gotejada para 0,3 mg/ml sobre o substrato, mantendo-se a quantidade. (A) Imagem topográfica ex-situ em ambiente controlado por fluxo constante de gás nitrogênio, realizada na temperatura de 26ºC. (B) perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica. (C) Visão tridimensional das multicamadas.
Com o aumento da concentração lipídica na solução observa-se com maior
facilidade na Figura 46 a obtenção de multicamadas. Importante destacar que a estrutura
obtida nesta figura para o silício oxidado, é bastante semelhante à estrutura obtida para
o substrato de mica na Figura 44. Observando que as amostras foram formadas pela
A B
C
48
mesma concentração lipídica com isopropanol (0,3 mg/ml) e mesma quantidade de
solução pipetada (20 µl).
Portanto, pode-se concluir que a morfologia das estruturas multilamelares
formadas nas Figuras 44 e 46, está relacionada mais com o comportamento hidrofílico
do substrato, do que com a substância que ele é constituído.
A amostra da Figura 46 foi colocada in-situ e foram obtidas as imagens
apresentadas nas Figuras 47 e 48 na temperatura de 24,5ºC.
3.0µm
Figura 47: Imagem topográfica da mesma amostra da figura 46. Entretanto, após ser colocada em meio in-situ a 24,5ºC. À esquerda, imagem topográfica, onde as alturas medidas são da ordem de 6nm. À direita, visão tridimensional demonstrando uma relativa uniformidade lateral da bicamada lipídica.
3.0µm
0 200 400 600 800
-1
0
1
2
3
4
5
6
7
Altu
ra (
nm)
Distância (nm)
Figura 48: Imagem topográfica in-situ em outra região da mesma amostra da Figura 47, na temperatura de 24,5ºC. À direita, perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica, que revela a estrutura de uma bicamada lipídica.
49
Da mesma forma que as imagens ex-situ para o silício oxidado e mica,
apresentam resultados semelhantes. Os resultados das Figuras 47 e 48 estão de acordo
com o obtido na Figura 43 para amostras de filmes de DMPC depositadas em mica in-
situ nas mesmas concentrações e quantidade, utilizando-se o mesmo solvente. Ou seja,
bicamadas lipídicas são visualizadas para amostras in-situ depositadas em substratos
hidrofílicos, independentemente da natureza dos mesmos.
4.4.2.2 – SOLUÇÕES LIPÍDICAS EM CLOROFÓRMIO
As amostras foram preparadas nas mesmas condições que as formadas pela
deposição de lipídios diluídos em isopropanol, apenas foi modificado o solvente para
clorofórmio, sendo que a concentração lipídica usada foi sempre de 0,3 mg/ml. Como
será visto, em algumas amostras mudou-se a quantidade de solução lipídica pipetada
sobre o substrato de 20 µl para 100 µl.
4.4.2.2.1 – 20 µµµµl DE SOLUÇÃO PIPETADA
As imagens das Figuras 49 e 50 apresentadas a seguir, são de regiões diferentes
da mesma amostra. Foram realizadas em ambiente ex-situ a 23ºC.
3.0µm
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0
0
20
40
60
80
100
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 49: Multicamadas lipídicas de DMPC imobilizados em SiO2 pela técnica casting. Utilizou-se uma micropipeta de 20 µL no processo de pipetamento da solução lipídica com clorofórmio de 0,3 mg/ml sobre o substrato. À esquerda; Imagem topográfica ex-situ em ambiente controlado por fluxo constante de gás nitrogênio, realizada na temperatura de 23ºC. À direita; perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica.
50
3.0µm
0.0 0.5 1.0 1.5-505
101520253035404550
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 50: Imagem em outra região da mesma amostra da Figura 38, nas mesmas condições e temperatura. (A) Imagem Bidimensional, revelando estrutura cilíndrica nas multicamadas formadas; (B) perfil das alturas obtidas, referentes a multicamadas e (C) imagem tridimensional oferecendo uma melhor visualização dos “cilindros lipídicos”.
Pela observação das imagens das Figuras 49 e 50, obtidas de uma mesma
amostra, nota-se claramente a formação de multicamadas. Entretanto, a morfologia das
camadas apresenta grande diferença. Isto foi verificado em várias amostras depositadas
A B
C
51
em superfícies hidrofílicas onde se utilizou o clorofórmio como solvente. Talvez, ocorra
esta discrepância morfológica em diferentes regiões da amostra, devido à falta de
aderência do solvente ao substrato. Mas, dentre todas as estruturas lipídicas encontradas
para amostras nestas condições, o aspecto cilíndrico apresentado na Figura 50 é com
certeza o de maior destaque. Isto porque além de seu aspecto curioso a estrutura foi
repetida em outras amostras construídas nas mesmas condições.
4.4.2.2.2 – 100 µµµµl DE SOLUÇÃO PIPETADA
A amostra apresentada na Figura 51, foi feita nas mesmas condições da amostra
das Figuras 49 e 50, ou seja, pipetou-se solução lipídica de DMPC diluído em
clorofórmio na concentração de 0,3 mg/ml em substrato de SiO2 . No entanto alterou-se
a quantidade de solução despejada para 100 µL. A imagem foi realizada em ambiente
ex-situ na temperatura de 23ºC.
52
4.0µm
0 1 2 3 4
0
50
100
150
200
250
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 51: Multicamadas lipídicas de DMPC imobilizados em SiO2 pela técnica casting. Utilizou-se uma pipeta de 100 µL no processo de pipetamento da solução lipídica com clorofórmio de 0,3 mg/ml sobre o substrato. (A) Imagem topográfica bidimensional, revelando estrutura cilíndrica nas multicamadas formadas; ex-situ em ambiente controlado por fluxo constante de gás nitrogênio, realizada na temperatura de 23ºC. (B) perfil das alturas obtidas, referentes a multicamadas e (C) imagem tridimensional oferecendo uma melhor visualização dos “cilindros lipídicos”, agora quase que totalmente maciços.
Pela imagem da Figura 51, observa-se a formação de um número maior de
camadas lipídicas e a manutenção do padrão cilíndrico observado na Figura 50.
Entretanto os “cilindros lipídicos” aparecem mais preenchidos. As mudanças nas alturas
53
obtidas e na morfologia das multicamadas podem ser facilmente explicadas devido ao
aumento de cinco vezes na concentração lipídica por mililitro de solvente orgânico.
4.4.3 – SILÍCIO HIDROFÓBICO (Si-H)
Para espalhamento dos fosfolipídios foram somente usadas soluções orgânicas
de clorofórmio, pelo fato deste solvente espalhar-se facilmente sobre substratos
hidrofóbicos.
A concentração de 0,3 mg/ml foi mantida constante nas soluções lipídicas
despejadas em todas as amostras utilizadas nas imagens obtidas. Variou-se somente a
quantidade de solução pipetada sobre os substratos, sendo de 20 µl na maioria das
amostras e 100 µl em outras.
Conforme realizado nos outros substratos, as imagens foram realizadas por
microscopia de força atômica no modo contato em ambientes ex-situ, com ambiente
controlado por fluxo de gás nitrogênio e in-situ em solução tampão HEPES com 0,9%
de NaCl. Sendo que algumas amostras foram hidratadas em vapor de água a 40ºC por
20 minutos antes da varredura em ambiente ex-situ pelo AFM.
4.4.3.1 – 20 µµµµl DE SOLUÇÃO PIPETADA
As imagens apresentadas nas Figuras 52 e 53, a seguir, são da mesma amostra
formada pelo despejo de 20 µL de solução lipídica sobre o silício. Elas foram realizadas
em ambiente ex-situ na temperatura de 27 ºC.
54
4.0µm
-1 0 1 2 3 4 5 6 7
0
10
20
30
40
50
Altu
ra (
nm)
Distânica (µm)
Figura 52: Multicamadas lipídicas de DMPC imobilizados em SiH pela técnica casting. Utilizou-se uma micropipeta de 20 µL no processo de pipetamento da solução lipídica com clorofórmio de 0,3 mg/ml sobre o substrato. À esquerda; Imagem topográfica ex-situ em ambiente controlado por fluxo constante de gás nitrogênio, realizada na temperatura de 27ºC. À direita; perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica.
4.0µm
-1 0 1 2 3 4 5 6 7
0
10
20
30
40
50
60
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 53: À esquerda; imagem topográfica ex-situ a 27 ºC da mesma amostra da Figura 52, hidratada em vapor de água à 40ºC por 20 minutos, antes da realização da varredura pelo AFM em modo contato. À direita; perfil de alturas que revela a manutenção das multicamadas lipídicas.
Através da análise das imagens das Figuras 52 e 53 observa-se a mudança
morfológica das camadas lipídicas e nenhuma mudança significante nas alturas obtidas
após hidratação por vapor de água, o que era esperado pelo o que já foi discutido na
55
secção 4.3 para a técnica spin-coating. As pequenas mudanças registradas nas alturas de
uma imagem para outra, deve-se a não uniformidade no espalhamento das multicamadas
sobre o substrato do que ao fato de a amostra estar hidratada.
A seguir, será apresentada uma outra amostra feita nas mesmas condições que a
investigada na Figura 52. Primeiramente, na Figura 54 será verifica sua topografia em
ambiente ex-situ e em seguida, na Figura 55 em meio in-situ (Figura 51).
4.0µm
0 1 2 3 4 5
0
15
30
45
60
75
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 54: À esquerda; Imagem topográfica ex-situ realizada em outra amostra, nas mesmas condições da amostra utilizada na Figuras 52, porém na temperatura de 26ºC. À direita; perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica, revela novamente a formação de multicamadas lipídicas.
56
3.0µm
0 1 2 3 4
0
15
30
45
60
75
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 55: À esquerda; Imagem topográfica in-situ realizada na mesma amostra da figura 54, na temperatura de 27,6ºC. À direita; perfil das alturas obtidas na região indicada na imagem topográfica. A análise das alturas revela a manutenção da estrutura multilamelar mesmo a amostra estando in-situ.
Em comparação com as imagens in-situ obtidas nas Figuras 47 e 48 para o
substrato SiO2, observa-se na imagem da Figura 55 que não houve redução de
multicamadas para bicamadas como aconteceu para os substratos hidrofílicos.
Importante destacar ainda, que este resultado foi verificado para outras amostras
realizadas nas mesmas condições, com o mesmo substrato SiH. Certamente este
resultado deve estar relacionado com uma possível mudança na formação estrutural das
multicamadas, durante a auto-organização delas sobre o substrato hidrofóbico. Essa
possível mudança pode ocorrer, pois, como a “cauda” do DMPC é hidrofóbica, deve ser
essa a parte do lipídio que interage com o substrato e possivelmente com o clorofórmio,
que conforme já foi descrito no início desta secção, interage muito bem com superfícies
hidrofóbicas.
Obs.: Não foram encontrados artigos na literatura que abordassem multicamadas
lipídicas in-situ, imobilizadas em substratos hidrofóbicos.
A imagem apresentada a seguir na Figura 56 é de outra amostra feita nas
mesmas condições das utilizadas nas Figuras 52 e 54. Ela foi realizada em ambiente ex-
situ na temperatura de 20ºC.
57
4.0µm
Figura 56: À esquerda; Imagem topográfica ex-situ realizada em outra amostra, nas mesmas condições das amostras utilizadas nas Figuras 52 e 54, porém na temperatura de 20ºC. As alturas medidas são da ordem de 50 nm. À direita; a mesma imagem em três dimensões, oferece uma melhor visualização da organização das multicamadas suportadas.
Observando as Figuras 52, 54 e 56, nota-se que todas elas apresentam
praticamente as mesmas alturas e o padrão de “feijões”, embora a estrutura morfológica
apresente diferenças entre as imagens. Como nenhuma delas passou pelo processo de
hidratação, é possível que a razão das mudanças morfológicas esteja associada ao tipo
de solvente, visto que durante a realização de diversas imagens em várias amostras
formadas pelo solvente clorofórmio, observou-se variadas estruturas lipídicas embora as
alturas praticamente mantinham-se constantes.
4.4.3.2 – 100 µµµµl DE SOLUÇÃO PIPETADA
A seguir, Na Figura 57, será apresentada uma imagem de outra amostra feita
com a mesma solução lipídica da amostra da Figura 56, só que com o despejo de 100
µL de solução sobre o substrato em vez do volume de 20 µL utilizado no despejo das
soluções em todas as amostras apresentadas anteriormente para o substrato SiH. A
imagem foi obtida em ambiente ex-situ na temperatura de 20,2ºC.
58
3.0µm
0.0 1.5 3.0 4.5 6.0 7.5
0
20
40
60
80
100
Altu
ra (
nm)
Distância (µm)
Figura 57: Multicamadas lipídicas de DMPC imobilizados em SiH pela técnica casting. Utilizou-se uma pipeta de 100 µL no processo de pipetamento da solução lipídica com clorofórmio de 0,3 mg/ml sobre o substrato. (A) Imagem topográfica bidimensional, ex-situ em ambiente controlado por fluxo constante de gás nitrogênio, realizada na temperatura de 20ºC. (B) Perfil das alturas obtidas, referentes a multicamadas e (C) imagem tridimensional oferecendo uma melhor visualização da maior uniformidade lateral encontrada.
Comparando as imagens das Figuras 56 e 57, verifica-se um aumento nas alturas
medidas e também uma maior uniformidade lateral, para a amostra observada na Figura
57. Com certeza estas mudanças devem estar associadas ao aumento da quantidade de
solução lipídica despejada, conforme também ocorreu com o SiO2 na secção 4.4.2.2.2.
A B
C
59
4.5 – DISCUSSÃO GERAL
Os substratos utilizados apresentaram rugosidade média quadrática bastante
baixa, indicando a formação de superfícies praticamente planas. O silício hidrofilizado
pelo método da solução piranha, apresentou alta uniformidade lateral. A análise
topográfica em diversas regiões da superfície da amostra revelou que o filme de óxido
se auto-organizou de modo homogêneo por toda área da lâmina de silício usada como
base para o substrato.
Através da análise feita a partir dos resultados e das referências bibliográficas,
observou-se que cada técnica de deposição de filmes lipídicos investigada apresenta
características determinantes. A técnica de fusão de vesículas conforme esperado,
apresentou a formação de bicamadas quando investigada em meio líquido, notando-se
que em algumas imagens obtidas observou-se uma razoável uniformidade lateral nos
filmes sustentados. A técnica de espalhamento por spin-coating apresentou estruturas
que variam desde bi até multicamadas lipídicas. A topografia das imagens revelou que a
morfologia dos filmes não está diretamente associada à quantidade de solução gotejada
sobre o substrato. A técnica de simples espalhamento de solução orgânica apresentou a
esperada formação multilamelar e algumas morfologias inesperadas como os “cilindros
lipídicos”.
Observou-se claramente a dependência entre o solvente utilizado na solução
lipídica e o tipo do substrato enquanto sua propriedade hidrofílica ou hidrofóbica.
Confirmou-se que o isopropanol interage melhor com substratos hidrofílicos
possibilitando a fácil adsorção dos lipídios diluídos no solvente e a formação de filmes
homogêneos. Já o clorofórmio interagiu melhor com substratos hidrofóbicos e os filmes
lipídicos obtidos através da deposição de soluções lipídicas formadas por este solvente,
não mantiveram uma homogeneidade morfológica.
As análises dos filmes em meio in-situ apresentaram resultados bastante
interessantes. Multicamadas caracterizadas em substratos hidrofílicos em ambiente ex-
situ, mudaram drasticamente sua morfologia quando imersas em meio líquido, sendo
que a análise topográfica revelou a formação de bicamadas. Já o mesmo não ocorreu
para substratos hidrofóbicos, que mantiveram a estrutura de multicamadas in-situ.
O aumento de concentração lipídica na solução gotejada em algumas amostras,
fez com que as alturas obtidas na análise topográfica aumentassem significamente,
assim como, a uniformidade lateral dos filmes.
60
Finalmente, os resultados foram bastante satisfatórios e proporcionaram uma
grande variedade de informações morfológica e topológicas dos filmes depositados, que
abrem um grande campo para futuras pesquisas em diversas áreas da nanobiotecnologia,
como o desenvolvimento de biosensores e fármacos, além de incorporação de proteínas
nas estruturas lipídicas que possibilitariam a investigação das propriedades dos canais
iônicos.
61
CONCLUSÃO
Os resultados encontrados pela análise topográfica das imagens obtidas pelo
microscópio de força atômica demonstram que cada técnica de preparação dos filmes do
fosfolipídio DMPC apresenta características especiais.
A técnica de fusão de vesículas em substrato hidrofílico (mica) apresentou a
formação de bicamadas lipídicas estáveis sob investigação in-situ.
As amostras preparadas por spin-coating formaram de 1 a 3 bicamadas
dependendo da região investigada da amostra, ressaltando-se que a quantidade de
solução gotejada sobre o substrato não resultou em um aumentou consideravelmente do
número de bicamadas depositadas, mantendo-se a mesma rotação da amostra durante o
mesmo intervalo de tempo. As superfícies das amostras hidratadas em vapor de água
apresentaram uma mudança morfológica bastante significativa em relação as superfícies
observadas para estas amostras como depositadas, sem que ocorresse alterações no
números de bicamadas formadas. Na temperatura de aproximadamente 25ºC pôde-se
observar claramente a coexistência das fases líquida cristalina e gel do DMPC.
A automontagem por evaporação de solvente levou a formação de multicamadas
nos três tipos de substratos utilizados (mica, SiO2 e Si-H). Observou-se que a
uniformidade no espalhamento das camadas lipídicas sobre o substrato é depende do
tipo de solvente e das propriedades da interface lipídio/substrato formada e da
quantidade de solução lipídica gotejada. Semelhantemente ao constatado para a técnica
de centrifugação, o processo de hidratação promoveu a reorganização morfológica dos
filmes lipídicos. Destacando-se que na situação de imersão total em solução fisiológica
de tampão HEPES, detectou-se a permanência de apenas uma bicamadas na superfícies
de substratos hidrofílico. Porém, esta redução no número de bicamadas não ocorreu para
o substrato de silício hidrofóbico. Um resultado muito interessante e que
necessariamente será investigado no futuro, foi a formação de estruturas lipídicas
cilíndricas multilamelares, observadas para solvente clorofórmio e silício hidrofílico
(SiO2).
63
PERSPECTIVAS
A caracterização dos filmes lipídicos realizada neste trabalho, forneceu uma
quantidade de informações que subsidiariam o desenvolvimento de novos projetos.
Dentre as diferentes possibilidades discutidas ao longo da realização desta dissertação
de mestrado, poderiam ser citadas as seguintes linhas de pesquisa:
1) estudo da formação de filmes lipídicos com mais de um fosfolipídio para melhorar o
modelo de membranas biológicas;
2) imobilizar proteínas nas membranas para simular o papel dos canais iônicos;
3) inserção de fármacos para o desenvolvimento de medicamentos;
4) descrever o processo de formação das estruturas lipídicas cilíndricas visualizadas nas
amostras preparadas por casting com clorofórmio em silício hidrofílico,
5) desenvolver biossensores.
64
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