CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO
FÁBIO LUIZ DE QUEIROZ TELLES
O PORTADOR DO VÍRUS DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA
(HIV) COMO TRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM A EMPRESA: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIO NAL DO
TRABALHO (OIT) E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Curitiba 2012
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO
FÁBIO LUIZ DE QUEIROZ TELLES
O PORTADOR DO VÍRUS DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (HIV) COMO TRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM A EMPRESA: UMA
ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIO NAL DO TRABALHO (OIT) E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Curitiba 2012
FÁBIO LUIZ DE QUEIROZ TELLES O PORTADOR DO VÍRUS DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA
(HIV) COMO TRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM A EMPRESA: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIO NAL DO
TRABALHO (OIT) E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther
Curitiba
2012
Presidente: _____________________________________ Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther Orientador _____________________________________ Membro interno _____________________________________ Membro externo
Curitiba, de de 2012.
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar esta importante etapa, gostaria de externar meus agradecimentos:
Ao Professor Doutor Eduardo Milleo Baracat que, através de sua disciplina
“Direito das Relações de Trabalho e Inclusão Social” no curso de Pós-Graduação
stricto sensu do Centro Universitário Curitiba, despertou para a descoberta do tema
investigado, contribuindo também com o material disponibilizado na pesquisa
elaborada.
À Professora Doutora Viviane Coêlho de Séllos Knoerr que, por meio de uma
coordenação presente e atuante neste Programa de Mestrado, indicou-me caminhos
e alternativas, proporcionando a possibilidade de finalização deste trabalho.
Ao Professor Doutor Marco Antônio César Villatore, pessoa que, desde meus
estudos de graduação, sempre contribuiu de forma efetiva em minha formação
acadêmica, pelas preciosas sugestões e indicações bibliográficas, na qualificação
deste projeto, as quais auxiliaram de forma decisiva para a conclusão da pesquisa.
Ao Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther, meu orientador, pessoa a quem
dedico toda a minha gratidão e apreço não só pela acolhida e compreensão em
momentos difíceis, mas, sobretudo pela orientação segura, cujas preciosas
sugestões e referências bibliográficas permitiram a conclusão desta dissertação.
A todos os que de alguma forma colaboraram para a realização deste
trabalho, em especial, o amigo, sócio e colega de Mestrado, James Dantas, pessoa
que se encontra presente em grande parte desta trajetória acadêmica e profissional.
Ao meu pai Flavio, cujas saudades parecem aumentar com os anos, e à
minha mãe Maria Flora, pela sólida formação a mim dedicada, por terem me
proporcionado os estudos até à chegada a este mestrado, os meus eternos
agradecimentos.
À minha doce Luciana, por todo o seu amor, apoio e carinho durante o
período de elaboração desta dissertação.
Finalmente, ao Tiago e ao Davi, que na inocência e pureza de seu mundo de
criança proporcionam para mim a alegria e o sentido de viver.
"O desenvolvimento humano só existirá se a
sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais:
igualdade, diversidade, participação, solidariedade
e liberdade."
Herbert de Souza (Betinho)
RESUMO
A presente dissertação procurou investigar a relação do trabalhador portador do HIV e a empresa sob a ótica da Organização Internacional do Trabalho e dos direitos da personalidade. Durante muitos anos, a AIDS sempre foi considerada uma doença dos indivíduos mais jovens. Hoje não existem mais grupos de riscos, e, sim, comportamentos de risco. O simples fato de o trabalhador ser portador do vírus da HIV em nada prejudica a atividade produtiva, de forma a beneficiar a sociedade. O convívio social deste trabalhador com os colegas de trabalho, não representa qualquer situação de risco. Cabe aos operadores do direito, preservar e garantir os direitos destes indivíduos, coibindo os eventuais atos discriminatórios praticados. A solidariedade e o combate à discriminação é a receita básica para reduzir as dificuldades dos trabalhadores portadores do HIV. Nessa linha protetiva o Tribunal Superior do Trabalho atualizou entendimento sumular presumindo discriminatória a dispensa do empregado portador do HIV. Entre as normas da Organização Internacional do Trabalho, a Recomendação 200 estabelece uma série de procedimentos importantes a serem seguidos pelas empresas. Palavras-Chave: Portadores de HIV. AIDS. Direito do Trabalho. Direitos da Personalidade. OIT.
ABSTRACT
This work aimed to investigate the relationship between the worker and the company have HIV from the perspective of the International Labour Organization and the rights of personality. For many years, HIV has always been considered a disease of younger individuals. Today there is more risk groups, and, yes, risk behaviors. The simple fact of the worker being a carrier of the AIDS virus in no way affect the productive activity in order to benefit society. The conviviality of this social worker with coworkers, poses no risk. It is up to law, protect and ensure the rights of these individuals, not leaving the discriminatory acts committed by the company, for solidarity and combating discrimination is a basic recipe to reduce the difficulties of workers with HIV. In this line the protective Superior Labor Court updated understanding sumular assuming the discriminatory dismissal of an employee has HIV. Among the standards of the International Labour Organisation, Recommendation 200 establishes a number of important procedures to be followed by companies. Keywords: HIV. AIDS. Labor Law. Personality Rights. ILO.
LISTA DE SIGLAS
ACT – Acordo Coletivo de Trabalho
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CIPAs – Comissões Internas de Prevenção de Acidentes
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNPA – Comissão Nacional de Prevenção da AIDS
CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social
DOU – Diário Oficial da União
SRT – Superintendência Regional do Trabalho
DSTs – Doenças Sexualmente Transmissíveis
EC – Emenda Constitucional
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
GAPA – Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS
HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana
MPT – Ministério Público do Trabalho
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial da Saúde
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PIS – Programa de Integração Social
PL – Projeto de Lei
STF – Supremo Tribunal Federal
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
UNAIDS – Programa Conjunto das Nações Unidas de Combate ao HIV/Aids
SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... 08
ABSTRACT .......................................... ..................................................................... 09
LISTA DE SIGLAS ................................... ................................................................. 10
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1. A SÍNDROME DA IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA E O SEU
DESENVOLVIMENTO NO ORGANISMO HUMANO – ASPECTOS SOCI AIS
RELACIONADOS À CONDIÇÃO HUMANA, ESTIGMA E DISCRIMIN AÇÃO .. 16
1.1 DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS HIV e AIDS ..................................................... 16
1.1.1 O Vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: HIV ............................... 16
1.1.2 A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: AIDS ........................................... 18
1.2 DAS RELAÇÕES SOCIAIS ENVOLVENDO OS PORTADORES DO HIV/AIDS – ASPECTOS COMPORTAMENTAIS ................................................................. 22
1.2.1 A Condição Humana e a Pessoa Portadora do HIV/AIDS ................................ 22
1.2.2 O Trabalho Como Condição Humana Para a Vida em Sociedade ................... 23
1.2.3 Os Conceitos de Estigma e Discriminação ....................................................... 25
1.2.4 O Direito como Regulador das Relações Sociais ............................................. 27
2. O DIREITO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO ENVOLVENDO O
TRABALHADOR SOROPOSITIVO .......................... .......................................... 30
2.1 O DIREITO BRASILEIRO E A TUTELA DO TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS .......................................................................................................... 30
2.1.1 A Proteção do Trabalho na Constituição de 1988 ............................................ 30
2.1.2 A Função Social da Empresa e a Relação de Trabalho ................................... 33
2.2 DAS MEDIDAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS ........................................................ 41
2.2.1 Lei 9.029/95 – “Lei Antidiscriminação” ............................................................. 41
2.2.2 A vedação à Dispensa Arbitrária - Constituição de 1988 – Art. 7º, I ................. 44
2.2.3 A Omissão Legislativa e o Novo Entendimento Sumulado do TST .................. 49
3. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE APLICADOS AO DIREIT O DO
TRABALHO .......................................... .............................................................. 52
3.1 DIREITOS DA PERSONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ..................... 52
3.1.1 Direitos da Personalidade - Características ..................................................... 52
3.1.2 Os Direitos Humanos Fundamentais da Personalidade ................................... 54
3.1.3 A Dignidade da Pessoa Humana e o Trabalhador Portador do HIV/AIDS ....... 57
3.2 GARANTIAS DO TRABALHADOR DECORRENTES DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ........................................................................................... 64
3.2.1 O Direito de não ser Discriminado .................................................................... 64
3.2.2 O Direito à Integridade Psicológica .................................................................. 65
3.2.3 O Direito a Intimidade e a Vida Privada............................................................ 67
4. A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TR ABALHO (OIT)
E O TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS .............. ............................... 70
4.1 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – CRIAÇÃO, COMPOSIÇÃO E DIRETRIZES ........................................................................ 70
4.1.1 A OIT e sua Criação ......................................................................................... 70
4.1.2 Estratégia, Objetivos e Composição ................................................................ 71
4.2 AS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT E A TUTELA DO TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS ................................................... 72
4.2.1 A Distinção Entre as Convenções e Recomendações .................................... 72
4.2.2.A Aplicabilidade das Convenções e das Recomendações no Direito brasileiro ............................................................................................................. 74
4.2.3 A Convenção 111 e a Discriminação nas Relações de Trabalho ..................... 78
4.2.4 A Convenção 158 e a Garantia Contra a Dispensa Imotivada ......................... 80
4.2.5 A Recomendação 200, o HIV e o Mundo do Trabalho ..................................... 82
4.2.6 A Questão Peculiar Envolvendo os Profissionais de Saúde ............................. 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ........................................................ 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................ ................................................. 94
ANEXOS ................................................................................................................... 99
ANEXO A –TST-RR-409/2003-004-02-00.1 .............................................................. 99
ANEXO B –TST-RR-124400-43.2004.5.02.0074 .................................................... 103
ANEXO C - TST-AIRR-153540-72.2003.5.13.0003 ................................................ 108 ANEXO D - TST-E-RR-366/2000-021-15-00.6.........................................................132
11
INTRODUÇÃO
Eu acredito em um mundo onde existam: Zero novas infecções pelo HIV; discriminação Zero; Zero mortes relacionadas à Aids. Esta é a nova visão da UNAIDS. Esta é a nossa paixão, nosso compromisso, nossa determinação. Há alguns anos poderíamos apenas sonhar com um dia como este – mas hoje sabemos que podemos tornar isso uma realidade. Diretor Executivo do UNAIDS Michel Sidibé, Carta aos parceiros de 20111
Uma das questões que mais fomenta discussões tanto no Direito quanto nas
Relações Sociais, bem como na Saúde Pública no País, é a questão do portador do
HIV.
HIV é a sigla para o termo inglês definidor de Human Immunodeficiency Virus,
(Vírus da Imunodeficiência Humana) vírus este que na língua portuguesa também é
indicado pela sigla SIDA ou AIDS, que seria a tradução do inglês da Acquired
Immunodeficiency Syndrome (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)2.
O desenvolvimento do vírus no corpo humano apresenta diferentes estágios.
Em um primeiro instante, há a infecção propriamente dita pelo vírus, que penetra no
organismo humano sob as diversas formas de contágios, tais como: trocas de fluidos
genitais (esperma ou secreção vaginal) entre pessoas infectadas, transfusão de
sangue contaminado pelo vírus, na formação do feto em mãe soropositiva, no
momento do nascimento, do parto, ou em transplantes de órgãos.
Posteriormente a esse ato de infecção, vêm as manifestações das infecções
oportunistas, ou seja, como o vírus compromete todo o sistema imunológico, suas
defesas ficam mínimas, momento em que surgem as características de outras
doenças, as quais, no ser humano sadio, são facilmente controladas, mas para o
aidético podem representar a morte. Um simples resfriado pode levar a pessoa à
morte.
1 SIDIBÉ Michel, Carta aos parceiros 2011. ONU. Disponível em <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-em-acao/a-onu-e-a-aids/>. Acesso em: 10 junho 2011. 2 História da AIDS. Ministério da Saúde , Distrito Federal, 2011. Disponível em:
<http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acesso em: 24 junho 2011.
12
Apesar de se tratar de uma moléstia incurável, a AIDS tem experimentado um
avanço enorme no seu tratamento, o que impõe ao contaminado uma possibilidade
de preservação de suas condições de saúde por longo período.
O tratamento ao qual o portador do vírus deve se submeter importa em um
rígido controle através de exames e uso habitual de medicamentos, impondo
também a necessidade de afastamentos quando da necessidade do acometimento
de alguma outra doença.
O vírus foi diagnosticado pela primeira vez no Brasil, na década de 80
(oitenta) do século XX, e disseminou-se com grande velocidade, conforme os
Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde, disponibilizados anualmente.
Em 19823, foram noticiados 10 (dez) casos de infecção pelo HIV. Em 1985,
esse número aumentou para quinhentos e setenta e três e, no ano seguinte já havia
dobrado. Não obstante inicialmente ter tido sua identificação primeira em
homossexuais, atualmente, é manifestado em heterossexuais, apresentando uma
crescente infecção no grupo das mulheres.
Segundo os dois últimos Boletins Epidemiológicos4 do Ministério da Saúde,
até junho de 2010 o número de casos registrados era de 592.914, número esse que
até junho de 2011 passou a ser de 608.230 casos registrados de AIDS. Em 2009,
foram verificados 38.538 casos da doença e em 2010, 34.218 casos, o que apontou
uma taxa de incidência do vírus no Brasil de 20,1 casos por 100 mil habitantes em
2009 e de 17,9 casos por 100 mil habitantes em 2010.
Os dados apontam outra situação relevante: ainda há mais casos da
contaminação do vírus entre os homens do que entre as mulheres, contudo, essa
diferença vem diminuindo uma vez que em 1989, a proporção era de 6 casos de
AIDS em homens para cada 1 caso em mulheres, o que em 2009 passou a ser de
1,6 caso em homens para cada 1 caso em mulheres e em 2010 essa proporção
passou para 1,7 casos em homens para cada 1 caso em mulheres5.
3 História da AIDS. Ministério da Saúde , Distrito Federal, 2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acesso em: 24 junho 2011. 4 BRUCK, Caren. Boletim Epistemológico AIDS. DST. Ministério da Saúde , Distrito Federal, ano 8, n, jun.2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2011/50652/boletim_aids_2011_final_m_pdf_26659.pdf>. Acesso em: 21 maio 2011. 5 História da AIDS. Ministério da Saúde , Distrito Federal, 2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acesso em: 24 junho 2011.
13
A estatística traz um número importante, relativo à faixa etária em que o
contágio pelo HIV é mais frequente: de 20 a 59 anos de idade, tanto em homens
como em mulheres, no boletim de 2010, e de 25 a 49 anos, no de 2011, o que
representa o grupo da população inserido de forma efetiva no mercado de trabalho.
Ainda, conforme dados da OIT6, em 2010, mais de 33 milhões de pessoas no
mundo já eram portadoras do HIV. Desse universo, 90% (noventa por cento) são
pessoas que estão em plena fase produtiva e aptas ao mercado de trabalho.
Por outro lado, dado relevante extraído de sítio governamental7, vinculado ao
Ministério da Saúde, indica que 20,6% dos trabalhadores portadores do HIV, que
foram submetidos à pesquisa, informaram terem perdido o emprego em decorrência
da descoberta da infecção pelo HIV por seu empregador e relataram prática
frequente de discriminação em decorrência ao fato de ser portador do HIV.
Quase 30 (trinta) anos depois, ainda é possível verificar a discriminação e a
intolerância com os portadores do HIV. Seria em razão de tal circunstância a
necessidade de se estabelecer um equilíbrio a esta relação empresarial, sob pena
de haver a mitigação de direitos fundamentais, sobretudo o da dignidade da pessoa
humana.
O Brasil não deve ser um exemplo prático dessas peculiaridades
discriminatórias e preconceituosas em relação aos portadores de HIV.
É nesse cenário que o Direito tem um papel relevante, pois se apresenta
como um meio hábil para minimizar as mazelas do convívio difícil do portador de HIV
com o constante desafio a seus direitos.
O operador do direito deve contribuir em defesa dos soropositivos, na garantia
de que não serão oprimidos de forma alguma, tendo o papel de buscar modificar a
realidade das relações jurídicas envolvendo os desiguais, levando-se em conta os
princípios gerais do direito, a analogia e os costumes, no preenchimento de lacunas
na legislação.
O descobrimento da doença pelo empregador pode causar um súbito repúdio
diante da possibilidade de convivência com um aidético no local de trabalho.
6 Em discussão, o combate à Aids no local de Trabalho. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal, jun.2010. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/em-discuss%C3%A3o-o-combate-%C3%A0-aids-no-local-de-trabalho>. Acesso em: 11 novembro 2011. 7 Estratégias de combate ao preconceito no trabalho são tema de seminário no Paraná. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal, jun.2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/noticia/2011/estrategias_de_combate_ao_preconceito_no_trabalho_sao_tema_de_seminario_no_parana>. Acesso em: 30 setembro 2011.
14
Inúmeras vezes ocorrem atos discriminatórios e despedidas arbitrárias
fundamentadas no fato de ser aquela pessoa uma mácula à imagem da empresa.
Não são poucas às vezes, em que se violam direitos desses trabalhadores.
É nesta conjuntura que o Tribunal Superior do Trabalho (TST)8 acaba de
aprovar Súmula 443, que estabelece a presunção de arbitrariedade na dispensa do
empregado portador do HIV, impondo ao empregador a obrigatoriedade de
reintegração ao emprego.
A nova Súmula tenta em parte suprir a nossa omissão legislativa acerca do
tema e demonstra a clara preocupação do judiciário em aparar aqueles
trabalhadores portadores de moléstia grave.
O presente estudo tem por intuito investigar a gravidade do problema ante a
propagação da Síndrome, principalmente em pessoas em idade de plena
capacidade para trabalhar, e, nesse sentido, tornar explícitos os direitos básicos que
são assegurados pela Constituição, pela OIT e por legislação esparsa, no que diz
respeito àquele empregado que contraiu o vírus da AIDS, o HIV.
Nesse contexto, a presente dissertação busca investigar o trabalhador
portador do HIV e sua relação com a empresa, utilizando as regras da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e os direitos da personalidade como referencial.
O trabalho é dividido em cinco partes distintas, a saber: Introdução; Capítulo I;
intitulado A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E O SEU
DESENVOLVIVENTO NO ORGANISMO HUMANO – ASPECTOS SOCIAIS
RELACIONADOS À CONDIÇÃO HUMANA, ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO; Capítulo
II denominado O DIREITO APLICÁVEL AS RELAÇÕES DE TRABALHO
ENVOLVENDO O TRABALHADOR SOROPOSITIVO; Capítulo III, que tem como
título OS DIREITOS DA PERSONALIDADE APLICADOS AO DIREITO DO
TRABALHO, o Capítulo IV estabelecido como A PERSPECTIVA DA
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) E O TRABALHADOR
PORTADOR DO HIV/AIDS e as Considerações Finais. Nos anexos da pesquisa
apresenta-se acórdãos do TST que enfrentaram a questão, inclusive subsidiando a
criação da Súmula 443.
8 Notícias do TST. Tribunal Superior do Trabalho , Distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/journal_content/56/10157/2412729?refererPlid=10730>. Acesso em: 20 setembro 2012.
15
No capítulo primeiro, o objetivo foi abordar os aspectos relativos ao vírus, à
doença, aos estágios, seus reflexos na sociedade e a própria condição humana do
trabalhador portador do vírus, uma vez que a ocorrência da contaminação impõe a
condição de sobrevirem situações relacionadas à discriminação e ao estigma que
passam a serem temas relevantes da pesquisa.
O capítulo segundo tem por objeto a análise da relação de trabalho do
portador do HIV, quando então se estabelece a perspectiva da aplicabilidade das
normas da OIT, bem como a sua aplicabilidade no direito interno.
Nessa parte se busca também analisar como o direito brasileiro, de forma
analoga, tem abordado a questão, haja vista a ausência de legislação trabalhista
específica à tutela desta relação.
No mesmo capítulo destina-se parte à análise da proteção dos direitos da
personalidade aplicada à relação de trabalho do portador do HIV, investigando os
direitos humanos fundamentais de personalidade no Direito do Trabalho, as
características dos direitos de personalidade, a dignidade da pessoa humana e a
discriminação nas relações de trabalho, sobretudo a proteção da intimidade do
trabalhador soropositivo.
O capítulo terceiro da dissertação apresenta uma discussão jurisprudencial
em que se faz uma análise comparativa das decisões judiciais envolvendo o tema,
sobretudo no que tange a aplicabilidade das normas internacionais e da tutela dos
direitos da personalidade na relação de trabalho.
Finalmente a pesquisa se encerra com as Considerações Finais, em que são
feitas as considerações finais acerca da investigação, por meio da análise crítica do
material levantado e suas consequências à atividade empresarial.
A inserção e aderência desta dissertação esta vinculada a Linha de Pesquisa
"Obrigações e Contratos Empresariais – Responsabilidade Social e Efetividade" do
Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, uma
vez que a pesquisa compreende análise desta relação empresarial estabelecida pelo
portador do HIV e seu tomador de serviços (empresa).
O problema se estabelece no sentido de quais seriam as garantias do
portador do HIV ou daquele acometido pela AIDS, quando inserido numa relação de
trabalho, levando-se em consideração as normas da OIT e os direitos da
personalidade.
16
1. A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E O SEU
DESENVOLVIMENTO NO ORGANISMO HUMANO – ASPECTOS SOCI AIS
RELACIONADOS À CONDIÇÃO HUMANA, ESTIGMA E DISCRIMIN AÇÃO
1.1 DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS HIV e AIDS
1.1.1 O Vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: HIV
Antes de se adentrar a abordagem jurídica especifica do tema, importante se
faz o entendimento e a conceituação da terminologia vírus, para que então se possa
efetivamente explicar e entender o porquê aquele, em específico, exige atenção e
tratamento especiais.
A terminologia deriva do latim virus, que pode ser traduzido como veneno ou
toxina. Os vírus nada mais são do que microscópicos agentes causadores de
infecção, os quais apresentam genoma constituído de uma ou várias moléculas de
ácido nucleico (DNA ou RNA), que, por sua vez, possuem a forma de fita simples ou
dupla9.
Vírus são composições bastante simples, quando comparados a células, e
não são considerados organismos, pelo fato de serem desprovidos de organelas ou
ribossomos, ao tempo em que é destituído de todo o potencial bioquímico ou, em
outras palavras, as enzimas, de maneira que são incapazes de gerar a energia
metabólica indispensável à proliferação e multiplicação10.
Justamente por não terem a capacidade de se multiplicar sozinhos, são
relegados à categoria de parasitas intracelulares obrigatórios, ante a dependência
de células para se proliferarem. Além disso, ao reverso dos organismos vivos, os
vírus são incapazes de aumentar em tamanho e de se dividir. Por isso, a partir das
9 ADELBERG, Edward; MELNICK, Joseph; JAWETZ, Ernest. Microbiologia médica . 20.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. p. 524. 10 SANTOS, Norma Suely De Oliveira; ROMANOS, Maria Teresa Vilella; WIGG, Marcia Dutra. Introdução à Virologia Humana . 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2008. p. 150.
17
células hospedeiras, os vírus obtêm: aminoácidos e nucleotídeos; maquinaria de
síntese de proteínas (ribossomos) e energia metabólica.
Em que pese serem inertes fora do ambiente intracelular, uma vez instalado
na célula, sua capacidade de replicação é surpreendente e absurda: um único vírus
é capaz de se multiplicar, em poucas horas, milhares de novos vírus.
Além disso, chama a atenção o fato de eles formarem a maior diversidade
biológica do planeta, a ponto de ser possível encontrar mais tipos de vírus que
bactérias, plantas fungos e animais juntos.
O HIV é um retrovírus linfotrópico e neurotrófico que pertence à subfamília
Lentiviridae e, como todos os vírus, o da imunodeficiência humana (HIV) se reproduz
utilizando o material genético da célula hospedeira, geralmente um linfócito CD411.
Longe de tentar explicar o complexo processo de invasão e multiplicação do
vírus no organismo humano por ele contaminado, resta esclarecer que o HIV sofre
rápida e fácil mutação após se fixar no núcleo da célula até então saudável e, após
esse processo, rompe sua membrana e lança no corpo a versão já madura do vírus,
o que, por sua vez, recomeça todo o processo12.
Segundo a World Health Organization, o vírus do HIV pode ser transmitido via
sexo vaginal, anal e oral sem a utilização de preservativo, adoção da mesma seringa
ou agulha por mais de uma pessoa, transfusão de sangue contaminado e pela mãe
para o filho durante a gravidez, o parto ou a amamentação, bem como via
instrumentos não esterilizados e aptos a cortar ou furar o corpo13.
A infecção pelo HIV começou a ser observada na metade do século XX. Os
primeiros relatos afirmam que surgiu na África Central, provavelmente pela mutação
do vírus do macaco. Alguns estudos mostram que a possível causa dessa
transmissão possa ter-se dado pela manipulação de carnes de chimpanzés
infectados na África. A doença foi transmitida a algumas comunidades,
disseminando-se rapidamente a todo o mundo14. O caso mais antigo confirmado de
11
KINEL-TAHAN, Yanel. Mechanisms of Development. 11.ed. Ohio: Springer, 2009. p. 230. 12 SANTOS, 2008, p. 150. 13
SANTOS, loc.cit. 14
BRITO, Luciano Abreu. Transmissão vertical do HIV e características associadas em maternidade, Brasil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Pa ulo , São Paulo, 27 de março de 2010, Caderno 4, p. 54.
18
infecção por HIV foi encontrado no sangue coletado de um homem africano em
195915.
O vírus somente foi identificado em 1983, no Instituto Pasteur, na França,
pela equipe chefiada pelo doutor Luc Montaigner, a qual o batizou de LAV
(Lymphadenopathy – associated virus). No entanto, fora o pesquisador norte-
americano Robert Gallo, atuante no Instituto Nacional de Saúde dos Estados
Unidos, quem primeiro publicou a descoberta, oportunidade em que chamou o novo
vírus de HTVL-III (Human T cell leukemia/Lymphotropic virus type III). A questão
acabou resolvida com o reconhecimento da coautoria e o vírus recebeu outra
nomenclatura, passando, então, a ser conhecido como HIV (Human
immunodeficiency Virus) 16.
Três anos depois, descobriu-se outro retrovírus capaz de causar a AIDS,
encontrado em alguns países da África Ocidental, o qual foi denominado de HIV-2,
ou Vírus da Imunodeficiência Humana do tipo-2, assim nominado para diferenciar do
primeiro, agora chamado HIV-1. É certo, também, que além destes dois tipos,
existem outros vários subtipos. No Brasil há registro da existência do HIV-1 e HIV-2,
ressaltando-se que ambos entram no organismo pelo sangue e pelas secreções
sexuais17.
É de forma bastante acelerada que a Medicina avança no aprofundamento e
estudo do vírus e suas consequências no organismo humano.
1.1.2 A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: AIDS
A partir deste esclarecimento inicial a respeito do HIV, é importante ressaltar
que, ao contrário do que se pensa, HIV e AIDS não possuem o mesmo significado e
tampouco representam o mesmo mal, porquanto, conforme está explicado no tópico
anterior, o HIV é o vírus causador da doença denominada AIDS18.
15
SMELTZER, Suzanne; BARE, Brenda. Tratado de enfermagem médico cirúrgica . 12.ed. Rio de Janeiro: Ganabara, 2005. p. 2.456. 16
DUARTE, Alberto José da Silva. Infectologia e ginecologia e obstetrícia . 4.ed. São Paulo: Atheneu, 1997. p. 198. 17
VERONESI, Ricardo; FOCCACIA, Roberto. Doenças causadas por vírus . 4.ed. São Paulo: Atheneu, 2002. p. 83-171. 18 RACHID, Mohamed; SCHECHTER, Mauro. Manual de HIV/AIDS . 8.ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. p. 224.
19
Diferenciando o vírus da imunodeficiência humana e AIDS, ensina MARIA
HELENA DINIZ:
SIDA ou AIDS é a síndrome da imunodeficiência adquirida, pela qual o sistema imunológico do seu portador não consegue proteger seu corpo, facilitando o desenvolvimento de inúmeras moléstias, sendo causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) [...] 19.
Atualmente, é incontroverso o fato de que o HIV passa por um período de
incubação antes da manifestação da doença, cujo interregno, em muitos casos,
pode alcançar e até ultrapassar uma década. Neste contexto, é perfeitamente
correto afirmar que alguém pode ser portador do vírus sem necessariamente estar
com AIDS20.
No final dos anos 70 e começo dos anos 80, a comunidade médica e
científica presenciou de forma perplexa, jovens, geralmente homens, com opção
sexual pelo mesmo gênero, adoecerem rapidamente e perecerem por conta do
surgimento repentino de doenças incomuns para aquela faixa etária.
Entre esses males, sobressaíam duas graves moléstias: um câncer de vasos
sanguíneos raríssimo, denominado sarcoma de Kaposi e uma pneumonia causada
por microorganismo chamado Pneumocystis carinii (nomenclatura recentemente
alterada para Pneumocystis jirovesi), os quais, é importante ressaltar, não
costumavam conduzir com frequência ao óbito, mas em portadores do vírus criavam
verdadeiro potencial de letalidade21.
Cientes de que uma nova e avassaladora enfermidade surgia, o mundo,
nitidamente preocupado se voltou à sua observação e ao se constatar que as
vítimas eram compostas por homossexuais, a moléstia começou a ser chamada de
câncer gay ou peste gay22.
Os norte-americanos, por sua vez, apelidaram a doença de GRID (sigla em
inglês para imunodeficiência relacionada aos gays) e, após constatarem que não só
19 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito . 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 225. 20 PINTO, Teresinha; TELLES, Isabel. AIDS e Escola : Reflexões e propostas do EDUCAIDS. São Paulo: Cortez, 2000. p. 13. 21
RACHID, 2005, p. 224. 22
ROSISTOLATO, Rodrigo Pereira da Rocha. Gênero e cotidiano escolar: dilemas e perspectivas da intervenção escolar na socialização afetivo-sexual dos adolescentes. Scielo , Maranhão, v.17, n.296, p. 23, jan. 2009.
20
os homossexuais, mas também os haitianos, hemofílicos, heroinômanos (viciados
em heroína injetável) e hookers (profissionais do sexo na língua inglesa) também
apresentavam seus sintomas, passaram a chamá-la de ‘doença dos cinco Hs’.
Muito embora no continente europeu o grupo acometido pela moléstia fosse o
mesmo, na África, a situação era bem diferente. Lá se apurou que homens e
mulheres se infectavam por contato heterossexual23.
A sigla AIDS, do inglês Adquired Immune Deficiency Syndrome, ou Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), somente foi criada em 1981 pelo Centro de
Controles de Doenças dos Estados Unidos, após a constatação de que os
heterossexuais e mulheres, até aquele momento considerados livres da epidemia,
também estavam infectados com o vírus24.
No Brasil, onde a doença seguiu os padrões americanos, passou a ser
conhecida pela sigla em inglês, AIDS, ao contrário de Portugal, de países africanos
de língua oficial portuguesa e de países de língua latina, que usam SIDA.
A expressão ‘síndrome’ fora eleita em consideração à observância de que os
sintomas apresentados pelos manifestadores da doença eram vários e
diversificados, enquanto ‘imunodeficiência’ reflete o ataque da moléstia ao sistema
imunológico humano, deixando-o deficitário e, finalmente, ‘adquirida’ porque deriva
de um fator externo, qual seja a presença do HIV no organismo25.
A doença, que durante os anos 80 já era considerada uma pandemia,
justamente por se verificar sua presença em todos os continentes, tornou-se uma
das mais temidas do século e, diante da total ausência de informações concretas e
específicas sobre os mecanismos de transmissão, levaram a um generalizado
estado de pânico na sociedade mundial.
À época, a esmagadora maioria das pessoas se recusava terminantemente a
apertar a mão de alguém contaminado, inclusive deixando de permanecer no
mesmo ambiente fechado, preocupadas com a eventual e possível contaminação
pelo ar, tal qual ocorre com a gripe. Havia, ainda, inúmeras dúvidas quanto ao fato
de a AIDS poder ou não ser repassada por mosquitos ou em piscinas, banheiros
públicos, uso compartilhado de talheres, ou até mesmo pelo beijo26. Após detido
23
PINEL, Arletty; IGLESI, Elisabete. O que é AIDS . 3.ed. São Paulo: Brasileirese, 1996. p. 23. 24
RUBEO, Afonso Delgado. 96 perguntas sobre AIDS . 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 56. 25
RUBEO, loc.cit. 26
PINEL, 1996, p. 56.
21
estudo sobre a progressão da doença no organismo, concluiu-se que a infecção pelo
HIV manifesta-se clinicamente como um processo trifásico27.
ANDRADE E PEREIRA asseveram que o corpo humano demora, em média,
de duas a quatro semanas para acusar a presença do vírus no organismo, período
conhecido como incubação, ao tempo que 5% das pessoas contaminadas,
aproximadamente, desenvolvem AIDS dentro de três anos contados a partir da
contaminação pelo vírus, 20 a 25% em seis anos, 50% dentro de 10 anos e cerca de
12% dos indivíduos contaminados permanecerão assintomático por mais de 20
anos28.
O Ministério da Saúde, por sua vez, explica, quanto ao desenvolvimento da
doença, que a incidência do vírus no organismo ataca o sistema imunológico,
iniciando-se, então, a primeira fase chamada de infecção aguda, a qual perdura até
o surgimento dos primeiros sinais da doença, demorando o corpo de trinta a
sessenta dias para produzir anticorpos anti-HIV.
Aduz que os primeiros sintomas são muito parecidos com os de uma gripe,
pois é comum o enfermo desenvolver febre e sentir mal-estar, razão pela qual a
maioria dos casos passa despercebido inclusive pelos médicos29.
A próxima fase é marcada pela forte interação entre as células de defesa e as
constantes e rápidas mutações do vírus, mas, incapazes de enfraquecer o
organismo o suficiente para permitir novas doenças, pois, nesta fase, os vírus
amadurecem e morrem de forma equilibrada. Esse período, que pode durar muitos
anos, é chamado de assintomático, tendo em vista que não provocam aparentes
modificações no estado de saúde do contaminado30.
No entanto, devido ao ataque persistente e ininterrupto do vírus ao sistema
imunológico, as células de defesa começam a funcionar com menos eficiência até
serem definitivamente destruídas, enfraquecendo gradativamente o organismo,
deixando-o vulnerável a infecções de toda a ordem.
Logo, a fase sintomática inicial é caracterizada pela significativa redução dos
linfócitos T-CD4 – glóbulos brancos do sistema imunológico – que chegam a ficar
abaixo de 200 unidades por mm³ de sangue. Em adultos saudáveis, esse valor varia 27
VERONESI, 2002, p. 83-171. 28
RUBEO, 1997, p. 56. 29Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012. 30 Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012.
22
entre 800 a 1.200 unidades. Os sintomas mais comuns são: febre, diarreia, suores
noturnos e emagrecimento31.
A redução das células defensivas do corpo provoca a queda da imunidade,
permitindo o surgimento das temidas doenças oportunistas, merecedoras deste título
por se aproveitarem da fraqueza do organismo.
Com a baixa imunidade, atinge-se o estágio mais avançado da doença, a
AIDS. Quem alcança este estágio, seja por desconhecer a presença do vírus ou por
não seguir o tratamento apropriado e indicado pelos médicos, corre o risco de sofrer
de hepatites virais, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose e alguns tipos de câncer,
que podem conduzir ao óbito precoce32.
É notável o avanço médico e científico operado nas últimas três décadas,
porém, em que pese os vários estudos acerca do tema, até o momento não se
revelou uma terapêutica de eficácia comprovada para a cura da AIDS, existindo
somente uma ação combinada de medicamentos antirretrovirais, que tem como
função inibir a reprodução do vírus e auxiliar na prevenção de infecções
oportunistas33.
Mencionado avanço evidencia, num futuro próximo, a possibilidade de
obtermos uma vacina para extermínio do vírus.
1.2 DAS RELAÇÕES SOCIAIS ENVOLVENDO OS PORTADORES DO HIV/AIDS –
ASPECTOS COMPORTAMENTAIS
1.2.1 A Condição Humana e a Pessoa Portadora do HIV/AIDS
Entre as inúmeras significações, pode-se afirmar que o Direito existe para
mecanizar e regular as condutas e as relações operadas entre os seres humanos.
Ainda que não de maneira organizada, é correto afirmar que sua criação nos remete
à origem do próprio homem, época em que os mais fracos se submetiam ao
31Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012. 32 Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012. 33 RACHID, 2005, p. 201.
23
regramento e às vontades do mais forte ou mais poderoso, cuja vitória,
indiscutivelmente, lhes garantia a sobrevivência.
Segundo Hanna Arendt, nenhuma vida humana é possível sem a presença de
outros seres humanos. Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato
de que os homens vivem juntos, o que estabelece que a condição humana não
possa ser entendida com o mesmo significado de natureza humana34.
A condição humana é sistematizada assim em três fundamentais aspectos:
Labor, trabalho e ação35. O labor tem como característica ser um processo biológico
essencial para a sobrevivência da espécie, o trabalho o processo de transformação
de coisas naturais em artificiais e a ação a caracterizada pela necessidade do
homem viver em sociedade.
A ação seria o único elemento que não poderia ser imaginado fora da
sociedade do homem, porque é uma prerrogativa do homem e depende da presença
de outros, uma vez que a atividade do trabalho não requer necessariamente a
presença de outros, apesar de que um ser que trabalhasse em completa solidão não
seria humano.
A economia que se baseia na premissa de que os homens agem em relação
às suas atividades econômicas, só veio adquirir caráter científico quando os homens
tornaram-se seres sociais e passaram a seguir padrões de comportamento sob pena
de serem considerados associal ou anormal.
1.2.2 O Trabalho Como Condição Humana Para a Vida em Sociedade
Seguindo ainda o pensamento desenvolvido por ARENDT36, força de trabalho
seria algo que o homem possui por natureza e o acompanharia até sua morte, que
difere do chamado ‘produto’, uma vez que a força de trabalho não acabaria ao final
da produção, ou seja, “O labor não deixa atrás de si vestígio permanente”. “O que os
bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo do
34 ARENDT, Hannah. A condição humana . 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 245. 35 ARENDT, loc.cit. 36 ARENDT, 2007, p. 232.
24
homem”. O primeiro permite a vida; o segundo é necessário aos relacionamentos
humanos.
Em suma, o homem se torna dependente e condicionado daquilo que produz,
significando ‘A condição humana’, como sendo as condições que o homem se impõe
e se submete para viver em sociedade.
Outra distinção entre trabalho e labor se estabelece uma vez que o labor
exige o consumo imediato enquanto trabalho não.
Seria por meio da troca de produtos, troca intermediada pelo valor de troca,
que se dão as relações humanas, visto que, durante a produção os homens
encontram-se isolados uns dos outros. “Sem isolamento nenhum trabalho pode ser
produzido” 37.
“Somente quando pára de trabalhar e quando o produto está acabado é que o
trabalhador pode sair do isolamento” 38.
Os aspectos comportamentais da vida em sociedade que envolve o Trabalho,
o Labor e a Ação apresentam significativa peculiaridade quando a pessoa
investigada apresenta algum tipo de desequilíbrio física ou mental, sobretudo
quando tal desequilíbrio teve como causa uma doença ou moléstia grave.
As relações em sociedade destas pessoas que são portadoras de uma
moléstia grave foram bem analisadas pela socióloga americana SUSAN SONTAG:
Eis uma característica da visão comum da peste: a doença invariavelmente vem de outro lugar. Os nomes recebidos pela sífilis na última década do século XV, (...) constituem um excelente exemplo da necessidade de encarar uma doença temida como algo estrangeiro. (...) Mas essa observação (...) revela uma verdade mais importante: a de que há uma ligação entre o imaginário da doença e o imaginário do estrangeiro. Suas raízes se encontram talvez no próprio conceito de errado, sempre identificado como não nós, o estranho39.
SONTAG alertava que "tais fantasmas florescem porque consideramos a
tuberculose e o câncer muito mais do que como doenças que comumente são (ou
eram) fatais. Nós os identificamos como a própria morte” 40 e que "a doença é o lado
37
Ibid, 174. 38 ARENDT, loc.cit. 39 SONTAG, Susan. A aids e suas metáforas . 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 7. 40 SONTAG, 1989, p.25.
25
sombrio da vida, uma espécie de cidadania mais onerosa. Todas as pessoas vivas
têm dupla cidadania, uma no reino da saúde e outra no reino da doença” 41.
Acrescenta ainda, citado autor, que "nada é mais punitivo do que atribuir um
significado a uma doença quando esse significado é invariavelmente moralista.
Qualquer moléstia importante cuja causa é obscura e cujo tratamento é ineficaz
tende a ser sobrecarregada de significação” 42.
A ideia de que a AIDS vem castigar comportamentos divergentes e a de que
ela ameaça os inocentes não se contradizem em absoluto. Tal é o poder, a eficácia
extraordinária da metáfora da peste: ela permite que uma doença seja encarada ao
mesmo tempo como um castigo merecido por um grupo de ‘outros’ vulneráveis e
como uma doença que potencialmente ameaça a todos. [...] Mais do que o câncer, e
de modo semelhante à sífilis, a AIDS parece ter o poder de alimentar fantasias
sinistras a respeito de uma doença que assinala vulnerabilidades individuais tanto
quanto sociais. O vírus invade o organismo; a doença (ou, na versão mais recente, o
medo da doença) invade toda a sociedade43.
Com o passar do tempo e com o advento da sociedade, entretanto, sentiu-se
a necessidade de se criarem e se adotarem regras, ainda que simplificadas, com o
intuito de se facilitar e se restringir o comportamento humano nocivo àquele
ambiente social.
1.2.3 Os Conceitos de Estigma e Discriminação
É muito comum na doutrina haver uma confusão acerca das definições do
que se entende por preconceito, discriminação e estigma, o que impõe já de forma
inicial um esclarecimento acerca desses conceitos.
IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS44 afirma que o preconceito não pode
ser tomado como sinônimo de discriminação, pois esta é fruto daquele, ou seja, a
discriminação pode ser provocada e motivada pelo preconceito.
41 SONTAG, loc.cit. 42 Ibid, 1989, p.76. 43 Ibid, 1989, p. 80. 44 SANTOS, Ivair. O movimento negro e o Estado (1983-1987): O caso do conselho de participação e desenvolvimento da comunidade negra no governo de São Paulo. São Paulo: CONE, 2007.
26
Discriminação é um conceito mais amplo e dinâmico do que o preconceito.
Ambos têm agentes diversos: a discriminação pode ser provocada por
indivíduos e por instituições e o preconceito, só pelo indivíduo. A discriminação
possibilita que o enfoque seja do agente discriminador para o objeto da
discriminação45.
Enquanto o preconceito é avaliado sob o ponto de vista do portador, a
discriminação pode ser analisada sob a ótica do receptor.
Para MAURÍCIO GODINHO DELGADO, discriminação seria a "... conduta
pela qual se nega à pessoa tratamento compatível com o padrão jurídico assentado
para a situação concreta por ela vivenciada...” 46.
O mesmo autor47 lembra também ser de suma importância estabelecer que a
constituição repudia toda e qualquer manifestação que importe em distinção das
pessoas em razão de fatos injustamente desqualificantes.
Já para MÁRCIO TÚLIO VIANA48, existiriam duas formas de discriminação,
uma contrária à lei e outra praticada com as próprias regras, sendo a primeira
visível, reprovável de imediato e a segunda, despercebida.
O estigma por sua vez é definido por CARLOS ROBERTO BACILA como:
[...] um sinal ou marca que alguém possuiu que recebe um significado depreciativo (...) gera profundo descrédito e pode também ser entendido como defeito, fraqueza ou desvantagem. Daí a criação absurda de duas espécies de seres: os estigmatizados e os “normais”, pois, afinal, considera-se que o estigmatizado não é completamente humano49.
Com base nessa distinção, poderíamos estabelecer duas hipóteses a serem
aplicadas ao empregado quando este for portador do HIV.
45Dissertação de Mestrado . Disponível em:<http://www.dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_ivair_santos_movimento_negro_sp. df>. Acesso em: 16 setembro 2012. 46 DELGADO, Maurício Godinho. Proteções contra discriminação na relação de empreg o. 2.ed. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2000. p. 113. 47 Ibid, p. 54. 48 VIANNA, Márcio Túlio. Direito de Resistência . 2.ed. São Paulo: SP: Editora livraria dos tribunais, 1996. p. 210. 49 BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos . Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 24-25.
27
A primeira seria quando o trabalhador, tão somente é portador do vírus, e este
não compromete em nada a sua prestação de serviços em razão do vírus não se
manifestar junto ao sistema imunológico.
Nessa hipótese, a capacidade laboratícia não estaria comprometida, contudo,
o sentimento de estigma poderia acompanhar o trabalhador, independente do fato
de a questão ser de conhecimento da empresa e dos colegas de trabalho.
A outra hipótese seria quando o vírus atua junto ao sistema imunológico do
empregado, possivelmente comprometendo sua capacidade laborativa.
Nesse caso, não obstante incidam as regras de suspensão contratual em
decorrência da necessidade de afastamento previdenciário, em muitos casos
haveria também a possibilidade de ocorrerem atitudes de cunho discriminatório por
parte do empregador ou até mesmo preconceituoso por parte de seus colegas de
trabalho, seja pelas marcas impostas pela doença e tratamento, seja pela origem do
contágio.
1.2.4 O Direito como Regulador das Relações Sociais
RUDOLF VON IHERING50 sustenta que a conquista dos direitos, desde
sempre, se deu através da luta, ante a necessidade de impor aquilo que se julga
correto e aplicável dentro do contexto social em que se vive, seja no que se
relaciona a um único indivíduo ou a todo um agrupamento, de maneira que se deve
ser firme diante de possíveis opositores, angariando aliados e simpatizantes da
mesma causa a ser conquistada, sempre visando ao bem comum dos agrupados.
Nesse contexto, prossegue o autor classificando o Direito, sob dois enfoques:
objetivo e subjetivo. Segundo afirma, “o sentido objetivo é o conjunto de princípios
jurídicos aplicados pelo Estado à ordem legal da vida. Já o subjetivo é a transfusão
da regra abstrata no direito concreto da pessoa interessada” 51.
Portanto, sob a perspectiva objetiva, o Direito é a criação de normas jurídicas
aptas a regularem determinadas relações sociais, ao passo que o enfoque subjetivo
emana da aplicação de referidos regramentos ao caso concreto, seja para proteger
50 IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito . 23.ed. São Paulo: Forense, 2008. p. 4. 51
IHERING, 2008, p. 4.
28
o homem ou para lhe aplicar uma sanção na hipótese do descumprimento de uma
regra de conduta.
A trajetória do Direito do Trabalho não se distancia desse contexto, pois, ao
se debruçar sobre a evolução histórica do trabalho, sob a ótica filosófica, percebe-se
as profundas alterações nas relações dos trabalhadores perante aqueles que
necessitavam da força do trabalho.
Assim, a prestação do serviço humano se transmutou de singela prestação
servil exploradora e desumana para uma prestação subordinada, assalariada e com
dupla dependência.
Isso porque, se determinado indivíduo exerce uma atividade laboral, o faz
para de ela retirar, no mínimo, seu sustento, de maneira que só fará sentido sua
escolha se houver outro que dependa daquela mão de obra ou precise produzir o
bem da vida ou, ainda, usar e gozar dos frutos da produção realizada pelo
trabalhador. A relação de trabalho, portanto, passa a ser uma relação de
interdependência52.
São notórias e indiscutíveis as consequências advindas da percepção pelo
elo mais fraco dessa relação de interdependência, podendo-se tomar como exemplo
a própria Revolução Francesa, durante a qual burguesia e proletariado, ao se unirem
na busca de um interesse comum, derrubaram a monarquia e iniciaram a fase do
liberalismo nas relações políticas, sociais e de trabalho, brigando pela mínima
interferência do governo nas relações sociais e econômicas, a tal ponto que o
Estado, antes detentor do domínio absoluto das ligações interpessoais, passa a
mero garantidor da efetividade da acepção do trabalho, ganhando maior relevância a
autonomia das vontades53.
Apesar do avanço operado na França, foi durante a Revolução Industrial,
iniciada na Inglaterra, que a complexidade das relações de trabalho se verificou, pois
a confecção da máquina a vapor, seguida da descoberta da eletricidade, impingiu
novo ritmo à produção nas indústrias, com principal destaque para a têxtil e a
metalúrgica, pois foi aí que o trabalho manufaturado fora substituído pela fábrica, a
52 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria ger al do direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11. 53 ibid, 2001, p. 15.
29
qual evoluiu para a linha de produção, forçando a divisão e a especialização do
trabalho54.
No entanto, o progresso conquistado até ali desencadeou um processo
sofrido e decadente para aqueles que eram hierarquicamente inferiores, pois os
empregadores detinham com exclusividade os meios de produção e, lastreados na
livre iniciativa e no liberalismo desenfreado, passaram a explorar intensamente a
mão de obra, determinando que os trabalhadores exercessem suas atividades por
períodos demasiadamente longos e sem intervalos, em ambientes insalubres,
desrespeitando a saúde e relegando o bem estar e a vida do empregado à própria
sorte55.
MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO afirma que:
Na última década de oitocentos, os Estados iniciam uma intervenção normativa sistemática nesta área, pondo termo ao abstencionismo legislativo que caracterizara o século. A partir desta época, regulariza-se a emissão de legislação avulsa em matéria de tempo de trabalho, de condições de trabalho, de segurança e higiene no trabalho, de acidentes de trabalho e de jurisdição laboral, em boa parte pelo impulso da doutrina social da Igreja. (2005, p. 37) 56.
A deterioração da condição humana fora tamanha que homens, mulheres e
crianças começaram a perecer diante do trabalho diuturno e sem descanso,
iniciando-se, assim, manifestações populares em toda a Europa nos séculos XVIII e
XIX, as quais resultaram na criação de normas avulsas acerca do período do labor
desenvolvido, bem como a segurança daqueles que o desempenham e a higiene no
local de trabalho.
54 VIANNA, Segadas; SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho . 16.ed. São Paulo: Editora livrarias dos tribunais, 1996. p. 39. 55 NASCIMENTO, op.cit., p. 18. 56
RAMALHO, Maria do Rosário. Direito do trabalho : Situações laborais individuais. 3.ed. Lisboa: Almedina, 2009. p. 37.
30
2. O DIREITO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO ENVOLVENDO O
TRABALHADOR SOROPOSITIVO
2.1 O DIREITO BRASILEIRO E A TUTELA DO TRABALHADOR PORTADOR DO
HIV/AIDS
2.1.1 A Proteção do Trabalho na Constituição de 1988
A Constituição brasileira estabelece como princípios fundamentais à
dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade entre todos, os valores
sociais do trabalho, a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e
de critério de admissão de sexo, idade, cor ou estado civil, a justiça social
assegurada pela redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno
emprego, conforme seus artigos 1º, III; 3º, IV; 5º, caput e I; 7º, XXX e 170, VII e
VIII57.
Contudo, existem dois direitos fundamentais que desempenham um papel
preponderante no contexto macroeconômico, mas, apenas um deles será tratado
com mais eloquência, pois correlacionado com as relações de trabalho envolvendo
pessoas portadoras de HIV.
Entende-se por direitos macroeconômicos, aqueles fundamentais relativos à
propriedade (art. 5º , caput, XXII e ss. da CRFB) e da liberdade profissional, descrita
no artigo 5º, inciso XIII, da Carta Maior, pois a atividade empresarial, enquanto
liberdade individual encontra como se verá, lastro constitucional.
Logo, diante da relevância com o assunto tratado, é a liberdade profissional
que garante constitucionalmente que cada qual eleja e exerça qualquer trabalho,
ofício ou profissão, desde que, obviamente, possuam as qualidades especiais
estabelecidas em lei para tanto. Ou seja, aquele portador do vírus e detentor da
AIDS, por mais agudo que esteja o quadro da doença, está apto a exercer
dignamente qualquer profissão ou função de sua área dominante, devendo os
57
RAMALHO, 2009, p. 37.
31
empregadores não somente agir com parcimônia, bem como dignamente, aceitando
as condições daquele capaz de realizar com afinco as atividades correspondentes a
seu cargo, justamente por não haver que se falar em dano ao empregador o simples
fato de aceitar para a equipe de trabalho um indivíduo doente, sob a justificativa de
que ele não desempenhará as atividades como uma pessoa sadia.
Qualquer pensamento diverso do exposto acima afronta diretamente a
dignidade da pessoa humana, além de ser considerado eticamente reprovável
perante a sociedade58.
De certa forma, a oração do inciso, ao prescrever “atendidas às qualificações
que a lei estabelecer” fixou uma reserva legal, porque atribuiu ao legislador uma
competência, da qual ele pode se valer ou não.
Tanto o é que, justamente por isso, segundo o teor do dispositivo, a escolha
da profissão não foi expressamente assegurada.
Porém, logicamente, o livre exercício de um determinado trabalho, ofício ou
profissão pressupõe que sua escolha também seja livre, isso porque há de se
interpretar o dispositivo extensivamente, significando, a título exemplificativo, que
uma decisão de uma universidade pública de fechar um curso representa uma
intervenção estatal na liberdade profissional dos atingidos, porque cercearia sua
liberdade de escolher aquela determinada profissão59.
Ainda, aproveita-se a redação do inciso para os casos onde o empregador,
por motivos injustificáveis, com notável preconceito contra pessoa portadora do HIV,
não contrata ou não disponibiliza a vaga para àquela determinada pessoa,
ignorando, assim, suas qualificações e aptidões60.
Insta salientar ainda a necessidade de realizar um exame mais completo
acerca da constitucionalidade das leis acima destacadas, indicando os quesitos que
deveriam ser investigados com o fim de comprovar a técnica-jurídica capaz de
instruir decisão judicial dogmaticamente correta61.
Acerca da liberdade de profissão disciplinada pela Carta Magna é tratada por
LEONARDO MARTINS, in verbis:
58 CAMARGO, Marcelo Novelino. Leituras Complementares de Direito Constitucional . 3.ed. Bahia: Juspodivm, 2009. p. 263. 59
RAMALHO, 2009, p. 37. 60 CAMARGO, op.cit., p. 263. 61 CAMARGO, loc.cit.
32
A liberdade de profissão ou de ofício representa, no entanto, a despeito da ordem em que surgem no dispositivo do art. 5°, XIII , CF uma liberdade matriz em relação à liberdade de trabalho, o que se dá em face do caráter efêmero desta em relação àquela. Em sendo a liberdade de trabalho uma liberdade que traz um plus de proteção, que tem suas raízes na liberdade profissional (atividade individual voltada à subsistência econômica), tal adição não poderá resultar na contradição da raiz, ou seja, a não proteção da profissão ilícita deve ser entendida à não proteção do trabalho ilícito, assim como a proteção da atividade duradoura foi estendida à atividade não duradoura da liberdade de trabalho. Trata-se portanto, de uma ocorrência material, que deve prevalecer quando se considera a área de proteção do art. 5°, XIII, da CF em seu conjunto. O teor do dis positivo embasa este entendimento62.
Expicado isso, claro está que o trabalho ilícito não comporta o rol de direitos
tutelados pela Constituição, mas tão somente aqueles trabalhos que são
considerados dignos e lícitos, fazendo-se necessária a junção a essa norma, do
princípio da dignidade da pessoa humana, em que tal dispositivo se apresenta como
integrador da ordem jurídica, assumindo funções extremamente relevantes no
trabalho de qualquer jurista que se preze.
Assim, há que se abordar este princípio, pois se apresenta como instrumento
de solução no caso de lacunas deixada pelo legislador na hora de criar leis, ou até
mesmo nas relações conflituosas entre normas que se encontram num mesmo nível
hierárquico ou, ainda, entre os próprios princípios dotados de carga valorativa nos
casos concretos, os quais detêm o poder de vincular todos os envolvidos na ordem
jurídica, porquanto apresentam um caráter de comando de dever ser, assim como
uma disposição legislativa ordinária, funcionando tais princípios como regras de
conduta, bem como funcionando como elemento de complementariedade do próprio
homem63.
Dessa forma, para que seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa
humana e, ainda, não ser o empregado portador do vírus mais vulnerável do que os
demais trabalhadores, prejudicado por uma ordem superior que fira seus direitos
minimamente dignos, deve-se analisar, profundamente e entender o significado da
expressão vida digna.
62 CAMARGO, 2009, p. 265. 63 SILVA, Elizabet Lelal. Emancipação do Trabalhador e Dignidade no Trabalho . 2.ed. Porto Alegre: Frabriseditor, 2011. p. 13.
33
2.1.2 A Função Social da Empresa e a Relação de Trabalho
A função social atrela-se à descoberta da dimensão social do direito, onde
parte-se da conceituação de IHERING64, que prioriza uma ética material, ligada a
dados sociais objetivos, sendo esses, denominados como os interesses decorrentes
das relações e forças sociais.
Ainda que IHERING65 tenha refletido aceca da função social do contrato, uma
vez considerado puramente individual, anuiu com a possibilidade de inserção destes
na vida social. Contudo, tal teoria necessita ser acrescida de uma característica
importante, sendo que o fim para o qual o contrato serve não é puramente individual,
mas sim de solidariedade social, cujo resultado é a moderação do poder da vontade
como critério único para definição do conteúdo do direito.
Assim, a função social é causa do contrato, devendo ser considerada como
instrumento do controle e da adequação valorativa das declarações de vontade, pois
o aspecto objetivo da causa precisa estar em consonância com seu reflexo
subjetivo, restando configurado como a vontade individual dirigida a um interesse
concreto66.
Cabe salientar que a ideia de função enseja a necessidade de correlação
entre o ato praticado pelos particulares e a finalidade para a qual o modelo jurídico
do contrato foi criado, existindo, desta forma, os princípios da autonomia privada,
socialidade, eticidade e funcionalidade.
Portanto, o contrato não pode ser visto e definido somente a partir da sua
estrutura, tendo em vista que o mesmo serve de instrumento de autocomposição e
autorregularão das relações privadas e não como autodeterminação e liberdade de
exercício das atividades econômicas67. Isto porque, a eficácia do contrato atrela-se
ao princípio da relatividade de seus efeitos, sendo vedada a exteriorização de suas
consequências sobre terceiros ou até mesmo considera-los como parte do contrato.
64
IHERING, 2008, p. 5. 65
CAMARGO, 2009, p. 263. 66
SILVA, 2011, p. 13. 67
SILVA, loc.cit.
34
Dessa forma, foi em razão da função social dos contratos que nasceram as
Leis do Abuso do Poder Econômico, do Inquilinato e do Código do Consumidor,
sendo coerentemente lógica a possibilidade da utilização deste para regulamentar a
proteção conferida aos portadores do HIV nas relações de trabalho, pois, conforme
exposto, é considerado hipossuficiente da relação jurídica, assemelhando-se, por
assim dizer, ao consumidor e ao inquilino.
Cabe ressaltar que o interesse social, advindo da função do contrato, não é
oposto ao interesse das partes, mas sim uma atribuição do ordenamento sob a
perspectiva normativa68. Consequentemente, tal função social serve de proteção aos
interesses particulares de um dos contratantes, tendo por pressuposto de sua
finalidade imediata, a natureza econômica e particular e a mediata a natureza social
e geral.
Isto posto, é visível que a preservação do mercado e da própria integridade
da autonomia privada faz parte do interesse social, promovendo assim, a circulação
de bens e serviços com segurança jurídica e previsibilidade.
Em contrapartida, a tipicidade social possui máxima importância para
determinar os casos em que a liberdade contratual é extrapolada, quando o mesmo
não corresponde ao tipo social, podendo ser fruto de criatividade empresarial ou
negocial dos agentes privados, devendo ser transformado para se amoldar ao tipo
ou acabar rejeitado pelo ordenamento jurídico em razão da falta de correspondência
entre sua função social típica e o preceito decorrente da estipulação entre as
partes69.
Ao se falar em função social do contrato, imediatamente deve-se associar ao
disposto no artigo 42170 do Código Civil, o qual preceitua, em outras palavras, que a
função social do contrato é que delimitará a liberdade de contratar.
Esta previsão legislativa, embora de caráter civil, está relacionada ao Direito
do Trabalho por ser correlata ao previsto no parágrafo único do artigo 8º da CLT, e
dela emerge discussão sobre os limites a serem respeitados ao direito potestativo do
empregador encerrar o contrato de trabalho.
Nesses termos a discricionariedade de extinção contratual deve se amoldar
ao principio do fim social do contrato com observância da dignidade da pessoa
68
IHERING, 2008, p. 3. 69
CAMARGO, 2009, p. 263. 70 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
35
humana, da valorização social do trabalho, do fim social da propriedade e da busca
do pleno emprego71.
No campo prático, verifica-se que já nos idos de 2003, a questão era debatida
judicialmente desde então prevalecendo o respeito deste parâmetro, podendo ser
indicado pela decisão proferida pelo juízo da 4º Vara do Trabalho de São Paulo e,
mantida em grau de recurso originário pelo Tribunal Regional seguida por sua
confirmação pelo TST em situação que embora não tenha se considerado como
discriminatória a dispensa de empregado portador de HIV fora ele reintegrado com
supedâneo nos princípios da função social da empresa e do contrato ressaltando-se
que “qualquer meio de produção deve visar à valorização do trabalho humano, de
forma propiciar condições de vida digna, contribuindo para o bem estar e distribuição
da justiça social” 72.
Note-se, por oportuno, que principalmente naquela época não havia
estabilidade legislativa para beneficiar o detentor do vírus, podendo-se afirmar que a
questão da função social, diante de sua evidente importância, bastava à
reintegração, justamente, por ser este trabalhador em específico, vulnerável aos
demais por serem os recursos provindos de seu emprego indispensáveis à melhora
de a sua qualidade de sobrevida.
Assim, é de se estabelecer que a função social somente será alcançada no
momento em que, no mínimo, a empresa observar a solidariedade, a justiça social, a
redução das desigualdades sociais, a busca de pleno emprego, o valor social do
trabalho, a dignidade da pessoa humana e os valores ambientais, cuja previsão vem
estampada na Constituição de 198873.
71
CAMARGO, 2009, p. 263. 72 REINTEGRAÇÃO. PORTADOR DE HIV. I - O Regional manteve procedência do pedido de reintegração do reclamante portador do vírus HIV, ao fundamento de que a questão deve ser analisada pelo prisma da função social da empresa e do contrato de trabalho, sob a nova ótica emprestada pelo Código Civil/2002. II - O recurso não comporta conhecimento, pois nenhum dos paradigmas válidos é específico (Súmula nº296/TST), não se divisa ofensa literal e direta ao art. 5º, II, da Constituição da República e os demais dispositivos constitucionais carecem do indispensável prequestionamento (Súmula nº 297/TST). ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. I - O Regional concluiu que o adicional por tempo de serviço não era considerado para efeito de cálculo das horas extras, nem mesmo no período imprescrito, razão por que a insurgência da reclamada encontra óbice intransponível na Súmula nº 126/TST, que veda o reexame dos elementos fático-probatórios em sede de recurso de revista. II - Ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido não enfrentou a matéria pelo prisma dos artigos. 5º, XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República, razão por que o recurso também não se viabilizaria por força da Súmula nº 297/TST. III - Recurso integralmente não conhecido. 73 CAMARGO, 2009, p. 263.
36
Essas normas refletem como verdadeira intervenção estatal no domínio
econômico, perfazendo compulsório seu cumprimento.
Ao contrário do que pode parecer, a função social da empresa não
representa, necessariamente, que somente o interesse da maioria será observado, à
medida que a própria empresa, em comportamento positivo, se beneficiará ao
respeitá-la, porquanto sua atividade será mais lucrativa devido a menor tendência do
poder estatal intervir em suas decisões, isto porque, prevalecerá o respeito às
normas Constitucionais e Infraconstitucionais impostas pelo legislador74.
Ademais, a observação dos preceitos éticos importará em maior
confiabilidade e segurança diante da coletividade, acabando por se tornar parte
fundamental ao melhor funcionamento da sociedade a qual está inserida, auxiliando
sobremaneira ao desenvolvimento do mercado nacional através da qualidade dos
seus serviços e produtos.
A conclusão acima externada resplandece, também, do inegável fato de a
empresa depender do mercado para continuar ativa, necessitando de mão de obra
qualificada bem como de consumidores para obter resultados favoráveis, e será
através do comportamento ético esperado que se alcançará o reconhecimento e
aceitação da sociedade.
Nestes termos, a empresa moderna não se restringe a uma função
econômica, justamente por ter visto suprimida o absoluto poder de dispor dos bens
de produção e da propriedade, ante a mitigação pelo constituinte da previsão de
cumprir a função e o dever social75, que nada mais é do que a necessidade de se
manter em consonância com os direitos e interesses dos mais diversos públicos com
os quais acaba interagindo, devendo sempre contribuir para o crescimento
ininterrupto das pessoas proporcionando-lhes, dessa forma, melhor desenvolvimento
social com relações econômicas mais justas.
Falar em responsabilidade social é buscar a concretização de valores de
modo a conciliar a necessária captação de lucros, inerente à atividade pecuniária e,
ao mesmo tempo, contribuir ativamente com os interesses da sociedade e seu bem
comum.
Nos dizeres de PATRÍCIA ALMEIDA ASHLEY:
74 CAMARGO, loc.cit. 75 VIANNA, 1996, p. 39.
37
O compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização, nesse sentido, assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para melhoria da qualidade de vida da sociedade.76
Assim, a responsabilidade social deve ser vista como uma maneira de
veicular as atividades empresariais de tal jeito que a tornem parceira e
corresponsável pelo desenvolvimento do grupo, significando que só será
socialmente responsável quando alcançar a capacidade de entender e dirimir os
interesses e anseios das mais diversas partes, leia-se: funcionários, acionistas,
fornecedores, consumidores, prestadores de serviço, meio ambiente e governo,
conciliando, ainda, tudo isso a capacidade de incorporá-los no programa de suas
atividades, atendendo as demandas de todo este universo social e não unicamente
dos proprietários77.
Neste diapasão, no momento que uma empresa efetivamente direciona seus
serviços de molde a proporcionar o aumento do bem estar, tanto no que concerne
ao ambiente interno quanto ao externo, alcança o status de empresa cidadã, pois,
deste modo, estará agindo em consonância com o direito e sua função social,
sempre zelando pelo princípio da boa fé em todas as etapas do negócio e
promovendo uma concorrência saudável e leal78, tornando-se fruto da sociedade e
dela tirando seu sustento de maneira a fechar um ciclo econômico saudável.
A função social, importante ressaltar, não se limita unicamente à empresa,
mas sim a toda espécie de conglomerado que possua relações com a sociedade,
em outras palavras, que tenha o poder de ser manobrada de modo antissocial ou
mal-intencionado, em detrimento de muitos.
76 ASHLEY, Patrícia Almeida. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 7. 77 VIANNA, 1996, p. 39. 78 VIANNA, loc.cit.
38
Acerca do tema, inclusive, vale lembrar o consignado no artigo 153, da
Constituição de Weimar, no sentido de que: “A propriedade gera obrigações. Seu
uso deve ser ao mesmo tempo um serviço em prol do interesse geral” 79.
É certo que o interesse do todo merece maior relevo no que concerne ao
mundo empresarial, por se tratar de legítima célula de produção econômica, da qual,
evidentemente, a vida laboral e financeira do homem se inicia.
Tal assertiva deriva do fato de que a empresa representa verdadeiro
organismo produtivo, seja pelo que oferece à comunidade, ainda que sob a condição
de lucro, pelas relações de emprego que gera, das quais não somente o trabalhador
dependerá, mas toda sua família, não havendo como se negar, portanto, que,
independentemente do regime político em que está inserida, sempre haverá uma
função que deverá atender aos anseios do povo80.
Importante ressaltar que, sob a ótica do direito moderno, o conceito de
propriedade se mistura com o próprio conceito de função social, na medida em que
se tornou óbvio que o detentor da riqueza, ou seja, o proprietário, possui grande
responsabilidade sobre aquilo que construiu, sendo defeso a ele transformar o que
gerou em algo improdutivo, estéril, incapaz de gerar emprego e sustento à
população que anseia por trabalho, parecendo extremamente razoável, para estes
casos, a intervenção governamental no sentido de obriga-lo a cumprir a função
social a que se destina.
Por isso, nada mais lógico que a função social da empresa também seja
digna da mesma relevância impingida à propriedade, porquanto, como dito, aqui se
concentra considerável fonte de riquezas, com inúmeras possibilidades de geração
de emprego e sustento aos pretensos trabalhadores, não havendo que se distinguir
o conceito de direção da empresa com o exercício de propriedade.
Assim, a função social da empresa deve ser compreendida como o respeito
aos interesses e direitos daqueles que não são a empresa em si, mas encontram-se
ao redor dela81, ou seja, a comunidade como um todo.
É o poder-dever do empresário, atribuída pela legislação, de dar à atividade
empresarial destinação compatível com o interesse da coletividade, não
significando, entretanto, uma condição que apenas limita o exercício da atividade
79 VIANNA, 1996, p. 39. 80 VIANNA, loc.cit. 81 GODINHO, 2000. p. 97-114.
39
empresarial, mas sim, a proteção da própria pessoa jurídica contra a truculência da
economia de mercado.
Um Estado Democrático de Direito, a exemplo do Brasil, constitui-se em um
aglomerado de órgãos e entidades públicas, atuando avidamente nas políticas
econômicas, constitucionalmente voltadas para a prática dos direitos fundamentais.
Logo, para garantir que se alcançará a função social, pode e deve o Estado
interferir no domínio econômico, editando normas jurídicas especialmente para este
fim82. A necessidade desta intervenção existe porque a relação entre a democracia e
a economia de mercado é delicada e conflituosa.
Tal aspecto é evidenciado pelo fato de que “a economia de mercado, ao
mesmo tempo em que estimula a democracia, igualmente propicia uma série de
desigualdades de que lhe são contrárias” 83, estando ambos em conflito permanente,
delimitando e limitando um ao outro.
A relevância desta intervenção é explicada, também, pela necessidade de se
distribuir melhor as riquezas, pois uma elevada concentração de riqueza é também
empecilho ao próprio desenvolvimento econômico.
Tanto que o regramento pátrio regula em diversos momentos a atividade
empresarial, a fim de ajustá-la e protegê-la, objetivando propiciar à empresa o pleno
exercício da sua função social. São exemplos destas normas reguladoras, o artigo 1º
da Constituição de 1988, que estabelece como fundamentos da República
Federativa do Brasil, dentre outros, os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, e a dignidade da pessoa humana, e o artigo 170, também da Carta Maior,
que estabelece os princípios da ordem econômica.84
Não se pode olvidar que o rol do artigo supratranscrito é exemplificativo, pois
a condição ao exercício da empresa está prevista na Constituição nos princípios
orientadores da atividade empresarial, quais sejam: livre iniciativa empresarial,
82 GODINHO, 2000, p. 97-114. 83 GODINHO, loc.cit. 84 Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único - É assegurado à todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
40
defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades
regionais e sociais, e busca pelo pleno emprego. Este não é um rol taxativo, não
sendo uma fórmula fechada, pois tal questão é mais que apenas de direito, é justiça
social.
Quanto ao fundamento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, é
correto afirmar que a subsistência do homem, como indivíduo, e o crescimento do
país, são assegurados através do trabalho, que engloba não somente o trabalhador
subordinado, mas também o autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do
crescimento do país85.
O princípio da livre iniciativa garante a todos a prerrogativa de captar clientela,
em idênticas condições, sem vantagens jurídicas individuais. Através deste princípio
o Estado confere à empresa o exercício de sua função social ao não permitir que
sejam formados blocos empresariais, que anulam a competição em detrimento dos
consumidores e da própria geração de empregos, afetando diretamente a sociedade
como um conjunto.
Ressalta-se que o exercício da livre iniciativa depende da garantia de que
seja proporcionada a valorização do trabalho e a existência digna do homem,
portanto, deduz-se, que a liberdade econômica é relativa, pois está condicionada à
busca pelo bem-estar coletivo.
Quanto à proteção do consumidor pelo Estado, não se faz correto o
entendimento de sê-lo contrário à atuação empresarial86, uma vez que a proteção do
consumidor pelo Estado assegura ao mercado sua ampliação e proteção e,
consequentemente, o exercício da função social.
O Estado, na sua função controladora e reguladora, concede ao consumidor,
o beneficio de ser o centro da relação de consumo, como hipossuficiente, na relação
de negócios com o empresário, impondo a adoção do princípio da vulnerabilidade.
Por isso, posiciona-se o Estado como defensor dos interesses do
hipossuficiente, garantindo, assim, a ampliação e proteção do mercado, a
preservação da livre concorrência e do direito de outrem, a regulação do mercado
interno como forma de evitar o monopólio privado, o controle da política de
consumo, o aprimoramento da tecnologia de produção.
85
GODINHO, 2000, p. 97-114. 86
GODINHO, loc.cit.
41
Conclui-se, portanto, que ao permitir à empresa exercer sua atividade de
forma saudável e lucrativa, o Estado e, consequentemente, a sociedade, são
proporcionalmente beneficiados. Tais benefícios advém, principalmente, da
possibilidade, pelo Estado, de implementação de suas políticas governamentais,
além da concretização do desenvolvimento nacional, permitindo a erradicação da
pobreza e marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e
regionais, permitindo a promoção do bem de todos87.
A atividade empresarial exercida de forma lúcida e pautada em sua função
social estabelece uma das características de nosso estado democrático.
2.2 DAS MEDIDAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS
2.2.1 Lei 9.029/95 – “Lei Antidiscriminação”
A Lei 9.029/95, também conhecida como ‘Lei Antidiscriminação’88, proíbe a
exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas
discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de
trabalho.
Contudo, não obstante referida legislação ter sido elaborada com o objetivo
claro de proteção a ato discriminatório praticado contra a mulher, acaba por
regulamentar também a vedação contra todo e qualquer ato discriminatório o que
obviamente incluiria aqueles relacionados aos empregados portadores do HIV.
Ao contrário do que se defende neste trabalho, há quem diga que seja
impossível se utilizar por analogia, da presente legislação a fim de proporcionar ao
portador do vírus proteção de seus direitos contra a discriminação, sob o
fundamento de que a referida lei não faz menção aos soropositivos, e, se essa fosse
a vontade do legislador, a norma traria previsão específica.
Essa interpretação apresenta grande equívoco, haja vista que a lei em
comento, em sua parte inicial, faz menção da proibição a qualquer ato
87
GODINHO, 2000, p. 97-114. 88
GODINHO, loc.cit.
42
discriminatório, e, por sua vez, coloca como rol exemplificativo e não taxativa das
possibilidades de discriminação89. Isso porque, os dispositivos da Lei 9.029/95
relacionam-se com o artigo 3º, inciso IV, da Constituição de 1988 a qual anuncia a
vedação a quaisquer formas de discriminação.
Vale salientar que a citada Lei representa simples enunciado normativo com a
finalidade de se reportar à norma maior; sendo assim, deve-se respeitar a norma e
não o enunciado normativo, conforme reporta ROBERT ALEXY: “É recomendável,
portanto, que os critérios para a identificação de normas sejam buscados no nível da
norma, e não no nível do enunciado normativo” 90.
Partindo dessa premissa, os Tribunais Regionais do Trabalho, em uníssono,
vêm acolhendo a aplicabilidade da Lei 9.029/95 sob a justificativa da necessidade e
extrair de seu enunciado normativo o verdadeiro sentido da norma.
Assim, entendem que da mesma forma que é direito postetativo do
empregador promover a contratação e dispensa de seus empregados, não cabe a
ele dispensar o trabalhador portador do vírus valendo-se de preconceito ou ato
discriminatório.
Ainda, em que pese inexistir em nosso ordenamento jurídico normativo legal
que impeça a dispensa do portador de HIV, é o entendimento jurisprudencial pátrio
que o objetivo fundamental da Carta Magna fora vedar e repudiar atitudes
discriminatórias, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista
ser fundamento basilar do Estado democrático de direito.
Assim, tal princípio se sobrepõe à inexistência de dispositivo legal que
assegure ao trabalhador portador do vírus estabilidade no emprego.
Tomando-se, por analogia, os termos da Lei 9.029/05, a qual veda a adoção
de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de
emprego ou sua manutenção, assegurando sempre a readmissão do trabalhador
vítima de discriminação, colocando como penalização ao empregador que o
dispensa ressarcir integralmente o empregado por todo o período de afastamento 91.
89
GODINHO, 2000, p. 123. 90 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais . São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 54. 91 RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. Na linha do entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, tendo a reclamada ciência de que o empregado é portador do vírus HIV e dispõe de condições de trabalho, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário." (RR - 14/2004-037-02-00.0, Relatora Ministra Dora
43
De tal modo, o estado de saúde do empregado não pode ser causa de
dispensa do trabalho, sendo irrelevante a doença que apresente, não podendo ser
discriminado por este motivo, acoplando, assim, o portador do HIV92.
Dessa forma, os tribunais, ao interpretarem a incidência da Lei sobre o prisma
constitucional, agem acertadamente, pois, o que está em voga atualmente na
sociedade é a dignidade do trabalhador, sendo considerada a última e máxima
instância, ou seja, o bem maior a ser protegido, devendo, de qualquer modo,
priorizar a abolição de quaisquer práticas discriminatórias.
A aplicação da Lei dá-se com referência ao artigo 8º da CLT, que preleciona
que o direito comum deve ser aplicado subsidiariamente ao direito do trabalho,
sempre vedado naquilo que for incompatível com os princípios fundamentais da
pessoa humana93.
Contudo, não obstante a referida legislação ter sido elaborada com o objetivo
claro de proteção a ato discriminatório praticado contra a mulher, acaba por
regulamentar também a vedação contra todo e qualquer ato discriminatório, o que,
obviamente, incluiria aqueles relacionados aos empregados portadores do HIV.
Uma das questões que buscam a legislação mencionada seria coibir o
chamado abuso de direito, quando, então, nos termos do artigo 4º, da Lei 9.029, de
13 de abril de 1995, estaria proibido o rompimento da relação de trabalho por ‘ato
Maria da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 07/12/2007). Recurso ordinário conhecido e desprovido. 92 AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS.LEGITIMIDADE ATIVA. O art. 129, III, da Constituição da República de 1988 autoriza o Ministério Público a promover, mediante ação civil, a defesa dos interesses sociais difusos e coletivos. Por sua vez, o art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/93 atribui ao Ministério Público do Trabalho competência para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho, ação civil pública visando à defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. O interesse de agir do Ministério Público do Trabalho, ao ajuizar ação civil pública trabalhista, radica no binômio necessidade-utilidade da tutela solicitada no processo, com a finalidade de que a ordem jurídica e social dita violada pelo réu seja restabelecida. Assim, tratando-se o pleito de tutela inibitória, destinada a vedar prática discriminatória dirigida a empregados portadores do vírus da AIDS ou de qualquer outra enfermidade, e de tutela condenatória, consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos reversíveis ao Fundo de Amparo do Trabalhador - FAT, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ingressar com a ação civil pública. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. DISPENSA DE EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS E OUTRAS ENFERMIDADES. ATO ATENTATÓRIO ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. 93 Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
44
discriminatório’, considerando a dispensa, no caso, em desacordo com sua
finalidade social94.
É bem verdade que a referida legislação não veda expressamente a dispensa
por motivo de doença; contudo, veda a ruptura contratual por motivo de sexo,
origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade (artigo 1o).
Sendo assim, estaria a sua aplicabilidade autorizada pelo artigo 8º da CLT,
que autoriza o uso da analogia, como forma de suprir lacuna na interpretação do
Direito do Trabalho95.
Sendo o artigo 1o, da Lei 9.029/95, regra exemplificativa, e com base no
disposto no artigo 3o, IV, da Constituição de 1988, aplicar-se-ia a regra a todo e
qualquer tipo de discriminação.
A aplicabilidade da Lei 9.029/95 traz à discussão outra questão relevante que
diz respeito à hipótese da discriminação vir a ser considerada presumida, o que
importaria na obrigação do empregador em reintegrar ou readmitir o empregado aos
seus quadros funcionais.
Nesse sentido, ao empregado caberia tão somente o ônus de demonstrar que
o fato de ele ser portador do HIV chegou ao conhecimento do empregador e, sendo
assim, mesmo que os motivos da dispensa sejam omitidos pelo empregador, haveria
a presunção do ato discriminatório.
Tal presunção seria a juris tantum, uma vez que caberia ao empregador
provar o desconhecimento total acerca do fato do empregado ser portador do HIV,
para que então a hipótese do ato discriminatório restasse afastada, bem como a
aplicabilidade da Lei 9.029/95.
2.2.2 A vedação à Dispensa Arbitrária - Constituição de 1988 – Art. 7º, I
Com a promulgação da Constituição democrática de 1988, pela primeira vez,
fora introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, a proteção da relação de
emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, mediante a previsão de
indenização compensatória.
94
GODINHO, 2000, p. 154. 95
ibid, 2000, p. 123.
45
A dispensa arbitrária pode ser também denominada como dispensa
imotivada96, tratando-se de prerrogativa do empregador, mas desde que pague a
verba indenizatória decorrente de seu ato.
A Constituição consagra, em seu artigo 7º, I, a vedação à chamada dispensa
arbitrária, uma vez que, tal enfoque normativo, atrela-se aos princípios fundamentais
da dignidade da pessoa humana e igualdade.
Partindo dessa premissa legal, é estabelecido que todo o ato de ruptura
contratual sem motivação lógica, afronta, diretamente, este dispositivo
constitucional.
Acerca do tema, trata EDILTON MEIRELLES:
Desse preceito, a primeira lição que se extrai é que é direito do trabalhador a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Logo, se a lei busca proteger o trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, assegurando-lhe esse direito social, constitucional e fundamental, é porque ela não tem como jurídica a despedida imotivada. A despedida injusta, arbitrária ou sem justa causa, portanto, ao menos a partir da Constituição Federal de 1988, passou a ser ato antijurídico, não protegido pela nossa legislação.97
Portanto, a dispensa arbitrária ou sem justa causa é ilícita, não constituindo
direito obrigatório ao empregador, e, caso este venha a despedir um empregado
sem justa causa, tal ato é caracterizado um abuso de direito, uma vez que qualquer
empregado está constitucionalmente protegido deste ato unilateral do empregador.
Assim, tal regra constitucional dispõe acerca da proteção da relação de
emprego contra a dispensa arbitrária, estabelecendo o pagamento de indenização,
entre outros direitos.
Ocorre que o inciso I do artigo 7º da Constituição brasileira, é tratado pela
doutrina e jurisprudência como norma de eficácia limitada, devido à previsão de
reserva de lei que a complemente, tornando-a inócua.
Contudo, o intuito do Constituinte na elaboração da norma baseou-se na ideia
de que para a consagração do Estado Democrático de Direito, o trabalho humano
96
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 439.041/95.5. Relator: Ministro João Oreste Dalazen. Diário da Justiça da União , Distrito Federal, 05 maio 2003. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 11 novembro 2011. 97 MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2005. p. 234.
46
exerce um papel central na construção de uma sociedade verdadeiramente justa e
desenvolvida, priorizando o valor do trabalho humano.
Dessa forma, não há o que se falar em inoquização da determinada norma
constitucional, pois a valorização do trabalho humano fora constitucionalizado,
revestindo-se de juridicidade e, portanto, exalando a necessidade de concretização
no plano fático-jurídico.
Nessa esteira, é o entendimento de MARTHIUS LOBATO:
Sendo assim, deve-se interpretar os direitos sociais dos trabalhadores como forma não meramente de promessas, mas como mecanismo concreto de realização de direitos. São, portanto, dotadas de eficácia jurídica, que não podem se tornar vazias, ou inconsequentes, na medida em que já estão prontas para produzir efeitos concretos98.
Assim, afirmar que o direito brasileiro, em razão de inexistir a lei
complementar citada acima, admite denúncia vazia do contrato de trabalho,
perfazendo letra morta da Constituição ou, no mínimo, em vez de interpretá-la, sob o
prisma de sua necessidade de concretude, é transformar a Magna Carta em mera
promessa constitucional99.
Ademais, não se pode entender que a proibição arbitrária ou sem justa causa,
prevista na Constituição de 1988, dependa de lei complementar com a finalidade de
ter eficácia jurídica, porquanto tal prática está camuflada por preconceito e
discriminação, os quais não suscitam qualquer dúvida de que necessária se faz a
proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa100.
De qualquer forma, depara-se, indubitavelmente, com uma norma de eficácia
plena que necessita de complementação sobre os efeitos do descumprimento da
garantia constitucional.
Sobretudo, diante da descomunal inércia do legislador infraconstitucional,
haja vista o descumprimento deste comando essencial, não há como negar os
efeitos concretos que a Constituição confere, a fim de corroborar o princípio da
dignidade da pessoa humana.
98 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direi tos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2006. p. 46. 99 DELGADO, 2000. p. 125. 100 GODINHO, 2000, p. 124.
47
Especialmente porque, a dispensa de empregados configura como abuso de
direito, onde é facilmente vislumbrado, por exemplo, quando um empregado é
dispensado, sem qualquer motivação, estando ele acometido de problemas de
saúde provenientes de doenças, ou quando a dispensa é utilizada para permitir a
contratação de outro trabalhador, para exercer a mesma atividade com menor
salário101, ou seja, o ato do empregador torna-se abusivo no momento em que o
pretenso direito potestativo de resilição contratual se utiliza, diretamente, a fim de
diminuir a condição social do trabalhador, afrontando, inegavelmente, a promessa da
proteção aos direitos fundamentais garantidos por todo o aparato constitucional102.
A proteção contra a dispensa arbitrária, portanto, encontra fundamentos em
todo o ordenamento jurídico, transcendendo a própria discussão que paira em torno
da aplicabilidade do art. 7°, I, da Constituição de 1988.
Dessa forma, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos estritos
termos do art. 482 da CLT, terá, impreterivelmente, que ser embasada em algum
motivo concreto, sob pena de ser considerada arbitrária.
Pois a indenização prevista no inciso I, do art. 10, do ADTC, diz respeito,
somente, à dispensa sem justa causa, que não se considere arbitrária, visto que
esta última está proibida, dando margem não à indenização, mas à restituição das
coisas ao estado anterior, ou seja, a reintegração do trabalhador ao emprego ou
uma indenização compensatória103.
A fim de esclarecer mais o tema tratado, vale lembrar a existência de algumas
hipóteses de dispensa, lembrando sempre a incidência da aplicação dos preceitos
constitucionais legais, sob o âmbito individual, quais sejam: I) a dispensa imotivada
(que se equipara à arbitraria); II) a motivada (mas sem justa causa, dando ensejo ao
recebimento pelo empregado de uma indenização equivalente a 40% sobre o
FGTS); III) a com justa causa (art. 482 da CLT, devidamente comprovada,
provocando a cessação do vínculo sem direito à indenização por parte do
trabalhador); e IV) a discriminatória (prevista na Lei n. 9.029/95, dando ensejo à
reintegração ou indenização compensatória) 104.
101 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. In: ZANELLA, Andréia (Coord.) Direito do trabalho, reflexões atuais . Curitiba: Juruá, 2007. p. 31. 102 Ibid, 2007, p. 33. 103 LOBATO, 2006, p. 46. 104
LOBATO, 2006, p. 44.
48
Ressalta-se ainda, para a necessidade de se distinguir a dispensa arbitrária
da dispensa sem justa causa, devendo-se levar como premissa que a dispensa sem
justa causa, trata-se daquela que não tem base em uma causa considerada justa
pela lei (art. 482, CLT), mas que deve possuir um motivo (causa) 105.
Por sua vez, a dispensa arbitrária não se embasa em motivo disciplinar,
técnico, econômico ou financeiro algum, de acordo com o art. 165 da CLT,
possuindo eficácia plena, sendo que sua aplicação não pode ser evitada.
Caso contrário, tal instituto dá ensejo à reintegração ao emprego ou à
condenação do empregador ao pagamento de uma indenização compensatória,
sendo assim considerada como uma proteção da relação de emprego.
Adota-se ainda, como parâmetro legal a regra contida no art. 496, da CLT, por
interpretação analoga, sendo assim, o Juiz do Trabalho poderá, considerando
desaconselhável a reintegração, verificando o grau de incompatibilidade resultante
do dissídio, optar pela condenação do empregador ao pagamento de uma
indenização106.
Tal regra, cumulada com o art. 495 da CLT, refletem a tradição jurídica
brasileira quanto ao tratamento à efetivação das regras que versam a respeito da
estabilidade de emprego. E, recepcionadas pela ordem constitucional, isto porque,
tais regras, têm sido aplicadas aos casos de estabilidade provisória.
Assim, o ordenamento jurídico nacional, possui, portanto, todos os
instrumentos para a coibição da dispensa arbitrária, isso deve-se estender também
para os trabalhadores portadores do HIV, pois, uma vez verificada a existência do
vírus por parte do empregador, sabe-se que ele utilizará de qualquer método para
dar a dispensa motivada ou, até mesmo, imotivada.
Partindo desse pressuposto, a legislação brasileira não traz expressamente
dito se o soro positivo tem ou não direito à estabilidade, assim como detém os
membros sindicais e da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), a
gestante, o diretor de corporativa de empregados, o empregado acidentado.
Pode até ser utópico tal intento, mas, partindo da premissa de que o Direito
é um sistema que deve acompanhar a evolução da sociedade, bem com sempre 105 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Direito do trabalho contemporâneo In: Maria Emília (Coord.). Direito ao trabalho : um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2009. p. 202. 106 ARAÚJO, Tarcísio Patrício de; LIMA, Roberto Alves de. Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e efetividade. In: Maria Emília (Coord.). Direito ao trabalho : um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2009. p. 222.
49
estar em aliança com a justiça, há grandes chances de se aventurar a respeito da
estabilidade do portador do vírus. Isto porque, tal empregado, indiscutivelmente,
encontra sérias dificuldades de encontrar emprego digno, seja pela existência de
ferrenha discriminação, seja pela falta de conhecimento social, pelo próprio mercado
de trabalho ou, até mesmo, pelos dias em que o soropositivo teria de faltar ao
trabalho pelo acometimento de eventuais infecções oportunistas.
Deve-se analisar com mais cuidado esse aspecto, por se tratar o portador do
HIV de pessoa visivelmente vulnerável, assim, aplicar o princípio da igualdade, no
que tange a máxima em tratar igual os desiguais na medida das suas
desigualdades107.
Verificando tal princípio, a Lei federal n. 7.670/88 estende aos portadores da
doença a concessão para tratamento de saúde, art. 104 e 105 da Lei 1.711,
aplicável aos funcionários públicos, entendida pela jurisprudência com a
possibilidade de interpretação analógica ao art. 8º da CLT que faculta ao julgador
valer-se, para as razões de decidir, dos princípios da equidade e da analogia.
Dessa forma, por enquanto, caberá ao magistrado valer-se dos princípios
elencados pela Carta Magna para melhor decidir acerca dos litígios envolvendo
empregados portadores do vírus.
2.2.3 A Omissão Legislativa e o Novo Entendimento Sumulado do TST
Justamente por ser a síndrome um mal que, inadvertidamente, ainda está
associado ao sexo e às drogas injetáveis, seus portadores ou convivem com a
discriminação ou, não raras vezes, com o sentimento de pena a eles devotado, o
qual, inclusive, geralmente começa dentro da própria família e se estende ao
ambiente de trabalho.
A inexistência de um regramento específico acerca do tema dificulta
sobremaneira a relação laboratícia, gerando grande resistência em se admitir o
direito à estabilidade aos soropositivos.
107 LOBATO, 2006, p. 46.
50
A estabilidade, citado por DUARTE, ainda não positivada para os acometidos
pelo HIV/AIDS, pode ser compreendida como o direito do trabalhador de não ser
demitido, ao menos se houver a ocorrência de uma falta considerada grave o
suficiente para obstar a relação de confiança estabelecida entre os contratantes,
inviabilizando a continuidade do pacto empregatício108.
Mesmo entre os estudiosos há aqueles que se opõem a esse direito,
indicando que não existe a estabilidade ou reintegração, admitindo-se, entretanto,
sua ocorrência para os casos específicos do empregado estar com seu contrato de
trabalho suspenso para o tratamento da AIDS ou se a dispensa objetivar o não
exercício do direito à licença para o tratamento da doença, sob o pretexto de que os
arts. 5º, XLI e 7º, I, relacionados, consecutivamente, à proibição da discriminação e
despedida arbitrária, são desprovidos de regulamentação.
FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, por sua vez, defende a
impossibilidade da dispensa dos infectados pelo vírus, em que pese a ausência
legislativa acerca do tema, garantindo aos empregados soropositivos a estabilidade:
Aos que contraíram a doença são devidos o respeito, a solidariedade e a esperança da sociedade, logo, não se pode admitir a dispensa, por parte do empregador, em relação ao trabalhador portador do vírus HIV. No mínimo, seria uma dispensa discriminatória [...] 109.
Até então, o que se tinha de mais próximo a um regramento específico é um
projeto de lei proposto pela Senadora Roseana Sarney, em trâmite no Senado
Federal desde 2006, impondo restrições à dispensa discriminatória ou sem justa
causa do infectado, ainda que não lhe garanta a estabilidade empregatícia,
dispondo, inclusive, sobre a fixação de indenização quando de sua inobservância110.
O fato de o legislativo ainda ser omisso ao direito de estabilidade do
soropositivo dava margem a decisões contraditórias pelos Tribunais Regionais,
porquanto, conforme mencionado, até o momento o que se veda é a dispensa
discriminatória, cuja comprovação é dificultosa e por vezes impossível.
108 DUARTE, 2006 apud MARGONAR, 2006. p.19. 109 GODINHO, 2000, p. 110. 110 GODINHO, 2000, p. 114.
51
A dificuldade da mencionada comprovação deriva do fato de, salvo raras
exceções, a dispensa por conta da existência da moléstia ocorre de maneira velada,
além da evidente hipossuficiência do empregado perante seu empregador e o temor
reverencial que este sente em relação àquele.
Ademais, não é difícil imaginar que o próprio detentor da doença se sinta
humilhado com sua própria condição, deixando de recorrer ao judiciário para evitar
sua exposição, até porque não terá certeza que alcançará o bem da vida pretendido.
Isto porque, o próprio trabalhador sente-se rejeitado pelo mundo social em que vive,
devido à sua fragilidade verificada pela doença em si, pois está fadado a carregar a
carga negativa ao longo de toda a sua existência, ainda que tenha, por conta da
moderna medicação distribuída gratuitamente pelo Estado, possibilidade de uma
sobrevida longa e produtiva, relembrando-se que, muitas vezes, a discriminação que
enfrenta atrapalha o próprio tratamento, a medida que sua autoestima sofre
diminuição.
Logo, se faz imprescindível que o legislador volte sua atenção para esta
questão, objetivando tornar mais claros os direitos acerca da estabilidade deste
trabalhador, através de um texto concreto e objetivo, de maneira a beneficiar ambos
os polos da relação.
Por fim, cabe salientar, que o trabalhador portador do HIV/AIDS precisa,
urgentemente, de proteção legal referente à estabilidade laboral diante de tantas
discriminações constantemente vivenciadas no ambiente de trabalho, as quais
acarretam inúmeros prejuízos sociais.
52
3. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE APLICADOS AO DIREIT O DO
TRABALHO
3.1 DIREITOS DA PERSONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
3.1.1 Direitos da Personalidade - Características
O Direito da Personalidade esta intrinsicamente ligado ao Direito da dignidade
da Pessoa Humana, atrelado ao coração do Estado Democrático de Direito criado
pela Carta Magna de 1988, intitulado como cláusula Pétrea.
ELIMAR SZANIAWSKI conceitua o direito da personalidade humana como
sendo “as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria
pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos” 111.
Também é o posicionamento de SÍLVIO ROMERO BELTRÃO: “Com os
direitos da personalidade, quer-se fazer referência a um conjunto de bens que são
tão próprios do indivíduo, que chegam a se confundir com ele mesmo e constituem
as manifestações da personalidade do próprio sujeito” 112.
Assim, acerca do tema, os direitos da personalidade são classificados como
capazes de “dar conteúdo à personalidade” 113.
Desse modo, o reconhecimento do direito da personalidade é fundamentado
na dignidade da pessoa humana, conforme acima exposto, existente anteriormente
e independentemente do direito positivo, considerado como atinente ao próprio
homem, sendo considerado desdobramento do princípio anteriormente citato e
integra o rol dos direitos gerais114.
Tratando a respeito do tema, ELIMAR SZANIAESKI ensina:
111 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela . São Paulo: Editora revista dos tribunais, 1993. p. 35. 112 BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da Personalidade . São Paulo: Atlas, 2005. p. 24. 113 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade . 2.ed. São Paulo: Quórum, 2008. p.43. 114 Ibid, p.32.
53
A dignidade do homem e o direito ao livre desdobramento de sua personalidade são, portanto, elementos integrantes do direito geral de personalidade que, através da ordem jurídica, são garantidos como um direito subjetivo a respeito de todas as pessoas. Cumpre salientar, ainda, que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade115.
Tendo em vista que os direitos da personalidade são interligados à condição
humana do indivíduo, é imprescindível que tal direito seja juridicamente tutelado pelo
Direito Pátrio.
Ensina SÍLVIO ROMERO BELTRÃO:
O fundamento dos direitos especiais da personalidade está na cláusula geral, como emanação do princípio da tutela da dignidade da pessoa humana, com a imposição de que todas as manifestações desta dignidade sejam juridicamente tuteladas. Assim, o reconhecimento do regime aberto dos direitos da personalidade fundamenta-se no princípio da dignidade da pessoa humana, onde todos devem respeitar tal princípio, objetivando sua caracterização como direito absoluto. Além dos tipos previstos na Constituição Federal e no Código Civil, são direitos da personalidade os que verdadeiramente forem emanação da personalidade humana116.
Agora, relacionando o tema dos direitos da personalidade com a relação ao
portador do HIV, é óbvia a necessária utilização por analogia desses princípios, pois,
ainda hoje, os doentes sofrem ante a ausência de maiores avanços a respeito do
direito à vida desses portadores.
Assim, é dever do Estado tutelar esses direitos, respeitando sempre a vida e
tratando os soropositivos com respeito e dignidade, fornecendo, se necessário,
medicamentos e internamento gratuito sob o intento de preservação do direito à
vida, ligado ao direito da personalidade.
Ora, tal direito não se restringe somente ao fato da mantença da vida, mas
também se relaciona com a expansão do ser humano, intuindo atingir esse direito de
forma que viva dignamente, abraçando, desse modo, os portadores do vírus.
115 SZANIAWSKI, op.cit., p. 56. 116 BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da Personalidade . São Paulo: Atlas, 2005. p. 55.
54
De fato, é inquestionável que, de certa maneira, o Estado está garantindo aos
detentores da doença uma sobre vida digna sob o prisma da saúde pública,
porquanto lhes disponibiliza gratuitamente toda medicação necessária à
manutenção de sua integridade física, bem como profissionais especializados na
área de infectologia com hospitais estruturados e aptos a receber e tratar esses
pacientes, revelando, assim, o descompasso entre a garantia de uns direitos em
detrimento de outros117.
Conforme elencado, esses direitos devem perpassar a esfera Constitucional
para o ramo das relações de trabalho que envolve o trabalhador soropositivo, pois
ele está sujeito a inúmeros atos unilaterais do empregador que, por vezes, apontam
como ações preconceituosas e discriminatórias. Devendo, assim, o manto de
proteção trabalhista constitucional acoplar esses indivíduos vulneráveis e
hipossuficientes da relação jurídica.
3.1.2 Os Direitos Humanos Fundamentais da Personalidade
Os Direitos Fundamentais ou Direitos do Homem são tão antigos como a
própria humanidade, existindo vários registros históricos no qual se evitava a
opressão dos fracos e propiciava o bem-estar do povo, sendo que tal intento
aproxima-se da finalidade existencial dos direitos dos homens118.
Assim, tais direitos revelam-se com a evolução da sociedade, e estes surgem
ou nascem a partir do momento que se tornam necessários, ou nos momentos em
que, simplesmente, devem existir, como foi o caso da Revolução Francesa, na qual
se consagraram os direitos máximos que devem ser protegidos pela sociedade,
quais sejam: a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
A presença da religião também foi marcante para a manifestação dos direitos
fundamentais, uma vez que a maioria dos códigos morais, que ainda regem a vida
de muitas pessoas, está fortemente arraigada nas diversas doutrinas religiosas, que
117
SZANIAWSKI, 1993, p. 56. 118 SILVA, 2011, p. 38.
55
pregam, entre outros preceitos, a dignidade da pessoa humana, o respeito ao
semelhante, a paz e a fraternidade119.
Dessa forma, no decorrer do processo histórico, muitas alterações legislativas
se verificaram, principalmente na seara dos direitos fundamentais, colaborando com
o aumento e com a garantia dos direitos do homem, porque, como é cediço, é
vedada a redução dos direitos anteriormente consagrados para o cidadão120.
Visto, porém, que esta dissertação tem como finalidade abordar os direitos
fundamentais do trabalho, a análise histórica que passará neste contexto terá como
base os dados e fatos importantes para a concretização dos direitos trabalhistas,
sem, contudo, desconsiderar os demais instrumentos que contribuíram para a
formação e a concretização dos direitos fundamentais121.
Para um melhor entendimento do tema, antes de se abordar a questão dos
direitos fundamentais de personalidade privada correlacionada com o direito do
trabalho, necessário se faz analisar aqueles afetos ao início do pensamento
cognitivo acerca dos princípios basilares Constitucionais, quais sejam: o direito à
dignidade, à personalidade, à integridade e à privacidade da pessoa humana.
Com o propósito de uniformizar o entendimento acerca do conceito do direito
que os indivíduos têm ao respeito à vida privada, bem como diante da dificuldade
inerente a ele, principalmente pelas diferenças culturais, as tradições e os costumes
dos diversos povos, fatores que tornam o trabalho de discricionariedade um tanto
delicado, o Conselho da Europa criou normas gerais de proteção da esfera íntima da
pessoa, obrigando os países-membros signatários a promulgarem leis de proteção à
vida privada de seus cidadãos122.
Neste contexto, sobressaem dois sentidos relacionados a proteção à vida
privada, sendo um em lato sensu, no qual a proteção consiste em todas as regras
jurídicas que têm por finalidade proteger a vida pessoal e familiar, enquanto o outro,
verificado mais na prática, em sentido estrito, na medida em que tem por comum
escopo proteger as pessoas contra atentados particulares123.
119 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais . 4.ed. Atlas: São Paulo, 2008. p. 4. 120 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional . 6.ed. Livraria Almedina: Coimbra, 1993. p. 493. 121 SILVA, 2011, p. 40. 122
SILVA, loc.cit., p. 40 123 SZANIAWSKI, 2003, p. 290.
56
Há forte polêmica no que se refere à natureza jurídica dos direitos à
personalidade da pessoa humana, por se tratar de assunto que ascende diversas
manifestações e elucubrações que dificultam a sistematização dos direitos da
personalidade e, a respeito da intimidade ou esfera íntima de alguém. Assim, a falta
de uma terminologia exclusiva para designar os diversos tipos das manifestações da
personalidade humana dificultam, sobremodo, a busca do termo para designar os
direitos e a tutela da esfera íntima de uma pessoa, por questão de coerência com
nosso pensamento, uma vez que ele é unitário124.
Sobre esse aspecto, a melhor terminologia a ser utilizada denomina-se o
direito ao respeito à vida privada, ou, simplesmente, direito à vida privada, isso
porque tais expressões englobam as diversas outras tipificações e subtipificações,
levando-nos à noção de um direito geral ao respeito da dignidade da pessoa
humana, sendo tal assunto ventilado às relações trabalhistas que envolvam pessoas
portadoras de HIV.
Tal assertiva deriva, entre outros fatores, do fato de muitos empregadores
dispensassem seus empregados acometidos pelo vírus, por imaginar que seu
caráter permanente e irrevogável o torna menos apto a desenvolver o labor para o
qual fora contratado.
Dessa forma, tal atitude afronta, preponderantemente, o direito ao respeito à
vida privada, conforme elucubrado anteriormente, ao tempo que, tais discussões,
devem ser objeto para criação de leis que tratem com mais apreço estas relações
trabalhistas125.
Nessa esteira, conclui-se, por oportuno, que tais direitos acima tratados são
privilegiados pela Constituição, desde a sua promulgação, salvaguardando o
trabalho humano não só como instrumento de dignificação do homem e de inclusão
social, mas também de mecanismo de desenvolvimento da Nação. Sendo, dessa
forma, inconcebível um desenvolvimento econômico que despreze o elemento
humano, mercantilizando-o126.
Vale ressaltar além do mais, que a inobservância do direito ao respeito à vida
privada afronta tais direitos fundamentais, sendo estes correspondentes às normas
dotadas de supremacia dentro do Estado Constitucional e democrático de direito.
124
SILVA, 2011, p. 40 125 SZANIAWSKI, 2003, p. 321. 126 GODINHO, 2000, p. 132.
57
Deve-se analisar que tais normas é que dão resposta a questões macro políticas e
macroeconômicas, dependendo de sua área de incidência127.
É neste contexto que a vida humana, maior bem jurídico de nosso
ordenamento, deve ser tutelada.
3.1.3 A Dignidade da Pessoa Humana e o Trabalhador Portador do HIV/AIDS
A Constituição de 1988, em seu artigo 1°, inciso II I, expressou como
fundamento na legislação Pátria que a dignidade da pessoa humana integra um dos
fundamentos basilares que constituem o Estado Democrático de Direito. Assim
sendo, o homem se tornou o principal personagem do cenário jurídico nacional, uma
vez que, a partir deste complexo de normas, buscou-se, cada vez mais, a proteção
da dignidade da pessoa humana, constituindo o direito por causa do homem,
centralizando todos os cuidados do ordenamento jurídico, requerendo, assim, a
atenção do pensamento contemporâneo.128
Ainda, a doutrina atual tem buscado apresentar argumentos que visam
enquadrar o princípio da dignidade da pessoa humana em situações sociais, ou
seja, no seio da comunidade, conforme ilustra com precisão o doutrinador
PERLINGIERI .
As formações sociais, mesmo quando se colocam em planos diferentes, têm autonomia e capacidade de auto-regulamentação, mas sempre no âmbito do ordenamento no qual são destinadas a ter precípua relevância. Homologar, aprovar, controlar atos e atividades de uma formação social significa garantir, no seio da comunidade, o respeito à dignidade das pessoas que dela fazem parte, de maneira que se possa consentir a efetiva participação às suas vicissitudes129.
Nessa esteira, o homem convivente em sociedade revela seu papel de agente
transformador no meio em que vive, sendo essencial à existência daquela, devendo
esta, respeitar o homem social. Tal é o entendimento de INGO WOLF SARLET:
127 CAMARGO, 2004, p. 262. 128 SILVA, 2011, p. 19. 129 PERLINGIERI, 2002 apud FERMENTÃO, 2007, p. 43.
58
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e considerações por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais130.
A Carta de Direitos Constitucionais, conforme correlacionado anteriormente,
preleciona que o cidadão tem direito a uma vida digna, ou seja, que pode manifestar
sua vontade livremente, guiado pela capacidade de autodeterminação, de maneira
que a simples constitucionalização desta garantia não é o suficiente, porquanto é
indispensável uma forte conscientização social, bem como uma postura
governamental mais comprometida e objetivada a conceder àquele cidadão formas e
métodos para que efetivamente consiga viver dignamente.
Também, como é sabido, não basta simplesmente criar políticas públicas
incentivando tal prática, mas, sim, a necessidade de uma ação efetiva de cada
indivíduo que compõe a sociedade; em outras palavras, significa dizer que todos os
seres humanos, capazes ou não, desempenham um papel na comunidade onde
estão inseridos, sempre visando agir eticamente e conforme o Direito Pátrio131.
Assim, certo se faz que, o princípio da dignidade da pessoa humana revela-se
elemento essencial para que se possa tratar dos assuntos na seara do Direito do
Trabalho, visando as possíveis condições a serem colocadas para um empregado
portador do HIV, ou já acometido pela AIDS, inclusive procedendo a análise do
ambiente onde se encontra, verificando se houve inserção ao meio ou fora excluído
dele, procurando, sempre, resguardar seus direitos, justamente por ser ele mais
suscetível às injustiças do que outro não portador do vírus.
Sobre esse aspecto, o direito do trabalho surgiu com o término da primeira
Guerra Mundial, pois, nenhuma Constituição ousou deixar de lado o tema referente
aos princípios e normas que estabeleciam a nova ordem, garantindo os direitos
econômicos e sociais dos trabalhadores, assim denominando-se como
130 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 . Porto Alegre: Editora livraria do advogado, 2006. p. 30. 131
SARLET, loc.cit.
59
constitucionalismo social, corroborado pela Carta de Direitos, a qual prescrevia a
inclusão dos preceitos relativos à defesa social da pessoa, das normas de interesse
social e garantias de alguns direitos fundamentais132.
No Brasil, com a Constituição de 1934, os direitos fundamentais do
trabalhador começaram a ter uma maior significância, porém foi com o advento da
Constituição de 1988, que se estabeleceu ama significativa evolução dos direitos do
trabalhador, o que impôs modificações sociais, culminando com o surgimento de
uma legislação voltada para o entendimento das necessidades sociais, com a
finalidade de garantir a manutenção do princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, com a evolução do Direito do Trabalho, inúmeros outros direitos foram
surgindo em épocas distintas, inclusive de natureza fundamental, e foram sendo
classificados de acordo com os fatos e tempos históricos que lhes deram origem,
sendo que tais fatos denominam-se, atualmente, como gerações de direitos ou
dimensões133.
Ocorre que muito se evoluiu acerca do tema, contudo, tais direitos precisam
avançar para tornar efetivas todas as normas que almejam proteger os direitos dos
trabalhadores, com especial foco ao trabalhador portador de HIV, a fim de garantir
atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Agora, para especificar mais o tema a ser abordado, necessária se faz a
análise dos direitos da personalidade atribuídos à pessoa humana na condição de
trabalhador, devendo-se dividir em cinco aspectos apropriados para o estudo: a) da
integridade física; b) da personalidade moral; c) de determinadas liberdades; d) dos
interesses sindicais; e) como se dão as responsabilidades do empregador134.
Conforme se observa do sistema jurídico italiano, a liberdade de iniciativa
econômica privada atrelada ao empregador estabelece o dever deste de compor um
ambiente que garanta ao máximo a integridade física e moral do prestador de
serviços, a fim de que os locais e os instrumentos de trabalho fornecidos permitam
ao trabalhador cumprir a prestação sem perigo para a própria integridade pessoal135.
Tendo em vista tal apontamento, deve o empregador, quando obtiver ciência
de que contratou o portador do vírus, certificar-se de que o ambiente de trabalho a
ele concedido para desempenhar suas atividades é seguro e digno, assegurando ao
132 SILVA, 2011, p. 42. 133 SILVA, 2011, p. 48. 134 Ibid, p. 42. 135 SILVA, loc.cit.
60
prestador de serviços qualidade de vida, e, consequentemente, a mantença do
princípio da dignidade da pessoa humana136.
Ainda, devem os empregadores adotar todas as medidas necessárias para a
tutela dos direitos não apenas no que toca a integridade física do empregado,
conforme relatado acima, mas também da personalidade moral dele, como, aliás, se
verifica na prática pela edição da Portaria 1.246, do Ministério do Trabalho e
Emprego, de 28 de maio de 2010, especificamente em seu art. 2º, ao preceituar que
“Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião
da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros
ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV”.
Tal proibição, sem dúvida, revela uma vitória das garantias fundamentais do
portador do vírus no ambiente empregatício, porquanto, até então, era comum às
empresas deixarem de contratar o infectado, sob o pretexto de serem inaptos ao
exercício das atividades137.
Cabe salientar que o trabalhador ficava sujeito às normas e aos ideais da
empresa, pois hipossuficiente da relação, sendo, este, na maioria das vezes, afetado
pelas condutas coercitivas da empresa, que requisitava exames periódicos ou
iniciais, afetando a honra do sujeito.
Ora, tal atitude afrontava o ânimo subjetivo da pessoa, que tem seu direito à
livre escolha de trabalho, à igualdade, à vida digna, subtraídos rotineiramente pelas
empresas, pois estas pretendiam, somente, o ganho de espaço e crescimento no
polo econômico, tratando seus empregados de forma indigna e antiética.
Além do direito à integridade, existe o direito à honra do trabalhador, sendo
este constituído pelo conjunto de qualidades que, socialmente consideradas,
caracterizam a reputação de uma pessoa, daí porque, existentes nas situações em
que o empregador age a fim de diminuir o empregado ou colocá-lo em situação
vexatória, humilhando-o e atentando contra sua reputação138.
Uma vez que tal discriminação é extremamente danosa para o trabalhador,
que vira alvo de preconceito, tanto na contratação quanto na manutenção de
trabalho, ou quando são dispensados, muitas vezes sob a justificativa de que o
portador do vírus pode acarretar prejuízo à atividade econômica da empresa, seja
136
SILVA, loc.cit. 137
SILVA, 2011, p. 42. 138 GUNTHER, Luiz Eduardo. Tutela dos direitos da personalidade na atividade e mpresarial . Curitiba: Juruá, 2009. p. 166.
61
por não ser aceito pelos próprios colegas de trabalho, ou, até mesmo, por afastarem
os clientes.
O caso mais típico em que se verifica afronta à honra do trabalhador é
justamente colocá-lo em situações que o humilhem, como, por exemplo, falar em
público acerca de sua doença, ou até mesmo dispensá-lo por este motivo, sendo
que este ato viola seu direito fundamental da dignidade da pessoa humana, haja
vista que o direito à honra está intrinsecamente correlacionado com aquele139.
Deve-se recordar, ainda, que os dois direitos citados anteriormente, ou seja, o
direito à honra e à intimidade são os desmembramentos mais importantes do direito
à personalidade, este, por sua vez, não abrange somente à honra e a intimidade,
mas também o direito à imagem, ao segredo e à identidade.
Esta questão, inclusive, pode incidir nas relações de trabalho, uma vez que
fica vedado ao empregador divulgar informações acerca do empregado, sem prévia
autorização, e, nos casos de soropositivos, tal informação propagada ilicitamente
pode gerar grandes transtornos ao trabalhador, afrontando, conforme exposto
acima, os direitos fundamentais da pessoa humana, mais especificamente seu
direito à honra e ao sigilo de informações, atingindo sua dignidade140.
Dessa forma, o trabalhador não é obrigado a informar à empresa que padece
da moléstia, ou mesmo que é portador do vírus, até porque esta condição por si só
não impede o trabalho nem prejudica suas atividades cotidianas. Uma vez que a
Constituição da República garante, conforme exposto acima, o direito à intimidade,
sendo esta informação correlacionada apenas à pessoa, pode e deve o trabalhador
optar por informar ou não o empregador acerca de sua condição141.
Certo está que, diante de uma situação constrangedora provocada pelo
empregador em relação ao empregado portador de HIV, pode, este, vir a sofrer um
sentimento de estigma, conforme tratado anteriormente.
Caso haja a dispensa do empregado portador do vírus, o patrão deve provar
que esta ocorreu por outra causa, pois, tal atitude é considerada discriminatória,
uma vez que o “mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz
139
SILVA, 2011, p. 42. 140
GUNTHER, 2009, p. 166. 141
GUNTHER, loc.cit.
62
presumir a discriminação e arbitrariedade”142; esse é o entendimento consolidado
pela Seção Especializada em Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do
Trabalho.
Assim, o trabalhador, como se pode avaliar, só mais recentemente, durante
os finais do século XX e início do século XXI, passa a ter uma respeitabilidade que
vai muito além da garantia do recebimento de um salário digno para sua
sobrevivência e dos seus familiares. Busca, agora, respeitá-los em todos os
aspectos relacionados aos seus direitos da personalidade143.
Ocorre que existe, ainda, em todos os setores da sociedade, enorme carga
de preconceito e discriminação quanto aos portadores de HIV e, não se vislumbra,
no sistema jurídico pátrio, a expressa estabilidade para eles nas atividades
empregatícias, devendo o Juiz se submeter, nos casos concretos, ao princípio da
interpretação conforme à Constituição, respeitando os direitos fundamentais que
dela são emanados, entre os quais, os princípios gerais do direito à dignidade da
pessoa humana, à vida e ao trabalho.
Nessa esteira, a dignidade da pessoa humana se realiza, conforme descreve
ALESSANDRO SEVERINO VALLER ZENNI, “no esforço livre de dinamização do ser
homem na busca de seu acabamento”144.
Dessa forma, para que seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa
humana e, ainda, não ser o empregado portador do vírus mais vulnerável do que os
demais trabalhadores, prejudicado por uma ordem superior que fira seus direitos
minimamente dignos, deve-se analisar, profundamente e entender o significado da
expressão vida digna.
Assim, a melhor definição acerca do que seja dignidade esta contida nas
palavras de JOSÉ FRANCISCO DE ASSIS DIAS:
A palavra dignidade é um dos grandes sustentáculos da nossa língua e da nossa cultura (...). O significado desta raiz, corresponde ao “ser conveniente, conforme, adequado”. Atribui-se às qualidades, as relações enquanto capazes de conformar-se aos homens e às coisas, às tarefas e às
142 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 9142600-66.2003.5.04.0900. Relator: Ministro Carlos Alberto Reis de Paula. Diário de Justiça da União , Distrito Federal, 06 set. 2007. 143 GUNTHER, 2009, p. 168. 144 ZENNI, Alessandro Severino Valler. O retorno à metafísica como condição para a concretização da dignidade da pessoa humana . Maringá: Cesumar, 2004. p. 8.
63
atividades. O significado da palavra “digno” parece ser “justo”. Aquilo que não é “digno” é “injusto”145.
Para o entendimento acerca do princípio da dignidade da pessoa humana,
deve-se levar em conta a existência de proteção ao homem, pois está intimamente
ligado àquele e relacionado à Justiça146.
Nessa mesma esteira, manifesta-se FÁBIO KONDER COMPARATO, in
verbis:
A dignidade transcendente é um atributo essencial do homem enquanto pessoa, isto é, do homem em sua essência, independentemente de suas qualificações específicas de sexo, raça, religião, nacionalidade, posição social, ou qualquer outra. Daí decorre a lei universal de comportamento humano, em todos os tempos, denominada por Kant de imperativo categórico: “age de modo a tratar a humanidade, não só em tua pessoa, mas na de todos os outros homens, como fim, e jamais como meio147.
Por fim, chega-se à conclusão de que a dignidade da pessoa humana
somente se constitui mediante a possibilidade da existência do ser humano de
maneira íntegra; em outras palavras, respeitando sua condição humana, pois a
essência é sempre a mesma, qual seja, o respeito ao homem em sua integralidade,
pois esta dignidade é inerente ao próprio existir do ser humano148.
Ademais, a condição humana para a pessoa portadora do vírus deve ser
considerada na sua essência, levando-se sempre em conta a dor e o sofrimento de
um ser vivente em carregar para toda a vida uma carga possivelmente fatal,
devendo, o empregador propor benefícios aos indivíduos, ou, ao menos, tratá-lo com
igualdade diante de seus semelhantes.
Acerca do tema, preleciona MARCELO DE ALMEIDA VILLANÇA AZEVEDO:
145 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos humanos : Fundamentação ontoteleológica dos direitos humanos. Maringá: Unicorpore, 2005. p. 248. 146 SILVA, 2011, p. 18. 147 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos humanos : In cultura dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 73. 148 SILVA, op.cit., p. 13.
64
Relativamente às pessoas portadores do vírus da AIDS, é vedada a divulgação de sua condição mórbida, não podendo adentrar-se em sua esfera de confidencialidade, que é reservada ao próprio intelecto. Devem ser observados os sagrados princípios que salvaguardam a dignidade humana de quem quer que seja149.
Assim, a constatação de que o indivíduo é portador de HIV não influencia em
nada a sua vida laboral e, tampouco, coloca em risco a vida de colegas e clientes da
empresa, o qual não interessa a revelação da condição da soropositividade do
empregado que possui amplo direito de decidir a quem deve revelar sua doença.
3.2 GARANTIAS DO TRABALHADOR DECORRENTES DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE
3.2.1 O Direito de não ser Discriminado
O direito de não ser discriminado conquistou status de princípio do Direito do
Trabalho, tamanha sua relevância em um tempo que se pretende a implementação
de um estado de bem-estar social, o que compreende ao direito de não sofrer
nenhuma espécie de segregação em razão de critérios que não sejam efetivamente
técnicos.
Como já apresentado no Capitulo I, MAURICIO GODINHO DELGADO150
define a discriminação como sendo a conduta pela qual se nega ao individuo, diante
de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico
ajustado para a situação concreta por ela vivenciada.
No início da fase da descoberta da doença, aliada a falta de orientações e
informações sobre as formas de contaminação, leva o portador da doença a um
inevitável ciclo discriminatório que pode englobar, inclusive e principalmente, o seu
ambiente de trabalho:
149 AZEVEDO, Marcos de Almeida Villaça. Aids e responsabilidade civil . São Paulo: Atlas, 2002. p. 64. 150 GODINHO, 2009, p. 718.
65
Quando se conhece a condição de portador do vírus, a vida pessoal do ser humano sofre um grande alvoroço, face ao desespero que essa ciência incute na sua alma. Daí se iniciam processos de discriminação que atingem o portador, em sua vida profissional e familiar (JORGE NETO, 2009, p.314).
Desse modo, o princípio da “não discriminação” possui grande relevância na
esfera do Direito do Trabalho.
3.2.2 O Direito à Integridade Psicológica
Para muitos, a simples menção da palavra AIDS causa repulsa, sendo
indiscutível que, ainda, a doença seja motivo de segregação e até marginalização
dos infectados, que não raramente continuam equivocadamente sendo associados
ao mundo obscuro da promiscuidade e utilização de drogas.
Sem querer adentrar no vasto campo da psicologia, pode-se afirmar com
certeza que um diagnóstico positivo para o HIV reduz seu portador a um estado de
profunda impotência, vergonha e medo, atos a conduzi-lo a um estado latente de
depressão, ante ao impacto moral, social, profissional e familiar que o sujeita a uma
existência diferenciada da até então vivida, pois, a partir da constatação do vírus no
organismo, além de toda a carga psicológica, deverá lidar com a mudança de um
estilo de vida.
Assevera MARCOS DE ALMEIDA VILLAÇA AZEVEDO que:
[...] o diagnóstico de soropositividade pode ser vivido como um ‘cataclisma apocalíptico’, pois a presença, dentro de si, de um vírus destrutivo produz estupefação no funcionamento mental e lança o sujeito em um precipício desintegrador, sem nenhum ponto onde possa agarrar-se151.
Não se pode olvidar, ademais, que o último século fora marcado pelo culto ao
belo e ao perfeito, não estando a sociedade, principalmente a ocidental, preparada
para conviver com questões relacionadas à morte e, quando somamos esse fator ao
dado de que há milhares de portadores do vírus entre a faixa etária de 20 a 45 anos,
151 AZEVEDO, 2002, p. 62.
66
em evidente fase de produtividade, a carga impingida pela moléstia sofre
considerável aumento152.
Inquestionável, por todo o exposto, é a necessidade da manutenção da
integridade psicológica do infectado, para minimizar-lhe os traumas inerentes à sua
condição, de molde a garantir-lhe que nada “possa afetar a saúde mental e o
equilíbrio da pessoa, sendo recomendável a contínua incrementação de
instrumentos sanitários estatais para a preservação da higidez mental do povo”153.
Ainda neste século, até mesmo pelas estreitas vias do contágio, a AIDS é
fator de segregação e, não raro, de marginalização dos seus portadores.
O diagnóstico da doença pode levar o seu portador a uma intensa e profunda
depressão, composta de impotência, vergonha e desesperança perante a família e a
sociedade.
MARCOS DE ALMEIDA VILLAÇA AZEVEDO anota que:
[...] o diagnóstico de soropositividade pode ser vivido como um ‘cataclisma apocalíptico’, pois a presença, dentro de si, de um vírus destrutivo produz estupefação no funcionamento mental e lança o sujeito em um precipício desintegrador, sem nenhum ponto onde possa agarrar-se154.
A situação pode piorar, ainda por muitos outros fatores. A sociedade,
especialmente a ocidental e capitalista, não possui a melhor maneira de lidar com
questões relativas à morte, privilegiando como prioridades o culto à beleza, poder,
etc. associado a este fator é necessário levar em conta que a doença acomete,
principalmente jovens com idades entre 20 (vinte) e 49 (quarenta e nove) anos, e, no
entanto, em plena idade produtiva.
Diversas vezes, no entanto, que a descoberta da enfermidade pode impingir
traumas de toda ordem no individuo, sejam eles transitórios ou permanentes. Daí a
necessidade da manutenção de sua integridade psicológica, lhe advindo o direito a
exigir que não ocorra ou cesse qualquer expediente, nos termos empregados por
CARLOS ALBERTO BITTAR155: que possa atingir a saúde mental e o equilibro do
152 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade . 7.ed. São Paulo: Forense, 2008. p. 121. 153 BITTAR, 2008, p. 121. 154
AZEVEDO, Marcos de Almeida Villaça. Aids e responsabilidade civil . São Paulo: Atlas, 2002. p. 74. 155 BITTAR, 2008, p. 47.
67
individuo, sendo aconselhável a contínua incrementação de instrumentos sanitários
estatais para a preservação da higidez mental do povo.
O direito de não sofrer qualquer tipo de humilhação ou chacota, em virtude do
diagnostico positivo da AIDS, principalmente em seu ambiente de trabalho.
3.2.3 O Direito à Intimidade e a Vida Privada
De relevante repercussão empírica, especialmente no meio ambiente de
trabalho, o direito à intimidade e à vida privada como consequências dos direitos da
personalidade são frequentemente discutidos em relação aos soropositivos.
Saliente-se, preliminarmente, que a linha tênue que aparta estas duas figuras
(intimidade e vida privada) quase sempre leva os intérpretes a uma confusão
semântica e não poucas vezes a considerar os dois termos como sinônimos.
LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO e VIDAL SERRANO NUNES afirmam em
relação à distinção terminológica entre intimidade e vida privada:
Podemos vislumbrar, assim, dois diferentes conceitos. Um, de privacidade, onde se fixa a noção das relações interindividuais que, como as nucleadas na família, devem permanecer ocultas ao público. Outro, de intimidade, onde se fixa uma divisão linear entre o ‘eu’ e os ‘outros’, de forma a criar um espaço que o titular deseja impenetrável mesmo aos mais próximos156.
A intimidade mantém uma relação direta com o direito de se manter invisível
diante aos olhos da sociedade, o direito de guardar algo apenas para si ou manter
restrito aos entes queridos. A linha que separa a intimidade e a vida privada é tênue
e não encontra unanimidade na doutrina.
SÜSSEKIND, apregoando conceito discordante sobre intimidade, a ela se
refere como sendo:
156
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional . 3.ed São Paulo: Saraiva, 2002, p 110.
68
[...] tudo aqui que acontece quatro paredes, reservadamente para a própria pessoa ou para o círculo mais restrito de sua família e compreende tanto o ambiente domiciliar quanto o local de trabalho. O ato patronal que invade esses recantos e propaga fatos ou ações antes de domínio restrito, sem o consentimento do trabalhador, ou mesmo versão distorcida do ocorrido, constitui, em princípio, lesão configuradora do dano moral157.
Seguindo os passos de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Júnior, REGIANE MARGONAR158 comenta que, o mais adequado, seria se referir
apenas em violação da vida privada do empregado soropositivo e não violação da
intimidade, ao raciocínio que as ofensas aos direitos dos portadores soropositivos,
enquanto funcionários, ocorre em relação a sua vida social e não na intimidade de
sua vida privada.
Tendo em vista os contornos que assume o contrato de trabalho, diante dos
elementos que caracterizam e relação empregatícia, sobretudo a subordinação,
encontra-se o funcionário soropositivo exposto à ofensa do seu direito à invasões ao
seu direito à vida privada. Também o candidato ao trabalho pode sofrer infundadas
invasões ao seu direito de intimidade ou vida particular, todas elas impugnadas pelo
ordenamento jurídico159.
Não tem fundamento nenhum, qualquer atitude empresarial que exija testes
pré-admissionais ou periódicos onde se tenha por intuito verificar a soropositividade
do empregado ou candidato ao emprego.
A Portaria nº. 1246, de 28 de maio de 2010, do Ministério do Trabalho e
Emprego vedou a realização de qualquer exame do trabalhador em relação a AIDS,
seja admissional, durante a relação de emprego ou mesmo demissional.
No entanto, a jurisprudência já vinha proibindo a realização deste tipo de
exame em respeito ao direito do empregado na manutenção de sua vida privada a
salvo de indiscrições, inclusive do empregador, cujo poder de direção não lhe
possibilita a invasão da seara da intimidade de seus subordinados ou candidatos a
um emprego em virtude do direito do empregado ou candidato ao emprego de não
157
SÜSSEKIND, 1996, p. 631. 158 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS . São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2006. p. 114. 159
Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012.
69
revelar sua suas intimidades que ele não pretende que venha ao conhecimento de
outras pessoas e que somente a ele interessam160.
No que tange ao trabalhador doente de AIDS, comenta MARCELO DE
ALMEIDA VILLAÇA AZEVEDO:
Em relação às pessoas portadoras do vírus da AIDS, é vedada a divulgação de sua condição mórbida, não podendo adentrar-se em sua esfera de confidencialidade, que é reservada ao próprio intelecto. Devem ser pautados os sagrados princípios que tutelam a dignidade humana de quem quer que seja161.
A AIDS em sua fase assintomática em nada incomoda o desempenho da
prestação laborativa e tampouco põe em risco a saúde ou a vida dos colegas de
trabalho e clientes, não interessando a ninguém conhecer da condição de
soropositividade do empregado ou candidato ao emprego, que deve ter o direito de
decidir a quem confidenciar sobre seu estado de saúde.
160
Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 161
AZEVEDO, 2002, p. 64.
70
4. A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TR ABALHO (OIT)
E O TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS
4.1 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – CRIAÇÃO,
COMPOSIÇÃO E DIRETRIZES
4.1.1 A OIT e sua Criação
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) surgiu no final da Primeira
Grande Guerra, em 1919, com a edição do Tratado de Versalhes, cujos signatários
representavam os dez países de maior importância do continente Europeu, além da
participação de outros Estados-Membros como, inclusive, o brasileiro, o qual se fez
presente desde a primeira reunião da Conferência Internacional do Trabalho162.
Órgão vinculado à ONU, sua criação tinha como principal objetivo promover a
Justiça Social, através da representação de trabalhadores, empregadores e
autoridades governamentais, todos com iguais direitos e com a finalidade
estabelecer diretrizes e orientações que visem o alcance da justiça social,
erradicando a opressão econômica e a ausência de oportunidades profissionais, que
geram as mais graves violações aos direitos fundamentais e trabalhistas163.
Sediado, primeiramente em Genebra e, posteriormente, modificado para
Montreal, o Tratado de Versalhes, constituído por seus delegados, adotou a
Declaração da Filadélfia, a qual tornara-se, desde então, a carta de princípios e
objetivos da OIT. Reafirmando, ainda, que a paz permanente baseia-se, somente,
na justiça social164.
A OIT, recentemente, a fim de que todos os Estados membros adotassem,
lançou um Código de Convenções e Recomendações Internacionais Trabalhistas,
162 DELGADO, 2000, p. 97. 163
Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 164 História. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria>. Acesso em: 15 maio 2012.
71
que versa, especificamente, sobre a liberdade de associação, emprego, política
sindical, condições de trabalho, seguridade social, relações industriais e
administração do trabalho, entre outras, prevendo ainda, por intermédio de uma rede
de escritórios especializados em mais de quarenta países, a assistência técnica,
assessoria e capacitação de seus membros165.
Os membros da OIT, desde o seu nascimento, procuraram adotar,
aproximadamente, 188 Convenções Internacionais a respeito do trabalho e 200
Recomendações sobre inúmeros temas relacionados ao trabalhador, ao emprego,
segurança no trabalho.
Assim, em 1998, a Conferência Nacional do Trabalho aprovou a Declaração
dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho que versa sobre os quatro
princípios essenciais a que todos os membros da OIT estão sujeitos, ou seja, a
liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a
eliminação de todas as formas de trabalho forçado, a efetiva abolição do trabalho
infantil e a eliminação de todas as formas de discriminação no emprego ou
ocupação166.
Assim, diante da rápida globalização, bem como do surgimento de
dificuldades e déficits das políticas em matéria de crescimento do emprego, a OIT,
visando à promoção de oportunidades de emprego digno e produtivo aos cidadãos,
instituiu o Trabalho Decente como objetivo central de todas as suas políticas e de
todos os seus programas167.
A OIT, tem fundamental importância para que se estabeleça um padrão
mundial de tutela aos direitos mínimos dos trabalhadores.
4.1.2 Estratégia, Objetivos e Composição
A noção de Trabalho Decente comporta a promoção de oportunidades para
mulheres e homens da sociedade mundial conseguir um trabalho produtivo,
adequadamente remunerado, podendo exercer em condições de liberdade, 165 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas . Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012. 166 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012. 167 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012.
72
segurança, equidade e dignidade, sendo este tópico o eixo central dos objetivos
estratégicos da OIT168.
A referida estratégia divide-se em quatro objetivos específicos criados pela
OIT, a saber: o respeito às normas internacionais do trabalho, focalizando os
princípios e direitos fundamentais do trabalho, a promoção do emprego de
qualidade, a extensão da proteção social e, por fim, o fortalecimento do diálogo
nacional.
A OIT é formada por três órgãos sendo. São eles: Conferência ou Assembleia
Geral, Conselho de Administração e Repartição Internacional do Trabalho.
A Assembleia Internacional é constituída por representantes dos Estados-
membros.
No mínimo, uma vez por ano, as sessões são realizadas. Nessas sessões
são estabelecidas regras no âmbito da OIT.
São nesses momentos que são elaboradas as convenções e recomendações
internacionais da OIT. As Convenções e as Recomendações constituem os
principais instrumentos de atuação da OIT junto aos seus Estados-membros.
4.2 AS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT E A TUTELA DO
TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS
4.2.1 A Distinção Entre as Convenções e as Recomendações
Os membros da OIT criaram, com o intuito de instrumentalizar juridicamente o
direito do trabalho, normas internacionais, as quais, estabelecem condições e
princípios básicos sobre o direito dos trabalhadores, dividindo-se em Convenções
168 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012.
73
(Tratados Internacionais legalmente vinculativos) e Recomendações (diretrizes não
vinculantes) a serem seguidas por seus estados componentes169.
Ambas, são criadas pelos governos representativos das classes de
trabalhadores e empregadores, que se reúnem anualmente na Conferência
Internacional do Trabalho da OIT. Quando adotadas pelos seus membros, são
submetidas à autoridade competente, ou seja, geralmente o Parlamento, para o
exame detalhado170.
Segundo a própria OIT define, Convenções171 seriam Tratados Internacionais
que, uma vez ratificados pelos Estados-Membros, passam a integrar a legislação
nacional.
A aplicação das normas pelos países é examinada por uma Comissão de
Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT que recebe e avalia
queixas, dando-lhes seguimento e produzindo relatórios de memórias para
discussão, publicação e difusão.
As Convenções prelecionam, basicamente, os princípios a serem aplicados
pelos Países Membros nas suas legislações e práticas nacionais, proporcionando
diretrizes mais detalhadas sobre sua aplicação, muito embora, para que haja
obrigatoriedade, necessário se faz a ratificação dessas Convenções por seus
membros, entrando em vigor um ano após este ato, devendo ainda, o país aderente,
encaminhar ao Secretário da Organização Internacional, em intervalos regulares, as
memórias de aplicações da Convenção, sob pena de responder a procedimentos
reclamatórios referentes às violações das normas internacionais172.
169 Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 170 Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 171 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 11 setembro 2011. 172 Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012.
74
Já, as Recomendações173 seriam as normas da OIT que não obtiveram um
número suficiente de adesões para que elas viessem a transformar-se numa
Convenção, mas possuem natureza autônoma, ou seja, não vinculativas a nenhuma
convenção.
Para tanto, passa a ter validade apenas como sugestão ao Estado, como
mera indicação, a fim orientar seu direito interno. Ela não é ratificada pelo Estado-
Membro, ao contrário do que ocorre com a Convenção, mas é submetida à
autoridade competente no direito.
A Convenção passa a ter vigência no direito interno do Estado após doze
meses de sua ratificação, enquanto não existir ainda uma harmonização quanto à
integração das recomendações em nosso ordenamento jurídico.
Relativamente ao trabalhador portador do HIV, temos na OIT a Convenção nº
111, ratificada pelo Brasil, que proíbe a discriminação no emprego, a Convenção
158, que veda a despedida arbitrária mas que não se encontra atualmente em
vigência no país, ambas de referência genérica, uma vez que se aplicam também a
outras hipóteses de discriminação e despedida arbitrária e a Recomendação 200,
ratificada pelo Brasil e destinada especificamente ao trabalhador soropositivo e que
busca estabelecer condições de trabalho dignas ao portador do HIV174.
O ratificação as Convenções e cumprimento das Recomendações da OIT,
impõe ao Estado-Membro não só condição de Estado Democrático de Direito como
também de respeitador dos Direitos Humanos.
4.2.2. A Aplicabilidade das Convenções e Recomendações no Direito Brasileiro
Invocando o processualista GIUSEPPE CHIOVENDA, Jurisdição é:
A função estatal que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, mediante a substituição, pela atividade dos órgãos públicos, da atividade de
173 Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 174
Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012.
75
particulares ou de outros órgãos públicos, quer para afirmar a existência da vontade da lei, quer para torná-la praticamente efetiva175.
A jurisdição consiste na substituição definitiva e obrigatória da atividade
intelectiva do juiz à atividade intelectiva, não só das partes, mas de todos os
cidadãos, no afirmar existente ou não existente uma vontade concreta de lei
concernente às partes.
Segundo MOACYR AMARAL DOS SANTOS:
A jurisdição é uma das funções da soberania do Estado, função de poder, do poder Judiciário, consistindo no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei176.
Aliado ao conceito de jurisdição, temos que essa função do Estado deve ser
exercida, quando se tratar de Direito do Trabalho, de acordo com as peculiaridades
do processo trabalhista e do próprio direito material, caracterizado, sobretudo, por
diretrizes de proteção ao trabalhador e de normas imperativas177.
Nesse contexto, e relativamente à interpretação do Direito a ser aplicada ao
contrato de trabalho, tem-se que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
quando possui regras próprias, afastaria a aplicação do direito comum.
Impõe-se que a análise acerca da Lei aplicável ao contrato de trabalho, deve
primeiramente ser interpretada à luz da Constituição e da CLT, que disciplinam os
direitos e obrigações das partes no contrato de trabalho.
Não obstante o princípio predominante da aplicação da lei junto ao contrato
de trabalho ser o da territorialidade, algumas situações são consideradas exceção,
uma vez que a peculiaridade o afasta, justificando-se, basicamente, em razão da
hipossuficiência do trabalhador.
Essa constatação restou bem sintetizada no entendimento de ARNALDO
SÜSSEKIND, sobre o tema:
Reconhecendo, embora, a importância dos aspectos econômicos que fundamentam o Direito Internacional do Trabalho, afigurasse-nos, todavia,
175 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil . 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 17. 176
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil . 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 67. 177
CHIOVENDA, op.cit., p. 17.
76
que seu principal esteio é de caráter social e concerne à universalização dos princípios da Justiça Social e da dignificação do trabalhador178.
É certo que razões de ordem econômica constituíam sério obstáculo à
consecução desses ideais; mas são exatamente esses ideais que configuram a
finalidade preponderante do direito universal do trabalho.
Nesse caso, as condições mais vantajosas ao trabalhador prevaleceriam,
caso a legislação estrangeira fosse contrária à nacional, e não violasse a ordem
pública.
De acordo com ARNALDO SUSSEKIND179, as Convenções da OIT, quando
ratificadas pelo Brasil, constituem autênticas fontes formais de direito.
No entanto, as recomendações aprovadas pela Conferência Internacional do
Trabalho atuam apenas como fontes materiais de direito, porque servem de
inspiração e modelo para a atividade legislativa.
Sobre a sua vigência no Brasil, o mesmo autor prossegue:
(...) as recomendações, por tratarem, como geralmente ocorre, de matéria sobre a qual à União Federal compete legislar, devem ser submetidas ao Congresso Nacional, para que delas tome conhecimento e promova ou não, total ou parcialmente, com a sanção do Presidente da República, a conversão de suas normas em lei. Excepcionalmente, quando a recomendação versar matéria da competência dos decretos executivos ou regulamentares, caberá apenas ao Presidente da República adotar as medidas adequadas que entender (art. 84, IV, da CF)180.
Ainda a respeito da aplicabilidade das Recomendações da OIT, é importante
destacar que o Brasil parece ainda não ter definido bem como se devem receber as
recomendações da OIT em seu ordenamento jurídico, fato esse já identificado por
LUIZ EDUARDO GUNTHER e JORGE FONTOURA181, quando da análise da
aplicabilidade da Recomendação nº 190 no país.
178
SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho . 22.ed. São Paulo: LTR, 2005. p. 1570. 179 Ibid, p. 336. 180
CHIOVENDA, 2000, p. 17. 181 FONTOURA, Jorge; GUNTHER, Luiz Eduardo. A natureza jurídica e a efetividade das recomendações da OIT . 3.ed. Curitiba: Editora revista da faculdade de direito da UFPR, 2001. p. 32. 101. CHIOVENDA, op.cit., p. 17.
77
Acredita-se que, relativamente à aplicabilidade das Convenções e
Recomendações da OIT pela Jurisdição brasileira, estas teriam sua eficácia interna
prevista no § 2º, do artigo 5º, da Constituição de 1988, que assim estabelece: “Os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e princípios por ela adotados, ou os tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”182.
Nesse sentido, os tratados e convenções, em que o Brasil foi signatário, não
teriam a necessidade de lei infraconstitucional, quando se tratar de direitos
fundamentais.
Sobre a interpretação do texto constitucional, LENIO LUIZ STRECK183 ensina
que “se alguém pensar que pode primeiro interpretar a Constituição para depois
aplicá-la, é porque ainda está preso às amarras da hermenêutica clássica”.
Também, FLÁVIA PIOVESAN comunga do mesmo entendimento:
Inadmissível, por consequência, a inércia do Estado quanto à concretização de direito fundamental, posto que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo em vista a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir direito fundamental. Implanta-se um constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais184.
Cabe aos Poderes Públicos conferir eficácia máxima e imediata a todo e
qualquer preceito definidor de direito e garantia fundamental.
Esse princípio intenta assegurar a força dirigente e vinculante dos direitos e
garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais direitos prerrogativas
diretamente aplicáveis pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
O Supremo Tribunal Federal tem entendido que a ratificação pelo Brasil de
um Tratado Internacional, passa a fazer parte do direito interno brasileiro, como
legislação ordinária, sem garantia de qualquer privilégio hierárquico a eles.
Não obstante essa interpretação do Supremo tem-se que, quando a
Constituição incorpora em seu texto direitos fundamentais provenientes de tratados,
está ela própria atribuindo-lhes uma natureza especial e diferenciada, qual seja ‘a
182
CHIOVENDA, loc.cit. 183 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise : Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Editora livraria do advogado, 2005. p. 322. 184
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Interna cional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 35-36.
78
natureza de norma constitucional’, passando tais direitos a integrar o elenco dos
direitos constitucionalmente protegidos, e nos termos do artigo 60, § 4º, IV,
denominados como ‘cláusulas pétreas’.185
Finalmente, se verifica que os direitos humanos sobrepõem todos os seus
impeditivos, mesmo aqueles constitucionais, o que determina que um tratado
internacional de proteção a direitos humanos possa ampliar a previsão
Constitucional, e em razão do contido no artigo 5º, § 2º, impõe a modificação do
próprio texto constitucional.
4.2.3 Convenção 111 e a Discriminação nas Relações de Trabalho
A Convenção 111 da OIT186, ratificada pelo Brasil, busca o combate a todas
as práticas discriminatórias na relação de trabalho estabelecendo, em seu artigo 1º,
a discriminação como o seguinte conjunto de práticas:
a) Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo,
religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão;
b) Toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Estado-Membro
interessado depois de consultadas as organizações representativas de patrões e
trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.
Relativamente à sua interpretação no âmbito interno, tem-se que a questão
deveria ser regulamentada pela legislação ordinária para aplicação específica aos
portadores do HIV, coibindo as demissões imotivadas e discriminatórias, impondo
sanções com o objetivo de inibir tais condutas.
Ademais, a referida Convenção aborda que a discriminação refere-se à
violação dos direitos humanos, elencados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, obrigando os países-membros a adotarem uma política com o intuito de
185
MARTINS, Sergio Pinto. Convenções da OIT . São Paulo: Atlas, 2009. p. 354. 186 Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011.
79
promoverem a garantia aos direitos de igualdade, oportunidade e tratamento em
matéria de emprego e profissão, elencado em seu art. 2º.
Partindo dessa premissa, a Organização Mundial da Saúde e a Organização
Internacional do Trabalho criaram, acertadamente, a Declaração da Reunião
Consultiva da AIDS e o Local de Trabalho, tratando, especificamente das condições
laborais para o portador de HIV, declarando, ainda por cima, a inexistência de
qualquer risco de contaminação ou transmissão do vírus de um empregado
contaminado a um cliente ou aos seus pares187.
Assim, a citada declaração prioriza o tratamento igualitário dos soropositivos
com os outros empregados, devendo o empregador, contando com a ajuda de
sindicatos trabalhistas e do Governo, respeitando sempre o direito de sigilo,
desprender principal atenção a eles, com o fim de erradicar o preconceito e a
discriminação no ambiente de trabalho, determinando e estudando as medidas
educacionais a serem adotadas a fim de informar corretamente, se necessário, os
trabalhadores não infectados, para que estes procurem adotar atitudes humanitárias
e éticas no tratamento ao portador do vírus188.
A Convenção 111 dá enfoque à criação de novas leis, determinando a
vedação às atividades de discriminação, bem como a revogação de disposições
discriminatórias, priorizando, ainda, a aplicação e a fiscalização dessas leis.
Isso porque a pessoa portadora do HIV pode ser alvo de discriminação em
qualquer momento do contrato de trabalho, ou seja, na admissão (quando o
empregador pergunta acerca da doença, exigindo exames de saúde), em seu curso
(a exclusão do soropositivo do ambiente de trabalho pelos seus colegas ou que este
desempenhe funções inferiores devido à doença, determinado pelo empregador) ou
no momento de dispensa (quando o empregador o dispensa após notificar que o
trabalhador é portador do vírus)189.
Mesmo diante da ausência de regulamentação da questão no âmbito do
direito interno, a ratificação pelo Brasil impõe a sua integração em nosso
ordenamento jurídico e, portanto, nos termos da Convenção, a prática de referidos
atos assume um caráter pejorativo e ilícito. 187 ALVES, Rubens Valtecides. O Princípio da não discriminação no emprego . Dissertação Mestrado. São Paulo: PUC, 2001. 188 SOUZA, Mauro Cesar Martins de. AIDS e suas implicações nas relações de emprego sob a óptica das garantias fundamentais do vírus hiv, no direito do trabalho brasileiro . Tese de Doutorado. São Paulo: PUC, 2001. 189 ALVES, 2009. p. 34.
80
A questão relativa à discriminação do trabalhador combatida pela
recomendação 111, da OIT, deve também ser analisada sob o enfoque da Lei 9.029,
de 13 de abril de 1995, conforme já abordado no Capítulo II.
A referida lei veda, mesmo que de forma concisa, a prática de qualquer ato
discriminatório e que limite o acesso do trabalhador ao emprego almejado; contudo,
não colocou em seu texto, expressamente, a questão da discriminação em relação
aos trabalhadores que possuem estado de saúde precário.
Haja vista este infortúnio, se estabelece que se essa lei não discriminou
expressamente a determinação, sendo ela de natureza penal, não suporta
interpretação extensiva190.
Entretanto, para que tenha eficácia com relação aos trabalhadores doentes,
necessário é a utilização da Convenção 111 da OIT cumulada com os artigos da
Constituição Brasileira.
Por se tratar, a citada Convenção, de uma norma proibitiva à discriminação na
formação profissional, permitindo, assim, aos estados-membros a possibilidade de
acrescentar como discriminatório qualquer ato de exclusão que confronte
diretamente o princípio da igualdade nas relações de trabalho, sendo, perfeitamente
aplicável a esse ponto a vedação à discriminação aos portadores de HIV191.
Ademais a Convenção 150 da OIT complementa a Convenção 142, ambas
ratificadas no Brasil, em que sugere que sejam adotadas medidas a fim de garantir a
reintegração dos trabalhadores que possuem inferioridade física no ambiente de
trabalho, estendendo, dessa forma, aos soropositivos192.
Combater a discriminação e desigualdades não esta apenas relacionado ao
cumprimento das mencionadas Convenções da OIT esta sobretudo vinculado ao
cumprimento da Constituição de 1988.
4.2.4 Convenção 158 e a Garantia Contra a Dispensa Imotivada
190 ALVES, loc.cit. 191 SOUZA, 2001. p. 43. 192 SOUZA, loc.cit.
81
A Convenção 158 da OIT193 assinada em Genebra, Suíça, dispõe a respeito
da extinção da relação de emprego por iniciativa do empregador.
Não obstante o Decreto Legislativo 68, de 17 de setembro de 1992, tê-la
aprovado, deixou o Poder Executivo de depositar o instrumento de ratificação junto à
OIT, o que ocorreu tão somente em janeiro de 1995.
Conforme estabelece o disposto no artigo 16 da própria Convenção, a entrada
em vigor junto aos estados-membros dar-se-ia doze meses após a sua ratificação, o
que, no Brasil, ocorreu em 5 de janeiro de 1996.
Tendo o decreto de promulgação sido publicado em 10 de abril de 1996, esta
passou a ter vigência no país até 20 de novembro de 1996, quando então o poder
executivo, através de comunicado à OIT, e do Decreto 2.100, de 20 de dezembro de
1996, promoveu a denúncia da Convenção tendo como motivo justificador a politica
de ‘reforma econômica e social e de modernização’, o que praticou efeitos a partir de
20 de novembro de 2006, ante a previsão do artigo 17 da Convenção194.
A Convenção 158 da OIT, não obstante ter encerrado sua oficial vigência no
país em 20/11/1997, teria a sua aplicabilidade em plena consonância com os
ditames da Constituição de 1988, sobretudo, considerando o artigo 7º, inciso II,
norma de conteúdo programático, capaz de produzir efeitos, e de eficácia
mediata195.
Como já mencionado anteriormente, a Constituição de 1988 estabelece como
um de seus princípios fundamentais e consagrados a Igualdade.
Neste sentido ainda o artigo 7º, inciso I, veda a chamada despedida arbitrária,
o que importaria em estabelecer que todo ato de ruptura contratual que não tivesse
uma motivação, seria por conclusão lógica uma ofensa ao dispositivo
constitucional196.
Ocorre que, para a maioria dos intérpretes do Direito, a regra insculpida no
artigo 7º, inciso I, da Constituição de 1988, seria uma norma de eficácia limitada ou
ainda condicionada a regulamentação, o que importaria em estabelecermos que a
193 Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 194
SOUZA, op.cit., p. 42. 195
SOUZA, 2001. p. 43. 196
SOUZA, loc.cit.
82
despedida sem justa causa seria modalidade diversa da chamada despedida
arbitrária197.
Sendo assim, a dispensa sem justa causa estaria autorizada pelo poder
potestativo do empregador, devendo este indenizar o empregado que tem
assegurado o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o acréscimo sobre o Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço previsto no artigo 10, inciso I, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, o aviso prévio, a remuneração das férias
vencidas e proporcionais e o 13º salário proporcional198.
Em contrapartida, temos também aqueles que interpretam ser auto-aplicável a
regra constitucional, o que ensejaria na impossibilidade do empregador se utilizar da
despedida sem justa causa como forma de extinguir o contrato de trabalho.
Nessa linha de raciocínio temos a lição de LEONARDO VIEIRA WANDELLI:
A racionalidade formal-positivista põe-se a serviço da banalização da despedida injusta, à medida que bloqueia a normatividade dos princípios e direitos fundamentais que permitiriam coibir-se a despedida em uma série de casos em que ela é tratada como simples e neutro exercício de um direito potestativo pelo empregador199.
A despedida arbitrária ou sem justa causa, portanto, não se constitui em
direito potestativo do empregador, é um ilícito. E se o empregador não tem direito a
despedir arbitrariamente, logo ele não pode abusar do direito (que não tem) de
despedir. Logo, a despedida sem justa causa importaria, mesmo que indenizado o
empregado, um ato de abuso de direito, agravado pela vulnerabilidade do
empregado portador do HIV, que deverá estar protegido deste ato unilateral do
empregador.
4.2.5 Recomendação 200, o HIV e o Mundo do Trabalho
197
Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 198
Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 199
WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida abusiva : O direito (do trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2004. p. 88.
83
A Recomendação 200, da OIT200, é sem dúvida alguma a diretriz mais
específica acerca do tema, uma vez que de forma taxativa apresenta
recomendações práticas no intuito de garantir condições de trabalho dignas às
pessoas portadoras do HIV.
Contudo se destaca na Recomendação 200 a orientação aos Estados-
membros a adotarem políticas nacionais para a proteção do empregado portador do
HIV, bem como que os Estados criem instrumentos para a aplicação de tais regras.
A Recomendação 200 estabelece como princípios norteadores da relação de
trabalho do portador do HIV201:
a) a resposta ao HIV e à AIDS deveria ser reconhecida como uma
contribuição para a concretização dos direitos humanos, das liberdades
fundamentais e da igualdade de gênero para todos, incluindo os trabalhadores, suas
famílias e dependentes;
b) o HIV e a AIDS deveriam ser reconhecidos e tratados como uma questão
que afeta o local de trabalho, a ser incluída entre os elementos essenciais da
resposta nacional, regional e internacional para a pandemia, com plena participação
das organizações de empregadores e de trabalhadores;
c) não deveria haver discriminação ou estigmatização dos trabalhadores, em
particular as pessoas que buscam e as que se candidatam a um emprego, em razão
do seu estado sorológico relativo ao HIV, real ou suposto, ou do fato de pertencerem
a regiões do mundo ou a segmentos da população considerados sob maior risco ou
maior vulnerabilidade à infecção pelo HIV;
d) a prevenção de todos os meios de transmissão do HIV deveria ser uma
prioridade fundamental;
e) os trabalhadores, suas famílias e seus dependentes deveriam ter acesso
à serviços de prevenção, tratamento, atenção e apoio em relação a HIV e AIDS, e o
local de trabalho deveria desempenhar um papel relevante na facilitação do acesso
a esses serviços;
f) a participação dos trabalhadores e o seu envolvimento na concepção,
implementação e avaliação dos programas nacionais sobre o local de trabalho
deveriam ser reconhecidos e reforçados;
200 OIT. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11/11/2011 201 http://www.oitbrasil.org.br/content/recomenda%C3%A7%C3%A3o-sobre-o-hiv-e-aids-e-o-mundo-do-trabalho
84
g) os trabalhadores deveriam beneficiar-se de programas de prevenção do
risco específico de transmissão pelo HIV no trabalho e de outras doenças
transmissíveis associadas, como a tuberculose;
h) os trabalhadores, suas famílias e seus dependentes deveriam gozar de
proteção da sua privacidade, incluindo a confidencialidade relacionada ao HIV e à
AIDS, em particular no que diz respeito ao seu próprio estado sorológico para o HIV;
i) nenhum trabalhador deveria ser obrigado a realizar o teste de HIV ou
revelar seu estado sorológico para o HIV;
j) as medidas relativas ao HIV e á AIDS no mundo do trabalho deveriam
fazer parte das políticas de desenvolvimento e dos programas nacionais, incluindo
aquelas relacionadas ao trabalho, educação, proteção social e saúde; e
k) proteção dos trabalhadores em ocupações particularmente expostas ao
risco de transmissão do HIV.
As políticas a serem implementadas devem promover o combate e a
prevenção do HIV através de legislação interna específica sobre o tema, impondo a
atenuação do impacto da AIDS no mundo do trabalho, promovendo-se a assistência
e o apoio aos trabalhadores infectados e afetados e buscando-se a eliminação do
estigma e da discriminação com o intuito de fortalecer a proteção e a dignidade dos
empregados e de todas as pessoas que convivem com ele.
Estabelece assim as seguintes políticas:
a) adotar políticas e programas nacionais relativos ao HIV e à AIDS e o
mundo do trabalho e à segurança e saúde no trabalho onde estes ainda não
existam;
b) integrar suas políticas e programas sobre o HIV e a AIDS e o mundo do
trabalho nos planos de desenvolvimento e nas estratégias de redução da pobreza,
notadamente na estratégias relativas ao trabalho decente, às empresas sustentáveis
e à geração de renda, conforme o caso.
A recomendação enfatiza que tais medidas se tomadas no local de trabalho,
ou através dele, teriam como objetivo reduzir a transmissão do HIV e atenuar o seu
impacto, garantindo o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais,
assegurando a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, garantindo
ações para prevenir e proibir a violência e o assédio no local de trabalho,
promovendo a participação ativa de mulheres e homens na resposta ao HIV e à
AIDS, promovendo o envolvimento e o empoderamento de todos os trabalhadores,
85
independentemente da sua orientação sexual ou porque façam ou não parte de
grupos vulneráveis, promovendo a proteção da saúde sexual e reprodutiva e os
direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e homens, garantindo a efetiva
confidencialidade dos dados pessoais, inclusive dos dados médicos.
Esta Recomendação representa um grande avanço na defesa dos
interesses do trabalhador.
Por meio de programas informativos, é possível conscientizar a sociedade
de que a AIDS não é uma punição ou castigo, e, sim, uma enfermidade. Apesar da
sua incurabilidade, com os avanços da medicina, pode-se levar uma vida normal,
por tempo indeterminado, sendo esta hoje, uma doença crônica. Desse modo, a
prevenção será mais eficiente, e as vítimas desta doença não terão medo de
procurar tratamento, nem de serem rotulados como pessoas promíscuas ou
marginais. A adoção de tal comportamento, os portadores de HIV terão mais
oportunidades de levar uma vida normal como qualquer outro indivíduo202.
A Recomendação 200 corresponde a importante ferramenta para a inclusão
do portador do HIV no mercado de trabalho.
4.2.6 A Questão Peculiar Envolvendo os Profissionais de Saúde
Conforme abordado interiormente, o Brasil tem como um de seus
fundamentos o valor social do trabalho (art. 1º, IV), bem como a valorização do
trabalho humano como fundamento da ordem econômica e a busca do pleno
emprego (art. 170) e o trabalho como base da ordem social (art. 193), com o objetivo
de assegurar a todos uma existência digna, promover o bem de todos, reduzir as
desigualdades sociais e construir uma sociedade livre justa e solidária.
Ocorre que, numa analise abrangente onde outros princípios constitucionais
também são analisados, poderíamos enfrentar um aparente conflito na medida em
que alguns trabalhadores portadores do HIV ao exercerem determinada atividade
profissional poderiam estar gerando risco de contaminação do vírus a outras
pessoas.
202
Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011.
86
Um assunto que merece uma abordagem por sua importância na vida pratica
pois em razão do procedimento a ser tomado pelos empregadores quando
constatado o HIV em um de seus empregados.
Tal exemplo é mais comumente verificado na relação de trabalho onde o
profissional do ramo da saúde (médico, enfermeiro, dentista, etc.) portador do HIV,
estaria eventualmente produzindo o risco de contaminação a terceiros quando de
seu contato com os pacientes, em razão de ser o sangue um dos principais meios
de contaminação.
Nessa situação primeiramente deve se considerar que existem consideráveis
evidências clínicas e epidemiológicas mostrando que o HIV não se transmite pelo
trato respiratório ou por contato casual qualquer que seja a situação (em escolas, no
ambiente familiar ou no trabalho). Como em outras tantas doenças, o profissional de
saúde infectado deverá continuar trabalhando enquanto sua condição física o
permitir203.
Destaca-se ainda que muitos dos procedimentos de contato com sangue e
outras secreções corpóreas acontecem em várias outras situações não cirúrgicas,
no sentido estrito do termo. Entre elas: colheita de sangue, atendimentos em Centro
de Terapia Intensiva (CTI), atendimentos em pronto-socorro, e em necropsias.
Sendo que a restrição ao trabalho destes profissionais infectados não seria o
único, nem o mais eficaz método de reduzir o risco de transmissão do HIV do
profissional para o paciente.
Traria impacto muito mais efetivo nesses casos, a ocorrência de uma melhor
definição dos procedimentos invasivos com risco de transmissão, identificação dos
fatores associados com risco de exposição sangue-sangue, com modificação dos
mesmos, e maior exigência às indústrias de equipamentos médicos quanto ao item
biossegurança.
Tais procedimentos sim importariam na redução do risco de transmissão
ocupacional do HIV do que a proibição de exercício profissional ao trabalhador
infectado.
Ademais o afastamento do trabalho, destes profissionais criaria uma falsa
sensação de segurança nos pacientes em relação aos verdadeiramente
soronegativos ou com teste falso-negativo.
203 GRECO DB, Castro Neto M. O caso da AIDS: epidemia da doença, epidemia do medo e seus subprodutos. In: Rigotto R (Coord.). Isto é trabalho de gente . São Paulo: Tupinambras, 1993.
87
Por fim, se a uma severa politica de precaução não for adotada, o risco de
contaminação em procedimentos como de pronto-socorro, ainda que pequeno,
permanecerá.
Seria impossível, nestes casos, estabelecer uma condição que não venha a
estabelecer uma ofensa a direitos fundamentais do profissional infectado pelo HIV
ou com AIDS.
O risco de infecção é mínimo em geral e, provavelmente, será quase nulo na
maior parte dos procedimentos, desde que as medidas cautelares como o
treinamento a existência de condições de trabalho suficientes para a salvaguarda
de todas as medidas .Sendo assim, e estabelecido que o risco de contaminação
pelo HIV por meio de procedimento do profissional de saúde é extremamente baixo,
desde que as precauções devidas, e estabelecidas a este profissional a ampla tutela
para o exercício de suas atividades profissionais204.
Desta forma a adoção da Recomendação 200, que estabelece dentre outras
medidas a proteção da sua privacidade, incluindo a confidencialidade relacionada ao
HIV e à AIDS e sobretudo na medidas de proteção dos trabalhadores em ocupações
particularmente expostas ao risco de transmissão do HIV, que é o presente caso.
204
GERBERDING, J.L.: SANDE, M.A. Care providers infected with HIV. In: COLEN, P.T.; SANDE, M.A.; VOLBERDING, P.A. (Coord.). The AIDS knowledge base . Massachusetts: The Medical Publishing Group, 1990.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde que se têm noticias da existência do homem, há também notícias de
desumanidade e bons gestos, do mal e do bem, do egoísmo e da solidariedade, da
vida e da morte. Desse modo, é o ser humano: ambíguo, imprevisível,
surpreendente, mutável. O aspecto negativo da natureza humana é o que se
destaca e fica em evidencia quase como rotineira. Povos e comunidades se
destroem por crença, ódio, orgulho e a falta de tolerância.
Não se pode negar a evolução do ser humano, com seus comportamentos
positivos de amor e seus exemplos de solidariedade. Sua história social, cultural e
política deixa evidente a dimensão ética e solidária existente na atualidade. No
entanto, sempre houve lutas por poder e glória. Os detentores do poder agiam em
prejuízo dos mais fracos, que eram influenciados sobre o que era certo e o que era
errado com as conveniências dos poderosos. Também o efeito dessa influência está
nos preconceitos e nas indiferenças existentes, nos dias de hoje, contra aqueles que
se atreveram a não seguir os padrões preestabelecidos.
A AIDS trouxe consigo uma gama de reações, que pela falta de conhecimento
e informação e pelas teorias mistificadoras associadas a ela, causou grandes
ofensas aos Direitos Humanos. Sua natureza contagiosa, sua incurabilidade e
consequências fatais para aqueles que a contraem, tomadas em conjunto,
formalizaram uma definição em relação à enfermidade. Apesar de tais
peculiaridades referirem-se a informações científicas, os preconceitos advindos em
torno dele levaram a graves ofensas dos direitos humanos.
A Síndrome se mostra como uma grande barreira, na era moderna dos
direitos humanos. Sua incidência gerou uma grande preocupação em relação às
suas regras e princípios, no que se refere à saúde pública, a dignidade da pessoa
humana e á não discriminação. A enfermidade tem peculiaridades próprias:
objetivas, do ponto de vista prático, como o tratamento direto pelos médicos, o
perigo de contágio e a higiene adequada; subjetivas, do ponto de vista da situação
delicada, que assume o portador do HIV/AIDS, dos preconceitos e da iminência do
89
óbito. O doente deve ser tratado com especial atenção e ter sua cidadania
preservada, não sofrendo discriminações e sendo respeitado dignamente,
principalmente pelo Estado e seus órgão de saúde.
Desde o surgimento dos primeiros casos de AIDS, no final da década de
setenta, Século XX, essa grave enfermidade se propagou ligeiramente por vários
países e passou a constituir um dos mais importantes problemas de saúde pública
em nível global, particularmente pela sua grande letalidade.
Hoje, não se pode mais falar em grupo de risco, pois qualquer pessoa que
não se protege durante a relação sexual poderá estar sob o risco de contaminação.
A AIDS é uma doença que se desenvolve muito lentamente no organismo. A
doença já pode estar bastante tempo no organismo, antes de surgirem os primeiros
sintomas.
Uma pessoa portadora do vírus poderá ficar até 10 (dez) anos sem
desenvolver a doença e apresentar seus principais sintomas. Isso se deve ao fato de
o sistema imunológico do indivíduo ir controlando o vírus.
Chega um estágio em que o vírus ataca o sistema imunológico de maneira
intensa, começando a surgir os primeiros sintomas.
O Estado Democrático de Direito pressupõe justiça e igualdade, tendo
fundamento na vontade soberana do povo e visa a proteção do homem, sua
dignidade e seus direitos.
A relevância do Poder Judiciário exprime de forma essencial, e até mesmo
fundamental, no contexto da AIDS. A luta pela conquista dos direitos dos portadores
iniciou-se com aqueles que eram diretamente atingidos pela enfermidade, tanto no
sentido biológico, como no sentido moral.
É essencial a presença do Estado e fundamental para que haja proteção dos
direitos dos portadores do HIV.
Como resultado de tais medidas, a atuação do Poder Judiciário tornou-se
essencial para a efetivação dos direitos dos portadores do HIV.
O Direito do Trabalho é o conjunto de normas jurídicas destinadas a regular
as relações entre tomadores de serviços e trabalhadores, e, além disso, outros
aspectos da vida destes últimos, mais precisamente, em função da sua condição de
trabalhadores.
90
Logo, o direito do trabalho é chave fundamental para o fim das desigualdades,
para que finalmente a justiça social se realize a fim de oferecer ao ser humano uma
melhor condição social de trabalho e de vida.
Em diversos ramos do direito esses aspectos podem ser tomados
isoladamente; por exemplo, no campo do Direito Constitucional, tem-se o direito à
saúde, que é dever do Estado (artigo 196), o que envolve o aspecto objetivo da
doença; no campo do Direito Civil, temos a reparação por danos morais, o que
envolve o aspecto subjetivo. Mas é no Direito do Trabalho que esses aspectos se
confundem, se entrelaçam, tornando a matéria de grande importância quando se
fala de AIDS.
Estando o portador de HIV num ambiente em que se sinta bem, útil e bem
relacionado, sua reação à enfermidade pode ser positiva, chegando até mesmo a
não desenvolvê-la, permanecendo apenas como portador assintomático do vírus. O
trabalho oferece uma sensação de utilidade, o que influi na autoestima do portador e
em sua estabilidade emocional, que é essencial para a sua reação à AIDS.
O que se espera, é que no futuro as empresas passem a entender o que é a
AIDS, e desse modo passem a respeitar o portador. Se houver o respeito de todos
os que convivem com o portador no ambiente de trabalho, essa atitude se estenderá
para outros lugares, como o lar, as escolas e os hospitais, e finalmente será possível
presenciar o respeito à dignidade da pessoa humana e à consolidação da justiça.
Entre as mais variadas formas de preconceito e discriminação contra o
portador do HIV no âmbito trabalhista, a mais frequente é a despedida arbitrária ou
sem justa causa.
O regime geral do direito brasileiro sobre a proteção da relação de emprego
contra a despedida sem justa causa é traçado pelo artigo 7º, I da Constituição de
1988. O texto constitucional prevê expressamente que a lei complementar
completará os contornos desse regime geral, bem como regulamentará a
indenização compensatória, entre outros direitos.
Boa parte das pessoas associam a AIDS a uma imediata incapacidade para
diversas atividades, entre elas o trabalho, assim como acreditam que pode ocorrer a
contaminação pelo vírus por meio do simples relacionamento social. No entanto, não
há porque excluir o portador do convívio social por medo do contágio.
91
A AIDS só pode ser transmitida de uma pessoa para outra pela troca de
fluidos e não através do abraço, beijo, toque, uso de talheres e pratos ou do convívio
social.
No Judiciário, as hipóteses mais enfrentadas dizem respeito à análise de ser
nula toda dispensa que tiver por fundamento o fato de o empregado ser portador do
HIV e que determinam a reintegração ao emprego.
Outra hipótese estaria atrelada a completa vedação a dispensa do empregado
soropositivo, por considerá-la obstativa do direito de acesso aos benefícios
previdenciários, ao tratamento médico de saúde e à aposentadoria, determinando a
reintegração do empregado às suas funções.
Os Tribunais, por falta de norma legal que assegure a estabilidade do
trabalhador soropositivo, têm utilizado a analogia, a equidade e os princípios gerais
de direito. Como já afirmado anteriormente, o desapego ao formalismo exacerbado
por parte dos magistrados no atual sistema jurídico tem possibilitado uma maior
efetividade dos direitos fundamentais, inclusive no que tange a aplicabilidade das
normas da OIT.
A norma internacional se apresenta como relevante fonte a tutela dos direitos
do portador do HIV, as Convenções e as Recomendações da OIT, onde se
destacam a Convenção 111; a Convenção 158 e a Recomendação 200, seriam o
maior exemplo.
A Convenção 158 atingem de forma contundente as causas da dispensa,
representando os direitos do trabalhador moderno. Como convenção internacional,
tem penetrados inúmeros sistemas de direito do trabalho, em nações signatárias,
alterando legislações ultrapassadas e arcaicas e fora do contexto mundial de
proteção do hipossuficiente. É de suma relevância a enumeração de alguns
dispositivos que apresentam a possibilidade de maior respeito por parte das
empresas em relação aos seus funcionários.
Apesar de, a Convenção 158 da OIT, ainda não se aplique de modo eficiente
em nações que têm legislação interna incompatível com seus preceitos, como é o
caso do nosso País, representa um grande passo em direção ao progresso das
relações trabalhistas, tendo como objetivo de humanizar tais relações.
Relativamente a Convenção 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, temos a
vedação a todo e qualquer ato de discriminação no ambiente de trabalho.
92
Em seus dispositivos, estão previstos os princípios de tutela ao trabalho e de
proteção à intimidade do empregado, diante o poder do empregador. Assim, seu
artigo XXIII: “Artigo XXIII – 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de
emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o
desemprego”.
Por fim a Recomendação 200, que não obstante o seu caráter informativo,
tem no trabalhador portador do HIV o seu o seu objeto exclusivo impondo diretrizes
e sugestões aos empregadores que possuem em seu quadro trabalhadores nesta
condição bem como estabelecendo politicas públicas aos países no sentido de
estabelecer uma condição digna de trabalho aos portadores do vírus.
Essas interpretações, que evoluíram no decorrer dos anos, desde o
surgimento da doença até os dias atuais, pois as primeiras decisões da Justiça do
Trabalho declaravam sua incompetência para julgar a matéria. Atualmente os
tribunais reconhecem sua competência e têm julgado as causas relacionadas ao
tema, inclusive com a recente edição de Súmula pelo TST onde se estabeleceu de
forma presumida que a dispensa do portador do HIV é discriminatória gerando a
obrigação do empregador em reintegrar o empregado.
Essa conquista na seara Judicial deve-se aos próprios portadores e às
pessoas ligadas a eles, e que desde o início lutam e reivindicam seus direitos,
assumindo sua condição sem medo da intolerância e da discriminação e com a
distribuição de solidariedade.
Nesse sentido, apesar de várias demonstrações de incompreensão e
intolerância diante à AIDS, pode-se vislumbrar alguma esperança no fato de a
doença não ter evoluído sem ter sido questionada. Um grande número de
voluntários e organizações vem se empenhando no combate à discriminação e ao
preconceito e ao fornecerem informações e expressarem solidariedade, tais
organismos provam que essas são as únicas respostas verdadeiramente eficientes
para barrar o avanço da AIDS.
Portanto, devemos considerar essa evolução não como uma conquista
isolada dos portadores do HIV/AIDS; devemos encará-la, também, como uma
conquista do Poder Judiciário, pois através dessas decisões os Tribunais estão
fazendo valer o significado de justiça, contribuindo assim com a humanização do
mundo jurídico.
93
Ao inibir o preconceito e a discriminação, anulando as despedidas arbitrárias
e sem justa causa, os Tribunais estão dando um grande exemplo para a população
de que a AIDS não é um mito, mas uma doença como qualquer outra e que apesar
de a medicina não ter encontrado a cura até então, não transforma seus portadores
em párias e nem os condena imediatamente à morte.
A AIDS não pode ser vista como um flagelo, um castigo divino devido à
iniquidade humana.
Toda empresa deve estar bem preparada para orientar seus empregados
sobre as questões pertinentes à saúde. Tendo em vista essas situações, ficou
estabelecida a responsabilidade do empregador de fomentar programas de
prevenção e informação sobre HIV/AIDS.
Deve ser ressaltado que esta enfermidade não é transmitida pelo contato
social e que o empregado pode e deve continuar ativo em suas atividades laborais,
podendo permanecer sem qualquer tipo de preconceito e discriminação. A
convivência com ele não oferece qualquer risco à saúde dos demais colegas de
trabalho.
O portador de HIV tem toda capacidade de desenvolver projetos e realizar
suas funções como qualquer outro trabalhador. Não se pode admitir que este seja
afastado de suas funções, principalmente do trabalho, pois mantê-lo trabalhando
pode favorecer no tratamento, podendo significar-lhe a vida.
O trabalho representa para o soropositivo não só o estímulo para continuar
lutando contra o vírus, como também representa o único meio de sobrevivência e
custeio para adquirir medicamentos necessários para o tratamento e manutenção
diária de sua carga viral.
94
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99
ANEXOS
ANEXO A – Recurso de Revista nº TST-RR-409/2003-004-02-00.1
REINTEGRAÇÃO. PORTADOR DE HIV. I - O Regional manteve procedência do pedido de reintegração do reclamante portador do vírus HIV, ao fundamento de que a questão deve ser analisada pelo prisma da função social da empresa e do contrato de trabalho, sob a nova ótica emprestada pelo Código Civil/2002. II – O recurso não comporta conhecimento, pois nenhum dos paradigmas válidos é específico (Súmula nº 296/TST), não se divisa ofensa literal e direta ao art. 5º, II, da Constituição da República e os demais dispositivos constitucionais carecem do indispensável prequestionamento (Súmula nº 297/TST). ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. I – O Regional concluiu que o adicional por tempo de serviço não era considerado para efeito de cálculo das horas extras, nem mesmo no período imprescrito, razão por que a insurgência da reclamada encontra óbice intransponível na Súmula nº 126/TST, que veda o reexame dos elementos fático-probatórios em sede de recurso de revista. II - Ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido não enfrentou a matéria pelo prisma dos arts. 5º, XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República, razão por que o recurso também não se viabilizaria por força da Súmula nº 297/TST. III – Recurso integralmente não conhecido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista, nº TST-RR-
409/2003-004-02-00.1, em que é Recorrente TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO
PAULO S. A. - TELESP e Recorrido GILBERTO DE OLIVEIRA SANTOS.
O Tribunal do Trabalho da 2ª Região, pelo acórdão de fls. 442/450, negou
provimento ao recurso ordinário do autor e deu provimento parcial ao apelo da
reclamada, para excluir da condenação diferenças de adicional de periculosidade e
reflexos.
Os embargos declaratórios de fls. 451/452 foram julgados improcedentes pelo
acórdão de fls. 455/456.
Irresignada, a reclamada interpõe recurso de revista às fls. 458/470, com fulcro nas
alíneas “a” e “c” do art. 896 da CLT.
Despacho de admissibilidade às fls. 484/487.
Contra-razões às fls. 491/494.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, na forma
do art. 82 do Regimento Interno do TST.
100
É o relatório.
V O T O
CONHECIMENTO
REINTEGRAÇÃO. PORTADOR DE HIV
O Regional manteve a decisão de 1º grau que julgara procedente o pedido de
reintegração do reclamante portador do vírus HIV, em razão da função social da
empresa e do contrato de trabalho.
Asseverou o Colegiado:
Há reiterada jurisprudência do TST admitindo a reintegração, mas tão-somente nas hipóteses em que comprovado cabalmente ato discriminatório na dispensa, o que não se configurou, conforme exame do próprio juízo de origem. Ressalto que a inicial, no tópico dano moral, se apóia na alegação de notória discriminação, o que não se extrai de todo o processado. Incontroverso que a reclamada tinha ciência do fato de que o reclamante era portador de HIV desde 1998, somente procedeu à dispensa em 4 de dezembro de 2002, após transcurso de prazo considerável. E nos autos há ainda elementos que permitem concluir que a medida não se relacionou com o estado físico do empregado. Por outro lado, a reclamada, em época de reordenamento de sua estrutura, convencionou com o Sindicato da categoria profissional, Plano Incentivado de Desligamento, sustentando plenamente plausível a inclusão do reclamante no mesmo em decorrência de sua insatisfação, expressamente manifestada em correspondência apresentada às vésperas da implantação do Plano, e a necessidade de redução da mão-de-obra. Não se vislumbra nenhum ato de segregação por parte do empregador, mas também acertada a decisão do juízo ‘a quo’, porque efetivamente há que se dar preponderância à função social da empresa e ao bem maior a proteger: o direito à vida. (fls. 446/447).
Acrescentou o Regional que o reconhecimento do direito à reintegração
decorre da nova ótica jurídica imposta aos contratantes pelo Código Civil de 2002,
que preconiza, no art. 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social do contrato”, sobretudo quando o empregador não sofre
restrição patrimonial pela manutenção do vínculo de emprego.
Irresignada, a Telesp recorre de revista, argumentando, primeiramente, a
inexistência de preceito legal ou convencional amparando o direito à reintegração do
autor, razão por que reputa vulnerado o art. 5º, II, da Constituição da República.
Sustenta que, ao condenar a reclamada, o TRT está criando lei nova, em
violação aos arts. 2º, 22, 37, § 3º, III, e 44 da Carta Magna. Transcreve arestos para
estabelecer dissenso pretoriano.
101
Os julgados proferidos por Turmas do TST (1º de fls. 466 e o de fls. 466/467) são
inservíveis ao cotejo, diante do disposto na alínea “a” do art. 896 da CLT.
Os demais não se revestem da especificidade exigida na Súmula nº 296/TST, pois
nenhum deles analisa a discussão acerca do direito de reintegração no emprego de
portador do vírus HIV pelo prisma do fundamento norteador do acórdão recorrido,
qual seja, a função social da empresa e do contrato de trabalho sob a nova ótica
emprestada pelo Código Civil/2002, especialmente em seu art. 421.
Dessa forma, o recurso não se viabiliza pela via da alínea “a” do art. 896 da
CLT.
Não houve emissão de tese pelo Regional à luz dos arts. 2º, 22, 37, § 3º, III, e
44 da Carta Magna, tampouco houve interposição de embargos declaratórios para
provocá-lo nesse sentido, circunstância que atrai a incidência da Súmula nº
297/TST.
Não há como divisar ofensa ao art. 5º, inciso II, da Constituição Brasileira,
visto que não é pertinente de forma direta à hipótese, pois erige princípio genérico
(princípio da legalidade), cuja ofensa somente se afere por via oblíqua, a partir da
constatação de afronta a norma de natureza infraconstitucional. Assim, não se
constata o atendimento ao art. 896, “c”, da CLT.
Não conheço.
ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA BASE DE
CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS
O Colegiado manteve a sentença no tema em epígrafe, assentando que:
O adicional por tempo de serviço, ao contrário, é parcela salarial e deve compor a remuneração, como já deferido pelo ‘a quo’(sic), inclusive atentando-se que a partir de dezembro de 1996 houve reconhecimento da tese, através de norma coletiva que previu expressamente o cômputo, como admitido pela recorrente. Nem se diga que no período imprescrito o título foi regularmente pago, porque tal não se induz do documento n. 114 do primeiro volume de documentos, em que as horas extras foram apuradas exclusivamente com base no salário normal e adicional de periculosidade. (fls. 449).
A recorrente aduz que os documentos colacionados aos autos indicam que
foram efetivamente cumpridos os termos do acordo coletivo em que as partes
102
transigiram a forma de pagamento das horas extras. Aponta mácula aos arts. 5º,
XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República.
Infere-se da leitura do excerto acima transcrito que o Regional concluiu que o
adicional por tempo de serviço não era considerado para efeito de cálculo das horas
extras, nem mesmo no período imprescrito, razão por que a insurgência da
reclamada encontra óbice intransponível na Súmula nº 126/TST, que veda o
reexame dos elementos fático-probatórios em sede de recurso de revista.
Ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido não enfrentou a matéria pelo prisma
dos arts. 5º, XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República, razão por que o
recurso também não se viabilizaria por força da Súmula nº 297/TST.
Não conheço.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por
unanimidade, não conhecer integralmente do recurso de revista.
Brasília, 30 de agosto de 2006.
MINISTRO BARROS LEVENHAGEN
Relator
103
ANEXO B – Recurso de Revista nº TST-RR-124400-43.2004.5.02.0074
RECURSO DE REVISTA – EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV DISPENSA IMOTIVADA PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO DIREITO À REINTEGRAÇÃO. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a dispensa imotivada de empregado soropositivo é presumidamente discriminatória, salvo comprovação de que o ato decorreu de motivo diverso. Viabilizado o recurso por divergência válida e específica, merece reforma a decisão do Regional, para que se restabeleça a r. sentença que concedeu ao reclamante o direito à reintegração. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-
124400-43.2004.5.02.0074, em que é Recorrente FERNANDO CÉSAR FESTANTE
e Recorrido BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
O e. Regional, pelo acórdão de fls. 670-681, complementado às fls. 707-710,
por força de embargos de declaração, deu provimento ao recurso ordinário do
reclamado, para declarar a legalidade do ato de dispensa do empregado.
Inconformado, o reclamante interpõe recurso de revista às fls. 712-722, que
foi admitido pelo despacho de fls. 728-730.
Contrarrazões apresentadas às fls. 731-743.
Sem remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
O recurso de revista é tempestivo (fls. 711 e 712) e está subscrito por
advogado habilitado (fls. 24 e 596). Dispensado o preparo.
CONHECIMENTO
EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV – DISPENSA IMOTIVADA –
PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO – DIREITO À REINTEGRAÇÃO
O e. Regional, pelo acórdão de fls. 670-681, complementado às fls. 707-710,
por força de embargos de declaração, deu provimento ao recurso ordinário do
reclamado, para declarar a legalidade do ato de dispensa do empregado.
Seu fundamento foi de que:
104
Registre-se, como bem frisou a recorrente em sua defesa e nas razões do presente apelo, que o demandante não demonstrou um único fato ou indicou um preposto da demandada que tivesse lhe causado o mal noticiado. Demais disso, a moléstia que acometeu o reclamante foi diagnosticada em 1998, tendo ele permanecido, mesmo com os afastamentos, até fevereiro de 2004. ora, não se pode presumir que por ser portador de tal doença tenha sofrido qualquer tipo discriminação e, em especial, em razão da rescisão contratual levada a efeito mais de cinco anos depois de ter adquirido a moléstia. Convém ressaltar, por outro lado, que o fato de ter sido transferido também não revela ato discriminatório, até porque, como o próprio demandante admitiu, em depoimento, ‘não pediu para ser transferido para o Nasbi, mas como criaram um núcleo novo e estavam precisando solicitaram ao depoente para lá se transferir’(fl. 233 destaquei). Acrescento, ainda, que não é verdade que o reclamante tenha sido o único funcionário despedido naquela ocasião, porquanto a sua primeira testemunha revelou que ‘na época houve dispensa de um funcionário no núcleo Bela Vista e um do núcleo Mooca’ (fl. 234). Outro fato que merece destaque refere-se à homologação da rescisão contratual que, embora conste no verso de referido documento ressalva, nada foi mencionado a respeito de ser o reclamante detentor de garantia de emprego ou ser portador de deficiência equiparada. Esclareço que há farta jurisprudência que reconhece, por presunção juris tantum, que o ato discriminatório do empregador quando, tendo tomado ciência da mencionada doença, in continenti, rompe ‘imotivadamente’ o contrato de trabalho com o portador do vírus e em razão disso, reintegra o trabalhador. Mas, essa seguramente, não é a hipótese dos autos. Releva notar que a indigitada discriminação não restou demonstrada, pois, sendo fato constitutivo de seu direito, incumbia-lhe a prova cabal e insofismável de suas alegações, o que, como já mencionado, não ocorreu. De outro turno, os dispositivos invocados e a legislação apresentada não prevêem a garantia de emprego nos moldes pretendidos pelo recorrido. Nesse sentido o ensinamento dos magistrados Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins que, traçando orientação sobre o controvertido tema ‘discriminação’, sustentam ‘Outra questão muita debatida nos Tribunais é a dispensa de portadores de HIV, como ato discriminatório. Nesse caso, o que há a ressaltar é que a prova deve ser concludente e decisiva no sentido de que a rescisão de contrato se deu por aquele fato, se positiva a prova, caberá a indenização material e moral, dada a violação à intimidade e à imagem do empregado. Merece, ainda, destacar a decisão proferida pelo Ministro Ives Gandra Martins Filho, na qual ele manteve o v. acórdão Regional, tendo como um dos fundamentos o seguinte:‘(..) Ademais, a inicial assevera que a ciência da doença, por parte do empregador, deu-se em 30/04/98, enquanto que a dispensa somente se procedeu em 29/06/01, mas de três anos depois, o que descaracterizaria o nexo causal. 2. Não demonstrada a discriminação argüida pelo Reclamante como fundamento da indenização por dano moral, cai por terra a motivação de uma eventual condenação à reintegração e à indenização. Recurso de revista não conhecido.’ (TST-RR-244/2002.013.10.00-4) Nesse contexto, merece ser acolhido o apelo da reclamada para declarar que o autor não possui garantia de emprego nos moldes em que foi postulado, descabendo a reintegração deferida pelo juízo de origem. Dessa forma, resta prejudicada a análise do item 3 do recurso da ré, na medida que tendo sido julgado improcedente o pleito principal, não há que se falar em ‘diferenças de verbas rescisórias e multa de 40% sobre o FGTS’ – fl. 407. Provejo o recurso neste particular.” (fls. 674-676 – destacou-se).
105
Nas razões de revista, fls. 712-722, o reclamante sustenta, em síntese, que a
sua dispensa teve como causa a condição de soropositivo, pelo que entende haver
direito à reintegração. Aponta violação dos arts. 1º, II, 3º, IV, e 5º, caput, XII e XLI,
da Constituição Federal. Colaciona arestos.
O recurso merece conhecimento.
Com efeito, o aresto do Tribunal da 15ª Região, transcrito à fl. 718 e 719,
preenche o requisito de admissibilidade recursal, na medida em que espelha tese
divergente da expressada pelo v. acórdão.
Enquanto a decisão recorrida concluiu pela inexistência de prova de ato
discriminatório, bem como pela impossibilidade de se presumir tal situação, a
ementa transcrita sustenta que a dispensa imotivada de soropositivo é
presumidamente discriminatória.
CONHEÇO.
MÉRITO
EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV – DISPENSA IMOTIVADA –
PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO – DIREITO À REINTEGRAÇÃO
O Regional foi categórico ao consignar que não há provas do nexo causal
entre a dispensa e a doença do reclamante a caracterizar o apontado ato
discriminatório, na medida em que a ciência da doença do reclamante ocorreu em
1998, enquanto a dispensa, apenas em 2004, ocasião em que outras dispensas
também foram registradas.
Contudo, a divergência jurisprudencial trazida na revista, que admite a
premissa de que a dispensa imotivada de portador do vírus HIV é presumidamente
discriminatória, encontra amparo na jurisprudência desta Corte:
EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA IMOTIVADA. ATITUDE DISCRIMINATÓRIA PRESUMIDA. REINTEGRAÇÃO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que se presume discriminatória a dispensa do empregado portador do vírus HIV. Desse modo, recai sobre o empregador o ônus de comprovar que não tinha ciência da condição do empregado ou que o ato de dispensa tinha outra motivação - lícita. 2. Entendimento consentâneo com a normativa internacional, especialmente a Convenção n.º 111, de 1958, sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (ratificada pelo Brasil em 26.11.1965 e promulgada mediante o Decreto n.º 62.150, de 19.01.1968), e a Recomendação n.º 200, de 2010, sobre HIV e AIDS e o Mundo do Trabalho. 3. 3. Nesse contexto, afigura-se indevida a inversão do ônus da prova levada a cabo pelo Tribunal Regional, ao atribuir ao empregado o encargo de demonstrar o caráter discriminatório do ato de dispensa
106
promovido pelo empregador. 4. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-104900-64.2002.5.04.0022, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT de 2/9/2011); AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. (...) 2. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO PORTADOR DO HIV. REINTEGRAÇÃO. Esta Corte tem-se posicionado no sentido de que, quando da dispensa imotivada do portador do HIV, ciente o empregador da doença, resta presumida a ocorrência de discriminação. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST-AIRR-195740-92.2008.5.02.0434, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT de 3/9/2010); RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física causada pela grave doença em comento (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS) e da realidade que, ainda nos tempos atuais, se observa no seio da sociedade, no que toca à discriminação e preconceito do portador do vírus HIV. A AIDS ainda é uma doença que apresenta repercussões estigmatizantes na sociedade e, em particular, no mundo do trabalho. Nesse contexto, a matéria deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais relativos à dignidade da pessoa humana, à não-discriminação e à função social do trabalho e da propriedade (art. 1º, III, IV, 3º IV, e 170 da CF/88). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. É, portanto, papel do Judiciário Trabalhista, considerando a máxima eficiência que se deve extrair dos princípios constitucionais, a concretização dos direitos fundamentais relativamente à efetiva tutela antidiscriminatória do trabalhador portador de doença grave e estigmatizante, como a AIDS. Pesa ainda mais a presunção de discriminação, no caso concreto, o fato de a Reclamada cessar o contrato de emprego com base em teste de produtividade, no qual o Reclamante certamente seria prejudicado em virtude do debilitado estado de saúde e do tratamento a que se submetia, ainda que tivesse sido facilitado pela Reclamada. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-317800-64.2008.5.12.0054, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT de 10/6/2011); RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE. PORTADOR DO VÍRUS HIV. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o empregado, portador do vírus HIV, em face das garantias constitucionais que vedam a prática discriminatória e asseguram a dignidade da pessoa humana, tem direito à reintegração, não obstante a inexistência de legislação que assegure a estabilidade ou a garantia no emprego, presumindo-se discriminatória a sua dispensa imotivada. Recurso de revista a que se dá provimento. (TST-RR-112900-36.2005.5.02.0432, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, DEJT de 6/5/2011).
Logo, mesmo na ausência de prova de nexo causal, esta Corte vem
admitindo o reconhecimento de presunção de ato discriminatório na dispensa
imotivada de empregado soropositivo, admitindo, contudo, prova em contrário.
No v. acórdão, não há evidência do fato que motivou a dispensa do
empregado, mas tão somente a constatação de que esta se deu seis anos após a
descoberta do quadro clínico do empregado, bem como de que houve outras
107
dispensas no mesmo período, o que é muito pouco para afastar a presunção de
discriminação na dispensa imotivada do reclamante.
O princípio da dignidade da pessoa humana conjugado com o valor social do
trabalho (art. 1º, III e IV, da Constituição Federal) impõe a proteção do mercado de
trabalho desse segmento extremamente discriminado na sociedade. Não fosse
assim, não seria proibida a realização de exames admissionais que investiguem a
sorologia do HIV nos candidatos a postos de trabalho.
Portanto, acertada é a jurisprudência desta Corte, quando presume
discriminatória a dispensa imotivada de empregado soropositivo, na ausência de
elementos que comprovem que a dispensa se deu por motivo adverso, merecendo,
pois, reforma a decisão do Regional.
Conhecido o recurso por divergência jurisprudencial, DOU-lhe PROVIMENTO
para, restabelecendo a r. sentença, determinar a reintegração do reclamante, no
prazo de 48hs, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (mil reais).
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho,
por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e,
no mérito, dar-lhe provimento para, restabelecer a r. sentença que concedeu ao
reclamante o direito à reintegração, fixando o prazo de 48 horas a partir da
publicação para o seu cumprimento, sob pena, na hipótese de descumprimento, do
pagamento de multa de R$1.000,00 (mil reais) por dia de atraso, nos termos dos
artigos 461-A e parágrafo 4º do artigo 461, ambos do Código de Processo Civil.
Brasília, 25 de Abril de 2012.
Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)
JOSÉ PEDRO DE CAMARGO RODRIGUES DE SOUZA
Desembargador Convocado Relator
108
ANEXO C - Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-153540-
72.2003.5.13.0003
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. LEGITIMIDADE ATIVA. O art. 129, III, da Constituição da República de 1988 autoriza o Ministério Público a promover, mediante ação civil, a defesa dos interesses sociais difusos e coletivos. Por sua vez, o art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/93 atribui ao Ministério Público do Trabalho competência para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho, ação civil pública visando à defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. O interesse de agir do Ministério Público do Trabalho, ao ajuizar ação civil pública trabalhista, radica no binômio necessidade-utilidade da tutela solicitada no processo, com a finalidade de que a ordem jurídica e social dita violada pelo réu seja restabelecida. Assim, tratando-se o pleito de tutela inibitória, destinada a vedar prática discriminatória dirigida a empregados portadores do vírus da AIDS ou de qualquer outra enfermidade, e de tutela condenatória, consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos reversíveis ao Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ingressar com a ação civil pública. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. DISPENSA DE EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS E OUTRAS ENFERMIDADES. ATO ATENTATÓRIO ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. Trata-se de ação civil pública, na qual o Ministério Público do Trabalho busca a concessão de tutela inibitória destinada a vedar a dispensa de empregados portadores do vírus da AIDS ou de qualquer outra enfermidade, bem como a concessão de tutela condenatória consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos no importe de R$ 250.000,00 (duzentos mil reais), reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Na hipótese, relativamente à indenização por danos morais coletivos, o Tribunal Regional do Trabalho deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho para condenar o reclamado ao pagamento de indenização correspondente, por concluir que a prática discriminatória, consubstanciada no fato de o reclamado compelir empregada a pedir demissão em virtude de ser portadora do vírus HIV, configurou grave transgressão a interesses difusos da sociedade. Asseverou que o ataque aos princípios básicos de constituição da sociedade por meio da negativa de eficácia de garantias fundamentais constitui ofensa ao patrimônio moral coletivo, revelando-se útil e até necessário que se proceda à reparação pecuniária do ato atentatório às garantias fundamentais, como forma pedagógica, no sentido de inibir novas condutas ofensivas. A pretensão do reclamado de ver excluída da condenação a indenização por danos morais coletivos não se viabiliza. Nos termos em que proferida, a decisão recorrida não viola a literalidade dos arts. 2º, “caput”, da CLT, 3º e 13 da Lei nº 7.347/85, 188, I, do Código Civil e 5º, II, da Constituição Federal. No que tange à divergência jurisprudencial, os arestos colacionados não abordam a indenização por dano moral coletivo, revelando-se, pois, inespecíficos, à míngua da indispensável identidade de premissas fáticas, o que atrai a incidência das Súmulas nº 23 e nº 296, I, do TST.
109
Agravo de instrumento a que se nega provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em
Recurso de Revista n° TST-AIRR-153540-72.2003.5.13. 0003, em que é Agravante
BANCO ABN AMRO REAL S.A. e Agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO DA 13ª REGIÃO.
A Vice-Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, mediante
decisão às fls. 799, 802-803, denegou seguimento ao recurso de revista interposto
pelo Banco ABN Amro Real S.A., o que ensejou a interposição do presente agravo
de instrumento (fls. 02-21).
O Ministério Público do Trabalho apresentou a contraminuta ao agravo de
instrumento (fls. 807-811) e as contrarrazões ao recurso de revista (fls. 812-815).
Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, tendo
em vista sua condição de parte no processo.
É o relatório.
V O T O
CONHECIMENTO
O agravo de instrumento é tempestivo (fls. 02 e 804), tem representação
regular (procuração à fl. 22, substabelecimento à fl. 28) e se encontra devidamente
instruído, com o traslado das peças essenciais previstas no art. 897, § 5º, I e II, da
CLT e no item III da Instrução Normativa nº 16/99 do TST. Atendidos os
pressupostos legais de admissibilidade recursal, CONHEÇO do agravo de
instrumento.
MÉRITO
NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO
A Vice-Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região denegou
seguimento ao recurso de revista interposto pelo reclamado, expendendo, quanto à
preliminar de nulidade do acórdão por negativa de prestação jurisdicional, a seguinte
fundamentação, verbis (fl. 799):
Em que pesem os argumentos da instituição financeira, no tocante à alegação de nulidade da decisão hostilizada, por negação de prestação jurisdicional, ração não lhe assiste. Com efeito, o recorrente alegou em seus embargos declaratórios haver omissão, obscuridade e contradição no v. acórdão, às fls. 664/689, quando não definiu o que representa a expressão
110
‘qualquer outra enfermidade’, bem como omissão quanto à análise da documentação acostada no tocante à demissão da empregada Maria Betânia Pessoa Coelho, e a contradição entre as conclusões e a prova produzida para o deferimento da indenização por dano moral. Outrossim pediu ainda em sede de embargos de declaração o recorrente esclarecimento no que diz respeito à cobrança de multa por descumprimento da obrigação de não fazer. No entanto, convém ressaltar que sobre os pontos argüidos houve decisão com os fundamentos adotados pela Egrégia Corte Regional (fl. 719/721), fruto de seu convencimento, configurando a resposta efetiva do Estado-juiz à invocação da tutela pretendida pelo interessado, não se vislumbrando, em tese, a alegada afronta aos arts. 93, IX, da Constituição Federal e 832 da CLT. Ressalte-se, por oportuno, que consoante o disposto na Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, admite-se o conhecimento do recurso, quanto à preliminar de nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, apenas por violação dos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da CF. Assim sendo, fica afastado o conhecimento do apelo por afronta aos arts. 5º, XXXV, LV, da Carta Magna; 897-A da CLT e 535 do CPC, além dos arestos colacionados, impertinentes, pois, para embasar a referida preliminar.
Nas razões do agravo de instrumento, o reclamado postula a reforma da
decisão denegatória, ao argumento de que o recurso de revista preencheu os
pressupostos necessários à sua admissão. Reafirma a tese de nulidade do julgado
por negativa de prestação jurisdicional, sob a alegação de que o Tribunal Regional,
mesmo instado por meio de embargos de declaração, não apreciou a questão da
indenização de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) e outras questões
importantes postas nos embargos declaratórios.
Por medida de economia e celeridade processuais, o agravante se reporta,
como se transcritos estivessem nas razões do recurso de revista e do agravo de
instrumento, a todos os termos e todas as questões, omissões, contradições e
obscuridades apontadas nos embargos de declaração, asseverando que não foram
apreciadas e sanadas pelo Tribunal Regional.
Em decorrência do articulado, reitera a violação dos arts. 832 e 897-A da
CLT, 535 do CPC e 5º, XXXV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal e a divergência
jurisprudencial acostada no recurso de revista.
Não procedem, contudo, os argumentos do agravante.
De plano, frise-se que conhecimento do recurso de revista, em relação à
preliminar de nulidade por negativa da prestação jurisdicional, restringe-se à
observância da Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1 do TST, ou seja,
violação dos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da Carta Magna. Assim,
111
afasta-se a admissão do apelo por outros dispositivos normativos e por divergência
jurisprudencial.
De outra parte, da análise das razões de recurso de revista, observa-se que o
reclamado argui a preliminar de forma genérica, não especificando em que aspectos
teria se dado a recusa da prestação jurisdicional, o que é impróprio, pois
impossibilita o exame da ocorrência, ou não, de negativa de prestação jurisdicional,
desabilitando a revista quanto à preliminar em epígrafe.
Com efeito, a análise de eventual nulidade por negativa de prestação
jurisdicional, em sede de recurso de revista, submete-se às restrições pertinentes ao
exame do apelo extraordinário. Dessa forma, a arguição de nulidade do julgado deve
ser explícita quanto aos pontos ou questões em que se deu a negativa da prestação
jurisdicional do Órgão Julgador, sendo improfícua a arguição genérica de omissão,
contradição e obscuridade ou o mero reporte às razões de embargos de declaração,
haja vista que todo o objeto da insurgência deve estar expresso nas razões
recursais.
Mesmo que assim não fosse, verifica-se não existir negativa da prestação
jurisdicional a ser declarada. Isso porque o Tribunal Regional da 13ª Região,
mediante a decisão às fls. 754-756, embora tenha rejeitado os embargos de
declaração opostos pelo reclamado, fixou, de forma expressa e fundamentada, os
pressupostos fáticos e jurídicos necessários para o deslinde da controvérsia.
Vejamos:
Diz o embargante que há omissão, obscuridade e contradição na decisão vergastada, notadamente ao não definir o que representaria a expressão “qualquer outra enfermidade”, inserida na conclusão. Acrescenta, ainda, que inexiste fundamentação para tal condenação. Sustenta, também, a existência de omissão quanto à análise da documentação acostada, precisamente no tocante à demissão da empregada Maria Betânia Pessoa Coelho. Finalmente, aponta contradição entre as conclusões e a prova produzida, para o deferimento da indenização por dano moral. Requer, por último, esclarecimento quanto à cobrança de multa por descumprimento da obrigação de não fazer. Não procedem os seus argumentos. Para a configuração da obscuridade, o ato judicial deve ser de difícil compreensão, dúbio, passível de várias interpretações, em virtude da falta de elementos textuais que o organize, conferindo-lhe harmonia interpretativa. É o conceito que se opõe à clareza, revelando-se obscuro todo ato judicial que, diante da falta de coesão lexical, não permite segura e única interpretação. Por outro lado, a omissão a ensejar a propositura de embargos de declaração só ocorre quando o juiz ou o tribunal deixa de se manifestar sobre pondo que estava obrigado a fazê-lo. Adotado um fundamento lógico que solucione a lide, inexiste omissão. Destarte, não caracteriza omissão a não-apreciação
112
de todos os argumentos veiculados pela parte, mormente considerando que a decisão se encontra fundamentada. Finalmente, a contradição existiria se algo fosse afirmado na fundamentação e negado no dispositivo ou na própria fundamentação. Não há contradição entre o afirmado no acórdão e em documento. Essas hipóteses não restam configuradas nos autos. In casu, não se discute o direito individual de ex-empregado do reclamado, o qual foi objeto da reclamação trabalhista própria, cujas conclusões forma acolhidas nas razões do acórdão. Ademais, a decisão embargada também fez um exame acurado das novas provas produzidas nestes autos, para concluir acerca da conduta discriminatória do recorrente, conforme registrado às fls. 669 e seguintes. Frise-se que o objetivo da presente ação é delimitar se a ofensa do direito fundamental se limitou à individualidade da referida empregada ou se, por outro lado, alcançou direitos difusos da sociedade, merecedores, portanto, de uma tutela mais abrangente, em razão da garantia constitucional à isonomia. Outrossim, a expressão “por empregado atingido”, contida no dispositivo, fixa o momento em que se torna exigível a pena pecuniária de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), qual seja, a dispensa de funcionário em razão de ser ele portador do vírus da AIDS ou estar acometido por qualquer outra enfermidade. Isto é, o estado de saúde do empregado não pode ser causa de sua dispensa do trabalho, sendo irrelevante a doença que apresente. Nesse ponto, aliás, o texto é claro e preciso: qualquer que seja a moléstia que acomete o trabalhador, não poderá ser ele discriminado por este motivo, com demissão ou outro ato patronal que revele essa conduta infausta. O nexo causal é que dirá do descumprimento, ou não, da tutela inibitória. Finalmente, a questão de ser o sucessor responsável pela demissão de Maria Betânia Pessoa Coelho é incontroversa nos autos, tendo a defesa confirmado que a sua dispensa foi decisão da Diretoria de Recursos Humanos em São Paulo, além dos TRCT’s terem sido emitidos pelo ora embargante (fls. 202/204 e 380). Festas essas considerações, os demais argumentos expendidos pelo Banco refletem, tão-somente, o seu inconformismo com a decisão, remetendo ao reexame de prova matéria não passível de apreciação mediante embargos de declaração, que têm a finalidade específica de aperfeiçoar o decisum, afastado possíveis falhas do órgão julgador, como previsto no CPC, artigo 535, e na CLT, art. 897-A.
A decisão, portanto, não revela nenhum dos vícios relacionados nos
dispositivos acima.
Isto posto, rejeito os embargos de declaração.
Constata-se que a argumentação expendida pelo reclamante de insuficiência
na prestação jurisdicional apenas demonstra seu inconformismo com os termos da
decisão que lhe foi desfavorável, o que não caracteriza hipótese de nulidade por
negativa de prestação jurisdicional. A jurisdição foi prestada de forma completa, em
acórdão devidamente fundamentado, com o enfrentamento de todos os
pressupostos fáticos e jurídicos necessários para o deslinde da controvérsia.
Assim sendo, não estando configurada a negativa de prestação jurisdicional,
mostra-se insubsistente a invocada violação dos arts. 832 da CLT e 93, IX, da Carta
Magna.
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INÉPCIA DA INICIAL. ILEGIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Nas razões do agravo de instrumento, não foi renovada a argumentação
quanto à inépcia da inicial e à ilegitimidade passiva ad causam do recorrente. Assim,
à luz do princípio processual da delimitação recursal, deixa-se de examinar o
recurso de revista quanto aos temas epigrafados, porquanto caracterizada a
renúncia tácita do direito de recorrer
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA.
INCOMPETÊNCIA FUNCIONAL DA VARA DO TRABALHO DE ORIGEM
O Juízo de admissibilidade do Tribunal de origem, relativamente à suscitada
incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria e à incompetência
funcional, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo reclamado,
adotando a seguinte fundamentação, verbis (fls. 799 e 802):
No que pertine à alegação do recorrente a respeito da inépcia da inicial e à incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria para julgar o dano moral, bem como os arestos colacionados, às fls. 730/732, e a alegada incompetência funcional, também não procede o recurso interposto, uma vez que a decisão questionada não adotou tese explicita sobre a matéria, tampouco o recorrente questionou através dos embargos declaratórios opostos, o que inviabiliza o apelo revisional neste aspecto, a teor da Súmula nº 297/TST.
Nas razões do agravo de instrumento, a reclamada pugna pela reforma da
decisão denegatória, ao argumento de que o recurso de revista preencheu os
pressupostos necessários à sua admissão. Afirma que, relativamente à
incompetência em razão da matéria, ao contrário do que assenta a decisão
denegatória, a decisão recorrida conflita com as decisões trazidas à colação no
recurso de revista.
Não procede a insurgência. A decisão agravada mostra-se irretocável.
Com efeito, quanto à suscitada incompetência da Justiça do Trabalho,
constata-se que o Tribunal Regional não se pronunciou a respeito, nem mesmo foi
instado a fazê-lo por meio dos embargos de declaração opostos, restando ausente o
necessário prequestionamento da matéria. Incidência da Súmula nº 297, I e II, do
TST.
114
Ademais, sinale-se que o agravante, no particular, não infirma, de modo
específico e fundamentado, as razões exaradas na decisão denegatória do recurso
de revista, qual seja a Súmula nº 297 do TST, o que impede a verificação do acerto
ou desacerto da decisão proferida pelo Juízo de admissibilidade a quo. Não tendo
sido observado o pressuposto da regularidade formal do agravo de instrumento, que
constitui recurso de fundamentação vinculada (arts. 514, II, e 524, II, do CPC),
aplica-se a diretriz traçada na Súmula nº 422 desta Corte Superior.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS
DIFUSOS E COLETIVOS. LEGITIMIDADE ATIVA
A Corte de origem denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo
reclamado, proferindo, quanto ao tópico, o seguinte entendimento, verbis (fls. 128-
129):
Alega o recorrente que o Ministério Público do Trabalho é parte ilegítima para postular o pedido constante da inicial, porquanto o legitimado seria o sindicato da categoria, por se tratar de disciplinamento sobre a AIDS, previsto em cláusula de Convenção Coletiva do Trabalho. Sustenta, ainda, que qualquer demanda sobre a questão deveria ser através de uma ação de cumprimento, sob pena de violação do art. 872 da CLT. Ainda sob o prisma da ilegitimidade de parte, o recorrente afirma que a questão discutida nos presentes autos trata de interesses individuais homogêneos, certos e determinados, não havendo fundamento legal para o Ministério Público do Trabalho ajuizar a presente ação civil pública. No ponto referente à ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para postular no presente feito, observa-se da ementa do julgado, às fls. 592/599, in verbis: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Tratando-se de pleito que versa sobre direitos difusos e coletivos, assim entendidos aqueles que têm origem comum e interessam a uma coletividade, na hipótese de trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ingressar com Ação Civil Coletiva, objetivando a reparação do dano em concreto experimentado pelos obreiros. Nesse caso, atua o Parquet em defesa do grupo, tal como definido no Código Nacional do Consumidor, artigo 81, parágrafo único, incisos II e III, e artigo 82, e na Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1992), cujo artigo 25, inciso IV, letra “a”, o autoriza como titular da ação, dentre muitos, pugnar pela proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. Portanto, ao decidir dessa forma, não há que se falar em ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente ação, e, portanto, não havendo que se falar, conseqüentemente, em violação dos arts. XXVI, e 8º, III, da Carta Magna.
No agravo de instrumento, o reclamado reafirma que o Ministério Público é
parte manifestamente ilegítima para figurar no polo ativo da presente Ação Civil
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Pública. Para tanto, sustenta que a pretensão deduzida não abrange a toda a
categoria profissional dos bancários, mas restringe-se a defesa hipotética e em tese
de pretensos portadores do vírus da AIDS. Trata-se, portanto, de interesses certos e
determinados, e não de interesses difusos e coletivos, não havendo fundamento
legal para o Parquet ajuizar a presente Ação Civil Pública. Reitera a violação dos
arts. 81 do Código de Defesa do Consumidor e aduz que a divergência
jurisprudencial restou demonstrada.
Não procede a argumentação do agravante.
De plano, registre-se que a pretensão recursal será analisada apenas quanto
à violação legal expressamente devolvida à apreciação no agravo de instrumento,
ante a ocorrência de preclusão quanto às violações legais e constitucionais
veiculadas no recurso denegado e não reiteradas no presente apelo.
Assinale-se, também, que o aresto colacionada à fl. 12 não foi transcrito no
recurso de revista, configurando inovação recursal, insuscetível de análise neste
momento processual, em observância ao princípio da congruência, consubstanciado
no art. 128 do CPC.
Feitas essas considerações, tem-se que o Tribunal Regional do Trabalho da
13ª Região, mediante o acórdão às fls. 628-634, deu provimento parcial ao recurso
ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho para considerar legítima a
sua atuação. A decisão foi proferida nos seguintes termos, verbis:
O Juízo de 1º grau, na sentença de fls. 484/488, declarou a ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para atuar no pólo ativo da presente lede, acolheu a prefacial suscitada pelo réu – banco ABN e extinguiu o feito sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC. Ocorre que, de acordo com a reelaborada teoria abstrata do direito de agir, as condições da ação que autorizam a apreciação meritória de uma causa são verificadas in statu assertionis, ou seja, através de uma análise in abstractu da inicial e da contestação. Ora, nesse diapasão de raciocínio, se, na peça de ingresso, o Parquet afirmou que estava defendendo direitos difusos e coletivos, decorrente das relações de trabalho, nos termos legais, dever-se-ia considerar a sua legitimidade para figurar no pólo ativo da presente demanda. Todavia, acaso se constate posteriormente que as alegações não se sustêm, a solução será de improcedência da pretensão e não de extinção do processo sem apreciação meritória, como entendeu o Juízo de 1º grau. Outrossim, o MPT está plenamente legitimado para a defesa, não somente de interesses individuais homogêneos, mas, igualmente, de direitos difusos e coletivos, com espeque nos artigos 6º, VII, “d”, da Lei Complementar nº 75/93 e 91, c/c os artigos 81, Parágrafo Único, II e III, e 82, I, da Lei nº 8.078/90, aplicáveis a direitos de qualquer natureza, por força da determinação contida no art. 21, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). Alega, o Parquet, a existência, na presente demanda, de
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direitos difusos e coletivos, com inequívoca dimensão transindividual, na proporção em que pleiteia a imposição de obrigação de não fazer para que o banco ré se abstenha de demitir ou retaliar os atuais empregados ou os empregados em potencial, pelo fato de estarem lesados, bem como, a adequada condenação por dano moral coletivo em virtude da incorreta, desleal e antijurídica postura da empresa-ré. Nos dizeres de Nelson Nery Júnior, em sua obra Código de Processo Civil Comentado – Editora RT – 5ª Ed. -2001 – pg. 1518 e 1537, o que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de pretensão que se deduz em juízo. Diante de tal premissa, e analisando-se o caso concreto, a meu ver equivoca-se o Juízo sentenciante, quando conclui que o objeto da Ação Coletiva, impetrada pelo Parquet, não visa direitos difusos e coletivos e sim direito individual homogêneo. Leciona o mestre Ibrain Rocha, em sua obra Ação Civil Pública e o Processo do Trabalho, da Editora LTR, 1996, páginas 32 e 37, in verbis: A conceituação normativa dos interesses difusos foi introduzida no direito positivo brasileiro através da Lei n. 8.078/90, art. 81, parágrafo único, inciso I, que os definiu como os ‘direitos ou interesses transindividuais, de natureza indivisível, que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Consideram-se transindividuais porque ultrapassam os interesses de um indivíduo isolado, afetando diversas esferas de interesses de várias pessoas. Tem natureza indivisível porque é impossível a sua participação em cotas entre as pessoas, pois é da sua própria natureza a fluidez, mutabilidade constante no tempo e no espaço. A titularidade é de pessoas indeterminadas porque esta não pode Sr atribuída a um grupo ou pessoa que seja o dono destes interesses ou, mais especificamente, da situação de falto. Podemos definir os interesses ou direitos coletivos, no campo das relações de trabalho, como os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe profissional ou econômica ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. E, ainda, corroborando tal ensinamento, com absoluta propriedade, o Jurista Carlos Henrique Bezerra Leite, em sua obra Ministério Público do Trabalho, da Editora LTR, 1998, páginas 105, 106 e 107, ipsis litteris: “Há quem sustente inexistir direitos e interesses difusos na seara trabalhista, na medida em que já se sabe de antemão que dois são os sujeitos determinados, ou pelo menos determináveis, da relação de emprego: o empregado e o empregador (individual ou coletivamente considerados). Ousamos dissentir de tal entendimento. Lembra, a propósito, Antônio Álvares da Silva a hipótese de movimento paredista deflagrado por sindicato profissional naqueles serviços considerados essenciais e inadiáveis, cuja paralisação possa acarretar danos à comunidade (Lei n. 7.783/90, art. 11). Neste caso, não bastaria o Ministério Público do Trabalho suscitar, de ofício, o dissídio coletivo de greve. Poderia (poder-dever), sim, ajuizar ação civil pública objetivando a defesa dos interesses difusos da sociedade – e aqui os interesses são indivisíveis e os sujeitos indeterminados – destinatária daqueles serviços. (...) Percebe-se, sem esforço, que não há nos interesses difusos uma relação jurídica entre os potenciais trabalhadores, nem entre estes e os tomadores de seus serviços, mas o interesse público inerente a este tido de interesse exige uma atuação pronta e eficaz que pode ser defendida por intermédio de uma ação civil pública trabalhista.” (fls. 105, 106 e 107) “Enquanto sob a ótica meramente processual civilista os interesses individuais homogêneos possuem como pedra de toque pra distingui-los dos coletivos o fato de possibilitarem o ajuizamento de ações individuais pelos lesados, já sob o prisma trabalhista tal elemento distintivo inexistiria, pois também os interesses coletivos se revestem da mesma possibilidade jurídica (CLT, art. 195, § 2º. e 872, Parágrafo Único).” (fls. 107) Ademais, ainda em se tratando de direito individual homogêneo, o Ministério Público do Trabalho detém plena legitimidade para proposição da Ação Civil Pública
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respectiva, conforme entendimento do C. TST com relação ao tema em questão, consoante se pode observar: “PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO: ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, ILEGITIMIDADE PASSIVA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 83, III, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 75/93. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF/1988). Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, I e II, da CF/1988). No campo das relações de trabalho, ao Parquet compete promover a ação civil pública no âmbito desta Justiça para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem assim outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (arts. 6º, VII, “d” e 83, III, da LC 75/93). A conceituação desses institutos se encontra no art. 81 da Lei nº 8.078/90, em que por interesses difusos entende-se os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ao passo que os interesses coletivos podem ser tanto os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele, decorrentes de origem comum no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo. Assim, a indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinação é a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Nesse passo, na hipótese dos autos, em que se verifica sociedade cooperativa com denúncia de fraude no propósito de intermediação de mão-de-obra, com a não-formação do vínculo empregatício, pleiteando-se obrigação de fazer e não fazer, os interesses são individuais, mas a origem única recomenda a sua defesa coletiva em um só processo, pela relevância social atribuída aos interesses homogêneos, equiparados aos coletivos, não se perseguindo aqui a reparação de interesse puramente individual. No que respeita à invocação de ilegitimidade passiva da recorrente, tendo sido a ela atribuída a lesão a direitos coletivos por estar se valendo de intermediação ilegal para contratação de empregados, é ululante a sua legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, não havendo cogitar em afronta ao art. 267, VI, do CPC.” (ORIGEM TRIBUNAL: TST DECISÃO: 08.10.2003 PROC: RR NUM: 738714 ANO: 2001 REGIÃO: 03 RECUROS DE REVISTA TURAM: 04 ÓRGÃO JULGADOR – QUARTA TURMA FONTE DJ DATA: 24-10-2003 PARTES RECORRENTE: CIA. VALE DO RIO DOCE. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. RELATOR MINISTRO ANTÔNIO JOSÉ DE BARROS LEVENHAGEN).
Seguindo essa linha de entendimento, e verificando a legitimidade ad causam
do Ministério Público do Trabalho para a Ação Civil Pública Trabalhista, em
decorrência de previsão legal expressa, como na hipótese sub examine, tenho, pois,
como legítima, a sua atuação, na presente lide.
Dessa forma, não versando a causa sobre questão exclusivamente de direito,
mas envolvendo matéria fático-probatória, impõe-se, conseqüentemente, seja o
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processo devolvido à Vara de Origem, a fim de serem apreciados todos os demais
aspectos da lide, sob pena de supressão de instância.
Isto posto, dou provimento parcial ao Recurso para considera legítima a
atuação do Ministério Público do Trabalho no processo e determinar o retorno dos
autos à Vara de origem para apreciação dos demais aspectos da demanda.
Cinge-se a controvérsia em saber se o Ministério Público do Trabalho detém
legitimidade para ajuizar ação civil pública contendo pedido de tutela inibitória,
destinada a vedar o dispensa de empregados portadores do vírus da AIDS ou de
qualquer outra enfermidade, e de tutela condenatória, consistente no pagamento de
indenização por danos morais coletivos reversíveis ao Fundo de Amparo do
Trabalhador – FAT.
Trata-se, portanto, de um lado, de tutela preventiva, que visa a prevenir o
ilícito, e, de outro, de tutela reparatória (indenização por dano moral coletivo).
Nos termos dos arts. 1º e 3º da Lei nº 7.347/85, a ação civil pública é
destinada a conferir tutela efetiva aos direitos difusos e coletivos, tendo por objeto a
condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Impende assinalar que não há impedimento legal para a cumulação de
pedidos de tutela preventiva e ressarcitória.
A tutela inibitória funciona, nas palavras de Guilherme Marinoni, basicamente,
por meio de uma decisão ou sentença que impõe um não fazer ou um fazer,
conforme a conduta ilícita temida seja de natureza comissiva ou omissiva, e é
caracterizada por ser voltada para o futuro, independentemente de estar sendo
dirigida a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Este fazer ou não
fazer deve ser imposto sob pena de multa, o que permite identificar o fundamento
normativo-processual desta tutela nos arts. 461 do CPC e 84 do Código de Defesa
do Consumidor.
Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC enalteceram, sobretudo, a viabilidade da
ação civil pública inibitória, cuja função preventiva a coloca entre os mais
importantes instrumentos de tutela jurisdicional de direitos coletivos em sentido
amplo.
Sendo a inibitória uma tutela voltada para o futuro e genuinamente preventiva,
o dano não lhe diz respeito, pois este é requisito indispensável para o surgimento da
obrigação de ressarcir, mas não para a constituição do ilícito.
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O art. 129, III, da Constituição da República de 1988, autoriza o Ministério
Público a promover, mediante ação civil, a defesa dos interesses sociais difusos e
coletivos.
Por sua vez, o art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/93 atribui ao Ministério
Público do Trabalho competência para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho,
ação civil pública visando a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados
os direitos sociais constitucionalmente garantidos.
O interesse de agir do Ministério Público do Trabalho, ao ajuizar ação civil
pública trabalhista, radica no binômio necessidade-utilidade da tutela solicitada no
processo, com a finalidade de que a ordem jurídica e social dita violada pelo réu seja
restabelecida.
A circunstância de a demanda envolver discussão acerca de direitos que
variem conforme situações específicas, individualmente consideradas não é
suficiente, por si só, para impor limites à atuação do Ministério Público do Trabalho
na defesa de interesses sociais, sob pena de negar-se vigência ao art. 129, III, da
Constituição Federal, que credencia o Parquet a propor ação civil pública
relacionada à defesa do interesse coletivo amplo.
Assim, tratando-se o pleito de tutela inibitória, destinada a vedar prática
discriminatória fundada nas condições de saúde do empregado, e de tutela
condenatória, consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos
reversíveis ao Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, o Ministério Público do
Trabalho tem legitimidade para ingressar com a ação civil pública.
Para ilustrar o entendimento acima expendido, destacam-se os seguintes
precedentes desta Corte Superior:
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. DEFINIÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. DIREITOS DIFUSOS. LEGITIMIDADEDO MINISTÉRIOPÚBLICODO TRABALHO. 1. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para pleitear, em ação civil pública, tutela inibitória, na defesa de direitos difusos, especialmente quando relacionados à observância de valores constitucionais, sob pena de afronta aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, que regem a Administração Pública. 2. O manejo de pretensão tendente ao resguardo de tais princípios integra as atribuições do -Parquet-, não se podendo condenar condição da ação em nome do mérito. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-206000-48.2006.5.01.0461, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 24/09/2010).
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RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTERIORMENTE À LEI N.º 11.496/2007. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PAGAMENTO DE SALÁRIO ATÉ O QUINTO DIA ÚTIL DO MÊS SUBSEQÜENTE, FÉRIAS, ABONO E VERBAS RESCISÓRIAS. 1. Diante de uma interpretação sistemática dos arts. 6.º, VII, -d-, e 83, III, da Lei Complementar n.º 75/1993, 127 e 129, III, da Constituição Federal, depreende-se que o Ministério Público detém legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública, buscando defender interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos. 2. O STF e esta Corte possuem o entendimento pacífico de que ao Ministério Público do Trabalho é conferida legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil Pública para a defesa de direitos individuais homogêneos dos trabalhadores. 3. No caso dos autos, verifica-se que a pretensão do -Parquet- tem como finalidade o pagamento de salário até o quinto dia útil do mês subsequente, férias, abono pecuniário (art. 143 da CLT) até dois dias antes do início do período do gozo e verbas rescisórias nos prazos estabelecidos nas alíneas a e c do art. 477 da CLT, direito assegurado legal e constitucionalmente. 4. Patente, portanto, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento de Ação Civil Pública, porquanto se trata de direito social, que está sendo desrespeitado pela ora Embargada. Recurso de Embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-734212-30.2001.5.23.5555, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, SBDI-1, DEJT 18/06/2010). EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O artigo 129, III, da CF confere legitimidade ao Parquet para tutelar os interesses difusos e coletivos, prevendo, ainda, em seu inciso IX, autorização ao Ministério Público para - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade -. O e. Supremo Tribunal Federal já decidiu que os interesses homogêneos são espécie dos interesses coletivos, registrando a máxima Corte que - Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. (...) Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas-. (RE 163231 / SP - São Paulo, Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 29-06-2001). Nesse contexto, correta a e. Turma que reconheceu a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizar ação civil pública cujo objeto é que o empregador seja proibido de impedir que seus empregados anotem a real jornada de trabalho. Recurso de embargos conhecido e não provido. (TST- E-RR-173840-98.1998.5.15.0092, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, SBDI-1, DEJT 09/10/2009). MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. 1. Na dicção da jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Federal, os direitos individuais homogêneos nada mais são do que direitos coletivos em sentido lato, uma vez que todas as formas de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), passíveis de tutela mediante ação civil pública, são coletivas. 2. Considerando-se interpretação sistêmica e harmônica dos artigos 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 Lei Complementar 75/93, não há como negar a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para tutelar direitos e interesses individuais homogêneos, sejam eles indisponíveis ou disponíveis. Os direitos e
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interesses individuais homogêneos disponíveis, quando coletivamente demandados em juízo, enquadram-se nos interesses sociais referidos no artigo 127 da Constituição Federal. 3. O Ministério Público detém legitimidade para tutelar judicialmente interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, ante o notório interesse geral da sociedade na proteção do direito e na solução do litígio deduzido em juízo. Verifica-se, ademais, que o interesse social a requerer tutela coletiva decorre também dos seguintes imperativos: facilitar o acesso à Justiça; evitar múltiplas demandas individuais, prevenindo, assim, eventuais decisões contraditórias, e evitar a sobrecarga desnecessária dos órgãos do Poder Judiciário. 4. Solução que homenageia os princípios da celeridade e da economia processuais, concorrendo para a consecução do imperativo constitucional relativo à entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável. 5. Recurso de embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-411489-59.1997.5.22.5555, Redator Ministro Lelio Bentes Corrêa, SBDI-1, DJ 07/12/2007).
Logo, revelando a decisão do Tribunal Regional consonância com a
jurisprudência dominante desta Corte Superior, a pretensão recursal não se viabiliza,
porquanto alcançado o objetivo precípuo do recurso de revista, que é a
uniformização da jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho. Incidência da
Súmula nº 333 do TST e art. 896, § 4º, da CLT.
CARÊNCIA DE AÇÃO
A Presidência do Tribunal de origem, no exercício do primeiro juízo de
admissibilidade, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo
reclamado, adotando, quanto à carência de ação, a seguinte fundamentação, verbis
(fls. 799 e 802):
Prossegue o recorrente alegando carência do direito de ação por impossibilidade jurídica do pedido ante a falta de amparo legal para que o recorrente seja condenado a pagar uma indenização por danos morais coletivos em favor do FATO, apelo neste tópico encontra-se desfundamentado, tendo em vista que o recorrente não apresenta o dispositivo legal ou constitucional que entende ter sido violado e sequer colaciona arestos para justificar uma possível divergência jurisprudencial. Não merece reparos a decisão denegatória. Da análise das razões recursais, constata-se que não foram indicadas violações dos dispositivos constitucionais ou infraconstitucionais, tampouco divergência jurisprudencial para fundamentar o pleito. Dessa forma, não se enquadrando em nenhuma das hipóteses de admissibilidade previstas no art. 896 da CLT, inviável a admissibilidade do recurso de revista, no tópico.
TUTELA INIBITÓRIA. VEDAÇÃO À DISPENSA OU RETALIAÇÃO DE
EMPREGADOS PORTADORES DO VÍRUS DA AIDS OU DE QUALQUER OUTRA
122
ENFERMIDADE Verifica-se que, no agravo de instrumento, cuja fundamentação é
vinculada, o agravante não renova a argumentação expendida acerca da
possibilidade de se conceder a tutela inibitória consistente na proibição do recorrido
dispensar empregados portadores do vírus da AIDS ou acometidos de outras
enfermidades, tampouco reitera as violações legais e constitucionais, bem como a
divergência jurisprudencial, pertinentes ao tema, circunstância que, à luz do princípio
processual da delimitação recursal, caracteriza a renúncia tácita ao direito de
recorrer.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. ATO ATENTATÓRIO
ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS.
O Juízo de admissibilidade do Tribunal de origem, quanto à indenização por
danos morais coletivos, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo
reclamado, adotando a seguinte fundamentação, verbis (fl. 803):
Por outro lado, a violação dos arts. 3º e 13º da Lei nº 7.347/85 não se concretizou, em virtude da interpretação razoável oferecida pelo Tribunal em torno do tema, sendo aplicada a legislação que melhor se ajusta ao caso concreto. Inteligência da Súmula nº 221/TST. No ponto relacionado com a violação do art. 818 da CLT, sob o argumento de que não ficou provado nos autos que o recorrente rescindiu o contrato de trabalho da autora pela simples razão de ser ela portadora do vírus da AIDS, observa-se que o recorrente deseja revolver matéria fático-probatória, inviável nesta fase recursal, a teor do Verbete Sumular nº 126/TST. No mais, o recorrente transcreve arestos objetivando a configuração de divergência jurisprudencial quanto aos seguintes temas: dano moral supostamente causado à coletividade e ausência de prova do nexo causal entre a ofensa e o dano, bem como os critérios para fixação da indenização do dano moral. Neste aspecto, também não prospera o apelo, senão vejamos: o aresto transcrito, à fl. 735, é oriundo do Superior Tribunal de Justiça; os arestos, às fls. 735 e 758, são oriundos do Superior Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça do Paraná e Rio Grande do Sul, bem como os arestos acostados, às fls. 736/738, originários de Varas dos Regionais, não servindo para o confronto de teses, a teor do artigo 896, “a”, da Consolidação das Leis do Trabalho. Os acostados, às fls. 751/752 e 759, não possuem a fonte ou o repositório oficial de sua publicação, encontrando óbice no Verbete Sumular nº 337/TST. Já os de fls. 749 e 754/756 também são inservíveis para o confronto de teses, uma vez que não abordam todos os aspectos da lide, aplicando-se, por conseguinte, as Súmulas nºs 23 e 296/TST.
Nas razões do agravo de instrumento, o reclamado insurge-se contra o
deferimento da indenização por danos morais coletivos. Renova a tese de que a
ação civil pública não pode ter por objeto a condenação cumulativa em dinheiro e o
123
cumprimento de obrigação de não fazer, in casu, respectivamente, a indenização de
R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) por danos morais coletivos e a
obrigação de não fazer, consistente na obrigação de não demitir empregado
portador do vírus HIV.
Reafirma que não há previsão legal dispondo sobre indenização por danos
morais coletivos, não houve discriminação no caso concreto, não houve nenhum
nexo causal entre o caso apontado e os alegados danos morais coletivos, sendo,
portanto, totalmente improcedente a respectiva condenação.
Sustenta que era seu direito rescindir o contrato de trabalho de Maria Betânia
Pessoa Coelho e que “só ficou sabendo de ser ela portadora do vírus da AIDS, após
ter sido aperfeiçoada a rescisão de seu contrato de trabalho, ou seja, bem após, ter
sido homologada pelo Sindicado dos Bancários e ter ela recebido todas as verbas
rescisórias, inclusive o ‘plus’ decorrente de sua adesão do PDI – Programa de
Desligamento Incentivado”.
Reitera a violação dos arts. 2º, caput, da CLT, 3º e 13 da Lei nº 7.347/85, 188,
I, do Código Civil e 5º, II, da Constituição Federal e aduz que a divergência
jurisprudencial restou demonstrada.
Não procede a insurgência.
O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região reformou a decisão de 1º grau
para, na forma dos arts. 1º, V, 3º e 13 da Lei nº 7.347/85, condenar o reclamado ao
pagamento de indenização decorrente de danos morais coletivos. A decisão foi
proferida, às fls. 709-723, nos seguintes termos, verbis:
DA CONDENAÇÃO NA REPARAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO Concluindo-se pela existência de uma grave transgressão a interesses difusos da sociedade, há de se acolher a pretensão destinada ao ressarcimento do dano moral coletivo. Com efeito, a reparabilidade do dano moral cometido em desfavor do meio social é questão já assentada no âmbito doutrinário e jurisprudencial. O ataque aos princípios básicos de constituição da sociedade através da negativa de eficácia de garantias fundamentais constituiu uma ofensa ao patrimônio moral coletivo. Sendo assim, revela-se útil e até necessário que se procede à reparação pecuniária do ato atentatório às garantias fundamentais, como forma pedagógica, no sentido de inibir novas condutas ofensivas. É importante frisar que a reparação do dano moral não é novidade dentro da nossa jurisprudência. Mercê transcrição o brilhante acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região tratando de questão idêntica, verbis TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO DECISÃO: 12 05 2003 TIPO: R0 Nº00726 ANO: 2001 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA PARTES
124
Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLO DO TRABALHO – PROCURADORIA REGINAL DO TRABALHO DA 10º REGIÃO Recorrente: INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS Recorridos: OS MESMOS RELATOR: Juiz JOSÉ RIBAMAR O. LIMA JÚNIOR REVISORA: Juíza FLÁVIA SIMÕES FALCÃO EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. O proceder patronal, consistente em coagir os empregados à prática de atos divorciados do seu íntimo querer, com o objetivo único de obter expressiva vantagem financeira, em detrimento de direitos por ele próprio sonegados, mas reconhecidos aos trabalhadores pelo Poder Judiciário, desafia a cominação de indenização revertida ao FAT, obrigação que também contempla caráter pedagógico.
DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA Para
melhor compreensão da controvérsia, passo a uma breve exposição de alguns fatos:
O Ministério Público do Trabalho, após receber denúncias da existência de coação
sobre os empregados que demandavam contra o Instituto Candango de
Solidariedade, promoveu a apuração dos fatos mediante Procedimento Preparatório
cuja cópia habita as fls.27/147 destes autos. O referido Procedimento Preparatório
traz cópia das sentenças das reclamações trabalhistas e respectivos acordos: (às
fls. 49/67); Há, ainda, requerimento do advogado de alguns dos empregados do réu,
Dr. Leador Machado, junto ao MPT, almejando providências contra as atitudes
discriminatórias do reclamado; depoimento de empregados supostamente coagidos
(às fls. 80/81 c/c 108/199); notícia da coação publicada no jornal Correio Braziliense
(às fls. 83); depoimento de empregados da Coordenação Jurídica do reclamado (às
fls. 90/97) e requerimento para anulação de acordos que contivessem vício de
vontade (às fls. 140). A tutela antecipada foi deferida, conforme despacho às fls.
152. Juntaram-se os recibos de quitação referentes aos acordos das Sras. Jovelina
de Souza, Ana Carolina Machado Teixeira e Margarete da Silva Borges (às fls. 177 e
seguintes). Foi colacionada pelo reclamado a lista de empregados e ex-empregados
que demandam na Justiça do Trabalho (às fls. 183/190). Em seguida, o Ministério
Público do Trabalho ajuizou a presente ação civil pública, asseverando que recebera
denúncia da Sra. Marta de Figueiredo Vieira da Silva de que o reclamado estaria
coagindo, por meio do advogado Robson Neves Fiel dos Santos, os empregados
que tivessem ações trabalhistas para que renunciassem a seus direitos ou
aceitassem acordos lesivos, sob pena de serem despedidos. Requereu, assim, a
condenação do reclamado para que se abstivesse de tais práticas sob pena de
aplicação de multa no valor de R$ 50.000,00 para cada empregado coagido. O
reclamado defendeu-se, aduzindo que não obrigou qualquer funcionário que tivesse
125
ajuizado ação trabalhista em seu desfavor, a renunciar seus direitos sob pena de
dispensa. A decisão originária, esposando a tese autoral, deferiu o pleito. Insurge-se
o réu contra essa decisão, asseverando que "jamais obrigou qualquer empregado
seu, que lhe movesse ação trabalhista, a celebrar acordo ou renunciar seus direitos
sob pena de demissão" (às fls. 313). Sustenta que o depoimento da Sra. Ana
Carolina Machado Teixeira, utilizado como elemento de prova, está em contradição
com o documento de fls. 179. Argumenta que a lista de fls. 183/190 demonstra que
há empregados que mantêm ação na Justiça, mas que permanecem nos seus
quadros, buscando demonstrar a lisura da sua conduta. Alega, por fim, que a fita
magnética contendo gravações dos empregados, que foi utilizada nos autos, é prova
ilícita, uma vez que violaria a intimidade dos interlocutores, não podendo ser
utilizada como prova. Sem razão, contudo. Não há contradição entre o depoimento
da Sra. Ana Carolina Machado Teixeira e o documento de fl. 179. Em seu
depoimento, a Sra. Ana Carolina declarou que "procurou o Dr. Robson advogado do
Instituto Candango, eis que soube que deveria fazer um acordo ou perderia o seu
emprego" . Confirmou a ameaça de perda do emprego feita pelo Sr. Robson: "que o
Dr. Robson ainda afirmou que caso a depoente não fizesse o acordo seria
dispensada"; atestou, ainda, a falta de manifestação espontânea de vontade, pois
afirmou que embora reconhecesse a sua assinatura no documento de fl. 179 -
acordo para por fim à demanda judicial-, esclareceu que" copiou a declaração ali
constante de um texto que lhe foi entregue pelo Dr. Robson...; que ninguém obrigou
a depoente assinar;" Todavia, demonstrou a coação ao declinar que "fez o acordo
com Instituto com receio de perder o seu emprego" (às fls. 208/209). Pontuo que a
lista de nomes de empregados que demandam na Justiça do Trabalho não é
suficiente para elidir a prova da existência de coação por parte do reclamado, pois
as informações ali contidas em nada se contrapõem à existência da alegada
imputação verificada no conjunto probatório. Também não prospera a alegação da
recorrente de ilicitude da prova produzida em gravação de fita magnética, sem a
autorização de todos os interlocutores. As fitas, cuja transcrição está às fls. 69/75,
não constituem meio ilícito de prova, uma vez que contou com a autorização de um
dos interlocutores. Nesse sentido a jurisprudência da Suprema corte: "Ementa:
Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a
chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de
concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por
126
caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. (Precedentes do
Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97,
ambos da Primeira Turma.) Não se vislumbra, portanto, a alegada violação à
intimidade. Ademais, a conclusão do Juízo originário não se lastreou no conteúdo da
referida fita, apoiando-se nas demais provas dos autos. Tal fato afasta a cogitação
de nulidade da prova. Nesse sentido aponta a jurisprudência do excelso STF:
PROVA - ILICITUDE - IRRELEVÂNCIA. Se o provimento condenatório está
lastreado nas demais provas coligidas, descabe cogitar de nulidade em decorrência
de alusão a gravação que o acusado tenha como ilícita. (Publicação: DJ DATA-08-
05-92 PP-06268 EMENT VOL-01660-03 PP-00458 RTJ VOL-00141-03 PP-00924 -
Julgamento: 31/03/1992 - Segunda Turma) Diante disso, mantenho a decisão
originária que determinou a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de
qualquer ato discriminatório decorrente do ajuizamento de ações judiciais ou
intenção de ajuizamento, com a respectiva cominação de multa em caso de
descumprimento. Recurso desprovido no particular. III. 5 - RECURSO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
COLETIVOS. Requereu o autor a condenação do reclamado no valor de R$
350.000,00, correspondente a 5% do total do passivo trabalhista do Instituto
demandado (que está na ordem de R$ 7.000.000,00), a título de indenização, e que
"teria o condão, não só de recompor a ordem jurídica vulnerada, mas também de
desestimular práticas com o mesmo potencial nocivo desta em testilha" (às fls. 22).
A sentença atacada determinou "que o Requerido se abstenha da prática de
qualquer ato discriminatório decorrente do ajuizamento ou intenção de ajuizamento,
sob pena de pagamento de multa de R$ 50.000,00 por empregado ameaçado,
punido ou dispensado, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador" (às
fls.243). Indeferiu, todavia, o pedido de indenização por danos morais coletivos, no
importe de R$ 350.000,00, entendendo que não existe norma legal ou determinação
judicial anterior que estabeleça penalidade para as atitudes patronais. Insurge-se o
autor contra essa decisão, asseverando que seu pedido encontra amparo nos
artigos 1º, 3º e 13 da Lei 7.347/85 que prevê a possibilidade de se impor
condenação nos casos de dano moral coletivo. Assevera que houve um dano moral
geral causado à "toda coletividade de trabalhadores da ré, assim como a própria
sociedade, na medida em que violada a ordem social,... Configura- se, portanto, a
lesão não só a interesse coletivos, como também a interesses difusos" (às fls. 286).
127
Vejo próspero o recurso no presente tópico. À toda evidência, o procedimento
adotado pelo réu causa repulsa, na medida em que coage os trabalhadores à prática
de atos divorciados do seu íntimo interesse, com o objetivo único de obter
expressiva vantagem financeira, em detrimento de direitos por ele próprio
sonegados, mas reconhecidos aos trabalhadores pelo Poder Judiciário. Do proceder
empresarial emergem indiscutíveis prejuízos não só de ordem financeira, como
também de ordem moral, este último, alcançando todos os trabalhadores que se
encontram na mesma situação, ou seja, mantém demanda trabalhista contra o réu.
Há, outrossim, o efeito nefasto, intimidatório, em relação àqueles trabalhadores que,
tendo créditos trabalhistas sonegados, deixam de exercitar o constitucional direito de
ação. Esse conjunto de fatores externa conduta empresarial com indiscutível
potencial de lesividade aos direitos dos trabalhadores, com intensidade para atrair a
cominação de indenização, a qual, como bem observa o autor, no âmbito da ação
coletiva, tem função preventivo-pedagógica. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem,
fica obrigado a reparar o dano, preconiza o artigo 159, do Código Civil Brasileiro de
1916. Diante dessas considerações, tendo a conduta empresarial consubstanciado
violação aos direitos dos empregados, conforme delineado em parágrafo transato,
dou provimento ao recurso, para condenar o réu ao pagamento de indenização
revertida ao FAT, no importe de R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais), na
forma das disposições legais acima mencionadas. CONCLUSÃO Ante o exposto,
conheço dos recursos interpostos, sendo o do demandado parcialmente. No mérito,
nego provimento ao recurso empresarial e dou provimento ao do autor, para
condenar o réu ao pagamento de indenização no importe de R$ 350.000,00,
revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Tudo, nos termos da
fundamentação. É o meu voto. Por tais fundamentos, ACORDAM os Juízes da
Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, em
Sessão Ordinária, à vista do contido na certidão de julgamento (fl. retro), aprovar o
relatório, conhecer dos recursos interpostos, sendo o do demandado parcialmente.
No mérito, negar provimento ao recurso empresarial e dar provimento ao do autor,
para condenar o réu ao pagamento de indenização no importe de R$ 350.000,00,
revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Tudo nos termos da fundamentação.
Brasília (DF), 07 de maio de 2003. (data do julgamento). JOSÉ RIBAMAR O. LIMA
JUNIOR JUIZ RELATOR. (Destaque nosso.)
128
Sendo assim, impõe-se a reforma da decisão de primeiro grau, para, na forma
da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, arts. 1º, V, 3º e 13, condenar o recorrido ao
pagamento de indenização decorrente de danos morais coletivos.
Considerando a capacidade econômica do Banco que, conforme relatou nas
contra-razões, tem mais de 22.000 empregados, impõe-se o acolhimento integral do
valor da indenização proposto na petição inicial, ou seja, R$ 250.000,00 (duzentos e
cinqüenta mil reais).
CONCLUSÃO
Isto posto, dou provimento ao recurso ordinário interposto pelo Ministério
Público do Trabalho, para, reformando a sentença às fls. 606/610, condenar o
BANCO ABN AMRO REAL S/A: a) a se abster de despedir empregado, ou retaliá-lo
de qualquer outra maneira, em razão de ser ele portador do vírus da AIDS ou estar
acometido por qualquer outra enfermidade, fixando, desde logo, pena pecuniária de
R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) por empregado atingido, reversíveis
ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e sem prejuízo de outras medidas para
a efetivação da tutela inibitória; b) a pagar indenização por danos morais coletivos
de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), também reversíveis ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador FAT.
Do cotejo entre as razões recursais e a decisão recorrida, constata-se que o
agravante não consegue infirmar os fundamentos da decisão agravada e,
consequentemente, demonstrar ofensa à literalidade dos dispositivos legais e
constitucionais apontados01535407220035130003 como malferidos, tampouco
divergência jurisprudencial, nos moldes do art. 896, a e c, da CLT.
Com efeito, consoante já assentado no exame da suscitada ilegitimidade
passiva ad causam do Ministério Público do Trabalho, a ação civil pública é
destinada a conferir tutela efetiva aos direitos difusos e coletivos, tendo por objeto a
condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, não
havendo impedimento legal para a cumulação de pedidos de tutela preventiva e
ressarcitória. Ao contrário, o art. 3º da Lei da ACP prevê, de forma expressa, o
objeto da condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer, não significando, contudo, que seja condenação alternativa, mas cumulativa, a
depender do objeto e da lesão.
Nesse sentido, vale destacar o seguinte precedente:
129
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONDENAÇÃO EM DINHEIRO E EM OBRIGAÇÃO DE FAZER OU NÃO FAZER. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. A partícula -ou- constante do texto do art. 3º da Lei 7.347/1985 (Lei da ACP) não estabelece uma alternativa excludente mas equivale à expressão -também-, porquanto a lei teve em vista expressar que o objeto da Ação Civil Pública não é apenas a condenação em dinheiro, mas também a obrigação de fazer e/ou a obrigação de não fazer. Assim, ao verificar que a aplicação de apenas uma das espécies de penalidade previstas na lei não enseja tutela jurisdicional integral ao bem tutelado, é permitido ao magistrado cumular a condenação de obrigação de fazer ou de não fazer com a de indenizar. Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST-RR-149900-70.2003.5.01.0302, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 18/09/2009).
Ilesos, pois, os arts. 3º e 13 da Lei nº 7.347/85.
Quanto à indigitada violação do arts. 2º, caput, da CLT e 188, I, do Código
Civil, observa-se que o Tribunal Regional não dirimiu a controvérsia à luz dos
referidos dispositivos, tampouco foi instado a fazê-lo por meio dos embargos de
declaração opostos, circunstância que o que atrai a incidência da Súmula nº 297, I e
II, do TST, ante a ausência do imprescindível prequestionamento.
Mesmo que assim não fosse, os apontados dispositivos não impulsionariam o
recurso de revista. O art. 2º, caput, da CLT limita-se a conceituar a figura do
empregador, o segundo excetua, dos atos ilícitos, os atos praticados em legítima
defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, revelando-se, pois,
impertinentes à questão dos autos.
De outro lado, frise-se que a alegação de ofensa ao princípio da legalidade,
inserto no art. 5º, II, da Constituição Federal, também não viabiliza o acesso à via
recursal extraordinária. Isso porque, sendo princípio genérico, a violação do referido
dispositivo constitucional não se configura, em regra, de forma direta e literal,
somente se aferindo por via reflexa, a partir de eventual ofensa à norma de natureza
infraconstitucional. Nesse sentido, a Súmula 636 do excelso STF.
Por fim, no que tange à divergência jurisprudencial, nenhum dos arestos
renovados nas razões do agravo de instrumento abordam a indenização por dano
moral coletivo, revelando-se, pois, inespecíficos, à míngua da indispensável
identidade de premissas fáticas, o que atrai a incidência das Súmulas nos 23 e 296, I,
do TST.
130
VALOR DA MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL E DA
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS
A Vice-Presidência do Tribunal a quo, relativamente ao tópico, denegou
seguimento ao recurso de revista, sob os seguintes fundamentos, verbis (fl. 803):
No mais, o recorrente transcreve arestos objetivando a configuração de divergência jurisprudencial quanto aos seguintes temas: dano moral supostamente causado à coletividade e ausência de prova do nexo causal entre a ofensa e o dano, bem como os critérios para fixação da indenização do dano moral. Neste aspecto, também não prospera o apelo, senão vejamos: o aresto transcrito, à fl. 735, é oriundo do Superior Tribunal de Justiça; os arestos, às fls. 735 e 758, são oriundos do Superior Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça do Paraná e Rio Grande do Sul, bem como os arestos acostados, às fls. 736/738, originários de Varas dos Regionais, não servindo para o confronto de teses, a teor do artigo 896, “a”, da Consolidação das Leis do Trabalho. Os acostados, às fls. 751/752 e 759, não possuem a fonte ou o repositório oficial de sua publicação, encontrando óbice no Verbete Sumular nº 337/TST. Já os de fls. 749 e 754/756 também são inservíveis para o confronto de teses, uma vez que não abordam todos os aspectos da lide, aplicando-se, por conseguinte, as Súmulas nºs 23 e 296/TST.
O reclamado, nas razões do agravo de instrumento, requer, caso mantida a
procedência da presente ação civil pública, a redução, com a fixação de um valor
razoável e proporcional, do valor arbitrado para o caso de descumprimento da
determinação judicial e para a indenização por dados morais coletivos. Renova um
aresto do TRT da 4º Região (fl. 20).
O recurso não alcança admissão.
O único aresto apresentado para fundamentar o pleito, além de não
apresentar a fonte oficial em que foi publicado, em desacordo com o disposto na
Súmula nº 337, I, a, TST, é inespecífico, nos termos das Súmulas nos 23 e 296, I, do
TST, porquanto não abrange os fundamentos e premissas adotados pela decisão
recorrida.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho,
por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe
provimento.
Brasília, 07 de dezembro de 2010.
131
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
WALMIR OLIVEIRA DA COSTA
Ministro Relator
132
ANEXO D – Embargos em Recurso de Revista nº TST-E-RR-366/2000-021-15-00.6
NUMERAÇÂO ANTIGA: E-RR - 366/2000-021-15-00 PUBLICAÇÃO: DEJT - 14/11/2008
EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. DECISÃO EMBARGADA PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. TRABALHADOR PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO. A e. Turma negou provimento ao recurso da reclamada, ao fundamento de que (...) a reintegração do reclamante foi deferida em razão do ato discriminatório praticado pelo empregador, uma vez que restou incontroverso que ele era portador do vírus da aids. Nesse contexto, comprovada a atitude discriminatória da empresa, não se vislumbra malferimento aos dispositivos da Constituição Federal denunciados, mas a correta observância do que dispõem os princípios constitucionais que proíbem a discriminação e que valorizam o trabalho e protegem a dignidade da pessoa. Recurso de embargos não conhecido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de
Revista nº TST-E-RR-366/2000-021-15-00.6 , em que é Embargante COMPANHIA
BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO e Embargado SÉRGIO DE PAULA ANDRADE.
A e. 5ª Turma do c. Tribunal Superior do Trabalho, por meio do v. acórdão às fls.
322-331, negou provimento ao recurso de revista da reclamada, no tocante à
reintegração, por entender que a dispensa do autor, portador do vírus HIV, fora
discriminatória.
A empresa interpõe recurso de embargos (fls. 337-343). Sustenta que a
discriminação somente se configura se houver nexo de causalidade imediato entre o
conhecimento da doença pelo empregador e a rescisão contratual, não tendo sido
constatada tal ocorrência in casu .Denuncia ofensa a dispositivos de lei e da
Constituição Federal e divergência com os arestos que traz a cotejo. Não foi
apresentada impugnação (certidão à fl. 347), sendo dispensada a remessa dos
autos ao d. Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do
RITST.
É o relatório.
V O T O
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Satisfeitos os requisitos gerais referentes à tempestividade (fls. 332 e 337),
representação (fl. 335) e preparo (fls. 187, 188, 309 e 344), passo à análise dos
específicos do apelo.
1 – CONHECIMENTO
1.1 -PORTADOR DO VIRUS HIV DISPENSA DISCRIMINATÓRIA –
REINTEGRAÇÃO A e. Turma assim decidiu: Toda argumentação trazida pela
recorrente, pretendendo a reforma do julgado, será analisada conjuntamente, já que,
sob o manto das violações que aponta, questiona a possibilidade de ser deferida a
reintegração no emprego de trabalhador acometido pelo vírus HIV, muito embora,
segundo entende, não haja prova da discriminação e lei que ampare a pretensão
inicial.
Restou delimitado no julgado que as duas testemunhas arroladas pelo autor
esclarecem que o encarregado da loja informou aos funcionários sobre o fato de ser
o reclamante portador do vírus da AIDS, recomendando para que evitassem contato
com ele (fls. 35/36) .
Consta do julgado, ainda, que a segunda testemunha ouvida afirmou que
chegou a ouvir encarregados referirem-se ao reclamante como uma coisa e que não
viam a hora de se verem livres (fl. 275). Concluiu-se, então, que a prova oral
produzida pelo autor não deixa dúvida de que existiu a discriminação no ambiente
de trabalho, em razão da doença e de sua divulgação aos demais empregados,
sendo esta a causa ensejadora da rescisão contratual por iniciativa do empregador
(fls.275).
A jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que o empregado
soropositivo, em razão das garantias constitucionais que proíbem práticas
discriminatórias e asseguram a dignidade da pessoa humana, tem direito à
reintegração, mesmo não havendo legislação que garanta a estabilidade no
emprego, desde que caracterizada a dispensa arbitrária e discriminatória. Nesse
sentido:
REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. 1. Caracteriza atitude discriminatória ato de Empresa que, a pretexto de motivação de ordem técnica, dispensa empregado portador do vírus HIV sem a ocorrência de justa causa e já ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o empregado. 2. O repúdio à atitude discriminatória, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, inciso IV), e o próprio respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (artigo 1º,
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inciso III), sobrepõem-se à própria inexistência de dispositivo legal que assegure ao trabalhador portador do vírus HIV estabilidade no emprego. 3. Afronta aos artigos 1º, inciso III, 5º, caput e inciso II, e 7º, inciso I, da Constituição Federal não reconhecida na decisão de Turma do TST que conclui pela reintegração do Reclamante no emprego. 4. Embargos de que não se conhece. (E-RR 439.041/1998, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ 23.05.2003, decisão unânime). EMBARGOS. REINTEGRAÇÃO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO PORTADOR DA SIDA (AIDS) Tratando-se de dispensa motivada pelo fato de ser o empregado portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA e sendo incontestável a atitude discriminatória perpetrada pela empresa, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, a despedida deve ser considerada nula, sendo devida a reintegração. Embargos não conhecidos.- (E-RR 217.791/1995, Rel. Min. Vantuil Abdala, DJ 02.06.2000).PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo de HIV não impede o julgador trabalhista de valer-se da prerrogativa inserta no art. 8º da CLT, para aplicar à espécie os princípios gerais do direito, notadamente as garantias constitucionais do direito à vida, ao trabalho e à dignidade, insculpidos nos arts. 1º, incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI, 170 e 193 da Carta Política, além da previsão do art. 7º, inciso I, também da Constituição Federal, que veda a despedida arbitrária. Recurso de revista conhecido e provido . (RR - 76089/2003-900-02-00, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, DJ 17/06/2005 ).
De fato, a Constituição Federal estabelece como princípios fundamentais,
simultaneamente, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (artigo 1º, IV). Em
verdade, o trabalho é ao mesmo tempo um direito e uma obrigação de cada
indivíduo, mesmo porque, para viver, o homem precisa trabalhar. Não é menos
verdade que, como reflexo da liberdade humana, a liberdade de iniciativa no campo
econômico também foi acolhida pela Constituição.
A interpretação dos princípios constitucionais deve respeitar a unicidade da
Constituição da República, de modo a garantir a máxima efetividade desses
princípios. Em uma análise abstrata, não há que se falar em colisão entre os
princípios que tratam dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. De um
modo geral, ambos podem ser exigidos integralmente, sem qualquer redução.
Entretanto, no caso concreto, a valorização do trabalho desenvolvido pelo
reclamante encontrou obstáculo na livre iniciativa patronal, que não relutou em
rescindir o contrato de trabalho, utilizando-se da possibilidade de indenizar o
empregado nos moldes da legislação vigente. Ocorre que, conforme delimitado, a
reintegração do reclamante foi deferida em razão do ato discriminatório praticado
pelo empregador, uma vez que restou incontroverso que ele era portador do vírus da
aids. Até mesmo o fato de o reclamante ter problemas de relacionamento com
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colegas de serviço, está atrelado à sua condição de soropositivo, pois a
discriminação também partiu dos próprios colegas de trabalho. De tal forma, a
inexistência de texto de lei prevendo a estabilidade do trabalhador infectado pelo
vírus HIV não impede a sua reintegração no serviço, já que comprovado que a
rescisão foi motivada por atos de discriminação, em evidente afronta aos princípios
gerais do direito, especialmente no que se refere às garantias constitucionais do
direito à vida, ao trabalho, à dignidade da pessoa humana e à igualdade (artigos 1º,
III e IV; 3º, IV; 5º, caput e XLI, 7º, I, 170 e 193 da Constituição Federal).
Por fim, a alusão feita pela recorrente de que a testemunha era suspeita
não merece ser acolhida. O fato dela, testemunha, e o reclamante residirem na
mesma rua não a impede de prestar depoimento sob o compromisso de dizer a
verdade. Repita-se que a eventual discrepância detectada na qualificação da
testemunha - especificamente quanto ao seu endereço - não invalida o seu
testemunho. Quanto à alegada inexistência da discriminação, a pretensão da
recorrente encontra óbice no que consagra a Súmula nº 126 deste Tribunal Superior
do Trabalho, na medida em que uma avaliação diversa daquela constante do julgado
dependeria exclusivamente do reexame da prova produzida.
Restam, assim, afastadas as violações alegadas pela recorrente.Nestes
termos, nego provimento ao recurso de revista (fls. 328-330). Alega a reclamada
que a discriminação somente se configura se houver vínculo de causalidade direto
entre o conhecimento da doença, pela empresa, e a dispensa do reclamante. Diz
que os fatos reconhecidos pelas instâncias ordinárias afastam esse nexo e que a
dispensa do autor ocorreu de forma regular, dentro dos limites do seu direito
potestativo.
Assevera que o reclamante foi dispensado após mais de dois anos da
comunicação de sua condição de soropositivo e que durante esse período, a
empresa manteve o empregado em seus quadros, porporcionando-lhe
acompanhamento psicológico e assistencial. Argumenta que, salvo na hipótese de
dispensa discriminatória, que sustenta não ter ficado demonstrada, in casu , não há
respaldo em lei para se reconhecer estabilidade do empregado portador do vírus
HIV.
Denuncia malferimento aos artigos 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, caput e XLI, 7º, I,
170 e 193 da CF; 10 do ADCT; 477 e parágrafos da CLT e divergência com os
arestos às fls. 342-343. Sem razão. O primeiro aresto à fl. 342, proferido pela
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mesma e. Turma prolatora do v. acórdão recorrido é inservível ao fim pretendido, na
medida em que o artigo 894 da CLT prevê o cabimento dos embargos contra as
decisões de Turmas que divergirem entre si.
O segundo aresto à mesma folha é inespecífico, porquanto expressa
entendimento de ausência de discriminação na hipótese em que a dispensa ocorreu
antes da constatação da doença. A alegação da reclamada de que a dispensa
ocorreu mais de dois anos após o conhecimento da doença, para sustentar que não
houve prática discriminatória, é aspecto fático que não foi disponibilizado nos vv.
acórdãos proferidos pelo e. Tribunal Regional e pela Turma do c. TST. Assim, a
análise do argumento esbarra no óbice da Súmula 126/TST.
Nesse contexto, comprovada a atitude discriminatória da empresa, não se
vislumbram malferimento aos dispositivos denunciados. Não conheço.
STO POSTO ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em
Dissídios Individuais do Tribunal Sup e rior do Trabalho, por unanimidade, não
conhecer do recurso de embargos.
Brasília, 06 de novembro de 2008.
HORÁCIO SENNA PIRES Ministro Relator
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Deposite-se na Secretaria do Mestrado.
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Professor (a) Orientador (a) Curitiba, ____/_____/________
Recebido em: _______/________/________
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Secretaria