Instituto de Cincias Sociais
Centro de Estudos de Comunicao e Sociedadehttp://www.cecs.uminho.pt
Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
Rosa Cabecinhas Professora Auxiliar
Lus Cunha
Professor Auxiliar
Universidade do Minho
Centro de Estudos de Comunicao e Sociedade Campus de Gualtar
4710-057 Braga Portugal
CABECINHAS, R. & CUNHA, L. (2003). Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro. Estudos do Sculo XX, 3, 157-184.
Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
Resumo
Neste artigo traamos um breve resumo da ideologia racista que se desenvolveu em
Portugal, sobretudo a partir do incio do sculo XIX at ao 25 de Abril de 1974, com especial
destaque ao perodo do Estado Novo por ser considerado por diversos autores o perodo mais
marcante da ideologia racista em Portugal. Seguimos a evoluo das concepes em torno
deste tema no meio poltico e cientfico portugueses, socorrendo-nos neste percurso de
trabalhos efectuados por historiadores, socilogos e antroplogos. Pontualmente, fazemos
referncia a outras fontes, nomeadamente a literatura africana de lngua portuguesa.
Rsum
Dans cet article nous procdons un bref rsum de l idologie raciste qui sest
dveloppe au Portugal surtout partir du dbut du XIXe sicle jusquau 25 avril 1974, en
particulier en ce qui concerne la priode de l Estado Novo puisquelle est considre par
divers auteurs lpoque la plus marquante de lidologie raciste au Portugal. Nous suivrons
lvolution des conceptions autour de ce thme dans le milieu politique e scientifique portugais
en nous aidant, durant ce parcours, de travaux effectus par des historiens, des sociologues et
des anthropologues. Occasionnellement, nous ferons rfrence dautres sources, en
particulier la littrature africaine de langue portugaise.
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
Devemos organizar cada vez mais eficazmente e melhor a proteco das raas inferiores cujo
chamamento nossa civilizao crist uma das concepes mais arrojadas e das mais altas
obras da colonizao portuguesa.
Antnio Oliveira Salazar, 1935
Aos olhos desses alguns, as msicas, a dana, as lnguas, a filosofia, as religies africanas so
coisas e coisas sem importncia. O prprio homem africano submetido a esse processo. Na
sua mente, ns somos coisas desprezveis, destitudas do valor humano que tm todos os
homens sobre a terra. Logicamente, deste processo de coisificao passa-se com a maior
facilidade para a violncia e a imoralidade.
Agostinho Neto, 1959
O imprio colonial, a pureza bioqumica do povo portugus e o receio das ndoas
pigmentares
Ao desfolhar as actas do Congresso Nacional de Cincias da Populao realizado no Porto em
1940 deparamo-nos com dois temas de suma importncia: a pigmentao e a pureza
bioqumica da populao portuguesa. Assim, Leopoldina Paulo comea por afirmar que a
pigmentao um dos caracteres mais importantes a considerar no estudo da populao dum
pas (1940, p.1) e Jos Serra explica-nos porqu: a pigmentao constitui a base
indispensvel das classificaes raciais e, s esta razo, seria suficiente para justificar o
interesse dos estudos dos pigmentos (1940, p.1).
Mais a diante, Aires de Azevedo assegura-nos que muito grande a pureza bioqumica da
populao portuguesa, o que coloca o nosso povo, sob este aspecto, no mais alto lugar da lista
das raas de tipo europeu, no deixando, todavia, de alertar: esta pureza bioqumica decresce
de Norte para Sul, o que se explica pelas facilidades geogrficas que as raas invasoras [...] encontraram para a sua infiltrao (1940, p. 32). Tambm Pires de Lima nos alerta para o
perigo da mistura de raas, aproveitando para enunciar os povos intrusos: os rabes, os
Judeus e os Negros (1940a, p.42).
Nem todas estas raas invasoras ou intrusas representam, porm, o mesmo perigo de
degenerescncia para a populao portuguesa. De facto, se atendermos s inmeras referncias
feitas raa negra nos congressos coloniais realizados durante o Estado Novo, facilmente se
percebe que era desta que provinha o maior perigo.
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Numa anlise da presena dos negros na vida portuguesa, desde os primrdios da
nacionalidade at ao sculo XX, Jos Tinhoro (1988/1997) considera que esta presena foi
silenciada pelo preconceito dos investigadores portugueses. Na sua obra Tinhoro recorre a
materiais to diversos como a legislao produzida, a literatura histrica, a literatura de cordel,
o teatro, as festas e romarias populares, a msica e a dana. O autor averigua a participao dos
negros na vida portuguesa, especialmente no seu papel de trabalhadores no artesanato, no
servio domstico, no campo, e nos servios mais sujos e pesados (Tinhoro, 1988/1997,
p.107). A sua anlise remete-nos para os papis que os negros eram chamados a desempenhar
e tambm para as representaes do negro na cultura popular, embora essa apresentao no
seja realizada de forma sistemtica.
Segundo o autor, a partir do sculo XIV so frequentes nos registos histricos as
referncias ao negro, sendo a palavra usada tanto para designar mouros como africanos. A
palavra era tambm usada como apelido identificador da cor da pele: David Negro, Pro
Palha, Lus Mulato, Rita Malhada (Tinhoro, 1988/1997).
Na sua reviso de literatura, Tinhoro refere que uma das questes mais presentes nas
obras dos historiadores e dos antroplogos portugueses a de saber at que ponto os negros se
cruzaram com os autctones da metrpole. Na opinio de Tinhoro, a maioria dos autores
portugueses, visivelmente influenciados pelos preconceitos racistas, tomou como problema os
possveis vestgios de ndoas pigmentares (expresso de Pedro dAzevedo, 1903) para
concluir, quase sempre, como Mendes Correia que a proporo de negrides, mulatos ou
negros na nossa gente metropolitana escassssima, que os Portugueses no tm afinidades
hemticas com os negros africanos e que so reduzidssimos os vestgios das influncias
negrticas ou simplesmente negrides na populao portuguesa actual (1938, citado por
Tinhoro, 1988/1997, pp.405-406).
Esta opinio de Mendes Correia partilhada por diversos mdicos que se preocuparam
com a pureza bioqumica do povo portugus. Por exemplo, Aires de Azevedo (1940, p.32)
defende que a influncia das raas coloniais (nomeadamente Hindu e Negra) na pureza
bioqumica do povo portugus, praticamente nula. Pires de Lima fornece-nos uma indicao
mais detalhada:
No h dvida que o nosso fundo tnico provm dos Lusitanos, dos Romanos e dos Germnicos; mas
onde quer se topam indcios de influncias estranhas. As ideias fatalistas do nosso povo derivam da
alma dos rabes, que deixaram aqui tantas mouras encantadas; onde quer se notam sobrevivncias
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judaicas no esprito mercantil e usurrio de tantos Portugueses; e o abominvel fado, que muitos
consideram indevidamente como a mais tpica das canes nacionais, provm certamente da triste
msica dos escravos negros, que herdamos das Descobertas. Com grande exagero, tem sido Portugal
acusado, sobretudo por alemes, de albergar um povo inferior, de carcter acentuadamente negride
(1940b, p.167).
Como refere Tinhoro, nos discursos dos autores portugueses observam-se
frequentemente contradies gritantes, como a que Mendes Correia cometeu numa
conferncia, na qual, aps ter sugerido que talvez se tenha exagerado a prolificidade dos
escravos em Portugal, citou longamente a concluso de Oliveira Martins, que o contradizia:
"Os escravos, repugnante legado da descoberta da frica e do domnio ultramarino, punham na
sociedade uma mancha torpe; e na fisionomia das massas, borres de cor negra, pelas ruas e praas da
capital. Tinham-se e tratavam-se como gado. Criavam-se rebanhos de mulheres para crias, porque um
pretinho novo, desmamado apenas, j valia 30 a 40 escudos. As negras soam ser fecundas e inavam
as casas de negrinhos e mulatinhos, como diabos, chocarreiros, ladinos, quem no gostaria deles?"
(citado por Tinhoro, 1988/1997, p.406).
Na opinio de Tinhoro, a indiferena cientfica e o preconceito oficial teriam
conduzindo ao esquecimento da dvida inegvel da nao e da gente portuguesa fora de
trabalho e ao sangue dos negros africanos, que desde a segunda metade do sculo XV
chegaram em grande nmero metrpole e se foram cruzando com a populao autctone
(1988/1997, p.422).
O historiador Valentim Alexandre, defende que o moderno Imprio de Portugal em
frica construdo no sculo XIX, a partir da independncia do Brasil (declarada em 1822 e
reconhecida em 1825), aps a qual o poder imperial portugus ficou significativamente
reduzido. Foi nesse contexto, muito desfavorvel, que nasceram os primeiros projectos de
formao de um novo Imprio, centrado no Continente Africano (1999, p.134).
Segundo o autor, coube a S da Bandeira formular e dar expresso poltica ao mais
consistente desses projectos - o nico que, rompendo com as prticas ento correntes,
preconizou a abolio imediata do trfico de escravos e, a prazo, a da prpria escravatura. Para
justificar as medidas abolicionistas, S da Bandeira recorreu aos princpios da Carta
Constitucional que consagrava a inviolabilidade dos direitos civis e polticos dos cidados
portugueses e concedia a cidadania portuguesa a quem tivesse nascido em Portugal ou seus
domnios. Partindo destes princpios S da Bandeira concluiu: positivo que os habitantes
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portugueses das provncias da frica, da sia e da Ocenia, sem diferena de raa, de cor ou
de religio, tm direitos iguais queles de que gozam os portugueses da Europa (1873; citado
por Alexandre, 1999, p.134).
No entanto, apesar de traduzido em vrios diplomas legais, o abolicionismo de S da Bandeira
encontrou mltiplas resistncias. Na verdade, na perspectiva de Alexandre (1999), a proibio
do trfico negreiro em 1836 pouco contribuiu para a sua efectiva extino, uma vez que na
poca os negreiros dominavam a vida econmica e poltica dos territrios africanos e, alm
disso, a perspectiva abolicionista era tambm muito minoritria na prpria metrpole, sendo
geralmente considerada como uma simples utopia, que poderia pr em causa a soberania
portuguesa nesses territrios.
Para a ideologia dominante [...] a raa negra estava irremediavelmente ferida por uma inferioridade inata: tratar-se-ia de uma populao selvagem, essencialmente indolente, inclinada por natureza embriaguez
e ao roubo, que no conhecia nenhum dever social nem experimentava sentimento do amor famlia ou o
do amor do prximo. Desta concepo se partia para a justificao do trfico de escravos [...], como tambm da escravatura, nica forma de, pela obrigao do trabalho, dar umas tintas de civilizao a quem,
por outro modo, lhe seria forosamente alheio (Alexandre, 1999, p.135).
Segundo Alexandre o predomnio desta ideologia s se esbateu na dcada de 1870, poca
em que Andrade Corvo retomou e aprofundou alguns dos temas enunciados por S da
Bandeira. A manifestao mais clara dessa renovao traduziu-se na lei de 29 de Abril de 1875
que extinguiu o trabalho servil nas colnias. No mbito da poltica colonial defendeu-se a
integrao dos povos das possesses no conjunto nacional, de preferncia por aliana com os
chefes indgenas e preservando as instituies tradicionais africanas, nas quais via um
embrio da vida democrtica (Alexandre, 1999, p.136).
Para Andrade Corvo a grande maioria das populaes africanas seria susceptvel de
progredir e civilizar-se, recuperando do seu atraso histrico. Caberia aos europeus abrir o
caminho aos povos selvagens, mostrando-lhes as formas de domnio do homem sobre as
foras da natureza pela cincia e incutindo-lhes uma superioridade moral da civilizao crist
fundada na igualdade de todos os homens, na paridade de todas as raas e no progresso em
comum de toda a humanidade (1883-1887; citado por Alexandre, 1999, p.136).
Mas a poltica de Andrade Corvo sucumbiu rapidamente, no resistindo emergncia de
uma forte corrente de nacionalismo populista nos finais da dcada de 1870. Nas colnias, as
formas coercivas de trabalho e o prprio trfico de escravos impuseram-se de novo, com a
complacncia do governo de Lisboa (Alexandre, 1999, p.136). Em rigor, as propostas de
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Andrade Corvo nunca ultrapassaram o domnio jurdico, sendo incuas em termos prticos,
pois, como nota Adelino Torres, apesar da denominao jurdica ou dos subterfgios
lingusticos utilizados, uma caracterstica marcante das colnias portuguesas do sculo XIX e
princpios do sculo XX, era a utilizao de trabalho escravo ou semi escravo (Torres, 1991,
p.153).
No campo ideolgico, o racismo cientfico recorreu aos tpicos recm-desenvolvidos
pela antropologia fsica e pela psicometria (para uma reviso ver Cabecinhas, 2002). Oliveira
Martins (1880/1953, pp.262-265) fornece-nos um exemplo:
"Sempre o preto produziu em todos esta impresso: uma criana adulta. A precocidade, a mobilidade,
a agudeza prprias das crianas no lhe faltam; mas essas qualidades infantis no se transformam em
faculdades intelectuais superiores. Resta educ-los, dizem, desenvolver e germinar as sementes. [...]
No haver, porm, motivos para supor que esse facto do limite da capacidade intelectual das raas
negras, provado em tantos e to diversos momentos e lugares, tenha uma causa ntima e constitucional?
H decerto, e abundam os documentos que nos mostram no negro um tipo antropolgico inferior, no
raro prximo do antropide, e bem pouco digno do nome de homem. [...] A ideia de uma educao dos
negros portanto, absurda no s perante a Histria, como tambm perante a capacidade mental dessas
raas inferiores. [...] Que ser daqui por muitos sculos das raas negras? Obedecendo a leis inerentes
existncia do homem sobre a Terra, tero desaparecido, em vez de se terem civilizado (citado por
Alexandre, 1999, pp.136-137).
Valentim Alexandre defende que a doutrina expressa neste texto uma ilustrao de uma
teoria geral da histria, muito elaborada e muito coerente, que Oliveira Martins expe noutras
obras. Na sua base, estava a ideia de uma desigualdade congnita das diversas raas
naturais. De entre elas, a superioridade caberia raa ariana, destinada a criar a civilizao
europeia e a dominar o mundo, submetendo ou exterminando os povos inferiores. As
consequncias desta teoria, no domnio da poltica colonial, eram bvias. Segundo Oliveira
Martins, seria absurda a aplicao da Carta Constitucional aos indgenas africanos, sendo a
utilizao do trabalho forado a nica forma de criar colnias proveitosas economia nacional
(Alexandre, 1999, p.137).
Alexandre salienta que estas ideias tiveram larga aceitao nos meios imperiais
portugueses. Antnio Enes (Governador de Moambique), desenvolveu o tema do trabalho
obrigatrio, justificando o exerccio de uma compulso sobre entes quase impensantes e
impulsivos para os arrancar ociosidade, considerando que o Estado no devia ter escrpulo
de obrigar e, sendo assim, de forar a trabalharem, isto , a melhorarem-se pelo trabalho, a
adquirirem pelo trabalho meios de existncia mais feliz, a civilizarem-se trabalhando, esses
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rudes negros da frica, esses ignaros prias da sia, esses meios selvagens da Ocenia
(citado por Alexandre, 1999, p.138), tendo participado num regulamento que consagrou de
novo o trabalho obrigatrio em 1989. O trabalho surge aqui com matriz fundamental de uma
vida civilizada, ideia que, como Torres demonstra, correspondia aos interesses da burguesia
colonial. Num relatrio apresentado em 1893, Antnio Ennes procura mostrar que dada a
suposta inferioridade natural dos africanos, eles deveriam ser compelidos a trabalhar, surgindo
este obrigar ao trabalho no s como um direito, mas tambm como um dever dos
colonizadores (Torres, 1991, p.167).
Perspectiva semelhante contribua para justificar a apropriao de terras em frica, uma
vez que aos negros no teriam a noo de propriedade, para defender a aplicao aos indgenas
de um direito penal especfico, fortemente repressivo, que seria o nico eficaz perante povos
selvagens, e ainda para preconizar a limitao da educao dos africanos aos mais simples
rudimentos (Alexandre, 1999, p.138).
ainda dentro desta perspectiva que Eduardo Ferreira da Costa (1901), no primeiro
Congresso Colonial, apresenta uma comunicao na qual faz a apologia de um despotismo
atenuado para governo das colnias: negao do princpio da liberdade de imprensa e do
direito de sufrgio; e a instaurao de um regime militar, nos territrios ainda no
inteiramente pacificados, com a concentrao de todos os poderes nas mos dos
governadores e a utilizao de processos militares sumrios na administrao. Em qualquer
caso, a lei aplicvel a europeus e a indgenas no poderia ser igual, pois:
as razes antropolgicas, as razes sociais, mostrando a disparidade de caracteres tnicos, de usos e de
instintos, e a inferioridade manifesta do selvagem, evidencia[vam] a necessidade de aplicar diferentes
sistemas de governo a raas to diversas e de manter nas mos dos mais civilizados, como dos mais
dignos, a tutela dos mais selvagens e primitivos, como de uma classe desgraada ou incompleta da
sociedade humana" (Costa, 1901; citado por Alexandre, 1999, p.139).
Para Valentim Alexandre, esta seria a doutrina dominante nos comeos do sculo XX,
em plena poca da ocupao militar dos territrios coloniais. No entanto, algumas vozes era
dado um maior crdito s possibilidades de civilizao da raa negra - embora sempre num
futuro longnquo, aps uma longa evoluo. Paiva Couceiro (Governador de Angola; 1907-
1909), apontava como objectivo final da colonizao de Angola a sua transformao numa
grande provncia portuguesa, dando cunho nacional totalidade do seu povo, a constituir
por portugueses do Velho Continente, pelas raas nativas e por uma percentagem
devidamente doseada de estrangeiros adventcios. Para o integramento final de todas as
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populaes dentro da paz, da ordem e do progresso da hegemonia portuguesa que, na sua
perspectiva, levaria centenas de anos a realizar (1948; citado por Alexandre, 1999, p.139).
Esta ideia de integrao nacional ser continuada por Norton de Matos (Governador de
Angola; 1912-1915, 1921-1923). Os seus planos tinham como elemento essencial fomentar a
emigrao metropolitana para frica, nica forma de transformar o ultramar no
prolongamento da nacionalidade, brilhante receptculo da nossa lngua, campo vastssimo
expanso da nova civilizao [...] abenoada pelos povos primitivos que a Histria nos
entregou para os elevarmos at ns (1926; citado por Alexandre, 1999, pp.139-140). Uma vez
estabelecida a hegemonia da civilizao nacional, processo que duraria sculos, seria ento
possvel a fuso das raas em presena. No entanto, durante as geraes mais prximas, a
conservao do domnio portugus exigiria uma rigorosa separao racial, de modo a evitar a
diluio dos elementos de civilizao (Norton de Matos, 1926; citado por Alexandre, 1999,
p.140).
Ter sido a necessidade de consolidar o espao colonial e de o desenvolver
economicamente que ter suscitado um inqurito etnogrfico em 1912, bem como, no mesmo
ano, a criao do Museu Etnogrfico de Angola e Congo (Cf. Pereira, 1986, p.201). Nessa
linha, a aco de Norton de Matos em Angola, parece ter contribudo para estimular o interesse
pelo conhecimento dos povos nativos das colnias. Foi criado o Servio dos Negcios
Indgenas, cuja principal funo consistia na codificao dos usos e costumes indgenas
(cf. Pereira, 1986, p.202). No entanto, a crise gerada pela I Guerra Mundial acabaria por
contribuir seriamente para um notrio refluxo no entusiasmo pelos projectos coloniais.
Estado Novo, vocao civilizadora dos portugueses e representaes do negro
A emergncia do Estado Novo marcou uma inverso nesta poltica colonial com o
retorno arrumao simplificadora das sociedades em duas esferas distintas civilizadas
vs. primitivas - exigindo a conceptualizao de mecanismos capazes de atenuar as diferenas
pela absoro gradual da civilizao por parte daqueles que eram supostos no a possurem.
Esta poltica dar lugar elaborao de diversos projectos assimilacionistas que Moutinho
(1980, p.49) no hesita em designar por aco etnocidria, na medida em que fazia tbua rasa
das culturas dos povos colonizados (Cunha, 2001).
Na opinio de Alexandre, estaramos perante uma concepo fortemente etnocentrica,
muito marcada pelo nacionalismo exacerbado que, desde o ltimo quartel de Oitocentos,
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
tomara a quase totalidade das elites polticas portuguesas (1999, p.140). Um dos aspectos
fundamentais subjacentes a esta ideologia era a ideia de uma finalidade ou de uma misso a
cumprir por Portugal no ultramar, como portador dos valores universais da civilizao face aos
povos primitivos (Alexandre, 1999; Cunha, 2001). Este esprito de misso foi uma das
ideias fortes do Estado Novo e viria a ser expresso formalmente no Acto Colonial de 1930.
No incio do Estado Novo, o imprio est beira da falncia, sendo a sua importncia
muito maior no plano poltico e ideolgico do que no campo econmico (Rosas, 1994,
p.131). Pode mesmo dizer-se que, embora no plano poltico e jurdico se expresse a inteno
de promover o desenvolvimento econmico, parece ser mais ao nvel simblico que o imprio
assume a sua verdadeira importncia (Cunha, 1994).
Um breve olhar pela legislao produzida na primeira fase do Estado Novo, ajuda-nos a
perceber tanto o esforo de desenvolvimento, quanto o apelo ao imprio como factor de
mobilizao nacional. Braga da Cruz afirma no ser possvel entender cabalmente o
nacionalismo autoritrio do salazarismo sem uma referncia sua dimenso colonial, no s
porque o colonialismo do Estado Novo foi um colonialismo nacionalizador, mas tambm
porque o prprio nacionalismo foi intrinsecamente determinado pela situao colonial (citado
por Silva, 1989, p.141).
Em 1926 so publicadas as Bases Orgnicas da Administrao Colonial, onde se vinca a
necessidade de remodelar a administrao colonial. Pela primeira vez fala-se de imprio
colonial, o que evidentemente denota a importncia estratgica que tal ideia comeou a
assumir, e em 23 de Outubro aprovado o Estatuto Poltico, Civil e Criminal dos Indgenas
pelo Decreto n12533 (Rosas e Brando de Brito, 1996, p.320).
Aprovado pelo decreto n. 28570 de 8 de Julho de 1930 e tornado constitucional em
1933, o Acto Colonial exemplifica de forma clara o desejo de reafirmao do pas atravs da
revalorizao das colnias: da essncia orgnica da Nao Portuguesa desempenhar a
funo histrica de possuir e colonizar domnios ultramarinos e de civilizar as populaes
indgenas que nelas se compreendam (Art. 2; Silva, 1989, p.118).
Durante o Estado Novo realizaram-se diversos congressos coloniais onde cientistas,
acadmicos, polticos, militares e religiosos expuseram e debateram as teses sobre a misso
civilizadora do povo portugus e as prticas a implementar nos territrios coloniais para
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aproximar da civilizao os diversos povos indgenas, sob a hegemonia dos valores
portugueses.
Lus Cunha (2001) analisou a documentao produzida no mbito de dois eventos
concretos particularmente marcantes durante este perodo: a Exposio Colonial do Porto
(1934) e a Exposio do Mundo Portugus em Lisboa (1940). Relativamente ao primeiro
destes eventos, de salientar, por um lado, o discurso de exaltao do imprio e, por outro, a
sua tnica pedaggica. Atravs da exposio procurou-se cativar interesses e vocaes, mas
sobretudo demonstrar a verdadeira dimenso e vocao do pas. A exposio da vastido
geogrfica da nao permitiria negar a sua pequenez europeia, evidenciando o valor da
alma missionria e civilizadora portuguesa. Neste sentido, face ameaa de outras potncias
coloniais europeias que cobiavam o solo portugus, pretendia-se evidenciar os direitos
histricos e morais de possuir um imprio e legitimar as expectativas de um novo ciclo
poltico com vista consolidao destes direitos (Cunha, 2001, p.95).
Armindo Monteiro (Ministro das Colnias; 1931-1935), considerado o principal
propagandista da ideia imperial na primeira fase do Estado Novo, retoma e d fora aos temas
da vocao colonial do pas, e da especial capacidade do povo portugus para lidar com as
populaes indgenas do ultramar, ideias muito generalizadas em Portugal desde a poca da
partilha de frica (Cunha, 2001, p.95).
Na sesso inaugural da Exposio Colonial, Armindo Monteiro procurou precisamente
vincar o carcter imperial da nao portuguesa, defendendo que, apesar das suas limitaes
econmicas, Portugal estava a conseguir realizar uma obra vlida porque possua uma
verdadeira vocao colonial, exercitada por sculos de contacto com povos longnquos. Esta
predestinao histrica ou pesada tarefa abraada por Portugal fez com que se acrescentem
territrios ao mundo e novos povos recebam as luzes da civilizao (Salazar, 1935, p.237).
Sintetizando o material relativo a este evento, Cunha salienta aquela que poca era a
imagem dominante dos indgenas:
Seres que conservam do primitivismo a nota extica, os nativos que a Exposio Colonial mostra
apresentam-se docilizados, convenientemente submetidos aos desejos de uma autoridade superior,
sem que, todavia, se tenham tornado j seres plenamente civilizados, pois importa fazer notar que
[como se defendia numa publicao associada ao evento],dum selvcola, que s conhece o ritmo
sensual do seu batuque e a simplicidade primeva da sua esteira, no se faz, de golpe, um cidado
(2001, p. 100).
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Assim, as imagens e os discursos sobre os indgenas produzidas no mbito da Exposio
Colonial devem ser entendidos como prova de dois factos convergentes: a sua pacificao,
que os tornou sbditos do estado portugus; e a necessidade de os fazer ainda evoluir no
sentido da aquisio de uma cidadania plena (Cunha, 2001, p.100).
No nmero especial que a revista Civilizao dedica exposio, os indgenas so
desprovidos da palavra, mas constituem o essencial da ilustrao da revista, onde se evidencia
a sensualidade de corpos seminus ou o exotismo das roupas e adornos. Assim, pela
imagem que o discurso do colonizado se constri, num processo onde o olhar de quem domina
estabelece as regras decisivas do processo de comunicao. Neste sentido o autor afirma que
fica elucidado de forma clara que possuindo uma imagem, o indgena no parece possuir
ainda uma alma e essa ausncia remete-o inevitavelmente ao silncio (Cunha, 2001, p.101).
De referir ainda que nas diversas conferncias proferidas a bordo do Cruzeiro de Frias
que levou jovens portugueses a visitar as colnias, os conferencistas nunca atribuam relevo
diversidade dos nativos, sendo estes sempre designados genericamente por pretos, do
mesmo modo que o universo de prticas culturais se reduz quase sempre ao sedutor batuque.
Por exemplo, Jorge Brutas Cardoso enfatiza a ingenuidade e criancice dos pretos, que
apreciam ainda as bugigangas berrantes (1935, p.303). Mais tarde, Marcelo Caetano, Director
Cultural do referido cruzeiro, salientou a importncia deste evento na formao moral e
patritica de potenciais novos administradores, cuja aco mais valiosa seria o domnio das
almas (1936, p.379).
Os Trabalhos do 1 Congresso Nacional de Antropologia Colonial (1934) oferecem-nos
uma clara demonstrao do saber antropolgico da poca sobre os indgenas. A ttulo
meramente ilustrativo iremos referir algumas das comunicaes apresentadas na seco de
Psicologia.
A comunicao de Mendes Correia, sobre o valor psico-social comparado das raas
coloniais apresenta os resultados de um inqurito no qual se procurava estabelecer um ndice
de eficincia racial (1934, p.386) baseado numa adaptao do mtodo de Poteus e Babcock2.
2 Poteus e Babcock (1925) efectuaram um inqurito a 25 pessoas (administradores de fazendas,
industriais, mdicos e educadores sobre alguns caracteres psico-sociais dos trabalhadores agrcolas e industriais) sobre as qualidades de vrios grupos raciais do Hawai (japoneses, chineses, portugueses, hawaianos, filipinos e porto-riquenses). Sobre os resultados do referido inqurito, Mendes Correia refere: de passagem, registemos que os portugueses ficaram dum modo geral abaixo dos japoneses e chineses. A verdade que os ditos autores e os juizes de certo norte-americanos como aqueles no mostram muita simpatia por ns... (p.385). No
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O inqurito foi efectuado junto de 27 portugueses (missionrios, oficiais do exrcito, mdicos,
funcionrios e outras profisses), que deveriam expressar a sua opinio sobre vrias qualidades
(aptido para o trabalho, impulsividade, moralidade, sugestibilidade, auto-controle, capacidade
de deciso, previdncia, tenacidade, inteligncia global e educabilidade) das seguintes raas
puras: negros da Guin, negros de So Tom e Prncipe, negros de Angola e Congo,
Mucancalas, negros de Moambique, Indianos, Chineses de Macau e Timor, e Timorenses
(p.388).
Tendo presente que o reduzido nmero de respostas recebidas no permitia concluses
definitivas, os resultados do inqurito no deixavam, no entanto, de fornecer algumas
indicaes teis. Por exemplo, os bantos manifestavam aptido para o trabalho mas eram
pouco previdentes, no que eram acompanhados pelos negros da Guin e pelos timorenses.
Quanto educabilidade e a inteligncia global imperava o desacordo entre os informantes,
tendo alguns deles considerado os portugueses metropolitanos em desvantagem face aos
chinas e aos negros da Guin! Talvez por isso, Mendes Correia reconheceu a heterogeneidade
complexa das populaes das nossas colnias e salientou a necessidade da utilizao de
processos cientficos mais directos e seguros do que o de Poteus e Babcock para o
conhecimento do valor psico-social das populaes, como certos mtodos antropolgicos e
psicotcnicos (p.393).
Foram precisamente os resultados obtidos atravs de mtodos psicotcnicos mais
rigorosos que foram apresentados por Leite Costa na comunicao seguinte, sobre a
avaliao mental dos indgenas de Angola. A autora aproveitou a presena dos indgenas na
exposio colonial para atravs dos testes de Burt3 (adaptados dos testes de Binet-Simon)
comparar o nvel mental destes com os das crianas metropolitanas, tendo concludo o
seguinte: os indgenas de Angola [tm] um nvel mental correspondente ao das crianas europeias entre os 6 e 13 anos (1934, p.493).
deixa de ser curioso que o reconhecimento do etnocentrismo dos americanos no tenha levado o autor a reflectir sobre o etnocentrismo espelhado nas suas prprias concepes.
3 No podemos deixar de dar um exemplo dos referidos testes: Teste tambm valioso para se formar um diagnstico mental o da construo de uma frase com trs palavras dadas. Este teste, que as crianas entre 10, 11 e 12 anos satisfazem de uma maneira mais ou menos completa, construindo com as trs palavras dadas uma frase com duas ideias distintas ou duas frases distintas, ou numa s frase distinta, no foi compreendido por nenhum dos indgenas. Nenhum foi capaz de compreender aquilo de que se tratava, nem mesmo os mais pretensiosos. As palavras dadas foram porto, dinheiro, rio com os quais uma criana da metrpole de 8 anos [...] formulou no Porto passa um rio que trs muito dinheiro. Leite Costa salienta que apenas um angolano foi capaz de escrever, mas trs frases distintas, o que no satisfazia o critrio do teste: 1) Porto uma cidade, segunda capital de Portugal e onde se encontram os barcos; 2) Dinheiro moeda destinada a trocos com objectos; 3) Rio contm gua para consumo do homem (Leite Costa, 1934, p. 399, sublinhados nossos).
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
A caracterizao dos negros como crianas grandes uma das ideias mais recorrentes
durante este perodo, ilustrada na seguinte afirmao de Santos Jnior:
No posso deixar de dizer que a alma indgena moambicana , no conjunto, infantil. Inegavelmente,
nos testes de inteligncia e em muitas atitudes, surgem marcadas caractersticas infantis. Mas temos de
reconhecer que h muito de complexo, de evoludo e de misterioso naquela alma. (1940, p.28).
Mas o paternalismo com que os nativos so encarados apenas uma das faces do
relacionamento colonial. O seu contraponto o temor da selvajaria que marca o indgena.
Joo de Figueiredo (Governador da Provncia do Niassa), a partir das informaes fornecidas
pelas Misses Catlicas, salientou a dimenso perigosa, difcil de controlar ou disciplinar. O
feiticeiro encarnaria o lado selvagem dos povos colonizados: horroroso ser humano,
repugnante indivduo mata gente para comer carne humana (Figueiredo, 1939, p.25). Outra
dimenso considerada igualmente incontrolada e perigosa a da sexualidade (Cunha, 2001,
p.125).
Torna-se por isso necessrio orientar os indgenas nos rumos difceis da civilizao,
contrariando a sua dimenso marcadamente perigosa. O caminho que o selvagem deve trilhar
significa um afastamento face a um primitivismo que ora grosseiro e violento, ora irracional
e incompreensvel, mas representa tambm a perda da ingenuidade infantil frequentemente
atribuda aos indgenas (Cunha, 2001, p.125).
Numa breve anlise das teses apresentadas neste congresso podemos constatar que estas
espelham aquilo que cientistas anglo-saxnicos procuravam demonstrar cientificamente
desde o sculo XIX em relao a outras minorias raciais e tnicas, e que, como j referimos,
incluam os Europeus do Sul, e especificamente os portugueses (e.g., Poteus e Babcock, 1925).
De salientar, no entanto, o seu carcter anacrnico j que grande parte das comunicaes
apresentadas se debruava na antropologia fsica (estudo do crnio, dos nervos, dos
msculos, da estatura, do ndice torcico, do ndice ceflico, do ndice esqueltico, do ngulo
de insero da orelha, etc.) e na biologia tnica (os grupos sanguneos dos indgenas, os
problemas causados pela mestiagem, etc.) numa altura em que noutros pases europeus e nos
EUA a antropologia fsica j era seriamente contestada. Esta tentativa de conhecimento das
caractersticas fsicas, psicolgicas e sociais dos diferentes tipos de indgenas visava sobretudo
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
um melhor aproveitamento da mo-de-obra disponvel no vasto imprio, e no um
reconhecimento da heterogeneidade dos diferentes povos.
Sintetizando alguns dos aspectos fundamentais do relacionamento da metrpole com os
povos dos territrios colonizados, podemos destacar: a negao do princpio da autonomia; a
misso de converter, ensinar e proteger o indgena; e a unidade do imprio. neste quadro
que se alicera o itinerrio de aco poltica especificamente orientado para as colnias,
atravs do qual se procura consolidar essa unidade, pela converso do indgena aos valores
imanentes alma humana (Cunha, 2001, p.105). Ao impor uma lngua, uma f e uma
histria superiores, Portugal fazia-os participar da sua prpria identidade rejeitando a
poltica de segregao, adoptada por outros pases coloniais (Vieira Machado, 1936).
Num trabalho com j alguns anos, Cunha procurou mostrar que a anlise do processo
colonial no plano poltico e cientfico insuficiente para compreender todo o fenmeno j que
em grande parte deixa na sombra a natureza das relaes sociais que o sustentam (Cunha,
1994, p.3). Com o objectivo de descortinar essas relaes sociais, isto , averiguar quais os
actores e quais os papis que a cada um cabe desempenhar para o sucesso do
empreendimento colonial, esse autor empreendeu uma anlise sobre A imagem do Negro na
Banda Desenhada do Estado Novo (Cunha, 1994).
Da anlise de revistas infantis (especialmente, o Papagaio e o Mosquito), procurou ter
em conta duas dimenses: a representao pictrica (a imagem das personagens) e a aco
desenrolada (o comportamento atribudo e/ou realizado pelas personagens). O objectivo foi
analisar as continuidades e as transformaes das representaes do negro que acompanharam
os acontecimentos histricos, ou seja, testar at que ponto estes condicionaram o modo de
representar o negro nesse universo particular das revistas infantis e juvenis. De salientar que a
caracterizao efectuada tende a sublinhar a coexistncia de duas imagens do negro, as quais
traduzem o suposto processo civilizador do Homem Branco: a transformao do negro
selvagem num negro civilizado, isto , assimilado. Mas os negros, mesmo quando civilizados,
surge(m) quase sempre em posio de subalternidade face ao branco (so frequentemente os
criados) ou, pelo menos, integrados numa disciplina que o colonizador define [...]
caracterizando-se antes de mais por uma fidelidade estrita ao seu patro (Cunha, 1994,
pp.27-28).
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
Ao nvel pictrico os elementos mais salientes da dicotomia selvagem - assimilado4 so:
o grau de nudez das personagens, oscilando entre a quase nudez e o uso de roupas claramente
modernas (p.27); e o contexto situacional que as envolve, a selva ameaadora ou o
contexto urbano, e mesmo quando este no existe o ambiente natural surge docilizado, como
por exemplo quando o africano nos surge protegido pelas misses (p.28). Mas sobretudo ao
nvel dos comportamentos que se opera a diferenciao.
A construo da especificidade identitria do negro acentua-se atravs do uso de
designaes em termos genricos (preto, selvagem, etc.). Quando so atribudos nomes s
personagens negras tambm notrio o reforo dessa especificidade, que efectuado ora
acentuando a marca distintiva da cor (Juca Alcatro, Neca Choa, Z Escarumba, Z Preto, Z
Pretinho, Farrusco, etc.5) ora invocando, ironicamente, o seu contrrio atravs do uso da
antonmia (Bola de Neve, Arminho, etc.) (p.30). Algumas expresses remetem ainda para a
esfera da animalidade (guerreiros selvagens, maus como escorpies, berro selvagem,
filho das matas, etc.) sendo estas acompanhadas de imagens onde negros e macacos
praticamente se no distinguem (Cunha, 1994, p.30).
A propsito da participao do negro na natureza indmita, de salientar uma
interessante ambiguidade:
se por um lado o negro surge enquadrado harmoniosamente com a natureza que o envolve [...] por
outro frequente apontar-se a sua inpcia para enfrentar as ameaas prprias da selva. Basta notar
como a aco dos brancos causa espanto e admirao [...], sendo mesmo solicitada quando a ameaa se
torna incomportvel pelos indgenas [...]. O negro [...] aparece sempre, mesmo quando no seu prprio
contexto, numa posio de inferioridade face ao branco, que munido de instrumentos e saberes que a
"civilizao" lhe forneceu, se mostra capaz de dominar com eficcia a natureza inspita que o negro
teme apesar de nela se inserir (Cunha, 1994, p. 30-31).
Ou ainda:
Impondo-se e dominando um meio natural que no o seu, o branco define as regras de acesso ao
que se apresenta como o saber justo e verdadeiro, aquele atravs do qual os comportamentos sociais se
devem orientar. A educao mostra-se o instrumento eficaz e necessrio, seno para o negro perder a
sua noo de inferioridade, pelo menos para aceder ao limiar da civilizao. Transformados pela
4 De referir ainda uma terceira categoria, transversal dicotomia selvagem/civilizado, a
representao caricatural ou grotesca em que o negro surge como veculo de comicidade (Cunha, 1994, p.27).
5 Esclarece-se que Escarumba significa pessoa de raa negra e Choa sinnimo de carvo.
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
educao surgem ento os pretos de alma branca [...], criaturas que, moldadas pelas misses, eram
capazes de cometer aces inesperadas atendendo sua raa por exemplo expressando bondade
espontnea e desinteressada (Cunha, 1994, p.31).
Porm, no tanto ao nvel tcnico que a educao expressa a sua mxima importncia,
mas na transformao espiritual: pela sujeio da alma ao rigor de uma disciplina
civilizadora, que o negro se liberta, quer dizer, que a alma se lhe branqueia (p.31). A
educao apresenta-se portanto como o meio indispensvel para aspirar a um novo nvel de
civilizao. A imagem positiva do negro surge frequentemente associada a uma boa
prestao escolar (por exemplo: Os quatro pretinhos espertos so muito aplicados na escola,
sempre sossegados e atentos s lies do professor), isto , est dependente da participao do
africano nos critrios de civilizao definidos pelo colonizador (Cunha, 1994, p.31-32).
Sintetizando, ao negro selvagem so associados traos negativos: agressividade
(associada aco guerreira); perigosidade (associada s prticas de feitiaria); voracidade
(associada ao canibalismo); e ainda inabilidade e ignorncia. Em contrapartida, ao negro
assimilado so associados traos positivos: prestabilidade, submisso, heroicidade,
esperteza/inteligncia e habilidade. De salientar que a inteligncia/esperteza s se expressa de
forma clara, ainda que restrita, pela participao no universo do Homem Branco (Cunha, 1994,
p.33-34). Assim, a construo de uma imagem positiva do negro um mero reflexo da
interiorizao de um modo de ser que definido num universo simblico comum, mas de
recursos polarizados para os diferentes actores (Cabecinhas, 2002, p.89).
De salientar ainda que a imagem do negro veiculada na banda desenhada infantil variou
em funo do perodo histrico. At ao incio dos anos quarenta predomina a imagem de:
um negro embrutecido, enredado em prticas perigosa e quase a-humanas, como a agressividade
gratuita ou o canibalismo. Quando no a agressividade a imperar os negros tendem a aparecer como
uma espcie de crianas grandes, facilmente controladas pela inteligncia do branco civilizado [...],
mas ainda nessa situao fica a ideia de uma inferioridade intransponvel, mas que parece residir mais
numa espcie de natureza racial, que o acesso educao apenas belisca sem jamais remover
(Cunha, 1994, p.80).
Antes da II Guerra Mundial predomina a imagem do negro selvagem, enquanto que
depois desta a do negro assimilado que predomina, acompanhando assim a mudana que se
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
efectuou a nvel internacional na perspectivao das diferenas raciais (de referir que
algumas das revistas correspondiam a tradues de edies estrangeiras). No ps-guerra
predomina uma imagem positiva do negro, ainda que esta dependa da aceitao dos valores da
civilizao, expressando-se esta aceitao na submisso e lealdade face ao branco.
Aparentemente a distncia entre o branco e o negro deixa de ser intransponvel, mas fica
condicionada submisso do segundo ao universo do primeiro. Pode assim dizer-se que em
nenhum destes momentos histricos se coloca em causa uma representao do negro marcada
pela dominao (Cunha, 1994, p.80).
De notar que a dicotomia entre os negros selvagens e os assimilados tem o seu
paralelismo com uma alterao do estatuto do indgena, introduzida legalmente pelo Decreto
de Lei n. 39 666 de 20 de Maio de 1954 que distinguia entre os indgenas e os assimilados:
Pode perder a condio de indgena e adquirir a cidadania o indivduo [de raa negra] que comprovar satisfazer as cinco condies: 1) Ter mais de 18 anos; 2) Falar correctamente a lngua portuguesa; 3)
Exercer uma profisso, uma arte ou um ofcio que lhe d um rendimento necessrio sua subsistncia e
de seus familiares ou das pessoas que esto a ser cargo; 4) Ter bom comportamento e ter adquirido a
instruo e os hbitos pressupostos para a aplicao integral do direito pblico e privado dos cidados
portugueses; 5) No ter sido considerado refractrio no servio militar ou desertor (Art. 56; citado por
Barradas, 1991, p.74).
Nesse sentido, o cumprimento das exigncias feitas a quem quisesse adquirir o estatuto
de assimilado e dessa forma a cidadania, obrigaria o candidato a participar do universo
cultural do colonizador, dir-se-ia mesmo que a integrar-se nele (Cunha, 1994, p.19) Se se
considerar a figura do assimilado como um elemento de aferio do sucesso da misso
civilizador do colonialismo portugus, fica clara a sua ineficcia, visto que a percentagem de
assimilados era bastante reduzida.
Por exemplo, em Angola, segundo os censos de 1940 e 1950 a percentagem de negros
assimilados era apenas de 0,7% (24 221 em 1940 e 30 089 em 1950). Esta percentagem era
bastante superior para os mestios: 82,9% (23 244) em 1940 e 88,8% (26 335) em 19506
(Bender, 1976/1980, p.216-218). Assim, a aquisio do estatuto era em grande medida uma
questo racial, j que a percentagem de assimilados entre os mestios era muito mais elevada
6 Segundo os censos de 1940 a populao total de Angola era constituda por 3 665 829 negros, 28
035 mestios e 44 083 brancos e nos censos de 1950 por 4 036 689 negros, 29 648 mestios, e 78 826 brancos (Bender, 1976/1980, p.216).
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
do que entre os negros. A distino entre indgenas e assimilados e a sua estreita ligao
com a questo racial poder estar na origem do desenvolvimento em Angola de uma
hierarquizao da cor da pele (preto retinto/negro, preto fulo/mulato/cabrito, etc.) com
grande impacto na estruturao social da sociedade e cuja influncia ainda visvel nos dias
de hoje (Delgado, 1997, p.19).
Luso-tropicalismo, propaganda colonial e multiracialidade da nao portuguesa
No ps-guerra verifica-se um estreitamento dos laos entre a economia de Portugal e a
das colnias africanas e a emigrao da populao da metrpole para os territrios de frica
ganha expresso significativa. Para tal ter contribudo o desenvolvimento econmico, a
melhoria das condies sanitrias nas colnias e a insistente propaganda da ideia imperial
levada a cabo pelos aparelhos ideolgicos do Estado Novo (Alexandre, 1999, p.141).
Por outro lado, a progressiva autonomia e independncia de pases anteriormente
colonizados por potncias europeias tornava o sistema colonial portugus cada vez mais
anacrnico e adensavam-se as ameaas externas sobre ele. Face a este novo contexto, o Estado
Novo procede a uma inflexo da sua poltica: em 1951 foram abolidas as designaes de
imprio colonial e de colnias, at ento utilizadas nos textos oficiais, sendo substitudas
pelas de ultramar e provncias ultramarinas. Estas provncias formariam com a metrpole
um Portugal uno do Minho a Timor (Correia, 1999, p.139). No entanto, manteve-se no
ultramar o estatuto dos indgenas que retirava grande maioria dos africanos o direito de
cidadania. Este s seria abolido em 1961, aquando de um conjunto de reformas efectuadas por
Adriano Moreira, entre as quais se destaca a abolio do trabalho obrigatrio (Alexandre,
1999, p.143).
Segundo Alexandre (1999), esta mudana jurdica e institucional corresponde adopo
do luso-tropicalismo como doutrina oficial pelo regime, teoria formulada pelo socilogo
brasileiro Gilberto Freyre (1933/1992). Analisando a formao da sociedade brasileira, Freyre
realava os efeitos benficos do processo de miscigenao biolgica e cultural que ocorrera na
Brasil, valorizando o papel dos portugueses nesse processo dada a sua predisposio para lidar
com os povos dos trpicos:
"A singular predisposio do portugus para a colonizao hbrida e escravocrata dos trpicos, explica-
a em grande parte o seu passado tnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a frica.
Nem intransigentemente de uma nem de outra, mas das duas (Freyre, 1933/1992, p.80).
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
O passado histrico dos portugueses explicaria tambm o carcter religioso e no
etnocntrico da colonizao portuguesa, transmissora de valores universais e no
especificamente nacionais (Alexandre, 1999, p.142). O resultado final da presena de
Portugal nos trpicos seria a criao de uma civilizao luso-tropical fundada na fuso de
elementos dos vrios povos.
Apesar de ser conhecida em Portugal j nos anos 30, a teoria do luso-tropicalismo foi, na
altura, recebida com reservas pelo regime devido, por um lado, sua apologia da mestiagem7
e, por outro, porque a noo de fuso dos contributos culturais das diversas raas no se
coadunava com o quadro conceptual, ao tempo dominante em Portugal, que se fundava na
oposio entre povos civilizados e povos primitivos ou selvagens (Alexandre, 1999,
p.142). Como este autor salienta, num contexto poltico e social europeu onde o princpio da
assimilao fora substitudo por uma cada vez maior autonomia e mesmo independncia, era
fundamental encontrar justificao para a conservao de um distinto relacionamento de uma
metrpole com os espaos africanos que tutelava. O luso-tropicalismo apresentou-se ento
como o instrumento adequado afirmao da especificidade que o colonialismo portugus
necessitava. De recordar que ainda nos anos quarenta o discurso dos responsveis polticos era
marcado pelo desejo de contrariar a miscigenao. Por exemplo, Marcelo Caetano afirmava em
1945:
"Num s ponto devemos ser rigorosos quanto separao racial: no respeitante aos cruzamentos
familiares ou ocasionais entre pretos e brancos, fonte de perturbaes graves na vida social de europeus
e indgenas e origem do grave problema de mestiamento, grave, digo, seno sob o aspecto biolgico,
to controvertido [...], ao menos sob o aspecto sociolgico" (1945; citado por Barradas, 1991, p.73).
A partir dos anos 50 assiste-se a uma notria transformao na nfase com que a relao
do colonizado-colonizador pensada e enfatiza-se a multiracialidade:
7 Quanto miscibilidade, nenhum povo colonizador, dos modernos, excedeu ou sequer igualou
nesse ponto os portugueses. Foi misturando-se gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro contato e multiplicando-se em filhos mestios que uns milhares apenas de machos atrevidos conseguiram firmar-se na posse de terras vastssimas e competir com povos grandes e numerosos na extenso de domnio colonial e na eficcia da ao colonizadora. A miscibilidade, mais do que a mobilidade, foi o processo pelo qual os portugueses compensaram-se da deficincia em massa ou volume humano para a colonizao em larga escala e sobre reas extensssimas (Freyre, 1933/1992, p. 84). Mais frente acrescenta: a mulher mulata tem sido a preferida dos portugueses para o amor, pelo menos para o amor fsico. [...] Com relao ao Brasil, que o diga o ditado: Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar (p.85).
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
"A maneira de ser portuguesa, os princpios morais que presidiram aos descobrimentos e colonizao
fizeram que em todo o territrio nacional seja desconhecida qualquer forma de discriminao e se
hajam constitudo sociedades pluriraciais, impregnadas do esprito de convivncia amigvel, e s por
isso pacficas" (Salazar, 1961, p.18).
A demonstrao da especificidade portuguesa constitua um dos pilares fundamentais
para sustentar a conservao de um modelo de colonizao cada vez mais desajustado das
prticas seguidas por outros pases europeus. Mal acabou a II Guerra Mundial o governo
portugus procurou apagar da legislao os indcios mais evidentes de discriminao racial
(Alexandre, 1999). Porm, a representao do negro mudou mais superfcie que em
profundidade, tendo permanecido o paternalismo, que devia continuar a ser exercido sobre os
povos das provncias ultramarinas (Cunha, 1994, p.22).
A ecloso das guerras coloniais nos territrios africanos (Angola, 1961; Guin-Bissau,
1963; Moambique, 1964; ver Correia, 1999), ter conduzido acentuao do recurso ao mito
do luso-tropicalismo pelo regime e introduo de reformas importantes que, no entanto, no
tiveram grande expresso no terreno (Alexandre, 1999, p.143).
Colonianismo, luso-tropicalismo e as desigualdades raciais na perspectiva dos africanos
Vamos agora referir brevemente alguns depoimentos de Mrio Pinto de Andrade e
Agostinho Neto, antes do eclodir das guerras coloniais, sobre a forma como estes dirigentes
nacionalistas das ex-colnias portuguesas percepcionaram o colonialismo portugus. Nos
escassos documentos a que tivemos acesso evidente uma crtica ao terreno movedio da
luso-tropicalogia (Pinto de Andrade, 1958/2000, p.43) e uma constante referncia aos
malefcios do processo de assimilao a que foram sujeitos os povos africanos (Cf. Pinto de
Andrade, 1958/2000, 1961/2000; Neto, 1959/2000). Por exemplo, Pinto de Andrade refere:
No caso portugus a assimilao traduziu-se sempre praticamente por uma desestruturao dos
quadros negro-africanos e a criao de uma elite, quantitativamente reduzida. Ela apresenta-se como a
receita mgica que conduziria o indgena depois das trevas da ignorncia at luz do saber. Uma forma
de passagem do no-ser ao ser cultural, para empregar a linguagem hegeliana (1961/2000, p.58).
Mais adiante, salientando a perda de autenticidade dos povos africanos, refere:
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
O peso do assimilacionismo sofrido por todos pesava sobre os ombros. Com efeito, no somente nos
dvamos conta de todo o artifcio da nossa formao intelectual mas igualmente da dificuldade para
nos encontrarmos a repensar pelos nossos prprios meios os valores negro-africanos. Era preciso rasgar
o vu que nos obnubilava, para permanecermos ns mesmos (1961/2000, p. 63).
Na mesma linha de ideias, Agostinho Neto (1959/2000) critica o facto de as lnguas
tradicionais no serem faladas nas escolas nem nos meios de comunicao social, apenas
encontrando guarida em sorridentes e paternais caadores do extico (p. 49), fazendo com
que a cultura angolana no se possa desenvolver. E acrescenta:
mais triste que espantoso que uma grande parte de ns, os chamados assimilados, no sabe falar
ou entender qualquer das nossas lnguas! E isto tanto mais dramtico quanto certo que pais h que
probem os filhos de falar a lngua dos seus avs. claro, quem conhece o ambiente social em que
estes fenmenos se produzem e v dia a dia o desenvolvimento impiedoso do processo de
coisificao no se admirar de tanta falta de coragem. Este desconhecimento das lnguas que impede
a aproximao do intelectual junto do povo cava um fosso bem profundo entre os grupos chamados
assimilados e indgenas (1959/2000, p. 51).
Agostinho Neto salienta que a assimilao um processo complicado e sempre
doloroso visto que:
o assimilado um indivduo que se encontra entre dois mundos. Desenraizado, sem laos que o
unam ao seu povo, sem a sua lngua, sem os meios de realizar a sua vida conforme a sente, no se
encontra tambm no mundo europeu, cujos costumes adoptou, cuja lngua fala, cujos hbitos pratica,
sem que todas essas caractersticas culturais sejam de facto sentidas, sem que faam parte do seu eu
(1959/2000, p.52).
Mas seria esta perspectiva crtica do luso-tropicalismo e da colonizao portuguesa
patente nos discursos dos lderes nacionalistas africanos partilhada pelos africanos em geral
durante este perodo? A resposta a esta questo muito difcil, dada a exiguidade das fontes de
que dispomos. A ttulo meramente ilustrativo vamos referir algumas cartas dos leitores
publicadas na Voz Africana8, entre 1962 e 1970, compiladas em livro por Jos Capela
(1971/1974)9.
8 Jornal peridico moambicano publicado em lngua portuguesa, dada a proibio de publicar nas lnguas locais, sem autorizao prvia, o que limitava seriamente a participao dos africanos, como ilustra o seguinte testemunho: Fiquei muito satisfeito com o jornal Voz Africana mas tenho me dvida. Porque os nossos leitores no escrevem em lngua africana? Eu vejo as figuras dos africanos mas as palavras escrita em portugus; Quer dizer que a nossa lngua no se podem
22
Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
Como refere Capela, nas cartas os leitores discutem os assuntos e problemas do dia-a-
dia, sendo frequentes as crticas s injustias sociais e desigualdades raciais. Frequentemente
os leitores referem que so insultados nos locais de trabalho sendo tratados por pretos como se
no tivessem nome prprio10. A este propsito um leitor fornece uma reflexo interessante
sobre a problemtica das designaes raciais e o que elas significam:
Africano um indivduo nascido na frica, assim como um europeu, um indivduo nascido na
Europa. [...] Ora neste mundo de Deus e dos homens, h simplesmente quadro raas principais. Deus l sabe porque fez isso; mas deu a cada uma das raas um Vasto Territrio, que chamado pelos homens,
de Continente. Africano deu a frica, europeu deu a Europa, Asitico deu a sia e Americano deu a
Amrica. [...] Temos agora um problema, de (preto e branco). Raa africana o que tem a pele escura, cabelos em carapinhados, etc. e europeu o que tem a pele clara, cabelos coridos e compridos, etc.
Sentimos ser ofena [chamar preto] porque mesmo o nativo africano, no to preto como muitos europeus exageram; assim como um europeu, no to branco como se julga. [...] Para evitar dessabor sentimentos de muitos, e haver agrado a todos, na famlia Portuguesa, era conveniente esquecermos
estas duas purnncias, de (preto e branco). Acho que ficava muitssimo bem, chamar s africano e
europeu, conforme a diviso como Deus tinha determinado (in Capela, 1971/1974; pp.105-106).
Relativamente s desigualdades raciais as maiores queixas prendem-se com os baixos
salrios, as arbitrariedades e a falta de condies para os negros controlarem os seus destinos
pessoais, como refere o leitor seguinte:
Meu querido menino neste mundo no h dinheiro para ns os pretos s para brancos e mulatos. Eu
estou a trabalhar numa casa sou casado com 4 filhos e tenho mais de 4 classe na mesma casa trabalha
um saloio sem classe nenhuma e ganha o dobro do meu vencimento com direito casa eu tenho casa
alugada, preto no mundo portugus no tem valor o que dizes sobre a cidadania que hoje esta para toda
a gente at as galinhas isto tampa para o preto se s assimilado no ganhas como assimilado mas o
saloio vem l donde vem ganha o triplicado dum estudante preto e se falares vai preso pela Pide tudo
pela nao nada contra a nao neste mundo no h nada para o preto. [...] Meu menino neste mundo s
escrever-se? No era melhor cada leitor escrever a sua lngua? [...] Temos vrias lnguas; chiteve, chimanhica, changana, chinhambane, chissena, echuabo, etc., etc. Se cremos escrever nos jornais como o Dirio de Moambique e Notcia, podemos escrever em lngua portugus, mas no Voz Africana, para nos africanos sempre podemos-nos falar nossas histrias em lngua africana (in Capela, 1971/1974, pp.137-138). 9 Na compilao das cartas foram respeitadas com exactido a ortografia, a sintaxe e a pontuao
originais. Infelizmente as datas em que foram publicadas as cartas no constam da compilao. 10 Relatando um caso em que um trabalhador foi insultado pelo encarregado por estar a falar com um colega, um leitor refere o seguinte: Disse ele para o trabalhador seu filha da P. Preto de merda macaco co o que estais a falar com aquele co amigo como voc bicho (in Capela, 1971/1974, p.92).
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
h propaganda e ameaas e mortes nos calabouos h prises neste mundo nem deixam entrar os padres
para poder falar com cristos dizem que no nosso governo no h distino racial isto pura mentira
no h no beber e nas nossas filhas mas no trabalho no saloio h grande diferena. Todo o preto tem
que chorar para pai do Cu que ele no tem escolha [...]. Em nome dos padres pretos peo que publique esta carta no vosso jornal pelo amor de Cristo men (annimo in Capela, 1971/1974, p.135).
Outro leitor, relatando como perdeu o emprego por ter ficado cinco dias doente, denuncia
a facto de os negros serem tratados como animais, aspecto presente em inmeros
testemunhos:
sai por motivo de doente de lombrigas passei 5 dias at melhorar quando fui apresentar ao servio
tinha encontrado o rapaz a trabalhar no meu lugar ainda eu pedi licena ao patro at fiz contrato com
ele mas no pensa nada disso s pensa mandar emboras. [...] verdade todos os europeus no confiaram-nos que os Africano tambm sentem qualquer coisa de doi, nada esto pensar de ns
parecido como animais sobre nosso cor negro por isso que no temos valor com os europeus porque
eles tm cor branco (in Capela, 1971/1974, p.95).
No entanto, a maioria das crticas dos leitores recai sobre os mistos, dado o desprezo
por estes em geral manifestado para com a sua ascendncia negra (Capela, 1971/1974, p.10).
Por exemplo, um leitor refere o seguinte:
E quanto ao dio que o sr. se refere que o preto que odeia o misto, por ser filho de branco, pois o
contrrio, o misto que odeia ao preto, repare bem; por isto: Nos grandes Pases do Mundo, o preto
sobressai mais que o misto, uma cor pura, genuna, por isso h grande perferncia nela. Sabe-se de
fonte limpa, que o preto feito por outro preto igual e uma preta, digamos: Casal preto, ao passo que o
misto, no, ou o pai branco, a me preta, ou preto e a me branca ou mista. O misto no
reconhecido pelo pai, nunca amigo dos brancos, odeia a me por ser preta, e odeia o pai, por ter-se
metido com uma preta, de contrrio, teria a cor do pai. (in Capela, 1971/1974, p.104).
Por seu turno, os mestios e/ou assimilados procuram demarcar-se dos pretos e
apresentam as razes de tal demarcao:
eu sou portugus, porque a terra em que nasci portuguesa, e sou assimilado. Conheo algumas
razes que nos fazem negar da nossa raa. o seguinte: os brancos ou que seja os europeus, procuram
sempre o esforo de nos civilizarem e mantermos como gente, mas teimosamente ns negamos a ideia.
Negamos pois, porque no cumprimos as ordens. Quantas e quantas vezes somos considerados como
animais, pelos nossos maus efeitos. Somos verdadeiramente animais, pois que o servio que
executamos dos prprios animais. No somos civilizados quanto civilizao e quanto higiene
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
andamos muito porcos. E os outros nem querem trabalhar, confiante somente no roubo, arrancar aos
que trabalham, etc. Porm, o assimilado que conhece o que civilizao, no lhe convm se manter no
grupo dos incivilizados. como um que no gosta de se meter no grupo dos roubadores ou dos
bandidos, caso que no seja um desses. [...] ser assimilado no apenas para ganhar melhor como o amigo diz, no certamente, mas sim para facilitar as coisa. O amigo j sabe que no ter profisso
sem ser primeiro assimilado? E j sabe que no casa sem ser assimilado? (in Capela, 1971/1974,
p.145).
Mas, como denuncia o leitor seguinte, os caminhos da civilizao so muito difceis de
trilhar para quem se encontra em to precrias condies:
Eu estou a trabalhar na Beira a ganhar 400$00. Mas tenho famlia, quero pagar imposto [...]. Eu digo que por isso os outros no pagam imposto porque recebem pouco, alm de recebermos pouco
dinheiro os impostos j foram aumentados j so 290$00 a 400$00 quanto que fica? Renda da casa
so 120$00 comida gasto 200$00 por ms e quero tambm vesturios chega esse dinheiro? por isso
os outros ficam nos caminhos a bater um a outro e outros roubam sobre isso pode passar dia inteiro a
sofrer fome logo pensa ir roubar. E os portugueses esto a nos obrigar a ser civilizados como podemos
ser civilizados, no temos meio de fazer civilizados (Muchanga, 19 anos, dactilografo in Capela,
1971/1974, p.114).
Identidade nacional e representaes do negro: universalidade versus especificidade
A partir dos materiais analisados e das snteses fornecidas pelos autores que citamos
torna-se claro que os traos atribudos aos negros remetem para uma forte ligao natureza:
so crianas grandes, incapazes de dominar os seus impulsos e de tomar conta de si prprios
e, embora possam manifestar certa esperteza, so privados de inteligncia. A imagem dos
negros oscila entre a atraco do extico (o batuque, as danas, os corpos sensuais) e a repulsa
(agressivos, perigosos, feiticeiros, com uma sexualidade descontrolada). Quando assimilados,
isto , dominados e disciplinados, manifestam alguns traos positivos, mas estes s se
expressam pela sua submisso ao sistema de valores do Homem Branco, a sua dependncia e
obedincia. So-lhes destinados papis subordinados, ligados execuo e no concepo de
algo, uma vez que podem imitar mas so incapazes de criar. Os negros so considerados
essencialmente como fora de trabalho, mas tambm podem ser fonte de divertimento e
entretimento para o Homem Branco.
Sintetizando, estaramos perante seres limitados a um modo de ser especfico, que
mesmo depois de civilizados, permaneceriam fora da histria universal (Amncio, 1998;
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
Chombart de Lauwe, 1983-1984; Guillaumin, 1972). De salientar ainda que segundo a
ideologia vigente durante o Estado Novo estaramos perante raas inferiores, por essncia e
no por acidente histrico sendo parte delas votadas extino, por insusceptveis de
aperfeioamento (Alexandre, 1999; itlico nosso).
Bem diferente a representao sobre os portugueses expressa pelos autores que durante
este perodo se dedicaram a descrever a identidade nacional (e.g., Dias, 1950/1990; Leo,
1960/1992). Por exemplo, Jorge Dias define a personalidade base do povo portugus da
seguinte forma:
"o portugus um misto de sonhador e de homem de aco, ou melhor, um sonhador activo, a que
no falta certo fundo prtico e realista [...]. O portugus , sobretudo, profundamente humano, sensvel,
amoroso e bondoso, sem ser fraco. No gosta de fazer sofrer e evita conflitos, mas, ferido no seu
orgulho, pode ser violento e cruel. [...] fortemente individualista, mas possui um grande fundo de
solidariedade humana. O portugus no tem muito humor, mas um forte esprito crtico e trocista e uma
ironia pungente (Dias, 1950/1990: 145-146).
Assim para Jorge Dias a singularidade do portugus define-se essencialmente pela
versatilidade de carcter que, como salienta Moutinho, tem como preocupao no deixar
nada de fora (1980, p.90). Especial importncia dada extraordinria capacidade de
adaptao dos portugueses, que explica o carcter sui generis da colonizao portuguesa:
H no Portugus uma enorme capacidade de adaptao a todas as coisas, ideias e seres, sem que isso
implique perda de carcter. [...] curioso que o Portugus se adapta a outro ambiente cultural to bem
que parece ter sido assimilado [...]. A capacidade de adaptao, a simpatia humana e o temperamento
amoroso so a chave da colonizao portuguesa. O portugus assimilou adaptando-se. Nunca sentiu
repugnncia por outras raas e foi sempre relativamente tolerante com as culturas e religies alheias
(Dias, 1950/1990, p.156).
De salientar que para Jorge Dias esta maleabilidade no significa negar ou sequer
diminuir as singularidades do povo portugus. Na mesma linha de ideias Cunha Leo refere-se
nao portuguesa, to permevel ao universo como universalizante (Leo, 1960/1992,
p.149). Para este autor a valorizao do que alheio nao traduz uma plasticidade nica,
que permite a adaptao sem que o indivduo se dissolva (1960/1992, p.187). Assim, o gosto
pelo que estranho e extico nada tem de ameaador para a identidade nacional, traduzindo-
se, pelo contrrio, em realizaes histricas. Para este autor o povo portugus teria propenso
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
para deixar a sua marca no mundo: O nosso povo s rende na justa medida do seu valor, se
possudo do esprito de misso. Quando pode ultrapassar-se em algo de nobre e universal
(Leo, 1960/1992, p.138).
Para Jorge Dias a mentalidade complexa dos portugueses resulta da combinao de
factores diferentes e, s vezes, opostos (Dias, 1950/1990: 146). Para o autor este
temperamento paradoxal explica os perodos de grande apogeu e de grande decadncia da
histria portuguesa (Dias, 1950/1990: 146). De notar ainda que esta sntese de contrrios d
origem a um quadro excessivamente heterogneo (Dias, 1961, p.121; sublinhado nosso).
Podemos destacar duas ideias muito recorrentes durante o Estado Novo sobre a
identidade nacional: por uma lado, a especial capacidade de adaptao dos portugueses e, por
outro, a complexidade da sua maneira de ser. Se o objectivo dos autores analisados
apresentar Portugal como entidade singular e inconfundvel (Cunha, 2001, p.58), constata-se
tambm o gozo da diferena (Loureno, 1990, p.10). Assim, a originalidade dos
portugueses parece definir-se pelo seu carcter universal e transcultural (Cunha, 2001, p.70).
A universalidade dos portugueses (cujas caractersticas lhes permitem mltiplas formas
de realizao e de expresso), ope-se especificidade dos negros (cujas caractersticas lhes
impe um destino comum e indiferenciado). Este , na nossa opinio, o elemento fundamental
do sistema simblico que estamos a analisar:
Enquanto aos portugueses so abertos todos os caminhos e diludas todas as fronteiras, aos outros (os
negros) destinado um papel especfico num lugar com fronteiras bem delimitadas [...]. Assim a complexidade dos portugueses ope-se simplicidade dos negros, e a heterogeneidade dos primeiros
homogeneidade dos segundos (Cabecinhas, 2002, p.98).
A revoluo de 25 de Abril de 1974 provocou mudanas profundas na poltica interna e
externa portuguesa. O fim da guerra colonial e a descolonizao tornou-se um dos imperativos,
sendo frequentes as manifestaes de ruas gritando o slogan nem mais um s soldado para as
colnias (Vieira, 1999, p.171). As negociaes para o reconhecimento da autonomia dos
diversos territrios comearam de imediato, tendo sido reconhecida a independncia das
diversas ex-colnias africanas entre 1974 e 1975: Guin-Bissau (10 de Setembro de 1974;
tinha sido proclamada unilateralmente em 1973, mas no reconhecida por Portugal),
Moambique (25 de Junho de 1975), Cabo Verde (5 de Setembro de 1975), So Tom e
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Rosa Cabecinhas Colonialismo, identidade nacional e representaes do negro
Prncipe (12 Setembro de 1975), e Angola (11 de Novembro de 1975). (ver Correia, 1999 para
uma reviso detalhada).
A soberania indiana sobre Goa, Damo e Diu, integrados na Unio Indiana a 17 de
Dezembro de 1961, foi reconhecida em 15 de Outubro de 1974. O enclave de Macau
continuou sob administrao portuguesa at 20 de Dezembro de 1999, altura em que foi
devolvido China. Quanto a Timor-Leste, a 28 de Novembro a Fretilin proclama
unilateralmente a independncia, mas a 7 de Dezembro a Indonsia anexa o territrio, que
passa a ser considerado a sua 27 Provncia. Esta anexao nunca ser reconhecida por
Portugal (que corta relaes diplomticas com a Indosnia) nem pela ONU. Em consonncia
com os resultados de um referendo promovido pela ONU, Timor-Leste viria a tornar-se um
Estado Independente a 20 de Maio de 2002.
Na opinio de Miranda (2001, p. 15) a perda das ex-colnias no feriu a imagem
nacional e Loureno (1990, p.22) refere que estamos perante uma estranha permanncia no
seio da mudana porque o imprio permanece no nosso imaginrio. Na mesma linha de
ideias, Alexandre (1999, pp.143-144) considera que o mito do luso-tropicalismo no se
dissipou com a queda do Imprio, continuando a circular de forma difusa. Segundo o autor
esta persistncia deve-se, por um lado, ao peso avassalador dos aparelhos ideolgicos do
Estado Novo na formao das mentalidades, com consequncias a longo prazo e, por outro,
ao paralelismo entre o luso-tropicalismo e algumas das ideias de fundo do nacionalismo
portugus (a capacidade colonizadora, a faculdade de relacionamento harmonioso com os
povos de outras raas, a misso civilizadora do pas).
At que ponto a imagem do negro que se construiu durante o perodo colonial continua
presente nas representaes dos jovens portugueses de hoje, nascidos depois de Abril de 1974?
At que ponto os traos associados ao povo portugus e aos negros persistem? At que ponto
as antigas dicotomias continuam a estruturar o pensamento colectivo? At que ponto as
fronteiras simblicas permanecem? Esse o assunto de um prximo artigo.
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