COMUNICAR E EXPRESSAR-SE: uma questão Neurocientífica e de Direitos Humanos
ARTERO, Tiago Tristão1 [email protected]
LIMA, Cláudia Araújo de2 [email protected]
Resumo
Este trabalho traz a tona o direito de comunicar-se e de expressar-se, direito fundamental que deve ser garantido para que o indivíduo esteja incluído na sociedade. Em especial, será abordada, à luz da neurociência e dos direitos humanos, a inserção dos surdos e sua participação no ambiente escolar e na sociedade, bem como as adaptações orgânicas e nas relações sociais necessárias à sua real inclusão. Para tanto, serão mencionados fatores ligados ao desenvolvimento durante a idade escolar e a relação de um ambiente inclusivo com as necessidades de aprendizagem e comunicação dos indivíduos, em suas diversas possibilidades.
Palavras-chave: libras, língua, neurociência.
1 ARTERO, Tiago Tristão. Graduado em Educação Física, Especialista em
Neuropsicopedagogia e Desenvolvimento Humano, A Saúde Pública com ênfase em Saúde da Família, Gestão Educacional. Professor EBTT do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul – Campus Corumbá.
2 LIMA, Cláudia Araújo de. Pedagoga. Doutora em Saúde Pública. Mestre em Saúde Pública. Mestre em Reabilitação e Habilitação de Pessoas com Deficiência. Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação - Área de Concentração: Educação Social/UFMS/Campus do Pantanal, Coordenadora e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares – NEPI/Pantanal – Observatório Eçaí: Educação, Saúde, Desenvolvimento e outros direitos humanos de crianças e adolescentes na fronteira Brasil e Bolívia.
1. Neurociência e comunicação
Desde que o ser humano habita a Terra, ou seja, desde seu surgimento, os
processos educativos existem. Longe do que seria uma educação formal – ainda distante
das fragmentações proporcionadas por uma educação que, muitas das vezes, afastam o
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indivíduo de seu meio social – a educação, em seus primórdios, ocorria de maneira
funcional. Na maioria das vezes, os processos educativos eram voltados para a
sobrevivência, para a obtenção de alimentos e para a segurança física – na busca de
abrigos que protegiam o ser humano de predadores e das intempéries climáticas. O
aprendizado ocorria por meio da observação e da comunicação entre os indivíduos – em
suas mais variadas formas.
Assim a humanidade avançou, sobretudo quando buscou meios de desenvolver
a coletividade. Para tanto, o ser humano utilizou-se das interações sociais para
comunicar-se e desenvolver meios mais sofisticados de organização. A presente
reflexão vai ao encontro de entender alguns aspectos do desenvolvimento humano
voltados à compreensão de que todos possuem o direito de aprender e de se
desenvolver. Quando falamos em todos, podemos nos referir à compreensão fornecida
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que versa em seu artigo 1º que
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, estando incluídos na
compreensão de “todos”, os indivíduos com necessidades diferenciadas de
aprendizagem.
Sem entrar no mérito de que os meios de organização social são melhores ou
piores do que os existentes nos séculos anteriores é preciso entender se existem avanços
na legislação e na efetividade das ações nesta área e se os recursos humanos e
financeiros estão de acordo com a construção de uma sociedade inclusiva. Permitir que
um deficiente auditivo ou surdo desenvolva sua inteligência, significa colocá-lo em
contato com o ambiente social que o rodeia, e isto exige “comunicar-se”. A contribuição
que a neurociência viabiliza é fundamental no que concerne ao estudo do cérebro e das
diversas possibilidades para a promoção de estímulos que impactem no
desenvolvimento cognitivo – independentemente da limitação orgânica existente em um
indivíduo.
No caso do deficiente auditivo, o desenvolvimento de um vocabulário (mesmo
que em muitos casos, por meio de símbolos gestuais) é primordial. O direcionamento
dos processos atencionais (tipos de atenção) e a aquisição de memórias permitem a
obtenção de um arcabouço de conhecimentos são imprescindíveis para que um
indivíduo se comunique a partir de determinada linguagem, independentemente se esta
linguagem é oral ou realizada por sinais.
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Para entender a importância da comunicação e as mudanças neurológicas
decorrentes da aquisição de uma linguagem, é preciso conhecer algumas características
do funcionamento do cérebro quando solicitado para este fim e, também, a relação que a
linguagem possui com o desenvolvimento humano, como um todo.
O desenvolvimento da memória semântica se relaciona ao uso da linguagem e
é, segundo Tulving (1983, p. 21), uma espécie de “dicionário mental”, age “a respeito
de regras, fórmulas e algoritmos para a manipulação dos símbolos, conceitos e
relações”. O autor ainda diz que a memória semântica é um “conhecimento organizado
que uma pessoa possui a respeito de palavras e outros símbolos verbais, seu significado
e referentes”. Nesse sentido, cabe questionarmos o que seriam os símbolos verbais para
os deficientes auditivos. É certo que, para comunicar-se, utiliza-se de símbolos verbais e
de referências que permitam a comunicação entre os indivíduos.
Dessa forma, o cérebro de um deficiente auditivo teria que adaptar-se de
maneira diferente a de um indivíduo que possui integralmente a capacidade de utilizar a
audição. Para estes, o desenvolvimento ocorre de acordo com o que usualmente a
sociedade está habituada, já para aqueles, o desenvolvimento cognitivo da memória
semântica estará voltado, mais fortemente, à aquisição de uma linguagem gestual, que
permita a completa comunicação a partir de gestos e do potencial gramático decorrente
dos estímulos e oportunidades de aprendizagem (SACKS, 1990).
A respeito do desenvolvimento dos gestos e da sua respectiva ligação com o
desenvolvimento cerebral, Le Boulch (1984, p.24) dá ênfase à área da psicomotricidade
quando relata que “leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a
situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus
gestos e movimentos, ao mesmo tempo em que desenvolve a inteligência”. Todas as
dimensões citadas por Le Boulch, além de estarem visivelmente ligadas ao aprendizado
escolar, são elementos necessários para que haja a coordenação dos gestos e
movimentos.
Este tipo de habilidade gestual está inserido na memória de longo prazo
chamada memória procedimental (Tulving, 1983). Qualquer tipo de gesto,
procedimentos que envolvam ações motoras, mesmo que carregados de significados,
estariam condicionados ao desenvolvimento da memória procedimental. No caso
específico da língua de sinais, há uma ligação que não pode ser fragmentada entre
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memória procedimental e memória semântica. Enquanto os indivíduos que se
comunicam oralmente utilizam-se de uma ação motora restrita aos músculos da fala e
possuem um repertório semântico bastante extenso, aqueles que se comunicam por meio
de sinais necessitam utilizar-se da ação motora de uma maneira bastante intensa. Estes
últimos precisam, em alguns momentos, utilizar-se, não somente da motricidade fina,
mas, também, da global (ampla).
Qualquer ação educativa, quando bem idealizada, deverá pensar em todos os
indivíduos, nos que possuem dificuldades de aprendizagem, nos que possuem altas
habilidades, nos que necessitam de condições especiais, como o deficiente visual ou
auditivo, dentre outros. Assim versam diversos documentos, como a Declaração de
Salamanca (1994). Uma ação docente ou política pública que considere as últimas
pesquisas realizadas na área do desenvolvimento humano poderá ser relevante se
valorizar conhecimentos multidisciplinares, como, por exemplo, o avanço dos conceitos
de inclusão, da neuropsicologia, da neurociência, da pedagogia, da educação física,
dentre tantas outras áreas que podem de alguma forma, relacionar-se à aprendizagem e
inclusão social.
Uma ação docente ou política pública que despreze os avanços da educação
relega a segundo plano o aprendizado dos indivíduos que estão no papel de aluno ou
que estão no papel de docente. Considerar os avanços sociais como frutos de uma
organização social que está relacionada com o crescimento dos indivíduos é condição
para que as distintas fases do desenvolvimento humano (em suas diversas faixas etárias)
sejam trabalhadas em sua plenitude.
Há fases no desenvolvimento do ser humano que podem ser consideradas
fundamentais, por vezes chamadas de fases críticas ou janelas de aprendizagem.
Independentemente da terminologia a ser utilizada, cabe entender a importância de que
cada fase do desenvolvimento é única, como afirma Domínguez (1996) ao falar da
importância de expor um bebê surdo à língua de sinais, como forma de proporcionar
aspectos simbólicos e de compreensão de mundo, em especial, em períodos mais
favoráveis para determinadas particularidades do desenvolvimento. Estas
particularidades, no que diz respeito à aquisição de aspectos simbólicos, reforçam que
admitir o indivíduo em toda sua potencialidade implica em agir de maneira inclusiva,
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em cada fase do desenvolvimento, já que estes períodos mais favoráveis precisam ser
considerados em sua importância.
Se não forem corretamente estimuladas, estas fases podem ser retomadas
posteriormente, no entanto, em algumas vezes, com prejuízos no desenvolvimento
esperado. É importante notar que os parâmetros para o desenvolvimento esperado em
cada faixa etária é estabelecido a partir de uma média baseada em uma sociedade que
possui um comportamento social que permitiu ao ser humano se desenvolver – em
relação à linguagem, motricidade, atenção, memória, dentre outras capacidades. Este
desenvolvimento esperado necessita de um ambiente social que permita que essas
capacidades aflorem. Normalmente, não é esperado que um indivíduo, por exemplo,
saiba escalar uma árvore de grandes dimensões para fugir de predadores, porque esta
capacidade já não faz parte do cotidiano da grande maioria da humanidade. A própria
comunicação, que permite ao ser humano manter-se vivo, aprender e socializar meios de
trabalho se dá de maneiras distintas em diversas faixas etárias, regiões do globo e
exigem capacidades perceptivas diferentes de acordo com o tipo de comunicação
praticada.
Um exemplo simples pode ser dado em relação à evolução de uma forma de
comunicação existente na modalidade esportiva futebol. Quando da chegada ao Brasil,
o futebol possuía muitos termos e frases que eram pronunciadas em inglês – por conta
de ter sido uma modalidade importada da Inglaterra. À medida que os brasileiros
apropriaram-se deste esporte, puderam inserir outros recursos de comunicação com
palavras em português e gestos que eram realizados em momentos que a comunicação
oral não era possível ou não era conveniente. Esta comunicação gestual tinha
significados específicos para cada mensagem à qual se intentava passar ao companheiro
da mesma equipe (jogadores e técnico).
Para que a comunicação por meio de gestos fosse possível entre os jogadores, a
região responsável pela audição não era solicitada, mas sim a capacidade visual.
Portanto, o processamento da informação não era realizado da maneira usualmente
costumeira quando a comunicação era somente verbal. Isto exigia dos jogadores uma
consciência corporal associada à mensagem que se procurava transmitir e, exigia
também, que os diversos tipos de atenção fossem mobilizados para a compreensão da
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mensagem. Neste sentido a neurociência, em especial, a neuropsicologia pode oferecer
diversas contribuições.
É possível citar alguns tipos de atenção, como a atenção seletiva, sustentada,
alternada e dividida (Sternberg, 2000). Os tipos de atenção envolvidos durante a
comunicação por meio de gestos podem ser similares àqueles utilizados a partir da
comunicação oral, no entanto, o aspecto visual deverá estar presente de maneira
constante para que a atenção seletiva despreze outros estímulos visuais do ambiente e
possa selecionar especificamente o gesto motor que está sendo executado.
Simultaneamente a esta característica, a atenção sustentada será solicitada para que o
indivíduo permaneça atento à mensagem que está sendo transmitida. Ao executar uma
atividade motora (como, por exemplo, a corrida durante o futebol) simultaneamente a
um gesto motor transmissor de uma mensagem, uma das duas ações deverá estar sendo
executada de uma maneira mais automatizada, visto que o foco da atenção do ser
humano direciona-se a uma atividade por vez, a menos que uma delas esteja sendo
executada em um formato mais automático. Um exemplo disso é quando estamos
dirigindo e, ao prestarmos atenção no trânsito, realizamos movimentos de troca de
marcha sem necessariamente focarmos nossa atenção para esta ação motora. Por certo,
para que uma ação motora seja realizada de maneira eficiente, é preciso que faça parte
do repertório de conhecimentos de uma pessoa, ou seja, que faça parte do conhecimento
procedimental, contido na memória de longo prazo.
Os aspectos atencionais possuem íntima relação com o córtex pré-frontal,
responsável pela modulação do comportamento. Por ser uma das últimas regiões a se
desenvolver, o córtex pré-frontal ainda não está totalmente pronto durante o período da
adolescência – o que mostra a importância de prover as crianças e jovens de estímulos e
oportunidades de uma aprendizagem que desenvolva um senso crítico. O córtex pré-
frontal, além de modular o comportamento, seleciona estímulos dentre outros presentes
no ambiente (Gazzaniga MS, Heatherton, 2005). Portanto, diferente da comunicação
verbal, momento em que, muitas das vezes não há contato visual, (sem que este fato,
necessariamente prejudique a comunicação), na comunicação baseada em gestos,
necessariamente, o foco da atenção deverá ser os gestos do comunicante. Neste caso, é
válido ressaltar o papel do córtex pré-frontal no controle da atenção.
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Para que as informações sejam trabalhadas da maneira esperada, processadas e
gerem uma resposta a memória de trabalho será solicitada. Será solicitada, portanto,
para que haja uma compreensão mais efetiva da mensagem sua consequente
memorização. A memória de trabalho faz parte da memória de curto prazo e possui um
papel essencial na aprendizagem, uma vez que armazena a informação por pouco
tempo, no entanto, o suficiente para que o indivíduo possa compreender e trabalhar com
a mensagem ou estímulo recebido (Baddeley e Hitch, 1974). O processamento da
informação se dará a partir das compreensão dos sinais motores emitidos (no caso da
língua de sinais) e não dos fonemas pronunciados (como ocorre na comunicação oral).
Mesmo que, muitas vezes, se defenda que o indivíduo deficiente auditivo, até
mesmo o que possui surdez, deva desenvolver a linguagem oral, o desenvolvimento da
língua de sinais e sua apreensão pelos que trabalham com o processo de ensino
aprendizagem é primordial. Dentre os indivíduos que trabalham com a aprendizagem
estão os professores, psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, dentre outros que, se
não incluídos neste tipo de linguagem, aumentarão a chance de um prognóstico de
dificuldades de aprendizagem (e/ou desenvolvimento da inteligência e dos aspectos
emocionais) dos deficientes auditivos. Quando a linguagem de sinais não é utilizada por
aqueles que trabalham com um deficiente auditivo, corre-se o risco de haver prejuízos
emocionais – fator importante na socialização de um indivíduo e na aquisição de
conhecimentos via interação social – e cognitivos. Como exemplo de acesso à
informação, uma palestra, uma entrevista ou, simplesmente, um programa de
entretenimento vistos na TV, para serem acessíveis ao deficiente auditivo necessitam
estar condicionados a um tradutor via língua de sinais.
O fator social é uma questão a ser levantada quando pensamos no
desenvolvimento humano como um todo e no desenvolvimento do cérebro, em
específico. Neste sentido, é preciso citar alguns aspectos presentes nas relações entre os
indivíduos, dentre eles, as emoções – em especial, a afetividade.
Piaget (1964) fala dos afetos instintivos e perceptivos na faixa etária dos 0 aos
2 anos de idade. Neste momento em que o ser humano sai de uma inteligência mais
prática para uma pré-representacional (carregada de imitações e símbolos), a interação
entre os indivíduos não pode ser deixada de lado. Em especial, porque o uso da imitação
e a formação dos símbolos dependem de uma maneira bastante significativa da
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linguagem. A respeito desta fase do desenvolvimento, cabe aventarmos que, muitas das
vezes, a deficiência auditiva passa despercebida, fator que prejudica o uso de estímulos
corretos no processo de aprendizagem.
A partir dos 02 anos, até, aproximadamente os 06 anos de idade a criança passa
por uma fase marcada pelo egocentrismo, de acordo com Piaget (1964) – ele a define
como uma fase de afetos intuitivos. Nesta faixa etária, como a comunicação oral já é
esperada, é possível perceber se a criança está se desenvolvendo de acordo com o que é
esperado pela sociedade. Neste momento podemos levantar algumas incoerências
corriqueiramente praticadas. Ao mesmo tempo em que se espera que uma criança esteja
com sua linguagem oral bastante desenvolvida, pouco ainda é feito para aquelas que
necessitam de uma condição diferenciada para seu desenvolvimento – como é o caso
das crianças com deficiência auditiva. A característica egocêntrica (necessária nesta
faixa etária) da criança deverá se manifestar em uma situação de convívio social, fator
que será proporcionado de maneira plena para o deficiente auditivo se ele, efetivamente,
estiver incluído afetivamente na sociedade.
Para Wallon (1995) o desenvolvimento da inteligência nos primeiros anos de
vida possui uma dependência bastante relevante de um indivíduo com outro. O
pensamento ainda é, eminentemente, sincrético. Conforme a criança vai se
desenvolvendo, a interação com outros indivíduos permite o contato com elementos
culturais importantes para a construção de sua personalidade. Em Wallon (1995) , é
possível entender a construção de um pensamento conceitual permitirá realizar
categorizações e fazer com que uma pessoa diferencie seu pensamento (e suas vontades)
do pensamento de outro indivíduo. Caso uma criança não disponha de um contato
significativo com seu meio social, em especial no que diz respeito à comunicação, a
construção do pensamento conceitual poderá ser prejudicada.
A partir dos 07 anos, até aproximadamente os 11 anos, Piaget (1964) indica
que esta é uma etapa de afetos normativos. Em geral, as crianças argumentam, tomam
decisões coletivamente e realizam jogos de regra. Para isso, utilizam-se das emoções. O
adolescente, por sua vez, utiliza seu pensamento e sua linguagem para, de maneira
conotativa, sair da realidade, por conta de seu idealismo. O adolescente utiliza-se do seu
afeto para a construção de um sistema de ideias. Essa importante fase de construção de
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um pensamento crítico e da personalidade necessita, assim como todas as outras, da
linguagem.
Wallon (1995) destaca uma forma de manifestar-se afetivamente, por meio das
emoções. Dá ao movimento dimensões tanto expressivas, quanto instrumentais.
Especificamente na dimensão expressiva, é possível entender a importância da
comunicação como forma de expressão. Como forma de manifestar a inteligência,
Wallon dá ênfase à inteligência discursiva, ou seja, à fala. Mas, como desenvolver a fala
naqueles que não possuem as capacidades auditivas em pleno funcionamento?
Expressar-se para manifestar a inteligência é um pressuposto defendido por
vários autores. Raimundo Dinello (1996) dá ênfase à aprendizagem e crescimento do
indivíduo a partir das oportunidades que ele tem de expressar-se. Estar na sociedade, na
escola, no ambiente familiar – dentre tantos outros ambientes – poderá constituir-se
como oportunidade de desenvolvimento se o indivíduo não permanecer de maneira
passiva frente aos acontecimentos. Pelo contrário, necessita interagir, expressar-se, agir
ativamente. Isto pressupõe comunicar-se.
Não são somente os especialistas – na área de educação ou neuropsicologia –
atuais que defendem a importância da linguagem e da comunicação como forma de
interagir com o mundo, expressar-se e desenvolver-se. Também não são somente os
autores desta década que defendem que a linguagem do ser humano é condição tanto
para adquirir conhecimentos no âmbito formal (regular), quanto na dimensão informal
(fora do âmbito escolar). Vygotsky (2004) já colocava como pressuposto do estudo do
pensamento, o afeto e a interação entre os indivíduos. Destaca a linguagem como
instrumento de mediação, como forma de organizar o pensamento. No caso do
deficiente auditivo, quais prejuízos no desenvolvimento da inteligência e do cérebro
(como um todo) podem ocorrer caso a aquisição da linguagem seja ignorada?
Para exemplificar questões referentes ao desenvolvimento neurológico, basta
fazer uma análise do desenvolvimento de crianças que não foram corretamente
estimuladas em uma idade que, socialmente, convencionou-se como adequada para o
desenvolvimento da linguagem como um todo, da alfabetização e de atividades motoras
mais refinadas (relacionadas à escrita ou aos esportes). Quando visualizamos as
contribuições de teóricos como Vygotsky, Wallon, Piaget (dentre outros) e percebemos
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que enaltecem períodos de desenvolvimento cognitivo, afetivo e social, entendemos que
há uma espécie de consenso acerca da existência de um desenvolvimento esperado para
cada faixa etária (mesmo que não haja um consenso acerca do grau e do tipo de
desenvolvimento esperado para cada idade).
No entanto, as crianças que passaram por algum tipo de privação em seu
desenvolvimento – seja uma falta de estímulo às suas capacidades cognitivas, a
existência de algum distúrbio de aprendizagem e/ou de desenvolvimento, ou algum
comprometimento nas capacidades sensoriais, déficit na visão, audição, privação social
ou afetiva, dentre outros motivos – responderão de maneira diferente aos padrões
esperados, podendo, em alguns casos, produzirem adaptações que potencializam
algumas capacidades como forma de compensar algum prejuízo, reformulando, dessa
forma as redes neuronais (GOLDSTINE, 1972). Estas adaptações fruto de prejuízos de
ordem orgânico ou sociais poderão fazer com que a ação de uma pessoa no mundo seja
diferenciada.
Mesmo que os indivíduos que possuem limitações sensoriais produzam
algumas adaptações como forma de interagir com o mundo, as particularidades na
aprendizagem e no desenvolvimento social e cognitivo devem ser valorizadas. O mesmo
esforço que a sociedade fez e faz para inserir socialmente um indivíduo dito normal –
em relação à produção de formas de ensinar, construir móveis e imóveis, elaborar
materiais didáticos, organizar os espaços e facilitar as relações sociais – também deve
ser feito para prever na sociedade a participação dos indivíduos ditos “especiais”. É uma
questão de direitos humanos.
2. Comunicar-se com o mundo: um direito
“Toda pessoa tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa
perante a lei” (artigo 6º, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948) e “Toda
pessoa tem direito à instrução (...)” (artigo 26º, Declaração Universal dos Direitos
Humanos, 1948). Estes artigos que versam sobre os direitos humanos resumem bem a
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necessidade de considerarmos cada ser humano como único e dotado de direitos.
Mesmo que as frases que falam da garantia dos direitos dos indivíduos pareçam
bordões, o que se faz necessário são ações que garantam um mínimo de dignidade ao ser
humano. O que ainda impressiona são as posturas que limitam a participação de todos
na sociedade e nas relações sociais, necessárias para a real inserção de todos no
convívio social.
Le Boulch (1984) defende que desde os anos iniciais de vida, estímulos na
aprendizagem, em especial, estímulos que trabalhem a psicomotricidade servirão para
estruturar o aprendizado. Estas oportunidades servirão para evitar inadaptações,
desenvolvendo, desta forma, sua personalidade e inteligência. Portanto, é uma questão
de direitos humanos permitir aos que possuem especificidades sensoriais (prefiro
utilizar este termo, ao invés de limitações), estímulos diferenciados daqueles utilizados
para a maioria.
Falar de direitos humanos significa prever, por exemplo, que uma criança com
deficiência auditiva possa se expressar, interagir socialmente e obter sucesso escolar.
Ela se expressará por meio de uma comunicação muito mais dependente das ações
motoras do que a maioria dos indivíduos. Por isso, unir conhecimentos científicos para
modificar as práticas pedagógicas, psicomotoras, jurídicas, dentre outras, é primordial.
Nesse sentido, como conquista, para efetivar os direitos deste público, é
possível utilizar como base o Decreto 5.626/2005 (BRASIL, 2005) que garante a língua
de Libras como disciplina curricular, a formação do professor e instrutor de Libras e o
direito das pessoas surdas ou com deficiência auditiva, bem como sua saúde. O
professor teria uma formação pedagógica, enquanto que o instrutor não. É devido o
reconhecimento da importância do professor surdo dentro da instituição educativa,
como forma de garantir um ambiente inclusivo e de incluir o próprio profissional na
sociedade. Este, na escola, poderá servir como ponte para que, culturalmente, outros
alunos surdos ou com outras deficiências enxerguem que determinada instituição está
adaptada no âmbito inclusivo ou, ao menos, está disposta a promover adaptações
visando à inclusão.
Considerando as libras, Menezes e Santos (2006) relatam, em termos históricos
que:
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O Brasil ainda era uma colônia portuguesa governada pelo imperador Pedro II quando a língua de sinais para surdos aportou no país, mais precisamente no Rio de Janeiro. Em 1856, o conde francês Ernest Huet desembarcou na capital fluminense com o alfabeto manual francês e alguns sinais. O material trazido pelo conde, que era surdo, deu origem à Língua Brasileira de Sinais (Libras). O primeiro órgão no Brasil a desenvolver trabalhos com surdos e mudos surgiu em 1857 foi do então Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que saíram os principais divulgadores da Libras. A iconografia dos sinais, ou seja, a criação dos símbolos só foi apresentada em 1873, pelo aluno surdo Flausino José da Gama. Ela é o resultado da mistura da Língua de Sinais Francesa com a Língua de Sinais Brasileira antiga, já usada pelos surdos das várias regiões do Brasil (MENEZES e SANTOS, 2006).
Foi preciso que alguém influente, como o conde francês Ernest Huet e que
vivia a questão da inclusão em seu próprio cotidiano, por ser surdo, indicasse a
importância da existência de um alfabeto que facilitasse a comunicação entre surdos e
com os demais da sociedade. Já o surgimento do Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de
Janeiro foi o início de um trabalho que ainda hoje permanece carente quanto ao direito
do ser humano de comunicar-se. A Constituição de 1988 estabelece, em seu art. 5º, IX,
que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença” (grifo nosso). Por isso, mais do que permitir
que o ser humano se expresse, é necessário que se garanta este direito, é preciso facilitar
esta via, por meio das instituições públicas, das políticas públicas e, principalmente, por
uma mudança de paradigmas. Se por um lado existe o direito de “comunicar-se”, por
outro, a sociedade ainda caminha para que os indivíduos possam ter acesso aos
instrumentos e saberes que permitirão o exercício deste direito.
Neste viés, a lei de Libras (Lei n.10.436, de 24 abril de 2002) traz em seu
artigo 1º:
É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados” e ainda define no parágrafo único: Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constituem um
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sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002).
Esta lei é um passo em busca da democratização, não somente do
conhecimento, mas do acesso dos surdos e das mais diversas comunidades em direção à
plena manifestação social, direito, muita das vezes, usurpado dos menos favorecidos,
dos excluídos, dos considerados diferentes e que na marginalização vão construindo sua
história em direção à equidade social. Esta lei permite que a sociedade se organize,
reconhecendo os recursos associados à Libras e, mais do que elencar os direitos dos
surdos e os deveres de toda a sociedade no que se refere à efetivação da garantia desta
língua, oferece pontos de partida para a evolução de uma sociedade. Se por um lado o
ser humano luta para garantir aspectos básicos de sua sobrevivência, por outro, deve
direcionar seus esforços para que a interação do indivíduo na humanidade seja,
constantemente, superadora das limitações, muita das vezes, impostas pela própria
humanidade e decorrentes de interesses alheios ao bem comum e ao desenvolvimento
das capacidades, personalidades, afetos e interações necessárias. Somente com garantias
estabelecidas – como a Língua de Libras e “direito de comunicar-se” previsto na
Constituição – equidade e aprendizado conjunto poderão se efetivar.
Conclusão
Desta forma, permitir que todos se expressem é um direcionamento que
corrobora o direito de comunicar-se, e este direito se manifesta, para os surdos, de
maneira visual, motora, gramaticalmente em suas particularidades, advindos de pessoas
surdas e que, mais do que partir da comunidade dos surdos, pode expandir-se de
maneira que a sociedade (em especial, as instituições) esteja aberta para o acolhimento
de todos. Somente desta forma o sujeito poderá formar-se como indivíduo pleno de seus
potenciais de aprendizagem, de trabalho e de interação social.
Essa reflexão não se encerra e permite que alguns questionamentos sejam
levantados. Debater se a exigência de que educar para o rendimento é a melhor forma de
desenvolver a sociedade e se a valorização do pensamento de que os indivíduos
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diferentes atrapalham o rendimento da maioria (como se as diferenças não fossem algo
da natureza). Buscar alternativas quanto a expectativa de uma padronização na forma de
aprender e de produzir desenfreadamente, como se o ser humano fosse incapaz de
utilizar-se de um pensamento superior capaz de incluir a todos nos processos sociais.
Superar contradições que relegam a segundo plano o desenvolvimento de uma
consciência humana que deve compreender e encontrar alternativas no que se refere aos
processos de exclusão. Buscar meios de efetivar ações políticas, pedagógicas e sociais
que valorizem os avanços da neurociência em direção a um desenvolvimento humano
que se estenda a todos. Utilizar a Declaração Universal dos Direitos como base para o
planejamento e organização social.
Bibliografia
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