CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE – FaC
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
NATÁLIA MARIA LOPES PINTO
CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM POSSIBILIDADES PARA
A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?
FORTALEZA
2014.1
NATÁLIA MARIA LOPES PINTO
CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM POSSIBILIDADES PARA
A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?
Monografia submetida à aprovação do Curso de
Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Cearense
– FaC, como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Ms. Rúbia Cristina Martins
Gonçalves.
FORTALEZA
2014.1
NATÁLIA MARIA LOPES PINTO
CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM POSSIBILIDADES PARA A
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?
Monografia como pré-requisito para obtenção do título
de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela
Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela
banca examinadora composta pelas professores. Data de aprovação: 16/06/2014
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof.ª Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves
(Orientadora)
________________________________________________
Prof.ª Ms. Luciana Gomes Marinho
________________________________________________
Prof.ª Ms. Maria Elia dos Santos Vieira
Dedico esta monografia a Deus pelo dom da
vida, aos meus familiares pelo tempo ausente
de suas companhias e a tantas crianças e
adolescentes anônimos que tiveram sua
infância e adolescência roubadas, vítimas de
descaso e de violências.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida, pela força e coragem que impulsiona meu viver, pela
sabedoria que me concedeste e pela capacidade de resistência frente às adversidades da vida.
Aos meus pais, José Maria e Maria Valdenice, sem os quais não seria possível a
caminhada, pelo exemplo de seres humanos honestos e solidários, por toda dedicação e pela
confiança em meu potencial.
A todos meus familiares, que são meu ponto de partida e de chegada, pela
compreensão, força e pelo amparo.
À minha grande irmã, Érica Lopes, por sua presença constante e ao meu querido
primo, Luís Fernando, pelo auxílio e assistência.
À minha orientadora Rúbia Gonçalves, por todo apoio, paciência, dedicação,
companheirismo e por ter acolhido com bom ânimo essa proposta de pesquisa. És uma
excelente mestre.
Aos docentes da Faculdade Cearense que colaboraram para minha formação
acadêmica. Em especial à professora Aniele Brilhante pelo empréstimo de livros para a
elaboração da discussão sobre crianças e adolescentes.
À banca examinadora, Luciana Gomes Marinho e Maria Elia dos Santos Vieira,
pelo compromisso com o ensino e a pesquisa e pela contribuição com este trabalho.
A todos os funcionários da Faculdade Cearense que contribuíram para um
cotidiano tranquilo de aprendizado.
Às minhas amigas e companheiras de turma, com as quais dividi os desafios da
graduação: Adriana de Freitas, Idália Sampaio, Jéssica Uchôa, Marianne Barros, Marianne de
Sales e Mayara Paiva. Vocês alegraram a minha caminhada, tornando-a mais leve.
Ao meu grande amigo Alfredo Monteiro, pela atenção, carinho e por seu
comportamento ético-político e crítico.
À amiga Cibele Brito, pela alegria e auxílio constante.
Ao amigo Roberto Carvalho pela atenção e disponibilidade.
A todos os meus amigos e amigas que me apoiaram e souberam entender minha
ausência.
A todas as conselheiras tutelares, sujeitos de minha pesquisa, e a toda a equipe
profissional do Conselho Tutelar de Fortaleza, pela acolhida e pela contribuição com este
trabalho.
A todos os agentes sociais engajados na luta contra um sistema autoritário e
desumano que tende a reprimir muitas infâncias e adolescências.
O Direito das Crianças
Toda criança no mundo
Deve ser bem protegida
Contra os rigores do tempo
Contra os rigores da vida.
Criança tem que ter nome
Criança tem que ter lar
Ter saúde e não ter fome
Ter segurança e estudar.
Não é questão de querer
Nem questão de concordar
Os diretos das crianças
Todos têm de respeitar.
Tem direito à atenção
Direito de não ter medos
Direito a livros e a pão
Direito de ter brinquedos.
Mas criança também tem
O direito de sorrir.
Correr na beira do mar,
Ter lápis de colorir...
Ver uma estrela cadente,
Filme que tenha robô,
Ganhar um lindo presente,
Ouvir histórias do avô.
Ruth Rocha
RESUMO
Esta pesquisa objetiva verificar a atuação do Conselho Tutelar de Fortaleza para a efetivação
dos direitos de crianças e adolescentes, bem como identificar as demandas mais recorrentes
no Conselho Tutelar pesquisado. Para tanto, partimos do estudo de categorias como Estado,
direitos, política social, controle social e crianças e adolescentes. Baseamo-nos em autores
como Boris Fausto, Raquel Raichelis, Elaine Behring, Ivanete Boschetti, Vicente Faleiros e
Ângela Pinheiro. Para o alcance de nossos objetivos utilizamos uma abordagem qualitativa
com vista à compreensão do fenômeno investigado a partir da interpretação dos sujeitos
envolvidos. Realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental seguida de uma pesquisa de
campo, por meio da qual realizamos entrevistas semiestruturadas com quatro conselheiras
tutelares em atuação em um Conselho Tutelar do município de Fortaleza. Os resultados
obtidos foram satisfatórios para a análise acerca do papel do Conselho Tutelar na defesa da
cidadania de meninos e meninas, apontando que este órgão apresenta um duplo significado.
Palavras-chave: Conselho Tutelar. Crianças e Adolescentes. ECA. Controle Social. Direitos
infanto-juvenis.
ABSTRACT
This research has evaluated the performance of the Guardianship Board of Fortaleza in the
realization of rights of children and adolescents, as well as identifying the most frequent
demands on the Guardian Council researched. The starting point of the study of categories
such as State, rights, social policy, social control, and children and adolescents. We rely on
authors like Boris Fausto, Raquel Raichelis, Elaine Behring, Ivanete Boschetti, Vincent
Faleiros and Angela Pinheiro. To reach our goals we used a qualitative approach to
understanding the phenomenon under investigation from the interpretation of the subjects
involved. A bibliographic and documentary research followed by a field survey, which we
conducted semi-structured interviews with four tutelary councilors in action in a Guardian
Council of the city of Fortaleza. The results were satisfactory for the analysis of the role of the
Guardian Council in defense of citizenship of boys and girls, indicating that this organ has a
double meaning.
Keywords: Guardianship Council. Children and Teens. ACE. Social Control. Children and
youth rights.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Demandas do CT/Janeiro .................................................................................. 89
Gráfico 2 - Demandas do CT/Fevereiro ............................................................................... 90
Gráfico 3 - Demandas do CT/Março .................................................................................... 91
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Sede do CT da SER I .......................................................................................... 67
Figura 2 - Sede do CT da SER II ......................................................................................... 68
Figura 3 - Sede do CT da SER III........................................................................................ 69
Figura 4 - Sede do CT da SER IV ....................................................................................... 70
Figura 5 - Sede do CT da SER V ......................................................................................... 71
Figura 6 - Sede do CT da SER VI ....................................................................................... 72
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF/88 - Constituição Federal de 1988
COMDICA - Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes
CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CT - Conselho Tutelar
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNABEM - Fundação Nacional do Menor
SAM - Serviço de Assistência ao Menor
SEDH/PR - Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República
SER - Secretaria Executiva Regional
SUS - Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14
1 O DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A INFÂNCIA E A
ADOLESCÊNCIA NO BRASIL .................................................................................. 21
1.1 (Des)proteção social: a criança e o adolescente no Brasil Colônia e no Império ....... 21
1.1.1 Traços sócio-históricos da criança e adolescente das embarcações portuguesas com
destino ao Brasil-Colônia .....................................................................................................22
1.1.2 O atendimento de crianças e adolescentes no Império ............................................. 28
1.2 A infância como objeto de controle do Estado: da Primeira República ao Regime
Militar .......................................................................................................................... 35
1.3 Criança e adolescente como sujeitos de direitos: da redemocratização aos dias atuais
..................................................................................................................................... 44
2 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE E O
CONSELHO TUTELAR .............................................................................................. 54
2.1 Estatuto da Criança e do Adolescente: estabelecendo instrumentos de proteção
integral para a infância e a adolescência no Brasil .................................................... 54
2.2 Implantação dos Conselhos Tutelares no Brasil ......................................................... 61
2.3 Entendendo a atuação do Conselho Tutelar................................................................ 75
3 CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA COMO LÓCUS DE PESQUISA ........... 79
3.1 O perfil das conselheiras tutelares e sua rotina profissional ...................................... 79
3.3 Desafios e dificuldades da atuação das conselheiras tutelares .................................... 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 99
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 103
APÊNDICES .................................................................................................................... 108
14
INTRODUÇÃO
A conquista e os avanços dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil
ganharam maior expressividade entre os anos de 1970 e 1990, quando no fim do período
ditatorial setores da sociedade se mobilizaram em prol da redemocratização do país e da
garantia de direitos, dentre estes direitos lutaram pelos das crianças e adolescentes.
Dessa forma, a partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
meninos e meninas passaram a ser tratados conforme a Doutrina da Proteção Integral, tendo
assegurados seus direitos de cidadania a partir da responsabilização da família, da
comunidade e do Estado na garantia e proteção de seus direitos fundamentais.
Cientes de que diversos fatores, como os de ordem política, cultural, social e
econômico, interferem na efetivação desses direitos, compreendemos que há muitos percalços
que impossibilitam ou dificultam a aplicação dos dispositivos legais e surge a necessidade da
participação social no controle e fiscalização do Estado, para que se cumpra o estabelecido
nas diversas legislações de atendimento à infância e à adolescência.
Nessa perspectiva, após a determinação estabelecida pelo ECA sobre a criação de
pelo menos um Conselho Tutelar (CT) por município nesse órgão apresenta um potencial
importante para a fiscalização e proteção dos direitos de garotos e garotas em país, embora
esteja envolto em muitos desafios, dificuldades e, muitas vezes, descaso.
De acordo com o Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares, realizado pela
Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), no ano de 2013,
foram registrados no Brasil 5.906 conselhos tutelares, distribuídos em um total de 5.565
municípios brasileiros.
Embora represente um número expressivo de CTs no Brasil, estes dados mostram
que deveriam ser criados pelo menos 632 CTs para garantir o estabelecido pela resolução 139
do Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e adolescentes (CONANDA), a qual
estabelece que seja seguida a proporção de um Conselho Tutelar para cada 100.000
habitantes. Além disso, foram contabilizados vinte e dois municípios brasileiros que ainda não
possuem CT, fugindo da determinação legal do Estatuto da Criança e do Adolescente de que
se tenha pelo menos um CT por município.
O relatório da pesquisa feita pela SEDH/PR demonstrou ainda que, embora seja
relativamente grande o número de CTs nos municípios brasileiros, estes vivenciam condições
15
precárias de trabalho, falta de materiais de expedientes e de pessoal, sem meios reais para
cumprimento de suas atribuições.
No Ceará, o relatório apontou que são 190 CTs distribuídos entre os 184
municípios, ou seja, todos os municípios cearenses possuem conselhos tutelares com sala e
sede de uso exclusivo. Destes conselhos, apenas 27% possuem transporte de uso exclusivo
pela equipe profissional dos CTs.
Em relação aos recursos materiais, a pesquisa demonstrou que 99% dos conselhos
possuem computador, sendo uma média de 1,57 computadores por Conselho Tutelar e 99%
possuem impressora, sendo que somente 89% possuem acesso à internet. Quanto ao acesso a
telefone, a pesquisa revelou que 64% dos CTs cearenses possuem telefone fixo e 27%
possuem telefone celular, ou seja, 36% dos conselhos sequer possuem acesso a telefone.
Contudo, a realidade dos CTs pode se apresentar verdadeiramente mais cruel,
visto que esses dados podem esconder se os equipamentos, os instrumentos, as salas de uso
exclusivo ou o transporte possuem boas condições de uso.
Considerando todos esses dados e percalços que envolvem a prática dos
conselheiros tutelares, nossa pesquisa tem como objetivo maior compreender a atuação do
Conselho Tutelar de Fortaleza para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes.
A partir desse objetivo inicial, percebemos a necessidade de: identificar as
demandas atendidas pelo Conselho Tutelar de Fortaleza; caracterizar o perfil da criança e do
adolescente atendidos pelo Conselho Tutelar; analisar a atuação dos conselheiros tutelares
frente à problemática que envolve a defesa dos direitos de crianças e adolescentes e identificar
os desafios e dificuldades da atuação dos conselheiros tutelares na defesa da cidadania de
crianças e adolescentes.
Ressaltemos que, em virtude de problemas estruturais da instituição pesquisada, o
objetivo referente à caracterização do perfil de crianças e adolescentes atendidas pelo
Conselho Tutelar não pôde ser alcançado, haja vista que a falta de computadores e internet
impossibilitou os funcionários de elaborarem um registro dos dados dos atendimentos.
Esta investigação justifica-se a partir de três aspectos: pessoais, sociais e
profissionais. A justificativa de cunho pessoal é decorrente de nossa análise sobre a falta de
esclarecimento acerca das atribuições do CT e o pouco reconhecimento desses espaços no
bairro no qual residimos. Também se justifica a partir de uma experiência no período em que
cursava o ensino médio e a diretora de nossa escola nos induziu a apoiarmos a eleição de um
candidato a membro do CT, sem ao menos conhecermos suas propostas ou termos
consciência das funções de um conselheiro.
16
Quanto ao aspecto social, entendemos o fato de o CT atuar como defensor dos
direitos de crianças e adolescentes, bem como a necessidade de ocupação desses espaços de
defesa da cidadania de meninos e meninas que possibilitam a participação popular e o
controle social, zelando pelo cumprimento dos dispositivos legais referente à infância e
adolescência.
Em relação ao Serviço Social, esta pesquisa se justifica pelo fato de almejarmos a
construção de um processo contra-hegemônico1 que valorize os direitos de todos os cidadãos,
inclusive os infanto-juvenis, construindo propostas de intervenção junto ao cotidiano da
população.
Partimos de uma análise sobre a conjuntura histórica brasileira em que se
desenvolveu a política de atendimento de crianças e adolescentes. Para tanto, buscamos
referências principalmente em Boris Fausto (2008).
Baseamo-nos em autores como: Raquel Raichelis (1998), Behring e Boschetti
(2011), Vicente Faleiros (2007), Ângela Pinheiro (2006), Potyara Pereira (2008), André
Kaminski (2002), entre outros. Discutimos sobre as categorias: Estado, direitos, política
social, controle social e criança e adolescente.
Atribuímos um significado ao Estado a partir das reflexões de Raquel Raichelis
(1988), quando a referida autora aponta que o seu sentido é o de conciliação dos conflitos
entre os setores que compõem a sociedade capitalista, na qual o Estado deveria incorporar
simultaneamente os interesses da classe dominante e da classe dominada. Entretanto, ele não
age com neutralidade e torna-se um Estado principalmente burguês. Segundo Raichelis
(1988):
Desta forma, na sociedade capitalista, o Estado assume um papel de coesão entre os
diferentes níveis de uma formação social concreta, o que não significa atribuir-lhe um papel de árbitro neutro dos conflitos entre as classes sociais ou identificá-lo com
a direção ético-moral na qual repousaria o critério último da verdade e da razão.
(RAICHELIS, 1988, p. 25).
Utilizamos como referencial teórico sobre direitos a definição apresentada por
Behring e Santos (2009) de que o direito não é uma forma de abordar todos os indivíduos de
modo genérico, destituídos das relações reais e históricas que vivenciam. Antes, o direito deve
1 Quando propomos a construção de um projeto contra-hegemônico estamos nos referindo à construção de um
projeto societário em que as classes desfavorecidas economicamente tenham suas garantias e direitos
estabelecidos e garantidos, propondo a participação desse segmento em todas as decisões que envolvem os
interesses sociais.
17
ser as garantias legais firmadas a partir das diferenças concretas e das peculiaridades e
dificuldades dos sujeitos desiguais2.
Potyara Pereira (2008) compreende política social como uma espécie da política
pública e representa um instrumento do Estado para estabelecer consenso e negociação entre
as partes em conflito e atender as necessidades da sociedade. Portanto, a política social tem
como uma de suas funções a concretização de direitos de cidadania conquistados pela
sociedade.
Nosso entendimento sobre política social parte da definição da autora supracitada,
pois compreendemos que essa política é uma forma de estabelecer consenso entre as classes
sociais, bem como evitar um controle das classes subalternas.
No que diz respeito à categoria controle social compartilhamos da abordagem de
Maria Valéria da Costa Correia (2004) de que o controle social assume sentidos diferentes a
partir da compreensão que se tenha sobre Estado e sociedade civil e a relação entre eles.
Assim, o controle social pode ser empregado tanto para representar o controle do Estado sobre
os membros da sociedade quanto para designar o controle da sociedade civil sobre as ações do
Estado. Contudo, nesta pesquisa, ao falarmos sobre controle social estaremos nos referindo ao
controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, visando à incorporação dos interesses
das classes subalternas3 pela esfera estatal.
Assim, o CT representa uma forma institucionalizada de controle social da
sociedade acerca dos direitos infanto-juvenis. Para Marilene Souza (2003), o Conselho
Tutelar é visto como um espaço de fortalecimento dos direitos das crianças e adolescentes,
sendo:
[...] um órgão autônomo, que não integra o poder judiciário. Vincula-se à Prefeitura,
mas a ela não se subordina. Sua fonte de autoridade pública é a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente e está sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente. [...] O papel do Conselho Tutelar é atender
pessoas que tiveram seus direitos violados. (SOUZA, 2003, p. 72).
No tocante à definição dos termos criança e adolescentes, utilizamos como
referencial teórico Ângela Pinheiro (2006), haja vista que esta autora percebe essa fase da
vida não somente a partir de aspectos biológicos ou naturais, mas as entende como categorias
2 Compreendemos que os sujeitos possuem uma trajetória política e social diferenciada, devendo-se levar em
consideração sua inserção social, cultural e suas condições financeiras. Não há como classificá-los como iguais e
possuidores das mesmas condições de acesso aos bens e serviços do Estado. 3 Entendemos por classes subalternas aquelas classes sociais compostas por setores da sociedade civil que são
menos favorecidos economicamente e que por esse motivo são prejudicadas em relação à classe
economicamente dominante que geralmente têm seus interesses representados pelo Estado.
18
socialmente concebidas, com percursos sociais diferenciados e como uma fase heterogênea,
pois não se apresentam de maneira igual para todos, mas modificam-se a partir da inserção
econômica, social e cultural destes meninos e meninas.
Para alcançarmos os objetivos propostos, utilizamos como metodologia a pesquisa
bibliográfica e documental, pesquisa de campo e aplicação de entrevista semiestruturada,
tendo sido elaborados dois roteiros de entrevistas, um destinado a questionamentos sobre o
perfil do entrevistado e sobre aspectos de sua atuação e outro roteiro voltado para os aspectos
gerais de funcionamento do Conselho Tutelar.
Utilizamos uma abordagem qualitativa, uma vez que consideramos que este tipo
de abordagem possibilita uma compreensão do fenômeno estudado a partir da vivência e
análise dos próprios sujeitos envolvidos. Para tanto, compreendemos pesquisa qualitativa a
partir da explicação de Mirian Goldenberg (2005):
Na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a
representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da
compreensão de um grupo, de uma organização, de uma instituição, de uma
trajetória etc. [...]. (GOLDENBERG, 2005, p. 14).
Nesse tipo de abordagem não há uma preocupação com representações numéricas,
mas com a profundidade das vivências e dos relatos. Para Antônio Carlos Gil (2002):
A quantidade é, então, substituída pela intensidade, pela imersão profunda- através
da observação participante por um período longo de tempo, das entrevistas em
profundidade, da análise de diferentes fontes que possam ser cruzadas - que atinge
níveis de compreensão que não podem ser alcançados através de uma pesquisa
quantitativa. O pesquisador qualitativo buscará casos exemplares que possam ser reveladores da cultura em que estão inseridos. O número de pessoas é menos
importante do que a teimosia em enxergar a questão sob várias perspectivas. (GIL,
2002, p. 50).
Quanto ao tipo de pesquisa, faremos uma pesquisa do tipo explicativa, para a qual
em Gil (2002) confirmamos a importância dessa pesquisa:
Essas pesquisas têm como preocupação central identificar os fatores que determinam
ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Esse é o tipo de pesquisa que mais
aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas.
Por isso mesmo, é o tipo mais complexo e delicado, já que o risco de cometer erros
aumenta consideravelmente. (GIL, 2002, p. 42).
19
Assim, partimos de uma pesquisa bibliográfica para obtenção de elementos
teóricos que nos ofertou embasamento em nossas reflexões. Assim compreendemos pesquisa
bibliográfica como sendo aquela “[...] desenvolvida com base em material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002, p. 44).
Para Antônio Carlos Gil (2002), a pesquisa documental se distingue da pesquisa
bibliográfica por conta das diferenças entre as fontes. Enquanto na bibliográfica se utiliza da
contribuição de diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de
materiais que não receberam ainda um tratamento analítico. Portanto, nossa pesquisa
documental ocorreu com a análise do livro de registro dos atendimentos diários existente no
Conselho Tutelar pesquisado.
Nossa pesquisa de campo ocorreu durante o mês de maio de 2014 em um
Conselho Tutelar de Fortaleza e desde a primeira visita ao lócus da pesquisa fomos bem
recebidas pelos funcionários do CT, bem como pelas próprias conselheiras que após a
exposição de nossos objetivos concordaram em colaborar como nossa pesquisa.
Nosso primeiro contato com as conselheiras ocorreu através de um amigo que
possuímos em comum, tendo este nos fornecido o contato telefônico de uma conselheira com
a qual agendamos uma visita à instituição.
Para Linda Gondim e Jacob Lima (2006) a pesquisa de campo se justifica porque
“o pesquisador ideal reconhece que são essenciais tanto para a reflexão teórica quanto para o
contato direto ou indireto com o mundo empírico (analisar dados primários ou secundários): é
esse tipo de trabalho que ‘fecunda’ a inteligência, a qual se nutre das teorias (GONDIM e
LIMA, 2006, p. 20).
As entrevistas realizadas foram semiestruturadas, a qual, conforme Fraser (2004),
consiste em um tipo de entrevista em que entrevistador introduz o tema e busca com um
roteiro pré-elaborado direcionar a conversação, porém, incorporará as perguntas e
questionamentos que surjam durante a entrevista.
Nosso universo de pesquisa pretendia alcançar 100% das conselheiras tutelares
em atuação, conforme o número total de conselheiros estabelecido pelo ECA. Todavia, em
decorrência de imprevistos, nossa amostra foi de quatro conselheiras, pois a quinta
conselheira negou-se a participar de nossa pesquisa sob a alegação de não dispor de tempo. E
mesmo frente à nossa disponibilidade de voltarmos ou aguardarmos um momento oportuno
ela resolveu não participar.
Este estudo está divido em três capítulos. No primeiro, realizamos um resgate
histórico do atendimento de crianças e adolescentes no Brasil, percorrendo desde a trajetória
20
marítima das embarcações portuguesas rumo ao Brasil, seu atendimento durante a
colonização e o Império, passando pela República, pelo Regime Militar, pela
redemocratização do país até chegarmos à análise da atual política de atendimento dirigidas às
crianças e adolescentes concretizadas a partir da promulgação da Constituição Federal de
1988 (CF/88) e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (ECA).
No segundo capítulo, nossa análise se dirige para a atual política de atendimento
de crianças e adolescentes e sua relação com o Conselho Tutelar. Buscamos uma apresentação
dos principais direitos da infância e adolescência assegurados no ECA, bem como nos
voltamos para a reflexão sobre as atribuições e atuação do CT para a proteção da cidadania
infanto-juvenil.
Por fim, no capítulo terceiro, discutimos sobre nossa pesquisa de campo em um
Conselho Tutelar de Fortaleza, destacando o perfil das conselheiras tutelares entrevistadas e
suas atuações, apresentando as demandas atendidas e os desafios e dificuldades encontrados
no dia a dia.
Assim, ressaltar os direitos de cidadania de meninos e meninas brasileiros torna-se
estritamente necessário neste atual contexto de desvalorização dos indivíduos e rebaixamento
das ações do Estado, em que cada vez mais as políticas públicas sociais tornam-se focalizadas
e fragmentadas.
21
1 O DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A INFÂNCIA E A
ADOLESCÊNCIA NO BRASIL.
Este capítulo tem por objetivo analisar como ocorreu o tratamento de crianças e
adolescentes e o desenvolvimento das políticas sociais para este público-alvo no Brasil, haja
vista que a valorização da infância e da adolescência e as conquistas legais da atualidade
foram fruto de um longo e árduo processo, sendo a trajetória desses sujeitos infantis marcada
por desvalorização, exploração e desrespeito. Conforme Vicente Faleiros (2007), “[...] essas
políticas não caem do céu, nem são um presente ou uma outorga do bloco do poder. Elas são
ganhos conquistados em duras lutas e resultados de processos complexos de relação de
forças” (FALEIROS, 2007, p. 62).
Para tanto, demarcaremos os períodos históricos e políticos em que foram
desenvolvidos os serviços de atendimento, normatizações e legislações, bem como as
características da política social para crianças e adolescentes no Brasil.
Partiremos dos traços sócio-históricos de meninos e meninas no Brasil desde as
embarcações portuguesas em direção ao nosso país, bem como a sua trajetória para o Brasil
Império, abordando as características dessa categoria ainda na República, período no qual
ocorreu o marco das conquistas e normatizações legais. Apresentaremos ainda elementos e
aspectos dos avanços dos direitos e conquistas das crianças e adolescentes com a promulgação
da Carta Magna de 1988 e em seguida do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Ressaltamos, conforme Ângela Pinheiro (2006), que as representações sociais4 de
crianças e adolescentes, ora como objeto de controle do Estado, ora como sujeitos de direitos
e demais representações, emergem em um cenário sócio-histórico específico e à medida que
novas representações sociais vão surgindo vão também coexistindo simultaneamente e são
marcadas por uma disputa pela sua consolidação.
1.1 (Des)proteção social: a criança e o adolescente no Brasil Colônia e no Império
Cabecinha boa de menino mudo
que não teve nada, que não pediu nada,
pelo medo de perder tudo.
Cecília Meireles
4 Ângela Pinheiro (2006) defende que representações sociais são criadas para compreender a realidade, para
identificar uma visão sobre alguma categoria, no nosso caso crianças e adolescentes. Para tanto, a autora define
quatro representações sociais mais recorrentes de crianças e adolescentes, sendo elas: a criança e o adolescente
como Objetos de Proteção Social; a criança e o adolescente como Objetos de Controle e Disciplinamento Social;
a criança e o adolescente como Objetos de Repressão Social e a criança e o adolescente como Sujeitos de
Direitos.
22
1.1.1 Traços sócio-históricos da criança e adolescente das embarcações portuguesas com
destino ao Brasil-Colônia.
Compreendemos a história da “descoberta” do Brasil a partir do pensamento de
Boris Fausto (2008), o qual sustenta que antes da chegada dos portugueses ao Brasil, por volta
dos anos de 1500, já existia aqui a presença de vida humana, ou seja, consideramos que o
Brasil era habitado pela população indígena.
De acordo com Caio Prado Júnior (2008), a colonização do Brasil teve por
objetivos principais a construção de uma colônia de exploração com a pretensão de utilizar
todos os elementos aqui encontrados, de modo que a colônia se transformaria em uma
verdadeira empresa comercial fornecedoras de produtos tropicais para o mercado europeu.
Dessa forma, verificamos o porquê de não haver na época uma preocupação em se construir
uma sociedade unitária e integrada.
Em Prado Júnior (2008), vemos que três raças foram determinantes para a
constituição do Brasil, sendo elas: o branco europeu, os índios e os negros, estes dois últimos
forçados a uma servidão. O referido autor relata o peso da escravidão para a formação da
política e econômica do Brasil:
O trabalho escravo nunca irá além do seu ponto de partida: o esforço físico
constrangido não educará o indivíduo, não o preparará para um plano de vida
humano mais elevado. [...] As relações servis são e permanecerão relações
puramente materiais de trabalho e produção, e nada ou quase nada mais acrescentará ao complexo cultural da colônia. (PRADO JÙNIOR, 2008, pp.
340-341).
Embora tenhamos a compreensão de que anterior à chegada dos portugueses ao
Brasil já existiam aqui a presença de crianças indígenas, partiremos da análise dos percalços e
sofrimentos que rodearam a vinda de crianças nas embarcações portuguesas em direção à
Colônia brasileira.
Segundo Ramos (2006), durante as embarcações portuguesas do século XVI,
quando se deu o processo de colonização do Brasil, por volta dos anos 1530, escassos homens
e mulheres se aventuraram rumo à Terra brasileira, sendo comum também a presença de
crianças na condição ora de grumetes, pajens, órfãs do Rei ou na condição de passageiros.
Conforme André Kaminski (2002):
23
Mas incorrendo na história da criança no Brasil, excluída a criança da classe
indígena (embora seja a primeira efetivamente brasileira), que aqui já
habitava em centenas de grupos étnicos, formando nações espalhadas pelo
imenso território, podemos dizer que essa se inicia com o próprio
descobrimento do Brasil ou Terra de Vera Cruz, conforme batizada pelos
primeiros que aqui chegaram em 1500. Nas 10 naus e três caravelas que
partiram de Portugal, comandadas por Pedro Álvares Cabral, rumo ao
“descobrimento” de novas terras ocidentais, pelo menos 10 ou 15% dos seus
1.500 integrantes, todos homens, eram menores de 18 anos de idade.
(KAMINSKI, 2002, p. 14, grifos do autor).
Explica Fábio Pestana Ramos (2006) que os grumetes eram crianças portuguesas
recrutadas como mão-de-obra para servirem nas embarcações. Geralmente eram meninos com
a idade entre nove e dezesseis anos, não raro serem com idade menor, e vinham de famílias de
pedintes ou eram órfãos.
As condições de vida dos grumetes eram péssimas e insalubres, rodeadas por
fome e doenças. Estes menores recebiam o mesmo tratamento dos tripulantes adultos.
Alimentavam-se de rações de péssima qualidade, de carnes muitas vezes em estado de
decomposição e bebiam água com mau cheiro em decorrência de seu armazenamento em
barris de madeira. Eles sequer tinham oportunidade para pescar, a fim de enriquecer a
alimentação, pois os olhos atentos dos guardiões impediam-lhes. Apenas quando na ocasião
de algum cadáver no navio que atraíam pássaros é que tais aves serviam de alimento para os
grumetes (RAMOS, 2006).
Segundo Ramos (2006), durante as viagens ao Brasil muitos meninos eram
acometidos por inanição e escorbuto. Diante da falta de médicos, estes recebiam os cuidados
de barbeiros que lhes aplicavam medidas sangrentas que muitas vezes os levavam à morte.
Era comum naquele período nas embarcações a prática de abusos sexuais contra os grumetes
praticados por marujos (assassinos, incendiários, sediciosos). Dessa forma:
Grumetes e pajens eram obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes
e violentos. Crianças, mesmo acompanhadas dos pais, eram violadas por
pedófilos, e as órfãs tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a
fim de manter-se virgens, pelo menos, até que chegassem à Colônia.
(RAMOS, 2006, p. 19).
Consoante Ramos (2006, p. 27), “entregues a um cotidiano difícil e cheio de
privações, os grumetes viam-se obrigados a abandonar rapidamente o universo infantil para
enfrentar a realidade de uma vida adulta”.
24
Os pajens possuíam a mesma faixa etária dos grumetes ou um pouco menos, eram
recrutados de famílias portuguesas pobres. Embora tivessem um cotidiano árduo, correndo os
mesmos riscos de estupro e violências físicas, os pajens realizavam tarefas mais leves, como
servir à mesa dos oficiais, arrumar-lhes as câmaras e providenciar o conforto dos oficiais,
alguns recebiam “proteção” destes oficiais (RAMOS, 2006).
As órfãs do Rei eram supostamente meninas menores de dezesseis anos de idade e
pobres. Eram embarcadas com destino ao casamento com homens de destaque nas possessões
portuguesas. Facilmente tornavam-se vítimas de estupro, mas sem alguém que as
defendessem sofriam caladas. As órfãs do Rei também sofriam privações alimentares e
sobreviviam em ambientes insalubres (RAMOS, 2006).
Outra categoria de crianças nas embarcações do século XVI eram aquelas
acompanhadas por seus pais ou parentes na condição de passageiros. Estas podiam ter menos
de cinco anos de idade ou serem ainda de colo. Essas crianças também estavam expostas a
doenças e a privações alimentares, a insalubridades, salvo aquelas de famílias nobres.
Mediante ataques de piratas às embarcações, os adultos pobres eram assassinados
e os poderosos eram aprisionados para serem trocados por valiosas recompensas. Já as
crianças capturadas eram escravizadas, sendo exploradas e prostituídas. Com a aproximação
de naufrágios, frente à agitação, era comum alguns pais esquecerem seus filhos nos navios,
buscando salvar suas próprias vidas. As crianças que sobreviviam eram entregues à própria
sorte (RAMOS, 2006).
As famílias com precária condição financeira expunham seus filhos ao
recrutamento para as embarcações, pois isso representava um bom negócio para os pais
mesmo diante da penúria das crianças. Os pais poderiam receber a renda do recrutamento dos
filhos e ainda se livrariam de uma pessoa a mais para alimentar. Além do que a chance de
morrer vítima de doenças em terra era quase igual à de perecer nas embarcações, não lhes
restando boas alternativas.
A história do cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas
quinhentistas foi, de fato, uma história de tragédias pessoais e coletivas. A história das crianças, de qualquer idade, nas naus do século XVI pode ser
classificada, portanto, como uma história marítima trágica, ou se preferirem
como uma história trágico-marítima. (RAMOS, 2006, p. 49).
Portanto, verificamos que a chegada da criança e adolescente no Brasil deu-se de
forma trágica, marcada por abusos físicos e sexuais, por um sentimento de desvalorização da
25
vida infantil. Assim, não há como se falar em proteção à criança e ao adolescente naquele
período de navegação rumo à colonização do Brasil.
Com a chegada dos portugueses ao Brasil, juntamente com suas crianças, os
moradores indígenas que aqui se encontravam sofreram uma verdadeira catástrofe cultural,
epidemias, violências e morte (FAUSTO, 2008).
A chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira catástrofe. Vindos de muito longe, com enormes embarcações, os
portugueses, e em especial os padres, foram associados na imaginação dos
tupis aos grandes xamãs(pajés), que andavam pela terra, de aldeia em aldeia,
curando, profetizando e falando-lhes de uma terra de abundância. Os brancos
eram ao mesmo tempo respeitados, temidos e odiados, como homens dotados
de poderes especiais. (FAUSTO, 2008, p. 40)
Analisando como ocorria a relação entre brancos e índios, colonizadores e
colonizados, percebemos como se deu a origem de nosso país e as características de uma
pretensa superioridade do homem branco e com condições financeiras mais elevadas,
elementos estes que pensamos interferir no desenvolvimento do Estado e de sua função de
atendimento à população. Para Julita Scarano (2006):
[...] As autoridades locais, quando escreviam para os centros do poder do
momento, não estavam preocupados em modos de viver, apenas se preocupavam com a situação dos “povos” quando havia perigo de revoltas e
outros problemas, sem se interessarem pela população infantil. (SCARANO,
2006, p. 107).
Conforme Rafael Chambouleyron (2006), no Brasil Colônia, o trato da criança e
do adolescente modificou-se um pouco a partir da chegada dos jesuítas em 29 de março de
1549, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega, conduzindo a uma atenção mesmo que
pequena para estes sujeitos infantis. Os jesuítas passaram a dedicar-se entre outras funções ao
ensino das crianças, para que elas assimilassem os princípios da doutrina cristã.
É bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento no
Velho Mundo, resultado da transformação nas relações entre indivíduo e
grupo, o que ensenjava o nascimento de novas formas de afetividade e a
própria ‘afirmação do sentimento da infãncia’, na qual Igreja e Estado
tiveram um papel fundamental. (CHAMBOULEYRON, 2006, p. 58).
26
Naquele período, surgia uma nova forma de compreensão da infância, se antes
havia um desinteresse e desapego aos meninos e meninas, a partir da chegada dos jesuítas no
Brasil começava a aflorar uma política relativa às crianças.
De acordo com Chambouleyron (2006), a Companhia dos jesuítas ensinava a
doutrina cristã às crianças indígenas por acreditarem que estas seriam mais acessíveis e
perseverantes na observação da lei do que os adultos, visto que estes já estariam enraizados
em uma vida de vícios e costumes abomináveis, afastados da fé cristã e seriam mais arredios.
O filme “A Missão”, divulgado em 1987, do diretor Roland Joffé, é baseado em
fatos reais e mostra o processo de colonização na América do Sul, especificamente entre as
fronteiras da Argentina, Paraguai e Brasil, nos anos de 1750. Aponta o trabalho realizado por
jesuítas naquele período e o modo como as crianças indígenas são consideradas naquele
período. Em uma determinada cena uma criança indígena catequizada canta hinos em uma
celebração religiosa e um senhor europeu insinua que aquela criança não é um ser humano,
mas sim um animal com voz humana, posto que até papagaios aprendem a cantar. Portanto, o
europeu diz que os índios devem ser tratados sob chicotes e espadas. Vimos claramente a
desvalorização e falta de respeito e cuidados para com as crianças indígenas.
Segundo ainda Chambouleyron (2006), a evangelização das crianças seria uma
maneira de chegar à conversão também dos seus pais, pois os meninos assimilavam os
ensinamentos cristãos e passavam a abominar os costumes de sua tribo e a repreender seus
pais.
A estrutura de ensino das crianças era divida em colégios e escolas, nas quais cada
ambiente era frequentado de acordo com a classe social a que pertencia os meninos. As
crianças oriundas de classe mais ricas frequentavam o colégio, pois este tinha o ensino do
latim, filosofia, matemática, teologia e outros. Já a escola que tinha o objetivo de ensinar a ler,
escrever e a contar e era frequentada pelas crianças órfãs, mestiças, brancas pobres e
indígenas, de classe menos privilegiada.
Após três décadas de esforços em garantir a posse da nova terra, a colonização do
Brasil passou de fato a tomar forma. De acordo com Fausto (2008), “[...] o Brasil viria a ser
uma colônia cujo sentido básico seria o de fornecer ao comércio europeu gêneros alimentícios
ou minérios de grande importância” (FAUSTO, 2008, p. 47).
Conforme Fausto (2008), na época da colonização, o Estado português era um
Estado absolutista, ou seja, em teoria todos os poderes eram concentrados por direito divino
na pessoa do rei.
27
Portanto, não percebemos esforços ou preocupações com a população adulta nem
infantil, a fim de dar-lhes proteção ou promover inícios de políticas sociais. Ao contrário, não
havia na época um conceito de cidadania como pessoa com direitos e deveres com relação ao
Estado (FAUSTO, 2008).
Naquele período, duas instituições eram responsáveis pela organização do Brasil:
O Estado e a Igreja Católica. Ao Estado era atribuído o papel de garantir a soberania
portuguesa sobre a Colônia, resolver problemas básicos, promover uma política de
povoamento. A Igreja deveria promover a educação das pessoas, enquadrá-las nos padrões de
vida decente, torná-la obediente (FAUSTO, 2008).
Conforme Mary Del Priore (2006):
Há pouquíssimas palavras para definir a criança no passado. Sobretudo, no
passado, marcado pela tremenda instabilidade e a permanente mobilidade
populacional dos primeiros séculos de colonização. ‘Meúdos’, ‘ingênuos’, ‘infantes’ são expressões com as quais nos deparamos nos documentos
referentes à vida social na América portuguesa. O certo é que, na mentalidade
coletiva, a infância era então, um tempo sem maior personalidade, um
momento de transição e por que não dizer, uma esperança. (DEL PRIORE,
2006, p. 84).
De acordo com Julita Scarano (2006), as crianças negras foram praticamente
ignoradas na correspondência entre a Colônia e Lisboa. Havia pouco interesse em se falar do
cotidiano e em comentar como viviam os escravos e os pobres, as mulheres e, menos ainda, as
crianças, mesmo em se tratando dos filhos de pessoas importantes. O assunto predominante
nas correspondências eram os referentes à política e economia.
Scarano (2006) aponta que a documentação oficial pouco informa sobre a mulher
e a criança, esta mencionada apenas marginalmente. Assim:
A importância da criança é vista como secundária, os assuntos que interessam são o fisco, os problemas e tudo aquilo que parecia afetar diretamente os
governantes. O fato de as crianças sobreviverem no momento do nascimento
ou na primeira infância não chama propriamente a atenção. A documentação
de irmandades e confrarias religiosas também não apresenta dados
específicos sobre a infância, pois, congregando apenas adultos, não via
motivo para se manifestar a esse respeito, uma vez que, por seus estatutos, o
objeto de se interesse era o membro de sua confraria, que deveria ser
socorrido quando tal se fizesse necessário. (SCARANO, 2006, pp. 108 -
109).
A morte dos pequenos não era considerada como uma tragédia, pois se tinha a
ideia de que outras viriam, não sendo vista como um ser que faria falta. Contudo, a falta de
28
referência não implica na total desvalorização da criança em si. Segundo Scarano (2006), nas
entrelinhas uma ou outra maneira de mostrar que lhe davam valor, recebia o afeto e
participava dos acontecimentos e festas.
Nas senzalas, as crianças andavam por todos os lugares, frequentando as
habitações de seus donos, quando suas mães ali trabalhavam. Dessa forma, as crianças negras
eram tidas como um “brinquedo” para as mulheres brancas. Conforme nos relata Scarano
(2006), “as pequenas crianças negras eram considerada graciosas e serviam de distração para
as mulheres brancas que viviam reclusas, em uma vida monótona” (SCARANO, 2006, p.
111).
Com a desvalorização dos escravos, sobretudo as escravas e crianças eram pouco
mencionadas na vida diária e nos documentos oficiais. Conforme Scarano (2006), “quanto às
crianças negras que não podiam participar dos trabalhos e propiciar lucro, não encontramos
manifestações de preocupação com seu bem-estar” (SCARANO, 2006, p. 120).
Ao longo deste tópico, vimos que a trajetória de crianças portuguesas rumo ao
Brasil Colônia foi marcada por violações, explorações e desrespeito. Naquele momento, não
havia uma valorização da infância e frente ao grande número da mortalidade infantil o que
restava era um sentimento de desapego às crianças.
Já no Brasil Colônia foi com a chegada da Companhia dos jesuítas em 1549 que
ocorreram mudanças na visão sobre a infância. Os jesuítas dedicavam-se ao ensino da
doutrina cristã aos meninos portugueses e indígenas como forma de retirá-los dos costumes
não-cristãos e como meio de evangelização de adultos.
Nos dois períodos históricos mencionados, não havia elementos expressivos de
uma proteção para crianças e adolescentes, embora se construísse a partir da chegada dos
jesuítas uma nova concepção de infância no Brasil. A preocupação maior seria com as
vantagens econômicas que a Colônia brasileira poderia representar para a Metrópole, com a
extração de produtos naturais e exploração da terra e dos nativos.
1.1.2 O atendimento de crianças e adolescentes no Império.
Para que construamos uma ideia acerca do atendimento de crianças e adolescentes
durante o Império no Brasil, pensamos ser necessárias algumas considerações introdutórias
sobre esse período histórico, demarcando acontecimentos e esclarecimentos.
29
Segundo Gilberto Cotrim (1999), alguns fatores do contexto internacional como o
desenvolvimento do capitalismo industrial5, os ataques ao absolutismo e o avanço das ideias
liberais6 influenciaram na desestruturação do sistema colonial no Brasil somando-se a isso
fatores internos, como a vinda da Família Real para o Brasil7.
O período imperial no Brasil ocorreu entre os anos de 1822 a 1889 e foi dividido
em três momentos: Primeiro Reinado (1822- 1831), Regência (1831- 1840) e Segundo
Reinado (1840- 1889).
Segundo Fausto (2006), no Primeiro Reinado deu-se a consolidação da
Independência, após alguns conflitos militares relativamente graves, nos quais “os brasileiros
favoráveis à Independência reuniram forças consideráveis para lutar contra as tropas
portuguesas que aqui estavam desde a vinda da família real, em 1808” (FAUSTO, 2008, p.
143).
O processo de independência foi impulsionado pelas classes dominantes que
pretendiam preservar a liberdade de comércio e a autonomia administrativa do país, não tendo
como projeto modificar as condições de vida da maioria da população.
A formalização da independência ocorreu em agosto de 1825, quando o Brasil
concordou em recompensar a Metrópole em 2 milhões de libras pela perda da antiga colônia
(FAUSTO, 2008).
Após dois anos da Independência, um debate político encaminhava-se para a
aprovação de uma Constituição. Ressalte-se que as eleições para uma Assembleia
Constituinte, com a missão de elaborar a Constituição, já estavam previstas alguns meses
antes da Independência (FAUSTO, 2008).
No tocante ao atendimento de crianças, coube a José Bonifácio, membro da
Assembleia Constituinte, a apresentação do primeiro Projeto de Lei brasileiro que
demonstrava uma preocupação com a criança nacional, no caso ao menor escravo. Entretanto,
esse projeto representava mais uma forma de manutenção da mão-de-obra escrava do que um
meio para assegurar direitos humanos aquelas crianças (KAMINSKI, 2002).
5 O Capitalismo Industrial desenvolveu-se no processo da Revolução Industrial e passou por três fases significativas: a primeira fase denomindada de industrial liberal (1780 a 1870); a segunda fase de capitalismo
industrial monopolista (1870 a 1945) e a terceira fase denominada de internacionalização (pós 1945).
6 As ideias liberais correspondem às ideias de que o mercado é livre para gerir as relações sociais e econômicas,
em que o Estado deve agir minimamente. Portanto, são visualizadas ações voltadas para as privatizações,
individualismo, focalização das políticas públicas e descentralização do Estado.
7 A família Real chegou ao Brasil em 22 de janeiro de 1808, protegida por uma esquadra naval desembarcaram
na Bahia e um mês depois o príncipe regente português transferiu-se para o Rio de Janeiro, vindo a instalar ali a
sede de seu governo (COTRIM, 1999).
30
A comissão começou a se reunir em maio de 1823 e a maior parte dos
constituintes adotava uma postura liberal moderada, defendendo uma monarquia
constitucional8 que garantisse os direitos individuais e estabelecesse limites ao poder do
monarca (FAUSTO, 2008).
Contudo, logo surgiram desavenças entre a Assembleia e Dom Pedro, pois a
Assembleia queria, por exemplo, impedir que o monarca tivesse o poder de veto absoluto,
para que ele não tivesse o direito de negar validade a qualquer lei aprovada pelo Legislativo.
Já o imperador e os círculos políticos que o apoiavam defendiam a concentração de maiores
atribuições nas mãos do monarca (FAUSTO, 2008).
Em vista disso, Dom Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte e logo em
seguida tratou de elaborar um projeto de Constituição que resultou na Constituição
promulgada em março de 1824. No entanto, esta não se diferenciava muito daquela proposta
anteriormente pela Assembleia, mas a “[...] primeira Constituição brasileira nascia de cima
para baixo, imposta pelo rei ao ‘povo’, embora devemos entender por ‘povo’ a minoria de
brancos e mestiços que votava e que de algum modo tinha participação na vida política”
(FAUSTO, 2008, p. 149).
A Constituição representava um avanço, ao organizar os poderes, definir
atribuições, garantir direitos individuais. O problema é que, sobretudo no
campo dos direitos, sua aplicação seria muito relativa. Aos direitos se
sobrepunha a realidade de um país onde mesmo a massa da população livre
dependia dos grandes proprietários rurais, onde só um pequeno grupo tinha
instrução e onde existia uma tradição autoritária. (FAUSTO, 2008, p. 149).
Sem grandes preocupações com a situação social de crianças naquele período,
mas sim com o perigo que ele poderia representar para a sociedade, “o menor teve ingresso no
Direito através dos atos de delinquência. Não (sendo) a sua pobreza que o conduziu até aqui,
mas a sua conduta danosa: o (seu) castigo foi a ideia inicial; só depois o amparo”
(KAMINSKI, 2002, p. 16 apud CAVALLIERI, 1976, p. 114).
Consoante Kaminski (2002), outra legislação referente à criança criada no
Primeiro Império, mas também sem grandes estratégias para proteção dessa categoria foi o
Código Criminal do Império de 1831, representando a primeira legislação nacional a referir-se
à criança, ou ao menor, considerando-a na classe dos menores criminosos, o que incluía as
pessoas até 21 anos de idade incompletos. Tal Código impunha ao menor a responsabilidade
8 Monarquia constitucional é um sistema de governo onde o monarca, que pode ser um rei, um imperador ou
figura semelhante, governa de acordo com a constituição e não através de sua vontade pessoal e livre.
31
criminal pela prática de atos tidos como crimes. Representava uma lei penal e não de proteção
à integridade da criança e do adolescente.
Envolto em questões políticas, revoluções internas, como a Confederação do
Equador9, questões externas e o desgaste de seu governo, o imperador viu-se “obrigado” a
abdicar em favor de seu filho, Dom Pedro II, na época com sete anos de idade. O imperador
abdicou em sete de abril de 1831, retornando para Portugal (FAUSTO, 2008).
Iniciava-se o período imperial conhecido como Regência (1831- 1840), período
em que o país foi regido por figuras políticas em nome do menino imperador, até que este
completasse sua maioridade, que se daria em 1840. Tal período foi um dos mais agitados e
importantes da história política do país.
Para nós, interessa a política daquele momento, pois conforme Fausto (2008), o
sistema político ainda não se consolidara, mas destacavam-se dois partidos imperiais - O
Conservador e o Liberal. Os Conservadores reuniam magistrados, burocratas, uma parte dos
proprietários rurais e grandes comerciantes. Os Liberais eram a classe média urbana, alguns
padres e proprietários rurais de áreas menos tradicionais. Logo, ocorreu um momento de
regresso com a centralização política.
O Segundo Reinado, nos anos de 1840 a 1889, deu-se após a antecipação da
maioridade do rei, com o apoio dos liberais e naquela época a base da economia era o café,
sendo a base do café a mão-de-obra escrava. Os produtores de café não viam uma alternativa
para substituir o trabalho escravo e mesmo o Brasil sendo pressionado pela Inglaterra para
tornar o tráfico de escravos ilegal, o país continuava a traficar escravos, vindo a findar a
escravidão em 1888 (FAUSTO, 2008).
Em Gilberto Cotrim (1999), vemos que durante o período das regências muitas
revoltas eclodiram pelas províncias brasileiras, demonstrando a insatisfação popular e uma
crise econômica10
.
De acordo com Fausto (2008), a partir de 1850 ocorreu no Brasil a busca pela
modernização capitalista, assim houveram várias medidas visando mudar a fisionomia do
país, tais como a melhoria do precário sistema de transporte.
Após breves explanações sobre o Império no Brasil, focamos no tratamento
dispensado a crianças e adolescentes naquele período histórico. No século XIX, era ainda
comum a associação da infância à morte. Nas palavras de Ana Maria Mauad (2006)
9 A Confederação do Equador deu-se mediante ideias republicanas, antiportuguesas e federativas, opostas à
centralização do poder e pretendia reunir as províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,
Piauí e Pará sob forma federativa e republicana (FAUSTO, 2008). 10 Sobre as revoltas provinciais ver COTRIM (1999).
32
“nascimento e morte são eventos opostos e tão ligados à infância oitocentista” (MAUAD,
2006, p. 156).
A mortalidade infantil apresentava índices elevados, sendo impulsionada pela
ausência de vacinação regular, o limitado conhecimento de doenças contagiosas e as
condições de higiene pouco favoráveis, deixavam as crianças a mercê de doenças variáveis,
dentre elas: tuberculose, febre amarela, febre palustre, meningite e pneumonia. Para Mauad
(2006):
Conforme o pensamento de pesar pela perda de uma criança se desenvolvia,
crescia também a preocupação em cuidar para a sua sobrevivência. Desta
tendência surgiu uma série de procedimentos para as diferentes etapas da
infância, com ênfase especial nos recém-nascidos e crianças até sete anos. No
entanto, diante de tantos personagens que povoavam o universo infantil,
durante o século XIX, numa sociedade como a brasileira, fica a pergunta: de quem era a responsabilidade de cuidar das crianças? (MAUAD, 2006, p.
160).
A mencionada autora nos apresenta a resposta para o questionamento acima: a
mãe. Era a mãe a responsável direta pelos cuidados com as crianças, seguida pelos pais, a avó
e as tias, contando com o auxílio de preceptoras, aias, amas, damas, pajens e outros. Assim,
“quanto mais ricos e nobres, na escala social, mais distantes dos pais estavam as crianças”
(MAUAD, 2006, p. 160).
Em decorrência da associação da fase da infância à morte, muitos adultos
demonstravam um desapego aos pequeninos, como forma de evitar um sofrimento maior face
à morte das crianças. Contudo, essa visão vai modificando-se com o passar do tempo e, “no
século XIX, a criança passa a ser considerada, tanto pela perenização da linhagem quanto pelo
reconhecimento de uma certa especialidade dessa etapa da vida. Por tudo isso ela inspira
carinho e cuidados” (MAUAD, 2006, p. 156).
As crianças escravas que resistiam aos navios negreiros e chegavam ao Brasil,
muitas vezes, perdiam seus pais, e quando órfãos conviviam com algum parente, padrinho ou
madrinha.
Aqueles que escapavam da morte prematura iam, aparentemente, perdendo os
pais. Antes mesmo de completarem um ano de idade, uma entre cada dez
crianças já não possuía nem pai nem mãe anotados nos inventários. Aos cinco
anos, metade parecia ser completamente órfã; aos 11 anos, oito a cada dez”
(GÓES e FLORENTINO, 2006, p. 180).
Góes e Florentino (2006) afirma que, sem a presença dos pais, as crianças
escravas vingavam entre irmãos, tios, primos, por vezes, avós, um padrinho ou madrinha. Tais
33
crianças aprendiam desde muito cedo, por volta de quatro anos de idade, algum ofício, como
tarefas domésticas leves, plantio, pastoreio ou costura. As crianças escravas também estavam
expostas a humilhações e agravos, nem sempre a castigos físicos aplicados aos adultos, mas
sob ordens até de meninos livres.
Ainda de acordo com Góes e Florentino (2006), “por volta dos 12 anos, o
adestramento que as tornava adultas estava se concluindo. Nesta idade, os meninos e meninas
começavam a trazer a profissão por sobrenome: Chico Roça, João Pastor, Ana Mucama.
Alguns haviam começado muito cedo” (GÓES e FLORENTINO, 2006, p. 184).
Era comum a presença de crianças em navios de guerra e, assim como em
Portugal, no Brasil havia estabelecimentos que acolhiam crianças abandonadas e funcionavam
próximo às Santas Casas de Misericórdia e recebiam o nome de Casa dos Expostos11
. Muitos
desses meninos aceitos nas Casas dos Expostos eram criados para servirem nos navios
durante as guerras, pois representavam uma categoria que poderia realizar funções de adultos,
mas que necessitariam de menos gastos, como por exemplo, necessitavam de uma menor
quantidade de alimentos.
No Brasil, a situação não era muito diferente de Portugal. No decorrer do
período colonial e imperial, foram criadas várias casas dos expostos junto às
santas casas. Tais instituições funcionavam de acordo com os regimentos
lusitanos, recebendo e mantendo meninos e meninas até os mesmos
completarem sete anos. Em algumas instituições, é possível comprovar,
desde o século XVIII, o envio de meninos para trabalharem nos arsenais ou em navios mercantes. (VENANCIO, 2006, p. 196).
Conforme Ângela Pinheiro (2006), as primeiras manifestações de proteção social
para crianças naquele período do Império aponta para o surgimento da casa dos expostos,
quando as crianças abandonadas eram abrigadas nessa casa. Embora essa proteção se
manifestasse no campo da “benesse” e do “favor”, da caridade assumida por outros quando a
ausência de quem deveria proteger, originalmente, a criança. As casas dos expostos surgiram
desde o período colonial e eram mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia.
Criada em 1738, na cidade do Rio de Janeiro, por um benemérito de então,
Romão Mattos Duarte, a instituição era ligada às Santas Casas de Misericórdia, e tinha como objetivo acolher crianças que se encontravam
11 As casas dos expostos eram destinadas ao acolhimento de meninos e meninas órfãos ou abandonadas pelos
pais, muitas delas eram destinadas ao recrutamento para a guerra, pois acreditavam que por não terem um amor
dedicado a uma família essas crianças dedicariam todo seu amor à pátria (PINHEIRO, 2006).
34
expostas, ou seja, abandonadas. Eram, em geral, crianças de famílias muito
pobres ou, também, os então denominados filhos ilegítimos ou bastardos-
tidos fora do casamento, em sua grande maioria, nascidos da relação de
senhores com escravas. (PINHEIRO, 2006, p. 53).
A situação de crianças e adolescentes durante o Império no Brasil foi marcada por
diferenciações no trato recebido por eles, período no qual crianças livres eram tratadas de uma
maneira específica e crianças escravas de maneira mais árdua e sem direito a uma infância
concreta.
As crianças livres tinham o amparo dos pais, recebiam uma alimentação mais
adequada e cuidados com a saúde e alimentação, ainda que de maneira não ideal. Já as
crianças escravas muitas vezes tornavam-se órfãs muito cedo, mantendo relações sociais com
irmãos, tios, avós ou outros parentes, sendo humilhadas.
Mas se a conjuntura social levou a criança brasileira a ter seu primeiro
contato com o mundo jurídico na área penal, de interesse da proteção social
dos indivíduos contra os seus atos ofensivos, e não na área da proteção
individual de seus direitos contra os atos ameaçadores ou violados dos outros,
as ideias humanas de liberdade retomaram com muito vigor a partir de 1860,
quando aprovada lei de autoria do senador Silveira da Mota, em 12 de junho
de 1862. (KAMINSKI, 2002, p. 17).
Essa lei dispunha da proibição da venda de escravos separados de seus pais e as
mulheres de seus maridos. Foi a primeira lei a referir-se à criança brasileira e ao direito dela
ao convívio familiar, embora estivesse longe ainda de por fim à escravidão no Brasil
(KAMINSKI, 2002).
No tocante à liberdade das crianças escravas foi em 28 de setembro de 1871 que
se aprovou a Lei n.º 2.040, conhecida como Lei do Ventre Livre, por meio da qual se
consideravam livres todos aqueles nascidos de mães escravas, tendo, no entanto, fracassado
em virtude das condições de servidão que rodeavam seus cotidianos (KAMINSKI, 2002).
Para Cotrim (1999), a queda da monarquia deu-se por várias questões, dentre as
quais podemos citar a questão abolicionista, a questão republicana, a questão religiosa e a
questão militar, ou seja, vários setores da sociedade estavam em oposição.
A questão abolicionista diz respeito à insatisfação dos senhores de escravos com a
libertação dos escravos sem uma indenização paga pelo Estado. A questão republicana
remete-se às ideias republicanas que guiavam diversos movimentos históricos. A questão
religiosa era a submissão da Igreja católica ao Estado. A questão militar refere-se à busca dos
oficiais do Exército por dignidade e voz ativa na vida pública (COTRIM, 1999).
35
Não havia no Império esforços coletivos que contemplassem uma proteção social
baseada no direito e na cidadania para a categoria infantil, sendo essa responsabilidade
assumida pela família ou por instituições de caridade. Sabemos que a construção da política
social no Brasil foi construída lentamente e de acordo com Behring e Boschetti (2011) até
1887 não se registra nenhuma legislação social.
1.2 A infância como objeto de controle do Estado: Da Primeira República ao Regime
Militar
Com a passagem do Império para a República no Brasil, sucedeu-se também uma
nova concepção de infância e adolescência em nosso território, na forma de atendimento a
esta categoria. Contudo, a princípio realizaremos uma breve consideração sobre este período
histórico a fim de conhecermos o que refletiu nessa mudança.
A Proclamação da República no Brasil deu-se em 15 de novembro de 1889 e
perdurou até o ano de 1930, foi o período histórico em que o país passou por uma grande
incerteza, pois vários grupos que disputavam o poder tinham interesses diversos e divergiam
em suas concepções de como organizar a República (FAUSTO, 2008).
De acordo com Passeti (2006), com a Proclamação da República, aguardava-se
um regime político democrático que possibilitasse garantias aos indivíduos. O novo século
apontava muitas esperanças e um frescor nacionalista. Ao passo que na realidade o que se
visualizava era cada vez mais crueldades contra crianças e adolescentes que demandava uma
ação do Estado, ação esta que veio na forma de proteger a sociedade do perigo que essas
crianças desvalidas poderiam representar.
Veio um século no qual muitas crianças e jovens experimentaram crueldades
inimagináveis. Crueldades geradas no próprio núcleo familiar, nas escolas,
nas fábricas e escritórios, nos confrontos entre gangues, nos internatos ou nas
ruas entre traficantes e policiais. A dureza da vida levou os pais a
abandonarem cada vez mais os filhos e com isso surgiu uma nova ordem de
prioridades no atendimento social que ultrapassou o nível da filantropia
privada e seus orfanatos, para elevá-los às dimensões de problema de Estado
com políticas sociais e legislação específica. (PASSETTI, 2006, p. 347).
A prioridade no atendimento era de pessoas que moravam no subúrbio, em casas
de aluguel, cortiços ou barracos, pois estas eram vistas como trocando regularmente de
parceiros, constituindo famílias muito grandes, filhos desnutridos e sem cuidados. Possuíam
carências culturais, psíquicas, sociais e econômicas (PASSETTI, 2006).
36
Frente à ideia de que a falta de uma família estruturada implicaria na
criminalidade e na delinquência, o Estado passou a chamar para si as tarefas de educação,
saúde e punição para crianças e adolescentes.
Desta forma, a integração dos indivíduos na sociedade, desde a infância,
passou a ser tarefa do Estado por meio de políticas sociais especiais
destinadas às crianças e aos adolescentes provenientes de famílias
desestruturadas, com intuito de reduzir a delinquência e a criminalidade.
(PASSETTI, 2008, p. 348).
Conforme Kaminski (2002), assim surgiam as primeiras atenções especiais à
criança e ao adolescente, como forma de proteger a sociedade das ações dos “menores
delinquentes”, como maneira de manter a ordem e o progresso nacional. Visavam punir e
responsabilizar penalmente os menores por seus atos delinquentes.
Se antes a criança e o adolescente eram de total responsabilidade de sua família, a
partir dos problemas que eles poderiam representar a ordem social, o Estado passa a realizar
ações que evitassem a delinquência e a criminalidade. Não significava, portanto, que o Estado
estivesse preocupado com a situação dos meninos e meninas pobres, mas sim com o “perigo”
que estes poderiam representar caso permanecessem na ociosidade.
Surge a representação social da criança e do adolescente como objetos de controle
e disciplinamento. Portanto, a criança e o adolescente deveriam servir aos interesses do
Estado, contribuindo para o desenvolvimento nacional, deveriam ser submissos ao Estado
(PINHEIRO, 2006).
Com a abolição do regime escravocrata e o início da fase republicana, combinam-
se as ações de médicos higienistas que colaboraram para a concepção da criança com o
investimento do Estado, segundo o qual era preciso criar filhos para a Nação, cultivar o amor
à família e ao Estado.
Com esses ditames, uma exigência se impunha: disciplinar e controlar as
crianças e adolescentes- em especial os pertencentes às classes subalternas-
para que se tornassem úteis à Nação, como mão-de-obra adequada às tarefas
próprias a um país subdesenvolvido, com uma história social recente de mão-
de-obra escrava, de economia sujeita aos ditames do país colonizador.
(PINHEIRO, 2006, p. 57).
Deste modo, começava a construção de uma imagem da criança e do adolescente
como o “menor” e no final do século XIX o menor vai surgindo como categoria que define
crianças e adolescentes pobres das cidades, sem a autoridade dos pais (TORRES et al., 2009).
37
A urgência em intervir, educando ou corrigindo os menores, passa a ser
fundamental, e a virada do século é marcada pela intervenção do poder
público na elaboração e execução de ações voltadas para o atendimento,
realizado quase que exclusivamente pela iniciativa privada até aquele
momento. (TORRES et al., 2009, pp. 101-102, grifos do autor).
Vários fatores contribuíram para essa visão sobre a infância e a adolescência,
dentre eles: “o processo de instituição da infância no Brasil do início do século XX ocorreu,
portanto, na intersecção entre medicina, justiça e assistência pública, tendo como foco a
infância como objeto de atenção e controle por parte Estado” (PEREZ e PASSONE, 2010, p.
654).
Neste período, entre os anos de 1889 a 1830, temos como mais significante em
relação às crianças e adolescentes o Código Penal da República, em 1890; uma legislação
para a assistência à infância, em 1891; o Juízo Privativo de Menores, em 1923 e o Código de
Menores de 1927.
O Código Penal da República foi criado através do Decreto n.º 847, de 11 de
outubro de 1890, e sua relação com a criança deu-se do fato de este Código declarar que não
são considerados criminosos as crianças menores de nove anos completos (BRASIL, 1890).
Em 1891, registrou-se o que Behring e Boschetti (2011) consideram como a
primeira legislação para a assistência à infância no Brasil, o que regulamentou o trabalho
infantil, embora nunca tenha sido cumprida na realidade.
Já o Juízo Privativo de Menores, ou Juizado do Menor, foi instituído com o
Decreto n.º 16.272 de dezembro de 1923, instalando-o na cidade do Rio de Janeiro. Este
decreto aprovou o Regulamento da Assistência e Proteção aos Menores Abandonados e
Delinquentes, estabelecendo assistência e proteção aos abandonados e delinquentes com idade
menor de 18 anos (BRASIL, 1923).
O Juizado do Menor apresentava ainda a concepção de pátrio poder e
esclarecimentos sobre Tutela, relatando que nos casos em que comprovada negligência ou
abuso de poder, crueldade, exploração, que comprometam à saúde, à segurança ou moralidade
do filho ou pupilo, será determinada a suspensão ou perda do pátrio poder ou a destituição da
tutela.
O artigo 18º trata das medidas aplicáveis aos menores e aponta que, quanto à
autoridade a quem incumbir a assistência e proteção aos menores, esta deverá tomar
38
providências como apreensão, ou internação em local apropriado de menores abandonados e
providenciará sobre sua guarda (BRASIL, 1923).
Os artigos 62º a 64º tratam do abrigo dos menores, estabelecendo um abrigo
destinado a receber provisoriamente, até que tenham destino definitivo, os menores
abandonados e delinquentes, devendo meninos e meninas permanecer em locais diferentes e
ocupando-se de exercícios de leitura, escrita, contas e jogos desportivos (BRASIL, 1923).
A situação de dependência desse menor ainda não era atribuída aos fatores
estruturais, mas sim interpretada como uma condição natural da orfandade,
ou vista como uma culpa à incompetência das famílias pobres de cuidarem dos seus filhos. Nasce daí que a ausência, a pobreza e a desestruturação
familiar assumem-se culpadas por aquela situação do menor. Embora a causa
relativa ao fator econômico fosse bastante visível e até conhecida pelos
legisladores e estudiosos, nenhuma solução era apresentada para o seu
enfrentamento. (KAMINSKI, 2002, p. 26).
O primeiro Código de Menores foi instituído pelo Decreto n.º 17.943, de outubro
de 1927, e também consolidava as leis de assistência e proteção a menores. Em seu Capítulo
III, no artigo 14º, declara como expostos os infantes com até sete anos de idade, encontrados
em estado de abandono. Aponta ainda que a admissão dos expostos em abrigos será mediante
consignação direta, eliminando o sistema de rodas, no qual a criança era deixada em cilindros
sem a identificação dos pais ou da pessoa que a levava (BRASIL, 1927).
O aspecto mais relevante deste Código foi o fato de esclarecer “definitivamente o
dever do Estado em assistir os menores que, devido à pobreza, ao abandono ou à morte dos
pais, tornavam-se dependentes da ajuda e da proteção pública como única forma de
assistência” (KAMINSKI, 2002, p. 26).
Dava-se início a uma maior intervenção junto às problemáticas sociais que
rodeavam a vida da criança, ao passo que discriminatoriamente lhe atribuíam à condição de
pobreza, culpabilizando-o ou por conta da ausência dos pais. Nas palavras de Torres et al.
(2009) vemos que “é a partir deste primeiro Código que a palavra menor se consolida como
classificatória da infância pobre e, contraditoriamente, é também a partir dele que começam a
ser formuladas estratégias relativas à intervenção junto a esse menor” (TORRES et al., 2009,
p. 102).
Assim, as palavras de Torres et al. sintetizam bem o atendimento ofertado a
crianças e adolescentes no período da Primeira República no Brasil:
39
Portanto, a assistência oficial desse período segue a tradição das iniciativas
caritativas, constituindo-o basicamente, na mera montagem de um sistema de
atendimento de caráter correcional, reformista e repressivo materializado nos
institutos, internatos, reformatórios, escolas premunitórias e correcionais.
(TORRES et al., 2009, p. 103).
Saltando da República Velha para a República Nova12
, vemos que o contexto
econômico do Brasil passava por uma crise na produção agrícola, pois não havia mercado
para as exportações, havia a ruína de fazendeiros e desemprego nas grandes cidades. No
campo político, as oligarquias tradicionais buscavam reconstruir o Estado nos velhos moldes
(FAUSTO, 2006).
Conforme Cotrim (1999), a desestruturação da República Velha ocorreu a partir
do enfraquecimento econômico da oligarquia cafeeira e da ruptura do acordo político entre as
lideranças de Minas Gerais e São Paulo, tal desentendimento agitou o país.
Para Behring e Boschetti (2011), essas transformações nacionais sofreram as
consequências da crise econômica mundial, pois o nosso país, que vinha de um mercado de
agroexportação de café, viu-se sem compradores internacionais e assim as oligarquias
exportadoras tornaram-se vulneráveis politicamente e economicamente. Ao passo que as
oligarquias do gado, do açúcar e outras, as quais se encontravam fora do núcleo do poder,
aproveitaram para alterar as correlações de forças.
[...] Pois bem, o advento da crise internacional de 1929-1932 teve como
principal repercussão no Brasil uma mudança da correlação de forças no
interior das classes dominantes, mas também trouxe consequências
significativas para os trabalhadores, precipitando os acontecimentos na efervescente sociedade brasileira daqueles tempos. (BEHRING e
BOSCHETTI, 2011, p. 104).
De tal modo, chegaram ao poder político outras oligarquias agrárias e um setor
industrialista, indo de encontro à hegemonia do café, vislumbrando uma modernização do
país. Para Behring e Boschetti (2011), o movimento de 1930 “[...]foi sem dúvida um
momento de inflexão no longo processo de constituição de relações sociais tipicamente
capitalistas no Brasil” (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 105).
O período que Vargas permaneceu no poder foi marcado por uma política
trabalhista, mostrando-se inovadora e que dava início à industrialização do país. Desse modo,
12
República Nova é o período da história do Brasil que marca a decadência das oligarquias cafeeiras no poder e
dá-se início ao período conhecido como Estado Getulista, período em que após o Golpe do Estado de 1930,
precedido por Getúlio Vargas este assume a presidência do país, permanecendo entre os anos de 1930 a 1945,
inicialmente provisoriamente, depois eleito pelo voto indireto e por fim como ditador (FAUSTO, 2006).
40
tinha por objetivo reprimir a organização da classe trabalhadora urbana e conquistar o apoio
ao governo (BEHRING e BOSCHETTI, 2011).
No que concerne às crianças e adolescentes, algumas legislações e instituições
foram criadas para atender a esse público, embora marcadas ainda pela caridade, reformismos
e paternalismo.
No Governo Varguista, foi criado o Instituto Sete de Setembro destinado a
recolher, em depósito, por ordem do Juiz de Menores, as crianças e adolescentes abandonados
nos termos da lei, até que estes tenham destino conveniente, sendo o referido instituto
regulamentado pelo Decreto n.º 21.518 de junho de 1932. Para tanto, os meninos deveriam
permanecer em local diferente das meninas e criado também uma sessão infantil (BRASIL,
1932).
De acordo com Kaminski (2002), podemos citar como relevante no tocante à
criança e ao adolescente a Carta Constitucional de 1934, pois esta foi a primeira Constituição
a referir-se à criança e ao adolescente, à defesa e à proteção de seus direitos, proibindo todo
tipo de trabalho aos menores de 14 anos, o trabalho noturno aos menores de 16 anos e o
trabalho insalubre aos menores de 18 anos de idade.
O autor supracitado relata ainda que, no Estado Novo, embora em período de
restrições devido à Ditadura de Vargas, houve uma maior proteção à criança carente. Por
meio da Constituição de 1937, foram lançados dispositivos mais modernos em relação à
criança e ao adolescente, garantindo-lhes condições mínimas para o seu desenvolvimento, a
partir das quais o Estado deveria provê-las e garantir a esses garotos e garotas o acesso ao
ensino público e gratuito aos que não tivessem condições de pagar.
Outra legislação voltada para a criança e adolescente foi formulada no ano de
1940, o Decreto n.º 2.024 de 17 de fevereiro do referido ano, que dispõe sobre as bases da
organização da proteção à maternidade, à infância e à adolescência em todo o país (BRASIL,
1940).
Tal legislação, em seu artigo 4º, estabelecia a criação do Departamento Nacional
da Criança, vinculado ao Ministério da Educação e Saúde, estabelecendo o referido
departamento como o órgão maior de coordenação de todas as atividades nacionais relativas à
proteção à maternidade, à infância e adolescência, tendo entre outras funções: realizar
inquéritos e estudos sobre o problema social da maternidade, da infância e da adolescência;
estimular e orientar a organização de estabelecimentos estaduais, municipais e particulares
destinados à proteção à maternidade, à infância e à adolescência, fiscalizar em todo o país, a
41
realização das atividades que tenham por objetivo a proteção das categorias citadas (BRASIL,
1940).
No artigo 7º, o referido decreto estabeleceu que o Conselho Nacional de Serviço
Social cooperasse com o Departamento Nacional da Criança no estudo das questões relativas
à proteção à maternidade, à infância e à adolescência (BRASIL, 1940).
Atentando para o que de fato guiava as ações do Estado naquele período frente à
problemática social de crianças e adolescentes, concordamos com Ângela Pinheiro (2006)
quando ela aponta que:
Os cuidados com a saúde da criança, decorrentes das ações do Departamento
Nacional da Criança, parecem manter estreita relação com a necessidade de
preservar a vida e de contribuir para a formação de mão-de-obra saudável,
requerida pela industrialização que se intensificava no país. (PINHEIRO,
2006, p. 121).
Com o Decreto-lei n.º 3.799 de cinco de novembro de 1941, Getúlio Vargas
transforma o Instituto Sete de Setembro em Serviço de Assistência ao Menor (SAM),
diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores e em articulação com
o Juízado de Menores do Distrito Federal (BRASIL, 1941).
O SAM tinha por finalidade: sistematizar e orientar os serviços de assistência a
menores desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares;
proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos;
abrigar os menores, à disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal; estudar as causas
do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos (BRASIL,
1941).
Verificamos que os serviços e instituições criadas ainda não se pautavam na
lógica do direito de cidadania de crianças e adolescentes, mas como estratégias de punição
dos menores e como forma de mantê-los sob controle, a fim de não perturbarem a ordem e o
progresso, assim “[...]essas práticas, parecem-me, estavam sedimentadas na representação
social da criança e do adolescente como objeto de repressão social, ao mesmo tempo em que
fortaleciam tal representação e a legitimavam” (PINHEIRO, 2006, p. 122).
Após um jogo político complexo, Getúlio Vargas é deposto do poder e militares e
a oposição liberal decidiram entregar o poder ao presidente do Supremo Tribunal Federal,
com a previsão de eleições para o cargo de presidente do país. Iniciava-se o governo
democrático que perdurou entre os anos de 1945 a 1964.
42
Gilberto Cotrim (1999) esclarece que em seguida foram realizadas eleições gerais
em todo o país e para a presidência da República foi eleito Eurico Gaspar Dutra. Depois de
sete meses de trabalho legislativo, foi promulgada em setembro de 1946 a nova Constituição
brasileira13
, vigorando até 1964.
Houve naquela época a continuidade do aparato legal para crianças e
adolescentes, mas sem grandes relevâncias a nível nacional. A Constituição de 1946, apenas
ratificou o conteúdo das anteriores e “só inovou ao impor o dever estatal de proteção e
assistência à maternidade, à infância e a adolescência, além de estender a proibição do
trabalho noturno aos menores de 18 anos” (KAMINSKI, 2002, p. 27).
Ocorria, então, a decadência do SAM, que criado para dar assistência aos menores
desvalidos e delinquentes não estava cumprindo sua função. O SAM passou a sofrer críticas
em virtude de sua grande repressão contra os menores, e em meio às críticas o SAM perdeu
sua legitimidade institucional como órgão oficial de assistência à criança e ao adolescente.
Após o governo de Dutra, tivemos o retorno de Getúlio Vargas ao poder, dessa
vez eleito pelo voto direto e construindo um governo com características de nacionalismo
econômico e o trabalhismo. Perpassamos ainda pelo governo de Juscelino Kubitschek (entre
os anos de 1956-1961), Jânio Quadros (1961), João Goulart (1961- 1964) até ocorrer um
retrocesso quanto aos direitos políticos e sociais com a instauração do Golpe Militar de 1964.
Conforme Gilberto Cotrim (1999), o golpe militar explodiu com a rebelião das
Forças Armadas contra o governo de João Goulart, tal movimento teve início em Minas
Gerais sob o comando do general Olímpio Mourão Filho, ganhando adesão de outras unidades
militares de São Paulo, Rio Grande do Sul e do antigo estado da Guanabara. Assim, sem
condições de reagir ao golpe, João Goulart deixou Brasília e exilou-se no Uruguai. Começava
o Golpe Militar.
Com o Golpe Militar de 1964 no Brasil, o nosso país encontrava-se na contramão
do plano internacional, pois o contexto internacional estava marcado por uma reação burguesa
à crise do capital, enquanto no Brasil vivia-se um momento de expansão da produção em
massa de automóveis e eletrodomésticos para o consumo de massa restrito, o chamado
Milagre Econômico. Havia crescimento econômico e pouco desenvolvimento social.
13 A Constituição de 1946 estabeleceu princípios básicos, como o estabelecimento da democracia como regime
político da nação; a federação como forma de Estado; o presidencialismo como sistema de governo; direito de
voto secreto e universal para os maiores de 18 anos; direitos trabalhistas e direito do cidadão à liberdade de
pensamento, de crença religiosa, de expressão, de locomoção e de associação de classe, dentre outros (COTRIM,
1999).
43
Consoante Cotrim (1999), o contexto político marcado por repressões e violações
de direitos, a situação complicou-se ainda mais com o decreto do Ato Institucional n.º 514
,
pois se utilizando desse ato o governo prendeu milhares de pessoas em todo o país, fechou o
Congresso Nacional e cassou o mandato de muitos políticos, estabeleceu-se a censura aos
meios de comunicação e a tortura tornou-se integrante dos métodos de governo.
O regime militar representou retrocessos quanto aos direitos políticos e sociais e
atingiu terrivelmente a vida dos cidadãos brasileiros, muitos foram presos, torturados,
exilados e muitos continuam desaparecidos15
.
A redistribuição dos ganhos era restrita, mas muitos acreditavam no sonho da casa
própria e do carro. Por outro lado, “expandia-se também a cobertura da política social
brasileira, conduzida de forma tecnocrática e conservadora, reiterando uma dinâmica singular
de expansão dos direitos sociais em meio à restrição dos direitos civis e políticos,
modernizando o aparato varguista” (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 135).
Após o Golpe Militar de 1964, foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor (FUNABEM), “uma instituição para viabilizar a assistência à criança e ao adolescente,
configurados como ‘menores’ em situação irregular” (PINHEIRO, 2006, p. 125). Esta
Fundação buscou institucionalizar um novo padrão de assistência à criança e mesmo com
características controladoras e repressivas tinha conotação educativa.
Criação também do período ditatorial foi o Novo Código de Menores. Organizado
a partir da Lei n.º 6.697 de 1979, o Novo Código acolheu a chamada Doutrina da Situação
Irregular do Menor, dirigindo-se somente a três classes de menores: os abandonados
materialmente, intelectualmente e juridicamente; as vítimas de maus-tratos, desassistidos e
explorados; infratores ou inadaptados (KAMINSKI, 2002 apud CAVALLIERI, 1986, p. 60).
O Código de Menores de 1979 dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a
menores. Trata ainda das entidades de assistência e proteção ao menor, da colocação em lar
substituto, da guarda, tutela e das infrações do trabalho (BRASIL, 1979).
Então, o que acontecia com essa legislação é que ainda continuávamos a ver
as crianças na situação jurídica de incapacidade, como objetos de medidas,
14 O Ato Institucional n.º 5(AI-5) conferia ao presidente da República poderes totais para reprimir e perseguir as
oposições, podendo o presidente fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas e Câmaras de
Vereadores, bem como suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos, dentre outras arbitrariedades e
descumprimentos da Constituição (COTRIM, 1999).
15
A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei n.º 12.528/11, instituída em maio de 2012, e tem por
finalidade a apuração das violações de direitos humanos e a desvendamento da verdadeira história por trás da
perseguição e tortura de brasileiros no período da Ditadura Militar. Maiores informações acessar o site:
<http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-informacao/a-cnv>.
44
sem vontades ou direitos; o que se vê vem desde que foi descoberta. O Estado
não protegia todas as crianças brasileiras, só concebendo suas benesses
àquelas que se encontravam em situação de falta, de carência ou de
transgressão. O Estado ainda não atuava para garantir direitos, mas apenas
para resgatá-los, mantendo uma política compensatória. (PINHEIRO, 2006,
p. 32).
Por um longo tempo, a assistência à criança permaneceu sob a proteção familiar
ou religiosa, com base na caridade e na benesse. Dando lugar a uma proteção que visava
afastar a ameaça que as crianças e adolescentes abandonados e delinquentes poderiam
representar à sociedade. A proteção à criança e ao adolescente baseada na condição de
sujeitos de direitos inexistiu até o término do período da Ditadura Militar.
Como vimos, desde a Proclamação da República ao Regime Militar, a criança e o
adolescente no Brasil foram tratados como objeto de controle do Estado, como passivo de
punição e repressão, não tendo o que se falar em cidadania e proteção social na perspectiva da
garantia de direitos.
1.3 Criança e adolescente como sujeitos de direitos: Da redemocratização aos dias atuais
Como vimos no tópico anterior, até os anos finais da Ditadura Militar no Brasil a
criança e o adolescente eram compreendidos a partir da situação irregular, ou seja, eram vistos
como objeto de controle do Estado e passíveis de repressão e disciplinamento, visto sob o
aspecto jurídico. Entretanto, desde a passagem dos anos 1970 para os anos de 1980 a
articulação entre setores da sociedade passou a colaborar para a construção de uma nova
concepção sobre meninos e meninas no nosso país, consolidando-se na representação social
de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, embora ainda coexistissem as outras
representações sociais de crianças e adolescentes.
Entendemos que a passagem do regime ditatorial para o regime democrático16
consolidou-se com a Promulgação da Constituição Federal de 1988, mas que acontecimentos
anteriores à Carta Magna construíram essa possibilidade de abertura política17
.
16 Regime democrático é o regime de governo em que é garantido a participação popular, os direitos humanos e
sociais, eliminando-se qualquer forma de repressão e censura. Antes é assegurado à população o direito de
participação política e a escolha por seus representantes políticos. 17 Dentre tais acontecimentos, citemos a Campanha da “Diretas Já”, a qual de acordo com Boris Fausto (2006),
foi uma campanha iniciada pelos anos de 1983 pelo partido político PT, em prol de eleições diretas para a
presidência da República. Posteriormente teve apoio de outros partidos como o PMDB. Contudo, tal campanha
foi além das organizações partidárias e converteu-se em uma quase unanimidade nacional. Embora não tenha
alcançado seu objetivo central, a campanha “Diretas Já” representou um exemplo de mobilização popular.
45
Neste cenário envolto em insatisfações e luta dos movimentos sociais, fortaleceu-
se também os movimentos populares em defesa da cidadania de crianças e adolescentes.
Assim sendo, Ângela Pinheiro (2006) caracteriza aquele cenário sócio-histórico tomando
como eixos norteadores dois elementos-chave da realidade, sendo “a luta pela
redemocratização e a atuação dos movimentos sociais, constituindo uma esfera pública, nos
embates pela instituição dos direitos” (PINHEIRO, 2006, p. 110).
Complementa ainda quando diz:
O início da década de 1970 ainda configurava o vigor do regime de exceção a
que estava submetida a Nação, desde o golpe militar de 1964. A partir dos
meados dos anos 1970, contudo, começa a se delinear, no País, um novo
momento político, caracterizado pela luta em prol da redemocratização, pela
formulação de um modelo de democracia participativa e pela conquista e
institucionalização de novos direitos. (PINHEIRO, 2006, p. 110).
De acordo com Pinheiro (2006), aquele período de redemocratização, que se
iniciara nos anos de 1970 e consolidou-se no final dos anos de 1980, deu-se envolto em
efervescência política, em que se constituía uma sociedade civil com novo perfil e ocorria a
entrada de novos atores na cena política, configurando-se uma renovação da cultura política
brasileira, com a revalorização de conceitos como democracia, cidadania e direitos humanos.
Portanto, é neste cenário que entra em cena a defesa de uma nova interpretação
sobre crianças e adolescentes, pautada nesses sujeitos como sujeitos de direitos e uma nova
esfera pública vai se constituindo: “ a nova esfera pública configura-se como espaço de
disputa, só que agora na cena pública, lugar de encontro das diferenças e dos sujeitos
coletivos, em que os múltiplos interesses divergentes irão se confrontar” (RAICHELIS, 1998,
p. 81).
A representação social18
da criança e do adolescente como sujeitos de direitos é
bem recente e se forja a partir dos anos 1970, no contexto da efervescência da luta pelos
direitos humanos, que se construía a nível mundial. No Brasil, essa luta se intensifica em
paralelo aos esforços da sociedade nos anos 1970 e na década de 1980, pela democratização
do país e pela garantia de direitos (PINHEIRO, 2006).
Segundo Ângela Pinheiro (2006), essa concepção da criança e do adolescente
como sujeitos de direitos tem fundamento em dois princípios: a igualdade perante a lei e o
respeito à diferença, segundo os quais prevalecem o princípio da igualdade perante a lei se
18 Representação social é referente a concepção que a sociedade de modo geral atribue a determinada categoria,
portanto, trata-se da forma como a sociedade percebe e entende específicos grupos de sujeitos.
46
manifesta pela universalização dos direitos, a garantia de todos os direitos para todas as
crianças, sem critério classificatório, sem distinção de origem socioeconômica, idade ou
estrutura familiar.
Para a supracitada autora, o princípio do respeito à diversidade refere-se ao fato de
a criança e o adolescente serem pessoas em desenvolvimento e que necessitam de proteção do
Estado, da sociedade e da família, sendo considerados a partir de suas diferenças, mas não
como seres inferiores.
Com base neste pensamento, crianças e adolescentes têm poder de escolha, de
tomar decisões de participar ou não de programas ou de atividades, as quais devem ser
realizadas preferencialmente em espaços abertos contrapondo-se às instituições fechadas e
pautadas na repressão (PINHEIRO, 2006).
As atividades não se revestem de obrigatoriedade: para a escolha da atividade
e a frequência a elas, a criança e o adolescente participam das decisões. É
nesse sentido que se pensa a criança e o adolescente, na perspectiva dessa
representação social, como sujeitos - de direitos, que participam, que
escolhem (PINHEIRO, 2006, p. 83).
Se antes eram comuns práticas de confinamento e castigos físicos, a partir dessa
nova compreensão da infância e da adolescência têm-se ações permeadas pelo diálogo, pelo
envolvimento da comunidade e da família nos programas para crianças e adolescentes e
aplicação de medidas socioeducativas para adolescentes infratores.
[...] a representação social da criança e do adolescente como sujeitos de
direitos parece constituir uma ruptura, no que concerne às visões, às
concepções que lhe antecederam, por ser a primeira representação a
reconhecer todas as crianças e adolescentes como portadores de direitos, e,
portanto, a reconhecer a sua condição de cidadania [...]. (PINHEIRO, 2002,
p. 85).
Contudo, essa recente representação social de crianças e adolescentes exige uma
reforma moral e intelectual na vida social brasileira, visto que a existência de legislações para
esse público-alvo não significa que de fato as crianças e adolescentes estão sendo valorizados
e respeitados.
A nova forma de entender a infância e a adolescência tem sua formalização na
Doutrina da Proteção Integral, a qual se caracteriza apresentar uma doutrina que defende que
a proteção integral deve ser formada por um conjunto de cuidados para a proteção e a
47
assistência à criança, fazendo-a a assumir suas responsabilidades na comunidade e
desenvolvendo sua personalidade (PINHEIRO, 2006).
As políticas públicas para crianças e adolescentes no Brasil acompanham o
momento histórico do Brasil, no qual se buscavam uma redemocratização e uma defesa dos
direitos sociais e políticos, tendo sido a Constituição Federal de 1988 o marco que pôs fim aos
últimos vestígios do regime autoritário e representando avanços, especialmente no campo dos
direitos sociais.
Assim, entendemos que “a Constituição de 1988 refletiu o avanço ocorrido no
país especialmente na área da extensão de direitos sociais e políticos aos cidadãos em geral e
às chamadas minorias. Entre outros avanços, reconheceu-se a existência de direitos e deveres
coletivos, além dos individuais” (FAUSTO, 2008, p. 525).
A Constituição de 1988 aborda a questão da criança e do adolescente em seus
artigos 227 a 229, reconhecendo-os como sujeitos de direitos (BRASIL, 1988). Dessa forma,
no artigo 227 institui que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão (BRASIL, 1988).
Perez e Passone (2010) sintetizam que, a partir da Carta Magna de 1988, foram
instituídas ordenações legais com base nos direitos sociais, dentre elas: o Estatuto da Criança
e do Adolescente - ECA (Lei Federal n.º 8.069/90 que dispõe dos direitos e deveres da criança
e do adolescente); a Lei Orgânica da Saúde - LOS (Lei Federal n.º 8.080/90 que dispõe sobre
as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes); a criação do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente - CONANDA (Lei Federal n.º 8.242/91 que aprova a criação do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente); a Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS (Lei Federal n.º 8.742/93 que dispõe sobre a organização da Assistência
Social); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (Lei Federal n.º 9.394/96
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional); Lei Orgânica de Segurança
Alimentar - LOSAN (Lei Federal n.º 11.346/06 que cria o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação
48
adequada) e à integração dos serviços sociais, por meio do Sistema Único de Assistência
Social.
Todo esse aparato legal representou conquistas para a população e possibilitou,
embora teoricamente, o atendimento das necessidades da população, como saúde, educação,
alimentação e outras, estendendo-se ao público infanto-juvenil. Essas legislações representam
o novo conceito de cidadania com base na garantia de direitos e representam também um
marco de conquistas legais na área dos direitos de crianças e adolescentes.
Contudo, devemos lembrar que a conjuntura que adentrava os anos 1990 era
marcada pelo avanço das políticas neoliberais no Brasil. Para Behring e Boschetti (2011):
Apesar do ascenso das lutas democráticas e dos movimentos sociais, que
apontavam condições políticas e uma base de legitimidade forte para a
realização de reformas efetivas, muitas contratendências se interpuseram a
essa possibilidade. Os anos 1990 até os dias de hoje têm sido de
contrarreforma do Estado e de obstaculização e/ou redirecionamento das
conquistas de 1988, num contexto em que foram derruídas até mesmo
aquelas condições políticas por meio da expansão do desemprego e da
violência. (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 147).
Com a primeira eleição direta para presidência no ano de 1989, em que
disputaram em segundo turno o candidato Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de
Mello, as esperanças de um período de democracia e participação popular se renovavam.
Porém, as elites depositaram sua confiança em Collor de Mello, pois o discurso dele era
também o dos setores insatisfeitos com a Carta Constitucional. Ainda pelo fato de Collor de
Mello ter sua origem na classe burguesa.
Adentrávamos uma década de 1990 com expectativas e esperanças democráticas
na política e na economia, mas também rodeada de tendências regressivas e conservadoras.
Embora tivéssemos um acúmulo de forças pelos trabalhadores e movimentos populares, as
classes até então dominantes não iriam abrir mão tão fácil do poder e logo buscariam formas
de frear as esperanças das classes populistas.
De acordo com Behring e Boschetti (2011), o contexto político dos anos
pós-Constituição Federal de 1988 foram marcados por reformas neoliberais com ênfase nas
privatizações. As autoras apontam que:
Ao longo dos anos 1990, propagou-se na mídia falada e escrita e nos meios
políticos e intelectuais brasileiros uma avassaladora campanha em torno de
reformas. A era Fernando Henrique Cardoso(FHC) foi marcada por esse mote, que já vinha de Collor, cujas características de outsider (ou o que vem
49
de fora) não lhe outorgaram legitimidade política para conduzir esse
processo. (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 148).
No começo da década de 1990, o Brasil passou por quatro gestões presidenciais,
iniciando com Fernando Collor de Mello, que foi quem de fato implementou no país o projeto
neoliberal e veio a sofrer um impeachement. Assim, em 1992, o vice de Collor de Mello,
Itamar Franco, assume a presidência. Em 1995, é eleito para presidente o Fernando Henrique
Cardoso, e este permanece por dois mandatos.
Nesse contexto de reforma do Estado, o marco legal de atendimento às crianças e
adolescentes no Brasil foi a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, criado
através da Lei Federal n.º 8.069/90, em 13 de julho de 1990, estabelecendo uma legislação
destinada a esse público-alvo, vendo esses sujeitos infanto-juvenis como sujeitos de direitos e
dignos de proteção integral (BRASIL, 1990). Trataremos especificamente do ECA em
capítulo posterior.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (CONANDA) é
instituído com a Lei n.º 8.242 de 12 de outubro de 1991, possuindo como principais
competências segundo o artigo 2º em seus incisos:
I - elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de
ação e as diretrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de
1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); II - zelar pela aplicação da Política
Nacional de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente; III - dar apoio
aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, aos
órgãos estaduais, municipais, e entidades não governamentais para tornar efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos na Lei n.º 8.069, de 13 de junho
de 1990; IV - avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos
Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente [...] (BRASIL, 1991).
A lei n.º 8.642/93, de trinta e um de março de 1993, instituiu o Programa Nacional
de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente, que tem como finalidade a integração e
articulação de ações de apoio às meninas e meninos no Brasil (BRASIL, 1993).
Em seu artigo 2º, estabelece as áreas prioritárias de atuação: I - mobilização para a
participação comunitária; II - atenção integral à criança de 0 a 6 anos; III - ensino
fundamental; IV - atenção ao adolescente e educação para o trabalho; V- proteção à saúde e à
criança e ao adolescente; VI - assistência a crianças portadoras de deficiência; VII - cultura,
desporto e lazer para criança e adolescente; VIII - formação de profissionais especializados
em atenção integral à criança e ao adolescente (BRASIL, 1993).
50
Já a lei que dispõe sobre a assistência social, Lei Federal n.º 8.742 de 07 de
dezembro de 1993, também se posicionou quanto à proteção às crianças e aos adolescentes ao
colocar a assistência social como dever do Estado, apresentando como objetivos a proteção à
família, à maternidade, à infância, a adolescência e à velhice, bem como o amparo à crianças
e adolescentes carentes (BRASIL, 1993).
Segundo ainda Behring e Boschetti (2011), o governo de Fernando Henrique
Cardoso foi marcado por um desmonte das políticas sociais, que já vinha desde Collor de
Mello, em que houveram reformas voltadas para o mercado19
, para as quais os problemas no
âmbito do Estado eram considerados como as causas centrais da profunda crise econômica e
social e eram desprezadas as conquistas de 1988 no tocante à seguridade social.
Para José Paulo Netto (2004), a herança da era FHC foi de maldição e bendição,
pois o que houve naquele período foi a dilapidação do patrimônio público pela via da
privatização, o aumento da dívida externa, o agravamento da vulnerabilidade do país em face
dos condicionantes externos, altas taxas de desemprego, bem como a acentuação de outras
expressões da questão social20
. A bendição ocorreu para o capital parasitário-financeiro, pois
foi grande o balanço para os maiores bancos privados, e a oligarquia financeira pôde
satisfazer a sua voracidade.
Contudo, no que se refere aos direitos de crianças e adolescentes naquele
momento, deu-se a aprovação da Lei Federal de n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação e se relaciona com a garantia de direitos de
crianças e adolescentes no que demanda sobre a educação infantil e fundamental, tendo como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, dos seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social (BRASIL, 1996).
Inova na garantia de direitos de crianças e adolescentes a partir do momento que
determina o ensino fundamental como obrigatório e gratuito na escola pública, iniciando-se
aos seis anos de idade e possibilitando a formação básica do cidadão (BRASIL, 1996).
Consoante Netto (2004), com a chegada do PT na presidência da República, fato
que ocorreu no ano de 2002, quando o Luíz Inácio Lula da Silva assume a presidência do país,
contraditoriamente foi dada continuidade à prática neoliberal, prática esta combatida
frontalmente pelos partidários do PT. Este fato é comprovado através das relações com o FMI
19 O Estado brasileiro passa a incentivar a modernização das indústrias e deixa de incentivar as políticas sociais
públicas, intervindo minimamente e deixando o mercado livre para gerir as relações de trabalho. 20 Entendemos por questão social o que Marilda Iamamoto (2011) conceitua como um conjunto das
desigualdades sociais próprias do sistema de produção capitalista.
51
e com a condução da contrarreforma21
do Estado. Tal fato leva Netto (2004) a relatar a
necessidade da (re)constituição de uma esquerda socialista e revolucionária entre nós depois
do governo Lula, haja vista que o governo petista ofereceu grandes contribuições ao
conservadorismo brasileiro e que “no poder, a esquerda não se diferencia substantivamente
daqueles a quem sucede” (NETTO, 204, p. 19).
O governo Lula e posteriormente o governo Dilma Roussef foram marcados por
políticas de transferência de renda. Recentemente, temos a implantação do Programa Bolsa
Família, criado através da Lei n.º 10.683/2003, que unifica ações de transferência de renda.
Perez e Passone (2010) nos dizem que:
Por exemplo, tal programa integrou diversas ações existentes, como o Bolsa-
Escola (Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado ao Ministério da
Educação); a Bolsa- Alimentação (Programa Nacional de Renda Mínima para
Combate à Mortalidade Infantil e Desnutrição, vinculado ao Ministério da
Saúde); o Cartão-Alimentação (Programa Nacional de Acesso à Alimentação,
criado no âmbito do Programa Fome Zero e vinculado ao extinto Ministério
Extraordinário da Segurança Alimentar); o programa Auxílio - Gás,
vinculado ao Ministério das Minas e Energia, e o PETI este último a partir de
2006. (PEREZ e PASSONE, 2010, p. 668).
Conforme o portal da transparência22
do Governo Federal, o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil - PETI é um programa de nível federal que objetiva acabar
com todas as formas de trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos, garantindo a
esses sujeitos sua frequência à escola. Dessa forma, o Governo Federal paga uma bolsa
mensal no valor de R$ 25 por criança em atividade escolar para a família que retirar a criança
do trabalho, em municípios com população inferior a 250.000 habitantes. Para as famílias que
moram em municípios com mais de 250.000 habitantes, o valor do benefício é de R$ 40.
Contudo, ressalte-se que atualmente no governo da presidente Dilma Roussef o PETI foi
integrado ao Programa Bolsa Família, visto que o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) entende que pobreza e trabalho infantil se relacionam. Com essa
integração, entretanto, ambos os programas mantêm suas especificidades e objetivos, não
sendo nenhum subordinado ao outro.
21 O processo de contrarreforma do Estado diz respeito às ações voltadas para a minimização da atuação do
Estado na área social em contraposição às conquistas sociais estabelecidas na Constituição Federal de 1988,
estabelecendo uma redefinição do papel do Estado. Assim, busca-se dar espaço para o setor privado e
ultimamente para as organizações não governamentais na gerência e promoção do atendimento à população,
resultando em programas e projetos sociais de modo focalizados. 22 Disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/aprendaMais/documentos/curso_PETI.pdf>. Acesso
em: 10 abr. 2014, 17:49:00.
52
O Programa Mais Educação foi regulamentado pelo Decreto n.º 7.083/10 e tem
como finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo
de permanência de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas, com a oferta de
educação básica em tempo integral, com duração de jornada escolar igual ou superior a sete
horas diárias durante todo o ano letivo. Para tanto, serão ofertadas atividades de
acompanhamento pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes,
esporte e lazer, direitos humanos, entre outras atividades (BRASIL, 2010).
Atualmente, com a gestão da presidente Dilma Roussef23
, que também não
combateu fortemente o neoliberalismo24
em nosso país, temos a Ação Brasil Carinhoso que a
princípio estabelece uma renda mensal de R$ 70 como complemento ao benefício do Bolsa
Família. Na área saúde, trata os males que mais prejudicam o desenvolvimento da primeira
infância, através de campanha de vacinação e de outras ações de saúde. Na Educação, oferece
estímulos financeiros aos municípios e ao Distrito Federal, para incentivar o aumento da
quantidade de vagas para crianças de 0 a 48 meses nas creches públicas ou conveniadas,
fazendo com que serviços de educação infantil cheguem à população mais pobre.
O site do Ministério do Desenvolvimento Social25
aponta que a Ação Brasil
Carinhoso foi lançada pelo programa Brasil Sem Miséria26
, para atender à parcela mais
vulnerável envolvidos na situação de miséria em nosso país, sendo a maior incidência entre
crianças e adolescentes de até 15 anos.
Verificamos que, ao longo dos anos finais de 1970 até a atualidade, crianças e
adolescentes passaram a ter seus direitos tratados na esfera pública, assim na sociedade foi
construída uma nova concepção de infância e adolescência e formado um Sistema de Proteção
Integral.
Contudo, diante das mudanças ocorridas na forma de compreensão da infância e
da adolescência em nosso país, indagamos-nos se de fato a criança e o adolescente passaram a
23 A presidente Dilma Roussef assumiu a presidência do Brasil em 01/01/2011 e permanecerá até o ano de 2015.
24 O neoliberalismo é uma doutrina política que busca uma reatualização dos princípios e ideias liberais, de que o
mercado econômico é quem deve dirigir as relações sociais e econômicas, ficando o papel do Estado reduzido e
com a função de potencializar os lucros do trabalho.
25 Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em: 10 abr. 2014,
18:50:00.
26 O Plano Brasil Sem Miséria foi criado através do decreto n.º 7.492/11, com o objetivo de superar a extrema
pobreza no país até o final de 2014. Dessa forma, visa articular crescimento com distribuição de renda,
diminuindo desigualdades e promovendo inclusão social. Disponível em:
<http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao>. Acesso em: 14 abr. 2014, 17:30:00.
53
ser vistos sob a ótica da cidadania, se existe uma efetivação real de seus direitos a partir da
aplicação de dispositivos legais, como a CF/88 e o ECA/90 e se tais direitos são garantidos às
diversas infâncias e adolescências27
ou se estão destinados a meninos e meninas das classes
dominantes?
27
Quando falamos em todas as infâncias e adolescências, estamos compartilhando do pensamento de Ângela
Pinheiro (2006), quando esta atribui uma heterogeneidade na forma da construção de infância e da adolescência,
visto que essa fase da vida se manifesta diferentemente de acordo com a diversidade do contexto social,
econômico, e cultural em que os sujeitos estejam inseridos.
54
2 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE E O
CONSELHO TUTELAR
Este capítulo tem por objetivo analisar a atual política de atendimento à criança e
ao adolescente no Brasil a partir do que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente e
discutir a contribuição do Conselho Tutelar para o fortalecimento desta política.
Para tanto, serão apresentados e discutidos a partir de nossa compreensão sobre a
legislação os principais artigos do ECA, visando a uma reflexão acerca da efetividade desses
direitos. Apresentaremos ainda aspectos da criação e implantação dos conselhos tutelares no
Brasil e as dificuldades enfrentadas pelos conselheiros na prática profissional e, por fim,
apontaremos as atribuições dos conselheiros tutelares e as ações desenvolvidas com vistas ao
atendimento de meninos e meninas.
2.1 Estatuto da Criança e do Adolescente: estabelecendo instrumentos de proteção
integral para a infância e a adolescência no Brasil
Como vimos no capítulo anterior, as crianças e os adolescentes no Brasil
passaram a ser considerados sob a ótica de cidadãos a partir da Constituição Federal de 1988 e
tiveram essa cidadania fortalecida com a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ECA foi aprovado com a Lei Federal n.º 8.069 de 13 de julho de 1990 e baseia-
se na Doutrina da Proteção Integral para crianças e adolescentes, possui 267 artigos que
abordam os direitos e deveres de criança e adolescentes, bem como dos cuidados destinados a
essa categoria pela família, a comunidade e o Estado. No artigo 3º estabelece que crianças e
adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais à pessoa humana, sem prejuízo de sua
proteção integral (BRASIL, 1990).
Essa doutrina primeiramente foi considerada na Constituição Federal de 1988 e
estabelece um novo paradigma para crianças e adolescentes e a garantia de seus direitos, haja
vista que busca assegurar a estes sujeitos infantis seus direitos com absoluta prioridade e com
uma articulação entre os setores que atuam na área da cidadania de crianças e adolescentes
para a concretização das políticas de atendimento.
Kaminski (2002) aponta que “pela adoção da Doutrina da Proteção Integral, a
situação toda mudou. Mudou a forma de se ver o problema, de se enxergar aquela situação de
‘irregularidades’ das crianças e adolescentes que vemos nas ruas; passou-se a enxergar todos
como credores de direitos” (KAMINSKI, 2002, p. 34).
55
Formava-se, assim, um Sistema de Garantia de Direitos28
, dando base para a
política de atendimento à infância e adolescência no Brasil. Esse sistema tem sido
considerado como:
[...]um conjunto de instituições, organizações, entidades, programas e
serviços de atendimento infanto-junevil e familiar, os quais devem atuar de
forma articulada e integrada, nos moldes previstos pelo ECA e pela
Constituição Federal de 1988, com o intuito de efetivamente implementar a
Doutrina da Proteção Integral por meio da política nacional de atendimento
infanto-juvenil. (PEREZ e PASSONE, 2010, p. 667).
Assim, quando falamos em política de atendimento integral, estamos nos
referindo a um conjunto articulado de ações para a garantia de direitos de todas crianças e
adolescentes, não restringida aos adolescentes em situações irregulares ou a crianças e
adolescentes provenientes de classe econômica mais elevada. Ou seja, a política de
atendimento estabelecida pelo ECA visa abranger todos os meninos e meninas do Brasil como
pessoas em desenvolvimento e portadoras de direitos.
Com a Doutrina da Proteção Integral e com a criação do ECA, houve uma
mudança na maneira de atuação do Estado frente à problemática de crianças e adolescentes.
Conforme Juliana Paganini (2010), “assim, o Estado assume a responsabilidade em assegurar
e efetivar os direitos fundamentais, não devendo mais atuar como antes, com repressão e
força, mas com políticas públicas de atendimento, promoção, proteção e justiça”
(PAGANINI, 2010, p. 2).
De acordo com Paganini (2010), neste novo contexto de garantia de direitos, a
ação do Estado não poderá ser pautada em atos de caridade ou de benevolência, mas em dever
jurídico que deve ser fiscalizado e exigido pela sociedade civil.
O ECA, deste modo, veio para instalar de fato a Doutrina da Proteção Integral e
dessa forma regularizar os dispositivos constitucionais da área de proteção à infância e à
juventude, pois embora tais dispositivos da CF/88 trouxessem os princípios da referida
doutrina estes eram genéricos e necessitavam de uma lei que de fato regulamentassem os
direitos e deveres da criança e do adolescente.
28 Segundo Perez e Passone (2010), o Sistema de Garantia de Direitos é composto por três eixos: promoção,
defesa e controle social. O eixo de promoção corresponde às políticas sociais básicas, como saúde, educação,
esporte e a ações do poder executivo. O eixo de defesa corresponde às políticas de assistência social e proteção
especial, como exemplos: Conselhos Tutelares, Centros de defesa, Ministério Público, Poder Judiciário e pela
Segurança Pública. O eixo de defesa é composto por Conselhos de Direitos, Fóruns de Defesa e instrumentos de
controle da administração pública, como a Controladoria e Tribunal de Contas.
56
O ECA possui 267 artigos que garantem à criança e ao adolescente direitos e
deveres de cidadania, determinando a responsabilidade da família, da comunidade e do Estado
na garantia desses direitos. Os artigos estão distribuídos a partir das temáticas que envolvem
crianças e adolescentes, sendo dividido em dois livros que tratam da parte geral e da parte
especial.
Na parte geral, são apresentadas as disposições preliminares, os direitos
fundamentais e a prevenção, ou seja, fica estabelecido que a criança e o adolescente tal qual
uma pessoa adulta possui direitos fundamentais e dignidade de pessoa humana, não podendo
ter desrespeitada e ameaçada sua cidadania.
Nesse sentido, os direitos fundamentais da criança e do adolescente são: direito à
vida e à saúde; direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; direito à convivência familiar e
comunitária; direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; direito à profissionalização e
à proteção ao trabalho (BRASIL, 1990).
A parte especial compreende a política de atendimento, tais como a das entidades
de atendimento e trata das medidas de proteção, do ato infracional, das medidas pertinentes
aos pais ou responsáveis, do Conselho Tutelar, do acesso à justiça, dos crimes e das infrações
administrativas.
Percebemos que o ECA abrange diversas áreas da vida social de crianças e
adolescentes. Portanto, apontaremos os artigos que consideramos relevantes para o objetivo
de nossa pesquisa e faremos uma discussão a partir de nossa interpretação da legislação.
Em seu artigo 1º especifica que a referida lei baseia-se na proteção integral à
criança e ao adolescente, ou seja, dispõe que deverá ser assegurados por parte dos setores que
compõem a sociedade atenção à criança e ao adolescente em todos os aspectos, sejam eles
sociais, sejam econômicos, considerando ainda suas condições de pessoas em
desenvolvimento (BRASIL, 1990).
No artigo 2º traz uma definição legal de crianças e adolescentes, considerando
para tanto seu aspecto biológico, no qual a criança seria a pessoa de até doze anos de idade
incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos. Contudo, contempla
excepcionalmente os jovens adultos, aqueles entre dezoito e vinte e um anos (BRASIL,
1990).
Para estabelecer o direito de cidadania à criança e ao adolescente o artigo 3º
aponta que:
57
Art. 3º- A criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL,
1990).
Já o artigo 4º do ECA estabelece o dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público de assegurar a efetivação dos direitos referentes à vida, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).
Fica definido no inciso “c”, do artigo 4º, que a criança e o adolescente têm
preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas. Assim, percebemos a
mudança na forma de compreender a infância e a adolescência, visto que desde as
embarcações portuguesas e o período colonial até a promulgação da CF/88 essa categoria não
foi tratada com base na garantia de direitos, quando muitas vezes era tratada sob a caridade e
repressão.
Se anterior ao desenvolvimento da concepção de cidadania de crianças e
adolescentes, estes eram muitas vezes abandonados à própria sorte, atendidos por entidades
filantrópicas ou apenas programas e projetos pontuais do Estado, fica determinado com o
ECA que a família, setores da sociedade e o Estado são responsáveis pela proteção a esses
sujeitos infantis e devem construir com prioridade políticas para esse público-alvo.
Afirmamos assim o engajamento de todos pela efetivação dos direitos desses pequenos e
desconstruímos a ideia de que eles são adultos em miniatura que suportam as mesmas
dificuldades dos adultos.
O artigo 5º apregoa que nenhuma criança e adolescente deverá sofrer qualquer
forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou maus tratos, sendo punido em
lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais.
Este artigo busca colocar a salvo de qualquer forma de negligência, maus tratos ou
violência às crianças e aos adolescentes e pretende punir os causadores dessas práticas ou
aqueles que tiverem consciência de violações dos direitos29
e se omitirem, não denunciando
ao órgão competente.
29
A violação de direitos de crianças e adolescentes ocorre quando eles não conseguem acesso aos seus direitos e
garantias que devem ser oferecidos e defendidos pelo Estado, pela família ou pela sociedade. Por exemplo,
quando a criança tem direito a uma convivência familiar harmônica e na realidade isso não acontece, ela tem o
seu direito violado, visto que ele não está sendo cumprido.
58
Já o artigo 6º estabelece que se leve em conta a condição peculiar da criança e do
adolescente como pessoas em desenvolvimento. Dessa forma, fica estabelecido que a criança
e o adolescente necessitam de uma atenção diferenciada, observadas suas peculiaridades, e de
não serem vistos nas mesmas condições de adultos.
O Título I trata dos direitos fundamentais, o qual no artigo 7º diz que a criança e o
adolescente têm direito à vida e à saúde e que devem ser fortalecidas e efetivadas às políticas
sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio, ou seja,
diferentemente do período histórico em que eram largados à própria sorte ou tratados por
entidades caritativas.
Fica assegurado, no artigo 11º, que o Sistema Único de Saúde (SUS)30
deverá
ofertar atendimento integral à saúde da criança e do adolescente. Esse atendimento deve ser
integral no sentido de oferecer ações e serviços de prevenção e de tratamento de doenças.
Já os casos de suspeita ou maus tratos contra meninos e meninas serão
obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da localidade, conforme estabelecido no
artigo 13 (BRASIL, 1990).
Quanto à liberdade, ao respeito e à dignidade dessas crianças e adolescentes
citemos como relevante o artigo 15: Art. 15- A criança e o adolescente têm direito à liberdade,
ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como
sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição Federal e nas leis.
(BRASIL, 1990).
Do direito à convivência familiar e comunitária aborda, no artigo 19, que a criança
e o adolescente têm direito de serem criados e educados no âmbito familiar e
excepcionalmente em familiar substituta. Trata em artigos subsequentes da guarda, tutela e
adoção (BRASIL, 1990).
Os artigos que tratam da convivência familiar buscam direcionar o tratamento das
famílias com as crianças e adolescentes, bem como na ausência de entes familiares não deixar
desprotegidos os pequenos e intervir nas situações nas quais haja conflitos quanto à guarda ou
tutela das crianças e adolescentes.
O livro II, parte especial, aponta no artigo 86 a política de atendimento dos
direitos de crianças e adolescentes e diz que tal política far-se-á através de um conjunto
30 O Sistema Único de Saúde (SUS) corresponde a um sistema público de saúde que abrange órgãos e
instituições federais, estaduais e municipais, bem como admite a iniciativa privada em caráter complementar,
que oferta ações e serviços de saúde de modo universal, a saúde como um direito de cidadania. Foi com a
Constituição Federal de 1988 que a saúde passou a ser considerada como direito social, cabendo ao Estado a
obrigação de garanti-lo. A lei que regulamenta a saúde é a Lei Orgânica da Saúde n.º 8.080/90.
59
articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios (BRASIL, 1990).
Estabelece no artigo 88 a municipalização do atendimento e garante a participação
popular e a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e
adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações. Defende a mobilização da
opinião pública para a participação dos diversos segmentos da sociedade (BRASIL, 1990).
A partir do artigo 131, trata do Conselho Tutelar e o define como um órgão
permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL, 1990).
Portanto, garantindo a participação da população no debate sobre os direitos de
crianças e adolescentes o ECA instituiu a criação dos Conselhos municipais dos direitos da
criança e do adolescente, o Conselho Tutelar e espaços institucionalizados de participação.
Sobre o Conselho Tutelar e suas atribuições trataremos em tópico posterior.
Quanto ao direito de participação da população na defesa, na fiscalização e no
controle das políticas públicas para a infância e a adolescência, concordamos com Wanderlino
Nogueira Neto (2005) quando este relata em seu artigo “Por um sistema de promoção e
proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes”:
Nesta luta emancipatória em favor da infância e da adolescência há que se procurar
alternativas novas, por meio de instâncias públicas (governamentais ou sociais) e de
mecanismos estratégicos (políticos, sociais, econômicos, culturais, religiosos e
jurídicos) que se tornem verdadeiros instrumentos de mediação, nessa luta pelo
asseguramento da essência humana e da identidade geracional de crianças e
adolescentes, vencendo esse processo de desumanização, de dominação e opressão,
de desclassificação social de crianças e adolescentes, nesse jogo hegemônico e
contra-hegemônico que ainda condena grandes contingentes desse público infanto-
juvenil a um processo mais específico e doloroso de marginalização. (NETO, 2005,
p. 8, grifos do autor).
O ECA apresenta ainda artigos que se referem ao ato infracional cometido por
adolescentes e as medidas aplicáveis. Sobre este assunto, vemos em Carlos Simões (2010)
que o ECA tem como pressuposto o fato de que subjetivamente não se pode exigir do
adolescente o mesmo grau de discernimento de um adulto, por isso quando sua conduta
corresponde a uma contravenção penal dizemos que ele cometeu um ato infracional. Embora
o adolescente não seja penalizado da mesma forma das penas aplicadas aos adultos, mas sim
submetido a medidas socioeducativas, não significa que ele fica na impunidade, pois o ECA
estabelece medidas de responsabilização do adolescente.
60
Cabe apontarmos as constantes críticas realizadas ao ECA e ao seu mecanismo de
proteção integral à criança e ao adolescente por alguns segmentos da sociedade, contando
com o apoio de pessoas da mídia, buscando desconstruir a Doutrina da Proteção Integral.
Tais críticas se destinam, por exemplo, ao rebaixamento da inimputabilidade
penal, a retomada do assistencialismo como forma de atendimento de crianças e adolescentes
e juntamente com denúncias de maus tratos nas unidades de internamento para adolescentes
em conflito com a lei mostram um verdadeiro retrocesso quanto à cidadania desses sujeitos
infantis e proporcionam uma segregação entre o que está posto na lei e o que de fato é
vivenciado por muitas crianças e adolescentes, principalmente os advindos das classes
subalternas.
Ângela Pinheiro (2006) faz uma discussão sobre o fato de a cidadania da criança e
do adolescente estar vinculada aos filhos da classe dominante economicamente ao passo que a
infância e a adolescência pobres ficam relegadas à repressão e ao disciplinamento.
Compreendemos a relevância do ECA e da Doutrina da Proteção Integral, porém é
necessário que não permaneçamos paralisados diante das conquistas estabelecidas legalmente,
como se existência delas garantisse a concretude de direitos de cidadania de meninos e
meninas em nosso país. Antes devemos entender que:
O ECA não foi uma dádiva do Estado, mas uma vitória da sociedade civil,
das lutas sociais e reflete ganhos fundamentais que os movimentos sociais
têm sabido construir. Ocorre que foi uma conquista obtida tardiamente nos
marcos do neoliberalismo, nos quais os direitos estão ameaçados,
precarizados e reduzidos, criando um impasse na “cidadania de crianças”, no
sentido de tê-la conquistada formalmente, sem, no entanto, existir condições
reais de ser efetivada e usufruída. (SILVA, 2005, p. 36).
Da mesma forma, Maria Liduina de Oliveira e Silva (2005) em seu artigo “O
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Menores: descontinuidades e
continuidades”, publicado na Revista Serviço Social e Sociedade, n.º 83, reflete sobre as
dificuldades de efetivação do ECA, apontando que é na implementação da lei que os
confrontos ideológicos e diferenças das práticas surgem e se engedram, mas aponta que
mesmo sendo o ECA permeado por contradições e ambiguidades sem ele o atendimento à
criança e ao adolescente estaria muito pior do que já é hoje.
Por fim, entender a atual política de atendimento de crianças e adolescentes no
Brasil significa compreender que esses garotos e garotas possuem a dignidade da pessoa
humana e características peculiares de pessoas em desenvolvimento. Portanto, necessitam de
61
um atendimento também diferenciado que assegure sua liberdade, sociabilidade e todos outros
direitos de cidadania.
2.2 Implantação dos Conselhos Tutelares no Brasil
É necessário reforçamos que o CT atua na lógica de defesa e controle dos direitos
da população infanto-juvenil e foi criado em um contexto de fortalecimento do controle social
da sociedade civil sobre as ações do Estado, buscando a incorporação dos interesses coletivos
destes pelo Poder Executivo.
De acordo com Maria Valéria da Costa Correia (2004):
A temática do controle social tomou vulto no Brasil a partir do processo de
democratização na década de 1980 e, principalmente, com a institucionalização dos
mecanismos de participação nas políticas públicas na Constituição de 1988 e nas leis
orgânicas posteriores: os Conselhos gestores - instâncias colegiadas de caráter
permanente e deliberativo - e as Conferências setoriais. Esta participação adquiriu
uma direção de controle social posta pelos setores progressistas da sociedade, ou
seja, de controle por parte dos segmentos organizados da mesma sobre as ações do Estado no sentido de este, cada vez mais, atender aos interesses da maioria da
população, em reverso ao período ditatorial de controle exclusivo do Estado sobre a
sociedade cerceando qualquer expressão dessa. (CORREIA, 2004, p. 149).
Os Conselhos Tutelares no Brasil foram criados a partir do Estatuto da Criança e
do Adolescente através do artigo 131, que estabelece a obrigatoriedade da criação de no
mínimo um Conselho Tutelar por município, garantindo, portanto, a participação da sociedade
na fiscalização do cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes. Os artigos do ECA
que dispõem sobre o Conselho Tutelar são os artigos compreendidos entre o 131 e o 140.
O ECA define o Conselho Tutelar como um órgão permanente e autônomo, não
jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e
do adolescente (BRASIL, 1990).
De acordo com Kaminski (2002), conselho deriva de consilium ou conseil e tem
sentido de assembleia que toma deliberações acerca de determinados assuntos. Quanto ao
termo tutelar, este quer dizer que é um órgão que visa proteger, ou seja, proteger os direitos de
crianças e adolescentes.
O Conselho Tutelar é um órgão permanente pelo fato de que depois de criado ele
não poderá ser desativado. Uma vez instalado não poderá deixar de existir. Trata-se de um
órgão autônomo porque atuando de acordo com a lei não necessita de ordem judicial para
62
aplicar medidas de proteção, sem algo que lhe impeça de cumprir suas funções e
fiscalizações.
Consoante Kaminski (2002), o CT é um órgão não jurisdicional pelo fato de não
julgar os cidadãos, mas antes está relacionado ao Poder Executivo, com função de zelar pelo
cumprimento da lei.
No artigo 132 do ECA, fica determinado que em cada município tenha no mínimo
um Conselho Tutelar, que este conselho seja composto por cinco membros escolhidos pela
comunidade local para uma recondução31
.
O ECA estabelece ainda requisitos para a candidatura a membro do CT, sendo
necessário que os candidatos tenham reconhecida idoneidade moral, idade superior a vinte e
um anos de idade e resida no município onde esteja se candidatando. Aponta que lei
municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do conselho e especificará a
eventual remuneração dos conselheiros tutelares.
No artigo 135, menciona que o exercício da função de conselheiro constituirá
serviço público relevante e estabelece presunção de idoneidade moral e assegurará prisão
especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.
Contudo, a partir da aprovação da Lei 12.696 de 25 de julho de 2012, que altera
os artigos 132, 134, 135 e 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, fica estabelecido que
o prazo de mandato dos conselheiros tutelares seja de quatro anos e permitido uma
recondução mediante novo processo de eleição.
A lei supracitada altera ainda o artigo 134 no tocante à remuneração dos
conselheiros que deixa de ser eventual para ser obrigatória, garantindo-lhes ainda cobertura
previdenciária, licença-maternidade ou licença-paternidade, férias anuais remuneradas e
gratificação natalina (BRASIL, 2012).
Retira do artigo 135 a garantia de prisão especial para o conselheiro em caso de
crime comum até o julgamento e acrescenta incisos ao artigo 139, visando à unificação em
território nacional da data do processo de escolha dos conselheiros tutelares.
O relatório da pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade”, elaborada em
conjunto com o Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da
Fundação Instituto de Administração com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República (SEDH/PR) e do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos
Adolescentes (CONANDA), realizada entre os meses de fevereiro e novembro de 2006 e
31 De acordo com a nova lei do Conselho Tutelar, Lei n.º 12.696 de 25 de julho de 2012, o período do mandato
dos conselheiros foi alterado para quatro anos, com a possibilidade de uma recondução.
63
publicada em julho de 200732
, apresenta um histórico da criação legal e início efetivo dos
CTs.
O referido relatório apontou que a criação efetiva dos Conselhos Tutelares ocorre
após algumas etapas como a criação da lei municipal, a abertura do processo de escolha dos
conselheiros e a eleição que deve ser promovida pelo Conselho Municipal dos Direitos das
Crianças e dos Adolescentes (COMDICA). A pesquisa demonstrou que a implantação de um
CT demorou em média três anos após sua criação no ECA, dependendo da região geográfica
de que o município faça parte.
Os Conselhos Tutelares da Região Norte apresentaram uma demora acima da
média nacional para o início de suas atividades, levando um intervalo de cinco anos. Já a
Região Nordeste apresentou uma morosidade de quatro anos para o início real das atividades
dos conselhos desde sua criação na lei municipal. As Regiões Sudeste e Centro-Oeste seguem
a tendência nacional com a média de três anos entre a data de instituição legal e o trabalho
efetivo dos conselhos e a Região Sul foi a que apresentou menor intervalo de tempo entre a
criação em lei e o funcionamento de fato.
Cada município define a partir de uma lei municipal a quantidade de Conselhos
Tutelares que se criará, visto que o ECA determina que se tenha no mínimo um. Portanto, a
realidade municipal determinará a quantidade suficiente de CTs para o atendimento da
demanda.
A lei municipal disciplinará e o Executivo Municipal será o responsável pela
garantia e condições de funcionamento do CT, como instalações físicas, equipamentos, apoio
administrativo, transporte e outros suportes.
Segundo o “Guia para Conselheiros Tutelares” do Ministério Público de Goiás
(2008), a criação e o funcionamento do Conselho Tutelar pressupõe ampla participação da
comunidade local, ou seja, da associação de moradores, entidades assistenciais, lideranças
políticas, religiosas e empresariais, pais, educadores, movimentos comunitários e todos
aqueles dispostos a contribuir para a proteção integral de crianças e adolescentes.
Conforme estatísticas apresentadas pelo Cadastro Nacional dos Conselhos
Tutelares, realizado pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República
(SEDH/PR), foram registrados no Brasil em 2013 um número de 5.906 Conselhos Tutelares,
distribuídos em um total de 5.565 municípios brasileiros. Dentre estes municípios 22 não
possuem CT, embora o ECA determine a criação de no mínimo um CT por município.
32 O relatório “Conhecendo a Realidade” tem por objetivo traçar um amplo perfil dos Conselhos dos Diretos da
criança e do adolescente e dos Conselhos Tutelares.
64
Os municípios que não possuem CT estão localizados nos Estados de: Goiás (1
município sem CT); Bahia (1 município sem CT); Maranhão (7 municípios sem CT); Piauí (3
municípios sem CT); Rio Grande do Norte (2 municípios sem CT); Amapá (1 município sem
CT); Minas Gerais (4 municípios sem CT); São Paulo (2 municípios sem CT) e Rio Grande
do Sul (1 município sem CT). Para facilitar a compreensão, apontaremos um estado de cada
região brasileira com maior número de municípios e seus CTs em funcionamento.
O Distrito Federal possui 33 conselhos tutelares em funcionamento, dos quais
91% possuem sala de uso exclusivo ou sede exclusiva e 52% possuem veículos de uso
exclusivo. Sem os veículos necessários, os conselheiros passam a ter sua atuação prejudicada,
pois não poderão realizar visitas institucionais e domiciliares, bem como para averiguação de
denúncias.
Na Região Centro-Oeste, o estado que possui maior número de municípios é
Goiás com 246 municípios, dos quais possuem 255 CTs e um município que não possui.
Apenas 73% dos CTs de Goiás possuem telefone fixo.
Já na Região Norte, o estado que tem maior número de municípios é o Pará, com
143 municípios e 154 CTs. Apenas 88% dos conselhos tutelares deste estado possuem
computador e somente 55% têm acesso à internet.
O Rio Grande do Sul é o estado da Região Sul que mais possui municípios, com
total de 496 municípios e 515 CTs, sendo que um município está sem CT. Dos CTs deste
estado somente 42% possuem veículo de uso exclusivo pelos funcionários.
Na Região Sudeste, o que possui maior quantitativo de municípios é Minas
Gerais com 853 municípios e 880 CTs, sendo que 4 municípios não possuem o
funcionamento de CTs. Segundo o relatório em Minas Gerais, apenas 81% dos conselhos
dispõem de telefone fixo e 48% possuem veículo de uso exclusivo.
A Bahia é o estado do Nordeste com maior número de municípios, sendo 417
municípios e 437 CTs, dos quais 1 município não possui CT. Nos conselhos baianos, apenas
77% possuem acesso à internet, 65% possuem telefone fixo e 29% possuem veículo de uso
exclusivo pelos conselheiros tutelares.
De acordo com o relatório do Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares,
realizado pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), o
Ceará possui 184 municípios e 190 CTs, dos quais 99% possuem computador, sendo uma
média de 1,57 computadores por Conselho Tutelar, 89% possuem acesso à internet e 99% dos
conselhos tutelares cearenses possuem impressoras. Demonstrou ainda que apenas 64% dos
CTs cearenses possuem telefone fixo e 27% possuem telefones celulares, e que todos os CTs
65
cearenses possuem sede ou sala de uso exclusivo, e apenas 39% possuem transporte de uso
exclusivo.
Na cidade de Fortaleza, para criação dos Conselhos Tutelares levou-se em
consideração a dimensão territorial do município, o elevado número de habitantes e a
crescente demanda pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. Dessa forma,
entendeu-se que seria insuficiente a existência de apenas um CT.
Os CTs foram criados seguindo a administração do município de Fortaleza pela
Secretaria Executiva Regional (SER), que define seis regiões administrativas e os bairros
pertencentes a cada uma delas, portanto, em Fortaleza temos atualmente seis conselhos
tutelares. Embora, a resolução do CONANDA oriente que a cada 100 mil habitantes seja
criado mais um CT.
Segundo o site da Prefeitura de Fortaleza33
, atualmente, a SER I abrange 15
bairros, sendo eles: Vila Velha, Jardim Guanabara, Jardim Iracema, Barra do Ceará, Floresta,
Álvaro Weyne, Cristo Redentor, Ellery, São Gerardo, Monte Castelo, Carlito Pamplona,
Pirambu, Farias Brito, Jacarecanga e Moura Brasil e o Conselho Tutelar que cobre esta área é
o Conselho Tutelar I.
Já a SER II é formada por 20 bairros, a saber: Aldeota, Cais do Porto, Cidade
2000, Cocó, De Lourdes, Dionísio Torres, Engenheiro Luciano Calvalcante, Guararapes,
Joaquim Távora, Manuel Dias Branco, Meireles, Mucuripe, Papicu, Praia de Iracema, Praia
do Futuro I e II, Salinas, São João do Tauape, Varjota, Vicente Pinzon, área correspondente
ao CT II.
A SER III é composta por 17 bairros: Amadeu Furtado, Antônio Bezerra, Autran
Nunes, Bonsucesso, Bela Vista, Dom Lustosa, Henrique Jorge, João XXIII, Jóquei Clube,
Olavo Oliveira, Padre Andrade, Parque Araxá, Pici, Parquelândia, Presidente Kennedy,
Rodolfo Teófilo e Quintino Cunha, e a população desses bairros é atendida pelo CT III.
A SER IV abrange 19 bairros e corresponde ao CT IV, sendo os bairros: José
Bonifácio, Benfica, Fátima, Jardim América, Damas, Parreão, Bom Futuro, Vila União,
Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demócrito Rocha, Itaoca, Parangaba, Serrinha,
Aeroporto, Itaperi, Dendê e Vila Pery.
Na SER V, são 18 bairros: Conjunto Ceará, Siqueira, Mondubim, Conjunto José
Walter, Granja Lisboa, Granja Portugal, Bom Jardim, Genibaú, Canindezinho, Vila Manoel
Sátiro, Parque São José, Parque Santa Rosa, Maraponga, Jardim Cearense, Conjunto
33 Disponível em:<http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais>. Acesso em 27 jun. 2014, 14:50:00.
66
Esperança, Presidente Vargas, Planalto Ayrton Senna e Novo Mondubim. O CT que cobre
essa área é o CT V.
Já a SER VI é a que engloba mais bairros, sendo um total de 29 bairros:
Aerolândia, Ancuri, Alto da Balança, Barroso, Boa Vista (unificação do Castelão com Mata
Galinha), Cambeba, Cajazeiras, Cidade dos Funcionários, Coaçu, Conjunto Palmeiras (parte
do Jangurussu), Curió, Dias Macedo, Edson Queiroz, Guajerú, Jangurussu, Jardim das
Oliveiras, José de Alencar (antigo Alagadiço Novo), Messejana, Parque Dois Irmãos, Passaré,
Paupina, Parque Manibura, Parque Iracema, Parque Santa Maria (parte do Ancuri), Pedras,
Lagoa Redonda, Sabiaguaba, São Bento (parte do Paupina) e Sapiranga. O CT que atua nessa
área é o Conselho Tutelar VI.
Segundo Renata Custódio de Azevedo (2007), o primeiro Conselho Tutelar de
Fortaleza foi criado através da Lei Municipal n.º 7.526 de 12 de maio de 1994, ressalte-se que
quatro anos após a criação do ECA e completando no corrente ano vinte anos de existência. A
referida lei municipal dispôs ainda sobre a possibilidade de criação de outros CTs, ficando o
chefe do Poder Executivo autorizado a criar outros conselhos.
A Lei Municipal n.º 7.526 ratificou o estabelecido no ECA quanto à composição
do CT e quanto ao período de mandato. Estabeleceu que o trabalho do Conselho Tutelar será
remunerado e com exigência de carga horária de oito horas diárias.
Consoante Azevedo (2007), a lei municipal supracitada especifica que os
conselheiros tutelares poderão perder seus mandatos a partir de três situações, a saber: se
condenado em sentença penal transitada em julgado; se infringir quaisquer disposições da
referida lei e se realizar conduta incompatível com a função de conselheiro.
Além do nosso lócus de pesquisa, realizamos uma breve passagem pelos seis
Conselhos Tutelares de Fortaleza, correspondentes à divisão das SER, a fim de verificarmos
pessoalmente o acesso a esses órgãos. Aproveitamos a oportunidade para fotografarmos a
entrada dos prédios onde atualmente funcionam os seis CTs de Fortaleza.
O Conselho Tutelar da SER I atualmente está localizado na Avenida Bezerra de
Menezes, n.º 480, bairro Otávio Bonfim, apresentando uma facilidade de acesso, visto que ele
está localizado em uma avenida que possibilita o acesso de muitos transporte coletivos, como
vans e ônibus. Assim sendo, nós não tivemos dificuldades para encontrá-lo. Vejamos sua sede
na foto abaixo:
67
Figura 1 - Sede do CT da SER I
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Percebemos que a estrutura do prédio também está danificada e necessitando de
reparos e reformas. Facilmente encontramos esta sede do CT, assim sendo, percebemos que
os usuários que necessitem ir à sede obterão êxito sem grandes dificuldades, embora seja
distante dos demais bairros que englobam a SER I.
O Conselho Tutelar da SER II atualmente está funcionando na Rua Pedro I, n.º
461, bairro Centro. Este foi o CT mais difícil de localizarmos, pois inicialmente tínhamos a
informação de que ele funcionava na Rua Tereza Cristina, n.º 112, também no Centro da
Cidade. Porém, ao chegarmos nesta rua um popular nos informou que o CT estaria
funcionando no Parque das Crianças localizado no Centro da Cidade. Contudo, ao chegarmos
no local um segurança do Parque nos informou que o Conselho Tutelar II estaria funcionando
no “casarão” que ficava na Rua Pedro I. Depois de nos deslocarmos por dois locais, chegamos
ao CT II. Entretanto, ressaltamos que na sede do conselho sequer havia alguma identificação
sobre o órgão, dificultando o acesso da população. Veja foto abaixo:
68
Figura 2 - Sede do CT da SER II
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Outra dificuldade que venha a ser sentida pela população que necessite de um
atendimento no CT II talvez seja referente ao elevado quantitativo de bairros que compõem à
SER II e que por esse motivo estão distante da sede do Conselho Tutelar. Por exemplo,
alguém que resida no bairro Praia do Futuro terá que se deslocar até o Centro da Cidade para
receber atendimento no CT, uma distância considerada longa.
O Conselho Tutelar da SER III, que fica na Rua Silveira Filho, n.º 935, bairro
João XXIII, também foi um pouco difícil de localizarmos, pois no prédio não havia nenhuma
sinalização de que ali funciona um CT. Para encontrá-lo, contamos com informações de
moradores do bairro. Conforme foto a seguir:
69
Figura 3 - Sede do CT da SER III
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Como dito anteriormente, tivemos dificuldades para encontrar a sede do CT III e
assim pensamos como também um cidadão que necessite ser atendido pelo Conselho do
mesmo modo enfrentará problemas para achá-lo, dificultando a garantia do acesso aos
serviços.
O Conselho Tutelar da SER IV, localizado na Rua Peru, n.º 1957, bairro Vila
Betânia, foi de fácil localização visto que vários moradores do bairro conheciam a sede do
conselho e nos repassaram informações, também está próximo à passagem de transportes
coletivos. Foto da sede do CT IV a seguir:
70
Figura 4 - Sede do CT da SER IV
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Ressaltemos que este foi o único CT com o qual conseguimos um contato via
telefone, os demais ou não possuíam mais os números divulgados ou por algum motivo não
nos atenderam. Demonstrando que o cidadão que necessite do acesso ao Conselho Tutelar IV
não encontrará tantas dificuldades de contato com algum funcionário do CT.
O Conselho Tutelar da SER V é localizado na Avenida B, S/N, 1ª Etapa, bairro
Conjunto Ceará e também não tivemos dificuldades de encontrá-lo, embora a iluminação
próxima ao local não estivesse adequada. Foto abaixo:
71
Figura 5 - Sede do CT da SER V
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Esta sede corresponde à SER V e também engloba bairros que geograficamente
estão localizados distantes. A sede fica no bairro Comjunto Ceará e é responsável pelo
atendimento dos moradores dos bairros Planalto Airton Sena e Conjunto Esperança. Assim,
pode ocorrer dificuldade de locomoção dos usuários à sede de tal CT.
O Conselho Tutelar da SER VI tem sua sede na Rua Pedro Dantas, n.º 334, bairro
Dias Macedo e também não tivemos dificuldades para localizá-lo. Contudo, foi o CT que
apresentou maior precariedade na infraestrutura.
72
Figura 6 - Sede do CT da SER VI
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Este CT é o que abrange o maior número de bairros de acordo com a divisão das
SER, são 29 bairros. Fato este que representa uma maior demanda de atendimentos no CT.
Também fica numa localização distante de alguns bairros que engloba, visto que sua sede fica
no bairro Dias Macedo e atende bairros como Pedras, Sabiaguba e Lagoa Redonda.
Verificamos in loco a precária infraestrutura dos CTs de Fortaleza (cf. apêndices
D, E, F, G, H e I). Assim pudemos verificar que os CTs de Fortaleza enfrentam no cotidiano
de atuação muitas dificuldades, algumas delas demonstradas em diversas reportagens
mostradas na mídia que apontam a situação real dos CTs. Vejamos algumas reportagens sobre
a realidade dos CTs de nosso município.
Os conselheiros tutelares de Fortaleza em protesto contra as péssimas condições
de trabalho permaneceram entre os dias 04/02/14 e 07/02/14 realizando os atendimentos à
população no Parque das Crianças, localizado no centro da cidade, conforme a reportagem
73
“Em protesto, conselhos tutelares de Fortaleza atendem somente no Centro”, mostrada no site
G1/Ce34
.
Com esse protesto, os conselheiros pretenderam chamar a atenção para as
precárias condições de trabalho que interferem no atendimento à população. Os problemas
denunciados por eles são: falta de pessoal e de infraestrutura, falta de materiais básicos, falta
de computadores, telefone e segurança.
De acordo com a reportagem do site G1/Ce, as conselheiras do SER VI relataram
a falta de segurança particular para realizarem os atendimentos, visto que na sede do CT não
há um segurança.
Segundo reportagem do site Tribuna do Ceará35
, de título “Por erro da prefeitura,
Conselho Tutelar fica sem energia”, na manhã do dia 30/08/13 o CT da Regional I ficou sem
energia elétrica, pois a Prefeitura de Fortaleza havia solicitado o desligamento do
fornecimento de energia dos prédios de responsabilidade da Regional I que não tivessem mais
abrigando atividades da prefeitura. Assim, por engano foi incluído na lista o prédio que
abrigava o CT, e os conselheiros passaram a realizar os atendimentos na calçada do prédio.
Verificamos na reportagem “Falta de políticas de proteção à infância compromete
ação dos CTs” do site do Diário do Nordeste36
, publicada no dia 01/09/12, que ocorrem
dificuldades na atuação dos conselheiros devido à falta de retaguarda das políticas de proteção
especial e sociais para a infância e a adolescência.
Na ocasião da reportagem, um representante do CT da SER III aponta como
dificuldade a pequena quantidade de CTs frente a grande demanda dos casos de violação dos
direitos de crianças e adolescentes. Com isso não é possível atender e acompanhar os casos de
forma precisa e satisfatória.
O site do Diário do Nordeste publicou em 05/03/12 outra reportagem sobre a
situação dos CTs em Fortaleza. Dessa vez, a manchete dizia que “Conselhos Tutelares de
Fortaleza estão inoperantes”, relatando a situação de precariedade do funcionamento dos seis
CTs em Fortaleza37
. A reportagem apontou que os CTs enfrentam dificuldades no cotidiano
de atuação, como falta de locais para encaminhamento de meninos e meninas ameaçados de
morte por traficantes, insuficiência de atendimento frente ao grande número da demanda, falta
34 Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2014/02/em-protesto-conselhos-tutelares-de-fortaleza-
atendem-apenas-no-centro.html>. Acesso em: 18 maio 2014, 10:17:00. 35Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/tag/conselho-tutelar/> Acesso em: 14 maio 2014,
14:00:00. 36
Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/falta-de-politicas-de-protecao-a-
infancia-compromete-acao-dos-cts-1.605263> Acesso em: 18 maio 2014, 10:50:00. 37 Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/conselhos-tutelares-de-
fortaleza-estao-inoperantes-1.257300>. Acesso em: 14 maio 2014, 14:24:00.
74
de materiais de expediente, falta de impressoras, falta de veículos para uso exclusivo dos
conselheiros e falta de segurança.
Já denúncias feitas pelo blog Conselho Tutelar de Fortaleza38
, em publicação do
dia 27/06/12, a Comissão de Direitos Humanos da SDH visitou os seis CTs de Fortaleza e
presenciou a falta de infraestrutura dos locais.
O problema relatado pelos conselheiros da SER I foi a falta de abrigos para o
direcionamento dos casos e a falta de segurança no prédio do conselho, pois assim não há
como garantir a continuidade do atendimento se os encaminhamentos realizados pelos
conselheiros, muitas vezes, não são efetivados por falta da rede de apoio. Os profissionais
apontaram que não possuem segurança para se deslocarem ou permanecerem no prédio do
CT, implicando em uma deficiência de atendimento à população.
Em publicação do mesmo blog, do dia 14/06/14, a denúncia é sobre a
precariedade do Conselho Tutelar II, onde o problema relatado é também a falta de estrutura
para os atendimentos, pois a sala para a realização para os atendimentos é improvisada em
uma área com algumas mesas e cadeiras. Os papéis e documentos são amontoados no chão de
um corredor que dá acesso à cozinha do prédio.
Os conselheiros reclamaram ainda da localização do CT que é distante de áreas
mais críticas e que por esse motivo precisariam de mais atenção. Outro problema vivenciado
por eles é a falta de segurança na sede. posto que um guarda foi colocado no local somente
após uma funcionária ter sido assaltada.
Dessa forma, pudemos avaliar que a implantação de um Conselho Tutelar leva
algum tempo após sua criação na lei e que muitos desafios e dificuldades perpassam as
atividades dos conselheiros. Deste modo, devemos atentar para a questão: a criação de um
Conselho Tutelar não significa que de fato ele esteja recebendo o devido apoio para a
realização de suas atividades e enfrentamento da violação de direitos de crianças e
adolescentes.
38 Disponível em: <http://conselhotutelardefortaleza.blogspot.com.br/>. Acesso em: 18 maio 2014, 11:20:00.
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2.3 Entendendo a atuação do Conselho Tutelar.
A atuação do Conselho Tutelar deve ser direcionada para a efetivação dos direitos
de crianças e adolescentes, nesse sentido sua atuação é especificada pelo artigo 136 do ECA,
que apresenta as atribuições do CT e dá outras providências.
Para Roberto João Elias (2008), “ao Conselho Tutelar, órgão da comunidade, são
atribuídas funções importantes, que, fielmente cumpridas, contribuirão sensivelmente para a
concretização da outorga dos direitos cabíveis aos menores” (ELIAS, 2008, p. 153).
Elias (2008) menciona a importância do CT ser composto por pessoas idôneas e
comprometidas com a cidadania de crianças e adolescentes para assumir dentre outras
atribuições, a de atender e aconselhar os pais ou responsável. Portanto, as atribuições dos
conselhos tutelares estão no art. 136, estando elas contidas entre os incisos I e XI.
No inciso I, está determinado que o CT tenha como atribuição o atendimento de
crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos artigos 98 e 105, aplicando as medidas
previstas no artigo 101, I a VII, segundo o qual se deverá ouvir sobre as situações que violem
os direitos de crianças e adolescentes. Ressaltando que o artigo 105 refere-se à prática de ato
infracional. O CT deverá ainda agir sempre que a sociedade, familiares ou Estado se omitirem
quanto à garantia dos direitos infanto-juvenis, não assegurando-lhes os direitos fundamentais.
Ressaltemos que o CT tem autonomia para aplicar, mas não executar medidas específicas de
proteção à criança e adolescente.
Já o inciso II aponta como atribuição o atendimento e aconselhamento dos pais ou
responsável pelas crianças e adolescentes, aplicando as medidas previstas no artigo 129, I a
VII. Diz que o CT deve prioritariamente tentar restabelecer os vínculos familiares de crianças
e adolescentes, para que estes permaneçam junto à família natural. Porém, quando em virtude
da violação de direitos este vínculo é rompido, por situações de maus tratos ou violência, o
CT diante da especificidade de cada caso o CT deverá agir para eliminar as situações de risco
para a criança e o adolescente.
O inciso III do artigo 136 diz repeito ao fato de o Conselho Tutelar promover a
execução de suas decisões, podendo requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação,
serviço social, previdência, trabalho e segurança, representar junto à autoridade judiciária nos
casos de descumprimento injustificado de suas deliberações. Assim, vemos que com esta
atribuição o CT deverá promover a execução de suas decisões e para tanto poderá requisitar
serviços em várias áreas, sempre visando ao atendimento dos direitos de crianças e
adolescentes.
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O Conselho Tutelar deverá encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que
constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e adolescente, sendo
esta a atribuição posta pelo inciso IV, a partir do qual nos casos de infração acima citados o
CT em caráter de obrigatoriedade deverá comunicar ao Ministério Público para a tomada das
medidas cabíveis.
O inciso V estabelece que o Conselho Tutelar deve encaminhar à autoridade
judiciária os casos de sua competência, encaminhando à Justiça da Infância e da Juventude os
casos que envolvam questões conflituosas do poder familiar, guarda, tutela ou adoção e
situações de adolescentes envolvidos na prática de atos infracionais.
No inciso VI, está a atribuição de providenciar a medida estabelecida pela
autoridade judiciária, dentre as previstas no artigo 101 de I a VI, para o adolescente autor de
ato infracional, devendo acionar pais ou responsável, serviços públicos e comunitários para o
atendimento do adolescente em conflito com a lei.
O CT poderá expedir notificações, ou seja, levar ou dar notícia a alguém, por
meio de correspondência oficial, de fato ou de ato passado ou futuro que gere consequências
jurídicas emanadas do ECA ou da CF/88, trata-se da atribuição determinada pelo inciso VII
do artigo 131 do ECA.
Conforme o inciso VIII, o CT poderá requisitar certidões de nascimento e de óbito
de crianças e adolescentes quando necessário, ou seja, apenas poderá solicitar a certidão do
registro com isenção de taxas ou custos.
A atribuição posta pelo inciso IX ao CT é o dever de assessorar o Poder Executivo
local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos
direitos da criança e do adolescente. Para isso o CT deverá indicar ao Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente as deficiências dos serviços públicos de atendimento à
população infanto-juvenil. Por ser o representante da comunidade na administração municipal
deverá apresentar propostas para a melhoria da política de atendimento.
O inciso X dispõe que o conselho poderá também representar, em nome da pessoa
e da família, contra a violação de direitos previstos nos art. 220, §3º, inciso II, da CF, através
da representação à autoridade judiciária em nome de pessoa(s) que se sentir(em) ofendidos em
seus direitos em programas ou programações de rádio e televisão.
A atribuição apontada no inciso XI é de representar ao Ministério Público para
efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de
manutenção da criança e do adolescente junto à família natural. Quando houver o
descumprimento pelos pais de assistir e educar os filhos pequenos e após todas as tentativas
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de atendimento e orientação, o CT representará ao Juizado da Infância e da Juventude para as
providências necessárias.
Carlos Simões (2010), em seu livro “Curso de Direito do Serviço Social”, aponta
alguns casos em que o CT atua, sendo que “os casos mais comuns, na atuação dos conselhos,
são referentes à falta de vaga em creches e escolas, envolvimento de adolescentes com drogas,
espancamento ou maus tratos pelos pais ou responsáveis, abuso sexual e pais alcoólatras e
drogaditos” (SIMÕES, 2010, p. 264).
Segundo Raquel Bulhões (2010):
Partindo do pressuposto de que a atividade do Conselho Tutelar situa-se na seara da
administração pública municipal, a ação dos seus membros deve obedecer aos
princípios gerais da administração explicitados no caput do art. 37 da Constituição
de 1988, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
dos atos praticados. (BULHÕES, 2010, p. 124).
De acordo com o “Guia Prático do Conselheiro Tutelar” elaborado pelo
Ministério Público de Goiás em 2008, o conselheiro tutelar deve executar com zelo suas
atribuições, conforme estabelecido pelo ECA, e assim aplicar medidas e tomar previdência
em relação às crianças e adolescentes, aos pais ou responsáveis, às unidades de atendimento e
ao Poder Executivo.
O citado guia aponta que o conselheiro tutelar deve zelar pelo cumprimento de
direitos; garantir absoluta prioridade na efetivação dos direitos e orientar a construção da
política municipal de atendimento.
Dessa forma, o CT atende reclamações, reivindicações e solicitações feitas por
crianças e adolescentes, família e comunidade. Exerce as funções de escutar, orientar,
encaminhar e acompanhar os casos, aplica medidas protetivas de acordo com o caso, requisita
serviços necessários à efetivação do atendimento do caso e contribui para o planejamento e a
formulação de políticas e planos municipais de atendimento à criança e ao adolescente e às
famílias.
O “Guia Prático para a atuação dos Conselheiros Tutelares”, elaborado pelo
Ministério Público de Goías, discute que o CT não é uma entidade de atendimento direto, ou
seja, não funciona como abrigos e internatos, não presta diretamente os serviços para a
efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, mas os encaminha para a rede de
articulação para a garantia desses direitos.
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Para a efetividade do trabalho do CT, é necessário que se tenha uma rede de apoio
para a qual se possa encaminhar as demandas, visto que o trabalho deve ser em conjunto, tal
qual está estabelecido no artigo 86 do ECA, que diz que a política de atendimento à criança e
ao adolescente deve ser feita através de um conjunto articulado de ações governamentais e
não governamentais (BRASIL, 1990).
Por fim, a atuação do Conselho Tutelar pauta-se no cumprimento das diretrizes
estabelecidas no ECA e concorre para combater os casos de violação dos direitos de crianças
e adolescentes, garantindo-lhes seus direitos de cidadania e reconhecimento de suas
características de pessoas em desenvolvimento.
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3 CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA COMO LÓCUS DE PESQUISA
Neste capítulo, relataremos a experiência de nossa pesquisa de campo e o contato
direto com as práticas realizadas no Conselho Tutelar de Fortaleza, visando compreender os
significados atribuídos pelas conselheiras tutelares à tarefa de defesa dos direitos de crianças e
adolescentes.
Nossa pesquisa de campo ocorreu no mês de maio de 2014 e a princípio
pretendíamos entrevistar cinco conselheiras de um mesmo Conselho Tutelar de Fortaleza,
correspondente ao número total de conselheiras tutelares em atuação no CT. Entretanto, uma
conselheira não quis participar de nossa pesquisa.
Apontaremos o perfil das conselheiras tutelares entrevistadas e a rotina de
trabalho que ocorre no CT, por esse motivo informamos que elaboramos dois roteiros de
entrevistas, um destinado ao perfil das entrevistadas (Apêndice A) e outro destinado ao
questionamento das condições de funcionamento do Conselho Tutelar (Apêndice B).
Apresentaremos a concepção das entrevistadas sobre o papel do CT para a
efetivação da política de atendimento de meninos e meninas no Brasil e continuamos com a
discussão sobre as principais demandas atendidas pelo CT, relacionando o que a lei determina
quanto às atribuições dessas profissionais e o que de fato se concretiza no dia a dia.
A partir de nossa inserção no lócus de pesquisa, discutiremos sobre os desafios e
dificuldades que rodeiam a atuação do Conselho Tutelar e que refletem na garantia da
efetivação dos direitos infanto-juvenis.
3.1 O perfil das conselheiras tutelares e sua rotina profissional
O nosso lócus de pesquisa é um Conselho Tutelar de Fortaleza, que durante o
nosso estudo encontrava-se funcionando temporariamente em um local improvisado, visto que
sua sede original está passando por reformas na infraestrutura.
Desde nossa primeira visita, fomos bem recebidas pelas conselheiras tutelares e
por toda a equipe técnica que trabalha no CT, sendo cinco conselheiras tutelares, conforme
determinação do ECA e a equipe técnica composta por três educadores sociais, uma
psicóloga, uma assistente social, um auxiliar de serviços gerais, um digitador e dois
motoristas.
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As conselheiras tutelares, conforme estabelecido no ECA e em lei municipal
específica, são contratadas mediante processo de eleição, porém os demais profissionais do
CT são contratados por um empresa terceirizada.
No local de funcionamento improvisado, há um espaço parecido com um alpendre
no qual existem uma mesa e algumas cadeiras. Nesta mesa, permanece um funcionário que
realiza o atendimento inicial dos usuários. É para ele que as pessoas se dirigem primeiramente
ao chegarem ao CT e ele realiza o registro em um livro: a identificação, o bairro do usuário e
o motivo da procura pelos serviços do Conselho Tutelar.
A princípio, pretendíamos realizar entrevistas com as cinco conselheiras que
compõem o CT, mas na realidade contamos apenas com a participação de quatro conselheiras,
pois a quinta negou-se a participar de nossa pesquisa em virtude da grande demanda de
atendimentos. E embora tenhamos nos colocado à disposição para aguardá-la até uma ocasião
oportuna, esta não quis definitivamente contribuir com nossa pesquisa.
As entrevistadas consentiram livremente em participar de nossa pesquisa ao
assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido (cf. anexo A). Assim, visando à
preservação da identificação das conselheiras participantes, resolvemos utilizar nomes
fictícios para nos dirigirmos às conselheiras tutelares. Dessa forma, utilizamos nomes de
brincadeiras infantis, visando enfatizar o direito da criança e do adolescente de terem acesso
ao lazer e a um desenvolvimento saudável, aproveitando essa fase da vida que deve seguir seu
rumo de descobertas, conquanto saibamos que muitos garotos e garotas não podem usufruir
dessa condição. Destarte, utilizaremos os termos: Ciranda, Peteca, Andoleta e Pipa (nomes de
brincadeiras infantis) para identificarmos nossas entrevistadas. Assim, para melhor
compreensão acerca dos sujeitos de nossa pesquisa, elaboramos um perfil de cada
entrevistada.
A Sra. Ciranda, do sexo feminino, possui idade entre 36 a 45 anos, está cursando
ensino superior, primeiro mandato como conselheira tutelar e possui a pretensão de
candidatar-se novamente. Afirmou que teve como motivação para candidatura a membro do
CT o trabalho que executara como educadora de rua, fato que a levou a perceber as
dificuldades relacionadas aos direitos de crianças e adolescentes, apresentando vontade de
fazer algo para melhoria da situação. Sua frase: “Eu acho que o Conselho Tutelar, ele tenta
fazer as leis acontecerem, mas as dificuldades são muito grandes. Tem a divergência entre a
lei e a realidade” (informação verbal) 39
.
39 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Ciranda.
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A Sra. Andoleta, sexo feminino, idade entre 46 a 55 anos, ensino superior
completo, primeiro mandato como conselheira tutelar e pretende candidatar-se novamente ao
cargo de conselheira. Teve como motivação para assumir o cargo de conselheira tutelar seu
histórico de vida relacionado aos temas referentes à infância e adolescência e um trabalho
social com crianças e adolescentes que desenvolve há aproximadamente 21 anos, por meio do
qual percebeu a dificuldade de acesso aos serviços do CT, visando complementar a ação que
já desenvolvia. Sua frase: “Então, o papel do Conselho Tutelar fica bem claro, ele é realizado.
O que não se realiza, o que não se efetiva, muitas vezes, é a continuidade por conta da rede
[de apoio] não ter um funcionamento adequado” (informação verbal)40
.
Sra Pipa, sexo feminino, com idade entre 36 a 45 anos, cursando ensino superior,
está em seu primeiro mandato como conselheira e pretende candidatar-se novamente ao cargo
de conselheira. Afirmou ter participado de cursos de aperfeiçoamento sobre os direitos de
crianças e adolescentes. O motivo pelo qual se candidatou a membro do CT foi um trabalho
social que executava e continua a executar e seu histórico de vida ligado aos direitos de
crianças e adolescentes. Sua frase: “A política de atendimento e a rede de apoio é ineficiente,
assim a gente tem até boa vontade e compromisso, né, mas que a rede deixa muito a desejar”
(informação verbal)41
.
A Sra. Peteca é do sexo feminino, tem idade entre 46 a 55 anos, possui ensino
superior completo e está em seu primeiro mandato como conselheira tutelar, pretendendo
candidatar-se novamente. Também tem participado de cursos de aperfeiçoamento sobre os
direitos de crianças e adolescentes. Sua motivação para candidatura a membro do CT ocorreu
por causa de um trabalho social com crianças e adolescentes e percebeu a necessidade de
agilizar algumas coisas dentro do trabalho do CT. Sua frase: “A minha concepção sobre o
Conselho Tutelar é a que tem lá, no ECA” (informação verbal)42
.
Dessa maneira, verificamos que o perfil do grupo entrevistado é de quatro
mulheres, com idade superior a 35 anos de idade, as quais possuem histórico de atuação com
crianças e adolescentes e buscam um aprimoramento acerca dos direitos infanto-juvenis.
Todas estão no primeiro mandato como conselheira e possuem a pretensão de candidatar-se
novamente. Em unanimidade, apontaram como motivação para candidatura a membro do CT
a participação em trabalhos sociais com crianças e adolescentes. As entrevistadas esboçaram
que compreendem a política de atendimento à criança e ao adolescente e o papel do CT
40 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Andoleta. 41 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Pipa. 42 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Peteca.
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conforme o estabelecido na lei e afirmaram que realizam suas atribuições a partir da
perspectiva de cidadania de crianças e adolescentes.
Resolvemos não identificar o Conselho Tutelar que foi nosso campo de pesquisa
por considerarmos que repressões políticas podem rodear a atuação das conselheiras tutelares
e dessa forma as mesmas poderiam sentir-se pouco à vontade para colaborarem com nossa
investigação. Assim, nosso lócus de pesquisa é um CT de Fortaleza dentre os seis existentes
no momento de nosso estudo.
O CT pesquisado funciona de segunda à sexta, das 08h às 12h e das 13h às 17h. A
rotina de trabalho das conselheiras é de oito horas diárias, sendo que elas possuem uma escala
que define os dias de atendimento, de audiências, de visitas e de palestras, podendo haver
modificações ou troca de horário entre elas. No entanto, de modo geral, a escala de horários
das conselheiras tutelares ocorre da seguinte forma:
Tabela 1 - Escala de Serviço
Escala de serviço semanal das conselheiras tutelares em 2014.
Conselheiras Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira
Andoleta Visita Audiência Atendimento Atendimento Palestra
Ciranda Palestra Visita Audiência Atendimento Atendimento
Peteca Audiência Atendimento Atendimento Visita Palestra
Pipa Atendimento Atendimento Audiência Visita Palestra
Conselheira 5 Atendimento Audiência Visita Palestra Atendimento
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Conforme a tabela 1, as conselheiras se revezam de modo que a cada dia
permaneçam pelo menos duas para atendimento ao público na sede do CT e para atendimento
de casos urgentes que necessitem do seu deslocamento da instituição.
Nos dias de atendimento, elas atendem individualmente em uma sala, ouvem a
problemática apresentada pelas pessoas que procuram o CT, aconselham e orientam, tomam
as providências necessárias e realizam os encaminhamentos.
Nos dias de audiências, as conselheiras permanecem na sede e aguardam a
chegada das pessoas com as quais já haviam agendado a audiência ou comunicado via
notificações. Nessas audiências, as conselheiras agem como mediadora de conflitos e
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orientam as partes envolvidas, tentando conciliá-las quanto à problemática que envolve
crianças e adolescentes.
Na rotina profissional, elas também realizam visitas às residências e às
instituições, como escolas, abrigos, creches, hospitais e onde mais se faça necessário sua
presença. Para a realização dessas visitas, há no CT dois veículos de uso exclusivo.
As palestras são agendadas e realizadas geralmente em escolas e têm como
objetivo esclarecer os direitos de crianças e adolescentes, podendo ocorrer também em
associações de bairros ou outros locais específicos. Nos dias destinados à realização de
palestras as conselheiras se dirigem à sede do CT e, no veículo de uso exclusivo, elas se
deslocam ao local em que acontecerá a palestra.
Essas práticas condizem com o que Válter Kenji Ishida (2008) diz em comentário
ao Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual declara que o CT é um órgão de proteção
dos interesses de meninos e meninas, tendo uma variada gama de funções, com poder de
aplicação de medida de proteção, requisição de serviços na área de saúde, educação, serviço
social, dentre outras.
Durante uma de nossas visitas ao CT, fomos convidadas gentilmente por uma
conselheira tutelar para participarmos de uma audiência. Na ocasião, estavam presentes a
conselheira, uma senhora avó paterna de duas crianças e a tia das meninas, elas haviam
procurado o CT por conta de a mãe das crianças ter abandonado as pequenas sob os cuidados
do pai, e eles nem sequer haviam realizado o registro de nascimento das filhas.
A conselheira havia tentado contato com a genitora das crianças, mas sem êxito.
A mãe das meninas não compareceu à audiência. Novamente a conselheira tentou contato via
telefone, e a mãe das meninas atendeu a ligação, após uma conversa a senhora concordou em
comparecer ao CT em outra data para providenciar o registro das filhas.
O ECA diz em seu artigo 131 que o CT é um órgão permanente e autônomo e não
jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e
adolescentes (BRASIL, 1990). Durante nossa pesquisa, verificamos que o discurso das
conselheiras tutelares entrevistadas é pautado na compreensão do papel do CT a partir de sua
definição na lei e todas afirmaram ter sua atuação profissional pautada na perspectiva da
cidadania de crianças e adolescentes, esquivando-se de práticas assistencialistas ou
repressivas43
.
43 Práticas assistencialistas são aquelas ações pautadas não no direito dos cidadãos, mas sim na caridade ou
benesse, não garantindo o acesso de todos os cidadãos de maneira igual. Já as práticas repressivas são aquelas
que fazem uso ora da força física, ora da coesão e ameaça para que se obtenha algo ou se evite alguma ação.
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Sobre esse assunto a Sra. Pipa afirmou que “o papel do Conselho Tutelar é
assegurar os direitos de crianças e adolescentes. É o que o Estatuto diz, mas na verdade a
gente não tem é meios para que esses direitos sejam garantidos” (informação verbal)44
Já a Sra. Peteca se posicionou afirmando que: “A nossa concepção é justamente a
que tem lá [no ECA], né. É o que está dentro do Estatuto. Mas aí é onde tem a má
compreensão, assim de que o Conselho não faz nada. O Conselho Tutelar age, o que não foi
feito é o que deve vir depois, a rede de apoio” (informação verbal)45
.
Para a Sra. Andoleta não é possível o CT trabalhar na perspectiva do favor e
complementa:
A gente não tem que trabalhar na perspectiva do favor. Porque eu conheço a
coordenação de uma casa, porque eu tenho um conhecido. Mas na garantia de um
direito que predispõe à criança e ao adolescente, não é a nós [conselheiras], mas à
criança e ao adolescente. Então dentro dessa perspectiva nós estamos com nossa
rede totalmente precária. (informação verbal)46
.
A Sra. Ciranda apontou que “O Conselho Tutelar é uma porta de entrada, né, de
todos os problemas com crianças e adolescentes, mas para os encaminhamentos, né?! É de
proteção, tudo que for atingir à criança e adolescente a gente faz os encaminhamentos para
que sejam garantidos os direitos” (informação verbal)47
.
Com base nessa concepção do CT como um órgão defensor dos direitos infanto-
juvenis, as entrevistadas afirmaram buscar um aprimoramento acerca dos direitos referentes à
infância e adolescência, mas relataram que a o Poder Executivo municipal não tem ofertado
cursos de capacitação para os conselheiros tutelares, sendo de iniciativa das próprias
entrevistadas a busca de informações e conhecimentos.
Segundo a Sra. Andoleta:
A prefeitura oferece pouco aperfeiçoamento, pouca coisa direcionada, nós que saímos atrás. Nós é que vamos buscar o conhecimento. Eles não facilitam, não tem
uma facilitação, uma educação continuada, inclusive nós, conselheiros, sempre
levamos essa proposta pra dentro da SDH, exatamente para viabilizar uma educação
continuada, não só pra nós, conselheiras, mas pros educadores sociais e toda equipe.
Porque todo dia surgem novos problemas, novas situações e a lei se atualiza. Então a
gente sempre procura que eles façam essa capacitação, né nem capacitação, é uma
44 Sra. Pipa. A partir desse ponto, as falas das assistentes serão identificadas, em notas de rodapé, apenas pelo
nome fictício correspondente. 45 Sra. Peteca. 46 Idem 47 Sra. Ciranda.
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educação continuada, mas não existe, nós é que buscamos por livre espontaneidade.
(informação verbal)48.
A Sra. Pipa disse-nos que “eu faço que nem no tempo da escravidão. Nós aqui
aprendemos é na base do chicote, aprendemos é fazendo” (informação verbal)49
. Em
contraposição, pensamos que seja necessário um engajamento das profissionais, um
aprimoramento teórico-metodológico e ético-político para que a atuação das conselheiras e da
equipe técnica não permaneça em ações focalizadas, no pragmatismo, com ações imediatas e
não se baseie em uma reflexão crítica e ética sobre os direitos infanto-juvenis.
Antes, deve haver uma reflexão crítica e um posicionamento ético por parte dos
conselheiros e dos demais profissionais do Conselho Tutelar, em que eles possam ter acesso a
uma capacitação continuada que embase sua atuação e lhes proporcionem uma ação ética. A
respeito desse assunto, concordamos com Raichelis (2006) quando a autora diz que:
Um dos grandes desafios tem sido a implantação de projetos de capacitação que
sejam continuados e que trabalhem articuladamente as dimensões técnica, política e
ética requeridas no exercício da participação em espaços públicos, nos quais forças
conservadoras atuam fortemente no sentido de manipulação e cooptação políticas (RAICHELIS, 2006, p. 114).
De acordo com a Sra. Ciranda, este incentivo por parte do Poder Executivo
municipal é inexistente. Ela aponta que “na verdade, eles (representantes do Poder Executivo
municipal) não se preocupam em capacitar a gente muito não. A gente aprende mesmo é no
dia a dia” (informação verbal)50
.
Essas narrativas demonstram que a Prefeitura de Fortaleza, a qual é a responsável
administrativamente pelos CTs e quem providencia os recursos financeiros para a atuação dos
Conselhos, não tem contribuído para a formação e capacitação dos conselheiros tutelares e
para a afirmação da política de atendimento de crianças e adolescentes.
A partir dessas afirmações, confirmamos em parte o que Célia Torres et al. (2009)
diz sobre os CTs, visto a contradição de se tratar de um órgão fiscalizador da política de
atendimento de crianças e adolescentes e ser ao mesmo tempo mantido pelo Poder executivo
municipal, o qual deve ser alvo de sua fiscalização. Mas também negamos o que a autora diz
48 Sra. Peteca 49 Sra. Pipa 50 Sra. Ciranda
86
em relação às práticas clientelistas e a falta de conhecimentos dos conselheiros tutelares sobre
a política de atendimento à criança e ao adolescente. Conforme Torres et al. (2009):
Os Conselhos Tutelares padecem de uma profunda contradição: são órgãos
autônomos, porém mantidos pelo Poder Executivo municipal. Ao mesmo tempo, são
responsáveis por zelar pelos direitos das crianças, o que, na maioria das vezes,
significa cobrar do Executivo municipal a ampliação da rede de serviços destinados
à infância e juventude. A tensão política está criada estruturalmente pela própria
natureza do conselho. As lideranças políticas do Poder Executivo municipal e sua
burocracia não se conformam em sustentar um órgão que permanentemente os pressiona. Por outro lado, a disputa por uma vaga no Conselho Tutelar tem
desencadeado práticas políticas clientelistas. Na medida em que os conselheiros não
necessariamente conhecem o tema da política de proteção à criança, vários
conselhos tem implementado ações muito mais orientadas pelos princípios
higienistas, moralizantes e autoritários que pautados pela ótica do ECA. (TORRES
et al., 2009, p. 110-111, grifos do autor).
Em contraposição ao que Tôrrres et al. (2009) classifica como práticas políticas
clientelistas e ações orientadas por princípios higienistas, moralizantes e autoritários
realizados pelos CTs, pudemos apontar que as entrevistadas afirmaram que no CT em que
atuam elas possuem consciência da responsabilidade e do compromisso que devem ter ao
assumir a função de conselheiras, devendo eliminar práticas assistencialistas e toda
vinculação política partidária. E embora elas reconheçam que pode ocorrer
“apradrinhamentos” elas afirmaram desconhecer qualquer prática relacionada a isso no CT em
que atuam.
Para Sra. Peteca:
A intervenção política partidária é muito subjetiva. É a subjetividade. Cada um, cada
pessoa tem um compromisso. Não se trata, significa que um político chegue aqui e
determine o que nós temos que fazer, não. A partir do momento que a gente entra no
Conselho Tutelar, eu to respondendo por mim, assuma suas responsabilidades, seu
papel, porque se ela tiver algum apadrinhamento ou alguma situação que envolva
políticos, ela sabe que tá fugindo do contexto que seria o certo. Então você tem que
se abster de qualquer situação política e assumir o seu papel enquanto conselheiro.
Se isso ocorre de uma forma ou de outra que eu não tenho conhecimento. Eu
particularmente não tenho conhecimento. E só posso responder por mim. Não é
correto, aqui nós temos que nos abster totalmente de partidário, de situações de interesse, aqui é fundamentalmente direcionado aos interesses da criança e do
adolescente e o cumprimento de suas leis. (informação verbal)51.
Embora as entrevistadas tenham negado qualquer intervenção política partidária
ou práticas vinculadas a interesses pessoais durante a atuação no Conselho Tutelar, para nós
não ficou evidente a desvinculação de suas ações com sujeitos políticos, como vereadores ou
51 Sra. Peteca.
87
deputados e outros, pois não compreendemos o que elas apontaram como a subjetividade e o
compromisso que cada conselheira tem. Também notamos que, durante a entrevista, quando
nos referimos a este assunto, elas esquivaram-se um pouco, a ponto de a Sra. Ciranda ter dito
que têm assuntos que não podemos falar claramente. Todavia, esta indagação poderá ser
tratada em pesquisas posteriores.
Podemos relacionar essa narrativa às palavras de Pedro Demo (2006), quando este
diz que “não descobrimos ainda que quando o poder público se privilegia deixa de ser poder
público. Torna-se privado” (DEMO, 2006, p. 2).
Percebemos também que todas as entrevistadas demonstraram entendimento da
política de atendimento de crianças e adolescentes, apresentando compromisso com a defesa
dos direitos de meninos e meninas, inclusive buscando um constante aprimoramento sobre
esses direitos.
Portanto, em nosso lócus de pesquisa percebemos nos discursos das conselheiras
tutelares um engajamento pela construção da cidadania de crianças e adolescentes,
pretendendo o distanciamento de práticas caritativas e assistencialistas. Isso está associado,
então, ao que nos diz Wanderlino Nogueira Neto (2005): “abandona-se, cada vez mais, aquela
linha tradicional, meramente filantrópica caritativa, na qual a ação se configurava como uma
benesse do mundo adulto, apaziguando consciências e legitimando o higienismo - uma linha
dominantemente “tutelar”, isto é, assistencialista e repressora” (NETO, 2005, p. 6).
Contudo, não nos esqueçamos dos desafios que rondam a afirmação dessas
políticas infanto-juvenis e pretendem um retrocesso quanto à proteção social de meninos e
meninas. Os desafios são vários e mostraremos em tópico futuro.
3.2 Direitos violados: demandas atendidas pelo Conselho Tutelar
O Conselho Tutelar atua como uma porta de entrada para a política de
atendimento de crianças e adolescentes, por esse motivo as conselheiras tutelares não atendem
uma única demanda, mas todas aquelas problemáticas que ameaçam a garantia de direitos de
garotos e garotas.
Compreendemos a importância desse órgão tanto nas palavras de Carlos Simões
(2010) que diz que o CT é a porta que possibilita o acesso para os demais serviços destinados
à criança e ao adolescente, quanto nas falas de nossas entrevistadas que reconhecem a
relevância de suas atividades enquanto conselheiras tutelares.
88
Nessa lógica, o Conselho Tutelar atende diversas problemáticas que chegam ao
órgão ora de demanda espontânea, ou seja, aqueles usuários que vão à sede do CT, ora de
denúncias via e-mail ou oriundas da Central do Disque 10052
.
Contudo, no Conselho Tutelar pesquisado, as únicas demandas atendidas no
momento são aquelas que chegam espontaneamente ao conselho, pois as demandas
provenientes de e-mail ou da Central Telefônica do Disque 100 não podem ser verificadas
devido à falta de computadores com acesso à internet.
Durante nossa pesquisa, verificamos que as demandas espontâneas geralmente
apresentam um elevado número, mas que em certos dias não são registrados tantos. Por
exemplo, em apenas uma manhã que estávamos no CT, no horário compreendido entre
09h30min e 11h, contabilizamos cerca de seis usuários no aguardo de atendimento.
Entretanto, em outro dia, aproximadamente no mesmo intervalo de tempo houve apenas dois
atendimentos.
Em decorrência da inexistência de um banco de dados ou cadastro detalhado dos
usuários, não alcançamos nosso objetivo quanto à identificação do perfil das crianças e
adolescentes atendidos, pois sequer as conselheiras conseguem preencher o Sistema de
Informações para a Infãncia e a Adolescência (SIPIA)53
, tendo em vista a falta de acesso à
internet. Apenas tivemos acesso ao livro de registro dos atendimentos diários que contém
apenas informações básicas como a identificação, o bairro e o motivo pela busca ao CT.
Dessa forma, com a devida autorização de uma conselheira realizamos análise dos
atendimentos realizados nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2014 e para
sistematização dos dados elaboramos um quadro para contabilizarmos os casos mensais (cf.
apêndice D).
As demandas apresentadas no primeiro trimestre de 2014 dão conta de que as
demandas atendidas pelo CT são: busca por vaga ou transferência escolar; conflitos familiares
envolvendo crianças e adolescentes; registro de nascimento (1ª ou 2ª via); denúncias de
negligências ou maus tratos contra crianças e adolescentes; registro de nascido vivo; evasão
52 O Disque 100 é uma central telefônica de nível nacional que funciona como um canal de comunicação direta
entre a sociedade civil e o Poder Público, tendo com objetivo a denúncia de casos de violação dos direitos
infanto-juvenis.
53 O SIPIA é um instrumento de coleta de dados locais, regionais, estaduais e nacional sobre a infância e
adolescência, a partir do qual os dados resultam em relatórios que possibilitam a elaboração, gestão e execução
de políticas, programas e projetos sociais voltados para esse público-alvo. Este banco de dados é formado a partir
de informações repassadas via internet, sendo dividido em dois módulos: um SIPIA para Conselho Tutelar e o
SIPIA para Unidades/Programas de Atendimento Socioeducativo. Disponível em: <
http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/programas/sistema-de-informacoes-para-infancia-e-
adolescencia-2013-sipia>. Acesso em: 27 jun. 2014, 16:45:00.
89
escolar; acompanhamentos de casos e retornos; orientações; declarações e solicitações de
acompanhamento médico ou psicológico, dentre outras.
No mês de janeiro de 2014, foram atendidos 221 casos com problemáticas
diversificadas. Foram detectadas situações de conflitos familiares envolvendo crianças e
adolescentes, fuga do lar, denúncias de trabalho infantil, situações de drogadição de garotos e
garotas, fuga do lar, dentre outras, como aponta o gráfico abaixo:
Gráfico 1 – Demandas do CT/Janeiro
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Conforme o gráfico I, vemos que no mês de janeiro a maior demanda de
atendimento foi referente à procura por vagas ou transferência escolar, sendo 35 casos,
envolvendo tanto a primeira vaga como a vaga para transferência.
A segunda maior procura foi relacionada a conflitos familiares envolvendo
crianças e adolescentes. Esses conflitos não foram especificados no livro a que tivemos
acesso, no entanto, as conselheiras tutelares afirmaram que de modo geral são conflitos entre
pais e filhos por conta de divergências de opinião ou por causa de conflitos entre genitores
quanto aos cuidados com os filhos, desse modo os conflitos familiares somaram 26
atendimentos.
90
A terceira maior demanda é detectada nas 23 orientações sobre a guarda de
crianças e adolescentes, sendo que diante da não competência do CT para operar em casos de
guarda, essas situações são encaminhadas para a Defensoria Pública para que os interessados
entrem com pedido de guarda judicialmente.
Ocorreram, no primeiro mês de 2014, um total de 10 audiências com os usuários,
visando a um consenso entre as partes e 18 comparecimentos em resposta a notificações feitas
pelas conselheiras.
Já no mês de fevereiro de 2014 foram 203 atendimentos realizados pelas cinco
conselheiras, e a demanda maior foi o retorno dos usuários para darem continuidade à
resolução das problemáticas enfrentadas, tendo sido registrados 24 retornos ao CT. Vejamos o
gráfico a seguir:
Gráfico 2 - Demandas do CT/Fevereiro
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
O comparecimento em resposta às notificações feitas pelas profissionais
registraram 22 atendimentos, aos quais os usuários após solicitação oficial compareceram
para tratar de assuntos específicos.
Na terceira colocação, ficou o atendimento por conta de conflitos familiares, os
quais somaram 17, e foram registrados ainda 16 casos relacionados à vaga ou transferência
escolar, e 16 casos em que os usuários pretendiam o registro da certidão de nascimento (1ª ou
2ª via).
91
No mês de março de 2014, não houve atendimento nos dias 14, 17, 18, 20, 21 e
26, implicando na diminuição dos atendimentos à população. Sobre o motivo por não ter
havido atendimento no livro constava que esses dias foram feriados. Dessa forma, foram
registrados ao final do mês somente 93 atendimentos. Vejamos o gráfico a seguir:
Gráfico 3 - Demandas do CT/Março
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
*Não foram registrados atendimentos nos dias 14, 17, 18, 20, 21 e 26 de março de 2014.
A maior incidência de atendimento no mês de março de 2014 foi relacionada a
conflitos familiares envolvendo crianças e adolescentes, tendo sido 14 casos. Estes conflitos
podem envolver questões relacionadas às divergências de opinião quanto ao trato de crianças
e adolescentes ou conflitos entre os genitores que passa a interferir na convivência dos
meninos e meninas, dentre outros.
A segunda foi o registro de 11 retornos ao órgão em busca de solução da violação
de direitos de meninos e meninas. Este retorno pode ter ocorrido por vontade própria do
usuário que não teve seu direito garantido ou por agendamento das conselheiras. Foram
registrados ainda 7 atendimentos por causa de guarda de crianças e adolescentes de crianças e
5 casos referentes ao registro de nascimento.
92
Sintetizamos que, ao final do primeiro trimestre de 2014, o Conselho Tutelar
pesquisado realizou 517 atendimentos, ficando uma média de 172 casos por mês e de 5 a 6
atendimentos por dia.
A situação torna-se alarmante quando dividimos o total de atendimentos dos
meses de janeiro, fevereiro e março de 2014 pelo número de cinco conselheiras tutelares,
resultando em 103 casos para cada conselheira durante o primeiro trimestre de 2014.
Segundo as entrevistadas, este elevado número de demandas resulta em um
atendimento de pouca qualidade e sem oportunidade de aprofundamento acerca das
problemáticas mais complexas, representando dessa forma o que relata Joana Garcia (2006)
de que nesse contexto de políticas fragmentadas e focalizadas o que acaba sendo direcionado
aos desfavorecidos economicamente são serviços de pouca qualidade e o que não é
considerado bom pela sociedade em geral.
Frente às demandas apresentadas, indagamos às entrevistadas se a população
atendida pelo CT possui respeito pelo órgão e por suas decisões. Sobre isto elas afirmaram
que a comunidade possui, sim, respeito pelo trabalho delas e pelas decisões do CT, mas que
uma pequena parcela não respeita quando a decisão do conselho - que deve representar os
interesses da criança e do adolescente e garantir o seu bem-estar - vai de encontro à vontade
pessoal do usuário.
De acordo com a Sra. Peteca, geralmente as pessoas respeitam o Conselho
Tutelar, mas:
Existe um número que eles não entendem o nosso trabalho, porque as pessoas que
não entendem, elas vêm com a situação de querer resolver o problema dela, mas a
maneira dela, né. Ela quer que seja resolvido da forma dela, que beneficie a ela.
Nestes casos acontece a insatisfação do público, do público pequeno que geralmente
acontece comigo. Mas é um público pequeno que sai insatisfeito, que vem em busca
de ser resolvida a maneira dele. Exemplo: situação de guarda, eles já vêm decidido
com quem a criança deve ficar. (informação verbal)54.
Segundo as entrevistadas, geralmente a população apresenta respeito pelo CT,
porém quando a ação do conselho protege os interesses de crianças e adolescentes, mas são
contrárias aos interesses pessoais dos usuários, estes se sentem prejudicados.
Eu ainda vejo que as pessoas têm respeito pelo Conselho Tutelar, se a gente vai e
notifica eles vêm. Então é por isso que eu acho que ainda tem respeito, né. Das
notificações que a gente faz sempre as pessoas estão vindo. Os encaminhamentos que a gente faz eles acatam, mas a parte das pessoas que eu atendo sempre obtive
54 Sra. Peteca.
93
sucesso. Acredito que é uma maneira de respeito, né. Porque acredito que o
conselho pode apoiar, defender às crianças e adolescentes, né? (Ciranda, 2014).
Verificamos que o Conselho Tutelar pesquisado atende diversificadas demandas
referentes à violação ou eminente violação de direitos de crianças e adolescentes e que tais
demandas apresentam um elevado quantitativo, ocasionando uma grande quantidade de casos
por cada conselheira e dificultando assim um atendimento de melhor qualidade.
3.3 Desafios e dificuldades da atuação das conselheiras tutelares
Na realização de nossa pesquisa de campo, constatamos a veracidade de fatos
narrados em reportagens jornalísticas sobre a situação dos Conselhos Tutelares em Fortaleza,
reportagens essas que foram discutidas no capítulo anterior.
As entrevistadas relataram que existem muitos desafios e dificuldades para a
atuação do CT, esses desafios se apresentam tanto na falta de material de expediente até na
dificuldade de articulação com a rede de apoio.
São tantas dificuldades a serem enfrentadas que uma entrevistada disse “o que
mais tem aqui são deficiências. Deficiências do espaço físico, material, pessoal, tudo”
(informação verbal)55
.
Presenciamos em uma de nossas visitas ao CT que, devido à impossibilidade de
enviar um e-mail para uma instituição por conta da falta de internet, um funcionário deslocou-
se a uma lan house para realizar este procedimento que deveria ser feito no próprio CT.
O computador que havia no local apresentou problemas técnicos e desde então
aguarda conserto. Dessa maneira, as profissionais ficam impossibilitadas de estabelecerem
uma comunicação mais rápida com outras entidades e instituições.
Sem computador e sem internet, também não é possível o cadastro dos
atendimentos de modo mais sistemático, fato este que nos impossibilitou o alcance de nosso
objetivo de identificar o perfil das crianças atendidas pelo Conselho Tutelar.
Estes relatos estão de acordo com o relatório “Conhecendo a Realidade” de 2013
que mostra que os CTs do Ceará possuem deficiências de materiais e equipamentos como
computador, telefone e impressora.
55 Sra. Pipa.
94
Segundo a Sra. Andoleta, a falta de equipamentos adequados recai sobre a atuação
das conselheiras e dificulta a realização de suas atribuições.
Não existe a questão dos recursos humanos, desde a carência da contingência maior
que não existe, a capacitação desses profissionais que nos auxiliam, uma
capacitação, né, que deveria ser continuada porque se trata diretamente com pessoas
e problemas complicados, a questão também da infraestrutura, do próprio funcionamento, desde a coisa básica que seria o material de expediente até os
equipamentos necessários. Nós damos respostas imediatas, precisamos de
computadores porque nós recebemos denúncias via e-mail, é via fax. Enfim, nós não
temos nada, absolutamente nada, quer dizer existe, mas não funciona. (informação
verbal)56.
Essa fala demonstra que temos um CT que atende à determinação do ECA, mas
que na prática faltam condições para concretizar essa política de atendimento de garotos e
garotas. Assim, passa-se a ofertar serviços ineficazes. E isso ocorre por conta de que se tem a
visão de que é um serviço para pessoas carentes e sem entendimento dos seus direitos?
Podemos agregar isso ao que Pedro Demo (2006) identifica como sendo o grande
desafio:
O desafio parece ainda ser este: se não soubermos mudar essa elite que nos
imbeciliza de alto a baixo, não há o que fazer: os impostos que pagamos não vão para a coisa pública, o trabalho que fazemos não redunda em bem comum, as
políticas sociais básicas são coisa pobre para o pobre, a esfera pública está cada vez
mais privatizada. (DEMO, 2006, p. 4).
Verificamos também como dificuldades apresentadas pelas entrevistadas a falta de
capacitação constante dos conselheiros tutelares e da equipe técnica por parte do Poder
Executivo municipal, bem como a falta de esclarecimento da população acerca das atribuições
dos conselheiros tutelares e o papel do Conselho Tutelar.
Assim, sem um entendimento das reais atribuições dos conselheiros, a população
passa a exigir do CT respostas e ações não condizentes com as suas possibilidades e por esse
motivo muitos populares afirmam que o CT não funciona e não contribui para a defesa dos
direitos das crianças e adolescentes.
Na verdade o CT dentro dessa área, onde ele é a porta de entrada, ele faz o seu papel porque ele encaminha, agora se não se efetiva é culpa da estrutura que deveria vir
depois. É muito importante saber disso, é muito importante deixar bem claro. O
Conselho Tutelar realiza sim o seu trabalho. Porque muitas vezes tem essa distorção
de achar que o CT não faz nada. Ele realiza sim, porque uma vez procurado, uma
56 Sra. Andoleta.
95
vez detectada uma denúncia, um problema, nós realizamos os encaminhamentos.
Agora se ele não é efetivado, não depende do CT. O Conselho Tutelar encaminha
“pro” serviço que é solicitado e informa ao Ministério Público, agora se daqui pra lá,
nesse percurso não acontece nada, é claro que como o que foi acionado foi o CT
como porta de entrada, muitas vezes a culpa recai sobre. (informação verbal) 57
.
Desse modo, é importante destacar o que Raquel Raichelis (2006) expõe sobre a
necessidade de ampliar a visibilidade pública dos conselhos, referindo-se à articulação entre
os conselhos de políticas públicas:
Uma das exigências para a consolidação dos conselhos como espaços públicos
democráticos é a ampliação de sua visibilidade pública. Isso significa que as ações,
os discursos e os critérios que orientam as deliberações dos conselhos devem-se expressar com fidedignidade e publicidade, não apenas para os diretamente
envolvidos, mas para todos os que serão implicados pelas decisões assumidas. Para
isso, a transparência e a circulação das informações interconselhos precisam ser
intensificadas, no sentido de que seu acesso seja cada vez mais amplo e contribua
para uma visão de totalidade da política social que está sendo implementada.
(RAICHELIS, 2006, p. 113).
Sobre esse assunto a Sra. Pipa também se posicionou afirmando que além da má
compreensão da população sobre as verdadeiras atribuições do CT existe também a grande
demanda que impossibilita um atendimento em que se possa aprofundar a situação dos
usuários.
A meu ver, o CT é pressionado direto, 24 horas por dia, porque a gente tá aqui pra
fazer os encaminhamentos. O artigo 136 [do ECA] diz que a gente é o órgão que faz
os encaminhamentos, porém a sociedade, a comunidade às vezes não compreende
que o trabalho do Conselho Tutelar é limitado, e as pessoas buscam uma situação
aqui que vai além das nossas posses e nisso o CT fica mal visto, por conta dessa
situação da gente não poder realmente de fato e nem sequer a gente tem condições
de acompanhar casos. A gente aqui não tem condições de acompanhar não, por mais que a gente queira. Porque é atendimento toda hora, você vê que aqui é gente
chegando toda hora. Eu estou aqui, mas aquelas duas senhoras estão me esperando.
Aí como é que se pode ter um atendimento 100%, né, ou até mesmo de boa
qualidade? (informação verbal)58.
Enquanto pesquisadoras nos surpreendemos ao constatar que o maior desafio
apontado por todas as entrevistadas é a dificuldade de acesso à rede de apoio59
para onde são
realizados os encaminhamentos.
57 Idem. 58
Sra Pipa. 59 A rede de apoio que as entrevistadas se reportam e que aqui tratamos é referente à articulação entre os órgãos,
as entidades e instituições que prestam atendimento ou assistência às crianças e aos adolescentes, como o
Ministério Público, abrigos públicos, escolas públicas, Delegacia de Combate à Exploração de Crianças e
96
Elas relataram que a política de atendimento que segundo o ECA deveria ser
realizada através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não funciona de forma eficaz.
Nas das falas das entrevistas, fica bem evidente essa dificuldade de relação com
outras entidades de atendimento à criança e ao adolescente, pois não haveria uma
continuidade do trabalho iniciado no CT.
As nossas dificuldades é entrar em concordância muitas vezes com as redes que nos
apoiam, né. O CREAS, os colégios, com a Defensoria Pública e toda a rede que num
funciona, né. Tem abrigos. Tem coisas que a gente encaminha, tem momento que, por
exemplo, eu ontem tava com um menino pra abrigar e não tinha abrigo, tá lotado, sempre tá
lotado. E como é que a gente pode fazer a coisa acontecer, né, se a gente tem negado os
direitos. Porque o direito é pra acontecer, tá no ECA, então é pra ser cumprido, mas não
acontece. A gente encaminha e às vezes eles botam lá uma pedra em cima, esbarra por lá. Eles acham que não sei. A gente tem que encaminhar e é como se a gente tivesse
trabalhando contra o tempo. Porque se eles funcionassem da maneira que é pra ser, se eles
atendessem seria bem melhor. A coisa andava bem mais. (informação verbal)60.
Nesse sentido, detectamos nas falas das entrevistadas que o maior empecilho para
a atuação dos CTs e para a efetivação da política de atendimento à infância e adolescência
ocorre por conta do próprio Estado, que é o responsável pela elaboração, aprovação e que
deveria zelar pela execução dessa política, mas que na realidade não tem contribuído de
maneira adequada para o fortalecimento dessa política. Isso ocorre como consequência das
privatizações dos serviços públicos e do rebaixamento das ações do Estado, nas quais
conforme Evilasio Salvador (2010), “as propostas neoliberais incluem a transferência da
proteção social do âmbito do Estado para o mercado, a liberalização financeira passa pela
privatização dos benefícios da seguridade social” (SALVADOR, 2010, p. 606).
Com base em Potyara Pereira (2008), afirmamos que as narrativas das
entrevistadas mostraram que “no que diz respeito aos direitos sociais, o fato de eles
dependerem de recursos para serem efetivados impõe, às políticas públicas que devem
concretizá-los, desafios reais” (PEREIRA, 2008, p. 106).
De tal modo, diante da constatação de que o Estado em todas as suas esferas de
poder - Federal, Estadual ou Municipal - não tem incentivado uma política dirigida para
crianças e adolescentes, fato que se mostra na dificuldade de acesso às redes de apoio e na
precariedade dos serviços prestados, passamos a concordar com Joana Garcia (2006) quando
Adolescentes (DECECA), Delegacia da Criança e do Adolescente (CDA) e serviços médicos do Sistema Único
de Saúde (SUS), dentre outros. 60 Sra. Ciranda.
97
esta autora discute que a ação do Estado torna-se restrita e focalizada, de maneira que, por
exemplo, estudar em escolas públicas ou utilizar o serviço de saúde pública representa se
expor a uma qualidade de desprotegidos e desqualificados, pois:
Em um país que lamenta a perda do que não desfrutou plenamente, a focalização
representa a inimiga da justiça social e, portanto, um retrocesso na garantia da
cidadania plena. Em relação às políticas universalistas, há uma aposta na sua
expansão e melhoria, já que no caso das políticas de saúde e educação, embora
universais, são, de modo geral, precárias e, por isso, acabam sendo direcionadas aos
pobres. Opera-se uma focalização derivada da qualidade do serviço prestado,
restando aos pobres o que não é considerado bom pela sociedade de modo geral.
(GARCIA, 2006, p. 16).
Fazemos referência também ao que Behring e Boschetti (2011) denominam de
trinômio do ideário neoliberal que afeta as políticas sociais, causando a redução dos direitos
sociais, ações pontuais e fragmentadas. Este trinômio corresponde à privatização, focalização
e descentralização, sendo que este último não representa o partilhamento do poder entre as
esferas, mas significa a transferência de responsabilidades para entes da federação ou para
instituições privadas. Não que as instituições privadas não possam ofertar serviços para o
atendimento de crianças e adolescentes, mas elas não devem assumir sozinhas essa
responsabilidade e deixar o Estado ausente desta sua obrigação.
Com a ausência de uma rede de apoio, ocorre que não está se cumprindo a
articulação necessária entre os setores da sociedade e o Estado para promover a política de
atendimento de crianças e adolescentes estabelecida no ECA, pois conforme nos lembra
Ishida (2008), “a responsabilidade pelas políticas públicas que afeta a criança e o adolescente
é das três esferas governamentais: União, Estados e Municípios, bem como pela participação
das entidades não governamentais” (ISHIDA, 2008, p. 134).
Conforme Sra. Ciranda, existe muita divergência entre a lei e a realidade, pois na
prática as dificuldades são muitas e atrapalham a realização de uma ação eficaz.
Na prática, as legislações ainda deixam muito a desejar. A gente faz muitos encaminhamentos, por exemplo, a gente sabe que ali é uma lei, a criança ter a vaga
na escola, mas a gente faz o encaminhamento e a coisa não acontece, entendeu? Aí a
gente tem ter outro trabalho de encaminhar pro Ministério Público, pro Distrito de
Educação e muitas vezes a coisa não acontece. Mesmo o Ministério Público tendo
conhecimento é lento pra dar uma resposta. Eu acho que o Conselho Tutelar, ele tenta fazer as leis acontecerem, mas as dificuldades são muito grandes. Tem a
divergência entre a lei e a realidade. (informação verbal)61.
61 Sra. Ciranda.
98
Para a Sra. Andoleta, as legislações voltadas para o público-alvo aqui
representado são muito bonitas, mas na prática elas ainda deixam muito a desejar. Faltam
condições de articulação com outros órgãos e entidades, pois quando se precisa acionar um
serviço as conselheiras tutelares muitas vezes não conseguem um retorno adequado.
A rede [de apoio] na verdade ela não existe. Assim, porque ela é uma política muito bonita, que ela tem que ser efetivada, mas não é. [...] Uma das redes que a gente
procura diariamente que é a questão das casas de acolhimento, os próprios serviços
públicos que são prestados. Hoje nós temos dentro da saúde, a gente tem
conhecimento de existir dois neuropediatras e se você encaminhar uma criança que tá com problema de saúde de ordem neurológica, você diz que é um direito que tem
que ser assegurado, no entanto, a rede pública não oferece médicos suficientes. Nas
salas de aula é a mesma coisa. Nas casas de acolhimento também não existem vagas.
(informação verbal)62.
A Sra. Pipa nos disse que a rede de atendimento não funciona, e sobre essa
ineficiência ela faz uma brincadeira ao afirmar que:
A meu ver as leis só existem no papel mesmo, tá certo? Porque as leis elas foram feitas pra serem executadas, né! Para que realmente a pessoa em si, a sociedade, a
comunidade, aquela pessoa que necessita pudessem garantir mesmo os seus direitos,
mas na realidade não existe, isso é só no papel. Existe a rede, mas ela é rasgada,
furada e sem punhos [risos]. (informação verbal)63.
Enfim, verificamos que muitas dificuldades envolvem a atuação do CT e que para
a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes é necessário não só um compromisso dos
agentes envolvidos nessa caminhada, antes é oportuno lembrar que embora a família e a
comunidade deva participar desse processo o Estado- nos níveis Federal, Estadual e
Municipal- deve assumir papel central e ofertar condições econômicas e estruturais para que
essa política de fato se concretize.
62 Sra. Andoleta. 63 Sra. Pipa.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atual legislação brasileira aponta inúmeros dispositivos para a defesa e
efetivação dos direitos relacionados à infância e à adolescência, abordando aspectos políticos,
sociais e culturais que garantam a saúde, a educação, a liberdade e o desenvolvimento de
crianças e adolescentes. Contudo, verificamos que nem sempre o tratamento dispensado às
crianças e aos adolescentes deu-se dessa maneira, antes eles foram alvo de negligências e
subordinação.
Constatamos que a trajetória de meninos e meninas no Brasil foi marcada ora pela
negação, ora pela violação de seus direitos. Assim, pudemos ressaltar que, no período das
embarcações portuguesas rumo ao Brasil colônia, as crianças e adolescentes se fizeram
presentes nos navios como mão de obra barata e eram constantemente vítimas de abusos
físicos e sexuais, vivendo em condições desumanas, com pouca alimentação e ausência de
higienização. Aquelas que resistiam aos perigos das viagens marítimas e aqui chegavam
continuavam em condições inferiores de sobrevivência.
Como vimos no decorrer da pesquisa, as crianças indígenas que aqui já se
encontravam também sofreram violações e perseguições e tornaram-se “alvos” da
evangelização dos jesuítas, os quais ao tentarem catequizá-las causaram-lhes um verdadeiro
massacre cultural e destruição do seu modo de vida.
Com a passagem histórica para o Império e depois para a República, a situação de
vida desses garotos e garotas brasileiros pouco se modificou e eles continuaram abandonados
à própria sorte e sem amparo efetivo da comunidade ou do Estado. Nessa época, os adultos
mantinham um distanciamento da criança como forma de evitarem um sofrimento diante da
morte dos pequeninos, visto que eram altas as taxas de mortalidade infantil naquele período.
O sofrimento também rodeava a vida das crianças escravas, muitas vezes
separadas de seus pais, que ora eram tratadas como um “brinquedo” e um “entretenimento”
pelas filhas dos senhores de escravos, ora começavam a trabalhar muito cedo, trazendo desde
já no sobrenome a atividade que executavam. Esses sujeitos infanto-juvenis não possuíam
direitos de cidadania e quando necessitavam eram atendidos por entidades beneficentes, como
as Santas Casas ou Casa dos Expostos.
Durante o período do Regime Militar, crianças e adolescentes também não eram
tratados sob a perspectiva de cidadãos, mas antes eram tratados como objetos de controle e
disciplinamento social.
100
Foi somente a partir da luta dos movimentos sociais, no decorrer dos anos de
1970, em prol da redemocratização do país e da garantia de direitos, dentre eles os da
população infanto-juvenil, que se construía uma nova concepção de infância e adolescência
no Brasil, buscando a afirmação de seus direitos.
Tomamos consciência que foi tardiamente, a partir da CF/88, que o Brasil passou
a considerar a cidadania de crianças e adolescentes e a destinar a eles uma política pautada na
Doutrina da Proteção Integral com ações de promoção, proteção e fiscalização de seus
direitos.
Essa política de atendimento reafirmou-se e consolidou-se com a criação do ECA
no ano de 1990, garantindo a todas as crianças e adolescentes direitos fundamentais e de
cidadania, respeitando a sua dignidade de pessoa humana e em desenvolvimento e
determinando a responsabilidade da família, da comunidade e do Estado na proteção do seu
bem-estar físico, mental e social.
Nossa pesquisa alcançou seu objetivo central acerca do atuação do Conselho
Tutelar para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, a partir da qual pudemos
concluir que o Conselho Tutelar possui um duplo significado: o significado ideal estabelecido
pelo ECA e o significado real que está envolto nas dificuldades do dia a dia.
Portanto, o significado atribuído pela legislação ao Conselho Tutelar é um
significado de valorização e perfeição desses espaços para a construção da cidadania de
meninos e meninas, pois conforme está no ECA o CT possui atribuições de extrema
importância que se cumpridas atribuem às crianças e aos adolescentes vez e voz.
O outro significado atribuído ao Conselho Tutelar surge a partir da vivência das
conselheiras e da equipe técnica que atuam em condições precárias, necessitando de melhor
infraestrutura e de recursos humanos e financeiros, ou seja, na prática o Conselho Tutelar
possui dificuldades para executar suas atribuições e dificuldades de relação com a rede de
atendimento.
A prática de atuação das conselheiras ocorre em meio a dificuldades e desafios
que, muitas vezes, impossibilitam o acesso de crianças e adolescentes aos seus direitos e
garantias fundamentais, as redes de atendimento não funcionam de forma eficaz e recai sobre
o CT a culpa pela não concretização dos direitos infanto-juvenis.
O significado real do Conselho Tutelar é de um órgão da comunidade que tem o
cumprimento de suas atribuições tolhido pelo atual contexto de diminuição das políticas
públicas sociais, pela crítica à Doutrina da Proteção Integral e pelo discurso de culpabilização
do indivíduo pela sua situação social.
101
Assim, o Estado oferece políticas públicas sociais de maneira focalizada, e as
redes de proteção para onde ocorrem os encaminhamentos do CT não atendem de forma
eficiente à grande demanda. Atualmente há uma tentativa de desconstrução e desvalorização
da Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes, apontando, por exemplo, para a
diminuição da imputabilidade penal. E há o discurso de que crianças e adolescentes são os
culpados pela sua situação de vulnerabilidade, pois não estudam e não trabalham porque não
querem.
Dessa forma, analisamos o papel do CT como de extrema importância para a
efetivação dos direitos infanto-juvenis, mas entendemos que ele não é o único responsável por
essa tarefa nem tampouco o único culpado pela não concretização da política de atendimento
às crianças e aos adolescentes.
Enfim, essa pesquisa nos possibilitou o alcance de nossos objetivos iniciais, mas,
sobretudo, nos proporcionou uma aproximação com a realidade de atuação do Conselho
Tutelar, despertando-nos principalmente para a divergência existente entre as disposições
legais e as condições reais.
Consequentemente, a partir dessa experiência de investigação percebemos a
necessidade do fortalecimento dos vínculos entre a sociedade e o CT, com um constante
esclarecimento das atribuições da instituição através, por exemplo, de palestras, cartilhas
explicativas e divulgações em mídias sociais, para que dessa forma a população se engaje na
luta pelos direitos de crianças e adolescentes, pela melhoria das condições de atuação dos
conselheiros e na construção de um novo significado político e social acerca do papel do
Conselho Tutelar.
Durante a pesquisa, tornou-se evidente a necessidade do aumento do número de
CTs no município de Fortaleza para que se possa atender de maneira eficiente, eficaz e efetiva
à população.
Pudemos verificar que o Conselho Tutelar visto a partir das dificuldades e
precariedades que perpassam a execução de suas atribuições torna-se, muitas vezes,
impossibilitado de efetivar os direitos de crianças e adolescentes. Quando faltam condições e
instrumentos mínimos, como material de expediente e telefone, os conselheiros a partir do
compromisso profissional conseguem alguns resultados positivos.
Por fim, passamos a considerar que o Conselho Tutelar, por tratar-se da porta de
acesso para a política de atendimento de crianças e adolescentes, possui um valor social
extremamente relevante para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes e apresenta
102
inúmeras possibilidades para a concretização desses direitos, embora na prática as
competências desse órgão não sejam valorizadas da maneira adequada.
103
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108
APÊNDICES
109
Apêndice A - Roteiro de entrevista 01 (perfil do entrevistado):
SOBRE O ENTREVISTADO:
IDADE
a. ( ) 25 a 35
b. ( ) 36 a 45
c. ( ) 46 a 55
d. ( ) 56 a 65
SEXO
a. ( ) Feminino
b. ( ) Masculino
ESTADO CIVIL
a. ( ) Solteiro(a)
b. ( ) Casado(a)
c. ( ) Divorciado(a)
d. ( ) Viúvo
GRAU DE INSTRUÇÃO:
a. ( ) EF COMPLETO
b. ( ) EM INCOMLETO
c. ( ) EM COMPLETO
d. ( ) ES COMPLETO E INCOMPLETO
e. ( ) ES EM CONCLUSÃO
1. Quanto tempo você possui de mandato? Já assumiu ou pretende assumir um outro
mandato?
2. Você tem participado de cursos/eventos para o aprimoramento acerca dos direitos de
crianças e adolescentes nos últimos dois anos? Quais?
3. A Prefeitura de Fortaleza oferece/incentiva algum aprimoramento acerca dos direitos
de crianças e adolescentes?
4. Você se sente preparado(a) para exercer suas atividades de conselheiro?
5. Quais motivações lhe levaram a candidatar-se a membro do Conselho Tutelar?
6. Como você percebe a atual política de atendimento de crianças e adolescentes?
7. Você participa ou já participou de algum movimento ou instituição que atue na defesa
dos direitos de crianças e adolescentes?
8. Em sua concepção, qual o papel do Conselho Tutelar?
9. Como você compreende a relevância da atuação do Conselho Tutelar para a efetivação
dos direitos de crianças e adolescentes?
10. Como você analisa a relação entre o que estabelece as legislações sobre a infância e
adolescência e o que você vivencia como membro do Conselho Tutelar?
11. Em sua opinião, a atuação do Conselho Tutelar sofre alguma intervenção política? Em
que intensidade?
12. Para você quais as dificuldades no cotidiano da atuação do Conselho Tutelar?
13. As pessoas atendidas pelo Conselho Tutelar têm respeito pela instituição e por suas
decisões?
110
Apêndice B - Roteiro de entrevista 02 (aspectos do funcionamento):
1. Como ocorre o processo eleitoral para o Conselho Tutelar? Qual o período do mandato
dos conselheiros tutelares?
2. Em quais políticas sociais o Conselho Tutelar está pautado?
3. Quais as atribuições da Prefeitura de Fortaleza para o funcionamento do Conselho
Tutelar?
4. Quais as condições de atuação do Conselho Tutelar?
5. Quais procedimentos devem ser realizados para obter atendimento no Conselho Tutelar?
6. Quais os dias e horários de funcionamento do Conselho Tutelar?
7. Quantos conselheiros tutelares e funcionários trabalham no Conselho Tutelar? Quais as
condições de contrato de trabalho?
8. Quais demandas são atendidas pelo Conselho Tutelar?
9. Quantas demandas foram atendidas no 2º semestre de 2013?
10. Qual a maior demanda apresentada ao Conselho Tutelar no 2º semestre de 2013?
11. Qual o perfil social das crianças e adolescentes que foram atendidas pelo Conselho
Tutelar no 2º semestre de 2013?
12. Para quais instituições ou órgãos são encaminhadas as demandas atendidas pelo Conselho
Tutelar? APRESENTE A DE MAIOR NÚMERO.
111
Apêndice C - Quadro utilizado para organização do quantitativo de atendimentos
Tabela de atendimentos do mês:
Tipo de demanda Quantitativo
Negligência
Conflito familiar
Agressão física
Abandono
Vaga/transferência em escola
Trabalho infantil
Nascituro vivo
Termo de responsabilidade
Retorno
Não identificado
Evasão escolar
Casamento
Abrigamento
Benefício
Conflito com vizinho
Acompanhamento
Orientação
Audiência
Guarda
Notificação
Acompanhamento de ato infracional
Registro de nascimento
DNA
Curso
Denúncia
Medida protetiva
Adoção
Drogadição
Pensão
Fuga do lar
Estudo de caso
Exploração infantil
Outros:
Total:
112
Apêndice D - Fotos sede CT da SER I
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
113
Apêndice E - Fotos sede CT da SER II
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
114
Apêndice F - Foto sede CT da SER III
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
115
Apêndice G - Fotos sede CT da SER IV
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
116
Apêndice H -Foto sede CT da SER V
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
117
Apêndice I - Fotos sede CT da SER VI
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.
118
ANEXOS
119
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido