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ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

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CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA – EAD

Antropologia Filosófica – Prof. Juan Antônio Acha e Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva

Meu nome é Juan Antonio Acha. Sou graduado em Licenciatura em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano e realizo pós-graduação na área de gestão e filosofia. Atuo como docente em Antropologia Filosófica. Sempre fui preocupado com o valor da vida e da vida humana em especial, por isso tenho presente as palavras de Sócrates, referidas por Platão na Apologia de Sócrates: "Uma vida que não é examinada não vale a pena ser vivida".

e-mail: [email protected]

Meu nome é Pe. Sérgio Ibanor Piva. Sou Doutor em Ciências da Educação pela Università Pontificia Salesiana (Roma/1966), especialista em Perfezionamento Didattico in Psicologia pela Universidade Salesiana (Roma/1963), em Psicologia da Educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Barão de Mauá (Ribeirão Preto/1972) e em Logoterapia aplicada à Educação pela Sociedade Brasileira de Logoterapia (1993). Atuo, dentre outras atribuições, como Reitor – Centro Universitário Claretiano – e Orador Sacro, com mais de 10.000 homilias proferidas.

e-mail: [email protected]

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ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

Prof. Juan Antônio Acha

Prof. Dr. Sérgio Ibanor Piva

Plano de Ensino

Caderno de Referência de Conteúdo

Caderno de Atividades e Interatividades

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© Ação Educacional Clare� ana, 2012 – Batatais (SP)Trabalho realizado pelo Centro Universitário Clare� ano de Batatais (SP)

Curso: Licenciatura em Filosofi aDisciplina: Antropologia Filosófi ca

Versão: fev./2012

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva

Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. José Paulo Ga"

Pró-Reitor Administra� vo: Pe. Luiz Claudemir Bo# eon

Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. José Paulo Ga"

Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Ms. Ar� eres Estevão Romeiro

Coordenador do Curso de Licenciatura em Filosofi a: Prof. Dr. Marcelo Donizete da Silva

Coordenador de Material Didá� co Mediacional: J. Alves

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional

Preparação

Aline de Fátima Guedes

Camila Maria Nardi Matos

Carolina de Andrade Baviera

Cá� a Aparecida Ribeiro

Dandara Louise Vieira Matavelli

Elaine Aparecida de Lima Moraes

Josiane Marchiori Mar� ns

Lidiane Maria Magalini

Luciana A. Mani Adami

Luciana dos Santos Sançana de Melo

Patrícia Alves Veronez Montera

Rita Cristina Bartolomeu

Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli

Simone Rodrigues de Oliveira

Viviane Fernanda Zanotin

Revisão

Felipe Aleixo

Maiara Andréa Alves

Marcela Fonseca Ferreira

Rodrigo Ferreira Daverni

Talita Cristina Bartolomeu

Vanessa Vergani Machado

Projeto gráfico, diagramação e capa

Eduardo de Oliveira Azevedo

Joice Cristina Micai

Lúcia Maria de Sousa Ferrão

Luis Antônio Guimarães Toloi

Raphael Fantacini de Oliveira

Renato de Oliveira Violin

Tamires Botta Murakami de Souza

Wagner Segato dos Santos

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer

forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na

web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do

autor e da Ação Educacional Claretiana.

Centro Universitário Claretiano Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000

[email protected]: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006

www.claretiano.edu.br

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SUMÁRIO

PLANO DE ENSINO

APRESENTAÇÃO1 .................................................................................................. 9DADOS GERAIS DA DISCIPLINA2 ........................................................................... 10CONSIDERAÇÕES GERAIS3 ................................................................................... 12BIBLIOGRAFIA BÁSICA4 ........................................................................................ 13BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR5 ........................................................................ 13E�REFERÊNCIAS 6 ................................................................................................. 13

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO

INTRODUÇÃO1 ..................................................................................................... 15O2 RIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA ................................................. 16REFERÊNCIAS3 BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 37E�REFERÊNCIAS 4 ................................................................................................. 39

HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA UNIDADE 1 ! FILOSÓFICA

OBJETIVOS1 .......................................................................................................... 41CONTEÚDOS2 ....................................................................................................... 42ORIENTAÇÕES3 PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 42INTRODUÇÃO À UNIDADE4 .................................................................................. 44CIÊNCIAS POSITIVAS E CIÊNCIAS DO ESPÍRITO5 ................................................... 45ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA6 ............................................................................. 46MÉTODO DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA7 ........................................................ 52ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA: CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA8 ............................... 54DIFERENTES CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DE HOMEM9 ........................................ 57CONCEPÇÕES DE HOMEM NA ANTIGUIDADE10 .................................................... 59CONCEPÇÕES DE HOMEM NA IDADE MÉDIA11 ..................................................... 64VALOR DO HOMEM PÓS�RENASCENTISTA12 ......................................................... 67O13 HOMEM NA ANTROPOLOGIA MODERNA ....................................................... 70CONCEPÇÃO MATERIALISTA DO HOMEM14 .......................................................... 73PENSAMENTO EXISTENCIALISTA OU A FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA 15 "EXISTENSPHILOSOPHIE# ................................................................................. 75FILOSOFIA CRISTÃ E VIDA NO ESTEIO DA FILOSOFIA MEDIEVAL: A VIDA NÃO É 16 SOMENTE IDENTIDADE COM O ORGÂNICO ...................................................... 76PESSOA HUMANA E A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO CRISTÃO17 ........................ 77QUESTÕES18 AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 80CONSIDERAÇÕES 19 ............................................................................................... 82E�REFERÊNCIAS20 .................................................................................................. 83REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS21 .......................................................................... 84

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ESTRUTURA DO SER HUMANO: SER BIO�PSÍQUICO�ESPIRITUAL� UNIDADE 2 � �TRANSCENDENTE

OBJETIVOS 1 ......................................................................................................... 87CONTEÚDOS 2 ...................................................................................................... 88ORIENTAÇÕES3 PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 88INTRODUÇÃO À UNIDADE 4 ................................................................................. 89HOMEM: UM ÚNICO SER E UM ÚNICO SUJEITO5 ................................................ 90REGIÕES ESSENCIAIS DO HOMEM6 ...................................................................... 95HOMINIZAÇÃO7 ................................................................................................... 103PARALELISMO "PSICOFÍSICO"8 ............................................................................. 106SUJEITO9 .............................................................................................................. 109DIMENSÃO MUNDANA DO SERBIO�PSÍQUICO� �ESPIRITUAL10 ............................ 111OS ATOS HUMANOS11 ........................................................................................... 113SER SOCIAL 12 ........................................................................................................ 113PESSOALIDADE E PERSONALIDADE: PARTICIPAÇÃO DO TU13 ................................ 114O14 SUJEITO ABERTO AO MUNDO ......................................................................... 117QUESTÕES15 AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 120CONSIDERAÇÕES16 ................................................................................................ 122E�REFERÊNCIAS17 .................................................................................................. 123REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 18 ......................................................................... 123

CARACTERÍSTICAS DA UNIDADE 3 � PESSOA HUMANA, CONSTITUTIVOS ESSENCIAIS

OBJETIVOS1 .......................................................................................................... 125CONTEÚDOS 2 ...................................................................................................... 125ORIENTAÇÕES3 PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 126INTRODUÇÃO4 À UNIDADE .................................................................................. 127CATEGORIAS PARA COMPREENDER O HOMEM5 ................................................. 127LIBERDADE6 ......................................................................................................... 130HISTORICIDADE7 .................................................................................................. 139COMUNICAÇÃO8 .................................................................................................. 140HOMEM: SER HISTÓRICO E VALORES9 ................................................................. 147QUESTÕES10 AUTOAVALIATIVAS ............................................................................ 154CONSIDERAÇÕES11 ................................................................................................ 155E12 �REFERÊNCIAS .................................................................................................. 155REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS13 .......................................................................... 156

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SER EM UNIDADE 4 ! RELAÇÃO

OBJETIVOS1 .......................................................................................................... 157CONTEÚDOS2 ....................................................................................................... 158ORIENTAÇÕES3 PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 158INTRODUÇÃO À UNIDADE4 .................................................................................. 158INSTINTOS E PAIXÕES, A CONTINGÊNCIA DO HOMEM5 ...................................... 159SEXUALIDADE COMO CONDIÇÃO DA PESSOA6 .................................................... 160AMOR INTERPESSOAL, DIMENSÃO CONSTITUTIVA DO HOMEM7 ....................... 165EU"MUNDO8 ........................................................................................................ 173NATUREZA9 .......................................................................................................... 173CONHECIMENTO DO SER HUMANO 10 BIO"PSÍQUICO""ESPIRITUAL ...................... 177QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS11 ............................................................................ 182CONSIDERAÇÕES12 ................................................................................................ 183E13 "REFERÊNCIAS .................................................................................................. 184REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 14 ......................................................................... 184

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Plano de Ensino

APRESENTAÇÃO1.

Seja bem-vindo!

Você iniciará os estudos de Antropologia Filosófica, que é uma das disciplinas que compõem os cursos de Graduação na mo-dalidade EaD. Teremos muita satisfação em desenvolver esta dis-ciplina com você.

Você compreenderá que a reflexão antropológico-filosófica gerou-se à luz do cosmocentrismo grego, enriquecendo-se com o antropocentrismo da época moderna e situando-se no período contemporâneo entre o materialismo e o idealismo. Tão vastas cosmovisões trouxeram diferentes interpretações filosóficas sobre o homem. A Antropologia Filosófica atual deve, portanto, servir para classificar essa ampla informação, organizando o debate filo-sófico para evidenciar as características próprias do ser humano. O pressuposto da Antropologia Filosófica é orientar a discussão sobre o homem para responder à pergunta: quem é ele?

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Na Antropologia Filosófica, o homem é pensado de forma inte-gral, passando por cima de estigmas ou conceitos sociais. Com a obra A posição do homem no cosmo, de Max Scheler, começa-se a procu-rar uma definição que seja abrangente para o homem. Esse autor, ao estabelecer uma comparação entre o homem e os animais, conclui que a diferença entre ambos está no fato de o homem ter espírito– e, portanto, é um ser pessoal. Essa característica emergente de sua rea-lidade espiritual lhe confere o estatuto de Pessoa Humana.

A Antropologia Filosófica parte do pressuposto de que o ser humano é formado por regiões fundamentais: a biológica, a psico-lógica e a espiritual, unificadas no "eu" (centro).

De todas as regiões que compõem o ser humano, a espiritu-al pode ser considerada como a dimensão propriamente humana, já que é exclusiva do homem. Ela é evidente no conhecimento das essências, é universal e é fundamentação filosófica para a liberdade da vontade, para o sentido da responsabilidade, da defesa de ideais, para a consciência ética, os atos volitivos etc. Os atributos humanos são o campo de estudo da disciplina Antropologia Filosófica, que trata de explicar o homem e mais especificamente o que o torna humano e o que o desumaniza. Sempre esclarecendo que a Antro-pologia Filosófica, mais que explicar, quer compreender o homem.

Sugerimos que você não se limite ao conteúdo deste Caderno de Referência de Conteúdo e, sim, interprete-o como um referencial por meio do qual possa expandir seu horizonte de conhecimentos com o objetivo de formar sua própria opinião sobre o tema.

DADOS GERAIS DA DISCIPLINA2.

Ementa

História da antropologia filosófica. Conceito de pessoa hu-mana e as diferentes concepções filosóficas sobre o homem. Es-trutura do ser humano: ser bio-psíquico-espiritual-transcendente.

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© Licenciatura em Filosofi a 11

Características da pessoa humana: história e constitutivos. Amor interpessoal: dimensão constitutiva da pessoa humana. O eu e o mundo.

Objetivo geral

Os alunos da disciplina Antropologia Filosófica do curso de Licenciatura em Filosofia, na modalidade EaD do Claretiano, dado o Sistema Gerenciador de Aprendizagem e suas ferramentas, se-rão capazes de abordar a problemática do homem. Para isso, co-nhecerão e poderão, ainda, descrever as dimensões pessoais do homem, suas propriedades essenciais, completando a bagagem de conhecimentos com a forma como o homem conhece, com a captação dos valores e do sentido da vida.

Com esse intuito, os alunos contarão com recursos técnico--pedagógicos facilitadores de aprendizagem, como Material Didá-tico Mediacional, bibliotecas físicas e virtuais, ambiente virtual, bem como acompanhamento do professor responsável, do tutor a distância e do tutor presencial, complementado por debates no Fórum.

Ao final desta disciplina, de acordo com a proposta orienta-da pelo professor responsável e pelo tutor a distância, terão condi-ções de interagir com argumentos contundentes, além de dissertar com comparações e demonstrações sobre o tema estudado nesta disciplina, elaborando um resumo ou uma síntese, entre outras atividades. Para esse fim, levarão em consideração as ideias deba-tidas na Sala de Aula Virtual, por meio de suas ferramentas, bem como o que produziram durante o estudo.

Competências, habilidades e atitudes

Ao final deste estudo, os alunos do curso de Licenciatura em Filosofia, na modalidade EaD do Claretiano, contarão com uma só-lida base teórica para fundamentar criticamente sua prática pro-fissional. Além disso, adquirirão as habilidades necessárias não so-

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mente para cumprir seu papel nesta área do saber, mas também para agir com ética e com responsabilidade social.

Carga horária

A carga horária da disciplina Antropologia Filosófica é de 60 horas. O conteúdo programático para o estudo das quatro unida-des que a compõem está desenvolvido no Caderno de Referência de Conteúdo, anexo a este Plano de Ensino, e os exercícios propos-tos constam no Caderno de Atividades e Interatividades (CAI).

É importante que você releia, no Guia Acadêmico do seu curso, as informações referentes à Metodologia e à Forma de Avaliação da disciplina Antropologia Filosófica. A síntese dessas informa-ções consta do Cronograma na Sala de Aula Virtual – SAV.

CONSIDERAÇÕES GERAIS3.

Neste Plano de Ensino, você pôde obter informações práti-cas sobre como será desenvolvida a disciplina, sobre os objetivos que poderá atingir, bem como sobre as bibliografias básica e com-plementar que fundamentam os conteúdos que nos propomos a desenvolver com você.

Esperamos sua participação nos debates da Sala de Aula Vir-tual para que, assim, possamos construir o conhecimento de for-ma colaborativa.

Durante nosso estudo, você será convidado a fazer leituras complementares sobre os temas abordados. Por isso, faça da pes-quisa um hábito e compartilhe suas ideias conosco por meio das ferramentas disponibilizadas na Sala de Aula Virtual, pelo telefone ou por fax.

Esperamos que você atinja suas metas! Bom estudo!

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© Licenciatura em Filosofi a 13

BIBLIOGRAFIA BÁSICA4.

GALATINO, N. Dizer homem hoje: novos caminhos da antropologia filosófica. São Paulo: Paulus, 2003.

RANIERI C. Antropologia filosófica. Curitiba: Editora IBPEX, Biblioteca Virtual Universitária 2.0, 2009.

SCHELER, M. A posição do homem no cosmo. São Paulo: Forense Universitária, 2003.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR5.

ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983.

BAUMAN, Z. Vida para o consumo. A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

FRANKL, V. E. Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de janeiro: Zahar Editores, 1988.

GOMES PENA, A. Introdução à antropologia filosófica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2004.

GROETHUYSEN, B. Antropologia filosófica. Lisboa: Presença, 1988.

MONDIN, B. O homem, quem é Ele?: Elementos de antropologia filosófica. São Paulo: Paulus, 2003.

MORIN, E. O enigma do homem. Para uma nova antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

RABUSKE, E. A. Antropologia filosófica. Petrópolis: Vozes, 1986.

CHARDIN, T. O fenômeno humano. São Paulo: Cultrix, 2001.

VAZ, H. C. L. Antropologia filosófica. 7. ed. São Paulo: Loyola, 2004. v. 1.

______. Antropologia filosófica. 7. ed. São Paulo: Loyola, 1992. v. 2.

E!REFERÊNCIAS 6.

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=PYJZ9JzAMe0>. Acesso em 09 jan. 2012.

CASSIRER, E. Antropología filosófica, Introducción a una filosofía de la cultura. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/3506358/CassirerErnstAntropologia-filosofica-Introduccion-a-una-filosofia-de-la-cultura>. Acesso em: 09 jan. 2012.

MONDIN, B. Definição filosófica da pessoa humana. Disponível em: <http://fejus.vilabol.uol.com.br/pessoahumana.htm>. Acesso em: 09 jan. 2012.

QUÉ ES EL HOMBRE? ANTROPOLOGIA FILOSÓFOICA EM IMAGENS. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=tbeKQ1UaVxI&feature=fvwrel>. Acesso em: 26 nov. 2011.

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Centro Universitário Claretiano – Anotações

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CRC

Caderno de Referência de Conteúdo

INTRODUÇÃO1.

A Antropologia Filosófica é um campo de estudo que tem como objetivo desvendar o fundamento da existência do homem. O tema do homem não é novo, desde sempre impulsionou a reflexão filosófica. Conhecer-se a si mesmo – essa inquietude, que o homem carrega consigo desde que existem registros históricos, constitui a discussão central de nossa disciplina Antropologia Filosófica.

Mesmo que a intenção primeira desse saber seja conhecer o homem em sua metafísica essencial (para poder antecipar sua es-sência), a interpretação filosófico-antropológica o aborda de forma integral, e, portanto, não deixa de lado sua dimensão existencial, o mundo das realizações culturais, o desenvolvimento histórico. Nesta disciplina, assentaremos as bases para uma discussão ampla sobre o ser do homem.

Após essa introdução aos conceitos principais da disciplina, apresentaremos, a seguir, no tópico Orientações para o estudo da

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Centro Universitário Claretiano

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disciplina, algumas orientações de caráter motivacional, dicas e es-tratégias de aprendizagem que poderão facilitar o seu estudo.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA2.

Abordagem Geral da DisciplinaProf. Juan Antônio Acha

Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-tudado nesta disciplina. Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do qual você possa cons-truir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos co-meçar nossa análise pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamentam esta disciplina.

Embora esta seja uma disciplina nova, vocês irão se familia-rizar rapidamente com seu conteúdo, já que a evolução do pensa-mento antropológico coincide com as etapas de desenvolvimento da filosofia ocidental, que vocês já conhecem.

A Antropologia Filosófica consiste, como comentamos na in-trodução, num estudo filosófico sobre o homem.

A Antropologia, para estudar o homem, formula as seguin-tes perguntas: como deve ser o homem para que seja possível sua existência, e quais situações devem ser ponderadas para preservar sua humanidade?

Para facilitar ao aluno o acesso ao tema, os conteúdos do Ca-derno de Referência de Conteúdo foram divididos em quatro temas principais:

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Corpo Etimológico da Antropologia Filosófica. Evolução 1) da ideia do Espírito. História e antecedentes da Antropo-logia Filosófica.

Níveis ontológicos do homem. Núcleo central da pessoa 2) humana.

Constitutivos essenciais do homem3)

O sentido da existência.4)

Para cada tema, você terá interatividades específicas. Finali-zada a disciplina, vocês deverão realizar o Trabalho de Conclusão da Disciplina (TCD). Esse trabalho consistirá numa síntese dos prin-cipais temas discutidos ao longo das unidades no Fórum.

Por que é importante o estudo da Antropologia Filosófica?

Como diz CORETH (apud RABUSKE, 1986, p. 68), Porque cada um de nós se experimenta como um eu, possuímos uma experiência própria, sabemo-nos únicos e irrepetíveis. Por isso, ante a pergunta: quem é o homem?, cada um experimenta a sensação de estar perguntando: quem sou eu?

Todo método educativo, todo sistema político, social ou econômico supõe uma teoria antropológica, que é baseada numa determinada filosofia, a qual, por sua vez, é fundamentada numa concepção de homem. Portanto, para desenvolver os princípios que regerão a aplicação dessas ciências, a primeira coisa que deve ser feita é definir o que ou quem é o homem, para logo pensar de que forma ele pode se aperfeiçoar.

É de domínio da reflexão filosófica e não da observação científi-ca enunciar o que o ser humano precisa para realizar sua essência.

Se não sabemos o que é o homem, como vamos poder ana-lisar as consequências das políticas de mercado, da clonagem, das técnicas reprodutivas, do uso de seres humanos em experiências científicas, do prolongamento artificial da vida, e de muitos outros temas relacionados à sua realização?

Só o conhecimento integral do homem e o reconhecimento deste como pessoa humana vão possibilitar o estabelecimento de li-

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mites éticos à ação das tecnologias, da biotecnologia, das experiên-cias médicas etc. Problemas desse tipo aparecem quase que diaria-mente. Discute-se se é valido sacrificar um ser humano que não tem importância social ou que não faz uso correto de sua consciência para salvar a vida de alguém que tem um status social reconhecido.

Para a construção da bioética, o conhecimento antropoló-gico do homem – a antecipação de sua estrutura ontológica – é uma das condições principais. A bioética ou ética aplicada à vida não terá uma direção válida e verdadeira se não conhecemos de antemão o que é o homem.

Para desenvolver uma educação que corresponda à dignida-de que é própria ao ser humano, também se faz necessária uma compreensão integral do homem: quais são suas potencialidades, sua grandeza por ser único, irrepetível e, também, qual é a univer-salidade de sua essência.

Nesse processo, é necessário que fique muito claro quem é a pessoa humana e o que ela precisa para sua sustentabilidade.

Atualmente, é muito comum ver autoridades de órgãos go-vernamentais discutindo o grau de instrução que a escola deve dar levando em conta somente as necessidades do mercado, sem con-siderar a pessoa que está por trás do processo, que é receptora dessa educação.

É fundamental saber como é o ser humano para poder argu-mentar em sua defesa ante os processos alienantes ou massificas-tes que a sociedade atual apresenta. Explicitar os princípios para se posicionar ante as leis essencialmente positivistas, ante a des-truição dos verdadeiros valores ontológicos e a substituição destes por valores de conveniência apoiados em uma moral fundada em construções puramente sociológicas – que partem de dados esta-tísticos ou de interesses de grupos de poder.

O homem biológico, psicológico e espiritual explicado pela Antropologia Filosófica adere à explicação do homem como pes-

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19© Caderno de Referência de Conteúdo

soa humana, que possui uma estrutura universal, que é o núcleo pessoal, que é metafísico, e é a condição "a priori" da existência.

Existe um ponto de concordância que deve ser destacado: o ho-mem é "ser que decide o que é", e por isso deve poder ser responsável por suas decisões e capaz de encontrar um sentido para suas ações.

Sua dignidade está condicionada a seu reconhecimento como pessoa humana, e, para ser pessoa, precisa ser livre para realizar sua humanidade. Precisa ter condições de autodeterminação.

Os principais inimigos da liberdade, no homem, são os re-ducionismos, os psicologismos, os economismos, o historicismo, os fisiologismos etc. Qualquer tipo de reducionismo é frustrante, principalmente os que reduzem o homem a um produto histórico, ou os que o condicionam a estruturas socioeconômicas ou a me-canismos psíquico-biológicos. Todos eles o levaram a perder sua identidade, a se desnaturalizar. Por isso, é válido o esforço levado a cabo pela Antropologia Filosófica para desvendar a estrutura do ser humano, para explicar quem é o homem. Para poder ter um ponto de referência na hora de escolher qual sistema é ou não importante para construção da personalidade.

Será que vocês já imaginaram um mundo organizado uni-camente pela técnica e pela ciência? Este mundo, com certeza, ficaria rapidamente inabitável do ponto de vista biológico, sem identificação cultural. Vocês se recordam da Segunda Guerra Mun-dial, surgida em um momento de esplendor do desenvolvimento político-científico?

O grande aumento dos conhecimentos técnicos e o alto grau de especialização da ciência trouxeram grandes benefícios em pra-ticamente todas as áreas de atuação humana: na medicina, na pre-visão de catástrofes atmosféricas etc. Mas não resolveram a crise de identidade de que sofre a sociedade moderna.

A tecnologia não resolveu, e nos atrevemos a arriscar que acentuou, o uso do homem pelo homem, a degradação do habitat

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natural, o consumo pelo consumo, o emprego exagerado de agro-tóxicos em benefício da exploração além da capacidade do meio ambiente e das necessidades não satisfeitas das populações me-nos favorecidas etc.

Você se lembra de quando estudou a cultura dos gregos? Aquela célebre frase inscrita no portal do templo de Delfos:

Conhece-te a ti mesmo

Muito bem, todos os filósofos de alguma forma tem acatado essa máxima. Sem dúvida, são muitas as interpretações, mais o sentido do que foi escrito ninguém discute.

Essa frase está dirigida ao homem concreto, a esse homem que é sujeito de toda a religião e de toda a filosofia.

Temos perguntas muito antigas, como:

Quem é o homem e, portanto, que sou eu? •

Qual é o sentido da existência? •

Em que medida o homem é ser? •

Qual é seu nível ontológico? •

Elas resumem o sentimento do homem, que quer saber o que o constitui e em que ele se diferencia do resto da natureza. Essa é a principal preocupação que move o estudo da Antropolo-gia Filosófica.

Vejamos a seguinte definição de Antropologia Filosófica: Pode chamar-se antropologia filosófica a todo intento de assumir os problemas específicos do homem para esclarecer, segundo uma reflexão metódica filosófica, o grande interrogante que o homem faz para si mesmo: que significa ser homem? Noutros termos An-tropologia Filosófica é a disciplina que tem o homem como objeto de sua investigação com a finalidade de esclarecer os aspectos fun-damentais de sua essência e existência (GEVAERT, 1995, p. 21).

Para melhor compreender nosso campo de pesquisa, veja-mos o que cada um dos conceitos significa separadamente:

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Antropologia• : essa palavra provém da raiz grega anthropos (homem), que, por sua vez, deriva de ándrios, termo que designa o gênero humano (mulher/homem), e da terminação logia (ciência). Seu significado completo é ciência do homem.

Filosofia• : também deriva de um termo grego, philosophia, e indica um saber. A palavra saber pode ser interpretada de duas formas diferentes. Por um lado, está a opinião ou doxa e, por outro, o saber cultivado ou episteme – este se destina a compreender e explicar a realidade. No caso da philosophia, ela se refere ao segundo termo, ou seja, a um saber elaborado metodicamente.

A Antropologia Filosófica leva o nome anthropos por ser o homem seu principal objeto de investigação. Poderia levar o nome bios, já que o termo grego bios abarca toda a vida orgânica, psi-cológica, espiritual e contemplativa, ou seja, a vida humana. Mas, como bios já está sendo utilizado pela Biologia para indicar o que é orgânico, mesmo que em grego "orgânico" equivalha a Zoe, o estudo do homem adota anthropos.

A Antropologia Filosófica não é e nem pode ser uma parte das ciências humanas positivas, mas trabalha com dados científi-cos. Tampouco é uma psicologia, ainda que utilize seus conceitos sobre a psique humana.

A ciência positiva porta conhecimentos concretos e precisos sobre o homem, mas nada diz de concreto sobre o significado da existência. É por isso mesmo que esses conhecimentos precisam ser complementados por uma forma de conhecimento que supere as análises existenciais do ser humano, que, partindo dessas análi-ses existenciais, enxergue sua estrutura essencial.

Nem é preciso falar da importância desta disciplina na for-mação profissional de vocês. O homem é estudado desde muitas perspectivas: social, teológica, econômica, filosófica, cultural etc. Todas essas antropologias se diferenciam em sua abordagem. Mas,

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na Antropologia Filosófica, o homem é pensado de forma integral, passando por cima de estigmas ou conceitos sociais.

O termo "Antropologia Filosófica", não o saber que identi-fica, é recente, surgiu no século passado. Foi com a obra de Max Scheler, A posição do homem no cosmo, que se começou a procu-rar uma ideia abrangente sobre o homem. Esse filósofo alemão escreve, na obra citada, a seguinte reflexão: "Hoje possuímos uma antropologia de ciências naturais, uma filosofia e uma teologia que trabalham diferentes áreas do comportamento humano, mas não possuímos uma idéia unitária do homem" (SCHELER, 2003, p. 8).

Precisamos levar em conta que nenhum dado sobre o ho-mem pode ser alheio ao estudo da Antropologia filosófica.

O homem biológico, psicológico e espiritual é o objeto de estudo da Antropologia Filosófica.

Três regiões essenciais (a física, a psicológica e a espiritual) caracterizam o ser humano. Um homem sem a região psíquica, a física ou sem espírito não seria um homem. Seria qualquer outra coisa menos um ser humano, talvez um androide ou qualquer tipo de mutação, mas não um homem.

A Antropologia Filosófica é uma ciência nova, não tem mais de cem anos de existência, enquanto a filosofia ocidental tem mais de dois mil e quinhentos anos. A antropologia atual tem como an-tecedentes aquelas célebres perguntas Kantianas:

O que posso saber?•

O que posso esperar?•

O que devo fazer? •

E, finalmente: o que é o homem?•

Então, cabe-nos perguntar: como é o "homem" na visão da Antropologia Filosófica?

A Antropologia Filosófica primeiramente diferencia no ho-mem as regiões essenciais:

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CORPO FÍSICO•

PSIQUE•

ESPÍRITO•

Vamos ver rapidamente o que significam esses termos. O ser humano é uma estrutura unitária, apoiada em uma unidade es-sencial (é fundamental que você sempre tenha isto em mente no estudo desta disciplina). Essa unidade é composta por três regiões ou princípios: o vital, o psíquico e o espiritual.

E o que significa espírito no homem?

Em sua antropologia, Scheler destaca o conceito de que o espírito é uma potência que complementa e direciona as outras potências, tanto a biológica como a psicológica.

O termo "espírito" indica uma autoconsciência de si mesmo. As manifestações espirituais ou próprias do ser humano são: com-preensão do sentido, prefixação de metas, de fins, de ideais, a reli-giosidade. Todas são possibilitadas pela dimensão espiritual.

A espiritual é a dimensão essencialmente humana, formada por tudo o que é humano é não está presente nem em animais nem em vegetais. Essa dimensão é responsável pela capacidade do homem para atuar por cima dos condicionamentos de qualquer tipo: biológicos, psicológicos, sociais etc. Isso é possível porque o espírito é uma substância sem limites materiais ou espaciais. É a capacidade de oposição aos condicionamentos tanto físicos como psíquicos. A pessoa espiritual possui a capacidade de se distanciar de dimensão psicofísica.

Essa particularidade de oposição, meramente humana, não é uma condição obrigatória, é uma possibilidade. Dizemos "humana" porque o animal não pode se opor a seus instintos, à suas pulsões.

A concepção aristotélico-escolástica defende a ideia de que a alma humana (interprete-se como "alma intelectual" ou "espí-rito") necessita das potências que operam por meio dos órgãos

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corporais (a dimensão psicológica e a física). Unidas naturalmente, as três potências conceituam o ser humano, estando o espírito pe-rante a vida.

Só para lembrar: pelo poder do espírito o homem pode dizer "não" ao meio, aos impulsos.

Para os pensadores da Antropologia Filosófica, a PESSOA, é a realidade substancial composta de corpo e espírito.

Segundo V. Frankl, psiquiatra fenomenologista criador da Logoterapia, no homem espiritual as três dimensões (corpo, psi-que e espírito) atuam em conjunto, mas, deixando suas diferen-ças ontológicas aparecerem, nunca se confunde o espírito com o psicofísico. Esse cientista explica que pode ser que o psicofísico adoeça, sendo a doença tão grave que comprometa a autonomia de atuação da pessoa espiritual, como, por exemplo, no caso da esquizofrenia. Nesse caso, o espírito fica impedido de atuar, po-rém ele nunca adoece, perde sua capacidade de atualizar-se, mas continua presente.

Ante toda esta exposição, surge a pergunta: de onde provem o espírito?

O biólogo W. Keller apud Frankl V. (1979, p. 109) diz que "O princípio espiritual tem sua origem no momento em que o ser aparece, mesmo que exista uma evolução posterior". Apareceu o homem na Terra, o que significa que apareceu um ser diferenciado pela dimensão espiritual. Sem espírito não temos homem.

Arnold Gehlen apud Frankl V. (1988, p. 210), também biólo-go, concorda com isso. Ele defende a ideia de que o homem não é um animal que "ganhou"espírito; o homem é um ser constituído por uma peça só. Não aceita a teoria de que o homem provenha de fusões não humanas, tampouco que seja um macaco desenvol-vido. A capacidade espiritual, para ele, reside no mais profundo es-trato do humano, é da própria natureza do ser humano. Não aceita que alguma coisa esteja por cima, no sentido de um princípio di-

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vino, e tampouco aceita "biologizar", ou seja, explicar o homem como produto do desenvolvimento. O ser humano é assim porque possui biologia, psique e espírito.

O espírito está descrito como uma potência originária que se complementa com as outras que também são constitutivas do ser humano. Se falta alguma, estamos diante de alguma criatura da escala zoológica mas não estamos ante um ser humano.

O espírito, como diz V. Frankl (1988) em oposição ao natura-lismo, é uma força de oposição.

Para o filósofo, é fundamental chegar a formular uma expli-cação completa da essência humana. Para chegar a esse fim, ele recorre às categorias fundamentais.

Categorias fundamentais do homem

Segundo J. Jolif (1970), as categorias fundamentais do ho-mem são cinco:

Totalidade1) – significa que existe um princípio único com atividades diversas.

Alteridade2) – indica o vínculo do homem com o mundo.

Diferenciação3) – é a identidade consigo mesmo. Identi-dade que persiste às mudanças acontecidas ao longo da vida. Você muda, mas a identidade continua. Você é o mesmo sujeito de quando tinha três anos.

Dialética4) – o processo humano da dialética contém as três categorias vistas anteriormente.

Metafísica5) – trata da compreensão do homem além do dado fenomênico. Explica-se por essa categoria consti-tutiva o caráter de progresso constante que caracteriza o homem.

As categorias formam a estrutura humana não são abstratas (o filósofo descobre as categorias observando a existência), tam-pouco subjetivas. Elas respondem a uma ordem ontológica, porque as categorias pertencem ao ser. Por último, o filósofo distingue as propriedades essenciais do homem:

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liberdade espiritual;•

historicidade;•

dimensão transcendente.•

Vamos conhecer rapidamente cada uma delas?

A liberdade espiritual é uma característica central da exis-tência. A liberdade supõe que a pessoa, ainda que ligada ao mundo pelo corpo, não está condicionada como o animal pelos impulsos, não depende exclusivamente das pulsões, do patrimônio genético, do meio social, das características históricas. Em outras palavras, não está determinada pelas forças da natureza. Depende delas, mas possui uma margem de independência.

Por quê? Porque a pessoa, por ser espiritual, atua sabendo o que está fazendo e principalmente podendo concordar ou não, segundo o juízo da razão.

A liberdade da vontade é a possibilidade de construir-se de que dispõe o homem. É uma propriedade específica, pertence ao próprio ser, não é uma característica adquirida, não é social é cons-titutiva do ser homem. Nunca é uma imposição, é por si mesma. O homem é livre porque não pode ser de outra forma ou não seria-mos seres humanos.

Pela liberdade, o homem pode planificar e executar a idea-lização de sua vida. Ninguém, nem o próprio Deus, pode se posi-cionar no lugar do homem e decidir. Pena que essa propriedade humana possa ser neutralizada, abafada.

Vamos conhecer a segunda propriedade, a dimensão de his-toricidade.

O ser humano é diferente dos outros seres da natureza. Seu comportamento é outro: enquanto os animais se ajustam ao con-junto da natureza, o ser humano sente necessidade de construir por cima do natural, de modificar a natureza, de obrar. Para sa-tisfazer essa necessidade, parte da cultura que herda de seus an-

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tecessores. Para fazer uma casa, para cultivar, para escrever, para levar adiante uma conduta moral, para se proteger, para orar, para se comunicar etc. O homem é o ser que sempre está a caminho, que entende sua existência em termos de realizações.

A partir dessa particularidade humana, a Antropologia Fi-losófica conclui que o homem atua assumindo o passado para construir o presente, tendo em vista uma realização futura. A esse processo de tempo humano, os antropólogos denominam histori-cidade.

Vamos ver algumas particularidades dessa propriedade hu-mana, a historicidade:

Primeiro: ela depende da liberdade, da comunidade hu-• mana e da cultura.

Segundo: é dinâmica por estar motivada pela dimensão • de liberdade.

Terceiro: abarca o passado, o presente e o devir.•

Agora muito cuidado! A historicidade é um conceito que tem um significado oposto ao de historicismo.

Para finalizar, podemos dizer que a historicidade da existên-cia precisa partir do humanismo herdado do passado para se diri-gir ao futuro.

Vejamos então a terceira e última propriedade essencial: a dimensão transcendente.

O homem é um ser aberto ao mundo. É no mundo que vai desenvolver seu projeto pessoal. Com o mundo, leva adiante uma constante troca. Em cada situação existencial, ele capta os valores contidos nas coisas. Em cada situação que tem de viver, escolher, decidir.

No sentido religioso, "transcendência" significa transcender às limitações humanas em direção a um sentido maior. Um sentido que está por trás do mundo que percebemos pelos sentidos. Pre-

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cisamos da transcendência porque precisamos dar sentido a nossa existência, aos valores que executamos, a nossa conduta moral.

Psicologicamente, o termo significa transcender o próprio ego, superando com esse movimento excêntrico (de dentro para fora) o narcisismo.

Esse movimento é impulsionado pelo amor, pela ternura, pelo interesse pelo outro. O amor sempre é reconhecido como uma experiência transcendente do ser humano.

A intersubjetividade e o amor se fazem presentes pela di-mensão transcendente que constitui o homem.

Chegamos ao fim dessa abordagem geral da disciplina An-tropologia Filosófica e esperamos que você tenha compreendido o quanto ela é importante para sua formação filosófica. Não deixe seu pensamento se tornar reducionista! Abra o leque de possibili-dades para investigar o que é o homem! Leve essa prática para sua vida profissional e pessoal e construa o sentido de sua existência!

Glossário

O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados na disciplina Antropologia Fi-losófica. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos desta disciplina:

Acidente1) : tudo aquilo que não é essência, que é circuns-tancial.

Ágape2) : amor profundo, sublime, termo para diferenciar o amor de Deus para o mundo.

Alétheia3) : palavra grega que faz referência às coisas que são vistas como são.

Alteridade:4) vem do latim alter, cujo significado é outro. Esse termo é tomado no seguinte sentido: existência do próxi-mo; encontro com o outro; reconhecimento do outro.

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Antropologia5) : vem do grego anthropos (ἄνθρωπο̋), que significa ser humano, sem distinção de sexo. O termo grego para designar o sexo masculino é andros (άνδρό̋), e, para o sexo feminino, é gino (γυνή-γυναικό̋) que de-riva para ginecologia: parte da medicina que estuda o aparato genital da mulher.

Antropologia social6) : estuda a evolução humana e cul-tural: tudo o que o homem inventa e usa: objetos ma-teriais, valores, crenças, símbolos, costumes, compor-tamento etc. Pesquisa as semelhanças e as diferenças culturais entre os vários agrupamentos humanos.

A priori7) : (do latim, "partindo daquilo que vem antes"), é uma expressão filosófica que designa um tipo de co-nhecimento adquirido unicamente por meio do pensa-mento dedutivo, ou seja, o conhecimento proposicional não pode ser adquirido por meio da percepção, mas in-dependentemente da experiência. Assim, é designada uma anterioridade lógica, não cronológica, na noção a priori. O conhecimento a priori costuma ser contrastado com o conhecimento a posteriori, aquele que requer a experiência.

Ato8) : o que existe atualmente. É contraposto à potência, o que pode vir a ser.

Coercitividade9) : característica relacionada com a força dos padrões culturais do grupo que os indivíduos inte-gram.

Conhecimento sensível10) : apreende as formas concretas particulares.

Conhecimento intelectivo11) : apreende as essências, as formas abstratas e universais.

Contingente12) : o termo vem de latim continger, que significa acontecer, suceder. O ser contingente é aquele que pode ou não existir, é o contrário de "ser necessário". Com ele ou sem ele, o mundo continua, é um ser ens ab alio (depende de outro ser, o necessário).

Deontologia13) : do grego déon (δέον) significa o obrigató-rio, o justo, o adequado. É a ciência que estabelece nor-mas diretoras das atividades profissionais sob o signo de

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retidão moral ou honestidade, estabelecendo o bem a fazer e o mal a evitar no exercício da profissão. Daí onde deriva o termo Deontologia (teoria moral que orienta nossas escolhas sobre o que deve ser feito).

Dialética14) : termo empregado para operar a passagem de um grau ao outro, mostrando as contradições intrínse-cas a cada nível. Atribuir tal tarefa à dialética significa concebê-la como pedagogia (Paideia).

Dignidade15) : deriva do latim dignitas, do adjetivo dignus, que está relacionado com o verbo decet: decente. Coin-cide com a atitude de respeito a si mesmo e aos outros, de reconhecimento. O respeito baseado no princípio de dignidade é a garantia suprema da ordem social.

Dinâmica16) : de dynamis (δύναμι̋), em grego: potência. Chama-se potência ao princípio do movimento (o da mu-dança de um estado a outro). Por exemplo, a arte de edi-ficar é uma potência. Aristóteles na Metafísica (1014b), vincula a potência (δύναμι̋) ao ato (ενέργεια).

Educação17) : vem do verbo latino e-ducere, que significa tirar do interior.

Empirismo18) : do grego empeiria, (εμπειρία) experiência sensorial.

Eros19) : expressão do amor sexual.

Ética20) : o termo "ética" é utilizado hoje em dia para indicar o conjunto de princípios, normas, valores que regem a vida social e individual. No contexto acadêmico em que nos movimentamos, o termo ética faz referência à filo-sofia moral.

Ética cristã21) : como a filosofia cristã, parte de um conjunto de verdades reveladas a respeito de Deus, das relações do homem com seu Criador e do modo de vida prático que o homem deve seguir para obter a salvação.

Holístico22) : vem da palavra grega holistiké (ολιστική) que, em português, significa inteiro, completo, o todo. É uti-lizado para designar a atitude integradora que permite entender os fatos desde uma óptica múltipla.

Intelecto agente23) : abstrai, desmaterializa ou desindividua-liza o inteligível do fantasma ou representação sensível.

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Intelecto passivo24) : a ele pertencem as operações racio-nais humanas: conceber, julgar, raciocinar, elaborar as ciências, a filosofia etc.

Filosofia moderna25) : filosofia que se situa historicamente no período que denominamos Idade Moderna da Histó-ria. Começa no século 16, com Descartes, e tem como principais correntes o racionalismo e o empirismo.

Hylé 26) (ύλη): termo grego que significa "substrato" ou "matéria". Aristóteles usava o termo para falar do que permanece para além da mudança: quando se faz uma estátua de um pedaço de barro, por exemplo, muda a forma, mas não a matéria ou substrato.

Intellectus27) : é de origem latina e significa "entre-ler". San-to Tomás (apud MONDIN, 1983) diz que a inteligência "entre-lê" as linhas da escritura do mundo fenomênico. O intelecto vê na natureza das coisas – intus legit – mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exer-ce a sua atividade.

Liberdade28) : termo que provém do latim libertas, de liber: livre. A liberdade é a capacidade do ser racional e cons-ciente para se autodeterminar, ante a multiplicidade de alternativas e opções que lhe são apresentadas em cada situação concreta.

Moral29) : provém de um termo latino (moris) que como éthos designa os costumes. Nesse sentido, devemos di-ferenciar os termos: Ethos/ëthos, termo grego que sig-nifica morada, residência, lugar de residência, de Éthos, que significa costume, hábito.

Natureza30) : provém da palavra latina natura, que é uma tradução do grego physis (φύσι̋), princípios das coisas, "Natureza", de phyo que significa nascer, brotar, surgir, produzir, crescer etc.

Paixão31) : tem diferentes significados. Um dos usos do ter-mo coincide com uma ação descontrolada, irracional.

Per se32) : expressão latina que significa "por si mesmo". Al-guns teólogos afirmam que Deus existe per se.

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Percepção33) : a percepção é o modo como tomamos cons-ciência dos objetos, em especial daquilo que nos é dado pelos sentidos.

Racionalismo34) : deriva de ratio (razão), doutrina que dá total e exclusiva confiança à razão humana.

Reducionismo35) : posição segundo a qual as verdades de uma área podem ser expressas ou reduzidas como ver-dades de outra área.

Relativismo moral36) : teoria metaética segundo a qual os fatos morais são instituídos pela sociedade e, portanto, podem variar de sociedade para sociedade ou de época para época.

Self37) : conhecimento de si e do outro; identidade;

autoconceito; "imagem de si-mesmo"; a pessoa que é "eu", que possui uma totalidade; o conteúdo do aparelho mental; processo reflexivo da consciência.

Substância38) : o que estrutura o ser.

Veritas39) : palavra latina que faz referência ao discurso. É sinô-nimo de relatar algo fielmente.

Esquema dos Conceitos-chave

Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-

portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-

quema dos Conceitos-chave da disciplina. O mais aconselhável é

que você mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até

mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você

construir o seu conhecimento, ressignificando as informações a

partir de suas próprias percepções.

É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.

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Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.

Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem.

Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-nitivas, outros serão também relembrados.

Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento, por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhecimen-to sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do site dis-ponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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�ESPÍRITO (Geist)

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Antropologia Filosófica.

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-portantes deste estudo antropológico. Ao segui-lo, será possível transitar entre os principais conceitos desta disciplina e descobrir o caminho para construir o seu processo de aprendizagem.

A Antropologia Filosófica, analisando o porquê das experiên-cias humanas, das propriedades essenciais do ser homem (liberdade, historicidade, dimensão transcendente) e das categorias mentais que formam sua estrutura e que pertencem a seu ser (são ontológicas, não são o produto da experiência), poderá idealizar o Ser do homem.

Vejam que o ser humano é um "combinado" de: biologia; psique e espírito, acrescentando-se a dimensão social que lhe é própria, tudo conduzido a partir do "eu" central. O princípio uni-ficador que configura o ser humano como homem e o constitui como pessoa é o espírito. É pessoa pela forma como as dimensões

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que o compõem são organizadas desde o centro espiritual, o "eu". Analisando o mapa de conceitos, concluímos que a Antropologia Filosófica entende que o homem é uma unidade indissolúvel, um ser formado pelas dimensões bio-psíquico-espiritual-social atuan-do em uma unidade substancial gerida pelo "eu".

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presen-cialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento.

Questões Autoavaliativas

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.

Responder, discutir e comentar essas questões, bem como re-lacioná-las com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional.

Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões autoavaliativas de múltipla escolha.

As questões de múltipla escolha são as que têm como resposta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entende-se por ques-tões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos matemá-ticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada, inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por resposta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso, normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito. Você pode comen-tar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma.

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Bibliografia Básica

É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus es-tudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as bibliogra-fias apresentadas no Plano de Ensino e no item Orientações para o estudo da unidade.

Figuras (ilustrações, quadros...)

Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustrativas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os conteúdos da disciplina, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)

O estudo desta disciplina convida você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser humano. É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunica-ção, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa, per-mite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade.

Você, como aluno do curso de Licenciatura em Filosofia na modalidade EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a dis-tância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.

É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu ca-derno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas poderão ser utili-zadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas.

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Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-cimento intelectual.

Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.

Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.

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E�REFERÊNCIAS 4.

Figura

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Antropologia Filosófica. Adaptado de MAPAS CONCEITUAIS NA EDUCAÇÃO, 2012. Disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 16 jan. 2012.

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1

EAD

História daAntropologia Filosófica

OBJETIVOS1.

Interpretar o significado e a missão da Antropologia Filo-•

sófica.

Analisar, comparativamente, as diferentes concepções fi-•

losóficas sobre o homem.

Reconhecer e analisar a problemática do método, ponto •

de partida para entender a disciplina e seu objeto de es-

tudo: o homem.

Percorrer os caminhos que Max Scheler traça em sua obra •

para entender a Antropologia Filosófica Contemporânea.

Identificar e interpretar os pressupostos básicos das prin-•

cipais teses sobre o homem, e, entre elas, o conceito de

"pessoa humana".

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CONTEÚDOS2.

Enfoque das principais antropologias.•

Método da Antropologia Filosófica.•

Evolução da ideia do espírito. •

Principais pensadores e suas autorias em relação ao qua-• dro da disciplina.

Interpretação da obra de Max Scheler. •

Concepção de homem na Antiguidade, na Idade Média e • na Idade Moderna.

Interpretação materialista e espiritualista do homem.•

Influência da concepção cristã de homem e da pessoa hu-• mana.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE3.

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

No início e durante o desenvolvimento das unidades, é 1) importante que você fique sempre atento às informa-ções contidas no Plano de Ensino. Programe, organize seus estudos e participe ativamente da Sala de Aula Vir-tual. Disciplinar-se no estudo pode ajudá-lo a tirar o má-ximo de proveito em seu curso de Educação a Distância.

Amplie seus conhecimentos sobre temas chaves para 2) analisar os pressupostos da Antropologia filosófica:

Procure ler sobre os conceitos que foram apresenta-• dos no Glossário de conceitos na História da Filosofia ou pesquisar no site de busca de sua preferência.

Sobre a questão do ser na filosofia clássica, pode am-• pliar seus conhecimentos sobre o tema lendo: Meta-física, livro 5, e De Anima, ambas as obras de Aristó-teles.

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43© História da Antropologia Filosófi ca

Para entender o problema da união substancial, você • deve dar muita importância à teoria do hilemorfis-mo formulada por Aristóteles, já que ela tem um pa-pel fundamental na concepção de homem não só na Idade Média, mas também na Contemporaneidade. Para saber mais sobre esse tema, sugerimos também a leitura das obras Metafísica e De Anima, ambas de Aristóteles.

Refletir sobre os conteúdos estudados é uma estratégia 3) que pode contribuir para a ampliação de sua compre-ensão, considerando que possibilita amadurecer nos-sas ideias e confrontá-las com a realidade. Desse modo, para saber mais sobre esse tema, você, além de outras obras, deve ler:

Antropologia Filosófica• , de H. C. L. Vaz, primeira parte do Capítulo II.

O Tema do Homem• , de Julian Marías.

Antropologia Física• , de Gehlen.

Fundamentos Antropológicos da Fisioterapia• , de Vic-tor Frankl.

O que é o Homem• , de Pedro Laín Entralago.

Antropologia Filosófica• , de E. A. Rabuske.

O Capítulo I "A dimensão corpórea do homem" do li-• vro de B. Mondin denominado O Homem que é Ele.

Pesquisando, você amplia as fronteiras de sua aprendiza-4) gem e pode construir um conhecimento amplo e profun-do sobre determinado assunto. Sugerimos, portanto, que você leia os livros citados nas Referências Bibliográficas.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre as categorias 5) ontológicas, você pode ler as seguintes obras de Santo To-más de Aquino: Summa Theológica I e Contra Gentiles.

Antes de iniciar os estudos desta unidade, é interessante 6) conhecer um pouco da biografia de Max Scheler, cujo pensamento norteia o estudo desta disciplina. Para sa-ber mais sobre ele, acesse os sites indicados.

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Max Scheler (1878-1928)

Escritor contemporâneo que, ao morar em Jena, foi discí-pulo de Eucken, que o iniciou na fi losofi a idealista. Tem-pos depois, morando em Munique, faz parte dos discípu-los de Husserl, evoluindo para um pensamento católico fenomenologista. Mesmo adepto da corrente fenomenoló-gica iniciada por E. Husserl, não se fi xa ao essencialismo realista. Sua fi losofi a traz um declarado antikantismo de características teísta-personalista (pelo menos numa de suas fases). Nesse período, escreve, com uma marcante infl uência de Santo Agostinho, sobre o valor, o amor, a ética material e outros temas. No fi nal de sua vida literária, dá um giro em direção ao paganismo metafísico. Com seu legado cultural, começou um movimento sobre o conhe-cimento do homem consigo, com Deus e com o mundo,

movimento que deu início à Antropologia Filosófi ca.

Na obra A posição do homem no cosmo, Scheler (2003) descreve a posição do homem em relação ao animal e as coincidências essenciais do ponto de vista biológico, mostrando, como diferenciador básico, o espírito do homem, que está fora da (denominada por ele) categoria da vida. Descreve, também, o espírito e sua conduta independente relativamente ao fi siológico, podendo o homem, des-sa forma, atuar contra as pulsões, coisa impossível para o animal. Scheler fala, ainda, do centro da ação ôntica, que caracteriza a pessoa e faz do homem um ser superior ao mundo, podendo tomar distância deste e até dele mesmo.

O espírito, para Scheler, é uma sucessão de atos defi nidos por sua intencionali-dade. Esses atos são divididos em: saber, sentir e conhecer. Ele escreve que o sentir emocional é o ato fundamental, e, nele, está contido o amor, peça funda-mental para a constituição de uma sociedade. O amor é o fundamento perfeito de todos os atos espirituais. Numa relação saudável, é ele que suscita a vontade e a inteligência. Para esse fi lósofo, portanto, o homem só é pessoa quando de-senvolve a capacidade de levar adiante atos intencionais. Suas obras não podem ser estimuladas por uma necessidade imediata, nem ser a simples administração de necessidades imediatas.

INTRODUÇÃO À UNIDADE4.

Nesta unidade, estudaremos as diferentes interpretações do homem. Para tanto, começaremos pela análise do ponto de vista das ciências empírico-formais, cujo alcance se restringe a seu ser psicofísico. Analisaremos, também, os conhecimentos provenien-tes das ciências do espírito, da Antropologia Social, da Sociologia, da História e da Antropologia Filosófica. Esta última tem como ob-jetivo descrever os conceitos universais de todos os homens, ou seja, a essência do homem.

Figura 1 Max Scheler.

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Além de analisar o enfoque das principais teorias antropo-lógicas, você terá a oportunidade de analisar o método da Antro-pologia Filosófica e familiarizar-se com a evolução da ideia de es-pírito. Você também conhecerá os principais pensadores e suas autorias em relação ao quadro da disciplina e refletirá sobre a obra de Max Scheler. Tudo isso objetiva entender por que a antropolo-gia estudada nesta disciplina denomina-se filosófica.

Bom estudo!

CIÊNCIAS POSITIVAS E CIÊNCIAS DO ESPÍRITO5.

Todos nós consideramos as ciências chamadas positivas ou empírico-formais (biologia, física etc.) como sinônimos de exati-dão e correlação com a realidade devido ao método que utilizam. O universo científico está claramente definido no que diz respeito ao estudo dos fenômenos da natureza, pois sua investigação preci-sa e progressiva baseia-se sempre em dados empíricos.

Também é verdade que o homem faz parte dessa natureza por ser um ser físico; por isso, a ciência positiva define-o como unitas multiples (uma unidade com diversos estratos), explica-o como um ser composto de facetas e, portanto, estuda-o de forma fragmenta-da ou por especializações. Dessa forma, enquanto alguns cientistas estudam o cérebro, outros estudam o coração, o sistema digestivo, o aparelho psíquico etc. O problema é que o homem, sendo ainda um ser físico, é responsável por atividades de caráter livre e de natu-reza espiritual, das quais depende a perfeição humana.

Com as ciências positivas (biologia, química, medicina etc.), encontramos outro grupo de ciências, que são denominadas ciên-cias do espírito (Wilhelm Dilthey é o autor da classificação "ciên-cias do espírito"). Nesse grupo, estão a Ciências Sociais, a História e todas as ciências criadas a partir da liberdade do homem diante da natureza. Nessa classificação, encontra-se ainda a Antropologia Filosófica.

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As ciências do espírito são assim chamadas – apesar de o espírito ser também o responsável pelo desenvolvimento das ciên-cias positivas – para diferenciar seu campo de pesquisa. Em geral, as ciências do espírito, para alcançar o conhecimento, vão da ex-pressão cultural (contida nos objetos culturais) para o significado (por que o homem desenvolveu essa vivência).

Agora que você sabe em qual grupo de conhecimentos a An-tropologia Filosófica está inscrita, vamos tentar conhecer melhor suas especificidades.

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA6.

São muitas as disciplinas que estudam o homem. Entretan-to, a única que o encara, de frente, como diz Theilhard de Char-din (2001, p. 321), é a Antropologia Filosófica, que mantém uma relação estreita com a reflexão filosófica. Sem dúvidas, a ciência empírico-formal fornece uma compreensão precisa e muito rica do ser humano. Mesmo assim, o desejo de ter um conhecimento fundamental sobre homem continua insatisfeito.

Nem as ciências exatas, nem a psicologia, nem as ciências so-ciais têm acesso à totalidade sobre o que é o homem; por isso, faz-se necessário um conhecimento que unifique todos esses saberes sobre o homem, imprimindo-lhes uma direção. A necessidade de um dis-curso filosófico aplicado à antropologia surge porque o ser humano não pode ser entendido em sua totalidade se convertido em objeto de investigação. Para entendê-lo, é preciso seguir o caminho da refle-xão, superar o nível da doxa e construir uma episteme.

Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––Etimologicamente, a palavra "antropologia" deriva da raiz grega anthropos (ho-mem), que é derivada de ándrios, termo que designa o humano, mulher e ho-mem, e da terminação logia (ciência). Signifi ca a ciência do homem.

O termo "fi losofi a" também deriva de um termo grego, philosophia, e indica um saber. Entretanto, saber compreende não só opinião ou doxa, mas, também, o saber "cultivado", a episteme, que é um estudo dirigido à compreensão e à ex-plicação a realidade. No caso da philosophia, estamos nos referindo a um saber elaborado metodicamente.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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O estudo do ser humano que leva adiante as ciências po-sitivas nunca poderá responder às perguntas: "quem sou eu?" e "quem é o ser humano?". O filósofo nunca poderá estar satisfeito com o conhecimento facetado do homem à medida que este o afasta da resposta do principal questionamento humano. Para sa-tisfazer a essa inquietude tão humana de saber "quem sou eu?", é necessário fundamentar os conhecimentos relativos ao homem. Para isso, faz-se necessário entender a essência do ser humano e quais são as possibilidades de seus atos. Para o filósofo, portanto, é preciso antecipar o ser do homem.

O conhecimento antropológico-filosófico é o fundamento do conhecimento científico à medida que serve para explicar a es-trutura universal e específica do ser humano. Essa relação entre ciências e conhecimento antropológico-filosófico sempre deve ser vista como complementação, como cooperação, e nunca como li-mitação.

O Homo Sapiens

O homem participa da mesma ordem dos primatas superio-res. No entanto, não pode ser considerado apenas um primata que caminha ereto; afinal, ele é algo a mais na escala zoológica.

Teilhard de Chardin (2001, p. 188) escreve: "Nós ficamos perturbados ao constatar o quanto o Anthropos, apesar de certas preeminências mentais incontestáveis difere pouco, anatomica-mente, dos outros Anthropôides".

Situando o ser homem dentro da escala zoológica, podemos afirmar que ele pertence ao: reino animália, sub-reino dos metazoa, filo vertebrata. Classe mammalia. Ordem primata. Família hominidae. Gênero homo. Espécie homo sapiens ou anthropus (CURTIS, 1977).

Então, surge o seguinte questionamento: por que o homem não pode ser considerado simplesmente um animal? Isso aconte-ce porque o animal vive imerso no ecossistema, faz parte deste; seu conhecimento é rudimentar, ele conhece esta ou aquela árvo-

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re porque pertencem ao mundo natural que o rodeia. Já o homem, por conhecer o que é uma árvore em essência (sabe, por exemplo, que esta pertence ao reino metaphytea, que é fotossintetizante, composta especialmente de celulose etc.), conhece todas as ár-vores do mundo. Uma vez que conhece a essência do solo fértil, pode procurar nos lugares mais recônditos do planeta terras para cultivar. Ele não está preso a um determinado ecossistema; por isso (e por muito mais), podemos dizer que o homem é um ser que se situa além da temporalidade e do imediato, sua realidade não é só material, como nos animais. É, também, de ordem espiritual.

O homem é um ser que possui a capacidade de refletir (con-segue se afastar do mundo exterior e refletir sobre este e sobre si próprio) e analisar o mundo por meio das essências, já que possui inteligência. É dono de uma estrutura bipolar, relacionando-se não só com o sagrado, mas também com o mundano.

Tipos de antropologia

As ciências empírico-formais não tratam do homem na con-dição de homem, apenas investigam a realidade humana sob um determinado aspecto, no qual são muito eficientes (RABUSKE, 2003). Vamos conhecer, neste momento, as principais escolas an-tropológicas que existem na atualidade, bem como suas especia-lizações.

Antropologia Física

A primeira antropologia que aparece no horizonte investiga-tivo é a Antropologia Física ou Natural, cujo auge se dá no século 19. Esta sempre foi uma parte da biologia – portanto, estuda o homem a partir do biológico. Dá importância à estruturação óssea e à medida craniana para determinar diferenças raciais. Estuda a pigmentação, a forma e a cor dos cabelos, dos olhos, do nariz, das linhas papilares etc., a fim de estabelecer os grupos de organismos de morfologia análoga.

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Antropologia Cultural

É o estudo antropológico mais difundido na atualidade. Como a Antropologia Física, também esteve presente como ciên-cia no século 19. A Antropologia Cultural foi impulsionada pela necessidade de estudar a humanidade do ponto de vista social, partindo de traços raciais, mas sem deixar de diferenciar suas prin-cipais características somáticas. Estuda o ente cultural, suas estru-turas sociais, linguagem, costumes, leis, obras artísticas e estrutu-rais, dando ênfase aos fatos culturais, como religião, direito, moral, artes, ferramentas, folclore etc.

Mesmo que a humanidade esteja constituída por uma só es-pécie, o homo sapiens, para o estudo do homem, a Antropologia Cultural estabelece subdivisões: o estudo dá-se a partir da cultura e leva em conta os caracteres somáticos genotípicos, ou seja, he-reditários, e os adquiridos.

Antropologia Teológica

Baseada na Bíblia e nos tratados canônicos, a Antropologia Teológica parte da Criação ex nihilo, Gênesis (1,1-2), e toma impor-tância a partir do Concílio Vaticano II. Mede o homem à imagem de Deus e, partindo desta, faz conjecturas de seu existir.

A Antropologia Teológica não é uma ciência no sentido estrito, mas uma Scientia no sentido antigo. Caso tenha dúvidas sobre o que isso quer dizer, sugerimos que realize pesquisas e/ou consulte o tutor da disciplina.

Antropologia Psicológica

Existe mesmo uma Antropologia Psicológica? Psicólogos re-fletem sobre o homem, comparando/analisando o ser humano do-ente com o "normal". A prática dos trabalhos publicados demons-tra que esses cientistas acabam sempre abordando a Antropologia Filosófica.

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Um de seus maiores representantes é V. Frankl, que estuda o homem com base na Antropologia Filosófica. Karl Jasper, Ludwig Binswanger (médico e filósofo), Von Gebsattel, Igor Caruso e outros cientistas também partem dos princípios contidos na Antropologia Filosófica.

Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––Os cientistas citados sempre tentam descobrir o homem que está por trás do doente. Viktor Frankl percebeu que a ciência médica não consegue abarcar o homem em sua totalidade, caindo nos reducionismos, que só veem um aspecto da totalidade do homem, reduzindo-o a um "homúnculo". O autor apoia sua An-tropologia Médica na necessidade de poupar o homem do "niilismo cientifi cista", conforme podemos notar em suas obras: O homem incondicionado: lições meta-clínicas, O Homem doente e Fundamentos antropológicos da Logoterapia.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Antropologia Estruturalista

Como indica seu nome, a Antropologia Estruturalista trabalha com estruturas universais, particulares, pares opostos de coincidên-cias e rupturas, para entender o homem e suas manifestações.

Como afirma seu criador Lévi-Strauss (1970), nenhuma dis-ciplina por si só pode dar conta de todo o conhecimento; por isso, não podemos deixar de mencionar, na hora de falar do homem e seu entorno cultural, a semiótica, a história, a economia, as ci-ências biológicas, a anatomia, a fisiologia, a embriologia e outras ciências que estudam o aparato corporal do homem. Também é importante citar o grande aporte dos geneticistas para poder ex-plicar comportamentos, adaptabilidades etc.

A contribuição que essas ciências do ser humano trazem para a análise da existência, considerando o homem como homem integral – em oposição às correntes anti-humanistas que o redu-zem a um produto (histórico, socioeconômico ou evolucionista) –, é, sem dúvida, muito grande. Mesmo assim, a pergunta "quem eu sou?" continua ecoando nos espíritos humanos.

Antropologia Filosófica

A Antropologia Filosófica aparece como uma ferramenta indispensável para tentar dar um significado definitivo à reali-

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dade humana, o qual deve provir da essência do homem e não de interesses sectários econômicos, políticos, religiosos etc. É a ciência que investiga a estrutura essencial do homem, que estu-da as características humanas para entender sua essência. Não é a mesma coisa que a visão filosófica do homem – ainda que a Antropologia Filosófica seja um movimento filosófico. É, antes de tudo, antirreducionista. É uma ciência nova, pois não tem ainda 100 anos.

Assim, podemos afirmar que a Antropologia Filosófica, por sua natureza, não pode ser colocada num marco de limites. Defini-da mediante o estudo deste ou daquele lineamento humano, sua atitude representa um avanço na medida em que reflete sobre a totalidade do homem.

Por ser filosófica, essa antropologia não se contenta apenas em conhecer uma determinada área do homem; ela pretende, ainda, esclarecer racionalmente o núcleo que possibilita que seu comportamento seja especificamente humano.

Sua função não é recopilar dados sobre o homem, mas de-senhar uma estratégia para compreender qual é a estrutura do ser do homem. Isso possibilita formular as perguntas: "quem eu sou?", "de onde venho?" e "para onde eu vou?". Essas interro-gações exclusivamente humanas não podem ser produto de um sistema puramente biológico, como é o sistema do animal, nem de uma dimensão puramente psicológica, como pretendem alguns cientistas. Essas perguntas englobam, necessariamente, outras di-mensões. Por isso, o estudo antropológico do homem pretende enxergar sua essência, que é seu primeiro princípio ôntico, para desenvolver, posteriormente, sua análise.

A Antropologia Filosófica, como muitas ciências do espírito, surge com o propósito de resgatar o homem do anonimato em que a modernidade o colocou, no qual se faz presente um contexto niilista de perda de identidade e incerteza.

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Ponto de partida para a construção da Antropologia Filosófica

O que é o homem? Qual é o sentido da existência? Quem sou eu no universo? Essas questões são as que ocupam o campo da An-tropologia Filosófica. Vejamos o que Max Scheler diz a respeito:

A missão de uma Antropologia Filosófica é mostrar exatamente como a estrutura do ser humano explica todas as funções e obras como a linguagem, consciência moral ferramentas, idéias de justiça e injustiça, estado de direito, mitos, religião, ciências, etc. (SCHELER, 2003, p. 121, tradução nossa).

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––O primeiro projeto para a construção da Antropologia Filosófi ca teve seu ponto de partida na defi nição de animal rationale, que signifi ca que o homem é um ser que emerge da natureza pela racionalidade, pelo pensamento e pela fala.

Nesse caso, não podemos nos basear nos gregos, já que estes não usaram o termo rationale, mas defi niram o homem como o animal que tem logos – que não é sinônimo de rationale. Logos, em Platão, converte-se em ideia, palavra formada pela raiz de um verbo que signifi ca "ver", porque, segundo Platão, o homem possui como propriedade determinante a intuição intelectual de caráter espiritual.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

MÉTODO DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA7.

O método da Antropologia Filosófica deve possibilitar a des-coberta da estrutura ou do princípio que caracteriza o ser humano, ou seja, aqueles traços que são comuns a todos os homens e que nos diferenciam do resto dos seres da natureza.

A Antropologia Filosófica, diferentemente do conhecimento científico, não formula hipóteses para orientar sua investigação, pois, durante a existência humana, os problemas antropológico-filosófi-cos estão presentes e a própria existência do homem já exige uma resposta. Ela aparece como uma necessidade na medida em que é um conhecimento que reconhece os problemas existenciais e pro-põe respostas para descobrir o sentido da vida (GEVAERT, 1995).

O problema está em saber se esses princípios ontológicos, universais, serão válidos para todos os seres humanos em qual-quer momento histórico.

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Em sua grande maioria, os pensadores da Antropologia Fi-losófica concordam ao afirmar que a primeira etapa do método é analisar os dados que surgem da experiência, ou seja, aqueles que provêm das ciências humanas (biologia, paleontologia, psicologia, sociologia, história etc.) (SAHAGUN LUCAS, 1996).

Posteriormente, temos a etapa da autorreflexão, na qual o homem, além do mundo concreto, "habita", também, o mundo da transcendência, superando, com sua atitude, o espaço temporal. Suas ações estão cheias de interioridade, pois, no estudo humano, não é possível deixar de fora a subjetividade (BUBER, 1960).

O método, então, deve possibilitar a captação não só dos da-dos sensíveis, mas também daquele princípio que é imutável.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––A palavra "método" vem do grego meta hodos, "caminho para"; no latim, deriva para "via". Na fi losofi a clássica, o método ou via era apriorístico, ou seja, os pensadores partiam da intuição refl exiva do ser (produto da capacidade pensan-te do homem). Assim, o método de caráter intuitivo está caracterizado por um conhecimento imediato do geral e universal – estamos falando, dessa forma, da intuição intelectual que possui um alcance maior do que a sensível, a qual pode ser dividida em eidos, ou intuição intelectual, que coincide com as essências e capta o que é o objeto, e intuição valorativa, a intuição que capta o valor.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A Antropologia Filosófica, que é um estudo racional sobre o homem, está voltada para a captação das dimensões fundamen-tais do homem.

Ela se fixa no homem integral, leva adiante um discurso ra-cional sobre o ser humano para explicar sua essência a partir de categorias abstratas. Para tanto, precisa dos dados do saber cientí-fico, do conhecimento ontológico e das contribuições das ciências do homem.

Jolif (1960) descreve cinco categorias que permitem o conhe-cimento filosófico do homem, a saber: Totalidade, Alteridade, Di-ferenciação, Dialética e Metafísica, que surgem como resultado da análise das experiências comuns a todos os homens. Baseando-se

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nessas categorias, que formam a estrutura do homem, a Antropolo-gia Filosófica tenta justificar o porquê do dado fenomênico, ou seja, da conduta existencial.

Observe que o homem não se compreende totalmente. Esse fato o leva a se perguntar sobre sua essência. Ele sabe que é um "ser no mundo", porém, o mundo não é seu último horizonte. O homem é um ser "incondicionado" e, por isso, está para além da simples análise existencial.

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA: CIÊNCIA CONTEM�8. PORÂNEA

Os nomes a seguir descrevem alguns dos principais pensado-res que influenciaram e contribuíram com seus trabalhos para a for-mação da Antropologia Filosófica. É importante ressaltar que não temos a intenção de listar nomes de filósofos indiscriminadamente, e sim familiarizá-lo com os pensadores que contribuíram com a linha de evolução do reconhecimento do espírito humano. Acompanhe:

Kierkegaard 1) (1813-1855): filósofo dinamarquês que ex-plicava, no século 19, que o homem é um ser pessoal, individual e com um valor absoluto diante de Deus.

J2) . G. Von Herder (1744-1803): iniciou, talvez, a Antro-pologia Filosófica atual. É contemporâneo de Kant, que tinha forjado uma imagem de homem fechado no inte-rior de seu espírito e caracterizado pela consciência do dever e da responsabilidade. Baseando-se nessa ideia, Herder destaca a capacidade de autoperfeição, produto da liberdade que o homem possui. Descreve a razão, a alteridade e a transcendência como formadoras da es-trutura natural do homem.

F3) . Brentano (1838-1917): na psicologia, trabalha o con-ceito de intencionalidade da consciência. Criticou o idea-lismo e investigou o conceito de pessoa vindo da escolás-tica. Seu discípulo, E. Husserl (1859-1938), orientou suas investigações ao desenvolvimento de uma fenomenolo-gia, na qual tem lugar o princípio de intencionalidade.

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M4) . Heidegger: analisando as perguntas kantianas ("que posso saber?", "que devo fazer?", "que posso esperar?" e "quem sou eu?") o autor da obra: Kant e o problema da metafísica, discípulo de E. Husserl, indicava o caminho para fundar uma real Antropologia Filosófica ao descrevê-la como "ciência do homem que investiga tudo sobre sua natureza, enquanto ser dotado de corpo, alma e espírito [...]. A Antropologia Filosófica tem que compreender o que homem faz de si mesmo e o que pode e deve fazer" (HEIDEGGER, 1954, p. 74-80). Para ele, a condição huma-na é formada pela existência dentro de uma estrutura que é o ser-no-mundo (denominado dasein).

Jaspers 5) (1883-1969): trabalha a Metafísica da Existên-cia e enuncia a tríade: Mesmidade-Comunicação-Histo-ricidade. Com preocupações similares às de Heidegger quanto à existência no mundo, diferencia-se deste im-portando-se com a transcendência.

Buber6) (1878-1965): sua obra tem como tema principal a re-lação eu-tu (sujeito-sujeito) e eu-mundo (sujeito-objeto).

Nicolai Hartmann7) (1882-1950): filósofo alemão existen-cialista, desenvolveu a teoria do conhecimento integra-da à ontologia do objeto de conhecimento, descrevendo o paralelismo sujeito-objeto.

P8) . Lersh: de orientação profundamente personalista, converte, com J. Y. Jolif, a Antropologia Filosófica à pro-cura da essência humana e de seu fundamento onto-lógico. Consideram-na dentro das ciências humanas e realçam a visão de conjunto.

V9) . E. Frankl (1905-1977): psiquiatra fundador da Logote-rapia, deixa, definitivamente, os modelos da psicanálise e behaviorismo para trás. Trata de temas como proble-mas de sentido e a orientação do homem para algo que não é ele mesmo.

Note que, de certa forma, como diz H. U. Von Balthasar, sempre existiu na consciência da humanidade a busca por uma Antropologia Filosófica. Nesse sentido, podemos, inclusive, retroceder até Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino.

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Partindo do momento em que o homem se descobre num nível ontológico diferente das coisas e dos objetos, não diferente no nível cosmológico, e sim como alguém diante do mundo, sur-ge um novo paradigma cognoscitivo, no qual o homem, pessoa humana, é abarcado pela Antropologia Filosófica. Com base nas sistematizações que Max Scheler (1874-1928) faz do conjunto de conhecimentos sobre o homem. Ele é chamado o "fundador" da Antropologia Filosófica.

Nos pensadores contemporâneos citados, impera a orienta-ção fenomenológica combinada com a filosofia da existência e o agregado do personalismo ou não.

Você deve estar se perguntando: com o avanço científico e a impressionante acumulação de dados cognitivos, por que ain-da não foram controlados os grandes problemas humanos nem respondidos os principais questionamentos sobre o ser humano? Em outras palavras: como não foi descoberto o significado do homem?

É fácil comprovar que o aumento assustador dos conheci-mentos técnicos não tem ajudado a guiar o homem pelos cami-nhos de seu ser, nem ajudado a descobrir o sentido da existência humana.

Para tentar responder a essa pergunta, vamos ler uma parte da obra que Max Scheler escreveu na metade do século 20 (época que coincide com o apogeu dos grandes domínios cognitivos):

Na história de mais de dez mil anos, é a nossa a primeira época em que o homem converteu-se para a si mesmo num radical e univer-sal ser problemático. O homem já não sabe o que ele é, mas perce-be o que ele não é (SCHELER apud GEVAERT, 1995, p. 12).

Para introduzir a problematização do homem atual, Scheler narra em sua obra A posição do homem no cosmo uma situação que se inicia da seguinte forma:

Se perguntamos a um europeu culto no que ele pensa ao escutar a palavra "homem", quase sempre três esferas de idéias totalmen-te incompatíveis entre si começarão a aparecer em sua cabeça em

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tensão umas com outras. A primeira delas aponta para a esfera de pensamento da tradição judaico-cristã. Adão e Eva, a criação, o pa-raíso e a queda. Em segundo lugar, aparece a esfera de pensamento da antiguidade clássica: aqui a autoconsciência do homem elevou-se pela primeira vez no mundo à compreensão de sua posição singular através da tese de que o homem é determinado pela posse da razão, do logos, do phronesis, da rátio, da mens [...]. A terceira esfera de pensamento é aquela que há muito já se tornou igualmente tradi-cional: a esfera de pensamento da moderna ciência da natureza e da psicologia genética. Nesta esfera assume-se o homem como resulta-do final e muito tardio da evolução da vida do planeta terra [...].

Mas ainda assim não possuímos uma idéia do homem [...].

Em uma certa compreensão todos os problemas centrais da filosofia deixam-se reduzir à pergunta: o que é o homem? Qual a situação metafísica por ele assumida no interior da totalidade do ser, no mun-do e de Deus? Não foi sem razão que uma série de pensadores anti-gos costumaram tomar a "Posição do homem no universo" – ou seja, uma orientação sobre o lugar metafísico da essência – como o ponto de partida de toda colocação filosófica (SCHELER, 2003, p. 91-93).

DIFERENTES CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DE HOMEM9.

A fim de tentar delinear algumas das principais concepções filosóficas sobre o homem, vejamos o excerto extraído da obra de Etchebehere Antropologia Filosófica.

Os antecedentes da antropologia como forma filosófica se iniciam com Heráclito "tenho-me investigado a mim mesmo" diz abrindo assim o caminho da introspecção filosófica. [...] Outro autor que é importante resgatar é Protágoras, porque a partir dele podemos iniciar a leitura do homem que só conta com ele mesmo: a do antropocentrismo. O homem que já não se mede pela razão comum, nem pela figura de um demônio que o guie, "o homem é a medida de todas as coisas".

[...] Uma outra figura sobressalente dentro da antropologia grega é Sócrates. Nele se afiança o método introspectivo, mas na busca de si mesmo.

[...] A partir de Sócrates se inscrevem três grandes antropologias na história da filosofia. A primeira é a platônica. Sua importância é imensa, e seus textos continuam sendo atuais. Variadas são as interpretação que faz do homem na vasta literatura, em Fedro con-sidera o homem metaforicamente como uma carroça com asas; em Timeo com uma planta celeste, passando pelo mito de andrógino do Banquete, até chegar ao mito de Er e a realidade da República.

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Junto com Platão, seu discípulo Aristóteles é fascinado com a ques-tão do homem. Dentre suas realizações tiveram grande repercus-são a teoria hilemórfica e a teoria do intelecto (noûs).

A terceira grande linha é a do estoicismo. Da sua visão totalizante surge a "philosophia perenne" entendida como a filosofia que todo homem naturalmente desenvolve. Com esta corrente filosófica volta, em um certo sentido, a intuição socrática de encontrar um conceito, mas a busca é um conceito que explique todo o real: um logos hegemonikón, uma razão que dirige.

Na idade Média os filósofos contam com novo elemento: o vinho da fé. Mais que converter o vinho ou água, estes filósofos se con-vertem eles mesmos em teólogos. Variadas são as fontes em que beberam. Em primeiro momento foi a fonte platônica. Este pensa-dor se encontra nas obras dos padres Capadócios, em Orígenes e chega até Agostinho de Hipona. Aristóteles também chega ao pen-samento cristão, porém mais tarde. Uma terceira fonte que nutre o pensamento medieval é o Neoplatonismo. [...] No período Renas-centista, renasce o humanismo clássico [...].

O período denominado Moderno caracteriza-se pela aparição da razão como fundamento. A figura de René Descartes é aqui em-blemática. Por um lado o homem é visto desde a perspectiva do pensar, atividade esta que ocupa todo o horizonte do humano. O afetivo e inconsciente são deixados no abandono. Por outro lado, essa razão começa a delinear projetos, o cálculo, as leis físicas e matemática ficam cada vez mais precisas, úteis e práticas. A isso lhe segue, novamente, um certo estoicismo que faz das paixões uma doença como encontramos em Baruch Spinoza. A razão moderna tem sua plenitude no movimento denominado Ilustração.

[...] se seguimos a imagem platônica do carroça com assa, a Mo-dernidade acentuou. Ao menos no âmbito filosófico, ao condutor e os cavalos, mas pouca atenção prestou à carroça, é dizer, ao físico ou corporal do homem. É por isso que no final da Modernidade nos encontramos com três movimentos filosóficos. O idealismo e sua visão espiritual do homem. Como crítica a este movimento, surgiram os movimentos irracionalistas nos que A. Schopenhauer é, entre outros, a figura mais destacada. Na segunda metade do século XIX, o Positivismo, que teve seu esplendor, desenvolvendo disciplinas como a psicologia experimental e a sociologia.

No século XX, último século da Modernidade, com o Positivismo surge a psicanálise junto com o avanço das ciências médicas, sobre-tudo a neurologia.

Mas, frente a esse movimento positivo temos a reação do que podemos denominar o conjunto das "ciências do espírito" [...] (ETCHEBEHERE, 2008, p 22-30, tradução nossa).

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Com esse brilhante resumo de Etchebehere, você está em condição de vislumbrar as contribuições de vários períodos da his-tória do pensamento humano. Isso lhe permitirá analisar nos pró-ximos tópicos cada um destes períodos e contribuições separada-mente, mas sem perder de vista todo o desenvolvimento histórico da reflexão sobre o homem. Vejamos então cada período histórico separadamente!

CONCEPÇÕES DE HOMEM NA ANTIGUIDADE10.

Você já estudou, em História da Filosofia Antiga, que, na Antiguidade, desenvolveram-se diferentes formas de reflexões fi-losóficas sobre o homem e suas vivências. Viu, ainda, que a "An-tropologia Antiga", que não chega a conformar uma Antropologia Filosófica, parte de diferentes fontes.

Em Platão, convivem a vivência filosófica da alma e a concep-ção de homem como ser psicofísico (PLATÃO, 1999). Depois, com Aristóteles, o homem é incluído no conjunto da natureza – porém, é confrontado com o mundo. Passa a ser "ele e o mundo" (ARISTÓ-TELES, 2002 e 2006). A fase posterior está matizada pela Antropo-logia da Vida e pela preocupação com o existencial.

Mais tarde, na concepção agostiniana de homem, reapare-cem as características da Antropologia Clássica com um matiz reli-gioso. O homem é natureza e tem um lugar entre os seres, porém, seu destino está fora do natural. O homem religioso sente-se um eu diante de Deus, o que implica uma relação entre Eu e Tu.

É importante que você conheça essas concepções de homem e a relação existente entre os chamados períodos antropológicos da história, pois estes fazem parte dos antecedentes da Antropo-logia Filosófica Contemporânea. São vários os pensadores de des-taque da Antiguidade, como Parmênides, Heráclito, Pitágoras, Só-crates, Platão e Aristóteles. Vamos conhecer um pouco mais sobre as contribuições desses pensadores?

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Heráclito e Parmênides

Os pensadores gregos, especialmente os denominados pré--socráticos, estiveram centrados no estudo da natureza. Heráclito não demorou a perceber que o homem era o ponto culminante dessa na-tureza por causa da capacidade própria para perceber o sentido que as coisas possuem. Já Parmênides viu a capacidade que o homem tem para raciocinar sobre as aparências e compreender a realidade. Esses filósofos colocaram o homem, que é parte integrante da physis, em um degrau (ou patamar) superior ao resto da natureza.

Pitágoras (570-496 a.C.)

Pitágoras, influenciado pelo orfismo, foi o precursor da dou-trina da metempsicose. Nela, a alma é imortal, preexistente ao corpo; sua união com este não é natural. A natureza da alma é divina, enquanto a do corpo é natural, mortal, corruptível.

Sócrates (470-399 a.C.)

Sócrates destaca a consciência reflexiva do homem. Desde as co-notações do mandamento conhece-te a ti mesmo, o ser humano entra em contato com sua própria verdade e com a verdade das coisas, com o logos. Esse homem descrito por Sócrates tem a capacidade racio-nal de dar respostas aos questionamentos éticos, característica que é constituinte de um ser espiritual. Uma vez que esse tema será desen-volvido na Unidade 3, não iremos aprofundar aqui sua explicação.

Platão (427-347 a.C.)

Incorporando os ensinamentos de seu mestre Sócrates, Pla-tão fala do espírito como constitutivo diferencial do homem. De orientação pitagórica, afirma que a alma espiritual simboliza a par-te essencial do homem e o resto, o corpo, é um simples instrumen-to dessa alma. Na antropologia platônica, portanto, o homem fica diferenciado pela alma.

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O esquema platônico do "dualismo substancial" está muito bem representado na alegoria do carro puxado por cavalos (o cor-po) e dirigido pelo condutor (a alma). Em sua obra Fédon, o filósofo ensina que a alma cuida de tudo o que não é alma (PLATÃO, 1999).

O esquema platônico de homem baseia-se nos seguintes pontos:

preexistência da alma;a)

encarnação posterior em um corpo;b)

transmigração da alma (reencarnação sucessiva) se não c) é alcançada a purificação;

imortalidade da alma. d)

Aristóteles (384-322 a.C.)

Superando o dualismo platônico (corpo-alma), Aristóteles faz do ser humano um ser unitário em substância e essência. A alma informa o corpo e, portanto, não pode existir separadamente – o homem é um ser no mundo.

Esse pensador desenvolve a teoria do hilemorfismo, que é baseada no princípio de que toda substância individual está com-posta de matéria (synolon) e forma (morphé). Juntos, esses prin-cípios formam a palavra synolonmorphé, da qual deriva hilemor-fismo. Aristóteles esclarece que nem matéria nem forma existem separadamente, elas estão sempre em um composto, no ente, na forma substancial.

Na teoria da potência e ato, o filósofo explica que a matéria é o substrato que compõe os seres materiais e é indeterminada por ser potência. Já a forma é o princípio de cognoscibilidade por ser ato. As coisas ou entes são porque estão feitas de matéria e forma ou potência e ato. Desse modo, a noção de ato e potência está im-plícita, na teoria aristotélica, na distinção de essência e existência. A essência é o que pode existir e está em potência, enquanto a existência confere, à essência, o ato (de existir, por isso ato).

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Para Aristóteles, a alma já não é eterna, como pensava Pla-tão, por estar unida ao corpo participando da formação do ser hu-mano. Mas concorda com Platão ao afirmar que a alma é o princí-pio de atividade do corpo e o princípio do conhecimento.

No livro II do De anima (Cap. I, 412a, 25), Aristóteles explica a alma como princípio da vida, a ideia de alma atual coincide mais com a faculdade do entendimento descrita na obra. Para ele, "... a alma é a enteléquia primeira de um corpo que em potência tem vida" (Aristóteles, 2006).

Esse pensador não aceita a ideia platônica de reencarnação, nem a de transmigração das almas. Entretanto, ele se fundamenta em um princípio básico: o de identidade (mais tarde, colocado em juízo pelos evolucionistas).

Corpo e alma, portanto, não são substâncias separadas, mas "coprincípios" constitutivos de uma mesma substância.

Resumindo

O orfismo religioso da Grécia defende a concepção dualista do ser humano. A alma, para esses pensadores da religião de Or-feu, é de origem divina, eterna, e anima o corpo. Este, entretanto, é concebido como o "cárcere da alma".

Essa ideia foi adotada pelos filósofos denominados pitagóri-cos e se encontra também em Platão. Todos eles defendem que a alma e o corpo são de natureza diferente por pertencerem a dois mundos distintos. O corpo pertence ao mundo sensível (aquele determinado pelas mudanças e sujeito à corrupção depois da mor-te); a alma, ao mundo ideal (mundo inteligível, eterno e divino, que é idêntico a si mesmo). O homem, como já mencionamos, fica, então, diferenciado pela alma.

Para conciliar o princípio grego de que tudo é composto de ma-téria, Platão concebe a alma como composta da matéria do mundo das ideias. Para ele, desse modo, a alma é princípio de conhecimento.

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Aristóteles trabalha o conceito de alma e corpo dentro do estudo geral dos seres vivos. Todos os seres vivos têm um princípio vital denominado alma, que é responsável por regular suas fun-ções vitais. Confrontando o dualismo platônico, baseado nos dois mundos, o pensador desenvolve o princípio da matéria e forma, fazendo do ser humano um ser unitário.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Aristóteles (2002) complementa e corrige as ideias de seus mestres (Parmêni-des, Heráclito, Platão) ao analisá-las. Diante da imobilidade de Parmênides, ar-gumenta com a "consistência ontológica" presente na realidade múltipla. E, ante a "mobilidade" de Heráclito, confronta-o com a "potência" ou capacidade real do ser. Critica o platonismo, afi rmando que o que faz que a coisa seja não está fora (extrinsecamente), mas está na própria coisa. Esses conceitos estão dentro da doutrina do "ato e potência" e dos fatores da mudança e do movimento.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Filosofia Helenística (300-200 a.C.): Filosofia da Vida

A filosofia greco-romana já não se interessa pela natureza específica do ser humano (lembremos a situação que esse povo estava passando). Ela se preocupa com o comportamento, com a forma de vida.

Essa é a antropologia greco-romana de Sêneca, Epíteto e Marco Aurélio. Para conceber ou explicar a vida, esses pensadores não partem da especulação filosófica, mas da própria experiência. A filosofia existe porque o homem existe; para explicar os questio-namentos filosóficos, o homem parte de sua experiência.

Na denominada Filosofia da Vida, uma forma de positivismo, o homem chega a sentir que tem autonomia ante tudo. Já não in-teressa a explicação filosófica, o que interessa é o que representa um valor para si.

Tanto Platão como Aristóteles procuravam determinar o que

é o homem, seja a partir da alma, seja a partir da natureza. Os

pensadores greco-romanos, entretanto, não estão interessados

nesses pensamentos especulativos sobre o homem; para eles, o

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homem "já está dado antecipadamente". Interessa, pois, a sua ex-

periência de vida.

O estoico Sêneca define o homem como um ser racional em

perfeita harmonia com a natureza, no qual a razão só exige viver

de acordo com sua natureza (GROETHUYSEN, 1975).

Depois de analisar as reflexões mais difundidas sobre o ho-

mem na Antiguidade, convidamos você a uma breve reflexão sobre

as concepções de homem presentes na Idade Média. Vamos lá?

CONCEPÇÕES DE HOMEM NA IDADE MÉDIA11.

Continuando nossa reflexão histórica, aparece a concepção

filosófica de homem da Idade Média. Nesse período, o conceito de

homem é determinado pela antropologia platônica e helenística e

complementado pelo ponto de vista cristão. Essa nova cosmovi-

são, mesmo mantendo pontos em comum com a abordagem clás-

sica grega, traz um novo elemento para a compreensão do mundo

e do homem, destacando o seu ser pessoal como imagem e seme-

lhança de Deus (MARIAS, 1975).

Marcadamente cristã, a filosofia desse momento da história

está determinada por dois períodos principais:

Patrística• : dos santos padres, tem lugar nos primeiros cin-

co séculos de nossa era.

Escolástica• : com São Boaventura (franciscano) e Santo To-

más de Aquino (dominicano), estende-se até o século 15.

Vejamos como podemos entender esse momento histórico

em um breve comentário.

Tanto Santo Agostinho como São Boaventura defendem o ponto de vista antropológico de Plotino (204-270 d.C.), de forma-ção neoplatônica. Plotino pensa o mundo platônico por meio de um filtro: a ideia cristã da Divindade Criadora. Considerando a an-

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tropologia platônico-aristotélica, destaca o caráter intermediário ou temporal do homem neste mundo. Sua obra, conservada por seus discípulos, está dividida em grupos de nove livros, chamados Enéadas (LA MANNA, 1960).

É Santo Agostinho o principal representante da união dos ele-mentos vindos do pensamento antigo (greco-romano) com os novos elementos provindos da fé cristã. Sua obra está caracterizada pela necessidade de justificar, racionalmente, o conceito de pessoa. O ho-mem é imago dei (imagem de Deus) e nele está a chave para conhe-cer Deus, porque este possui o amor, que é a "força possibilitante".

O homem aspira a sair das limitações da vida para ser feliz, o que não constitui um mandamento, afinal, podemos não querer ser feli-zes, mas o destino do homem é aspirar ao supramundano, elevar-se por cima deste mundo e, também, de si mesmo em direção a Deus.

Sua obra toda, que representa o primeiro grande estudo do homem, tem como objetivo conhecê-lo desde a sua interioridade. Santo Agostinho não fala em homem, mas em ego ou eu.

Resumindo o que apresentamos até agora, temos que:

No começo do cristianismo, os padres apologéticos, para • justificar "filosoficamente" a revelação, adaptam os prin-cípios platônicos com o neoplatonismo de Plotino.

O esquema platônico, que vimos anteriormente, é adap-• tado culturalmente. Entretanto, cuidado! Isso não implica uma adaptação dogmática, pois, dogmaticamente, ficam fora do esquema grego.

Santo Agostinho concebeu o homem como um composto • de duas substâncias individuais e admite uma pluralidade de formas que seguem um ordenamento hierárquico.

Nosso próximo passo será analisar o pensamento de Santo Tomás de Aquino, que ainda hoje se faz presente na Antropologia Filosófica. Vejamos!

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Tomás de Aquino (1225-1274)

Esse pensador, séculos mais tarde, discordando do conceito de pluralidade hierarquizada de Agostinho, fala em unidade de for-mas. Para ele, o essencial no homem é o intelecto, ou alma racio-nal. A alma vegetativa e a sensitiva ficam sujeitas, hierarquicamen-te, à primeira, ou seja, à intelectiva, que é substância espiritual.

Esse grande filósofo revoluciona, com seu pensamento, a fi-losofia europeia do século 13 e propõe, de forma fundamentada, o esquema aristotélico em substituição ao platônico. Desse modo, Tomás de Aquino trabalha o seguinte esquema antropológico:

Alma como forma do corpo.•

Alma criada por Deus no momento da informação do corpo.•

Imortalidade da alma.•

Para entender o que queremos dizer, analise o seguinte quadro:

ESQUEMA ANTROPÓLOGICO SANTO AGOSTINHO

ESQUEMA ANTROPÓLOGICO SANTO TOMÁS

Baseia-se na subjetividade, na unidade de alma e de corpo. Imagem de Deus. Necessidade da graça.

Unidade substancial alma e corpo, dimensão de pessoa, transcendência e liberdade.

Segundo Santo Tomás (apud DIRISI, 1985) e observando Aris-tóteles, em tudo o que existe, é possível distinguir dois princípios: essência e existência. A essência é a que qualifica e valoriza a exis-tência; a essência é quididade e compreende a forma, a matéria, a racionalidade e a "animalidade". Esse pensador diz que são o corpo e a alma em conjunto que constituem a pessoa humana, sendo ambos sua essência.

O que dá identidade ou determina o que existe é a essência. Sem essência, e somente com a existência, tudo o que existe seria igual, não teria forma nem denominação. Entretanto, sem existên-cia, no mundo, existiriam apenas seres "possíveis", ou não reais nesse plano.

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Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––A mudança substancial na visão de ser humano realizada por Santo Tomás não chega a conformar uma Antropologia Filosófi ca, já que o homem é visto em uma perspectiva que está dentro da revelação. Além disso, para falar de Antropologia Filosófi ca propriamente, temos de considerar o ser humano em uma realidade integralmente humana, como na antropologia descrita por Max Scheler na obra: A posição do homem no cosmo.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A versão cristã de homem é considerada a precursora, ou a antecedente, da Antropologia Filosófica atual. Você deve ter con-cluído que o ponto fundamental da antropologia cristã está cen-trado nas ideias de que:

O homem é uma criatura conhecida e querida por a) Deus.

O homem está deixando a concepção grega, que o analisa-b) va dentro da natureza, para ser participação da divindade.

O homem deixa de ser "algo" para ser "alguém", e, as-c) sim, passa a ter uma identidade, a ser um ego.

Deus não quer o homem como mais um ser da criação, d) mas como a criatura dona de si e de seus atos.

Com isso, podemos avançar mais um período da história hu-mana. Do Renascimento até o início do período moderno, várias mudanças políticas, econômicas, científicas e tecnológicas inse-rem o homem em um ambiente muito mais amplo, mas também mais conturbado que o período medieval. Essas mudanças têm implicações enormes na compreensão do homem. Vamos estudar um pouco sobre esse período no tópico a seguir!

VALOR DO HOMEM PÓS�RENASCENTISTA12.

O homem, no período do Renascimento, que representa a passagem do Mundo Medieval para o Moderno, tenta superar as antigas noções antropológicas e cósmicas para entender a realida-de. Dentre tantos pensadores renascentistas, vamos destacar uma das figuras protagonistas: Nicolau de Cusa (1401-1464), que parte da tradição escolástica (de Tomás de Aquino, de Ockham etc.).

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Nicolau de Cusa

Profundamente humanista, é um grande estudioso dos da-dos herdados da Antiguidade (MARIAS, 1975, p. 133). Destaca-se em sua obra:

Termo microcosmo1) : termo grego utilizado para designar a natureza humana intelectual e sensível.

Sensibilidade2) : subordinada à razão – e esta, ao entendi-mento, que está por cima do mundo e do tempo. Des-creve o homem como uma criatura de dois mundos.

Mente3) : é depositária da sabedoria infinita, precisa dos dados sensíveis. Mente "mens", de "mensura": alcança sua capacidade em relação com as coisas do mundo, en-quanto o conhecimento é dado por semelhança.

Conhecimento sensível4) : particular – só o conhecimen-to intelectual, universal e abstrato possui características divinas.

Para Nicolau de Cusa, em Jesus está a perfeição, que o ho-mem deve sempre desejar e procurar. Jesus é a natureza intelectu-al de grau máximo.

Erasmo de Roterdã (1469-1536)

Como descreve Groethuysen (1975), Erasmo de Roterdã foi

um grande humanista. É, sem dúvida, a figura mais marcante do

pensamento do século 15. Suas meditações têm como centro o ser

do homem.

Esse pensador relaciona os escritos dos Santos Padres da Igre-

ja com a realidade humanística de seu tempo. Além disso, descreve

o homem, interior e exteriormente, em relação com o mundo.

Na obra Elogio da loucura, Erasmo escreve sobre a nature-

za do homem: o homem que julga saber mais sobre a Natureza

é porque se desconhece, e inclusive desconhece a sua condição

humana submetida às leis naturais (ROTTERDAM, 1988).

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Além de ser autor de Elogio da loucura (1509), escreveu De libero arbitrio (Do livre arbítrio, 1524).

Pico Della Mirandola (1463-1494) e Ficino

Tanto na interpretação de Pico Della Mirandola (1463-1494) como na de Ficino, o homem passa a ser explicado como sujeito diante do mundo. Um ser contemplativo vendo-se como objeto de sua própria contemplação (GROETHUYSEN, 1988).

A antropologia de Ficino e de Pico Della Mirandola está as-sentada na relevância do homem, no seu valor. Do pensamento desses filósofos, podemos destacar que:

Deus1) : é o valor máximo do mundo, porém, não no mun-do, mas por cima dele.

O Homem2) : parte da ideia de Deus para explicar o mun-do. Percebe que possui uma alma divina, que é especta-dor espiritual da escala de valores que existe no mundo. Mas, quando o homem analisa a condição de sua vida, descobre-se na mesma dimensão que os outros seres do mundo. Procura em sua autoanálise o sujeito que tem consciência de si mesmo. Frustrado por não poder co-nhecer a si mesmo de forma direta, apela às ciências do conhecimento, criadas para dizer por definição e descri-ção o que é o homem. O homem nunca está satisfeito com sua situação psicofísica. Sem separar-se do mundo, aspira a fins mais elevados que os mundanos. Seu fim está no caminho do amor.

Você deve ter percebido que o homem, a partir da renas-cença italiana, apropria-se do geral, do mundo pelo saber metó-dico e de sua estrutura psicofísica pela análise científica. O es-tudo antropológico do homem passa a ter um peso importante e, assim, converte-se em ciência, passando a se relacionar com outras, como a geologia, a geografia, a história, a economia etc. Tudo o que é humano passa a ocupar um lugar na engrenagem científica.

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O HOMEM NA ANTROPOLOGIA MODERNA13.

Na interpretação da antropologia moderna, o homem tenta

compreender suas próprias vivências fora do círculo de Deus.

Tomando como referência o pensamento de Petrarca (apud

DIEGUEZ, 2004), podemos concluir que, nesse período, pratica-

mente se deixa de lado a história e Deus para correr por um cami-

nho paralelo. A vida passa a ser responsabilidade do homem, que

continua dentro do cristianismo.

A alma entende-se a si mesma. Dizem os pensadores moder-

nos: a alma reflexiona sobre a vida, sobre o mundo.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Nesse período, começa a se desenvolver uma concepção autônoma da vida, o que desembocará nos períodos seguintes – em uma relação diferente do homem com o mundo. O homem se sujeita à ordem cósmica, sente-se um ser deste mundo dentro de uma escala valorativa.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Alcances da antropologia moderna

Com Copérnico, surgiram duas situações preponderantes.

Se, de um lado, a Terra deixa de ser o centro do universo, por ou-

tro, o homem considera-se o centro do mundo, fazendo tudo girar

ao redor de sua consciência (interpretação idealista do mundo). O

Mundo Moderno é interpretado desde a consciência, diferente-

mente da Idade Média, quando a consciência devia se adaptar ao

mundo (interpretação realista do mundo).

René Descartes

Para falar de Antropologia Moderna, temos de falar sobre René Descartes.

Pensador, filósofo e cientista que deu início a uma nova for-ma de pensar o mundo, baseada numa profunda análise metafísi-

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ca. Em procura da verdade, parte do "eu pensante", dando início a três séculos de "Idealismo".

Sem dúvida, você, que estudou a disciplina História da Filoso-fia Moderna II, sabe que René Descartes qualifica ao homem como:

res cogitans • (substância pensante);

e • res extensa (substância extensa mecânica).

Como consequência da interpretação do mundo de René Descartes, surgem duas correntes de pensamento opostas (COTTINGHAM, 1999):

A interpretação idealista do mundo com base na explica-• ção da res cogitans.

O segundo movimento intelectual, mas em sentido opos-• to ao idealismo, é a interpretação empirista do homem com base na concepção res extensa.

Em sua vasta obra, Descartes (2005) trabalha com a conjun-ção indissociável, no homem, de alma e corpo. Reale e Antiseri (2004, p. 302) citam Descartes sobre esse tema:

Escreve Descartes: "Não basta que ela [a alma] seja inserida no cor-po como um piloto em seu navio, senão, talvez, para mover seus membros, mas é necessário que ela seja conjugada e unida mais estreitamente com ele, para, ademais, experimentar sentimentos e apetites semelhantes aos nossos, compondo assim um verdadeiro homem" (DESCARTES apud REALE; ANTISERI, 2004, p. 302).

Descartes pretende mostrar que o corpo ou res extensa é sempre divisível, enquanto que o espírito, ou alma, ou res cogitans, era indivisível. Diz:

Pois, com efeito, quando considero meu espírito, ou seja, eu mes-mo na medida em que sou somente uma coisa que pensa, nele não posso distinguir nenhuma parte, mas concebo-me como uma coisa única e inteira. E, conquanto todo o espírito pareça estar unido a todo o corpo, todavia, estando separados de meu corpo, um pé, ou um braço, ou alguma outra parte, é certo que nem por isso haverá algo separado do meu espírito. E não se pode propriamente dizer que as faculdades de querer, de sentir, de conceber etc., sejam suas partes: pois o mesmo espírito se dedica por inteiro a querer, e também por inteiro a sentir, a conceber etc. Mas é exatamen-

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te o contrário nas coisas corporais ou extensas: pois não há uma que eu não ponha facilmente em pedaços com meu pensamento, que meu espírito não divida com muita facilidade em várias partes e, por conseguinte, que eu não conheça ser divisível. Isso bastaria para ensinar-me que o espírito ou a alma do homem é inteiramen-te diferente do corpo, se, de outro lugar, eu não já o houvesse apre-endido suficientemente (DESCARTES, 2005, p. 128-129).

Os pensadores modernos valorizam o pensamento como

formador do real e negam valor similar ao corpóreo. Nesse perío-

do, nasce "o eu do pensamento científico" e "o eu do domínio da

técnica", nos quais a realidade do mundo aparece como obra do

eu-consciência. Como consequência, o eu fica privado de sua di-

mensão humana transcendental, da relação eu-tu. Então, aparece

o "eu solitário", que mencionamos no primeiro capítulo.

A tese de Scheler, na qual se funda a Antropologia Filosófi-

ca, contradiz abertamente os postulados racionalistas em que se

funda a teoria de Descartes. Para Scheler, é absurda a ideia de que

os animais e plantas sejam somente máquinas. Para ele, todo ser

vivo, só pelo fato de estar vivo, tem dimensão psíquica. Ainda dis-

corda de que o ser humano se diferencia, segundo a teoria carte-

siana, por ser substância pensante dos outros seres. Para Scheler,

a diferenciação está no que denomina espírito (Geist).Para a modernidade, a teoria do homem encontrou a sua forma mais eficaz na Doutrina cartesiana, uma doutrina que só começa-mos propriamente a superar nos últimos tempos. Pelo fato de ter dividido toda a substância em "pensamentos" e "extensão" e de ter ensinado que somente o homem, dentre todos os seres, é consti-tuído a partir desta substância em uma ação recíproca. Descartes introduziu na consciência ocidental todo um exército de equívocos. Em razão dessa divisão, ele precisou escolher o absurdo de recusar a todas as plantas e animais a "natureza psíquica" e explicar à "apa-rência" do caráter animado de animais e plantas, que todo o tempo anterior a ele o tinha tomado por realidade, através da transpo-sição antropomórfica de nossos sentimentos vitais para o interior de imagens externas da natureza orgânica – e explicar tudo o que não é consciência e pensamento humano de maneira puramente mecânica. A consciência não foi apenas o contra-senso oriundo da exacerbação máxima da "posição peculiar do homem", sua extra-ção dos braços maternos da natureza –através daí mesmo a cate-

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goria fundamental da vida foi simplesmente arrancada do mundo com um único traço. Para Descartes o mundo não consiste senão em pontos de pensamento e em um mecanismo violento a ser in-vestigado matematicamente. Uma coisa que sim vale na doutrina cartesiana é a nova autonomia e soberania do espírito (SCHELER, 2003b, p. 69).

Sobre esses temas, é importante que você leia, além de outras obras, a primeira parte do Capítulo III de Antropologia Filosófica, de H. C. L. Vaz, e a História da Filosofia, de N. A Abbagnano.

Como dissemos, no final do período moderno aparecem algumas concepções contrárias ao idealismo que se inicia com Descartes, passando por Kant e culminando no Idealismo Ale-mão que tem na figura de Hegel seu representante mais ilustre. Uma dessas correntes é o materialismo, que apresentamos no tópico a seguir.

CONCEPÇÃO MATERIALISTA DO HOMEM14.

Na concepção materialista, o homem não sobrepassa ao

material. Os pensadores materialistas explicam que a matéria no

universo evolui para formas de vida cada vez mais perfeitas. Nas

formas atuais, a mais aprimorada é a forma humana, que se distin-

gue do resto dos animais por ser a mais perfeita.

Nessa concepção filosófica de homem, então, a pessoa da

concepção clássica perde valor porque é condicionada pela socie-

dade. Deixa de ser por sua racionalidade aberta ao infinito e volta

ao esquema antropológico de "estímulo-resposta".

A interpretação materialista do homem não é um descobri-

mento do modernismo. Na Antiguidade, o atomismo físico levan-

tou essa bandeira. Pensadores como Demócrito e Lucrécio acre-

ditavam que os fenômenos psíquico-espirituais podiam se reduzir

a movimentos dos átomos. Tanto esse materialismo como o pen-

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samento moderno dão prioridade à vida sensitiva. Hoje, porém, a

"filosofia sensitivista" está praticamente superada.

Formas do pensamento materialista

Mesmo que o materialismo tenha uma base filosófica co-mum, existem diversas correntes. Analisemos, pois, as princi-pais:

Materialismo Histórico1) : concebido por Engels e comple-mentado por Karl Marx. Nesse movimento, é preponde-rante a explicação histórica do homem sobre uma base socioeconômica. Nele, o modo de produção da vida ma-terial condiciona o conjunto da vida social, política e es-piritual. O marxismo tem como expressão sobressalente perseguir fins movidos por um ideário de sentido de jus-tiça social em prol da liberdade.

Materialismo Dialético2) : também chamado de materia-lismo marxista, introduz o processo dialético na maté-ria. Seu grande realizador foi Lênin. Doutrina oficial do Comunismo Russo, nele, a história do homem deixa de ser o centro da discussão para trasladar-se à matéria, na ideia de uma dialética material universal.

Formas Materialistas da Psicologia3) : nela, toda vida psí-quica não é outra coisa senão o reflexo dos processos corpóreos materiais. Aqui, encaixa-se não só a teoria de Freud e sua explicação da libido; também se encaixam as formas de Psicologia Evolutiva.

Positivismo e Positivismo Lógico4) : os pensadores dessas correntes não conseguem encontrar nenhuma instância que transcenda o homem, guiando-se pela lógica que ni-vela tudo num horizonte material.

Os materialismos partem do pressuposto de que a sociedade

forma o indivíduo; portanto, ela não é a soma das individualidades

e sim o contrário. Essa forma de sociedade (a coletivista) parece

mais uma massificação, visto que o homem é sacrificado em bene-

fício do próprio coletivismo (DIRISI, 1966).

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PENSAMENTO EXISTENCIALISTA OU A FILOSOFIA 15. DA EXISTÊNCIA �EXISTENSPHILOSOPHIE!

A orientação naturalista-materialista sobre o homem, que vigorou na filosofia do século 19, rebaixou-o ao submetê-lo aos condicionamentos físicos e psicológicos, negando, dessa forma, a liberdade perante essas dimensões, que são sua característica fun-damental. Com essas visões antropológicas, fica esquecido que o homem é um ser de responsabilidade que pode desenvolver uma conduta ética e moral diante dos condicionamentos.

Como resposta a essa desvalorização, surge a Filosofia da Existência, que trabalha a capacidade do homem de configurar seu destino. K. Jaspers define o homem como um ser que decide – um ser que não é (SCHOEPS, 1979).

Como pensamento filosófico, o existencialismo reveste diferen-tes formas, tendo todas elas, como ponto em comum, a preocupação com a existência, o dasein; não no sentido de "uma análise da existên-cia", mas, sim, na direção da compreensão da existência pessoal.

Informação complementar ––––––––––––––––––––––––––––– No pensamento do existencialista ateu de Heidegger, o Dasein (ser-aí) opõe-se a nada, enquanto Jaspers, pensador existencialista com base na transcendência, explica que o homem passa por alto o Dasein, assegurando-se na existência, que tem como característica a transcendência (transcender, passar por alto). Ambos inspiram-se nas obras de Kierkegaard e Nietzsche, mas, em Heidegger, o transcender não tem sentido, e, em Jaspers, não possui a fundamentação teo-lógica, mesmo que mantenha de Kierkegaard a existência da religiosidade e a fé no homem como possibilidade.

Tanto Karl Jaspers (1883-1969) como Gabriel Marcel (1889-1973) concentram sua atenção no estudo do existente, que, em relação com o pensamento de Kierkegaard, é concebido dentro de uma visão cristã de homem. Marcel desco-bre no homem a estreita relação com a natureza e a Graça Divina e, baseada nessa condição, reivindica, para o existente, o sein, a esperança de salvação.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Para complementar essas informações, é importante que você leia: Humanismo e anti-humanismo: introdução à antropolo-gia filosófica, obra de Nogare Pedro Dalle, e Antropologia Filosófi-ca, um estudo sistemático, de Edvino A. Rabuske.

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FILOSOFIA CRISTÃ E VIDA NO ESTEIO DA FILOSOFIA 16. MEDIEVAL: A VIDA NÃO É SOMENTE IDENTIDADE COM O ORGÂNICO

Já falamos que o pensamento platônico, bem como o aristo-télico, chega à filosofia da Idade Média, sendo repensado e adapta-do a uma nova realidade. Nesse período histórico do pensamento, a união do corpo e da alma deixa de ser acidental, como colocou Platão, e passa a ter forma pessoal. Nessa nova concepção, cada ser humano tem sua alma espiritual (esta deixa de ser material), que constitui sua essência pessoal.

O conceito de pessoa humana vai diferenciar o homem do resto dos seres. O ser humano é pessoa porque possui indepen-dência racional e é dotado de inteligência e vontade livre. Esses atributos exclusivamente humanos fazem com que ele seja res-ponsável por seus atos.

A escolástica parte de um conceito racional na explicação da pessoa, chamando-a de substância pessoal, individual, fechada, hipóstases ou suppositium rationalis, enquanto possua razão: pes-soa est suppositiu rationale.

O principio quod, em latim denominado suppositium, traduzido da palavra grega hipóstasis, significa fundamento, substância, e refe-re-se ao sujeito individual existente quod, ou seja, sujeito individual existente. É, portanto, o ser que pensa que realiza atos, formula juízos, ama e que é atraído para o bem.

Boécio (apud LUCAS, 1996) denominou: rationalis naturae individual substantia. Em outras palavras: o ser que possui inde-pendência do meio (de sua condição fática).

Para complementar os conhecimentos desta unidade, recomenda-se que o aluno leia, entre outras obras: Dizer o homem hoje, de Nunzio Galatino.

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PESSOA HUMANA E A INFLUÊNCIA DO PENSA�17. MENTO CRISTÃO

O conceito de pessoa humana, que representa a categoria de pessoa, é fundamental para o desenvolvimento da Antropolo-gia Filosófica. Em relação a ele, desenvolve-se uma concepção de sujeito e de mundo que revoluciona a filosofia ocidental.

A partir dessa concepção, o ser humano não pode ser qua-lificado somente como indivíduo, pois ele é, também, pessoa. A pessoa humana está caracterizada pela unicidade por possuir um núcleo que organiza o biológico e a influência sociocultural: o eu.

Tuteladas pelo eu, ou centro espiritual, atuam as diferentes dimensões constitutivas do homem: a vital, a psicológica e a social. O termo pessoa, então, identifica uma unidade que não está sujei-ta a nada nem a ninguém.

O homem possui a dimensão espiritual como estrato mais ele-vado. O homem é biológico, psicológico e espiritual, esquema filo-sófico que provém de Aristóteles. O conjunto bio-psíquico-espiritual está informado pelo centro espiritual. Pela liberdade, característica do ser pessoal, o homem é responsável pelo juízo moral de suas ações.

Leia, a seguir, algumas informações sobre o conceito de pessoa.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––A palavra "pessoa" deriva do verbo latino personare, que, em português, signifi ca ressoar. Os pensadores comprometidos com essa radical visão de ser humano colocaram a origem da pessoa na cultura grega. Partem do vocábulo grego prósopon, que signifi ca máscara, em alusão às máscaras utilizadas nas tragédias gregas pelos atores, que representavam personagens (pessoas) das diferentes classes sociais e que tinham as vozes ressoadas através das máscaras utilizadas. Mas como chega o termo pessoa à fi losofi a? No direito romano, eram pessoas os que possuíam direitos e deveres de cidadãos; os escravos e os estrangeiros não eram pessoa para essa forma de direito. Com a difusão da ideia cristã no Império Romano, que considera todos os homens fi lhos de Deus e iguais em direitos, o conceito de pessoa se universalizou e o termo passou a ser utilizado para diferenciar o ser homem dos outros habitantes do cosmo. Os pensadores do Cristianismo infl uenciaram determinantemente na meditação fi losófi ca sobre

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a pessoa. A partir das ideias católicas de espiritualidade e imortalidade da alma, ela passa a ter um valor preponderante tanto para o Estado como entre pessoas (meio social). A pessoa que é livre e responsável é possuidora de direitos inalienáveis que a fazem insubstituível e o ponto "axial" do mundo.

Existe outra etimologia da pessoa na língua latina. Esta, de natureza metafísica: assim, a pessoa é um per-se-uma, ou seja, a pessoa não pode ser assumida como um acidente ou como algo geral, nada que é diferente dela a amarra e condiciona a ponto de ela perder o que é seu.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Substância e acidente

Muito já se falou de substância. Vamos, agora, entender o significado desse termo. Os seres estão em relação de dependên-cia, igualdade, desigualdade, influência etc. Sem essas relações, as substâncias permaneceriam desconhecidas, sem comunicação.

Toda potência está em ato primeiro e, quando exercida, pas-sa a ato segundo. Pensemos em uma criancinha recém-nascida, que tem em ato primeiro a faculdade de caminhar, mesmo que não a exerça em ato segundo. O desenvolvimento posterior pode ou não acontecer; por isso é que afirmamos que o desenvolvimen-to é acidental. A partir desse exemplo, podemos concluir que o desenvolvimento da pessoa é acidental, mesmo que a faculdade (no caso de caminhar) pertença à substância, à essência.

Substância significa "o que está por baixo", ou seja, é a fundação. O termo substância refere-se a uma interdependência ôntica dos seres. Sua utilização para indicar o que não muda ante os fenômenos provém da Escolástica. Aristóteles definia substância como o que é em si.

A substância no homem é formada pela união de dois ele-mentos: o material e o espiritual. Por ter consistência, sustenta os acidentes. Os acidentes mudam enquanto a substância permane-ce. Ela é responsável:

pela unidade;•

pela permanência. •

O que você não pode perder de vista na corrente do raciocí-nio é o conceito que diz que a sustância é o fundamento unitário

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e permanente do ser. Outro ponto importante é que o conceito de substância está fora da experiência, pertence ao universo da razão e, portanto, é de natureza metafísica. Dessa forma, mesmo sendo produto dos nossos pensamentos, como reza a afirmação prece-dente, tem seu fundamento no ser.

ATENÇÃO!É importante saber que não temos de pensar em sustância como uma coisa rígida, imutável; a sustância é dinâmica. Essa aprecia-ção, introduzida por Leibniz, foi logo complementada pelo filósofo católico Lotze.

Acidente é tudo o que se une à substância. Vejamos o se-guinte exemplo:

Exemplo de substância –––––––––––––––––––––––––––––––Santo Tomás = substância pessoal, foi alto, um metro e noventa = quantidade acidente, virtuoso = qualidade acidente, vestia com sobriedade = estado aciden-te, morou em Rocasseca = espaço acidente, de 1225 a 1274 = tempo acidente, suportou ataques de detratores = paixão acidente, escreveu obras = ação aci-dente.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A substância tem categorias, as quais são chamadas aciden-tes relativos.

ATENÇÃO!Você pode encontrar mais informações sobre esse assunto na obra de Hugon Eduardo. Vinte Quatro Teses Tomistas, México: Porrúa S.A., 1974. p. 44.

As perguntas pelo homem e o lugar que este ocupa no cosmo levaram M. Scheler a analisar o ponto de conexão entre a humani-dade do homem e o ser dos outros entes. Na obra que é conside-rada uma das obras primas da Antropologia, A posição do homem no cosmo, ele escreve sobre a concepção moderna.

Na Apresentação da obra A posição do homem no cosmo, Max Scheler busca uma definição do que nos torna humano:

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A posição do homem no cosmo tem por intuito fundamental acom-panhar os resultados alcançados pela biologia a partir do início do século XX, exatamente para mostrar como o homem não pode ser pensado simplesmente a partir desses resultados, como a fixação de seu lugar no todo carece necessariamente de uma extensão para o interior de uma experiência diversa, metafísica. O livro possui em verdade duas partes estruturais, na primeira parte estão descritos os níveis que constituem a vida desde o âmbito mais primário até o mais complexo [...]. Tal como o texto nos mostra não podemos es-tabelecer a diferença entre o homem e os animais através de uma pura menção a uma diversidade qualitativa entre eles, a uma mera diferença de grau. O homem não é diferente do animal por possuir uma razão mais desenvolvida ou mesmo por ser o único ente a pos-suir razão. Entendida como a capacidade de utilização de utensílios ou tecnologia [...].

A segunda parte do livro dedica-se essencialmente ao espíri-to como elemento que o sustenta. Segundo Scheler (2003, p. IX-X), o homem é um ser vivo que, por força do espírito, pode confortar em princípio asceticamente, em relação à sua vida.

QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS18.

Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nes-ta unidade, ou seja, entender as diferentes teorias antropológicas desde uma perspectiva filosófica, junto com a evolução da ideia de espírito. Conhecer a proposta dos principais pensadores e suas autorias em relação ao quadro da disciplina e refletir sobre a obra de Max Scheler.

A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-bertas com os seus colegas.

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Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

A partir da seguinte definição, indique a alternativa que a complementa cor-1) retamente:

O conhecimento antropológico-filosófico é o fundamento do conhecimento científico na medida em que serve para explicar a estrutura universal e espe-cífica do ser humano. Essa relação entre ciências e conhecimento antropológi-co-filosófico sempre deve ser vista como complementação, como cooperação, e nunca como limitação.

O conhecimento antropológico filosófico foca em seu estudo a essência a) do homem.O conhecimento antropológico filosófico situa o ser homem dentro da b) escala zoológica.O estudo antropológico filosófico dá-se a partir da culturac) e leva em con-ta os caracteres somáticos genotípicos, ou seja, hereditários, e os adqui-ridos.Por ser filosófica, essa antropologia analisa os resultados da razão e sua d) produção intelectual.

Indique a única afirmação INCORRETA.2)

A Antropologia Filosófica, que se fixa no homem integral, leva adiante a) um discurso racional sobre o ser humano para explicar a sua essência a partir das categorias abstratas.O homem não se compreende totalmente. Esse fato o leva a se pergun-b) tar sobre sua essência.Partindo do momento em que o homem se descobre num nível cosmo-c) lógico diferente dos outros entes, não diferente no nível ontológico, e sim como o alguém mais capaz do mundo, surge um novo paradigma cognoscitivo, a Antropologia filosófica.A Antropologia Filosófica, diferentemente do conhecimento científico, d) não formula hipóteses para orientar sua investigação, pois, durante a existência humana, os problemas antropológico-filosóficos estão presen-tes e a própria existência do homem já exige uma resposta.

Indique a única alternativa CORRETA.3)

Os pensadores gregos, especialmente os denominados pré-socráticos, a) estiveram centrados no estudo da natureza. Heráclito não demorou a perceber que o homem era o ponto culminante dessa natureza por causa da capacidade própria para perceber o sentido que as coisas possuem. Já Parmênides viu a capacidade que o homem tem para raciocinar sobre as aparências e compreender a realidade. Esses filósofos colocaram o homem, que é parte integrante da physis, num degrau (ou patamar) su-perior do resto da natureza. Sócrates destaca a consciência reflexiva do homem; desde as conotações b) do mandamento "o homem é a medida de todas as coisas".

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Aristóteles faz do ser humano um c) ser dual em substâncias. A alma de ori-gem divina e eterna informa o corpo sujeito à degradação. Esse esquema se denomina hilemorfismo.

Descartes parte da denominada antropologia platônica, baseada no d) dualismo "corpo e alma". Para esse pensador, corpo e alma não são substâncias separadas, mas "coprincípios" constitutivos de uma mes-ma substância. Disserte sobre o seguinte tema:A versão cristã de homem é considerada a precursora, ou a antecedente, da Antropologia Filosófica atual. Em qual ideia está centrado o ponto fun-damental da Antropologia Cristã?

Gabarito

Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-toavaliativas propostas:

a.1)

c.2)

a.3)

RESPOSTA: 4)

O homem é uma criatura conhecida e querida por Deus.

O homem deixa a concepção grega, que o analisava dentro da natureza, para ser participação da divindade. Assim, deixa de ser "algo" para ser "alguém", e passa a ter uma identidade, a ser um ego.

O homem foi criado à imagem de Deus, que não quer o homem como mais um ser da criação, mas como a criatura dona de si e de seus atos.

O homem é pessoa humana. Conceito que vai diferenciar o homem do resto dos seres. O ser humano é pessoa porque possui independência racional e é dotado de inteligência e vontade livre. Esses atributos exclusivamente huma-nos fazem que ele seja responsável por seus atos.

CONSIDERAÇÕES 19.

Platão, Aristóteles e os pré-socráticos tentaram entender o homem partindo do cosmo e destacaram a alma como princípio de conhecimento. Tudo isso dentro do dualismo ou da união substan-cial. Na Idade Média, os pensadores partem de Deus e defendem que a inteligência e a vontade são os principais atributos do ser hu-

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mano. Pico Della Mirandola, representando o humanismo italiano, dá uma explicação do homem de acordo com a época histórica, conhecendo-o sem revelação a partir de si mesmo. Para ele, por-tanto, a razão é o determinante do homem.

Os pensadores materialistas pós-Hegel, como Feuerbach (1804-1872) e Marx, criticam o conceito de Deus por ser uma pro-jeção do próprio homem, ideia que deveria ser superada ou troca-da pelo conceito de humanidade. Também tiram o valor da filosofia do espírito. Por faltar o espírito dentre os componentes antropo-lógicos do homem pensados pelos materialistas, a antropologia, consequentemente, passa a fazer parte das ciências naturais. Em contrapartida, temos o pensamento existencialista, que defende a capacidade do homem de configurar seu destino na existência com ou sem transcendê-la.

No século 20, tanto a interpretação materialista do homem como a existencialista são criticadas por serem consideradas redu-cionistas, dando espaço para uma nova alternativa: a visão unitá-ria da atual Antropologia Filosófica – que estamos expondo. Nela, o homem é visto como um ser biológico, psicológico, espiritual e transcendente.

Nesta unidade, estudamos a linha de evolução do pensa-mento que o homem formulou a respeito de si mesmo. Nesse caminho, vimos os rudimentos de uma antropologia que vem se constituindo rumo a uma visão do homem como pessoa, abran-gendo todos os seus aspectos vitais. A completude desse conceito do homem na condição de ser biológico, psicológico, espiritual e transcendente é o que veremos na próxima unidade. Até lá!

E�REFERÊNCIAS20.

Lista de figuras

Figura 1 Max Scheler. Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/Max_Scheler>. Acesso em: 10 jan. 2012.

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Site pesquisado

DIEGUEZ, K, G. Francesco Petrarca – a obra. Disponível em: <http://www.estacio.br/rededeletras/numero8/parlaquetefabene/petrarca_obra.asp>. Acesso em: 10 jan. 2012.

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Centro Universitário Claretiano – Anotações

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EAD

Estrutura do Ser Humano:Ser Bio-Psíquico-Espiritual--Transcendente

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OBJETIVOS 1.

Familiarizar-se com as dimensões constitutivas do ser hu-• mano e com a relação corpo-alma.

Interpretar a reflexão que a antropologia faz sobre o ser • "homem" e sua estrutura ontológica.

Reconhecer e analisar os argumentos válidos para justifi-• car o não antagonismo e a não identificação do corpo e da alma.

Identificar o eu, núcleo da pessoa humana, e refletir so-• bre ele.

Interpretar a importância do tu na formação da persona-• lidade.

Analisar, desde a realidade bio-psíquico-espiritual do ser • humano, sua relação com o mundo.

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CONTEÚDOS 2.

Elementos constitutivos do ser humano.•

Princípios essenciais do ser humano. •

Relação funcional das dimensões constitutivas do ser hu-• mano.

Descrição da unidade vital do homem, o sujeito.•

Caracteres constitutivos do ser humano.•

O homem, ser social. •

Surgimento da personalidade e a relação com o outro.•

Características existenciais do homem.•

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE3.

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

Confira no 1) Caderno de Atividades e Interatividades as dicas e os dados para a realização de sua avaliação continuada. Aproveite este momento para ler e refletir sobre os obje-tivos que propusemos atingir e, com base nessa reflexão, assumir uma postura crítica diante de sua aprendizagem.

Nesta unidade, você terá a possibilidade de considerar 2) a posição dos antropólogos e filósofos que sugerem que as regiões constitutivas do homem são três: a vital, a psicológica e a espiritual. Eles destacam, ainda, que elas não podem ser pensadas separadamente, pois não seria humano o homem sem corpo, sem interioridade e sem dimensão espiritual – afinal, todas essas dimensões são parte do ser homem.

Para aprofundar-se nos temas tratados nesta unidade, 3) sugerimos a leitura de algumas obras:

de Teilhard de Chardin, a) O fenômeno humano, p. 192-198 e p. 206.

Anatomia da destrutividade humana, de E. Fromm, b) p. 300-350.

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O Homem, quem é ele?c) , de B. Mondin e o primeiro e o segundo capítulos de O fenômeno humano, de Teilhard De Chardin.

Fundamentos antropológicos da psicoterapiad) , de Viktor E. Frankl.

Vá além! Pesquise os livros citados no Tópico 4) Referências Bibliográficas e os sites referenciados em E-Referências.

Antes de iniciar os estudos desta unidade, é interessante 5) conhecer um pouco da biografia de Viktor E. Frankl, cujo pensamento norteia o estudo desta unidade. Para saber mais, acesse os sites indicados.

Viktor E. Frankl (1905-1997) Foi psicoterapeuta, criador da Logoterapia, método psicoterápico baseado no sentido da vida. Médico e pensador brilhante, doutor em fi losofi a, conhecido con-ferencista. Publicou 27 livros, dos quais muitos são considerados de fundamen-tal importância para o desenvolvimento da psicoterapia. Se você está tendo um primeiro contato com a obra desse pensador, sugerimos que leia as obras Um psicólogo no campo de concentração, Psicoterapia e sentido da vida e Deus inconsciente.

INTRODUÇÃO À UNIDADE 4.

Na Unidade 1, você teve oportunidade de ver que existem diversas interpretações filosóficas sobre o homem, as quais o ex-plicam de diferentes perspectivas:

As que dão ênfase ao físico: o homem atuaria sustenta-• do pelas características físico-biológicas, sem se admitir que possa existir entre ele e a natureza uma diferenciação qualitativa.

A existencialista, que enfatiza a construção da personali-• dade na existência.

Os que defendem que há, entre o homem e a natureza, • uma diferenciação ontológica. Por sua capacidade supe-rior, o homem pode passar por cima do determinismo da matéria e da existência.

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Nesta unidade, você vai perceber que o estudo da Antropo-logia Filosófica tem por objetivo abranger o homem em sua to-talidade. Por isso, é de vital importância saber como se unificam as dimensões constitutivas. Você vai estudar as regiões essenciais que compõem o Ser Homem: a biológica ou vital, a psicológica e a espiritual.

HOMEM: UM ÚNICO SER E UM ÚNICO SUJEITO5.

Qualquer forma de dualismo antropológico (como a de Pla-tão ou a de Descartes) é refutada pelos investigadores atuais da Antropologia Filosófica. Tampouco é aceito o monismo naturalista contido na ideia materialista, pois este é entendido como uma das formas de reducionismo. Se a Antropologia Filosófica pretende explicar o homem de forma integral e não fragmentada, como já foi exposto, deve, antes de qualquer coisa, explicar como as dife-rentes dimensões constitutivas do ser humano acontecem: corpo, psique e espírito unificam-se.

Dualismo corpo-alma

O dualismo é uma concepção que está sempre presente na concepção antropológica. Os filósofos "pitagóricos gregos" pensa-vam que a alma era imortal, vinha do céu e caía na Terra para en-trar no corpo, ao qual ficava atada. Por isso, eles buscavam, com a "liberação do corpo", o "retorno".

Corpo e espírito, esses dois termos opostos em natureza, criaram sucessivas discussões. A filosofia aristotélica e, logo, a cha-mada filosofia perene, virão para auxiliar na superação do proble-ma criado pelo dualismo, em que a alma espiritual e o corpo físico existem como dois seres separados.

A filosofia tradicional, superando essa concepção dualista, contempla todos os fundamentos da pessoa humana sem recor-tar aspectos de sua realidade. Para isso, leva em consideração, no

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momento de uma análise antropológica, os aspectos psicológico, biológico e espiritual, considerando não só as particularidades ôn-ticas, mas também a dimensão existencial.

A posição de Santo Tomás é clara: o homem não pode ser explicado como a união de duas partes: a orgânica e a espiritual. Para os clássicos, o ser humano é uma reunião substancial desses dois princípios (um opera em relação ao outro). Assim, a ausência de algum deles destrói a pessoa, que passaria a ser alguma outra coisa diferente de um ser humano.

Na nossa cultura, é muito comum interpretar a "alma" no sentido teológico-religioso. Nesse caso, o termo "alma" indica a relação de criatura com Deus criador entrando no plano da fé. No outro extremo, encontramos a psicologia empírica, movimento in-telectual contrário ao exposto. Nesse caso, o termo alma tem uma finalidade diferente, sendo utilizado como sinônimo de fenômenos psíquicos. Para Hume (2003), falar em alma é falar em fenômenos psíquicos impessoais.

Santo Tomás (2002) explica que a alma concede a perfeição ao homem, relacionando-o com seu ser. Ela caracteriza o homem porque lhe informa as funções vegetativa e sensitiva. O homem, então, é composto de alma e corpo numa unidade integrativa, substancial.

Para continuar nossa linha de raciocínio, é preciso ressaltar que o termo "alma" deve entender-se sempre como a não redução da pessoa ao orgânico, ao corpo; supõe que o homem, se bom, possui corpo e não se identifica somente com ele.

Podemos resumir essas ideias da seguinte maneira: o ho-mem não é o resultado de elementos sobrepostos (alma e corpo), mas, sim, a unificação, num "núcleo", dessas dimensões diferen-tes. A antropologia tradicional, inspirada na teoria hilemorfista de Aristóteles, pronuncia-se a favor da concepção unitária. Corpo ani-mado em conjunto com alma corporizada.

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Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Na obra de Tomás de Aquino, fi ca evidente a importância da unidade essencial do homem. É conhecida a expressão de Tomás de Aquino sobre a matéria: est principium individuationis, que indica que o que determina a individualidade no homem é a matéria (totalidade biológica), sendo este seu constitutivo essencial. Essa afi rmação resulta em estranheza, pois parece que não se encaixa na rea-lidade do ente humano. Isso acontece porque ainda temos, pela herança platô-nica, a ideia da matéria imperfeita em oposição ao ser perfeito e a sensação de que existe um abismo entre o mundo inteligível e o sensível. O individual, para Platão, por estar ligado à matéria, é a parte imperfeita em oposição à perfeição, que é o universal (a ideia). Esse pensador recebe de Parmênides a noção de que a matéria é o não inteligível e está em oposição ao ser. O discípulo de Platão, Aristóteles, a denomina "pura potência", colocando-a como princípio de "muta-bilidade". O pensamento cristão, movimento do qual participa Tomás de Aquino, quando admite que a matéria é criação de Deus, muda totalmente a concepção grega de autoria do trinômio Parmênides, Platão e Aristóteles. Hoje, vemos que há uma impossibilidade para atribuir a personalidade (como princípio de individu-ação) somente à matéria; parece mais racional colocá-la no conjunto substancial matéria-espírito (QUILES, 1967). Chegando a nossos dias, o contemporâneo Gabriel Marcel, pensador existencialista católico, descreve a existência humana como "existência encarnada", explicando que a vida vegetativa está em relação plena e total com a vida intelectual.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

O termo "dimensão espiritual" é controverso na história da filosofia. A seguir, você encontrará uma parte da obra de Etche-behere (2008) que apresenta as diferentes vertentes para se pen-sar esse termo:

A dimensão espiritual –––––––––––––––––––––––––––––––––O homem é um horizonte entre corporal e espiritual. Cabe então falar do es-piritual. Porém, há uma necessidade ontológica de falar do espírito ou é, uma necessidade metafórica?

Ou, com outras palavras, se ajusta somente à descrição do homem como hori-zonte ou tem uma real existência além do simbólico?

Por experiência, percebemos uma diferença entre o vivo e o inerte, isto é, naquilo que manifesta vida e o que nunca teve – uma cadeira, por exemplo – ou não tem vida porque a perdeu – um animal morto –. Por outra parte também experimen-tamos algo comum que existe entre o vivo e o morto, e isso comum é o material. Deve existir algo mais que somente matéria para poder explicar a vida. E esse "algo mais", esse outro que não está nos seres mortos, o chamamos alma ou espírito.

Isso que foi colocado tem alguns pressupostos. Por um lado, devemos experi-mentar a diferença entre o vivo e o morto, isto é, devemos ver uma heterogenei-dade no real, uma diferença radial entre estar vivo e estar morto.

Isto signifi ca que "esses 21 gramas", que diferenciam um ser vivo de um morto não pertencem à mesma hierarquia que o material. Seja como for, imaginemos

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como imaginemos, o que chamamos alma é o que dá sentido a essa matéria, sem a qual a matéria dissolve-se nos diferentes elementos que a compõem. Ou para dizer de outra maneira, quando a alma se vai da carne, esta se torna corpo e os elementos que a compõem retornam a suas formas primitivas, o úmido do corpo volta a ser líquido, e se evapora, por exemplo.

O outro pressuposto é que essa teoria da alma não deve ser uma solução por ignorância, isto é, não devemos dizer "espírito" onde a ciência biológica diz "ain-da não sei".

A Antropologia fi losófi ca, neste caso enquanto psicologia ou estudo da alma, deve se esforçar em dialogar com as ciências biológicas, tanto para a superação do esquema cartesiano de res cogitans / res extensa, como para a superação do esquema ciências do espírito/ciências da natureza.

Assim, podemos dizer que existe uma alma ou espírito que anima, isto é, dá vida a uma matéria, fazendo com que passe de corpo a carne. Temos usado indistintamente o termo alma como o termo espírito, porém, cabe fazer algumas distinções. Neste livro de antropologia preferimos usar a palavra "espírito" mais que "alma", porque este termo nos permite mostrar o mais propriamente huma-no, em comparação com os outros seres viventes e, por outro lado, nos leva a pensar algo mais que humano.

Os usos da palavra espírito.

A palavra "espírito" chega a nossos ouvidos com um som de divindade. Um dos usos desse termo é o religioso. Espírito é uma das pessoas da trindade. Assim, então, quando usamos essa palavra no que diz respeito ao homem, teremos que assinalar que algo dele é divino, que alguma participação tem com a natureza de Deus.

O segundo uso desta palavra já não é no singular, mas, sim, no plural. Falamos de "os espíritos" para nos referirmos à realidade demoníaca, isto é, realidades que fazem de nexo entre os deuses e os homens. Assim se entende o demônio de que falava a Sócrates e que lhe aconselhava o que não fazer, ou a caracteri-zação que faz Platão do amor no Banquete. O espírito como demônio é um poder capaz de unifi car as diferentes forças da alma humana dando-lhe um sentido, uma orientação superior.

Na história do pensamento o termo "gênio" se aplica à pessoa que é muito in-teligente, com o qual vemos que o espiritual é referido diretamente ao racional não tanto ao afetivo. Porém, "gênio" se aplica também à pessoa que se destaca sobre o comum, àquele que tem certo carisma que o torna atrativo aos demais, ou, em outras palavras, é um ídolo para os demais. Tanto demônio como gênio têm a capacidade de colocar o homem além de seus limites. Então podemos di-zer que o demônio e o gênio possuem a característica de propor uma forma nova de atuar, rompem com a rotina e anunciam algo novo, aí está a genialidade – por sua novidade – seja inicialmente rejeitada, mal compreendida.

O terceiro uso da palavra espírito se aplica à atitude que tomamos perante as difi culdades. Assim, dizemos que um ancião tem espírito quando apesar da idade e das enfermidades tem uma visão otimista das coisas, ou também o usamos quando alguém se sobrepõe a enfermidades muito graves. A força do espírito aparece então em situações limites, sob as quais a maioria das pessoas decai. Então, podemos dizer que, se a carne mostra claramente os sinais de fi nitude, o espírito os assume, porém não se dá por vencido.

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Da Alma

Anteriormente dizemos que preferíamos o uso do termo "espírito" para falar da-quilo que dá vida, que vivifi ca. Porém, agora cabe fazer uma aclaração. Na his-tória da Antropologia, os autores têm oscilado entre dois modelos de constituição do homem: o bipartido ou o tripartido.

O modelo bipartido é aquele que diz que o homem está composto de corpo e alma. Então são dois os princípios essenciais do homem. Este modelo tem a vantagem de ser simples – dentro do que se pode tratar aqui de simples – e ter uma valorização positiva do corpo. Ainda que a simplicidade do modelo tenha como desvantagem difi cultar a visão espiritual da alma.

É por isso que alguns autores adotaram o modelo tripartido. Segundo esse mo-delo, o homem está composto de corpo, alma e espírito (PLATÃO, República). O homem tem assim um princípio vital, que é a alma, e que tem como função ani-mar o corpo, porém, tem também o espírito, que se distancia do material e é onde propriamente o humano mora. Vemos então como esse modelo tem a vantagem de dar uma característica espiritual ao homem e claramente uma dimensão que entra em comunhão com o transcendente; porém, tem como desvantagem des-considerar o carnal, dado que o humano tende, como já dizemos, a localizar-se no espiritual. A outra vantagem que possui esse modelo é que permite um trata-mento da alma como realidade independente do espírito e, portanto, o que afeta a um não afeta ao outro. Porém, essa vantagem se transforma em problema: deixa muito comprometida a unidade do homem.

Que entendemos por alma?

Segundo Aristóteles, poderíamos distinguir três defi nições de alma. A primeira – de caráter fenomenológico – nos diz que a alma é "aquilo por que vivemos, sentimos, raciocinamos primariamente e radicalmente" (ARISTÓTELES, Sobre a alma). Essa primeira defi nição nos diz que a alma é princípio de vida e que, por outro lado, como tal é princípio também das operações, dos atos dos seres vivos. E, seguindo essa defi nição, podemos distinguir também três tipos de alma: a vegetativa, cujos atos são a nutrição, o crescimento e a geração; a alma animal, cujos atos têm a ver com o sentir e, fi nalmente, alma humana, cujos atos são racionais.

A segunda defi nição diz assim: "A alma é o ato primeiro de um corpo natural que tem vida em potência" (ARISTÓTELES, Sobre a alma).

Em primeiro lugar, esse pensador diz que alma é o ato primeiro. O ato primeiro é o ato que constitui uma coisa, isto é, a forma substancial, aquilo mais perfeito da essência de uma coisa material. Se diz ato "primeiro" enquanto funda o ato "segundo", que são as operações. Em segundo lugar, fala-se de um corpo na-tural, isto é, um corpo que não é artifi cial. O artifi cial pode ter movimentos, pode raciocinar, porém, não tem alma, porque sua matéria não é orgânica, o artifi cial, como seu nome indica, é constituído pela arte humana. Em terceiro lugar, diz-se "que tem a vida em potência" enquanto se quer destacar a disposição do corpo-ral para exercer as ações vitais. A alma não pode ser alma se o corpo não está disposto, como se vê nos moribundos ou doentes terminais, quando não tem possibilidades de exercer os atos da vida.

Essa defi nição de alma explicita ou dá razão à primeira defi nição, quando nos diz que o princípio das operações, porque é ato primeiro, é a forma substancial do vivente. Porém, cabe ainda uma terceira defi nição, e é a seguinte: "A alma é de algum modo todas as coisas" (ARISTÓTELES, Da alma).

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Enquanto que na segunda defi nição a alma se fecha na carne, se oculta ao dar vida à matéria e, portanto, se limita a essa carne, a esses ossos, esta nova defi nição nos mostra que a alma é infi nita, isto é, está aberta a todo o real (SAN-TO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica). A alma, então, tem uma capacidade de infi nitude enquanto pode receber, pode hospedar inclusive ao mesmo tempo Deus, por isso se fala do homem como "capax Dei", está aberta ao absoluto.

Porém, essa infi nita abertura da alma, que a constitui em alma espiritual, envolve um risco, envolve o drama da alma. Porque enquanto é infi nita, a alma pode se perder, pode não encontrar seu sentido e cair em desespero. Seguindo Kierkegaard, podemos dizer que o desesperado é aquele que não é o que é, e é o que não é. O desespe-rado aparece como aquele que, graças a essa capacidade de ser tudo, não é nada (KIERKERGAARD, Tratado da desesperação). Vai de um lado para o outro, sem lugar próprio, sem destino fi xo. Assim, a infi nitude da alma pode ser seu fundamento, porém também seu abismo. (ETCHEBEHERE, 2008, p. 47-52, tradução nossa).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

REGIÕES ESSENCIAIS DO HOMEM6.

Max Scheler, no Capítulo II da obra A posição do homem no cos-mo, trata da diferença essencial que pode existir entre o homem e o animal. Para ilustrar o tema, ele formula as seguintes perguntas:

[...] não existiria em última instância mais do que uma diferença de grau entre o homem e o animal – ainda existiria então alguma diferença essência? Ou será que há ainda algo totalmente diverso no homem para além dos estágios essências até aqui tratados, algo que lhe adviria especificamente e que não é de maneira alguma tocado e exaurido através de noções tal como a de escolha e inteli-gência em geral? (2003, p. 34).

Sobre esses questionamentos, há duas teorias dominantes e muito difundidas:

A primeira é a que reserva a inteligência como constituti-• vo exclusivo do homem e a nega aos animais.

A segunda defende que não existe diferença essencial • entre o homem e o animal. Os defensores dessa última posição são os evolucionistas, como Darwin, Lamarck, Schwalbe e seus seguidores.

Scheler (2003), entretanto, não concorda com nenhuma das duas, por considerar que a essência do homem está acima da in-teligência e da faculdade de eleição. Observe o que ele escreve sobre o tema na obra A posição do homem no cosmos:

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A essência do homem –––––––––––––––––––––––––––––––––Surge agora, aqui, a questão decisiva para o conjunto do nosso problema: se a inteligência está já presente no animal, existirá ainda mais do que uma simples diferença de grau entre o homem e o animal – haverá também uma diferença de essência? Existirá ainda no homem algo de todo diverso que ultrapasse os estágios essenciais até agora abordados, algo de especifi camente humano, que seja irredutível e não se esgote com a escolha e com a inteligência em geral? É aqui que os caminhos se dividem de forma mais pronunciada.

Uns querem reservar para o homem a inteligência e a escolha, que recusam ao animal: reconhecem decerto uma diferença hiperquantitativa, mas situam-na a um nível em que, a meu ver, não existe nenhuma diferença essencial. Outros, sobretudo todos os evolucionistas da escola darwiniana e lamarckiana, rejeitam com Darwin, Schwalbe e W. Köhler uma diferença derradeira entre o homem e o animal, justamente porque este já possui também inteligência; religam-se assim, de alguma forma, à grande teoria da unidade do homem, que designo como a teoria do "homo faber" e, por conseguinte, não conhecem nenhum ser metafísi-co, nenhuma metafísica do homem, a saber, nenhuma relação distintiva, que o homem enquanto tal possuiria com o fundamento do mundo.

Pelo que a mim me toca, rejeito ambas as teorias. E afi rmo: a essência do ho-mem, o que se pode chamar a sua "posição peculiar", está muito acima do que se denomina inteligência e aptidão para a escolha; e não se chegaria lá, mesmo se estas faculdades se representassem ampliadas seja a que grau for e, inclu-sive, se intensifi cassem até ao infi nito. Mas seria igualmente errôneo imaginar a novidade, que faz do homem um homem, como um novo estágio essencial que se acrescenta aos anteriores: impulso afectivo, instinto, memória associativa, in-teligência e escolha – e como um novo grau das funções e aptidões psíquicas e vitais: o seu conhecimento respectivo dependeria ainda da competência da psicologia.

O novo princípio está fora de tudo aquilo que, no sentido mais amplo, podemos chamar "vida". O que somente do homem faz um "homem" não é um novo está-dio da vida em geral – nem sequer é um estádio da única forma de manifestação desta vida, da "psique" –, mas é apenas um princípio oposto a toda e a cada vida em geral, e também à vida no homem: um genuíno e novo facto essencial que, como tal, não se pode reduzir à "evolução natural da vida"; se a algo se reduz, é apenas ao fundamento supremo e único das coisas: ao próprio fundamento, de que a "vida" é apenas uma grande manifestação".

Os Gregos afi rmaram já semelhante princípio e chamaram-lhe "razão". Prefi ro utilizar uma palavra mais ampla; engloba ela o conceito de "razão" e, além do "pensamento por ideias", abarca também uma espécie determinada de "intuição" (Anschauung) – a intuição dos protofenômenos ou dos conteúdos eidéticos –, e ainda uma certa classe de actos volitivos e emocionais como bondade, amor, arrependimento, veneração, admiração espiritual, beatitude e desespero, a livre decisão: ou seja, a palavra espírito (Geist). Mas ao centro de actos, em que o espírito se manifesta no seio das esferas fi nitas do ser, caracterizamo-lo como "pessoa", em contraste incisivo com todos os centros vitais funcionais que, do ponto de vista interno, se chamam também centros "psíquicos".

Mas que é este "espírito", este princípio novo e tão decisivo?

Poucas palavras suscitaram, como esta, tantos abusos – uma palavra em que raramente se pensa algo de determinado. Se situarmos no topo do conceito de espírito a sua função particular de saber, o tipo de saber que só ele pode propor-

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cionar, então a determinação fundamental de um ser "espiritual", seja qual for a sua constituição psicofísica, é o seu desprendimento existencial do orgânico, a sua liberdade, a possibilidade que ele – ou o centro da sua existência – tem de se separar do fascínio, da pressão, da dependência do orgânico, da "vida" e de tudo o que pertence à "vida" – por conseguinte, também da sua própria "inteligência" pulsional.

Um ser "espiritual" já não se encontra, pois, sujeito ao impulso e ao meio, mas está "liberto do meio" e, como nos apraz dizer, "aberto ao mundo": semelhante ser tem "mundo". Pode, ademais, elevar a "objectos" os centros de "resistência" e de reacção do seu meio, também a ele originariamente dados, que só o animal possui e nos quais extaticamente mergulha; pode, em princípio, apreender o próprio ser-assim (Sosein) desses objectos, sem a limitação que este mundo ob-jectal, o seu carácter de dado, experimenta através do sistema pulsional da vida, bem como as funções e os órgãos sensoriais a ele submetidos.

O espírito é, pois, objectividade, determinabilidade pelo ser-assim das próprias coisas. "Tem" apenas um ser vital capaz de plena objectividade. Em termos mais incisivos: só um tal ser é "portador" do espírito, cujo intercâmbio principial com a realidade a ele exterior e consigo mesmo sofreu, em relação ao animal, uma inversão dinâmica, incluindo a sua inteligência.

Que "inversão" é esta?

No animal – seja ele de organização superior ou inferior – cada acção, cada reacção, por ele efectuada, inclusive a "inteligente", dimana de uma disposição fi siológica do seu sistema nervoso, à qual estão ligados, no plano psíquico, ins-tintos, impulsos motores e percepções sensíveis. O que para os instintos e para os impulsos não é interessante também não é dado, e o que é dado só é dado ao animal como centro de resistência relativamente ao desejo ou à aversão, isto é, como centro biológico. O primeiro acto do drama de um comportamento animal frente ao seu meio tem, pois, sempre o ponto de partida num estado psicofi sio-lógico. A estrutura do meio ambiente é aí, de modo exacto e pleno, "consistente-mente" conforme à peculiaridade fi siológica e, indirectamente, à natureza morfo-lógica do animal, e ainda à estrutura impulsiva e sensorial, pois elas constituem uma rigorosa unidade funcional. Tudo o que o animal pode advertir e apreender a partir do seu meio reside nos seguros limites e fronteiras da estrutura do seu meio. O segundo acto deste drama consiste em introduzir no meio uma modifi -cação efectiva, mediante uma reacção do animal na direcção do fi m almejado. O terceiro acto é assim a transformação do estado psicofi siológico.

A conduta animal desenrola-se, pois, sempre de acordo com esta forma: A[nimal]!M[eio]

Num ser que tem "espírito" ocorre absolutamente o contrário.

Ele – quando e na medida em que também, por assim dizer, se serve do seu es-pírito – é capaz de uma conduta que possui uma forma de decurso oposta. O pri-meiro acto deste novo drama, do drama humano, é o seguinte: o comportamento é "motivado" pelo puro "ser-assim" de um complexo intuitivo ou representativo elevado a objecto, e isto é, em princípio, independente da organização fi siológica e psíquica do organismo humano, independente dos seus impulsos motores e do aspecto exterior e sensível do meio, que justamente encontra neles a sua elucidação e recebe sempre uma certa determinação modal (óptica ou acústica, etc.). O segundo acto é a inibição livre, isto é, derivada do centro da pessoa, de um impulso motor, ou então, a desobstrução de um impulso motor antes retido (e de uma reacção correspondente). O terceiro acto é uma transformação, vivida

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como dotada de valor próprio e com carácter defi nitivo, da objectalidade de uma coisa. A forma de semelhante comportamento é a da "abertura ao mundo", da libertação do fascínio do meio ambiente:

H[omem] A[bertura ao mundo]!

Este comportamento, onde por constituição existe, é por natureza susceptível de uma extensão ilimitada – chega até onde se desdobra o "mundo" das coisas existentes.

O homem é, pois, o X que, em medida ilimitada, se pode comportar como "aberto ao mundo". A hominização (Menschwerdung) é a elevação à abertura ao mundo por força do espírito.

O animal não tem "objectos"; vive extaticamente imerso no seu meio que ele, qual caracol com a sua concha, transporta como estrutura para onde quer que vá – sem de tal meio conseguir fazer um objecto. Não consegue levar a cabo nem o afastamento peculiar, a distanciação do "meio ambiente" ao "mundo" (isto é, a um símbolo do mundo), de que o homem é capaz, nem a transforma-ção em "objectos" dos centros de "resistência" que os seus afectos e impulsos delimitam. Ser-objecto é, pois, a categoria mais formal da vertente lógica do espírito. Eu diria que o animal está por essência demasiado preso e absorvido na realidade vital, correlativa aos seus estados orgânicos, para alguma vez "ob-jectivamente" a conseguir apreender. O animal já não vive, decerto, de modo absolutamente extático no seu ambiente (como no seu meio mergulha o impul-so afectivo, insensível, privado de representações e inconsciente, da planta, sem qualquer ressonância interna dos estados peculiares do organismo); é, por assim dizer, restituído a si mesmo, graças à separação entre o sensório e o elemento motor e em virtude da permanente retroacção dos seus respectivos conteúdos sensoriais: possui um "esquema corporal". Frente ao meio, porém, o animal continua a comportar-se extaticamente – mesmo onde se conduz de modo "inteligente". E a sua inteligência permanece orgânica-impulsiva-pratica-mente vinculada.

O acto espiritual, tal como o homem o pode realizar, e contrariamente à simples retroacção do esquema corporal animal e dos seus conteúdos, está essencial-mente ligado a uma segunda dimensão e etapa do acto refl exo. Em resumo, chamaremos "concentração" a este acto, e chamá-lo-emos a ele e ao seu fi m, o fi m deste "concentrar-se", "consciência de si, própria do centro de actividade espiritual", ou "autoconsciência". O animal, diferentemente da planta, tem cons-ciência, mas não autoconsciência, como já Leibniz vira. Não se possui, não é senhor de si – e, por isso, também não é consciente de si mesmo.

Concentração, autoconsciência e capacidade objectivante da originária resistên-cia impulsiva formam, portanto, uma singular estrutura indissolúvel que, como tal, só ao homem pertence.

Com este tornar-se-consciente-de-si, com este novo recuo e centração da exis-tência que o espírito possibilita, surge igualmente a segunda característica es-sencial do homem. Graças ao seu espírito, o ser que denominamos "homem" pode alargar o ambiente circundante à dimensão do universo e objectivar as "re-sistências"; pode igualmente – e é o mais notável – transformar em objecto a sua própria constituição fi siológica e psíquica, cada "vivência" mental particular, cada uma das suas funções vitais. Só por isso é que semelhante ser pode também renunciar livremente à sua vida. O animal ouve e vê – mas sem saber que ouve e que vê. A psique do animal funciona, vive – mas o animal não é nenhum psicólo-go e fi siólogo! Devemos pensar em estados extáticos muito raros do homem – na

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hipnose plena, na absorção de certos venenos inebriantes, em certas técnicas de inibição consciente do espírito (ou seja, já com uma intervenção mental), por exemplo, cultos orgiásticos de toda a espécie – para, de algum modo, nos trans-ferirmos para o estado normal do animal. O animal também não vive os impulsos derivados das suas tendências como seus, mas como atracções e repulsas dinâ-micas, que derivam das próprias coisas do meio. [...]

O animal não tem uma "vontade" que sobreviva aos seus impulsos e à sua mu-dança e que, na alteração dos seus estados psicofísicos, possa garantir uma continuidade. Um animal chega sempre, por assim dizer, a um lugar diferente da-quele que originariamente "pretendia". Nietzsche é profundo e correcto quando diz que "o homem é o animal que pode prometer".

Há quatro graus essenciais em que aparece todo o existente, relativamente à sua interioridade (Innesein) e ipseidade (Selbstsein).

As coisas anorgânicas são de todo desprovidas de semelhante interioridade e ipseidade; também não têm centro algum, que onticamente lhes pertença; por-tanto, também nenhum medium, nenhum ambiente. O que neste mundo objec-tivo designamos como unidade, até às moléculas, aos átomos e aos electrões, depende exclusivamente do nosso poder de dividir os corpos realiter (do latim corpori realiter) ou, pelo menos, em pensamento. Cada unidade corporal anor-gânica só é tal relativamente a uma legalidade determinada da sua acção sobre outros corpos. Mas os centros inespaciais de forças, que suscitam o aparecimen-to da extensão no tempo, e que temos de colocar metafi sicamente na base das imagens dos corpos, são centros de pontos dinâmicos de acção interdependente e recíproca, em que confl uem as linhas de força de um campo. Um ser vivo, pelo contrário, é sempre um centro ôntico e modela "a sua" unidade espacio-temporal e a sua individualidade; estas não derivam, como nas coisas anorgânicas, da "nossa" actividade de unifi cação biologicamente condicionada. Ele é um X que a si próprio se delimita; tem "individualidade" – desmembrá-lo signifi ca aniquilá-lo, eliminar a sua essência e a sua existência. O impulso afectivo da planta possui um centro e um meio em que o ser vivo, relativamente aberto no seu crescimen-to, está mergulhado, sem réplica dos seus diferentes estados ao seu centro; mas a planta dispõe, em geral, de uma "interioridade" e, por isso mesmo, é "animada". No animal, a sensação e a consciência existem, e há nele um ponto central de retransmissão dos estados mutáveis do seu organismo, e também uma modi-fi cabilidade do seu centro mediante tal retransmissão: está, pois, já dado a si mesmo uma segunda vez. Mas o homem ainda o é uma terceira vez, em virtude do espírito: na autoconsciência e na objectivação dos seus processos psíquicos e do seu aparelho sensório-motor. Importa, pois, pensar a "pessoa" no homem como o centro que supera a oposição do organismo e do meio (SCHELER, 2011, p. 6-13).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

É importante expor que, no homem, o psíquico, com o orgâni-

co e o espiritual, integra um sistema superior, que é a estrutura hu-

mana. O psíquico, mesmo que alguns autores o denominem alma,

difere do espírito. Ainda sobre a alma, leia o quadro a seguir:

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Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Voltando ao problema, lembremo-nos mais uma vez de que, na psicologia em-pírica, o termo "alma" é utilizado para indicar os fenômenos psíquicos. Dessa forma, esse termo deixa de ter um conteúdo fi losófi co para ter uma aplicação prática (denota uma capacidade operativa). Na linguagem teológica, alma indica essa relação entre o homem e Deus; dizer que o homem tem alma é dizer que o homem foi criado por Deus, que é alguém diante do Criador. Para os clássicos, alma indica a forma substancial constitutiva da pessoa humana.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Sobre esse tema, você, além de outras obras, pode ler o Capítulo 2, intitulado "A vida", da obra O homem que é ele?, de B. Mondin.

Espírito

Gevaert (1995) explica que o termo "espírito" é um termo "complicado" por ser vago e impreciso. Muitas vezes, expressa um fenômeno vital concreto: hálito, e, outras vezes, um princípio exclusivamente humano: atman, pneuma, spíritus etc. No nível filosófico-antropológico, esse termo é empregado para simbolizar aquilo que é humano e que não pode ser reduzido a fenômenos materiais definidos pela causalidade ou pela realidade espaçotem-poral.

Como explica Royce (apud GEVAERT 1995, p. 140): "Denomi-na-se espiritual o sujeito que pode atuar sem depender intrinseca-mente da matéria. O espiritual não inclui uma dependência extrín-seca da matéria e sim intrínseca". Indica que a pessoa humana não pode ser compreendida unicamente desde a dimensão material por ser tanto material quanto espiritual.

Sabemos que o espírito é a dimensão constitutiva que dife-rencia o humano do resto da criação. O espiritual é a dimensão própria do homem e, embora seja a dimensão específica, não é a única dimensão, pois o homem é uma unidade e uma totalidade biológica, psicossocial e espiritual.

Filósofos e teólogos definem o homem como o resultado da imersão do espírito na matéria. A maioria defende a ideia de que

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não é imersão acidental e sim substancial e, a partir dessa caracte-rística ontológica, o homem é uma pessoa espiritual.

Veja, a seguir, um pequeno texto sobre a diferenciação entre psique e espírito.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––A Antropologia Filosófi ca diferencia psique de espírito. O termo "espírito" indica uma autoconsciência de si mesmo. As manifestações espirituais ou próprias do ser humano são: compreensão do sentido, prefi xação de metas, fi ns, ideais e capacidade de atuar por cima dos condicionamentos de qualquer tipo por ser o espírito uma substância sem limites materiais ou espaciais.

Em sua antropologia, Scheler (2003) destaca o conceito de que o espírito é uma potência que complementa e direciona as outras potências (as biológicas e as psicológicas) presentes no ser humano.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Evolução do espírito na pesquisa filosófico-antropológica

Para Platão, o espírito era um princípio autônomo. Aristóte-les, corrigindo a posição do mestre na teoria da forma e matéria, define-o pelo sentido do telos, que significa "fim".

Para Aristóteles, a matéria é informada, ou seja, recebe for-ma, o que lhe confere sentido, finalidade. Cada coisa é como é porque foi feita inteligentemente. O material precisa de uma força não material para formar o homem: o espiritual.

Aristóteles salva, dessa forma, a unidade, corpo-espírito, ante a ideia dualista de Platão. Mesmo assim, continua a concep-ção de que o espírito se caracteriza por possibilitar o conhecimen-to do mundo e das essências.

A concepção escolástica defende a ideia de que a alma hu-mana (interprete-se como espírito) necessita das potências que operam por meio dos órgãos corporais, e que, unidas naturalmen-te, conceituam o ser humano (estando o espírito perante a vida). Pelo poder do espírito, o homem pode dizer não ao meio, aos im-pulsos. Para esses pensadores, pessoa é a realidade substancial composta de corpo e alma.

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Os pensadores modernos como Hegel interpretam o espírito como uma obra cultural realizada na história, como evolução da maté-ria corpórea. Por esse caminho, perde-se a singularidade da pessoa.

A Antropologia Filosófica contemporânea defende como princípio que o que caracteriza a pessoa espiritual é a capacidade que possui para se distanciar da dimensão psicofísica, esse "sair de si". Essa característica o converte em um "ex-sistente". Como explica Heidegger a expressão "o homem ex-siste" não esta diri-gida a explicar se o homem é real ou não, responde à questão da essência do homem. "A essência reside na sua exsistencia, isto é aquilo que se apresenta com 'ser ai'".(HEIDEGGER, 1967, p. 50). Enquanto que a existência está relacionada com a concretude.

O sujeito espiritual é único por ser irredutível ao mundo e aos outros. Por ser espiritual, o ser humano é sujeito diante do mundo.

Na Antropologia do século 20, predomina a ideia de que as duas dimensões humanas, corpo e espírito, atuam em conjunto, mas, deixando suas diferenças ontológicas aparecerem, nunca se con-fundem; o espírito é o não físico.

Corpo

O corpo, assim como o espírito, não é um sistema comple-to. Ambos, corpo e espírito, formam partes, como subsistemas de uma estrutura superior: a pessoa humana. Sobre o corpo, pode-mos destacar as seguintes concepções:

O corpo coloca a pessoa dentro dos organismos vivos; 1) existimos como corpo.

O corpo é expressão, comunicação. 2)

Pelo corpo, a pessoa tem identidade. 3)

O corpo permite a existência física e, na existência, a 4) pessoa aperfeiçoa-se.

Pelo corpo, o espírito pode ter consciência do mundo.5)

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O corpo da pessoa representa muito mais que o organismo. Enquanto o organismo sintetiza o orgânico, que é uma forma par-ticular, o corpo é o elemento constitutivo de uma realidade com-pleta: a pessoa humana, bio-psíquica-espiritual.

O corpo é uma parte constitutiva do homem concreto por es-tar inserido dentro do mundo evolutivo. Pensemos, por exemplo, que a obstrução de uma artéria do coração ou do cérebro pode acabar com toda a perfeição que emana do espírito imaterial. As-sim, sem o espírito, o homem não seria homem, seria como as má-quinas que parecem perfeitas, mas não são únicas – ao contrário, são reproduções feitas em série, que não têm alma. O homem é um ser que pensa e que sabe que pensa, que come, que sente von-tade, que quer ser feliz, que precisa do outro, das orientações, da proteção, do amor, que tem sonhos e ideais e que, um dia, morre.

HOMINIZAÇÃO7.

O termo "homem", ou hominis, não indica somente um grau diferente dentro da escala zoológica; ele sugere alguma coisa mais. Quando se pensa o homem, um dos questionamentos mais comuns é: "de onde ele surge?".

Sabemos que, pela reprodução sexuada, herdamos de nos-sos pais o quadro cromossômico. Dessa união, surge um novo ser, que, produto da gestação, vai ter uma carga genética dos pais e, também, vai ser um novo eu. Mas por que "novo eu"? Porque esse sujeito que espreita o mundo é uma figura nova, com uma reali-dade própria. Como os seus pais, esse novo eu vai possuir uma existência particular, unitária, intransferível e indivisível. Esse ser humano é, portanto, único.

A escolástica chama de haecceitas o princípio de individua-lização. Nessa explicação muito simples, acabamos de descrever uma hominização filogenética. Entretanto, há outra, paralela, cha-mada ontogênica, que é caracterizada pela infusão do espírito.

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Aristóteles diz que o espírito vem do exterior (thyrathen). O que sabemos é que o espírito é constitutivo do ser humano, afinal, ninguém carece dele, nem tem dois ou mais. O ato repro-dutivo possibilitou a hominização e esse ser humano novo está composto de:

Uma dimensão corporal caracterizada pela herança.•

Uma dimensão psíquica alinhada pela herança e trabalha-• da pela educação (influência do meio cultural).

Natureza do homem

O homem tem uma natureza que é universal a todos os homens.

Entretanto, ele não é uma realidade estática, pois o homem concreto

é um ser dinâmico que forja sua personalidade na existência.

A inteligência instrumental, ou seja, o uso do pensamento

como instrumento, não é particular do homem, afinal, ela é co-

mum a todos os primatas superiores. O que é propriamente huma-

no é a capacidade de individualizar as coisas como meio para satis-

fazer necessidades e perceber as essências dos entes, das coisas.

Uma vez que o homem é o único ser que possui essa capacidade,

ele se sente um ente separado da natureza.

O homem é um animal, mas, diferentemente dos outros

animais, não se sente produto da evolução da vida e não se sen-

te somente natureza. Biólogos, como Portmann e Gehlen (apud

FRANKL, 2003), afirmam que o homem não tem um lugar definido

dentro da natureza e não possui um desenvolvimento orgânico de-

terminado. Ele é livre diante do meio.

A pergunta que se refere ao nascimento da espécie humana

tem, hoje, respostas controversas. A maioria das informações

disponíveis é baseada em descobertas de restos mortais, que estão,

muitas vezes, aos pedaços e sem o entorno cultural. Partindo dos

dados disponíveis sobre o aparecimento dos primeiros mamíferos,

vamos falar em pelo menos 200 milhões de anos, e o Homos

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Erectus, que, talvez, seja o nosso antecedente ou ancestral mais

direto, é mais novo.

Somente um ser em particular caracteriza-se por estar aberto a outros seres. Esse ser é o homem, que possui uma consciência, que tem a particularidade de apreender a forma dos outros seres.

Leia agora uma reflexão sobre a evolução do homem e a sua diferenciação dos outros animais:

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Afi rma-se que o homem nasce como uma folha em branco, e que a sociedade o modela. Esse conceito evolucionista provém de pensadores como Köhler e ou-tros. Os evolucionistas modernos, como G. G. Simpson, defendem que o homem tem atributos essenciais próprios que o diferem dos animais. Até Darwin, que colocou o homem dentro da escala zoológica animal, descreveu características psíquicas próprias, como a de refl etir sobre seu passado e elaborar abstrações mentais, como símbolos, em que a capacidade mais elaborada é a da linguagem, seguida pelo sentido de beleza e pelo senso de religião, por ser o homem um animal cultural e social. A Antropologia Cultural descreve as alterações do habitat baseando-se em estudos de povos primitivos e, assim, comprovando que existe uma enorme variedade de costumes, valores etc.

O grande questionamento da Antropologia Filosófi ca é se existe alguma caracte-rística que seja comum a todos os homens e que, portanto, não tenha sido her-dada durante o período da evolução. Uma visão explicativa do interior humano leva-nos a concluir que existe algo que se destaca do puramente sensitivo e do anímico: o princípio espiritual, que é de natureza diferente da matéria. Há, em nós, conhecimentos e atos psíquicos que são comuns a todos os animais, como sentir dor, sofrer etc., mas somente o homem pode dar sentido ao sofrimento. O homem tem a capacidade de transcender seus atos e converter-se em objeto de suas refl exões. O animal é um ser realizado dentro de seus instintos, já o homem transcende o espaço temporal.

As características humanas denotam a existência de um Centro Espiritual ou Alma Espiritual. Esse centro dá independência diante do meio e do corpóreo. O espírito não é um agregado, pois o espiritual determina o somático. Desse modo, o homem sem espírito não é homem, como também é impossível imaginar um animal com espírito, pois este não seria o animal que conhecemos, seria ontolo-gicamente outra coisa, talvez uma criatura parecida com os extraterrestres dos fi lmes de fi cção.

A discussão sobre o fato de a "hominização", ou infusão do espírito, ter sucedido de um processo longo de evolução ou de a criação ter sido imediata não muda nada a essência do homem e o que lhe é inerente por direito.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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PARALELISMO "PSICOFÍSICO"8.

A Antropologia Filosófica apoia-se no princípio de que há, no homem, uma unidade vital, uma unidade ontológica que envolve o corpo e a psique. Como seres humanos, possuímos o eu, que nos confere identidade. O eu é o nome do comando interno que uni-fica, a partir do centro da pessoa, as ações dos extratos biológico, psicológico e espiritual. O eu converte a vida psicofísica numa vida de caráter espiritual e, portanto, única.

Como se produz essa relação denominada paralelismo psico-físico? Há duas correntes principais de interpretação do denomi-nado paralelismo psicofísico. Observe:

A primeira diz que a consciência (portanto, o espírito) não • passa de um epifenômeno, trocando o paralelismo por uma reação de causa-efeito. Nessa concepção, tudo de-pende do aparato psíquico e a causa radica na estimu-lação do sistema nervoso. Tudo é explicado a partir da matéria. O comportamento espiritual é, desse modo, re-sultado do cérebro.

A outra admite um estreito paralelismo entre o sistema • nervoso e o espírito. O corpo físico diferencia-se da ati-vidade espiritual da mesma forma que o espírito se di-ferencia do aparelho psíquico. Cada um tem caracteres próprios. São, por isso, protofenômenos.

As duas interpretações gerais apresentadas vêm desde a filo-sofia grega primitiva. No princípio, os gregos pensavam a alma como forma do corpo e, mais tarde, começam as doutrinas espiritualistas.

Santo Agostinho e, anteriormente, Platão, concebem uma alma incorpórea. Já Demócrito, Epicuro e os estoicos (pais do ma-terialismo) reconhecem a alma como composta por átomos.

Hoje, há variadas e diferentes interpretações derivadas des-sas duas formas de concepção antropológica. Sem chegar a uma análise intensiva, lembremos as principais:

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Dualismo Espiritualistaa) : esse sistema filosófico afirma que o corpo (matéria) e a alma (imaterial) são duas subs-tâncias irredutíveis e com caracteres próprios de cada uma delas.

Idealismob) : corrente de pensamento que nega a existên-cia objetiva do mundo exterior. Isso significa que a única realidade que existe é a do nosso espírito. Autores como Bruno, Berkeley, Fichte, Schelling e Hegel empregam a palavra "idealismo" em diferentes matizes, ainda que todos considerem que a realidade do mundo externo depende de nossas mentes.

Panteísmoc) : Baruch Spinoza (1632-1677), pensador de orientação marcadamente cartesiana, une os princípios propostos por Descartes com as concepções de origem hebreias, como a Cabala, e os conceitos escolásticos provenientes das obras de Suárez. Em sua filosofia, de orientação panteísta, ele interpreta a realidade de forma racionalista e mecanicista. Em sua obra Ethica Ordine Ge-ometrico Demonstrata, Spinoza afirma que o homem é um ser em Deus, o que é diferente do conceito de "rela-ção com Deus". Deus, para esse autor, é a natureza toda. Para entender melhor esse tema, é importante analisar a seguinte parte da obra citada:

À essência do homem não lhe pertence o ser da substância, a subs-tância não pode constituir a essência do homem porque o ser da substância corresponde unicamente à "existência necessária". [...] a mente humana é parte do entendimento de Deus, que se explica pela natureza da mente humana (SPINOZA, 2002, p. 2).

"Spinoza, dessa forma, só aceita uma única substância, que iden-tifica como a natureza de Deus" (CARVALHO, 1992, p. 231). Aqui está a explicação do porquê de esse autor ser qualificado como panteísta.

Materialismod) : oposto ao espiritualismo, afirma que o es-pírito é uma função do cérebro. O argumento principal do materialismo surge da lei da conservação da energia e da matéria, que trabalha no domínio do físico.

Doutrina cristãe) : é a da infusão do espírito no primeiro momento da vida orgânica. Com o Cristianismo, surge, como dogma, a imortalidade da alma, ou seja, a ideia da

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salvação desta após a morte do corpo. Na esfera filosófi-ca, essa ideia cristã de infusão do espírito é, no primeiro momento, defendida por Leibniz. Para ele, cada corpo tem uma enteléquia, dominante, e a morte é o começo de uma nova vida.

G. W. Leibnizf) (1646-1716), intelectual herdeiro dos filó-sofos antigos, do pensamento escolástico e da ciência da Renascença, concebe a substância como mônada. Essa forma supera o conceito de substância como algo inde-pendente, como pensava Descartes e Spinoza. Leibniz conclui, então, que a noção de pessoa tira o homem do plano natural de ser uma coisa a mais do mundo. Para ele, o homem é alma.

Idealismo Transcendentalg) : Kant, que defende a imorta-lidade da alma ao reconhecer que existe uma base para a lei moral. Concebe a ideia da existência de Deus como criador do soberano bem, a base necessária para essa lei moral.

Quando Frankl (1978, p. 80-81) trata o problema da relação corpo-alma, escreve o seguinte:

Sabem as senhoras e os senhores que do ponto de vista problemá-tico-histórico, se nos deparam três teoremas fundamentais no que concerne ao problema corpo-alma: a par da teoria da ação recípro-ca, a teoria da identidade, bem como a do paralelismo "psicofísico" [...]. A título de antecipação: fica de uma vez estabelecido que o so-mático e o psíquico não podem se reduzir um a outro, nem podem derivar-se um do outro.

Citando Nicolas Hartman, escreve: Nicolas Hartman, em Der reale aufbau der welt (Berlim, 1940, p. 428), afirmou: "Quem quer explicar a vida orgânica pelas forças mecânicas e pelas relações de causa e efeito, quem quer apreender a consciência pelos processos físicos, ou o ethos do homem pela lei psíquica do ato, choca-se contra a lei da propriedade das camadas. Assim, o que pertence a uma camada é transferido para a outra camada mais evoluída".

Temos assim quatro camadas que formam o ser: as camadas do físico, do orgânico, do psíquico e do espiritual. Jasper ensinou: "En-tre os fenômenos não-orgânicos da natureza e a vida, entre vida e a consciência, entre a consciência e o espírito, abre-se um abismo instransponível" (FRANKL, 1978, p. 80-81).

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Cabe, após essa explanação da realidade material e espiri-

tual, investigar o centro convergente de toda a realidade humana,

seu eu (ego). Vejamos!

SUJEITO9.

Já explicamos que as principais questões sobre a existência

humana giram em torno da existência pessoal, o núcleo que sus-

tenta a existência (o ego, o eu). Esses termos mostram o atributo

de unicidade que é característica do ser humano.

Na pessoa, há uma unidade, ou núcleo, que é comum a toda

pessoa humana. Porém, a pessoa de cada um não é uma máqui-

na fabricada em série, pois, como já mencionamos, cada pessoa é

única. Desse modo, o "eu" responde a certas características:

O sujeito é único, não existem dois sujeitos com os mes-•

mos atos humanos. Todos os atos psíquicos respondem a

um eu real e único.

Também há uma coincidência entre o sujeito que pensa-•

va anteriormente e o sujeito que pensa neste momento.

Há uma identidade histórica com o tempo. Eu pensava

ontem e eu penso hoje e, mesmo que meu pensamento

tenha pontos de vista diferente, sou eu quem mudou. No

conjunto ontológico, entretanto, a relação se mantém. O

eu é consciente de si mesmo e de sua atividade.

O eu, núcleo da pessoa

Coreth (1998) explica por que cada um de nós se sente um

eu. Esse ponto central do ser humano, que aqui denominamos eu,

é um espaço de liberdade e responsabilidade em que o homem

pode dispor de si mesmo. Sem cair no egocentrismo, podemos

afirmar que o eu é o centro do mundo do homem.

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Rabuske (2003, p. 69) coloca a pergunta: "O que significa esse termo (eu)?" e explica, em seguida, que ele pode significar duas coisas:

eu centro;•

eu totalidade.•

O primeiro, o "eu centro", podemos situar na experiência de "eu penso", "eu conheço". Nós experimentamos e reconhecemos esse eu por meio de cada ato que executamos. Já o segundo, o eu totalidade, é realizado na interação com o mundo. No intercâmbio com o mundo que não é ele, o ser humano atua como uma totali-dade; é consciência e é corpo de forma conjunta.

Núcleo espiritual: o homem incondicionado

Viktor E. Frankl (2003) explica o homem como um ser incon-dicionado e afirma que nenhuma condição o determina de tal for-ma que, a partir dela, possa ser definido totalmente. Desse modo, a condicionalidade o condiciona, porém, não o constitui.

Conheceremos, a seguir, o que esse autor diz sobre a consti-tuição do homem:

A ontologia do homem não está referida ao "homem que é" e sim ao ser humano mesmo. Por outro lado a ciência (ôntica) contempla o "homem que é", contempla-o condicionado seja no biológico, no psicológico, no sociológico. A ontologia conhece além da facticida-de humana.

À condicionalidade fática se opõe sua incondicionalidade facultati-va, contida na dimensão espiritual (FRANKL, 2003).

Note que Frankl chega a essas conclusões partindo de uma análise fenomenológica baseada nos atos humanos e destaca a existência de um núcleo, ou centro espiritual, que é responsável pela unidade do somático, do psíquico e do espiritual. Sua teoria, portanto, baseia-se na premissa de que o espírito é o que individu-aliza o ser humano.

O ser humano é uma unidade e, também, uma totalidade. Tudo no homem está sujeito à sua condição ontológica de pessoa

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porque há uma "governabilidade" espiritual, o que significa que o homem não é um ser biológico, psicológico ou espiritual, mas sim a união substancial desses estratos.

Pela pessoa espiritual-existencial, o ser humano é "in-divíduo". Assim, o que individualiza a existência humana é a coexistência des-sa unidade antropológica.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––O "núcleo espiritual", ou "eu centro", não é cognoscível, pois a razão humana não consegue chegar ao centro ontológico que caracteriza o eu.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Como acabamos de ver, para V. Frankl:

O homem não é um ser composto pela soma do corpo-a) ral, do anímico e do espiritual; ao contrário, ele é uma totalidade: corpóreo-anímico-espiritual.

O homem conhece a realidade partindo de si mesmo, do b) eu. Ele não pode conhecer esse eu-centro de forma dire-ta. Esse centro espiritual não é cognoscível diretamente, o que converte o homem num mistério.

O homem como existência é c) devir justificado pela di-mensão de liberdade.

O homem é condicionado pelo d) psíquico-físico no modo de ser, porém, ele é capaz de se determinar por ser es-piritual.

A pessoa humana, categoria que não é adquirida, visto e) que é constitutiva, é produzida pela transcendência e possui uma escala de valores dentro de um universo de sentido e significado.

DIMENSÃO MUNDANA DO SERBIO!PSÍQUICO! 10. !ESPIRITUAL

Vimos os extratos que compõem o ser humano: o biológico, o psicológico e o espiritual, os quais estão claramente diferencia-dos na natureza humana. É natureza do homem o biológico, bem

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como o somático, toda a carga genética herdada e todas as ações motivadas pelos instintos. Entretanto, nem tudo pode ser conside-rado natureza no homem. O componente espiritual, por exemplo, não pode ser enquadrado dentro dessa realidade.

Como Max Scheler (2003) destaca, a dimensão espiritual é aquela que permite que o homem se eleve por cima do físico e do psicológico, ou seja, da natureza, permitindo que ele atue com total independência. Esse autor explica, também, que as notas di-ferenciais do ser humano são a inteligência e o dinamismo, que lhe permitem projetar-se para horizontes que estão além do instinti-vo, conferindo-lhe independência e liberdade de atuação ante os condicionamentos físicos.

Essa dimensão humana que acabamos de descrever, deno-minada espiritual, tem seu lugar no mundo como parte integrante do ser humano, porém, não é nem mundana, nem espacial como o corpo, nem temporal como a psique. O espírito é potência e tem como manifestação a consciência reflexa, a compreensão do sen-tido, a previsão de futuro e a prefixação de metas (LUCAS, 1996). Por ser espiritual, o ser humano é um ser de liberdade aberto ao mundo e atua como uma unidade indissolúvel.

O filósofo Diógenes, autor de Apolíneas, emprega, em suas obras filosóficas, a expressão Antrophine Physis, ou seja, nature-za humana, para diferenciar o homem dos outros seres (BURGOS, 2007). Outro conceito de natureza essencialmente humana que deve ser destacado por seu peso no pensamento universal per-tence a Aristóteles. Como o resto dos pensadores gregos, o filóso-fo desconhecia o conceito de pessoa, mas, mesmo assim, define o homem como o ser mais perfeito da natureza por ser racional (BURGOS, 2007).

Essas reflexões aristotélicas, bem como as platônicas, che-gam à Filosofia Medieval e são "adaptadas" para coincidir com o dogma da criação. Para isso, a união entre corpo e alma deixa de ser pensada como um acidente e toma um caráter pessoal.

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Cada indivíduo possui uma alma individual, que constitui a intimidade pessoal. A noção de pessoa diferencia o ser humano dos outros seres individuais e seu conceito está baseado na uni-cidade, na racionalidade e na vontade livre. Cada pessoa tem sua própria realidade pessoal e posiciona-se de forma livre e autôno-ma na hora de tomar suas próprias decisões.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Juan de Sahagun Lucas (1930), autor de obras como El Hombre¿Quién es?, Nuevas Antropologias del siglo 20, Las Dimensiones del Hombre, entre outras, desenvolve um estudo completo sobre o homem. Nele, descreve três dimensões: cósmica, sócio-pessoal e transcendente, baseando-se em três princípios: vitais, psíquicos e espirituais.

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OS ATOS HUMANOS11.

Há, no ser humano, condições a priori que o diferenciam do resto dos seres e que são responsáveis por seu comportamento. A Antropologia Filosófica é a área do conhecimento que busca esta-belecer quais são as condições universais que existem por trás de toda experiência humana.

Estudar o homem como totalidade não é uma tarefa fácil. Buber (1976) explica que, se colocarmos o homem como objeto do conhecimento, "cristalizaremos" somente uma instância do eu, e, consequentemente, esse momento que está sendo estudado não representará o verdadeiro eu, que já não é mais o mesmo. Como diz Lucas (1996), o homem deve ser estudado "em presença". Não é possível colocá-lo como objeto do conhecimento se a intenção é a de estudá-lo em sua totalidade.

SER SOCIAL 12.

O homem é composto, como já explicamos, pelas regiões psicológica, biológica e espiritual e atua como uma unidade. É, an-tes de mais nada, um eu. O ser humano não é nem espírito, nem

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matéria, nem psique separadamente, pois suas dimensões consti-tutivas são irredutíveis. O homem é uma peça só e essa particula-ridade faz da vida humana uma realidade única.

Olhando para o ser humano, podemos afirmar que todos os homens têm a mesma natureza potencial e que ela é inseparável da influência cultural. Mondin explica que todo homem é um ser cultural e alerta:

O homem não é um edifício pré-fabricado que basta simplesmente montar, como hoje se faz com as coisas, bancos e escolas. Ele deve se construir com suas próprias mãos, cultivando a si mesmo. O objetivo primário da cultura é promover a realização da pessoa (MONDIN, 1998, p. 116).

Todas as culturas têm traços similares porque são produto do homem e, como ele, também são caracterizadas pela diversi-dade. A cultura abraça todo o ser humano, envolvendo sua razão, sua vontade e sua liberdade enquanto condições subjetivas neces-sárias para continuar sendo produzida. O ser humano é tão artífice quanto beneficiário da cultura.

PESSOALIDADE E PERSONALIDADE: PARTICIPAÇÃO 13. DO TU

Para configurar sua personalidade, o ser humano precisa do suporte, ou seja, da cooperação que as outras pessoas proporcio-nam. Contudo, a mesma coisa não acontece com a pessoalidade, já que o ser humano é dotado dela. A pessoalidade é uma con-dição pessoal própria porque existe uma origem, uma realidade prática. O homem nasce como pessoa potencial.

A pessoalidade é uma característica básica do ser humano, ao nas-cer o ser humano nasce com sua pessoalidade, mas a personalidade ainda não está presente. O ser humano é pessoalidade expressada em ato e possui uma personalidade em potência, que vai se desen-volver com os atos realizados pelo eu. "O ser humano é sempre o mesmo (pessoalidade) sem ser sempre o mesmo (personalidade)" (ZUBIRI apud LOPEZ QUINTAS, 1995, p. 89).

Vejamos, agora, o surgimento da personalidade.

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Surgimento da personalidade

O biólogo e filósofo Gelhen (apud CABADA, 1994) diz que o homem, ao ser comparado, no plano biológico, com o animal, é um "ser defeituoso", pois a cria que precisa de mais tempo de cuidados para prosperar e para poder ser independente é a do ser homem. Para esses defeitos, segundo o autor, há um antídoto: o amor. Receber amor (ser amado) é fundamental para a criança que aparece no mundo.

Segundo Cirulnik (2004), revelações baseadas em fatos em-píricos têm demonstrado que a falta de amor na primeira idade chega a comprometer não só o desenvolvimento da personalida-de, mas também os aspectos fisiológico e biológico.

Observe que o homem não nasce com condições físicas e existenciais prontas para estar no mundo. Ele nasce, por assim dizer, com os alicerces prontos, e, a partir daí, da fundação, vai erguer a estrutura do que vai ser a pessoa futura. Esse movimen-to dependerá, em grande parte, do amor que recebe do outro. Esse importante fato antropológico pode ser constatado nas obras de pensadores, de biólogos, de psiquiatras etc. O homem é consi-derado um "ser de carência" pelo biólogo Gehlen (apud CABADA, 1994); por isso, sua vida futura dependerá do modo que será rece-bido pela família construtora – O termo construtora, empregado por Gehlen (apud CABADA, 1994), tem seus antecedentes históri-cos na Antiguidade greco-latina).

Nascimento sociológico

O homem é um ser essencialmente social. Logo depois do nascimento, do parto que nos colocou fora do útero materno, con-tinuamos dependendo de algo; não do útero, que teve a função de auxiliar a mãe a "dar à luz", mas do cuidado de alguém. Essa de-pendência pode ser traduzida como a necessidade de uma segun-da "gestação", não de caráter biológico como a primeira, e, sim, sociológico e cultural.

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Informação complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Referindo-se à indigência humana, Portmann (apud CABADA, 1994), um investi-gador que auxilia V. Frankl em seu pensamento, demonstra que o homem passa por uma espécie de "parto prematuro fi siológico". A sua tese assinala a defi ciên-cia humana ante a segurança instintiva e a especialização do animal.

J. Rof Carballo, na obra Rebelión y futuro, escreve: "a mãe dá duas vezes a vida, a primeira no momento de dar a luz ao fi lho e a segunda quando a mãe possibilita o 'nascimento' (leia-se surgimento) do espírito do fi lho concebido, no trato, na dedicação, com ternura" (CARBALLO, 1970). Essa etapa é alcançada dando amor, carinho e cuidando. É importante que, paralelamente, aconteça o necessário processo de separação, que possibilitará o entrosamento do novo eu no meio social.

A segunda gestação, considerada extrauterina, é responsável pela plenitude do ser, visto que a prematura pessoa não tem meios para surgir por si só, conforme pretendia o idealismo. Essa evidência leva à comprovação de que só é possível ser pessoa em relação com o outro, uma das regras de ouro da Antropologia Fi-losófi ca. O amor é o que possibilita o surgimento da pessoa e vai acompanhá-la, como energia orientadora, pelo resto de sua vida. O tu, inicialmente a mãe, vai possibilitar a vida pessoal.

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Está provado fenomenologicamente que a personalidade e a subjetividade surgem do amor procriador. Se, na primeira etapa da existência, faltasse o amor do outro e a criança fosse deixada a sua própria sorte, ela poderia perecer ou, talvez, sobreviver à morte física, mas, nesse caso, ficaria exposta a uma desestruturação de sua personalidade (TOMÁS DE AQUINO, 1990).

As ações boas fazem-nos crescer em direção ao ser. Os vícios e a soberba afastam-nos do ser, colocando-nos na direção do não ser.

O homem é constituído pela matéria e pelo espírito e esses coprincípios formam o ser humano, que traz consigo o princípio ou a orientação para o bem. Contudo, essa orientação não é de-terminante. Em outras palavras, devemos escolher entre perfei-ção e degradação. Essa realidade confirma a característica de ser "contingente" que acompanha o homem. Por ser contingente, o homem não goza de toda a perfeição; ele está pendurado entre a racionalidade e a irracionalidade.

O ser humano não é auto-ssuficiente, não chega ao mundo pronto, é um ser em permanente construção de sua personalidade. Por sua qualidade de ser social, precisa das outras pessoas, a relação

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com o outro, com o tu, é fundamental para levar adiante a existência pessoal. O homem não é um ser solitário, é um ser de alteridade, sua vida desenvolve-se em comunhão com os outros sujeitos (ou-tros eus) no mundo. Aqui, explica-se a importância da educação.

A educação é um processo social que possibilita o contato com todo o patrimônio cultural das gerações anteriores, sendo vi-tal para o desenvolvimento da personalidade. Durante a vida, a pessoa permanece aberta a novos desdobramentos e descober-tas, ganhando qualidades novas. Segundo Hoz (1993), a formação da personalidade implica um aperfeiçoamento intencional, que acontece mediante a verdadeira educação, que, por sua vez, im-pulsiona o processo de personalização, possibilitando o desenvol-vimento das potencialidades próprias da pessoa.

O SUJEITO ABERTO AO MUNDO14.

A philosofia perennis ou prima philosophia, concordando com a realidade bio-psíquico-espiritual do indivíduo, explica o processo de conhecer pela via dedutiva, indo sempre do físico para o meta-físico. Esse processo está aberto aos novos avanços no caminho da verdade que, com o tempo, vão se abrindo. Essa filosofia não é ou-tra coisa senão a via para a apreensão inteligente e real do ser.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Atualmente, há uma retomada desses princípios fi losófi cos. Neles, apoia-se a es-cola fenomenológica contemporânea, concretizada por E. Husserl, que arranca a possibilidade de poder defi nir o ser, partindo da intuição da essência que está presente em cada realidade, independentemente das circunstâncias empíricas que revestem o fato. Para esse pensador, os princípios lógicos supremos não se referem ao pensar, e, sim, à coisa pensada, ou seja, aos objetos.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Observemos, a seguir, um esquema que mostra como com-preendemos o mundo. O tomismo está dentro da ciência escolás-tica que, por sua vez, está apoiada em três graus diferentes de abstração da realidade:

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Quando a inteligência percebe a realidade material por • meio da experiência sensível, abstrai o ser material (ou ser móvel, na terminologia escolástica). Pertencem a essa etapa o conhecimento empírico do ser e os conhecimen-tos da Filosofia Natural.

Ultrapassando o ser material da primeira abstração, fica • em evidência a dimensão de quantidade, como, por exemplo, os conceitos matemáticos.

Superando toda a materialidade do ser, a inteligência cap-• ta o ser enquanto ser. Essa terceira abstração é a que pos-sibilita a percepção do bem.

Não podemos pensar no tomismo como um sistema filosófico fe-chado, terminado. Ele é um sistema dinâmico, pois a inteligência está continuamente descobrindo novos aspectos do ser.

O sujeito cognoscente e o objeto cognoscível estão ligados um ao outro, condicionam-se reciprocamente e unem-se pela in-tencionalidade. Pelos sentidos, conhecemos o objeto por meio de sua forma acidental (alto, baixo, grande, pequeno, com tal cor, com tal cheiro). Com os sentidos (vista, ouvido, tato etc.), captamos o objeto como ele é, sem intermediações ou imagens. Por isso, nes-sa primeira etapa, fala-se em intuição.

A essência ou forma essencial universal do objeto é apreendi-da pela inteligência. Esta, por meio dos atos dos sentidos, desvela o ser (descobre sua verdade; por isso, falamos em percepção do bem). Esse processo não é intuitivo, mas, sim, abstrativo. Por ser de natu-reza espiritual, a inteligência pode conhecer o imaterial contido no objeto e é capaz de captar o ser ou a essência das coisas materiais.

Assim, olhando para o esquema, é fácil perceber que o ho-mem interage com o mundo por meio de sua constituição bioló-gica (sentidos, conhecimento intuitivo), psicológica (forma como chegam as sensações) e espiritual (o processo abstrativo desenvol-vido pela inteligência).

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Cultura

Sabemos que, onde existe o homem, existe a cultura. Todos os homens tiveram, têm e terão uma cultura que os diferencia do meio ambiente.

O homem não é só o sujeito de cultura, é, também, seu ob-jeto. Ele, por exemplo, não come qualquer coisa, pois, pelo menos em condições normais, aprende o que deve comer; por isso, entre uma e outra cultura, os tipos de alimento podem variar. O homem aprende, ainda, normas morais para poder viver em sociedade, regras de boa conduta e de comportamento social, ofícios, cultu-ra etc. A educabilidade é uma exigência ôntica, afinal, nascemos inacabados, mas potencialmente perfeitos, embora necessitemos aprender a desenvolver nossas potencialidades.

Homem, ser cultural

O homem é moldado pela cultura. Colocado dessa forma, pare-ce que todos os atos humanos são produto da cultura, mas não é bem assim. O homem é um ser que transcende as coisas e, também, a si mesmo. Ele tem liberdade sobre o fático e é o único ser que não fica preso no condicionamento biológico, podendo superá-lo. Entretanto, ele também está situado e faz parte da realidade social e histórica.

O ser humano precisa da contribuição dos outros seres huma-nos, pois nem sua estrutura biológica nem sua estrutura psicológica estão preparadas para que ele atue de forma isolada. Lembre-se de que o homem é, ontologicamente, um ser em comunhão. Em seu nascimento, chega ao mundo dos homens que o antecederam e, de-les, recebe como herança o contexto social, no qual vai desenvolver sua capacidade e tentará alcançar a perfeição.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––O homem espiritual, pela intervenção do entendimento, descobre os fi ns por que-rer. O fi m principal é o Bem Universal ou Bem Comum. Contudo, mesmo sendo um ser espiritual, o homem pode não perceber corretamente o Bem Comum, fi xando-se em fi ns subordinados ou em bens particulares que encontra no curso de sua vida. Isso acontece porque a vontade é livre e, o juízo, variável.

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS15.

Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta unidade, ou seja, a natureza biológica-psicológica-espiritual que caracteriza o ser humano. Este que é espírito encarnado ou corpo espiritualizado. Lembrando sempre de que não podemos pensar no ser humano como matéria, separando, assim, o espírito, por-que, sem querer reiterar nossas afirmações, somos espírito encar-nado ou corpos espiritualizados, ou seja: somos uma unidade.

A partir que foi exposto nesta unidade, você pôde perceber que o conceito de homem não se reduz a um dualismo (corpo e alma), tampouco a um monismo (corpo=alma).

Poderíamos afirmar resumidamente que: corpo e alma são unidades irredutíveis – parece que sempre reaparece a ideia de que espírito é o contrário de matéria. Esse conceito por si só não serve para nada se a intenção é esclarecer qual é a dimensão espi-ritual. O homem é uma unidade indissolúvel formada pelo extrato biológico, psicológico e espiritual. Cada dimensão é um subsiste-ma do núcleo que compõe a pessoa humana.

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

Reflita sobre a seguinte afirmação: 1)

O dualismo é uma concepção que está sempre presente na concepção antro-pológica.

Assinale a resposta INCORRETA:

A posição de Santo Tomás é clara: o homem não pode ser explicado como a) a união de duas partes: a orgânica e a espiritual. Para os clássicos, o ser humano é uma reunião substancial desses dois princípios (um opera em relação ao outro).Na obra de Tomás de Aquino, fica evidente a importância da unidade es-b) sencial do homem. É conhecida a expressão de Tomás de Aquino sobre a matéria: est principium individuationis, que indica que o que determina a individualidade no homem é a matéria (totalidade biológica), sendo este seu constitutivo essencial.

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Qualquer forma de dualismo antropológico (como a de Platão ou de Des-c) cartes) é refutada pelos investigadores atuais da Antropologia Filosófica.O dualismo é uma concepção que está sempre presente na antropolo-d) gia grega. Os filósofos "pitagóricos gregos" (Platão, Aristóteles, Zenão, no período seguinte Agostinho, os escolásticos etc.) pensavam a alma separada do corpo. Esta, que era imortal, vinha do céu e caía na Terra para entrar no corpo, ao qual ficava atada. Por isso, eles buscavam, com a "liberação do corpo", o "retorno".

Gevaert (1995) explica que o termo "espírito" é um termo "complicado" por 2) ser vago e impreciso. Muitas vezes, expressa um fenômeno vital concreto, "hálito", e, outras vezes, um princípio exclusivamente humano, "atman", "pneuma", "spiritus" etc. Sobre esse tema, assinale a resposta INCORRETA.

O espírito é a dimensão constitutiva que diferencia o humano do resto a) da criação. O espiritual é a dimensão própria do homem. Aristóteles diz que o espírito que vem de fora é thyrathen.Os pensadores da antropologia filosófica contemporânea, como Scheler, b) Mondin e J. Jolif, defendem que o corpo, como o espírito, são sistemas completos. Ambos, corpo e espírito, são substâncias concretas. São muitos os teólogos que definem o homem como o resultado da imer-c) são do espírito na matéria. A maioria defende a ideia que não é imersão acidental e sim substancial, e, a partir dessa característica ontológica, o homem é uma pessoa espiritual.A Antropologia Filosófica contemporânea defende como princípio que o d) que caracteriza a pessoa espiritual é a capacidade que esta possui para se distanciar da dimensão psicofísica, esse "sair de si".

O homem tem uma natureza que é universal a todos os homens. Entretanto, 3) ele não é uma realidade estática, pois o homem concreto é um ser dinâmico que forja sua personalidade na existência. Partindo dessa reflexão, analise as alternativas seguintes e indique a única que a complementa corretamente.

Desde Santo Tomás, os pensadores cristãos defendem que todos os ho-a) mens nascem como uma folha em branco, sendo que a sociedade os modela.Ao ler o conteúdo da unidade, podemos afirmar que existe algo que se b) destaca do puramente sensitivo e do anímico: o princípio espiritual, que é de natureza evolutiva.As características humanas denotam a existência de um Centro Espiritual c) ou Alma Espiritual.

Viktor E. Frankl4) (2003) explica o homem como um ser condicionado e afirma que é o resultado da reunião de vários fatores que respondem a leis – como a da causalidade, a da semelhança etc.

Você considera que o ser humano, para configurar sua personalidade, pre-5) cisa das outras pessoas ou que, pelo contrário, por ser espiritual, ele é in-dependente onticamente e todo o processo é de sua exclusiva responsabi-lidade?

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Gabarito

Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-toavaliativas propostas:

d.1)

b.2)

c.3)

Resposta: 4)

Para configurar sua personalidade, o ser humano precisa do suporte, ou seja, da cooperação que as outras pessoas proporcionam.

CONSIDERAÇÕES16.

Ao longo desta unidade, levantamos o problema da diversidade cultural e colocamos, como caminho de explicação, a necessidade de investigar o homem, que é sujeito no processo da geração da cultura.

A Antropologia Filosófica trabalha com a concepção de que todos os homens têm a mesma natureza. Então, por que existe a pluralidade cultural? Os antropólogos culturais, para explicar esse fato, desenvolveram diferentes teorias. Algumas delas são: o evolucionismo, o funcionalismo, o estruturalismo etc. Como você pôde notar, a Antropologia Filosófica focaliza essa realidade a par-tir do homem como sujeito da cultura.

Assim, nas próximas unidades, vamos continuar a discussão desses assuntos. Quando você estudar as propriedades essenciais do ser humano (a liberdade, a historicidade e a dimensão trans-cendente, com a capacidade intelectual e a vontade livre), anali-sará por que o homem, como indivíduo, vive num meio humano sustentado pela cultura, enquanto, como pessoa, distingue-se de tudo o que não é ele (e de todos).

Estudamos ainda que, por trás de toda filosofia, há uma con-cepção de homem. A visão de homem na história vai desde o ho-

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mem como ser de dignidade até o homem como ser de utilidade, passando por todos os níveis intermediários, como, por exemplo, homens vivendo em comunhão com o meio e com os outros ho-mens; homens explorando o meio e vivendo um individualismo social; e homens sendo explorados sem nenhum controle sobre o mundo e suas vidas.

A Antropologia Filosófica entende que o homem é uma uni-dade indissolúvel, um ser que não pode caber em nenhum redu-cionismo.

E�REFERÊNCIAS17.

Sites pesquisados

SCHELER, M. A situação do homem no cosmos. Diferença essencial entre homem e animal. Tradução Artur Morão. 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/scheler_max_dieferenca_entre_homem_e_animal.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2012.

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HOZ, V. G. Introducción general a una pedagogía de la persona. Madrid: Rialp, 1993.

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HUGON, E. Las veinticuatro tesis tomistas. México: Porrúa, 1974.

HUME, D. Do suicídio e outros textos póstumos. Florianópolis: Nephelibata, 2003.

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MONDIN, B. Definição filosófica da pessoa humana. Bauru: Edusc, 1995.

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SPINOZA, B. Ética demonstrada à maneira dos geometras. 2. ed. Tradução de Tadeu Thomaz. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

TOMAS DE AQUINO. Suma contra os gentios. Porto Alegre: Sulina, 1990.

______. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2002.

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EAD

Características daPessoa Humana, Constitutivos Essenciais 3

OBJETIVOS1.

Identificar os níveis ontológicos do ser humano e desen-• volver uma reflexão sobre as características ou dimensões centrais da existência.

Reconhecer a liberdade como um conceito intersubjetivo • e entender a estrutura de relação que é própria do ser humano.

Estabelecer debates sobre a importância da relação com • o outro.

CONTEÚDOS 2.

Liberdade da Vontade, característica central da existência • da pessoa humana.

Dimensão intersubjetiva: alteridade e unicidade.•

Valor e sentido.•

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ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE3.

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

Para dar continuidade a seus estudos, é importante que 1) não fiquem dúvidas para trás. Por isso, sugerimos que, se necessário, retome os conteúdos vistos até o momento.

Para ampliar os conhecimentos sobre um dos temas cen-2) trais da unidade, o tema liberdade e sentido existencial, você pode ler: Psicoterapia e sentido da vida, obra de V. E. Frankl; A essência do homem, de E. Coreth e O mundo da pessoa, de Guardini Romano, entre outras obras. As bases desse princípio você encontra na Summa Theologi-ca de Tomás de Aquino, Livro I, e na Ética a Nicômaco, de Aristóteles. Não se esqueça de anotar suas reflexões!

Para aprofundar seus conhecimentos sobre a realação 3) eu–tu, leia a obra de M. Buber, Que é o homem?, que descreve essa estrutura dialogal e a faz sua principal tese. Esse livro é uma das obras básicas da Antropologia Filosófica.

A Filosofia de Lévinas também foi sempre um eco em direção ao 4) outro – a ética Lévinas sempre se reporta ao outro. Para ampliar seus conhecimentos sobre esse tema, leia de LÉVINAS, Emmanuel, Ética e infinito. Lisboa: Edições 70, e Entre nós: Ensaios Sobre a Alteridade. Trad. Pergentino Stefano Pivatto. Petrópolis: Vozes.

Ao pesquisar, você não impõe fronteiras em sua aprendi-5) zagem e pode construir um conhecimento amplo e pro-fundo sobre o assunto consultado. Sugerimos, portanto, que você leia as obras citadas no tópico Referências Bi-bliográficas.

Juan De Sahagun Lucas6) nasceu em Rollán (Espanha), em 1930. Doutor em Filosofia, filologia e Letras, é professor da Universidade de Salamanca. Além disso, é autor de obras fundamentais para o estudo e para o desenvolvi-mento da Antropologia Filosófica, dentre as quais pode-mos citar: Alcances Significativos del Lenguage Humano sobre Dios (1975), Antropologia del Siglo XX (1983), e El Hombre ¿Quién es? (1988).

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127© Características da Pessoa Humana, Constitutivos Essenciais

INTRODUÇÃO À UNIDADE4.

Sabemos que o homem tem como característica destacar-se do meio. Como indivíduo, vive num meio humano sustentado pela cul-tura, porém, como pessoa, distingue-se de tudo o que não é ele (e de todos). No ser espiritual, podemos destacar duas capacidades princi-pais: capacidade intelectual e vontade livre. Afirmar que a vontade é livre no homem equivale a afirmar que ele possui um princípio que lhe possibilita levar adiante o seu projeto de vida de forma autônoma.

CATEGORIAS PARA COMPREENDER O HOMEM5.

As categorias servem para descrever a estrutura humana, pertencem ao ser, são ontológicas. Você já estudou as Categorias Universais do ser? Viu, portanto, que Aristóteles falava em oito categorias e as definia como predicados, e também explicava que elas têm um sentido lógico e ontológico.

O filósofo comprometido com o estudo da Antropologia Fi-losófica, observando o homem na existência e tendo em vista as categorias universais do ser, destaca as condições universais que possibilitam as experiências humanas (as categorias). Estas nunca são estabelecidas a priori nem podem ser produto da experiência; surgem do contato com as experiências humanas, são princípios racionais baseados em leis do entendimento.

Alteridade

A categoria alteridade permite descrever uma das dimen-sões essenciais do ser humano; sua necessária vinculação com os outros "eus". O homem não é um ser fechado em si mesmo. Se ele se fecha, desaparece, já que em seu constitutivo o ser humano é um ser aberto à sociabilidade e a comunidade.

O ser humano necessita de comunicar-se com o outro e tam-bém de ter contato com o mundo. Sua finitude e sua dificuldade

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para compreender a multiplicidade da verdade o obrigam ao diálo-go ao intercâmbio. Para um homem só, a tarefa de desenvolver as ciências seria fantástica, como seria fantástico educar a consciên-cia moral sem uma orientação, sem acompanhamento.

Lévinas alerta para o fato de que a singularidade do outro, sua liberdade, nunca deve perder-se nem deve ser desrespeitada, nunca devo pretender dispor do outro:

O absolutamente Outro é Outrem; não faz número comigo. A co-letividade em que eu digo "tu" ou "nós" não é um plural de "eu". Eu e tu, não são indivíduos de um conceito comum. Nem a posse, nem a unidade do número, nem a unidade do conceito me ligam a outrem [...]. Ausência de pátria comum que faz do Outro – O Es-trangeiro que o perturba em sua casa. Mas o Estrangeiro quer di-zer também o livre. Sobre ele não tenho poder, porquanto escapa ao meu domínio num aspecto essencial, mesmo que eu disponha dele: é que ele não está inteiramente no meu lugar. Mas eu, que não tenho conceito comum com o Estrangeiro, sou tal como ele, sem gênero. Somos o Mesmo e o Outro. A conjunção e não indica aqui nem adição, nem poder de um termo sobre outro (LÉVINAS, 2008, p. 25-26).

Esse movimento contínuo de intercâmbio, referido no texto principal, sucede sem que se perca sua individualidade e sem que se amalgame com o entorno.

Unicidade

Quando você estuda os delineamentos da Antropologia Filo-sófica, lê, com frequência, definições como esta: a pessoa é "subs-tância", uma substância concreta que existe em si mesma. O que significa dizer, pois, que a pessoa é uma substância?

Pode-se dizer que a pessoa é ela mesma quanto mais di-ferente ela é, quanto mais peculiar em relação aos outros seres humanos, ou seja, quanto mais indivisa seja e mais forte seja a presença do seu núcleo espiritual.

Ser pessoa significa ter autonomia racional para atuar de for-ma independente, ou seja, ser dona de seus atos morais, poder ser um perante o mundo.

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Portanto, para ser pessoa, o ser precisa:

Ser um – desde uma perspectiva ontológica. •

Ser único diante dos seres da natureza e das outras pessoas.•

Como diziam os escolásticos, a pessoa é: indivisum in se et divisium a quolibet alio, ou seja, a individualidade ontológica é a que possibilita a personalidade.

A seguir, leiamos um pouco sobre a intersubjetividade.

Informação Complementar –––––––––––––––––––––––––––– M. Buber (1976), em Que é o homem?, descreve um dos fenômenos mais impor-tantes do homem; a relação com o outro, que ele chama intersubjetividade. Esse fenômeno sempre é destacado pelos pensadores da fi losofi a personalista e feno-menológica. A intersubjetividade é uma experiência comum a todos os homens, e Nunzio Galantino (2003), na obra Dizer o homem hoje, a denomina experiência originária. A reciprocidade está relacionada com a dimensão transcendente, é uma orientação ética para o tu. Nasce da dimensão ontológica e é uma categoria constitutiva da pessoa. Encontra sua explicação na relação (beziehung), no en-contro com o outro (begesnung). O eu não existe em si mesmo, como pretendiam na modernidade, o eu sempre está em relação com um tu e, também, com o "ele" (as coisas do mundo). O que provoca a alteridade é a presença do espírito que é originária do homem, cada um existe no mundo em relação ao tu, o eu está aberto ao tu. O eu, ontologicamente irredutível, constitui-se na relação com o tu. O homem precisa do tu. O homem forma parte da sociedade como pessoa, o ho-mem, mesmo dentro da sociedade, é livre para perseguir sua plenitude e a socie-dade, como conjunto dos homens, é um meio para esse aperfeiçoamento. Numa descrição antropológica do ser homem, então, é possível afi rmar que: por possuir espírito, é um "eu", tem consciência de si próprio, se conhece e se sabe diferente do tu e do ele, pelo espírito tem consciência de ser um sujeito e que deve estar no mundo compartindo sua existência com outros sujeitos; é um indivíduo, mas forma parte de uma sociedade que é a soma das individualidades.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A esse respeito, podemos, ainda, dizer que: para a Antro-pologia Filosófica, essas duas categorias (unicidade e alteridade) são fundamentais para entender o homem. Pelo comportamento, deduz-se que a estrutura dialogal é constitutiva do ser humano, com base numa disposição espiritual. Alguns autores descrevem outras categorias. J. Y. Jolif (1969, p. 149-154), por exemplo, des-creve cinco categorias ou estruturas formais para conhecer o ser humano no nível filosófico. São estas:

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Alteridade.1)

Diferenciação.2)

Dialética.3)

Metafísica.4)

Totalidade.5)

O importante na hora de pensar o ser humano é que ele ama, fala, troca ideias, projetos, é solidário e "dialogal" na existên-cia com os outros "eus" e coisas do mundo.

Essa concepção de homem é contrária à ideia de ser indivi-dualista, que o neoliberalismo e linhas de pensamento positivista defendem hoje. A estrutura dialogal do homem é uma condição necessária da existência humana, a própria existência vem acom-panhada da compreensão do outro como ex-istente, como sujeito. A concepção individualista está tão arraigada no pensamento que o próprio Heidegger, ícone existencialista, considera que o eu não está para o tu e sim com seu próprio ser, o do Dasein (HEIDEGGER, 2001). O outro não aparece em sua antropologia em relação dialo-gal. Quando diz que o ser-no-mundo é um ser com os outros, não enxerga o outro como seu próximo e sim como outro.

Sobre esses temas, sugerimos a leitura da seguinte obra: Antropo-logia Filosófica, de Vaz H C L, livro II, cap. II.

LIBERDADE6.

Por nossa condição espiritual, somos seres dotados de liberdade.[...] a propriedade de um ser espiritual é sua independência, liber-dade ou autonomia essencial perante os contratempos e pressão do orgânico da vida [...]. Tal ser espiritual não está limitado pelos impulsos e o meio, é aberto ao mundo (SAHAGUN 996, p. 146).

A liberdade é uma característica central da existência: supõe que a pessoa, ainda que ligada ao mundo pelo corpo, não está con-dicionada, como o animal, pelos impulsos. Não depende exclusi-

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vamente das pulsões, do patrimônio genético, do meio social, das características históricas. Em outras palavras, não está determina-da pelas forças da natureza. Como diz V. Frankl (1995, p. 111): "O homem é o ser especial que possui contínua liberdade de decisão, apesar de todos os vínculos". As pulsões existem, mas de forma "pensada"; a genética está presente, mas de forma assumida.

A pessoa, por ser espiritual, atua sabendo o que está fazen-do e, especialmente, podendo concordar ou não segundo o juízo da razão.

A liberdade da vontade é a possibilidade de construir-se de que o homem dispõe; é uma propriedade específica, pertence ao próprio ser. Não é uma característica adquirida, social; é consti-tutiva do ser homem; nunca é uma imposição, é por si mesma; o homem é livre porque não pode ser de outra forma ou não seria um ser humano. Como diz Sartre (2009, p. 42): "O homem está condenado a ser livre, condenado porque não se criou a si próprio e no entanto é livre pelo fato de que está no mundo".

Pela liberdade, o homem pode planificar e executar a idealiza-ção de sua vida. Ninguém, nem o próprio Deus, pode posicionar-se no lugar do homem e decidir por ele.

Na liberdade, está radicada a possibilidade de realização ou de fracasso do projeto pessoal. A pessoa, pela liberdade, sente-se capaz do progresso, da realização do humanismo, de ser mais do que ela sempre foi. Mesmo depois do mais terrível fracasso, da mais completa alienação, continuamos a ter uma consciência livre palpitando dentro de nós.

Mesmo ante tal cenário de onipotência e império, variados são os impedimentos da liberdade: há os impedimentos psíqui-cos e, também, a possibilidade de que indivíduos que não estejam enfermos careçam de liberdade – são aqueles que se deixaram alienar. Por que sucede isso? Porque, em qualquer desses casos, o espírito não consegue expressar-se, fica impedido de se atuali-zar. Octavio Dirisi (1985) explica que a liberdade no sentido estrito

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consiste no autodomínio da vontade sobre sua própria atividade, em poder querer ou não alguma coisa, em poder escolher entre esta ou outra coisa.

O termo liberdade acompanha o termo homem, é uma con-dição considerada por praticamente todas as correntes de pensa-dores que estudam o homem:

Os kantianos veem na liberdade a ideia suprema para al-• cançar a perfeição. Concebem-na iluminada pelos ditados da razão prática. Nessa concepção, a vontade fica subme-tida à moral decorrente dessa razão prática, e os princípios da razão prática devem ser de plena realização, sem espe-rar nenhuma recompensa. Esse momento é reconhecido pelo pensamento kantiano como "de total liberdade".

Os materialistas são rígidos ao extremo na defesa da liber-• dade do homem. Nesse ponto, coincidem com os existen-cialistas, que são ainda mais radicais na hora de conceber a liberdade. Sartre, que, olhando Nietzsche, adere à não existência de valores absolutos, vê na própria liberdade o fundamento para o sentido e o valor. O ponto máximo da liberdade é, para o existencialismo, possibilitar a liberdade dos demais. Para Sartre, os valores são projetos que o ho-mem propõe baseados no que ele quer ser sem poder pen-sar que exista um futuro e sem necessidade de um prin-cípio caracterizador. Diferentemente dos materialistas, ele rejeita qualquer princípio naturalista. Para ele, o homem transcende as estruturas naturais e as verdades anteriores, tudo deve ser produto de sua liberdade (SARTRE, 2003).

As posturas mais radicais sobre a ontologia da liberdade, como a sartreana, argumentam: não existem determinismos no homem, sempre é possível agir de outra maneira.

Na perspectiva antropológica, Sartre não crê em determinis-mo teológico, biológico ou social. Como escreve na obra O exis-tencialismo é um humanismo, que contém as principais ideias da

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conferência que deu em Paris em 20 de outubro de 1945: nela expressa as ideias de que nem Deus, nem a natureza, nem a so-ciedade determina absolutamente nossas possibilidades, predis-pomos nossa conduta na mediação da liberdade (SARTRE, 2009, ps. 31,36, 43, 55, 77). Esse autor considera que o homem é um ser "para-si", ou seja, que não tem uma essência definida antecipada-mente, nunca é resultado de uma ideia preexistente; o homem é um fazer-se contínuo, "Somos o que temos querido ser e sempre poderemos deixar de ser o que somos" (2009, p. 61).

Segundo Sartre, só o homem é o responsável pelo que é. Essa responsabilidade não está restrita ao âmbito individual, e, sim, corresponde à totalidade da humanidade. Quando decidimos pelo casamento, aceitamos seguir a monogamia. Sempre que ade-rimos a uma ideia política ou a um ideal, estamos tomando partido de uma forma de humanidade. Sartre explica: "Se Deus não existe, não há valores ou ordens que modelem nossa conduta. Estamos sós, o homem é o ser condenado a ser livre" (2009, p. 42-43). No mundo (na existência), o homem é responsável por tudo o que faz ou deixa de fazer; ele é o único responsável por suas paixões, pela moral que adota. "Não há signos no mundo que digam ou indi-quem o que devemos fazer" (2009, p. 50).

Para esse pensador, os fins que perseguimos não são dados nem do exterior nem do interior, não existe nenhuma suposta na-tureza, é na liberdade que cada um se escolhe; cada "Para-si" tem a liberdade de fazer de si o que quiser.

[...] o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio e no entanto é livre pelo fato de estar no mun-do. Assim o homem começa a existir para logo, na sua existência, definir-se (2009, p. 42-43).

O primeiro princípio do existencialismo sartreano é: o ho-mem é o único ser que pode ser tal como ele se quer. Segundo o autor como não temos uma natureza ou essência, não estamos de-terminados; como não escolhemos ser livres, não somos livres de deixar de ser livres (2009, p. 60-63). A liberdade é tão importante

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nesta antropologia porque ela é o fundamento de todos os valo-res. Também é princípio de responsabilidade: "Querer a liberdade é respeitar a liberdade do outro" (SARTRE, 2009, p. 77). O homem de boa fé procura a liberdade pela liberdade.

Mesmo defendendo que o homem deve obrar de forma hu-mana em relação à humanidade, que está representada por ele próprio e pelos outros homens, para executar sua liberdade, essa "liberdade" proposta por Sartre é totalmente autônoma. Nesse ponto, é criticável, já que a verdadeira liberdade não existe se não está orientada à perfeição, à humanização e à plenitude do próprio ser humano – caso contrário, pode ser uma "libertação". Liberda-de está sempre acompanhada pelo vocábulo "responsabilidade". A seguir, um excerto de Sartre, veja como o filósofo francês inter-relaciona a liberdade e a responsabilidade pela liberdade.

Existencialismo é um Humanismo ––––––––––––––––––––––Dostoievski escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido". Eis o ponto de partida do conceito de liberdade sustentado pelo existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, mas o homem está desampa-rado porque não encontra nele próprio nem fora dela nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essên-cia, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e defi nitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos, valores ou ordens prontas que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem na nossa frente, o reino luminoso dos valores transcendentes, não podemos apelar a nenhuma justifi cativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. O existencialismo não acredita no poder da paixão. Ele jamais admitirá que uma bela paixão é uma corrente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a determinados atos, e que, conseqüentemente, é uma desculpa. Ele considera que o homem é responsável por sua paixão. O existencialista não pensará nun-ca, também, que o homem pode conseguir o auxílio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que é o próprio homem quem decifra o sinal como bem entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o homem a cada instante. Ponge escreveu, num belíssimo artigo: "O homem é o futuro do homem" (SARTRE, 2011, p. 6).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Vamos continuar analisando o que é liberdade para enten-der plenamente essa passagem.

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Liberdade para e liberdade de

Não podemos falar em "liberdade total", já que todo ato requer um limite, mesmo assim a liberdade é aquela realidade que permite que o homem não sucumba ante o destino genético, psicológico, biológico, social ou histórico. Não há liberdade sem condição ética, não há liberdade sem responsabilidade. Já que a liberdade, por ser da pessoa, supõe sempre uma dimensão inter-pessoal, o homem é sempre um eu no mundo com outros "eus", situação essa que exige reciprocidade de condutas, porque a liber-dade supõe um sentido.

Pela liberdade, dimensão essencial, o homem é considerado um sujeito de responsabilidades e direitos. Caso contrário, seria uma coisa dirigida. Mesmo assim, você é livre: pode ser responsá-vel ou não.

A liberdade é condição do ser racional e com vontade. O ser humano é o único com possibilidade de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, e, portanto, de praticar atos pensados, deliberados. De assumir responsabilidades. Justamente na dinâmica entre liber-dade e responsabilidade é que o ser humano possui a capacidade de mudar, de transformar sua vida e sua forma de ver o mundo.

Liberdade não pode significar indeterminismo, como diz Bento XVI na homilia na festa do Corpo de Deus, 22.5.2008:

Deus criou-nos livres, mas não nos deixou sós: Ele mesmo se fez 'caminho' e veio caminhar conosco, para que a nossa liberdade te-nha também um critério para discernir a estrada certa para percor-rer (BENTO XVI, 2008)

O termo liberdade na sociedade atual tem correspondência com a ideia de liberum arbitrium ou livre arbítrio – termo utilizado pelos pensadores antigos do cristianismo que conforma um dos pontos fundamentais da teologia cristã.

Somos livres para atuar. Porém, a liberdade deve ser vista como um caminho para progredir em direção à plena humanida-de, o que possibilita uma sociedade justa e equitativa. Desse prin-

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cípio, surge o conceito de "Liberdade para", que corresponde ao ideal de poder assumir a própria responsabilidade para conceber uma sociedade justa, regida por leis justas, sem limitações para as potencialidades que são próprias da pessoa e concordantes com a ordem do ser.

Não é sempre que o homem pode exercer, de forma autô-noma, sua "liberdade para". Historicamente, debate-se entre alie-nação e subjugação. Muitas vezes, na história, o homem somente teve a possibilidade de vivenciar uma liberdade pessoal de forma privada, interior, sem poder estendê-la no campo das realizações humanas, que é o seio da sociedade.

A "liberdade para" não pode ser interpretada como "liberda-de de", que é sinônimo de uma libertação, que não possui o mesmo suporte de sentido. Nem como a "experiência de liberdade psico-lógica" que experimentamos quando escolhemos entre diferentes marcas, diversos estabelecimentos, ou profissionais. A "liberdade de" nos abre para o mundo, mas se a interpretamos como liberdade completa ela pode nos levar a executar, de forma arbitrária, a mo-ral individual. Esse foi o caso da maioria dos ditadores do mundo, que, longe de dotar de sentido a existência de quem a exerce ou a sofre, altera a ordem moral e provoca consequências existenciais totalmente negativas pela óptica humana. A "liberdade para" é a ferramenta de que o homem dispõe para forjar seu destino, nunca é condição para estabelecer um mundo arbitrário (FRANKL, 1978).

Para o cristianismo, o homem aperfeiçoa-se atuando porque é livre. Agostinho de Hipona diferencia entre libertas (liberdade radical) e liberum arbitrium (que significa liberdade da vontade), tendo iniciado desde essa perspectiva o caminho para o estudo da liberdade psicológica e a liberdade de consciência que é própria do homem. Tomás de Aquino baseia a liberdade na racionalidade, ou seja, em decidir ou não agir de uma determinada forma, depen-dendo da apreciação. "A raiz de toda liberdade está constituída na racionalidade" (LUCAS, 1996, p. 204).

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Para uma melhor compreensão do tema aqui abordado, va-mos analisar o que Juan de Sahagun Lucas, na obra Las Dimensiones del Hombre, escreve sobre liberdade e indeterminação.

Juan de Sahagun Lucas estuda a liberdade em três aspectos:

Fenomenológico. •

Metafísico. •

Antropológico. •

Na dimensão fenomenológica, diferenciam-se dois concei-tos parecidos, mas de características diferentes: indeterminação e liberdade.

"Indeterminação" refere-se a um conceito negativo de não dependência teleológica, não necessidade. Cria uma sensação psi-cológica de liberdade, mas não liberta.

O segundo termo (liberdade) é um conceito positivo que sig-nifica viver as potencialidades de forma consciente e assumida. Atuar com liberdade é fazer sabendo o que está sendo feito e para que está sendo feito.

O conceito de liberdade mostra-se no exercício da vontade durante o percurso da vida pessoal. O homem, complementa Juan de Sahagun Lucas, exerce sua liberdade como existente quando realiza, a partir da consciência, ações sem a obrigatoriedade de agentes externos (LUCAS, 1996). Isso concorda com o conceito de liberdade presente na obra Ética, de Spinoza. Sobre a liberdade, ele afirma:

Diz-se livre a coisa que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e que por si só é determinada a agir. E diz-se necessá-ria, ou melhor, coagida, aquela coisa que é determinada por outra a existir e a operar de maneira definida e determinada (Ética, Pri-meira parte, Def. 7).

Essa afirmação leva em conta que o homem é um "ser cor-porizado", que está no mundo e, portanto, nasce com determinis-mos. Que não pode prescindir de contribuição e participação do outro; pensemos que todos nós precisamos de um guia e de bons

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exemplos no campo espiritual. Essas situações existenciais não re-presentam uma coerção do nosso ser livre.

Liberdade leva a ter dignidade, ambas são constitutivos essen-ciais da pessoa humana. O homem, pela dimensão espiritual, é livre e pode sobrepor-se a todas as situações de determinismo, situar-se por cima delas e atuar em relação a cada uma, mas o homem não está li-vre dos condicionamentos do mundo, é livre para tomar uma posição diante deles e, nesse ponto e escolha, radica sua responsabilidade.

Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Porque estamos no mundo e porque realizamos nosso projeto pessoal nele so-mos movimentados por impulsos que, segundo Jung (2005), são produto de mi-lhões de anos de evolução. Baseado nesse postulado, esse psicólogo descreve o problema do "inconsciente coletivo", o que defi ne como "o sedimento da expe-riência universal de todos os tempos, é portanto uma imagem de mundo que se formou há muitos anos (eocenos)". Imagens depositadas no cérebro sobre dife-rentes acontecimentos psíquicos nos impulsionam a ter prejuízos, medos e, até, alguma forma de angústia. Por outro lado, somos motivados por sentimentos e paixões que, muitas vezes, desafi am o pensamento lógico, a razão. Em algumas pessoas, esses componentes psíquicos impossibilitam o desenvolvimento e não lhes permite atuar livremente. Nessa mesma ordem estão as necessidades cor-porais que o homem precisa satisfazer para sobreviver. Mas esse conjunto de ca-racterísticas é só uma pequena parcela das motivações humanas, a pessoa não se aquieta como o felino depois de ter comido e bebido, suas necessidades são essas e outras, o objeto convida constantemente o homem a descobrir coisas novas, os bens particulares estão sempre despertando algum grau de interesse, um livro, um poema, a visão da pessoa amada, compaixão, autossuperação, são o combustível que impulsionam a vontade em direção a um objetivo. Tam-bém não é uma verdade absoluta que todo objeto externo leve o homem para o caminho da constante superação. Na sociedade tecnológica contemporânea a pessoa é estimulada ao consumo, à voracidade, ao sexo, ao individualismo, a ter e a possuir. Esses estímulos são veiculados pelos meios de difusão, TV, revistas, cinema etc., são provocados pela propaganda e promovem uma atitude passiva, levam à massifi cação, à perda da individualidade etc., desembocam em estados de ânimo que têm como consequência o tédio, a falta de sentido e, como diz V. Frankl (1995, p. 89-119), acabam em crises noéticas (existenciais), porque esses bens não são o bem que promove o sentido verdadeiro, são realizações passa-geiras e alheias à nossa natureza. O homem "normal", pelo poder de oposição do espírito, pode tomar uma atitude porque, como diz Hartmann (apud. Frankl, 1995), a liberdade do homem é uma liberdade apesar da dependência.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Sobre esse tema, sugerimos a leitura da obra: Antropologia Filosó-fica, de E Rebuske, cap. III.

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Liberdade e sentido existencial

O que dá sentido à existência é a capacidade espiritual que possibilita lutar por uma causa nobre, um ideal, uma ilusão. Esse movimento de sentido tem relação com a "liberdade para".

Podemos, em outras palavras, assim entender:

O homem é livre para o bem, para a verdade, para concre-• tizar suas realizações dentro de um projeto de vida, esse é o caminho que liberta.

Existe no homem uma direção para o bem, para os valores, • para o sentido, e o homem é livre para segui-la ou não. Observando o animal, vemos que ele está determinado por leis naturais, que vão das muito rígidas até as mais adap-táveis. Já o ser humano não tem limites infranqueáveis, é capaz até de imolar-se por um ideal de liberdade.

A liberdade é um constitutivo antropológico da pessoa, é ante-rior à ação. Como a pessoa tem a capacidade de ordem ontológica de tomar as decisões desde o centro do ser, continuará tendo autonomia ainda carecendo de meios para exercer fisicamente sua liberdade. So-mente o homem, ser de liberdade, pode transcender ao âmbito do físico, das pulsões, do medo, do círculo fechado do egocentrismo.

HISTORICIDADE7.

Você percebeu por que o ser humano é diferente dos ou-tros seres da natureza? Seu comportamento é outro. Enquanto os animais se ajustam ao conjunto da natureza, o ser humano sente necessidade de construir acima do natural. Para satisfazer essa ne-cessidade, ele parte da cultura que herda de seus antecessores.

O homem é o ser que sempre está a caminho, entende sua existência em termos de "progresso".

Com base nessa particularidade humana, a Antropologia Filosófica conclui que o homem atua assumindo o passado para

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construir o presente, tendo em vista uma realização futura. A esse processo de tempo humano, os antropólogos denominam histori-cidade (LUCAS, 1996, p. 219). A historicidade é uma propriedade humana que:

Depende da liberdade, da comunidade humana e da cultura.

É dinâmica, por estar motivada pela dimensão de liberdade.

Abarca o passado, o presente e o porvir.

Tem um significado oposto ao historicismo.

Precisa partir – essa historicidade da existência – do humanismo herdado do passado para se dirigir a um futuro que esteja aberto à liberdade.

COMUNICAÇÃO8.

O homem é um ser no mundo, possui um corpo biológico que o sujeita ao mundo físico e, por ser no mundo, precisa das coisas e das outras pessoas para realizar seu projeto pessoal.

No mundo, o "eu" está sempre em comunicação com os ou-tros "eus", seu corpo serve para se comunicar. A comunicação é a característica que possibilita ao homem atravessar com êxito a existência.

O homem é um ser que recebe e transmite cultura, informa-ções, sentimentos, direção ética etc.

Palavra

O homem expressa-se por ser um ser social, porque vive numa comunidade. O homem é constitutivamente um ser de lin-guagem.

Na palavra utilizada, estão comprometidas tanto a dimen-são espiritual como a física, porque a palavra é a exteriorização do conceito ou da ideia. Não chegaria a ser palavra propriamente se não existisse um pensamento que a legitimasse e uma condição física que a divulgasse.

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Homem: ser social

O homem não é um ser autossuficiente: da mesma forma que necessita dos elementos que lhe fornece a natureza para po-der sobreviver, também precisa das outras pessoas, do próximo.

A personalidade do homem é forjada pela existência que desen-volve no mundo juntamente com outros "eus" ou sujeitos (em suas rela-ções, é amado e ama, troca ou compartilha pensamentos e projetos).

Como explica Lévinas (1980) em Totalidade e infinito, o outro demanda uma conduta ética. A simples existência do outro exige uma resposta; não uma resposta simplesmente intelectual, uma resposta que brote da orientação ontológica do ser.

Para compreender melhor esse tema, definamos o que é o outro para nós:

O outro nunca é um ser indiferente, é um ser que cha-1) ma, exige um comportamento ético.

O reconhecimento do outro é de caráter objetivo, o ou-2) tro não é um "amigo invisível".

A acolhida do outro não está dentro do universo daquilo 3) que é construído na cultura como algo aprendido e sim como algo dado e constitutivo. É uma exigência interior que se projeta numa dimensão transcendente.

Por meio do outro, descobrimos o sentido último por 4) nos transportar à relação com o divino, numa dimensão transcendente.

A relação pessoal é fundamental na constituição da pessoa hu-mana, que possui como constitutivo a "alteridade". Isso implica que o homem nunca está sozinho, que é um "ser-com-os-outros"; sua existência pessoal sempre está orientada aos outros, a existência no mundo sempre é uma "coexistência". M. Buber (1976) explica que até quando o homem se encontra só, a dimensão dialogal continua por ser essa de caráter transcendental.

O ser humano existe como um "eu" capaz de autocompre-ender-se, autodeterminar-se, o que o faz único e irrepetível, ou

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seja, pessoa. Em nenhum caso, a pessoa pode ser instrumentaliza-da para algum fim que seja alheio à sua natureza de desenvolver sua personalidade em liberdade. A sociedade neoliberal reduz o ser humano às funções de produção e consumo, submetendo-o a projetos de caráter econômico em nome do progresso.

É verdade que o progresso tecnológico trouxe grandes bene-fícios para a humanidade, mas, como diz Jung Mo Sung:

Não vivemos mais em uma civilização em que se trabalha para viver, onde as questões econômicas – como consumo, trabalho e acumulação de bens – estavam subordinadas a viver bem; mas em uma civilização onde devemos trabalhar para ganhar mais dinheiro e consumir mais, e o viver bem foi identificado com o sucesso pro-fissional ou a capacidade de consumo (2007, p. 101).

A liberdade individual está em perigo porque, como diz Frankl, a liberdade de resposta ante cada situação particular con-fere ao homem a condição de ser único e irrepetível:

A vida humana não se apresenta como uma obra acabada, mas como um projeto a ser realizado. Toda pessoa humana representa algo único algo que não se repete. Cada missão concreta de um ho-mem depende relativamente desse "caráter de algo único", dessa irrepetibilidade. É por isso que um homem só pode ter, em cada momento, uma missão única, e é assim que essa peculiaridade de que é única comunica a tal missão o caráter de absoluto (FRANKL, 2003, p.75).

A pessoa, um fim em si mesma

"Eu penso que a cultura do consumo e a ideologia neoliberal estabelecem unilateralmente o parâmetro para o sentido da vida na nossa sociedade". Com essa frase, Jung Mo Sung (2007, p. 120) evidencia um dos maiores problemas que está acontecendo com a organização social marcada pela forma de produção neoliberal: a redução do ser humano à condição de coisa. A sociedade atual está caracterizada pelos grandes progressos no campo da tecnologia, da planificação, da produção e da comunicação. Essa nova realidade trouxe grandes benefícios para a humanidade, mas também gerou importantes mudanças nas relações interpessoais. A vasta produção

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de objetos oferecidos ao consumo junto com o consumo exacerba-do de bens (necessários e supérfluos) de informações e de serviços levou as pessoas a adotarem novas formas de pensar, sentir e agir.

Assim foram perdendo os grandes ideais que caracteriza-vam a modernidade (Deus, estado, sociedade, família, igualdade, fraternidade etc.). O que ficou no lugar foi a ideia de que tudo é transitório e mediato. Hoje nos toca viver num mundo de valores tumultuados, onde o consumo, o lucro (a qualquer custo) e o indi-vidualismo trouxeram uma crise de valores e colocaram em risco a autoconsciência e a autodeterminação que definem que o ser humano seja pessoa. Isso nos leva a esquecer de um dos alicerces do humanismo: a pessoa é sujeito, centro e fim da ação humana.

A seguir, apresentamos alguns excertos de pensadores que analisam o problema do homem ante a pressão dos mercados:

A pressão dos mercados ––––––––––––––––––––––––––––––O mercado de trabalho é um dos muitos mercados de produtos em que se escre-vem as vidas dos indivíduos; o preço de mercado da denominada "mão-de-obra" é apenas um dos muitos que precisam ser acompanhados, observados e calculados nas atividades da vida individual. Mas em todos os mercados valem as mesmas regras.

Primeira: o destino fi nal de toda mercadoria colocada à venda é ser consumido por compradores.

Segunda: os compradores desejam obter mercadorias para consumo se, apenas se, vão ser consumidas para algo que sirva para satisfazer seus desejos.

Terceira: o preço que o potencial consumidor em busca de satisfação está dis-posto a pagar dependerá da credibilidade da promessa de satisfazer seus dese-jos e da intensidade desses desejos.

Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consu-mo tendem a tornar as principais unidades na rede peculiar de interações huma-nas conhecidas, como sociedade de consumidores. Ou melhor, o ambiente exis-tencial que se tornou conhecido como "sociedade de consumidores" se distingue por sua reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e o objeto do consumo. Esse feito notável foi alcançado mediante a anexação e colonização, pelos mercados de consumo, do espaço que entende entre os indivíduos – esse espaço em que se estabele-cem as ligações que conectam os seres humanos e se erguem as cercas que os separam.

Numa enorme distorção e perversão da verdadeira substância da revolução con-sumista, a sociedade de consumidores é com muita frequência representada como se estivesse centralizada em torno das relações entre consumidor, fi rmemente es-

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tabelecido na condição de sujeito cartesiano, e a mercadoria, designada para o papel do objeto cartesiano, ainda que nessas representações o centro de gravi-dade do encontro sujeito-objeto seja transferido, de forma decisiva, da área da contemplação para a esfera da atividade. Quando se trata de atividade o sujeito cartesiano (pensante, que percebe, examina, compara, calcula, atribui relevância e torna inteligível) se depara – tal como ocorreu durante a contemplação – com uma multiplicidade de objetos espaciais (de percepção, exame, comparação, cálculo, atribuição de relevância, compreensão), mas agora também com a tarefa de lidar com eles: movimentá-los, apropriar-se deles, usá-los, descartá-los.

O grau de soberania em geral atribuído ao sujeito para narrar a atividade de con-sumo é questionado e posto em dúvida de modo incessante [...].

Na sociedade de consumidores ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, res-suscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas exigidas de uma mercadoria vendável. A "subjetividade" do sujeito, e a maior parte de aquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentrar-se num esforço sem fi m para ela própria se tornar, e permanecer uma mercadoria vendável. A caracterís-tica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadoria; ou antes, sua dissolução no mar de mercadorias em que, para citar aquela que talvez seja a mais citada entre muitas sugestões citáveis de Georg Simmel, os diferentes signifi cados das coisas, "é portanto as próprias coisas, são vivenciados como ima-teriais", aparecendo "num tom uniformemente monótono e cinzento" – enquanto tudo "fl utua com igual gravidade específi ca na corrente constante do dinheiro". A tarefa dos consumidores. E o principal motivo que os estimula a se engajar numa in-cessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade é imaterialidade cinzenta e monótona, destacando-se da massa de objetos indistinguíveis "que fl utuam com igual 'gravidade específi ca' e assim captar o olhar dos consumidores".

[...] Escrevendo de dentro da incipiente sociedade de produtores, Karl Marx cen-surou os economistas da época pela falácia do "fetichismo de mercado": O hábito de, por ação ou omissão, ignorar ou esconder a interação humana por trás do movimento das mercadorias. Como se estas, por conta própria, travassem rela-ções entre si a despeito da mediação humana. A descoberta da compra e venda da capacidade de trabalho como a essência das "relações industriais" ocultas no fenômeno da "circulação de mercadorias", insistiu Marx, foi tão chocante quanto revolucionária: um primeiro passo rumo à restauração da substância humana na realidade cada vez mais desumanizada da exploração capitalista.

Um pouco mais tarde, Karl Polanyi abriria outro buraco na ilusão provocada pelo fetichismo da mercadoria: sim, diria ele, a capacidade de trabalho era vendida e comprada como se fosse uma mercadoria como outra qualquer, mas não, insis-tiria Polanyi, a capacidade de trabalho não era nem poderia ser uma mercadoria "como" qualquer outra. A impressão de que o trabalho era pura e simplesmente uma mercadoria só poderia ser uma grande mistifi cação do verdadeiro estado das coisas, já que "a capacidade de trabalho" não pode ser comparada nem vendida em separado dos seus portadores. De maneira distinta de outras merca-dorias, os compradores não podem levar a sua compra para casa. O que com-praram não se torna sua propriedade exclusiva e incondicional, e eles não estão livres para utere et abutere (usar e abusar) dela à vontade, como estão no caso de outras aquisições. A transação que parece "apenas comercial" (recordemos a queixa de Thomas Carlyle no início do século XX, de que relações humanas multifacetadas tinham sido reduzidas a um mero "nexo fi nanceiro") inevitavel-

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mente liga portadores e compradores num vínculo mútuo e numa interdependên-cia estreita. No mercado de trabalho, um relacionamento humano nasce de cada transação comercial; cada contrato de trabalho é outra refutação do fetichismo da mercadoria, e na sequência de cada transação logo aparecem provas de sua falsidade, assim como da ilusão ou auto-ilusão subseqüente.

Se foi o destino do fetichismo da mercadoria ocultar das vistas a substância dema-siado humana da sociedade de produtores, é papel do fetichismo da subjetividade ocultar a realidade demasiado comodifi cada da sociedade de consumidores.

A "subjetividade" numa sociedade de consumidores, assim como as "mercado-rias" numa sociedade de produtores, é (para usar o oportuno conceito de Bruno Latour) um fetiche – um produto profundamente humano elevado à categoria de autoridade sobre-humano mediante o esquecimento ou a condenação à ir-relevância de suas origens demasiado humanas, juntamente com o conjunto de ações humanas que levaram ao aparecimento e que foram condição sine qua non para que isso ocorresse. No caso da mercadoria na sociedade de produto-res, foi o ato de comprar e vender sua capacidade de trabalho que, ao dotá-lo de um valor de mercado, transformou o produto do trabalho numa mercadoria – de uma forma não visível (e sendo oculta) na aparência de uma interação autôno-ma de mercadorias. No caso da subjetividade na sociedade de consumidores, é a sua vez de comprar e vender os símbolos empregados na construção da identidade – a expressão supostamente pública do "self" que na verdade é o "simulacro" de Jean Baudrillard, colocando a "representação" no lugar daquilo que ela deveria representar –, a serem eliminados da aparência do produto fi nal (BAUMAN, 2008, p. 18-24)

Eu penso que a cultura do consumo e a ideologia neoliberal estabelecem unila-teralmente o parâmetro para o sentido da vida na nossa sociedade. Não vivemos mais em uma civilização em que se trabalha para viver, onde as questões econô-micas – como consumo, trabalho e acumulação de bens – estavam subordinadas a viver bem; mas em uma civilização onde devemos trabalhar para ganhar mais dinheiro e consumir mais, e o viver bem foi identifi cado com o sucesso profi s-sional ou a capacidade de consumo. Antes a vida ou certo aspecto da vida e a natureza eram encantados porque eles eram a fonte de encanto das pessoas. Hoje, o encanto se transferiu para o mudo do consumo, para o artifi cial, para as mercadorias de marcas famosas, e a vida fi cou desencantada. A vida sem consumo de mercadorias objetos de desejo se tornou quase que insuportável, sem nenhum encanto. E como não queremos viver uma vida desencantada, fria, sem graça, corremos atrás de mercadorias que encantem a nossa vida. Ir ao Shopping Center para fazer compras quando nos sentimos "desanimados" ou meio chateados (parecendo que nossa humanidade fi cou diminuída, achatada) é uma expressão clara desse fenômeno. O sentido da vida não está mais na vida mesma, mas em consumir mercadorias que encantem a nossa vida.

O problema é que quando fazemos do "consumir mais" o sentido último da vida caímos numa armadilha que nos conduz a uma ansiedade sem fi m (sempre há novas coisas para consumir e assim causar inveja nas outras pessoas ou pade-cer a inveja de não possuir o que outro tem) e nos leva à promessa de um "pa-raíso" – a plenitude do consumo – que é muito solitário e frio. Falta nele o calor humano do encontro das pessoas na amizade e gratuidade sem a concorrência e inveja da lógica do consumo.

Quando o sentido da vida não está nela mesma, a educação também perde o seu sentido original de possibilitar uma vida boa e formar uma pessoa "de bem"

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e se concentra em capacitar tecnicamente os jovens para o sucesso econômico. Assim, o valor e o sentido da vida e da mesma educação passam a ser medido através do cálculo econômico (JUNG MO SUNG, 2007, p. 12).

[...] Há um texto de João Sayad, um importante economista brasileiro, que che-gou às minhas mãos por acaso, nesses lances de sorte na vida, que sintetiza bem o drama da nossa sociedade que estamos abordando.

"Há trezentos anos que o capitalismo transforma todas as coisas a nossa volta em quantidade – dólares, francos ou reais. Não sabemos bem quem somos, mas sabe-mos quanto valemos: somos o carro, a lancha, a casa ou os quadros que temos.

A economia capitalista focaliza tudo em torno de cifrões. Em compensação, embaça tudo o mais. Cada vez nos tornamos mais efi cientes, mais baratos e mais produtivos.

Mais ricos, fi camos cada vez mais pão-duros. Sobram produtos agrícolas que são jogados nos rios ou estragam nos armazéns. Sobram produtos industriais que atendem necessidades que precisam ser criadas. Sobra mão-de-obra por-que gente custa salário. Não podemos gastar dinheiro com os inefi cientes, com os aposentados ou com os mais pobres.

Sabemos exatamente quanto custa cada coisa e cada decisão. Tudo é muito nítido e claro em reais ou dólares.

Mas não temos tempo de nos perguntar sobre o sentido de tudo isso.

Por isso o mundo nos parece embaraçado e fora de foco." (SAYAD, 1998).

[...] A redução de tudo ao cálculo econômico deixa tudo "muito nítido e claro em reais ou dólares", mais, por isso, "O mundo nos parece embaçado e fora de foco". Uma das razões para isso é que "não temos tempo para nos perguntar sobre o sentido de tudo isso". A busca obsessiva por mais dinheiro e mais consu-mo, uma corrida sem fi m porque a linha de chegada vai se afastando na medida em que nos aproximamos, nos deixa cegos ou desfocados para ver o "resto" que compõe a vida. E o que fi ca completamente fora de foco é o sentido da vida, pois nessa corrida por consumo ou ostentação. O objetivo a ser alcançado está sem-pre se movendo para mais longe e tomando as mais diversas formas que nos deixa aturdidos. Mas o sistema de mercado também oferece uma solução para isso. A propaganda "se dirige à desolação espiritual da vida moderna e propõe o consumo como cura" (LASCH, 1983, p. 103).

Os efeitos desse encantamento hipnotizador não recai somente sobre as pessoas que procuram a cura em mais consumo. Muito pelo contrario, as conseqüências mais devastadoras recai também sobre os mais pobres da sociedade, que sofrem com a exclusão social, e o meio ambiente. De uma forma ou outra, todos nós perdemos.

Diante de uma sociedade que reduz tudo ao cálculo econômico, cálculo que desfoca o sentido da vida e desencanta tudo o que na vida não é acumulação e consumo, inclusive a educação, vários autores de diversos campos do saber tem proposto o reencantamento da natureza, da vida e da educação.

Estas propostas devem ser entendidas não como uma simples volta a uma civi-lização baseada na religião ou em uma visão mágica do mundo, mas como uma tentativa de ir além dessa redução da natureza, das pessoas e das atividades so-ciais ao cálculo econômico. Em outras palavras, encontrar valores nas coisas, nas atividades e nas pessoas que transcendam o valor econômico e que revelem um sentido de vida que seja muito mais humano e profundo do que simplesmente acu-mular riqueza e ostentar bens de consumo (JUNG MO SUNG, 2007, p. 101-103).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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HOMEM: SER HISTÓRICO E VALORES9.

O homem é um ser aberto ao mundo. É no mundo que vai desenvolver seu projeto pessoal. Com o mundo, leva adiante uma constante troca. Isso é possível porque possui um "instinto" de percepção que lhe permite perceber o que é útil ou não numa de-terminada situação. Consegue, por meio da consciência, captar os valores contidos nas coisas. Como pessoas humanas, organizamos nossa existência a partir de valores.

Que valores são esses? Valores econômicos que percebo por ser treinado ou possuir um dom para avaliar o que cada coisa vale no mercado dos bens? Os valores físicos que possibilitam a con-servação da vida biológica? Não, estamos nos referindo a valores espirituais!

Valor e sentido

Os valores espirituais são aqueles que, tendo uma base me-tafísica, estão referidos à realidade; ao brilharem nos objetos reais, fazem-se presentes, cativam nossa atenção. Uma relação pessoal, a programação de uma ação, a intervenção racional na natureza, escolher algo para comer ou beber, cada situação existencial está revestida de um valor e, como o sentido está presente nas situa-ções de valor, diz-se que há um sentido por trás da realidade.

A orientação para o sentido é particular a cada indivíduo, uns descobrem um sentido onde outros enxergam outro diame-tralmente diferente; os valores são comuns a todos, o sentido da situação é uma coisa particular; eu descubro um sentido, outra pessoa descobre o dela, sem ser permitida a troca de informações, já que ninguém, por sua própria vivência, perceberá o sentido da mesma forma que o outro o percebe. Se não fosse assim, todos viveríamos da mesma forma.

As coisas que compõem o mundo onde vivemos têm, todas elas, características peculiaridades: umas são belas, outras feias,

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umas são boas, outras más. O individuo se relaciona com aquelas que são importantes para sua existência, descartando as desne-cessárias e ignorando as que lhe são indiferentes. O que sucede é que, ante as coisas, adotamos posições críticas, porque todas as coisas têm "valor". Perante as coisas, formulamos um juízo, que pode ser:

Juízo de existência• : quando dizemos o que o objeto é.

Juízo de valor• : nada altera a existência do objeto. Esse juízo não agrega elementos à coisa nem os tira. Concor-damos ou não com a coisa, mas não a modificamos por meio desse juízo. O que fazemos com os juízos de valor é destacar impressões que são próprias do objeto, não subjetivas.

Leia o texto a seguir, que lhe possibilitará refletir um pouco mais sobre valor e sentido.

Informação Complementar –––––––––––––––––––––––––––––Como o sentido e o valor são coisas afi ns, a possessão do valor pode aliviar o homem na hora de ter que procurar o sentido de cada situação. Se eu me oriento pelos valores universalmente aceitos, vou transitar, por concomitância, pela linha do sentido, sempre que não aconteça um confl ito de valores. Os mandamentos são valores universalmente aceitos. Se, em cada ocorrência, eu os coloco em prática, estou atuando com sentido; se eu roubar ou matar ou trair para conse-guir um fi m, estou realizando uma ação sem sentido. Agora, se faço isso para defender minha vida ante uma injustiça, o sentido muda, porque a vida é o valor principal.

Devemos destacar que os mandamentos "eram" valores universais na época de Abraão, mas, hoje, possivelmente, é necessário complementá-los. O homem moderno descobriu que há novas dimensões existenciais, novas realidades, o trânsito por elas é "novidade" e, portanto, sem antecedentes. Mesmo assim, devemos aceitar que não estão defasados: posso, perfeitamente, orientar meu comportamento pelos mandamentos e, sem dúvida, estaria levando adiante a existência com sentido. Isso é possível porque há uma relação entre realização existente, sentido e valor. Lembremos que, sempre que as ações de sentido saem do particular para o universal, convertem-se em valor.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Lotze, filosofo alemão, foi quem explicou que os valores valem e as coisas são. Isso significa que os valores estão fora das catego-rias do ser. Assim, os valores não têm ou carecem de substância por si mesmos. Não se pode dizer belo, deve-se dizer belo em a

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relação alguma coisa, já que belo é uma qualidade da coisa e não a coisa em si. Lotze introduziu o conceito de valor e, Nietzsche, a palavra "valor". Mas foi com Brentano, em 1889, ao lançar o livro A origem do conhecimento moral, que se inaugurou o que, hoje, conhecemos por axiologia (HESSEN, J. 1980).

Impressões subjetivas e valor

Além desses juízos, também formulamos impressões subje-tivas. Dentro dessa denominação estão contidos os sentimentos, que são fenômenos psíquicos. Usamos a denominação "impres-sões subjetivas" porque representam vivências internas, podem ser o produto de uma vivência alojada no subconsciente de cará-ter positivo ou objetivo. Os valores, por outro lado, representam qualidades objetivas das coisas. Podemos dizer que é objetivo se existe independentemente de um sujeito ou de uma consciência valorativa. Em contrapartida, será subjetivo se sua existência, sen-tido ou validez dependerem das reações fisiológicas ou psicológi-cas do sujeito que valora.

Por exemplo: olhando para uma determinada pessoa na fila de um cinema, dois amigos conversam e um comenta: "Essa pessoa tem cara de 'nojenta'". O outro discorda, por considerá-la simpática; aprofundando na qualificação subjetiva, o primeiro se lembrou de que parecia com um antigo professor com quem tivera diferenças, enquanto o outro o viu parecido com um antigo amigo de seu pai. Ambos fizeram um juízo subjetivo baseado em vivências psíquicas, que não tinha fidelidade em relação à coisa investigada – nesse caso, uma pessoa desconhecida.

Lotze resgatou o termo valor do universo da economia e colocou-o dentro da terminologia filosófica, diferenciando muito bem o valor econômico do valor espiritual (DURKHEIM, 2003).

Os clássicos utilizavam o termo bem no lugar do termo moderno va-lor. Mesmo assim, são eles que explicam que existem as coisas que são portadoras de valor Bona, e o valor da coisa ratio bonitatis.

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O que os filósofos deixam muito claro, baseados na concep-ção de valor e de valer de Lotze, é que o homem é o centro dos valores, o receptor dos valores. Mesmo assim, as coisas têm sen-tido independentemente do homem. Como diz Heidegger (1967, p. 69), inspirando-se na filosofia clássica, "o homem é o pastor e não o criador do ser". O homem tem a capacidade de optar pelo valor, pelo bem, e, o que é mais importante, de transmiti-lo aos semelhantes.

Nosso sistema de valores éticos e suas consequentes normas de conduta são formados dentro da tradição psíquico-espiritual do Ocidente, que, em geral, tem sua base na revelação. Em nossa so-ciedade, esses valores são especialmente amor, individualidade, compaixão, empatia, esperança no futuro etc., todos eles de tra-dição religiosa ou humanística. Contudo, há os valores criados por grupos de interesses que atuam na sociedade. Esses valores, pro-dutos de ideologias, não são necessários para orientar o compor-tamento humano e, às vezes, são negativos: estamos falando de valores como o de propriedade, consumo, posição social, vícios, possessão etc.

Quais valores você acha que orientam o comportamento das pessoas que formam parte da sociedade atual? Analise como os dois autores citados a seguir classificam os valores.

Classificação dos valores

Hessen (1962), na obra Tratado de Filosofia III, descreve qua-tro tipos de valores espirituais:

Lógicos. 1)

Estéticos.2)

Éticos.3)

Religiosos.4)

Os valores estéticos e os religiosos são necessários para a interpretação do sentido da vida, do mundo. São os primeiros na hierarquia dos valores.

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Já M. Scheler (1989), na obra El Formalismo en la Ética y la

Ética Material de los Valores (título original Der Formalismus in der

Ethik und die materielle Wertethik), primeira grande obra de sua

carreira, desenvolve uma vastíssima investigação sobre o fenôme-

no do valor e das essências em geral. Coloca como objeto a antro-

pologia da pessoa, estuda o problema da fundamentação gnosio-

lógica e antropológica da ética, estabelece as relações de grau e

hierarquia dos valores entre si, e a relação de fundamentação do

valor com o bem.

Scheler (1989) classifica os valores em:

Úteis: conveniente, inconveniente...a)

Vitais: forte, fraco...b)

Lógicos: verdade, falsidade...c)

Estéticos: belo, feio...d)

Éticos: justo injusto...e)

Religiosos: profano, sacro...f)

Scheler explica que os valores não são entes, mas, sim, qua-

lidades dos entes – mas não qualquer qualidade: são "qualidades

valentes". Esse mesmo autor descreve, também, uma hierarquia

dos valores. Nessa fase de sua vida, ele não pensava em termos

religiosos. Colocou os valores religiosos como os mais elevados,

juntamente com os éticos, por darem sentido à vida.

A existência (vida) sempre compreende o ôntico (o eu pensante) e o ontológico (são as coisas que o eu pode pensar).

Resumindo, diríamos que os valores não podem ser capta-

dos pela razão. Os clássicos dizem que não é a ratio, mas, sim, o

intuito que capta o sentido do mundo e, também, que os valores

espirituais (que, para serem valores, nunca podem ser criação

nossa) se percebem de forma instintiva, brilham ante nossa in-

teligência.

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Para você refl etir –––––––––––––––––––––––––––––––––––––Percebemos que, executando valores, encontramos sentido no mundo, e, nesse movimento, assimilamos que nossa existência tem um sentido.

Terapeutas como V. Frankl, em Psicoterapia e Sentido da Vida, concluem, por meio de uma análise fenomenológica, que a pessoa que realizar valores de ati-tude consegue dar sentido à existência. Esses gestos, considerados "valores atitudinais", devem ser dirigidos ao tu e poderiam ser traduzidos como ações sociais. Você acredita que a maioria das pessoas da nossa sociedade está mes-mo preocupada em multiplicar esse capital social, e que pensam no próximo? (FRANK, 2003).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Etchebehere citando Platão explica que o drama humano está na eleição da própria vida: de muitos que poderíamos ser te-mos que escolher ser um. Ainda que a alma seja em essência todas as coisas, deve determinar-se a ser uma só coisa. Há um livro da vida onde nossos nomes estão escritos, ainda que caiba a cada um de nós escrever a história de nosso nome. Assim é apresentado, no início da filosofia, em Platão, o mito de ER – que veremos agora.

O mito de Er –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––A verdade que o que te vou narrar não é um conto de Alcínoo, mas de um homem valente, Er, o Arménio. [...]

"A virgem Láquesis, fi lha da Necessidade, declara: Almas efêmeras, vais come-çar outra vida de caráter transitório, entrarás em um novo corpo mortal humano. Não é um demônio que vos escolherá, mas vós que escolhereis o demônio. O primeiro a quem a sorte couber será o primeiro a escolher uma vida a que fi cará ligado pela Necessidade. Mas a virtude não tem dono, cada um poderá tê-la em maior ou menor grau, conforme a honrar ou desonrar. A responsabilidade é de quem escolhe. A Divindade é isenta de culpa".

Ditas estas palavras, atirou com os lotes para todos e cada um escolheu o que caiu perto de si, exceto Er, a quem isso não foi permitido. A variedade era infi nita, ao apanhá-lo, tornaram-se evidentes para cada um a ordem que lhe cabia para escolher. Seguidamente, dispôs no solo, diante deles, os modelos de vida, em número muito mais elevado do que o dos presentes. Havia de todas as espécies, vida de todos os animais, e bem assim de todos os seres humanos. Entre elas, havia tiranias, umas duradouras, outras derrubadas a meio, e que acabavam na pobreza, na fuga, na mendicância. Havia também vidas de homens ilustres, umas pela forma, beleza, força e vigor, outras pela raça e virtudes dos antepas-sados; depois havia também as vidas obscuras, e do mesmo modo sucedia com as mulheres. Mas não continham as disposições do caráter, por ser forçoso que este mude, conforme a vida que escolhem. Tudo o mais estava misturado entre si e com a riqueza e a indigência, a doença e a saúde, e bem assim o meio termo entre estes predicados. É aí que está, segundo parece, meu caro Glaucón, o momento crítico para o homem, e por esse motivo se deve ter o máximo cuida-do, e que cada um de nós ponha por cima de tudo buscar e adquirir a ciência de

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distinguir uma vida honesta da que é má e de escolher sempre em toda a parte tanto quanto possível a melhor. Calculando que efeito tem, em relação com vir-tude em uma vida, para prever o mal que produz a beleza, por exemplo, unida à riqueza ou a pobreza, as consequências que tem o nascimento ilustre ou escuro, os cargos públicos ou a condição de simples particular, ou a debilidade física, a facilidade ou difi culdade […].

Ora, então, anunciou o mensageiro do além, o profeta falou deste modo: "Mesmo para quem vier em último lugar, se escolher com inteligência e viver honestamen-te, espera-o uma vida apetecível, e não uma desgraçada. Nem o primeiro deixe de escolher com prudência, nem o último com coragem".

Ditas estas palavras, contava Er, aquele a quem coube a primeira sorte logo se precipitou para escolher a tirania maior, e, por insensatez e cobiça, arrebatou-a, sem ter examinado capazmente todas as consequências, antes lhe passou des-percebido que o destino que lá estava fi xado comportava comer os próprios fi lhos e outras desgraças. Mas, depois que a observou com vagar, batia no peito e lamentava a sua escolha, sem se ater às prescrições do profeta. Efetivamente, não era a si mesmo que se acusava da desgraça, mas à sorte e às divindades, e a tudo, mais do que a si mesmo. Ora, esse era um dos que vinham, do céu, e vivera, na encarnação anterior, num Estado bem governado; a sua participação na virtude devia-se ao hábito, não à fi losofi a. Pode-se dizer que não eram menos numerosos os que vindos do céu, se deixavam apanhar em tais situações, devi-do à sua falta de treino nos sofrimentos. Ao passo que os que vinham da terra, na sua maioria, como tinham sofrido pessoalmente e visto os outros sofrerem, não faziam a sua escolha às pressas. Por tal motivo, e também devido à sorte da escolha, o que mais acontecia às almas era fazerem a permuta entre males e bens. […]

Era digno de se ver esse espetáculo, contava ele, como cada uma das almas escolhia a sua vida. Era, realmente, merecedor de piedade, mas também ridículo e surpreendente. Com efeito, a maior parte fazia a sua opção de acordo com os hábitos da vida anterior. Dizia ele que vira a alma que outrora pertencera a Orfeu escolher uma vida de cisne, por ódio à raça das mulheres, porque, devido a ter sofrido a morte às mãos delas, não queria nascer de uma mulher; vira a de Tamiras escolher uma vida de rouxinol; vira também um cisne preferir uma vida humana, e outros animais músicos procederem do mesmo modo [...].

"Assim que todas as almas escolheram as suas vidas, avançaram, pela ordem da sorte que lhes coubera, para junto de Láquesis. Esta mandava a cada uma o demônio que preferira para guardar a sua existência e fazer cumprir o destino que escolhera". (PLATÃO, República, Livro X, p. 614-620)

A eleição do tipo de vida é, como diz Platão, o momento crítico para o homem, tanto que nesse momento coloca em jogo seu destino. "Não será um demônio quem escolhe, e sim você quem escolherá o demônio". Isto é, não é uma força cega quem nos dirige e sim nós próprios, por intermédio de nossas ações, que vamos confi gurando nosso caráter, moldando nosso demônio.

(ETCHEBEHERE, 2008, p. 138-142, tradução nossa).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Ante a exigência de escolher nossa vida, Platão orienta a pro-curar um conhecimento que nos permita discernir entre uma vida que é boa e aquela que não é.

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS10.

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

Indique a única alternativa falsa:1)

A categoria alteridade é própria da natureza humana, está relacionada a) com a necessária vinculação com os outros "eus". O homem é em seu constitutivo um ser aberto à sociabilidade e a comunidade.Pode-se dizer que o ser humano é pessoa, quanto mais diferente, mais b) peculiar seja em relação aos outros seres humanos. Quanto mais indi-viso seja, como diziam os escolásticos, para estes pensadores a pessoa é: indivisum in se et divisium a quolibet alio, ou seja, na individualidade ontológica está a base da personalidade. J. Y. Jolif (1969, p. 184-185) explica que a alteridade e a unicidade são cate-c) gorias ontológicas. Estas categorias implicam em si mesmas numa contra-dição. Ambas dependem da renuncia do conceito de subjetividade pura, o homem não pode deixar de reconhecer, aceitar e integrar a dimensão da alteridade. Eu não posso dar-me sem que se dê também o outro. Essa con-cepção de homem é contrária à ideia de ser individualista que o neolibera-lismo e as linhas de pensamento positivista defendem nos dias de hoje.O ser humano necessita comunicar-se com o outro e também ter contato d) com o mundo – essa é uma exigência natural. Devemos considerar tam-bém que sua finitude e sua dificuldade para compreender a multiplicida-de da verdade o obrigam ao diálogo e ao intercâmbio.

Indique a única alternativa que complementa o pensamento de SAHAGUN.2)

"A propriedade de um ser espiritual é sua independência, liberdade ou auto-nomia essencial perante os contratempos e pressão do orgânico da vida [...]. Tal ser espiritual não está limitado nem pelos impulsos, nem pelo meio é aber-to ao mundo". (SAHAGUN 1996, p. 146).

Portanto, o homem está limitado por crenças, desejos, vínculos sociais a) etc. Estes são determinantes do comportamento. Assim, se somos produtos de situações e realidades que fogem do nosso b) controle e não escolhemos livremente nossos genes nem nossa realidade ambiental e cultural, não podemos fundamentar efetivamente a hipótese de que o nosso comportamento seja resultado de uma escolha livre. Nascemos em uma sociedade estruturada, não pedimos nem escolhemos c) nosso destino, bem como não escolhemos nossa personalidade social.A pessoa, por ser espiritual, atua sabendo o que está fazendo e, especial-d) mente, podendo concordar ou não segundo o juízo da razão.

Complete os textos com "3) Liberdade de" ou "Liberdade para".

Não há liberdade sem condição ética, não há liberdade sem responsabi-a) lidade. Já que a liberdade, por ser da pessoa, supõe sempre uma dimen-

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155© Características da Pessoa Humana, Constitutivos Essenciais

são interpessoal, o homem é sempre um eu no mundo com outros "eus". Esta forma de liberdade é denominada: _________________________.

O homem nasce sem nenhuma norma ou modelo – portanto, com uma b) liberdade sem limites. A minha responsabilidade é limitada ante a liber-dade. A vontade é livre e ela impõe a ação. Esta forma de liberdade é denominada ________________________.

Como pessoas humanas, organizamos nossa existência a partir de valores. 4) O homem é um ser aberto ao mundo. É no mundo que vai desenvolver seu projeto pessoal. Quais valores você acha que orientam o comportamento das pessoas que formam parte da sociedade atual? Caso tenha dúvidas, compare sua resposta com a análise dos dois autores que são citados no tópico Classificação dos valores.

Gabarito

Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-toavaliativas propostas:

c.1)

d.2)

a) "+Liberdade "para""; 3)

b) +) liberdade "de".

Resposta pessoal.4)

CONSIDERAÇÕES11.

Nesta unidade, você pôde aprender sobre as características centrais da existência, sobre a radical liberdade do homem e a es-trutura que o compõe. Além disso, pôde constatar a importância do "tu" no desenvolvimento da personalidade, ou seja, a impor-tância do outro.

E!REFERÊNCIAS12.

Sites pesquisados

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156

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TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2002.

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EAD

Ser em Relação

4

OBJETIVOS1.

Apreender a realidade bio-psíquico-espiritual que deter-•

mina a atuação do ser humano.

Refletir sobre a categoria de sentido e significado.•

Estudar as características centrais da existência. O amor •

no pensamento filosófico contemporâneo, que é visto

como peça fundamental ao desenvolvimento e ao equilí-

brio da pessoa humana.

Reconhecer o caráter transcendente do amor como ins-•

trumento essencial para superar o anonimato individual.

Descrever a relação existente entre a dimensão espiritual •

e a relação psicofísica como fonte que possibilita o surgi-

mento do amor.

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CONTEÚDOS2.

Ser humano, pessoa espiritual.•

Sexualidade, condição corpórea dentro do contexto e uni-• dade bio-psíquico-espiritual.

Amor, peça-chave do pensamento contemporâneo.•

Consequências antropológicas da dimensão transcendente.•

Capacidade intelectual.•

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE3.

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

Quando for realizar seus estudos, escolha um ambiente 1) que possa lhe proporcionar concentração. Esteja certo de que o ambiente e o meio contribuirão de maneira sig-nificativa para sua aprendizagem.

Compartilhar ideias e opiniões com seus colegas faz 2) parte da construção de sua aprendizagem! Na Sala de Aula Virtual, você encontrará o apoio necessário para a comunicação com seus colegas de curso. Com a pesqui-sa, essa relação ficará ainda mais envolvente, pois vocês poderão criar uma relação de troca de experiências que contribuirá para sua formação e para o enriquecimento de seus conhecimentos.

Recomendamos, para auxiliar sua reflexão, que você 3) assista ao filme As Confissões de Schmidt, do diretor Alexander Payne.

INTRODUÇÃO À UNIDADE4.

O homem, por natureza, tem necessidade do vínculo pesso-al. Essa necessidade de relação está presente em todas as etapas da vida humana e, dela, deduz-se a categoria de alteridade. Para chegar a ser "pessoa" (poder dispor de si mesmo), o ser humano

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159© Ser em Relação

precisa do amor recebido do outro (do tu). Em outras palavras, o surgimento da pessoa como substância individual, para utilizar a definição de Boécio, não é possível sem o outro. Amor é a relação do eu com o tu; portanto, é uma dimensão essencial humana que denota a autotranscendência.

O homem é um ser aberto à realidade social. O "eu" precisa da relação de amor do "tu", como o outro precisa do encontro acolhe-dor de "mim". O pensamento filosófico-antropológico que orienta a Antropologia Filosófica percebe essa realidade e dá uma enorme importância ao estudo dessa propriedade dos seres humanos.

Por ser um ser no mundo, a pessoa sempre se expressa de forma física e espiritual. Além disso, o amor, que é um constitutivo ontológico da pessoa, também responde a essas duas dimensões.

Tudo no homem é pensado, negociado, avaliado. Não exis-tem instintos cegos ou paixões de forma autônoma. Os instintos existem, sim, mas estão sempre afirmados ou negados, sempre ajustados desde a posição espiritual. Os instintos são sempre per-sonalizados – nesse ponto distingue-se o homem do animal. A di-mensão espiritual possibilita que sejamos pessoas, mesmo estan-do condicionados pela realidade psicofísica.

INSTINTOS E PAIXÕES, A CONTINGÊNCIA DO HO�5. MEM

Os instintos ou pulsões de caráter orgânico são, sem dúvi-da, fundamentais para o sustento da vida. Porém, vemos que, en-quanto o animal é totalmente determinado pelo instinto, é um ser em equilíbrio com sua natureza. No homem, acontece o contrário; este luta por transformar o meio ou adaptar-se às circunstâncias. Também as relações são diferentes; lutar ou morrer por causa do instinto numa sociedade humana seria uma coisa irracional.

É óbvio que o homem deve satisfazer suas necessidades cor-porais para sobreviver. O que se sucede é que estas não param na

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conservação da espécie; o homem vai além; suas ações superam am-plamente as exigências que demandam suas necessidades imediatas. No homem, existem outras motivações, como as paixões formadoras do caráter. Aliás, as paixões vão desde a origem psíquica até a espiritu-al. Umas são negativas, como a soberba, a ambição e o egocentrismo, que enfraquecem ou destroem. Enquanto isso, as positivas são a pre-missa para a expansão da vida e do estado de felicidade.

Freud, de forma radical, coloca as paixões num plano primei-ríssimo enquanto motores da atividade humana. São motivadas pela libido, que determina todo o agir humano. Porém, a pessoa humana não é atingida por tais limitações; somente é afetada por sua ação.

SEXUALIDADE COMO CONDIÇÃO DA PESSOA6.

A corporeidade, no ser humano, se expressa no binômio Mulher-Homem, porém, a pessoa humana está acima dessa cate-goria. É-se pessoa tanto sendo homem como sendo mulher.

Simone de Beauvoir (1972) trabalhou o tema da origem cul-tural das diferenças homem-mulher e concluiu que a estrutura fi-siológica diversa não tem, em si mesma, um significado. Apoia seu raciocínio no princípio sartreano de que cada homem é da manei-ra que o outro o vê.

Homem-mulher: Conforme Beauvoir (1972), não se nasce mulher (socialmente falando), faz-se. Nenhum destino biológico, psíquico e econômico define a figura que tem, dentro da sociedade, a fêmea humana. É o conjunto da sociedade quem elabora esse produto.

A crítica de Beauvoir deixa bem claro que a mulher não pode ser reduzida a seu sexo, como o fizeram muitas antropologias, já que, em primeiro lugar, é uma pessoa humana.

O filósofo P. Ricoeur (1991) diz que a sexualidade ocupa um lugar de destaque na antropologia, visto que a sexualidade tem uma ressonância que se manifesta em todo o corpo. Não podemos

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161© Ser em Relação

pensar que a sexualidade humana pode ser reduzida simplesmen-te à sexualidade animal, pois a sexualidade humana deve estar sempre inserida dentro do universo do amor.

Ao fazer um estudo antropológico da sexualidade, não podemos nos esquecer de que a antropologia é a ciência que estuda o ser humano (mulher e homem). O termo "antropologia" vem do grego "anthropos", que significa todo o humano, sem distinção de sexo.

O Amor: Eros e Ágape

No mundo grego antigo, havia três palavras que significavam amor: "eros", "phileo" e "ágape". Elas se referiam às formas dife-rentes de amor. Quando colocamos a palavra "eros" (expressão do amor sexual) com "ágape" (amor profundo, sublime, termo para diferenciar o amor de Deus para o mundo), perguntamo-nos: será que essas duas expressões de amor podem conviver juntas ou, ao contrário, o amor ágape não pode conviver com o amor Eros? Veremos, ao longo deste estudo, que todo o movimento amoroso pressupõe uma resposta, demanda reciprocidade. Não é possível querer ser amado sem amar ao outro nem amar sem pretender ser amado. Amar e ser amado são movimentos que se devem complementar.

Na relação amorosa que acontece entre pessoas, num co-meço, existe uma valorização do "tu" pelo "eu", que é o "ágape", que leva à valorização do "eu", ou seja, desemboca no "eros". Esse "eros" do "eu" psiquicamente fortalecido volta a um ágape, migra novamente para o eros e, assim, continua em permanente movi-mento circular. O amor é criador do desejo sexual num meio de ternura.

Esse movimento circular dado entre essas duas tensões vai deter-minar o equilíbrio que pressupõe a união, que é o âmbito no qual a pessoa amada é considerada como real, digna e valiosa aos olhos do amante.

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A experiência sexual está determinada pela profundidade do amor e caracterizada pelo interesse que o homem e a mulher sen-tem um pelo outro.

Sentido ontológico da sexualidade

O encontro homem-mulher reveste-se de um caráter espe-cial por serem ambos seres espirituais, já que a sexualidade huma-na não é uma força cega que nos determina pelas suas pulsões.

Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––Se é bem certo que a sexualidade colore o mundo de todos os seres vivos, no ser humano, ela está revestida de uma característica singular e marcada com o símbolo da liberdade e da transcendência, por serem seres espirituais os que se unem no ato sexual. No ato sexual, não se poderia falar de dois sexos e, sim, pode-se dizer que cada sexo implica o outro, na medida em que é a pessoa que se compromete e não simplesmente dois gêneros diferentes. Partindo desse en-contro, é possível falar de atração erótica, questão de pele, procriação etc.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Vejamos, a seguir, os elementos que integram a sexualidade.

Elementos que integram a sexualidade

Segundo comprovações científicas, três são os elementos constitutivos da sexualidade humana:

Somático.•

Psicológico.•

Sociocultural.•

Nenhum deles é exclusivo nem preponderante.

O elemento somático, que já foi considerado como primor-dial, é explicado por biólogos e pelos filósofos como pulsão bio-lógica, encontrando-se enraizado nas propriedades hormonais, as chamadas sexuais, e na configuração físico-biológica (somática).

O elemento psíquico que, segundo os psicólogos, comple-menta o biológico, é outro dos elementos componentes da sexuali-dade. Depende não somente do elemento biológico, mas também

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do elemento cultural (sentimentos, afetos e inclinações não são de responsabilidade de um único componente, mas consequência de um contexto). O velho mito andrógino da alma gêmea, que é citado por Platão no Banquete, está baseado nessa dimensão. O erotismo é responsável pela atração entre sexos opostos.

Finalmente, o sociocultural é um elemento que tem gran-de importância na manifestação da sexualidade. Está comprovado que, dependendo da cultura e das características de cada povo, o comportamento de homem e mulher pode variar. Esse fato fica evidente quando se estuda o papel que a mulher tem nas diferen-tes culturas. Essa dimensão de socialização vai ter um destaque enorme nas teorias marxistas. Também os existencialistas, que veem o homem como um projeto de si mesmo, determinado por sua liberdade, darão ao elemento sociocultural uma importância inquestionável na sexualidade humana.

A ciência provou que, na hora de determinar a condição se-xuada do ser humano, os três elementos estão presentes. Além disso, ela provou o fato de que homem e mulher vivem sua vida de forma diferente, segundo sua sexualidade (LUCAS, 1996).

Nunca devemos nos esquecer de que o homem é um ser portador de dimensão espiritual e que esta informa as demais dimensões constitutivas.

Observe que não devemos pensar no corpo como elemento único e determinante da relação amorosa, afinal, este tem uma função. É um caso parecido com o da linguagem: sem o instrumen-to corporal, ou seja, sem a boca e as cordas vocais, não conseguirí-amos emitir sons compreensíveis; uma falha física do aparelho da fala impossibilitaria tal função, porém, a fonte da palavra, do diá-logo, da denominação das coisas e da promoção da verdade não está situada exclusivamente na boca. A relação amorosa também não é exclusiva do corpo. Nessa relação, não enxergamos somente o físico.

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Dessa forma, podemos afirmar que a pessoa nunca é somen-te corpo, bem como nunca será tão somente espírito. O homem é uma unidade e, por sua constituição, ele é maior que a soma das partes que o compõem.

Freud e instinto sexual

No livro Três ensaios sobre a teoria sexual, Freud (1980) considera a agressividade como motor do instinto sexual e situa o instinto de agressividade como instinto próprio do ego. Assim, a relação que o ódio mantém com os objetos é mais antiga que a relação do amor. O homem, na concepção freudiana, é possuído por dois impulsos preponderantes: um direcionado a sobreviver, e outro orientado à procura de prazer. O homem entra em relação com o outro sexo para satisfazer sua vontade de prazer.

Assim, o amor não é outra coisa se não um estado hipnótico em que o ego projeta seus ideais numa pessoa, a qual se vai con-verter em amado até a finalização da idealização. A consequência para que o casal continue unido é de caráter social. O amor, nas mãos de Freud, deixa de ser concebido como "eros platônico" e como "cáritas cristã". Hoje, o conceito radical de "libido" e o prin-cípio de prazer psicanalítico estão praticamente superados. Não podemos nunca esquecer que Freud, esse brilhante psiquiatra, responsável pela descrição das dimensões da mente humana tem, por detrás, uma tendência para o doentio como norma.

O que seu trabalho nos deixa como legado é a existência de causas que podem levar ao fracasso do processo de integração dos instintos na pessoa, fazendo que esta reprima o amor e só fique nos instintos seguintes:

escalas de valorações; 1)

estados de ânimo; 2)

influências culturais na formação do caráter; 3)

condutas viciosas que convertem o outro parceiro numa 4) forma de escravo sexual, de "instrumento para massa-gear o ego".

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Ante as situações dessa espécie, o "eu" e o "tu" não conseguem nem se comunicar nem viver a satisfação do amor. O personagem Don Juan é um caso típico dessa conduta; é uma pessoa que, mesmo estando rodeada de mulheres, está eternamente insatisfeita.

Todo movimento egocêntrico denota um fracasso do homem e, normalmente, desemboca no niilismo, representado pela procu-ra da satisfação individual. Dessa forma, o outro se torna objeto.

AMOR INTERPESSOAL, DIMENSÃO CONSTITUTIVA 7. DO HOMEM

O personalismo filosófico, partindo da análise da estrutura do existente humano, explica o amor como o sentimento de des-centralização do "eu" nos outros.

O "eu", pelo amor, é expelido numa relação centrífuga para o "tu".

A pessoa não deixa de ser ela mesma na relação amorosa; o que consegue é enriquecer-se por ser estimulada pela presença do próximo (tu). Por isso, podemos dizer que a relação amorosa pos-sibilita desenvolver potencialidades que, de outra forma, ficariam contidas dentro do círculo do egocentrismo?

Com o outro, cria-se um vínculo de reconhecimento recípro-co e um intercâmbio de valores, nunca uma substituição dos valo-res de um amante pelos valores do outro.

O homem, por meio da "unicidade", componente essencial da pessoa humana (ver a Unidade 1), pode diferenciar-se pelo seu ser e pelos seus atos, bem como pela "alteridade", que garante que nem o "eu" seja objeto para o "tu" e nem o "tu" objeto para o "eu".

O amor é um protofenômeno originário que nunca pode ser conce-bido como epifenômeno.

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O amor caracteriza-se por seu caráter "excêntrico". Isso é possível porque a pessoa humana possui dimensão espiritual, enquanto o animal está centrado em seu próprio organismo; o homem, pela sua capacidade de ser "ex-cêntrico", pode sair de si e dirigir-se ao tu; sente-se impulsionado, ou melhor, motivado pelo amor. Por essa capacidade de descentralização de si próprio, liberta-se "do aqui e agora" e pode transcender-se, superando sua própria limitação. A saída de si garantirá a superação do narcisis-mo, do egoísmo.

O amor empurra para fora de si quem ama. Tomás de Aquino e Agostinho de Hipona escreveram que o amor puxa, arrasta quem ama para fora de si. É esse o lugar onde a alma tem sua existência verdadeira.

Kierkegaard (2005, p. 34), em As obras do amor, escreve: "O Amor não é uma qualidade reservada para si mesmo, é a quali-dade mediante a qual existe para os outros". Esse "existir para os outros", na concepção cristã do amor, é total.

Na obra O banquete, Platão define o amor como dádiva divi-na. Essa obra é dedicada ao amor em seus diversos aspectos.

Leia o seguinte excerto da obra O banquete sobre a impor-tância do amor no pensamento platônico:

Primeiramente, tal como agora estou dizendo, disse ele que Fedro começou a falar mais ou menos desse ponto, "que era um grande deus o Amor, e admirado entre homens e deuses, por muitos outros títulos e, sobretudo, por sua origem. Pois o ser entre os deuses o mais antigo é honroso, dizia ele, e a prova disso é que genitores do Amor não os há, e Hesíodo afirma que primeiro nasceu o Caos –

... e só depois

Terra de largos seios, de tudo assento sempre certo, e Amor...

Diz ele então que, depois do Caos foram estes dois que nasceram, Terra e Amor. E Parmênides diz da sua origem

bem antes de todos os deuses pensou em Amor.

E com Hesíodo também concorda Acusilau. Assim, de muitos lados se reconhece que Amor é entre os deuses o mais antigo. E sendo o mais antigo é para nós a causa dos maiores bens. Não sei eu, com

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efeito, dizer que haja maior bem para quem entra na mocidade do que um bom amante, e para um amante, do que o seu bem-amado. Aquilo que, com efeito, deve dirigir toda a vida dos homens, dos que estão prontos a vivê-la nobremente, eis o que nem a estirpe pode incutir tão bem, nem as honras, nem a riqueza, nem nada mais, como o amor. A que é então que me refiro? À vergonha do que é feio e ao apreço do que é belo. Não é com efeito possível, sem isso, nem cidade nem indivíduo produzir grandes e belas obras. Afirmo eu então que todo homem que ama, se fosse descoberto a fazer um ato vergonhoso, ou a sofrê-lo de outrem sem se defender por covardia, visto pelo pai não se envergonharia tanto, nem pelos ami-gos nem por ninguém mais, como se fosse visto pelo bem-amado. E isso mesmo é o que também no amado nós notamos, que é, sobre-tudo, diante dos amantes que ele se envergonha, quando surpre-endido em algum ato vergonhoso. Se, por conseguinte algum meio ocorresse de se fazer uma cidade ou uma expedição de amantes e de amados, não haveria melhor maneira de a constituírem senão afastando-se eles de tudo que é feio e porfiando entre si no apreço à honra; e quando lutassem um ao lado do outro, tais soldados ven-ceriam, por poucos que fossem, por assim dizer todos os homens. Pois um homem que está amando, se deixou seu posto ou largou suas armas, aceitaria menos sem dúvida a idéia de ter sido visto pelo amado do que por todos os outros, e a isso preferiria muitas vezes morrer. E quanto a abandonar o amado ou não socorrê-lo em perigo, ninguém há tão ruim que o próprio Amor não o torne inspirado para a virtude, a ponto de ficar ele semelhante ao mais generoso de natureza; e sem mais rodeios, o que disse Homero "do ardor que a alguns heróis inspira o deus", eis o que o Amor dá aos amantes, como um dom emanado de si mesmo.

[...] Assim, pois, eu afirmo que o Amor é dos deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua morte (PLATÃO, 2011, p. 5-6).

A cura do amor, resiliência

O termo "resiliência" expressa a capacidade humana de se recuperar de um trauma em que a pessoa, por haver estado perto da morte, derrui emocionalmente.

Pela resiliência, a pessoa tem capacidade para "se recons-truir", depois, por exemplo, de uma infância infeliz, de uma derru-bada psíquica produzida pela proximidade da morte ou pelo tes-temunho de horrores infligidos a seres queridos ou, ainda, depois

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do trauma de ter passado por um campo de extermínio. Podemos citar, também, o caso de crianças submetidas a abusos sexuais ou de sobreviventes de catástrofes como maremotos, tornados, ter-remotos etc.

A resiliência é uma capacidade inata do ser humano espiritual, mas o processo necessita do "tu", do próximo, para poder con-cretizar-se positivamente. É isso o que opina Boris Cyrulnik, psi-quiatra francês, o qual diz que, para se recuperar de um trauma que ocasionou a morte psíquica, é fundamental a companhia com seus pressupostos: o contato, o carinho protetor, a alimentação, os cuidados e a palavra.

Na Antropologia de Santo Tomás, essa capacidade já foi mos-

trada como fortaleza, faculdade espiritual que nós temos e que

nos permite a oposição ao infortúnio e, portanto, ao determinis-

mo fatalista.

Cyrulnik (2004) comprovou que as crianças abandonadas

têm um desenvolvimento biológico mais retardado que as amadas

e protegidas. Com maior frequência, sofrem de atrofias cerebrais,

chegando a manifestar até a interrupção da secreção hormonal.

Encontrar um amor para essas pessoas mutiladas é dar-lhes uma

segunda chance. Essas investigações reforçam a teoria de que o

amor intersubjetivo é de fundamental necessidade para a saúde

da pessoa humana ou do ser espiritual.

Amor: centro do pensamento contemporâneo

Os pensadores clássicos perceberam logo a importância do

amor como sentimento constitutivo do homem. Tanto Santo Agos-

tinho de Hipona como Santo Tomás de Aquino explicam que, por

detrás do amor, está o bem; amor e bem se identificam na antro-

pologia "agostiniana".

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169© Ser em Relação

Santo Agostinho via o amor como energia que atua no homem. Prévio ao ato amoroso, o amor é o desencadeante do ato, nunca o contrário. Identificava essa energia com a divindade. A razão amo-rosa está de alguma forma referida à divindade. Por quê? Porque, para Santo Agostinho, é impossível amar o que não se conhece, o que não é possível ver, e o conhecimento do Deus Amor só é al-cançado pelo homem ao amar o irmão. Por isso é que, na cateque-se, se ensina que o primeiro mandamento é igual ao segundo.

Após uma longa época de domínio da "filosofia egológica",

do domínio do "ego" e de sua antropologia racionalista moderna,

que pressupunha um "eu solitário" vivendo na sociedade industria-

lizada, reaparecem, no horizonte filosófico, projetos para resgatar

o homem da solidão. A corrente que vai reorientar a consciência

do homem para si mesmo ressurge com a antropologia contem-

porânea. Antropologia que prioriza a reflexão sobre o homem,

rejeitando radicalmente a redução do homem a uma consciência

individual e autossuficiente, orientada unicamente para o conhe-

cimento e para o domínio do mundo material por intermédio das

ciências e da técnica.

Resumindo: podemos dizer que o amor é constitutivo da

pessoa. A valorização do amor é que está sujeita à influência das

ideologias. São elas que determinam as formas de ver e de abor-

dar o amor; mesmo assim, em nenhuma ideologia, o amor pode

aparecer como uma coisa que possa ser substituída, ainda que,

muitas vezes, apresente-se como um grande paradoxo em que ho-

mens lutam e matam-se para alcançá-lo.

O amor recebido –––––––––––––––––––––––––––––––––––––O amor recebido é um fator determinante do desenvolvimento e do equilíbrio da pessoa humana. Nós nos fazemos pelo amor do outro e, inicialmente, pelo amor materno. Somos homes amando, falando, promovendo o outro como pessoa etc. Esse movimento ascendente (amar, promover, acompanhar) é possível pelo fato de alguém nos tenha amado e promovido como pessoas.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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Autores como Montagu (apud CABADA, 1994) afirmam, ba-seados em dados estatísticos, que a única forma de aprender a amar é sendo amado. Portanto, aquele que não foi amado ou que teve pouca ternura vai ter dificuldades para amar.

Montagu é autor da obra ¿Qué es el hombre?, editada pela Paidós (Buenos Aires). Outra importante obra desse autor é La dirección del desarrollo humano, editada pela Tecnos (Madrid).

As fêmeas não humanas não precisam aprender a amar suas crias, pois esse comportamento já está no instinto materno. Na mãe humana, o instinto não é determinante. Prova disso são as mães que deixam seus filhos com auxiliares ou que nem cogitam amamentar por ter os seios modelados com silicone. A mãe huma-na é motivada pela energia amorosa, mas pode desconhecer esse impulso e tratá-lo com desprezo.

O amor interpessoal (objeto desta unidade), na relação "Eu"–"Tu", além de cuidados, demanda respeito, autoentrega, descentraliza-ção e preocupação com o desenvolvimento integral da pessoa amada.

A presença do outro –––––––––––––––––––––––––––––––––– No século 19, com a perda de vigência da fi losofi a do espírito, que tivera seu esplendor com Herder, Kant, Fichte e outros pensadores do século 18, a fi losofi a fi ca relegada a ciências particulares, como a biologia, a anatomia etc. Dessa linha de pensamento, baseada na causalidade mecanicista, surge uma antropo-logia com conteúdo puramente material. Essa antropologia reducionista privou o homem de suas dimensões pessoais, bem como de suas dimensões ética, axiológica e religiosa, superdimensionando a atenção em seus interesses indi-viduais e em seu intento de estender seu poder sobre os demais. Partindo do resgate e da reinterpretação da existência humana, coloca-se a relação com os outros como elemento prioritário do universo humano. O amor que está dirigido ao outro faz com que o "tu" se apresente a nós como uma realidade da qual não podemos fi car indiferentes, uma realidade que nos atrai como um polo imantado. A presença do outro faz surgir em nós a entrega pessoal, que, por sermos seres de relação, é fundamental para o crescimento do "eu".

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Quando se fala de amor, não se pode deixar de estudar o entorno cultural em que este tem lugar; afinal, há uma estreita relação entre cultura e amor.

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Ideologias reducionistas, como o Positivismo Lógico, fechado no mero dado empírico, nunca vão ter uma concepção do amor como a que tem a Antropologia Filosófica, que está preocupada com a procura da essência humana, com seu fundamento ontológico, e que estuda o homem e as manifestações de seu ser. Na sociedade atual, o homem está convertido em meio, fechado em sua indivi-dualidade. Impera, em nossa sociedade, um ser desumanizado: o homem "coisificado", que perdeu a fé. O que era a fé, senão o esforço do homem para procurar o sentido de sua vida e do meio em que se encontra relacionado? Isso, entre outras coisas, é pro-duto da desvalorização do amor. Qual a sua opinião sobre essa situação?

O amor está sempre presente nas relações culturais, e a cul-tura matiza-o. Essa realidade leva à existência de diferentes pon-tos de vista sobre o ato amoroso. Das diferentes interpretações filosóficas surgidas ao longo da história da humanidade, desenvol-veram-se diferentes concepções de amor. M. Buber (1976) afirma acertadamente que é somente na relação "viva" (existente) que podemos conhecer a essência peculiar do homem. O amor, como toda manifestação humana, está dentro da cultura do homem e, portanto, sujeito às mudanças culturais que acontecem.

Concluindo, diríamos que infelizmente o homem, em nome da liberdade, submeteu-se à necessidade e ao consumo desenfre-ado. Essa autolimitação deformou seu humanismo, que o elevava por cima das coisas. E. Fromm (1970), na obra A arte de amar, ex-plica por que o amor é um fenômeno "marginal" da sociedade atu-al, a qual é preocupada em ter e esquecida do ser. É tarefa urgente recuperar o amor, que é o mesmo que dizer: é tarefa urgente amar o próximo para poder ser amado, porque, como diz Cabada (1994), quem ignora a natureza do amor ignora todo o bem do homem.

Assim como a racionalidade, o amor é considerado um dos elementos constitutivos primordiais da pessoa. Ele é o guia orien-tador da pessoa e, também, uma de suas fontes criadoras.

O homem passa por dois estágios amorosos fundamentais: o da mãe, representado pelo amor materno, e o da madrasta, termo

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que contém o amor social protagonizado pelo próximo e pela na-tureza. Se o amor da mãe fosse limitado à proteção da criança, se-ria apenas instinto maternal de proteção; se o casal fosse somente produto da manifestação da libido ou da sublimação do sexo, não estaríamos reconhecendo o movimento do "eu" dirigido amorosa-mente a um "tu". O amor humano é fonte da construção da perso-nalidade do ser amado, que vai ter possibilidades reais de conviver numa sociedade em que será reconhecido e, ainda, reconhecerá o próximo como pessoa na mais pura singularidade.

O amor é "possibilitante" da realização interpessoal, uma vez que é uma força interior que atua sobre o indivíduo, evitando que este se feche no individualismo. Quem ama "descentra-se" de si em direção ao tu, despertando para valores que o sujeito fechado em si mesmo nunca poderia perceber. Quem ama deve ser ético na relação. Quem nunca amou não sabe se alguma vez superou a dimensão da pura satisfação de necessidades materiais. Como diz V. Frankl (2003, p. 178): "o amor auxilia a pessoa comprometida para enxergar além da realidade presente porque faz antecipar na pessoa amada as qualidades que lhe são próprias, porém ainda não reveladas".

No plano social, o amor possibilita a concretização de uma ponte de solidariedade com base na equidade. O surgimento da pessoa como substância individual, segundo o conceito de Boécio, não é possível sem a relação com os outros, sem o entorno pesso-al fora da dimensão amorosa. Esse é um ponto muito importante que é ressaltado com ênfase nas filosofias personalistas, já que, ainda hoje, se mantém o conceito de que o que tem valor são as coisas.

Até aqui você pôde observar o caráter de transcendência do amor na elevação do indivíduo à dimensão de pessoa humana. Pôde compreender, também, a relação existente entre a dimensão espiritual e a relação psicofísica como fonte que possibilita o sur-gimento do amor.

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EU�MUNDO8.

Você viu que no homem (sempre submergido na existência) atuam conjuntamente a dimensão biológica com a psíquica e com a intelectual ou espiritual. Além disso, no homem, a matéria de-pende do espírito para conformar um ser de liberdade, e espírito, por sua vez, conta com o corpo (matéria) para a realização do pro-jeto pessoal. Essa união, condição essencial para que o homem seja tal, demanda uma harmonia e é somente dentro dessa har-monia que o ser humano é pessoa, que pode se sentir eu-mundo (sujeito ante o mundo).

A partir de um raciocínio similar, podemos dizer que a natu-reza pressupõe Deus, numa relação parecida à do corpo biológico com a dimensão espiritual.

NATUREZA9.

Quando falamos em natureza, em cosmo, logo estamos pen-sando em Deus; para desenvolver o tema, consideramos impor-tante estabelecer consenso sobre alguns pontos:

É importante destacar que, para a maioria dos pensa-1) dores que trabalham na concepção filosófico-antropo-lógica sobre o homem integral, a presença de Deus na natureza não pode ter o caráter de um recurso artificial produto de uma fantasia transcendental — ela é real. Mesmo que o próprio homem crie seu eu, sua persona-lidade, a dimensão transcendente, que Zubiri denomina "Dimensão teologal" (Zubiri apud Lucas, 1996. p. 255), é um constitutivo humano.

O homem possui a intuição de que o mundo está orde-2) nado, de que existe uma ordem no ser, uma causalidade que confere beleza, que desperta admiração, êxtase, e que toda essa afirmação não discorda da capacidade ra-cional de pensar o mundo.

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A ciência é a responsável por provar esses princípios. Hoje, 3) o trabalho de geneticistas, biólogos e físicos tem demons-trado um alto grau de aprofundamento nesse campo que, anteriormente, era restrito à filosofia ou à religião.

O princípio de causalidade necessária que há por trás da 4) concepção naturalista do mundo bate de frente com a liberdade humana, porque o homem, no uso de sua li-berdade, dificilmente aceitará satisfazer-se apenas com o conhecimento racional do ser sensível. Aceitar o natu-ralismo é aceitar o relativismo dos valores.

Se submetermos toda a responsabilidade humana ao social, ao evolutivo, ao programa genético, e esquecermos os atos livres de caráter espiritual que são provocadores dos fatos sociais, se deixarmos de levar em conta a existência da verdade contida no ser, guia da conduta verdadeiramente humana de orientação para o bem, ficaremos submetidos ao relativismo dos valores morais — e essa conduta pode levar diretamente ao niilismo.

Propomos a leitura de um exceto da obra de Juan Manuel Burgos, Repensar la naturaleza humana, onde faz uma reflexão sobre a natureza humana identificando os conceitos vigentes mais relevantes: o naturalista, o clássico e o culturalista.

Concepções da natureza do homem –––––––––––––––––––––Intentar determinar de maneira absoluta o conceito de natureza humana é uma tarefa – além de difícil – provavelmente inútil. Perguntar pela natureza humana equivale a perguntar-se pelo homem, interrogar-se sobre o signifi cado de ser uma pessoa. Mas a capacidade inesgotável desse ser misterioso tem feito com que as respostas a esse questionamento ao longo da história da humanidade se-jam incontáveis e díspares. O homem se pensou a si mesmo próximo dos anjos e dos deuses como sendo um pedaço de matéria condenada à aniquilação mais absoluta, junto com todas as possibilidades intermediárias. Seguir e perseguir todas essas visões não conduziria a nada mais que obter, depois de um trabalho ímprobo, um inventário imenso correspondente aos inúmeros modos pelos quais o homem se tem entendido a si mesmo.

Seja como for, esse não é o objetivo perseguido nesta obra. O nosso objetivo é repensar a noção de natureza humana exclusivamente em relação à tradição clássica, por dois motivos: O primeiro, porque intelectualmente nos situamos no interior dessa tradição entendida em sentido amplo, ou seja, na medida em que compreende as fi losofi as que podem ser denominadas realistas; o segundo, por-que o conceito de "natureza humana" desta tradição não se encontra atualmente

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em seu melhor momento, e justamente por isso, se faz necessário repensá-lo para tentar chegar ao fundo dos problemas que coloca – reais ou supostos – e das críticas que recebe, para considerar se são consistentes ou não e quais ca-minhos devemos adotar para essa análise.

Isso nos conduz a concepções básicas:

1º – a natureza humana como natureza; 2º – o conceito clássico e 3º – o conceito moderno. Ascenderemos a elas mediante um procedimento histórico.

A natureza humana como natureza: o naturalismo

O conceito de Natureza, como quase todos os grandes conceitos da fi losofi a, tem origem grega. Provém da palavra latina natura, que é uma tradução do grego physis, um substantivo cuja raiz phyo signifi ca nascer, brotar, surgir, produzir, crescer etc. No mundo grego, a pergunta pela Natureza foi, inicialmente, uma pergunta pelo sentido e pelo signifi cado de todo o real, também pelo fundo último de tudo que existe e, desde essa perspectiva, se identifi ca inicialmente com a arché dos pré-socráticos, o princípio último que dava sentido e explicava todo o real. Explica Zubiri que, "quando o homem grego se enfrenta com o universo perguntando o que é a Natureza, entende por Natureza o conjunto de tudo quanto existe: conjunto não somente no sentido de que seja a Natureza uma soma das infi nitas coisas que existem no universo, mas sim, sobretudo, no sentido de que, naturalmente, brotam da Natureza todas essas infi nitas coisas e dentro delas o homem, com seu próprio, pessoal e individual destino. Por isso este conjunto, natura, physis, Natureza".

A Natureza é simplesmente o conjunto do que existe e que possui em seu interior uma força originária e dinâmica que gera o maravilhoso fl uxo da matéria e da vida que o homem pode contemplar. O ar, o fogo, o vento, a água, os materiais e as rochas, as plantas e os animais nascem, crescem, se desenvolvem, vivem e morrem impulsiona-dos por uma tensão e força interior que os dirige e os orienta. Tudo isso é natureza.

Essa é a origem e o primeiro signifi cado do termo "natureza"; um signifi cado que permanece vigente literalmente na nossa linguagem e que poderíamos traduzir – de maneira repetitiva, pois os conceitos primários só se podem descrever – como o conjunto das coisas naturais, ou seja, o cosmo, as plantas e os animais. Pertence o homem à natureza? Decerto pertence. A natureza é tudo. O proble-ma é até que ponto se diferencia. Diógenes de Apolônia e Demócrito usaram a expressão Antrophine physis (natureza humana), apontando assim à necessi-dade de distinguir o homem dos demais seres, porém, em geral, os gregos não insistiram nessa diferença e, sobretudo, não o fi zeram por meio do conceito de natureza que fi cou referido e fi xado fundamentalmente ao mundo natural. Só por extensão se aplicaria aos homens. O que nos interessa é o fato de que o mundo grego gera uma primeira concepção do termo natureza que é, por outro lado, a mais difundida atualmente, e que se identifi ca com o mundo confi gurado pelos seres materiais e biológicos e pelas leis que os governam. Assim, em boa medi-da, natureza é o mundo específi co do não humano, ao qual o homem pertence somente identifi cando-se com ele (perdendo desse modo sua humanidade).

Que conteúdos implica hoje em dia esse conceito?

A natureza assim entendida sugere perfeição, beleza, espontaneidade, har-monia, pureza, antiguidade não violada, situação originária. Contém a ideia de princípios ou leis de desenvolvimento estabelecidos por vias independentes do homem, que este não pode alterar nem controlar internamente.

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[...] Nem todos os fi lósofos e pensadores estão de acordo a respeito de que se possa ou se deva estabelecer uma distinção estrita entre natureza e natureza hu-mana. Para a corrente contemporânea que Spaemann denominou "fi sicalistas" e que nós determinaremos "naturalistas" por abarcar espectro mais amplo de ideologias, é mais uma posição que sempre existiu. Pensemos, por exemplo, nos atomistas. A natureza humana não é uma natureza especial, não se diferencia essencialmente da natureza dos animais e das plantas, por isso entra perfeita-mente dentro do reino da natureza e forma parte dele.

[...] Embora a diferenciação entre o homem e o animal seja evidente, nem sem-pre é fácil precisar conceitualmente em que consiste exatamente, já que muitos animais, e especialmente os denominados superiores, realizam funções simila-res às humanas.

O conceito clássico de natureza humana

O conceito básico de natureza humana que estamos apresentando nos conduz fundamentalmente a Aristóteles. Esse conceito de natureza, com muito poucas modifi cações, é o que tem perdurado ao longo dos séculos e teve – por intermé-dio da tradição aristotélico-tomista, uma infl uência imensa no pensamento oci-dental em geral e no cristianismo em particular. Como exemplo, podemos usar o impressionante projeto especulativo de defi nição dogmática dos mistérios tri-nitários e cristológicos a partir dos conceitos de natureza e pessoa (hypostasis) presente no cristianismo em seus primeiros séculos de existência. O grande mé-rito de Aristóteles é a transferência do conceito de natureza do mundo empírico ao fi losófi co, ação que se consolidaria pela elucidação precisa e poderosa de um princípio fundamental da realidade que – no marco de um sólido quadro metafí-sico – se converteria em um dos conceitos-chave do pensamento fi losófi co oci-dental, seja – como sucedeu inicialmente – para assumi-lo, seja, como sucederia a partir da modernidade, para rejeitá-lo.

[...] Da perspectiva de Aristóteles, o homem tem uma natureza como o resto dos seres, pois, na medida em que se é algo, tem-se inevitavelmente uma essência e um princípio de operações, isto é, uma natureza; porém, diferentemente dos demais entes – e isso é o fundamental –, pode aderir ou não livremente a ela; pode atuar segundo o que ela lhe dita ou opor-se a essas indicações. Aqui está a diferença essencial graças à qual é possível salvar a noção de natureza para o homem e aplicar-lhe uma noção que, inicialmente, não só não tinha sido forjada para ele, e sim para distinguir algumas realidades (as naturais) desse mesmo homem. Em defi nitivo, no que se refere a Aristóteles, temos o seguinte. O con-ceito metafísico de natureza é aplicável a todos os entes e implica basicamente duas ideias distintas:

O que as coisas são, o porquê das coisas. A natureza de uma coisa indica seu modo de ser, e, nesse sentido, é um conceito próximo à essência;

O princípio intrínseco de movimento das coisas, que as faz tender para seus fi ns; a natureza, desse ponto de vista, é um princípio dinâmico e ativo [...]

O conceito moderno de natureza: culturalismo

Quando falamos de modernidade, geralmente citamos Descartes, e nos referi-mos a sua separação radical de substância: res extensa, res cogitans. A physis aristotélica – como acabamos de ver – nunca havia sido uma realidade estática e passiva, mas, ao contrário, a fonte intrínseca do movimento de cada ser. Porém,

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Descartes reduz a corporeidade à extensão, expulsando automaticamente os princípios do movimento para as dimensões espirituais da pessoa. O corpo se converte desse modo em uma máquina passiva movida pelo espírito (o dualismo do "Fantasma na máquina" criticado por Pinker, entre outros).

[...] Uma observação conclusiva que talvez possa surpreender à primeira vista, que, porém, é perfeitamente certa. Em realidade, a concepção moderna do con-ceito de natureza coincide com a perspectiva naturalista (BURGOS, J. M. 2007, p.18-37. Tradução nossa).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

CONHECIMENTO DO SER HUMANO 10. BIO!PSÍQUICO!!ESPIRITUAL

A racionalidade é uma característica que define o homem. A vida intelectual do homem, entre outras coisas, faz possíveis as ciências, a cultura, o comportamento ético.

Na Antiguidade, os gregos perceberam a importância do inte-lecto (nous) porque, como diz Aristóteles (1973), no Livro X da Ética a Nicômaco, com ele participamos do divino. Denominavam Nus ou Nous a inteligência; a seu ato intelectivo, denominam ánoesis, cha-mando o objeto de noema. O termo intellectus é de origem latina e significa "entre-ler". Santo Tomás (apud MONDIN, 1983) diz que a inteligência "entre-lê" as linhas da escritura do mundo fenomênico. O intelecto vê na natureza das coisas – intus legit – mais profunda-mente do que os sentidos sobre os quais exerce sua atividade.

Quando se fala em entendimento, há uma regra de ouro: nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu. "Nada há no entendi-mento que não tenha sido dado pelos sentidos".

Formas de conhecer o mundo

Denominamos conhecimento à possessão intencional ou imaterial de algum aspecto da realidade. No ato do conhecimento, o sujeito que conhece se enriquece à medida que entra em conta-to com os diferentes modos do ser. A ação de conhecer permite ao homem estender seus limites e abrir-se à reflexão.

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Na existência, o conhecimento humano forma com o objeto um ditongo inseparável. O objeto é o outro, aquele que opõe re-sistência, mas que dá conteúdo ao ato cognitivo. O conhecimento humano possui dois níveis: o sensível (nível do fenômeno) e o in-telectual (no nível do fundamento). Enquanto o sensível tem de-pendência orgânica, depende de algum órgão do corpo, o conhe-cimento intelectual, ainda que dependente das informações da sensibilidade, é de responsabilidade da inteligência – que capta o fundamento, a essência, o real. Sua potência não está estabelecida em um órgão específico.

Você se perguntará: e o cérebro? Descartes já concebera a mente como algo não material, que, ainda habitando a cabeça dos homens, é, em essência, diferente do cérebro. Nenhuma ex-plicação até hoje desvenda o mistério da profundidade da mente humana, da capacidade de sentir, analisar e reagir ao mundo que caracteriza o ser humano.

Voltando à capacidade de conhecer do ser humano, surge a pergunta: qual é o objeto da inteligência?

Alguns pensadores dizem que o objeto da inteligência é o ser. Para outros, é a essência das coisas materiais; para outros, a verdade; ainda há os que afirmam que é a forma dos entes, ou a quididade da coisa.

Santo Tomás (apud MONDIN, 1983) dizia que o ato de co-nhecer ocupa praticamente o total do corpo da filosofia. Olhando a evolução do pensamento filosófico até os dias de hoje, compro-vamos que existem diferentes interpretações e perspectivas do ato de conhecer.

Baseando-nos na essência do conhecimento, analisemos o que as principais correntes filosóficas defendem sobre esse ponto:

Realismo: o ponto de vista epistemológico, está centrado • no pressuposto de que há coisas reais, independentes da consciência.

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Idealismo: teoria onde o eu ocupa um primeiríssimo pla-• no. Parte do suposto de que o eu constrói o pensamento filosófico sem necessidade da realidade exterior (não há coisas reais independentes da consciência). A palavra ide-alismo é utilizada em muitos sentidos, como o metafísico e o epistemológico.

Do ponto de vista dos fundamentos, podemos dividir essas correntes em:

Racionalismo1) : deriva de ratio, razão, e dá total e exclu-siva confiança à razão humana. Encontramos uma forma antiga de racionalsimo em Platão, que está imbuído na importância do Mundo das Ideias. Essa forma de conhe-cimento baseada na contemplação das ideias chega com algumas variantes nas obras de Plotino e de Agostinho. Mas é na Idade Moderna, com a obra de Descartes, que o racionalismo experimenta uma importante intensifi-cação. Como diz Descartes, "Nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão" (HESSEN, 2003, p. 48-53).

Empirismo2) : do grego empeiria, experiência sensorial. Para entendê-lo, Locke escreve: "nada vem à mente sem ter passado pelos sentidos, nossa mente nasce como um papel em branco, sem ideias pré-existentes" (HESSEN, 2003, p. 54-59).

Apriorismo3) : Posteriormente, Kant, crente de ter con-cretizado a "revolução copernicana", converte o sujeito pensante, além das formas, no epicentro de sua teoria do conhecimento. Para esse pensador, toda a realidade gira ao redor do pensamento do sujeito capaz de conhe-cer. O conhecimento da realidade deve surgir do centro espiritual do sujeito. Esses métodos refletem uma típica noção idealista, onde o espírito é o único responsável por construir a realidade (HESSEN, 2003).

Intelectualismo4) : o homem pensado na Antropologia Fi-losófica possui um espírito aberto à transcendência. Não possuímos a capacidade de conhecer a priori a matéria, forma e a realidade do objeto, mas, pela intuição intelec-

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tual, podemos ter "um ver imediato" anterior ao raciocí-nio e ao discurso intelectual. Como diz Mandrioni (1954) em Introdução à Filosofia: essa capacidade é distintiva do intellectus. Assim, o objeto da inteligência é o ente, como indivíduo, que tem uma essência que é um ser. Se a inteligência consegue apreender o ser em todas as suas dimensões, ela estará em possessão da verdade.

Os antigos distinguiam intellectus de ratio, faculdade puramente discursiva e hábito dos primeiros princípios.

Essa teoria de conhecimento está integrada à concepção de homem como unidade substancial. A inteligência humana, faculda-de espiritual, depende da experiência sensível. Com base no dado sensível dos sentidos, apreende o ser que está presente na reali-dade material. Esse ato de alcançar a essência do ser da coisa pos-sibilita a concretização da imagem espiritual pelo entendimento, o agente para, posteriormente, se chegar ao conceito.

Até aqui, pudemos perceber claramente a importância da constituição biológico-psíquico-espiritual do ser humano no co-nhecer e no chegar à verdade. Cada dimensão contribui com uma chave para o ato do conhecimento; a soma dos sentidos, das emo-ções e da abstração inteligível possibilita que o sujeito conheça o objeto cognoscente.

A seguir, estudaremos uma definição para "conceito".

Conceito

O primeiro ato da inteligência é a reprodução do real de uma forma intelectual para ser transmitida no discurso. Esse primeiro ato consiste em formar uma ideia da coisa abstraída que está fora de nós. Nada é afirmado ou negado nesse primeiro ato intelectivo – essa etapa pertence ao juízo, que é um movimento posterior.

Dessa forma, precisamos levar em conta que abstrair nunca pode significar distorcer ou dar uma ideia equivocada da realida-

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de; esse movimento espiritual, que significa aprofundar-se na re-alidade até o permanente e imutável, tem relação genuína com o ser da coisa.

Note que a realidade necessita ser expressa com fidelidade no discurso, já que não é uma construção independente nossa. Por isso, os conceitos precisam ter validade universal, têm de ser precisos, e o discurso que os revela deve ser coerente e lógico.

O conceito deve ajustar-se com máxima fidelidade ao objeto. Pretender reduzir o conceito ou ideia a uma construção subjetiva é privá-lo da natureza individual que o caracteriza.

A forma de conhecimento que define o conhecer como o ato de unir-se ao outro ser é característica dos pensadores contem-porâneos. A filosofia contemporânea caracteriza-se por rejeitar o idealismo; o "eu" não é aceito isoladamente, necessita do contato com a experiência, com o mundo. Essa forma de conhecimento está baseada no conceito de intencionalidade, porque, fenome-nologicamente, todo conhecimento precisa da participação da consciência (intelectual). Intelectualizar é ter consciência de algo. A relação criada com o objeto é intencional e enriquece o sujeito.

Dinâmica do conhecer

Sempre que analisamos a dinâmica do conhecer, desembo-camos no problema da verdade. E, como diz Pascal (1999), deve-mos conhecer o efetivo, mas também existe o afetivo. Aqui entra-mos na dimensão pascaliana de "coração" (coeur):

Nós conhecemos a verdade não somente pela razão, mas ainda pelo coração. É desta última maneira que conhecemos os primeiros princípios e é em vão que o raciocínio, que não toma parte nisto, tenta combatê-los. [...] (PASCAL, 2001, p. 282).

Pois os conhecimentos dos primeiros princípios: espaço, tempo, movimento, números, são tão firmes quanto qualquer daqueles que os nossos raciocínios nos dão e é sobre esses conhecimentos do coração e do instinto que é necessário que a razão se apóie e fundamente todo o seu discurso. (PASCAL, 2001, p. 267).

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O coração pascalino tem duas funções, uma volitiva, outra cognitiva. Serve como órgão de conhecimento, já que é ele que possui os primeiros princípios.

O real se mostra ao homem como verdade e é interiorizado como conhecimento, mas também se mostra como bem, por isso Pascal explica que, junto com o conhecimento, o homem deve es-tar aberto à potencia da afetividade.

QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS11.

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

Leia a síntese apresentada e indique a única alternativa 1) errada.

O eu (ontológico) é o centro da pessoa, onde se organiza a realidade bio-psíquico--espiritual. Este termo, "pessoa", é indicador da singularidade que caracteriza o ser humano. Todo ser humano tem uma dimensão psicológica ou eu psicológico, é sujeito social e desenvolve uma construção epistemológica. Mas a condição espi-ritual do homem possibilita que sejamos pessoas, mesmo estando condicionados ao mundo da matéria.

Por ser um ser no mundo, a pessoa sempre se expressa de forma física a) e espiritual.Tudo no homem é pensado, negociado, avaliado. Não existem instintos b) cegos ou paixões de forma autônoma.O homem não vive imerso no meio ambiente, não vive na imediativi-c) dade. Vive na mediação da liberdade, dentro de um mundo humano, estruturado pela cultura.O homem, como ser no mundo, tem necessidade de entrar em comuni-d) cação com outras pessoas (outros "eus") e assim deixa de ser ele mes-mo.

Analisemos o pensamento do filósofo P. Ricoeur (1991), que diz que a se-2) xualidade ocupa um lugar de destaque na antropologia, visto que tem uma ressonância que se manifesta em todo o corpo. Não podemos pensar que a sexualidade humana pode ser simplesmente reduzida à sexualidade animal, pois a sexualidade humana deve estar sempre inserida dentro do universo do amor. Podemos afirmar que:

O encontro homem-mulher reveste-se de um caráter especial por serem a) ambos espirituais.A relação amorosa não é exclusiva do corpo. Nessa relação, não enxerga-b) mos somente o físico.

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Todo movimento egocêntrico denota um fracasso no homem e, normal-c) mente, desemboca no niilismo, representado pela procura da satisfação individual. Dessa forma, o outro se torna objeto.O personalismo filosófico, partindo da análise da estrutura do existente d) humano, explica que o amor é o sentimento de possessão do outro.

A seguinte teoria de conhecimento está integrada à concepção de homem 3) como unidade substancial. Indique a única alternativa correta.

A inteligência humana, faculdade espiritual, não depende da experiência a) sensível, que é falha e cheia de imprecisões.O conceito, primeiro ato da inteligência, é a reprodução do real de forma b) vaga e generalizada. A apreensão do nome é a forma intelectualizada.A filosofia contemporânea caracteriza-se por rejeitar o idealismo; o "eu" c) não é aceito isolado, necessita do contato com a experiência, com o mundo.Note que a realidade necessita ser expressa no discurso, que é imperfei-d) to por estar baseado em convenções determinadas por necessidade.

Reflita sobre a seguinte questão:4)

Se aceitarmos que somos pessoas pela vontade de Deus, como diz Lévinas, se reconhecemos que no rosto do outro encontramos Deus, a imortalidade pode formar parte de nosso projeto pessoal?

Gabarito

Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-toavaliativas propostas:

d.1)

d.2)

c.3)

Conclusão pessoal.4)

CONSIDERAÇÕES12.

Chegamos ao final de nosso estudo da disciplina Antropolo-gia Filosófica. Em seu transcurso, vimos que esta disciplina surge na primeira metade do século 20, conjuntamente com a tensão entre humanismo e anti-humanismo, o interesse pela tecnologia e a preponderância ideológica dos sistemas que propõem o mer-

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cado de consumo. A proposta central da Antropologia Filosófica é entender o lugar do homem no universo, bem como sua natureza e seu destino. Em outras palavras, é responder à questão: "Quem é o homem?" Ou melhor: "Quem sou eu?" Como despedida, dei-xamos uma refeflexão de José Saramago, escritor português:

Acho que na sociedade atual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objetivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objeti-vos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem idéias, não vamos a parte nenhuma (apud MERCADO ÉTICO, 2011).

E�REFERÊNCIAS13.

MERCADO ÉTICO. É urgente voltar à filosofia e à reflexão. Disponível em: <http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/e-urgente-voltar-a-filosofia-e-a-reflexao/>. Acesso em: 16 jan. 2012.

PLATÃO. O Banquete (o amor, o belo). Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2279>. Acesso em: 16 jan. 2012.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 14.

ABBAGNANO N. História da filosofia. Lisboa: Editorial Presença Ltda., 1985.

AGOSTINHO DE HIPONA. A cidade de Deus. Lisboa: Edição da Fundação Gulbenklan, 2000.

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