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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL- NOTURNO
Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES DE SER MÃE ESPECIAL
Santa Maria, RS 2017
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Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES DE SER MÃE ESPECIAL
Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Especial - Noturno da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Educação Especial.
Orientadora: Profª. Drª. Elisane Maria Rampelotto
Santa Maria, RS, 2017
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Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES
DE SER MÃE ESPECIAL
Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Especial- Noturno da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Educação Especial.
Aprovado em 04 de Dezembro de 2017:
________________________________________
Elisane Maria Rampelotto, Dra. (UFSM) (Presidente/Orientadora)
________________________________________ Lorena Inês Peterini Marquezan, Dra. (UFSM)
________________________________________ Ariane Santellano de Freitas, Ms. (LAPPAP/UFRGS)
Santa Maria, RS 2017
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DEDICATÓRIA
À minha filha Manuela por iluminar minha vida!
Motivo e inspiração para seguir em frente...
A você todo meu amor!
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AGRADECIMENTOS
A Deus pela força e coragem emanada durante esse percurso.
Ao meu querido Inácio, por acreditar que eu seria capaz, por me ouvir em todos os
momentos, pelo incentivo, apoio e amor demonstrados, jamais esquecerei.
Aos meus pais, Sergio e Jussara, pela ajuda inestimável, pela presença marcante e
apoio na conclusão desta empreitada. Amo vocês!
À minha filha Manuela, luz do meu caminho, por sua força e coragem de viver. Amo
você infinitamente!
À minha irmã Franciele e meu sobrinho Gabriel, pelo carinho e atenção para com
minha filha.
À minha sogra Ullia e seu esposo Rogério, pela presença, cuidado e carinho com
minha família. Minha gratidão eterna!
À Professora Elisane, minha querida orientadora meu agradecimento especial, pela
orientação segura e competente, por sua paciência, dedicação e respeito para com
as minhas dificuldades, pelo incentivo de todas as horas, minha eterna gratidão e
carinho. Sem a senhora nada disso seria possível.
Ao professor Carlo, pelos valiosos ensinamentos!
As professoras Ana Cláudia, Guacira, Glaucimara, Josefa, Sabrina e Nara Joice,
pelos ensinamentos durante a realização das disciplinas.
À Fabiane, por ser um exemplo a ser seguido como Educadora Especial. Muito
obrigada pelos conhecimentos.
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À querida amiga Medianeira, por me apoiar e me ouvir em nossas conversas de
sábado à tarde. Obrigada pela sua paciência e palavras encorajadoras.
À Professora Lorena e à Psicóloga Ariane, por terem aceitado fazer a leitura e parte
da banca de qualificação e defesa desse Trabalho de Conclusão de Curso, bem
como pelas orientações e sugestões feitas que contribuíram para a sua qualificação.
As amizades que tive a oportunidade de construir durante a graduação, em especial,
as amigas Eliane e Francieli. Sinto-me muito agradecida por ter conhecido vocês.
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“Voltar ao passado é viver um encontro
com aquela que fui, aquela que sou e
aquela que serei. É poder neste encontro
aprender a valorizar essa trajetória”.
(Santos)
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RESUMO
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES DE SER MÃE ESPECIAL
AUTORA: DANIELE FRANCISCA CAMPOS DENARDIN DE BITTENCOURT ORIENTADORA: Prof.ªDr.ª ELISANE MARIA RAMPELOTTO
Santa Maria, 04 de Dezembro de 2017.
Na busca de reencontrar e [res] significar novos caminhos, pretende-se entrar nesta escrita para narrar uma história. No entanto, a problemática para narrar essa história utiliza-se como problema de pesquisa, questionar como se constitui a trajetória e a experiência de Ser mãe de uma criança especial? E como acontece as [res] significações da maternidade?Com eixo nestas perguntas, vou narrar minha história como mãe especial. Diante disso, o objetivo central desse estudo estabelece em buscar evidências nas formas de se narrar e de narrar as experiências e [res] significações da maternidade e a condição de Ser mãe especial. Apresenta-se como referencial teórico A instituição família através dos tempos: Do conceito à sua organização, discorro também sobre as considerações históricas da maternidade e o papel de ser mãe, dispondo de fatos históricos e o sentimento da maternidade, por fim, utiliza-se da seguinte questão: E quando o filho (a) nasce com deficiência? Onde se propõe uma breve reflexão nas vivências e relações que cercam este contexto. Será uma pesquisa de natureza qualitativa, ancorada pela abordagem biográfica, especificamente, uma autobiográfica. Participa da pesquisa a filha da autora. A autobiografia é apresentada sob forma de memorial. Os recortes da memória serão intercalados na escrita com fotos da filha com Síndrome de West, do sujeito e autora desta pesquisa. As narrativas autobiográficas são divididas em quatro capítulos. No primeiro capítulo intitulado: Um encontro, uma história, é apresentado sob forma de breves relatos os momentos da constituição da família da autora, no segundo capítulo, que recebe o título: A realização de um sonho: da gravidez ao nascimento, narram-se os principais momentos desde a descoberta da gravidez até o nascimento, já no capítulo três, intitulado Dúvidas, medos e incertezas: um diagnóstico encontra-se as narrativas envoltas ao processo do diagnóstico e aceitação da deficiência da filha. No quarto e último capítulo que recebe o título de (Re) Significações da maternidade: um encontro comigo mesma, apresentam-se as experiências e as ressignificações da maternidade especial. Espera-se com este estudo que, além de partilhar as experiências vividas e pensadas de uma mãe especial, que esta autobiografia possa auxiliar e contribuir, de alguma forma, na trajetória de outras mães especiais.
Palavras-Chave: Mãe Especial. Experiências. Ressignificações Materna.
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AUTOBIOGRAPHICAL NARRATIVES: EXPERIENCES & [RES] MEANINGS OF BEING A SPECIAL MOTHER
AUTHOR: DANIELE FRANCISCA CAMPOS DENARDIN DE BITTENCOURT ADVISOR: Prof.ªDr.ª ELISANE MARIA RAMPELOTTO
Santa Maria, December 04, 2017.
In the search to rediscovering and [res] finding new paths, it's intended to enter this writing to tell a story. However, the problem to tell this story is used as a research problem, to question how is the trajectory and the experience of being the mother of a special child? And how do the [res] significations of motherhood come about? Based on these questions, I will tell my story as a special mother. Thus, the central objective of this study is to seek evidence in the ways of narrating the experiences [res] of motherhood and the condition of being a special mother. It presents as theoretical reference the institution family through the times: From the concept to its organization, I also talk about the historical considerations of motherhood and the role of being a mother, having historical facts and the feeling of motherhood, lastly a big question is: And when the child is born with a disability? Where is proposed a brief reflection on the experiences and relationships that surround this context. It will be a qualitative research, anchored by the biographical approach, specifically autobiographical. The author's daughter participates in the research. The autobiography is presented as a memorial. The memory "cut-outs" will be interspersed in the writing with photos of the daughter that has West syndrome, the subject and the author of this research. The autobiographical narratives are divided into
four chapters. In the first chapter entitled: A meeting with myself, a story is presented in the form of
brief reports the moments of the author's family constitution, in the second chapter, which receives the
title: The realization of a dream: from pregnancy to birth, are narrated the main moments from the
discovery of pregnancy to birth, already in chapter three, entitled: Doubts, fears and uncertainties: a
diagnosis, the narratives involved in the process of the diagnosis and acceptance of the daughter's
disability. In the fourth and last chapter that receives the title of (Re) Meaning of motherhood: an
encounter with myself, the experiences and the resignifications of special motherhood are presented. It's hoped by this study that, in addition to sharing the lived and thoughtful experiences of a special mother, that this autobiography can help and contribute, in some way, in the trajectory of other special mothers. Keywords: Special Mother. Experiences. Maternal Ressignifications.
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LISTA DE IMAGENS
Imagem 1- Daniele e Inácio....................................................................................... 46
Imagem 2- Daniele e Inácio na Fazenda Maloquinha ............................................... 47
Imagem 4 - Daniele e Inácio na praia ........................................................................ 48
Imagem 3 - Daniele e Inácio...................................................................................... 48
Imagem 5 - Daniele, Inácio e Milena ......................................................................... 49
Imagem 6 - Exame .................................................................................................... 52
Imagem 7- Daniele grávida ....................................................................................... 53
Imagem 9 - Daniele e colegas ................................................................................... 55
Imagem 8 - Daniele e alunos da EJA ........................................................................ 55
Imagem 10 - Daniele, seus pais, Inácio e Gabriel ..................................................... 56
Imagem 11- Daniele, Inácio, Ullia e Rogério ............................................................. 56
Imagem 12 - Daniele, Inácio e testemunhas de casamento ...................................... 57
Imagem 13 - Daniele e Inácio.................................................................................... 58
Imagem 14 - Daniele e Manuela ............................................................................... 59
Imagem 15 - Manuela e vovó Jussara ...................................................................... 59
Imagem 16 - Inácio e Manuela .................................................................................. 60
Imagem 17- Manuela e as bonecas .......................................................................... 61
Imagem 18 - Inácio e Manuela .................................................................................. 62
Imagem 19 - Daniele e Manuela no banho ............................................................... 63
Imagem 20 - Inácio e Manuela .................................................................................. 64
Imagem 21- Manuela ................................................................................................ 65
Imagem 22 - Manuela no hospital ............................................................................. 68
Imagem 23 - Manuela e suas bonecas ..................................................................... 73
Imagem 24 - Manuela e vovô Sergio ......................................................................... 74
Imagem 25 - Manuela e seu tapete ........................................................................... 74
Imagem 26 - Manuela no carro ................................................................................. 75
Imagem 27 - Inácio com Manuela no hospital ........................................................... 76
Imagem 28 - Manuela de óculos ............................................................................... 77
Imagem 29 - Inácio e Manuela .................................................................................. 78
Imagem 30 - Daniele e Manuela no Clube Dores ...................................................... 78
Imagem 31 - Manuela pronta para ir ao médico ........................................................ 79
Imagem 32- Manuela alimentando-se ....................................................................... 80
Imagem 33 - Manuela no hospital fazendo exames .................................................. 81
Imagem 34 - Manuela aguardando consulta médica ................................................. 81
Imagem 35 - Daniele e Manuela no Clube Dores ...................................................... 83
Imagem 36 - Daniele, Inácio, Manuela e amigos ...................................................... 84
Imagem 37- Daniele, Inácio, Manuela e família Lisboa ............................................. 85
Imagem 38 - Manuela em sua almofada ................................................................... 85
Imagem 39 - Manuela em sua almofada ................................................................... 87
Imagem 40 - Daniele e Manuela passeando no Clube Dores ................................... 87
Imagem 41- Manuela e tia Paola ............................................................................... 91
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Imagem 42 - Manuela e vovó Ullia ............................................................................ 92
Imagem 43 - Daniele, Inácio e Manuela na praia ...................................................... 93
Imagem 44 - Daniele e Inácio na Lagoa da Conceição- SC ...................................... 94
Imagem 45 - Manuela em seu aniversário de 2 anos ................................................ 94
Imagem 46 - Daniele e Manuela ............................................................................... 96
Imagem 47 - Daniele e Manuela em Gramado.......................................................... 97
Imagem 48 - Daniele, Inácio e Manuela na Ilha do Guará- SC ................................. 98
Imagem 49 - Daniele e Inácio.................................................................................... 98
Imagem 50 - Reportagem Jornal A Razão ................................................................ 99
Imagem 51- Manuela em seu quarto ...................................................................... 100
Imagem 52 - Daniele em atividades do PIBID ......................................................... 101
Imagem 53 - Daniele e Elaine ................................................................................. 102
Imagem 54 - Daniele e Manuela na piscina ............................................................ 103
Imagem 55 - Daniele e Manuela fazendo exercícios ............................................... 105
Imagem 56 - Daniele, Francieli, Mara e Ana ........................................................... 106
Imagem 57 - Daniele, Francieli, Mara e Ana ........................................................... 107
Imagem 58 - Daniele, Inácio e Manuela .................................................................. 108
Imagem 59 - Manuela em casa após internação hospitalar .................................... 109
Imagem 60 - Daniele, Inácio e Manuela no shopping ............................................. 109
Imagem 61 - Daniele e Inácio na praia .................................................................... 110
Imagem 62 - Daniele, Inácio e Manuela .................................................................. 111
Imagem 63 - Manuela ............................................................................................. 112
Imagem 64 - Profª Lorena, Daniele, Profª Elisane e Psicóloga Ariane .................... 113
Imagem 65 - Daniele e Manuela na equoterapia ..................................................... 114
Imagem 66 - Daniele na JAI 2017 ........................................................................... 115
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Influências e modificações do ciclo familiar ............................................... 38
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Familiares e amigos ................................................................................. 26
Tabela 2 - Mudanças históricas ................................................................................. 32
Tabela 3 - Formas de organização familiar ............................................................... 34
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
EdEA Educação Especial e Autismo
EJA Educação de Jovens e Adultos
FIEX Fundo de Incentivo à Extensão
JAI Jornada Acadêmica Integrada
HGE Hospital Geral do Exército
TIC´S Tecnologias da Informação e Comunicação
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação
PUC Pontifícia Universidade Católica
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
URI Universidade Federal de Santa Maria
UTI Unidade de tratamento Intensivo
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SUMÁRIO
1 NOTAS PARA COMEÇAR .............................................................................. 19 ALGUMAS PALAVRAS, UMA CONVERSA... .................................................. 19 PARTE I ........................................................................................................... 23 2 CAMINHOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 24 2.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA .................................................................... 24
2.2 ABORDAGEM BIOGRÁFICA ........................................................................... 24 2.2.1 Autobiografia .................................................................................................. 25 2.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO ....................................................................... 25 2.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO ..................................................... 27 2.5 INSTRUMENTOS ............................................................................................. 27
2.6 PROCEDIMENTOS PARA COLETA E ANÁLISE DE DADOS ......................... 29 2.7 ASPECTOS ÉTICOS........................................................................................ 30
3 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................... 31 3.1 A INSTITUIÇÃO FAMÍLIA ATRAVÉS DOS TEMPOS: DO CONCEITO À SUA
ORGANIZAÇÃO ............................................................................................... 31 3.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DA MATERNIDADE E O PAPEL DE SER
MÃE .................................................................................................................. 35 3.3 E QUANDO O FILHO (A) NASCE COM DEFICIÊNCIA? ................................. 37
3.3.1 Demandas maternas: Os cuidados do filho (a) com deficiência ................ 40 PARTE II ......................................................................................................... 43 CAPÍTULO I ..................................................................................................... 44
UM ENCONTRO, UMA HISTÓRIA .................................................................. 45 CAPÍTULO II .................................................................................................... 50
A REALIZAÇÃO DE UM SONHO: DA GRAVIDEZ AO NASCIMENTO............ 51 CAPÍTULO III ................................................................................................... 67
DÚVIDAS, MEDOS E INCERTEZAS: UM DIAGNÓSTICO .............................. 68 CAPÍTULO IV ................................................................................................... 89 (RE) SIGNIFICAÇÕES DA MATERNIDADE: UM ENCONTRO COMIGO
MESMA ..................................................................................................... 90
NOTAS PARA FINALIZAR... ......................................................................... 117 OUTRAS PALAVRAS... .................................................................................. 118 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 120 ANEXOS ........................................................................................................ 127 ANEXO A: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA ............................................ 128
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1 NOTAS PARA COMEÇAR
ALGUMAS PALAVRAS, UMA CONVERSA...
Com esse trabalho, tenho a intenção de abordar uma conversa com os
leitores, mas, principalmente, com as mães especiais. Quero conversar e contar um
pouco da minha trajetória, conversar, compartilhar e apresentar as minhas [re]
significações da maternidade e a condição de Ser mãe especial. Sendo assim, trago
o significado dessa conversa, que para Larrosa “não é algo que se faça, mas algo no
que se entra” e, nessa conversa, “pode-se ir aonde não havia sido previsto”. E, o
que é fascinante na conversa é exatamente isso: “que, nela, pode-se chegar a dizer
o que não queria dizer, o que não sabia dizer, o que não podia dizer”. Pois “o valor
de uma conversa não está no fato de que, ao final se chegue ou não a um acordo,
pelo contrário, uma conversa está cheia de diferença e a arte da conversa consiste
em sustentar a tensão entre as diferenças, mantendo-as e não as dissolvendo e
mantendo também as dúvidas, as perplexidades, as interrogações”. E, é por isso,
que através de uma conversa quero narrar minhas vivências e minha trajetória como
mãe especial, pois, essa conversa, me perdoem à pretensão, mas se “faz
interessante”, pois, “em uma conversa, nunca existe a última palavra... Ao tentar me
encontrar, essa conversa me leva a trilhar caminhos desconhecidos, duvidosos,
pois, uma conversa, “pode manter dúvidas até o final, porém, cada vez mais
precisas, mais elaboradas, mais inteligentes, por isso, uma conversa pode manter as
diferenças até o final, porém, cada vez mais afinadas, mais sensíveis, mais
conscientes de si mesmas, e uma conversa não termina, simplesmente se
interrompe”. (LARROSA, 2003, p. 212-213).
Ao propor esta escrita utilizo-me de palavras1 e deslocamentos que
constituem a minha trajetória, não só como mãe de uma criança especial, como
também de uma esposa, mulher e profissional que, de forma brusca e inesperada
teve de mudar o rumo de sua caminhada cotidiana. Na busca de reencontrar e [res]
significar novos caminhos quero entrar nesta escrita para contar a minha história.
1 E isto a partir da convicção de que as palavras produzem sentido, criam realidades [...] As palavras determinam nossos pensamentos porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras [...] E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas sobretudo é dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. (LARROSA, 2002, p.20, 21)
20
Sendo assim, o que vou fazer é, “simplesmente, explorar algumas palavras e tratar
de compartilhá-las” (LARROSA, 2002, p.19)
O ponto de partida dessa escrita se faz no momento em que resolvi retornar à
universidade, desta vez na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Um
sonho que tinha desde os tempos de infância, mas que estava adormecido, pois,
com o passar dos anos a vida me levou a trilhar outros caminhos.
Minha formação acadêmica inicial acontece na Universidade Regional
Integrada - URI, Campus de Frederico Westphalen, no curso de Ciências Biológicas
Licenciatura, durante os anos de 1999 a 2003.
Depois de formada trabalhei pouco na área de Ciências Biológicas, mas
remeto a este tempo a importância na aquisição de conhecimentos e experiência,
além do carinho e apego à carreira do magistério. Acredito que este percurso
profissional foi importantíssimo, pois hoje posso unir essas experiências à carreira
apaixonante da Educação Especial.
Atrelada a esta trajetória, no dia 23 de fevereiro de 2012 recebi o melhor
presente da minha vida, nascia minha filha Manuela. Nunca tivera sentido tamanha
felicidade, estava realizada, porém, sem deixar de lado meus planos de retornar ao
trabalho assim que a licença maternidade terminasse. Enfim, tudo parecia perfeito,
foi aí que, com quatro meses de vida iniciaram as complicações de saúde de minha
filha. Durante muitos dias eu e meu esposo percorremos de forma quase que
desesperada por diversos médicos em busca de respostas. Algo estava errado!
Nossa filha não estava bem, foi então que veio o diagnóstico: Síndrome de West2.
Iniciamos então, uma busca tenaz para a sua “cura”.
Sendo assim, nos anos de 2012 e 2013 dediquei-me integralmente aos seus
cuidados. Durante muitas vezes neste período pensei que não seria capaz de
realizar outra atividade, a não ser a de mãe, protetora e cuidadora de um Ser tão
frágil e amado. Porém, com o passar do tempo percebi que precisava saber e
conhecer mais sobre a alteridade3 deficiente. Foi então, que a Educação Especial
cruzou o meu caminho.
2 A síndrome de West é uma encefalopatia epiléptica relacionada especificamente a crianças com
menos de um ano de idade, resultante de múltiplas causas. Ela é caracterizada por um tipo específico de crise epiléptica, denominada "espasmos epilépticos", e anormalidades grosseiras ao eletroencefalograma (o chamado padrão hipsarrítmico ou hipsarritmia). O desenvolvimento psicomotor é invariavelmente prejudicado. Cerca de 60% das crianças desenvolvem outros tipos de crises, evoluindo para síndrome de Lennox-Gastaut (BRASIL, 2010). 3 A condição daquilo que é diferente de mim; a condição de ser outro (SILVA, 2000, p. 16).
21
Iniciei os estudos na UFSM no ano de 2014, no Curso de Educação Especial
Noturno, dois anos após o nascimento de Manuela. Contudo, em muitos momentos
a tomada de decisões, as renúncias e a dor me fizeram questionar: Será que é este
o caminho que devo seguir? Será que vou encontrar a resposta ou as respostas
para os questionamentos que tenho? Hoje, tenho certeza que a caminhada
percorrida até agora valeu a pena.
Nessa caminhada, além do conhecimento tão almejado, o Curso me
possibilitou compreender, para então, com discernimento, iniciar a aplicação dos
ensinamentos na vivência cotidiana com minha filha. Fez-me parar, sentir e refletir a
condição do outro, da alteridade deficiente e a triste confirmação de que a sociedade
tende em depositar no outro todo o mal (DUSCHATZKY E SKLIAR, 2011). Sob o
mesmo viés, Larrosa nos coloca que:
a alteridade do outro permanece como reabsorvida em nossa identidade e reforça ainda mais, torna-a, se possível, mais arrogante, mais segura e mais satisfeita. A partir desse ponto de vista, o louco confirma nossa razão; a criança, nossa maturidade; o selvagem; nossa civilização; o marginalizado, nossa integração; o estrangeiro, nosso país; o deficiente, nossa normalidade. (LARROSA, 1988, p.8).
Sendo assim, o conhecimento tão almejado veio ancorado por reflexões que
me habilitam a questionar e ir além, não só pensando na condição inicial - a
condição de melhorar a qualidade de vida da Manuela - e sim, na condição de
questionar e problematizar aquilo que era e, ainda é desconhecido para mim. Além
disso, levarei em meu coração, bons e queridos amigos que a Educação Especial
me presenteou.
Para seguir, para dizer qual é o meu olhar, quais são meus sentimentos e
minhas verdades, apresento como tema: Narrativas Autobiográficas: Experiências &
[Res] Significações de Ser mãe especial.
Como problemática para narrar essa história utilizo-me de tal indagação:
Como se constitui a trajetória e a experiência de Ser mãe de uma criança especial?
E como acontece as [res] significações da maternidade?Com eixo nestas perguntas,
vou narrar minha história como mãe especial, como fui sendo constituída e narro o
momento em que encontro meus caminhos e acontecimentos com o passado, que
vão me deslocando a [res] significar essas experiências vivenciadas.
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Diante disso, o objetivo central desse estudo constitui em buscar evidências
nas formas de se narrar e de narrar as experiências e [res] significações da
maternidade e a condição de Ser mãe especial.
Dessa forma, foram traçados os seguintes objetivos específicos:
- Revisitar a constituição da família e o papel de ser mãe de uma criança
especial;
- Elaborar um memorial autobiográfico narrando a experiência e a condição
da maternidade especial, como fui sendo constituída como mãe, esposa e mulher;
- Buscar através da memória os acontecimentos do passado, que vão me
deslocando para significar e ressignificar4 a condição de Ser mãe especial.
O trabalho será dividido em duas partes:
A primeira parte conta com os Caminhos Investigativos da pesquisa e relata
como a pesquisa foi constituída. Na continuidade abordo o Referencial Teórico,
subdividido em três partes: A instituição família através dos tempos: Do conceito a
sua organização, discorro também sobre as Considerações históricas da
maternidade e o papel de ser mãe, dispondo de fatos históricos e o sentimento da
maternidade, por fim, utilizo-me da seguinte questão: E quando o filho (a) nasce com
deficiência? Onde proponho uma breve reflexão nas vivências e relações que
cercam este contexto.
Na segunda parte, apresento ao leitor minha autobiografia, sendo essa parte
dividia em quatro capítulos:
• Capítulo I: Um encontro, uma história;
• Capitulo II: A realização de um sonho: da gravidez ao nascimento;
• Capítulo III: Dúvidas, medos e incertezas: Um diagnóstico;
• Capítulo IV: (Re) Significações da maternidade: Um encontro comigo mesma.
Por fim, apresento as Notas para Finalizar, onde proponho algumas reflexões
a respeito das experiências e [res] significações da maternidade. Nesse sentido,
acredito que o caminho que trilhamos é uma escolha pessoal e única, tais decisões
só competem a nós mesmos. Fiz a minha escolha, e para que ela acontecesse é
importante considerar, além de minha trajetória como mãe, minhas vivências e [res]
significações pessoais, o que justifica a preferência pela educação especial, não só
como profissão, mas sim, uma opção de vida.
4 O verbo ressignificar refere-se ao ato de dar novo ou outro significado a. (Dicionário Aurélio on-line, acesso em 17 de abril de 2017)
23
PARTE I
24
2 CAMINHOS METODOLÓGICOS
2.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, pois, preocupa-se com
aspectos da realidade que não podem ser quantificados, respeitando a
compreensão e dinâmica das relações sociais. Para Minayo (2000), a pesquisa
qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis.
Além disso, a pesquisa irá ancorar-se qualitativamente nas trajetórias e
processos de [res] significações da maternidade especial, onde haverá a construção
de diálogos, de experiências e momentos vivenciados pela pesquisadora.
2.2 ABORDAGEM BIOGRÁFICA
A presente pesquisa será ancorada pela abordagem biográfica, à qual é
produzida por meio de um compromisso com a história e o processo de relembrar,
ondea vida vai sendo revisitada pelo sujeito (SOUZA, 2007).
Para, Queiroz (1998), Josso (2002) e Pineau (1999), biografia tanto é método,
como também é técnica, pois atingiu em seu processo histórico uma vasta
fundamentação teórica, além de desfrutar de conflitos, consensos e fundamentações
teórico-metodológicas sobre sua utilização.
Além disso, a abordagem biográfica é formada, metodologicamente, pela:
história de vida, história oral, biografia e autobiografia. Possuindo cada um deles,
métodos, gêneros e recursos metodológicos particulares. Contudo, conforme Souza
(p. 28, 2007) “[...] a imprecisão metodológica encaminha o pesquisador a equívocos
que vão desde a nomenclatura até recursos técnicos e de procedimentos.”
No método biográfico, segundo Souza (2007), as mais variadas
discriminações propiciam possibilidades de recuperar a singularidade de histórias,
ao mesmo tempo em que constroem histórias individuais ou coletivas.
Para tanto:
Através da abordagem biográfica o sujeito produz seu conhecimento sobre si, sobre os outros e o cotidiano, revelando-se através da subjetividade, da
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singularidade, das experiências e dos saberes. A centralidade do sujeito no processo de pesquisa e formação sublima a importância da abordagem compreensiva e das apropriações da experiência vivida, das relações entre subjetividade e narrativa como princípios, que concede ao sujeito o papel de ator e autor de sua própria história. (SOUZA, 2007, p.69).
2.2.1 Autobiografia
A Autobiografia, como frisa Queiroz (1988), consiste em narrativas da própria
existência, nela, o próprio narrador é quem se dispõe a narrar e contar sua vida,
dando a ela o encaminhamento que melhor lhe pareceu e detendo o controle sobre
os meios de registro.
A pesquisa autobiográfica permite ao sujeito revelar para si e também para os
demais, suas trajetórias de vida, narrando seus inúmeros significados. As escritas
autobiográficas são produzidas por meio de entrevistas, narrativas, diários, entre
outros.
De acordo com Abrahão:
As autobiografias são construídas por narrativas em que se desvelam trajetórias de vida. Esse processo de construção tem na narrativa a qualidade de possibilitar a autocompreensão, o conhecimento de si, aquele que narra sua trajetória. Ao trabalhar com metodologia e fontes dessa natureza o pesquisador conscientemente adota sua tradição em pesquisa que reconhece se a realidade social multifacetária, complexa, socialmente construída por seres humanos que vivenciam a experiência de modo holístico e inter-relacionado, em que as pessoas estão em constante processo de autoconhecimento (ABRAHÃO, 2004, p.203).
Sendo assim, na pesquisa autobiográfica o sujeito desvela para si, ao mesmo
tempo em que se revela para os demais as suas trajetórias, produzindo assim,
entendimentos com diversos significados (MARQUEZAN, 2015).
Podemos elucidar o fato de que a autobiográfica é o oposto da biográfica,
pois o sujeito desloca-se numa análise entre o papel vivido de ator e autor de suas
próprias experiências (SOUZA, 2006). Sendo assim, as experiências são vividas,
narradas e apresentadas pelo próprio autor. Segundo Josso (1991, p.343) a
“autobiografia expressa o escrito pela própria vida”.
2.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO
Por se tratar de um estudo autobiográfico, utilizo-me de minhas narrativas, ou
seja, irei narrar minhas vivências e experiências maternas. Farei isso como
26
pesquisadora e, ao mesmo tempo, sujeito participante de minha própria história
neste estudo. Utilizarei o meu próprio nome – Daniele, e citarei alguns familiares que
trago descrito abaixo.
São nove familiares de primeiro grau, sendo três menores de idade (sete
residentes em Santa Maria-RS e dois em Florianópolis-SC, três familiares de
segundo grau (residentes em Santa Maria-RS), sendo um deles menor de idade e
um casal de amigos próximos da família e sua filha (residentes em Dourados- MS).
Segue quadro com a apresentação dos familiares/amigos a serem citados nas
narrativas autobiográficas.
Tabela 1 - Familiares e amigos
Fonte: Tabela elaborada pela pesquisadora.
Familiares que serão citados na
Pesquisa
Grau de Parentesco
Inácio Esposo
Manuela Filha
Sergio Pai
Jussara Mãe
Franciele Irmã
Gabriel Sobrinho
Ullia Sogra
Rogério Sogro
Paola Cunhada
Pablo Cunhado
Michele Cunhada
Milena Sobrinha
Alauri Primo
Denise Prima
Lucas Primo
Marcio Amigo
Elaine Amiga
Rafaela Amiga
27
2.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Antes de decidir a temática final para este Projeto de Pesquisa Profissional, a
intenção era narrar histórias de outras mães que tivessem filhos com deficiência.
Porém, a opção pela autobiografia se deu pela possibilidade de expor a minha
própria história e o caminho até aqui trilhado, revelando minhas experiências vividas
e pensadas, sentimentos que vão desde o luto até a luta. Além disso, a possibilidade
em ampliar o conhecimento sobre a temática se fez interessante, pois acredito que,
ao descrever minhas narrativas e apresentar minhas verdades, a busca por leituras
se fará presente e necessária, enriquecendo e fazendo-me refletir ainda mais sobre
o tema proposto.
Ao utilizar-me do método autobiográfico, utilizo como critério de exclusão a
utilização de narrativas de outrasmães especiais. Como critério de inclusão, irei
narrar acontecimentos, bem como relacioná-los com familiares de primeiro grau e
alguns amigos próximos.
2.5 INSTRUMENTOS
A autobiografia será apresentada sob forma de memorial e narrativas envoltas
por fotos, a qual apresentará as formas de se narrar e de narrar as experiências
vivenciadas e [res]significadas por mim na maternidade especial.
Ao considerar a importância do ato de narrar as experiências vividas, Abrahão
(2004), designa como sendo a produção de significados que articulam o presente,
passado e futuro, instigados pelas memórias e [res] significações, reconstruindo a
memória seletiva, de forma intencional ou não, consciente ou inconsciente.
Bastos (2008), afirma que as narrativas giram em torno de situações e
experiências, que demonstram como o narrador lidou com a situação, como
também, atualiza sua ação na história. Ao tecer uma narrativa, também se reconstrói
uma trajetória, algo vivido, produzindo assim, eventos abertos à interpretação.
Na autobiografia, as narrativas elucidam as experiências vividas, dando
sentido e significados. Para Queiroz (1981, p.19), o significado de narração
apresenta-se como, “o relato do narrador sobre a sua existência através do tempo,
tentando reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que
adquiriu”.
28
Já para Queiroz (1981, p.19), “narrar é enunciar uma experiência particular
refletida sobre a qual construímos um sentido e damos um significado. Garimpamos
em nossa memória, consciente ou inconscientemente aquilo que deve ser dito e o
que deve ser calado”.
Contudo, para que aconteça o ato de narrar, a memória deverá ser
reconstruída, ser tomada por recordações, que darão suporte construtivo para
nossas narrativas (JOSSO, 2002). Ao buscar significados para o termo “Memória”,
encontramos no dicionário como sendo: 1- Faculdade de reter ideias, sensações,
impressões, adquiridas anteriormente. 2- Efeito da faculdade de lembrar; a própria
lembrança (HOUAISS Online).
Como discorre Oliveira (2009, p.2): “A memória, tomada por nós como
trabalho, é acionada no sentido de reconstruir imagens, acontecimentos e
experiências, produtoras de sentido à pessoa que se dispõe ao exercício da “escrita
de si”.
A memória como instrumento metodológico irá se fundir nas narrativas,
compondo assim, a escrita. Neste sentido, serão tecidas as narrativas
autobiográficas apresentadas por Silva (2012, p.11) como sendo: “as narrativas de
cunho autobiográfico podem ser encontradas em memoriais, que têm configurado
como campo fértil de análise, pois revelam essas situações cruciais e estruturantes
na determinação de escolhas e projetos de vida.”
O texto em formato de memorial é aberto, o acabamento do leitor é uma
possibilidade de interpretação. No formato de memorial, o texto configura-se como
instrumentos que recriam as vidas em relação aos indivíduos ou à sociedade
(SILVA, 2012). Por definição, o memorial pode representar um mapa de expressão
de vida de cada sujeito que possui a sua história com memórias, é um mapa
representativo que compreende a realidade social, histórica e cultural, juntamente
com o percurso vivido, que se restaura através da memória (TAVIRA, 2010).
Como referido anteriormente, ao trabalhar o processo de [res] significações
das trajetórias vividas, atrelamos a memória para a construção das narrativas,
revitalizando o percurso vivido no passado vinculando-os ao presente e ao futuro.
Neste sentido, trabalhos que requerem a memória, o pesquisador deve atentar-se
para ser:
[...] consciente de que o ato narrativo se estriba na memória do narrador e que a significação que o narrador deu ao fato do momento de seu
29
acontecimento é ressignificado no momento da enunciação desse fato, em virtude de que a memória é reconstrutiva, além de ser seletiva, merece não só do tempo transcorrido e das diferentes ressignificações que o sujeito da narração imprime aos fatos ao longo do tempo [...] (ABRAHÃO, 2006, p.151)
Para Marquezam (2015, p.86), “as narrativas vão sendo ressignificadas como
lentes que ampliam a cena, propiciando inúmeras [res] significações, muitas vezes,
remexendo o baú da memória [...]”. E, desta forma, reproduzindo e produzindo as
trajetórias e experiências vividas.
Sendo assim, percebemos que a pesquisa (auto) biográfica, tanto no formato
de autobiografias, biografia, história oral ou história de vida, fomentam-se “como
fenômeno no ato de narrar-se, como método de investigação e, como processo de
autoconhecimento e construção de identidade (ABRAHÃO, 2006).
2.6 PROCEDIMENTOS PARA COLETA E ANÁLISE DE DADOS
Ao trabalhar o método biográfico, no formato de autobiografia, por meio da
reconstrução da memória, representada e apresentada através de narrativas,
evidenciamos a importância na utilização de recursos de compreensão cênica e
fontes imagéticas (visuais, fotográficas), para a reconstituição e reconstrução do
passado, demonstrando tanto as trajetórias vividas como também as [res]
significações produzidas. E, desta forma, possibilitar a partir de narrativas
autobiográficas o entendimento de sentimentos e representações dos atores,
autores de suas histórias.
Sendo assim, busca-se com esta pesquisa a interpretação das narrativas
autobiográficas, trazendo como recurso as fontes imagéticas (filmes, material
videografado e a fotografia) (ABRAHÃO, 2014). Nesta pesquisa a fonte a ser
utilizada será a fotografia.
Para Marquezan (2015, p.116): “Na fotografia mobiliza-se à subjetividade e a
verdade de construtos que, em ciências sociais e em pesquisa (auto) biográfica são
como duas faces de uma mesma moeda, a ocorrência de uma implica na outra.
Tanto o fotógrafo como o fotografado “contaminam” a fotografia”.
Abrahão (2015) entende que a narratividade da imagem está implícita nela
própria, tensionada pelas diferentes cenas que se deixam perceber, utilizando-se da
observação como forma de entendimento.
30
Sendo uma pesquisa de natureza qualitativa, apresentada através do método
biográfico, mas, especificamente, uma autobiografia, o sujeito autor será ator de sua
própria história, utilizando-se de narrativas produzidas e retiradas de sua memória e
fontes imagéticas, facilitando compreensão e entendimento dos leitores.
Desta forma, a coleta de dados se fará através de fatos retirados da memória
da pesquisadora, bem como, com o uso de fotografias e vídeos de arquivo pessoal,
o qual será analisado por meio de narrativas, no formato de memorial autobiográfico.
Os recortes da memória serão intercalados na escrita com fotos, a fim de ilustrar o
texto.
2.7 ASPECTOS ÉTICOS
Cabe ressaltar que a presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o número de registro CAAE
72272617.4.0000.5346, que encontra-se no Anexo A.
Aos familiares que serão citados no estudo, foi explicado o objetivo da
realização da pesquisa, bem como que, as narrativas se utilizarão dos próprios
nomes dos participantes, conforme descrito nos termos necessários e assinados
para a realização do estudo.
Desta forma, foi solicitada a assinatura no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, bem como assinatura para os menores de idade no termo de
Assentimento.
Quanto aos riscos da referida pesquisa, acredito que os procedimentos
adotados para a realização deste estudo trazem riscos mínimosàqueles/as que
serão citados/as. No caso de haver a percepção de desconforto a qualquer
participante, o relato será suspenso.
Acredito que os benefícios que a referida pesquisa pretende oferecer, será a
partilha de informações e conhecimento que serão divididos com os leitores, mas,
principalmente, com mães que como eu, vivem a condição de Ser mãe especial.
31
3 REVISÃO DE LITERATURA
3.1 A INSTITUIÇÃO FAMÍLIA ATRAVÉS DOS TEMPOS: DO CONCEITO À SUA ORGANIZAÇÃO
No desenrolar da história, o processo de organização familiar não aconteceu
de forma linear. Cada cultura prevalente em um determinado momento evolutivo da
humanidade nos apresentou sua concepção singular de constituição (OSÓRIO,
1996).
A família é a instituição mais antiga da humanidade que, gradativamente,
modifica-se através dos tempos. Com a evolução da humanidade vem sofrendo
ajustamentos, não permanecendo a mesma. Sua incessante evolução acompanha
as características e alterações sociais. (MUNHOZ, 2003).
Desta forma, ressalta-se que, através dos tempos as definições de papéis
estão sofrendo inúmeras modificações. Nem sempre a constituição de pai, mãe e
filho é vista como unidade familiar, segundo Ackerman, (1986, p.30) “vínculos
familiares são compostos por uma fusão de fatores: biológicos, psicológicos, sociais
e econômicos”. Porém, sua constituição se faz fundamental.
Diante da temática a ser apresentada, torna-se imprescindível esclarecer
alguns conceitos referentes à família. Pois, como descreve Munhoz (2003, p.33) “A
vida humana é uma sucessão de eventos compartilhados e compartilháveis, que
tornam as experiências vividas uma sequência de momentos de construção
individual e social”. Nesta construção, a família é a unidade mais próxima à qual nos
encontramos em nossas relações iniciais. Sendo assim, “a família é a unidade
básica de crescimento, experiência, desempenho ou falha. É também a unidade
básica de doença e saúde”. (ACKERMAN, 1986, p.29).
Para melhor explicitar as mudanças ocorridas no núcleo familiar em seus
diversos momentos da história, utilizarei uma divisão expressa por Osório (2002,
p.45) que apresenta os modelos de família.
32
Tabela 2 - Mudanças históricas
. Fonte: Adaptado de Osório L.C. Casais e Família: Uma visão contemporânea. Porto Alegre: Artmed, 2002, p.45
Organização de Estrutura
Familiar
Família Aristocrática
Família Camponesa
Família Burguesa
Família Operária
Família “Aldeia Global”
Função do Lar Proteção contra inimigos
Local de produção de bens essenciais e proteção contra inimigos.
Lugar de lazer, refúgio e intimidade.
Lugar de satisfação De alimentos e agasalho.
Proporcionar segurança física e psicológica
Objetivos Educacionais
Respeito à hierarquia social
Renúncia à individualidade.
Renúncia ao corpo/mente.
Renúncia à posse das fontes de produção em favor da obtenção dos bens de consumo.
Desenvolver aptidões específicas para a vida competitiva.
Relações Intrafamiliares e Autoridade
sobre os Filhos
Sub-rogados paternos (preceptores) como padrão de identificação. Punição pelo castigo físico. Crianças tratadas pelos pais como animais domésticos.
Modelo de autoridade matriarcal – mãe-terra nutrícia como padrão referencial. Castigo físico como punição. Deus e o pároco.
Pais como modelo de identificação. Autoridade parental. Punição pela retirada do amor ou incremento de culpa.
Modelo de autoridade patriarcal. O patrão como ponto de referência. Castigos físicos e abandono, como punição
Filhos como depositários das expectativas parentais. Autoridade paterna e materna compartidas.
Papéis Sexuais
Homem: promover alianças latifundiárias. Mulher: servir às alianças latifundiárias.
Homem: função nutrícia. Mulher: função de agasalho e proteção.
Homem: manutenção da casa. Mulher: criação dos filhos.
Homem: manutenção da casa. Mulher: manutenção da casa.
Equivalentes, ressalvadas as diferenças quanto ao papel reprodutor da espécie.
Casamento Acordos interclãs com vistas à manutenção da herança heráldica.
Seleção natural com matizes endogâmicos
Pressão dos pais, objetivando a preservação ou acumulação de bens.
Escolha individual aleatória
Substituição do contrato (civil ou (religioso) por livre união consensual.
Relação com o Crescimento Demográfico
Baixa natalidade. Alta mortalidade.
Alta natalidade. Alta mortalidade.
Baixa natalidade. Baixa mortalidade.
Alta natalidade. Alta mortalidade
Baixa natalidade. Baixa mortalidade.
33
Segundo o dicionário Aurélio on-line (2017), família pode ser definida como:
“conjunto de todos os parentes de uma pessoa e, principalmente, os que moram
com ela, conjunto formado pelos pais e pelos filhos, conjunto de pessoas ligadas
pelo casamento e pelos seus eventuais descendentes [...].”
Firmando também o conceito de que a família é um grupo social dinâmico em
que os seus elementos se desenvolvem em conjunto, sendo sensível,
inevitavelmente, às mudanças da sociedade, (VIEIRA, 2007). Para Munhoz (2003) a
família é como um sistema organizado, não apresenta um desenvolvimento
uniforme.
Além disso, segundo Minuchin, Nichols e Lee (2009) a família pode ser
considerada um sistema, no qual, seus membros têm contato direto, laços
emocionais e comportamentais e compartilham de histórias. Dessa forma, os
comportamentos dos membros influenciam-se e dependem-se mutuamente um do
outro. Para Osório (2011, p.19), a família:
é uma unidade grupal, a qual se desenvolvem três tipos de relações pessoais- aliança (casal), filiação (pais/filho) e consanguinidade (irmãos)- que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhes condições para a aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais (OSÓRIO 2011, p.19).
Já para Duarte (2010), a família pode ser configurada por uma pluralidade de
representações, é entendida como um porto seguro, um abrigo afetuoso, privado,
autêntico e solidário, mas, também um lugar para a opressão, o egoísmo, a
obrigação e a violência. Observa-se assim, que o conceito de família é apresentado
de forma ampla.
Para Alarcão (2002), cada família é um todo, quando observada como um
sistema, integrando outros sistemas (comunidade, sociedade), com os quais se
desenvolve. Nesta evolução, a família é um sistema aberto e adquire influências e,
simultaneamente, também influencia. Desta forma, sua organização e configuração
apresentam diversas estruturas. Seguem algumas formas de organização familiar e
suas denominações:
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Tabela 3 - Formas de organização familiar
Fonte: Organização Familiar. Adaptado de MOREIRA, Maria I. C. (2013).
FAMÍLIA NUCLEAR SIMPLES
Composta por uma figura masculina e uma feminina (pai e mãe), onde todos os filhos são do relacionamento de ambos.
MONOPARENTAL SIMPLES FEMININA
Composta somente pela figura feminina (mãe) vive com seus filhos (ou com outras crianças) não há maiores de idade residindo junto.
MONOPARENTAL MASCULINA
SIMPLES
Composta pela figura masculina (pai), mesma configuração que a família citada acima
MONOPARENTAL
FEMININA EXTENSA
Composta pela figura materna (mãe) vive com seus filhos (ou adolescentes sob sua responsabilidade) juntamente com outro adulto sem filhos menores de idade.
MONOPARENTAL MASCULINA
EXTENSA
Composta pela figura masculina (pai), com a mesma configuração da família citada acima.
NUCLEAR EXTENSA
Família em que o pai e mãe estão presentes no domicílio, vivendo com seus filhos e outras crianças/adolescentes sob sua responsabilidade, além de outros adultos (parentes ou não).
FAMÍLIA CONVIVENTE
Várias famílias que residem no mesmo domicílio (parentes ou não).
FAMÍLIA NUCLEAR
RECONSTITUÍDA
Famílias que os pais vivem outro relacionamento (união). Família
FAMÍLIA DE GENITORES AUSENTES
O pai e a mãe não se fazem presentes, assim outro adulto (avós, tios, etc.) são os responsáveis.
FAMÍLIA NUCLEAR COM
CRIANÇAS AGREGADAS
Composta pela figura masculina e feminina (pai e mãe) juntamente com outras crianças e adolescentes sob sua responsabilidade.
35
A evolução do conceito de família traz a discussão o casamento entre
homossexuais, algo ainda muito questionável e não aceitável em alguns países, que
traz à tona a discriminação e o não respeito pela liberdade e igualdade de direitos.
Surge então, um novo conceito de família, a família compreendida pela união
homoafetiva, que possui os mesmos princípios das famílias constituídas por
heterossexuais, considerando que a Constituição Federal de 1988, garante a todos
os mesmos direitos, de liberdade, igualdade e dignidade humana (MARQUES,
2016).
Observa-se que, embora cada família seja diferente em suas características,
todas possuem uma maneira organizada e previsível de funcionamento. Contudo, o
período de mudanças é inevitável, ocasionando modificações nos padrões
estabelecidos (TEPERINO, 2016).
Neste sentido, Buscaglia (2006) refere-se a este período de mudança ao
considerar uma súbita partida ou súbito acréscimo à unidade, que poderá
transformar toda a família. Tornando-se evidente nos casos de divórcio, nascimentos
ou mortes. No sentido de esclarecer esta escrita, faz-se necessário abordar mais
especificamente as relações maternas e as mudanças na estrutura familiar com o
nascimento de uma criança com deficiência.
3.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DA MATERNIDADE E O PAPEL DE SER MÃE
Podemos nos referir à maternidade como algo complexo, alvo de
investigações, tema que, ao longo do tempo vem sofrendo transformações,
mudanças e inovações que, muitas vezes, resumem-se ao papel único de ser mãe.
Desta forma, Scavone (2001) descreve que, a escolha da maternidade foi
consolidada apenas no século XX, mais precisamente na Revolução Industrial e
urbanização, época onde a mulher pôde optar em ser ou não mãe. Porém, a
evolução das últimas décadas atenta-se às novas tecnologias reprodutivas
(contraceptivas e conceptivas), concedendo à mulher a possibilidade da escolha
com maior discernimento.
Em épocas passadas, em comunidades rurais, contudo, visíveis em algumas
sociedades atuais, a maternidade estava incorporada à fecundidade da terra, as
crianças estavam estritamente relacionadas à estabilidade futura dos pais, em uma
36
velhice segura, mesmo que no presente causando-lhes problemas, conforme
(KNIBIELHER, 1977).
De acordo com Giddens (1993), a “invenção da maternidade”, propiciou a
criação de fatores que afetaram, principalmente, a partir do século XVIII, a ideia do
amor romântico, criação do lar, modificação da relação entre pais e filhos e, após o
final do século XIX, ocorreu o “declínio do poder patriarcal”. Aliando a maternidade
com a feminilidade, restringindo a função social feminina apenas à maternidade.
Neste processo evolutivo, observamos a mudança de um modelo tradicional
da maternidade, com proles numerosas, para o modelo moderno, com proles
planejadas, este consolidado na sociedade industrial. Além disso, com a entrada da
mulher no mercado de trabalho, instaurou-se a mãe com uma dupla jornada, que
além de muitas vezes ser a mantenedora financeira da família, sua identidade
materna é responsável pelos afazeres do lar e cuidados para com os filhos, porém,
mesmo diante dos vários atributos observamos que até os dias atuais encontra-se
rodeada de injustiças e indiferenças.
Sendo assim, concebemos o papel de mãe em diversos âmbitos, cada qual
na sua individualidade de mulher, vista com olhares e sentimentos diversos, algo
histórico, que se modifica, mas, ao mesmo tempo, apresenta suas peculiaridades,
advindas da experiência materna, determinadas e associadas à evolução e
mudanças na dinâmica das sociedades.
Com base nessas relações podemos refletir que:
Ter um filho é considerado em cada civilização de um modo diferente; ser mãe pode ser visto como uma experiência perigosa, dolorosa, interessante, satisfatória ou importante, numa determinada mulher, numa determinada civilização. A forma de vivenciar associa-se quer as suas características individuais quer à atmosfera cultural que a circunda (CORREIA, 1998, p.365).
Baditner (1980, p.17), engendra a ideia de que, “[...] o amor materno existe
desde a origem dos tempos, mas não penso que exista, necessariamente, em todas
as mulheres, nem mesmo que a espécie só sobreviva graças a ele.” Sendo assim, a
autora considera que amor maternal não se encontra registrado na natureza
feminina, mas sim, acontece quando o contato, a evolução e dedicação às atitudes
maternas se manifestam. De acordo com esta reflexão podemos pensar em uma
37
concepção do amor maternal, como algo produzido e interligado aos mais variados
sentimentos.
Durante a evolução das civilizações, a maternidade foi e, certamente, será
vista com olhares diferentes, contudo, traz consigo traços advindos de experiências
e vivências determinadas e associadas às mudanças e dinâmicas das sociedades.
Baditner (1980) se refere ao amor de mãe como algo complexo e imperfeito,
condicionado por sua vez, por inúmeros fatores, alternando-se de mulher para
mulher.
Para Bittencourt et al. (2016), através da evolução da humanidade, foi
possível perceber que o ato de exercer a maternidade tornou-se uma opção, assim
como outras escolhas na vida da mulher. Uma sucessão dinâmica de conhecimento,
que envolve além de cuidados, inúmeras mudanças psicológicas. Firmando assim,
uma nova fase na vida da mulher, com dúvidas, incertezas, medos, mas, acima de
tudo, algo completo, que envolve muito amor, dedicação e entrega.
3.3 E QUANDO O FILHO (A) NASCE COM DEFICIÊNCIA?
O grupo familiar apresenta-se dentro de um contexto evolutivo, o qual a
função da família se fará responsável pela continuidade das espécies,
desenvolvendo e formando sujeitos, esse processo recebe o nome de ciclo de vida
familiar (CASARIM, 2006). A ideia de ciclo vital está incorporada nos marcos mais
antigos das civilizações, que abrange a religião, mitologia e lenda. Dentro deste
contexto, Pincus e Dare (1981, p.09) afirmam que: “os marcos mais importantes no
ciclo vital da família são os mistérios universais do nascimento, sexo e morte”.
Considera-se nesta escrita, especificamente, as influências e modificações do
ciclo familiar nas reações de descoberta da deficiência, que causam aos pais e às
pessoas que participam do convívio do núcleo familiar. Nesta descoberta
sentimentos como choque, seguido de rejeição, tristeza, culpa, mágoa, trilhando um
caminho que vai até a adaptação e aceitação da realidade (BUSCAGLIA, 2006).
Pode-se elucidar a sequência destes fatos no quadro a seguir:
38
Figura 1 - Influências e modificações do ciclo familiar
As dimensões do impacto deste nascimento são indeterminadas, executadas
internamente, em cada família, e para cada um na sua individualidade, conforme
Faber (1995, p.41), “não existe uma maneira correta de sentir a situação, e muitos
sentimentos se modificam e se deslocam”. Já de acordo com Buscaglia (2006.
p.105), “independente de qual seja a força de uma pessoa, dificilmente ela se
encontra preparada para se defrontar com o desespero real”, pois ao deparar-se
com as limitações do filho ocorre um embate ao desconhecido, realidade que
aparece, acontecendo de forma inesperada, causando medo, dor, sofrimentos e
frustrações. Para McGoldrick (1995) é um evento imprevisível, capaz de
desestruturar o ciclo de vida familiar.
No momento em que nasce uma criança com deficiência, nasce também uma
nova família, um pai, uma mãe especial. Segundo Messa e Fiamenghi Jr. (2010),
toda a expectativa da família precisa ser analisada, pois irá exigir novas adaptações.
O nascimento desta criança remete, inevitavelmente, a uma nova realidade, pois até
o nascimento anseiam pela criança perfeita e saudável, encontrando no filho
possibilidades de concretizar sonhos e ideais.
Neste momento, segundo Teperino, Carvalho e Soares (2016), há uma
alteração da rotina diária, juntamente com a quebra de sonhos e projetos dos
membros da família que, neste momento, desestrutura, sendo necessário um longo
processo para retomar o equilíbrio.
3.Organização Emocional
Adaptação Aceitação
2.Desorganização Emocional
Culpa; frustação, raiva. Tristeza/ mágoa
1. Choque; Rejeição; Negação
Procura pela curaSentimentos de desinteresse, perda,
pavor, surpresa, confusão
Fonte: Adaptado de CORREIA, Luís de Miranda. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. (Portugal: Porto Editora, p.199, p.150)
39
Sendo assim, ao deparar-se com esta realidade, a família segue à procura de
maneiras de adequar-se à nova e discutível verdade, fazendo com que, tanto a
maternidade como a paternidade tornem-se uma experiência inquietante e
complexa, pois será sobre eles, entre outras preocupações, que as
responsabilidades recaem.
Para Duarte:
A chegada da notícia de que um dos filhos é deficiente e, por isso, uma criança limitada, conduz a família (pais e irmãos), obrigatoriamente, a questionar os seus planos de vida, os seus sonhos e desejos que, muitas vezes, são alterados frente ao contexto da limitação (DUARTE 2010, p.32).
Atrelado à formação e discussão da família, acredito ser fundamental abordar
a relação maternal, em especial, ao que tange a figura da pessoa que cuida do filho
(a) com deficiência.
Em momentos como estes, encontramos nas vivências destas famílias,
sentimentos como o de negação, que conforme Buscaglia (2006, p.109), “[...]
podemos negar a existência e excluí-los da consciência. Se fazemos a última opção,
reprimimos esses sentimentos e, inconscientemente, criamos padrões psicológicos
de defesa para mantê-los sob controle.” Podemos dizer que a negação é um
mecanismo de proteção amplamente discutido na literatura. Para Miller (1995), esse
sentimento, geralmente, apresenta-se de duas formas: a escolhida, ou seja,
ignorando-a e a negação inconsciente, quando os fatos não são percebidos, e não
se observa como verdadeiro. Isso influenciará diretamente na relação do vínculo
com o filho.
Contudo, Peten e Murata (2010) consideram fundamental o entendimento e
percepção dos pais sobre as causas e consequências da patologia, pois as
expectativas quanto ao desenvolvimento do filho e a tomada de decisões podem ser
influenciadas através da compreensão desses dados.
Porém, mesmo antes do entendimento da situação, algumas atitudes devem
ser tomadas, incluindo a busca por tratamentos e terapias. Ressalta-se que, na
maioria dos casos, a esperança e o desejo da cura é uma constante, independente
do diagnóstico ou explicação, mesmo que os pais estejam cientes da gravidade da
doença e a remota possibilidade de recuperação, este sentimento é permanente
(CREPALDI, 1995; PETEAM, 1995).
40
Neste momento, a participação de profissionais especializados para
auxiliarem no processo de apresentação da “nova realidade” é fundamental, pois o
impacto do diagnóstico é tão grande que compromete o estabelecimento de vínculo,
a aceitação da criança e a compreensão de informações. (PETEAN, MURATA,
2000).
Imbricadas a estas necessidades, a presença e atuação destes profissionais
auxiliarão no processo de [re] significação e enfrentamento emocional, fundamentais
para o entendimento e transcurso sentimental, pois contornos frágeis e cobertos de
dúvidas são produzidos. Considera-se também uma gama de sentimentos, emoções
e expectativas até então desconhecidas. Além disso, neste processo, explicações se
fazem necessárias, são fundamentais, porém, devem ser conferidas de forma
adequada, clara e objetiva, de acordo com cada situação apresentada, trabalhando
a realidade específica de cada família, de cada mãe, contribuindo assim para sua
reestruturação.
3.3.1 Demandas maternas: Os cuidados do filho (a) com deficiência
Para Brazelton e Cramer (1992) a maior dificuldade causada pelo nascimento
de um bebê com deficiência consiste justamente no perecimento da autoestima da
mãe, pois o filho acaba refletindo o fracasso maternal, o que conduz ao perigo o
processo de vinculação. Tais assertivas completam-se ao pensamento de Kunst
(2010, p.116) de que “o medo e a angústia diante da necessidade especial precisam
ser pensados, sentidos e verbalizados pela mãe, só assim, ela poderá ser capaz de
trabalhar o seu problema e levar uma relação proveitosa e satisfatória com o filho”.
O nascimento de uma criança especial pode causar medo e angústia diante
da necessidade que ela possui. No momento da notícia do diagnóstico, Petean e
Murata (2000) afirmam que o impacto é tão grande que poderá comprometer o
estabelecimento do vínculo, da aceitação e do entendimento das informações.
Tais mudanças ocorrem, principalmente, na vida da mãe que, na maioria das
vezes é “chamada para assumir tais responsabilidades e compromissos (OLIVEIRA,
2013). O contexto familiar está socialmente demarcado o papel da mulher como
provedora dos cuidados às crianças, idosos e doentes (NEVES, 2008). Que
segundo Barbosa et al., a mãe:
41
[...] Vê-se diante da necessidade de deixar o trabalho para atender às demandas de cuidado do filho (com deficiência), e também devido à dificuldade inicial em lidar com sentimentos e conflitos vividos. Sente-se incapaz de levar uma vida como tivera antes da chegada do filho e, assim, lança-se às exigências impostas pela situação vivenciada na família e no cuidado dele (BARBOSA et al , 2007, p.51).
Badinter (1985) nos diz que a sociedade ainda atribui à mulher as
responsabilidades pelos filhos, como se fosse a única com preparo para realizar tal
tarefa. Ademais, a mulher já possui sobre si a responsabilidade imposta pelos
afazeres domésticos e relacionada ao marido. Os legados tradicionais, que são
transmitidos, culturalmente, para as meninas da família, contribuem para que a
função de cuidadora principal seja internalizada (NEVES, 2007). Nestas
circunstâncias, a mulher acaba deixando de viver a sua vida, realizar seus sonhos e
satisfazer seus desejos (SILVA, 2014).
Diante desses itens, somando-se ao fato da perda do filho idealizado e o
nascimento de uma criança com deficiência, Silva (2014, p.6) discorre que: ”isso
pode desencadear o cuidado exacerbado, a renúncia de sua vida para o cuidado do
filho, a ausência de tempo para si, problemas com outros filhos (se houver),
problemas conjugais e mudança de sonhos e planos futuros”. Neves (2008, p.558)
aponta uma realidade vivenciada por muitas mulheres nessa situação: “A cuidadora
é valorizada pela sua condição materna e não feminina[...]”
Envolto a essa realidade enraizada na sociedade, que vê a mãe como
principal responsável pelos cuidados dos/as filhos/as e da casa, a maioria delas
acaba também interrompendo sua trajetória no mercado de trabalho.
Outro fator determinante na realidade vivida por algumas dessas mães é o
abandono, tanto direto como indireto do pai, ao saberem da deficiência do (a) filho
(a). Conforme descreve Silva:
De acordo com análises, os principais motivos para o abandono estão ligados à aceitação da deficiência, à falta de preparo que o homem tem para o cuidado com o filho (o que fortalece a ideia de que a mulher é quem foi preparada para o cuidado do filho), o fato do homem ter que trabalhar e a questão relacionada à virilidade abalada por ter tido um filho deficiente (SILVA, 2014, p.9).
O abandono direto, geralmente acontece porque muitos homens não aceitam
a realidade do filho com deficiência, por terem idealizado uma criança saudável
fazendo planos que, em muitos casos, não poderão ser realizados. Em decorrência,
42
acabam distanciando-se e, por fim, abandonando a esposa e o filho, evitando assim,
viver com a realidade apresentada (SILVA, 2014).
Já o abandono de forma indireta, o descaso e a indiferença ocorrem quando
muitos pais, por não saberem como proceder com o filho com deficiência, acabam
esquivando-se de seus cuidados, dispondo para a mãe todas as responsabilidades.
Além disso, observa-se que, a mãe, ao assumir as responsabilidades da casa
e cuidados do filho com deficiência, acaba, muitas vezes, abdicando de seus sonhos
e planos. Silva (2014, p.12) diz que: “além da perda desses sonhos, a mulher perde
parte de sua vida e do tempo “para si”, o que gera ainda mais cansaço, estresse e
frustração.”
Considerando as demandas assumidas pela maioria de mães de crianças
com deficiência, observa-se a carência de políticas públicas que deem subsídios a
ações em prol dessas mães e seus filhos (as) e a ausência de profissionais e
instituições especializados que orientam que encaminham e fortaleçam essas mães
permitindo seu empoderamento5. Pois, de acordo com Neves (2008) ao estarem
empoderadas, poderão exigir seus direitos, exercer de forma plena sua cidadania,
garantir o cuidado com qualidade do filho, tomar decisões compartilhadas com os
profissionais que atendam seus filhos. Contudo, destaca-se a importância dessas
mulheres serem vistas de maneira individual, dotadas de sentimentos e valores, que
devem ser escutadas e respeitadas em seus papéis de mulheres, mães, cuidadoras
e esposas.
5 O conceito de empoderamento é concebido como ideia de poder. Empoderamento está intimamente
relacionado com a mudança de poder (ganhar, gastar, diminuir, perder). Ele é concebido como um processo social que ajuda as pessoas a ganhar controle sobre suas próprias vidas (HUR, 2006).
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PARTE II
44
CAPÍTULO I
45
UM ENCONTRO, UMA HISTÓRIA
Sentada na frente do computador, tento começar a descrever os motivos que
me levaram a esta biografia. A tarefa de descrever vivências, experiências e
sentimentos que mobilizam minhas emoções, remetendo-me a um passado não tão
longínquo. Começo narrando fatos que se fazem importantes na minha constituição
enquanto mãe de uma criança especial. Vou fazer isso em uma ordem cronológica6.
Era um sábado, 27 de Janeiro de 2007, seria apenas mais um sábado
qualquer se não fosse um convite de minha irmã. Ela me convidou para irmos a uma
casa noturna, não pensei muito, aceitei o convite. Mais um sábado, uma balada e
nada mais.
Mas, mal sabia eu, essa noite mudaria o rumo da minha vida. Foi na
madrugada de 27 para 28 de janeiro que nos conhecemos. Na época eu com 27
anos e ele com 21 anos. Pensei que nosso encontro fosse apenas algo casual, não
passaria de algumas palavras trocadas meio ao tumulto de uma casa noturna.
Mas, no outro dia ele me ligou, no outro também, e uma semana depois já
estávamos namorando. E namorando sério! Meu pai não concordou no início, “isso
não vai dar certo”, disse ele. Pois bem...
Já nos primeiros meses ficávamos juntos de segunda a segunda, apenas
quando ele estava de serviço7 nos separávamos. Sob esse viés, Gikovate (1984)
discorre que, no início de uma relação amorosa, surge primeiramente o interesse em
estar próximo do outro, depois encaminha-se para o que se pode chamar de
compromisso. Em seguida, os planos para o futuro, estabelecendo a ideia de que
uma pessoa passa a ser a coisa mais importante na vida da outra pessoa.
Na imagem 1 estávamos em um passeio de domingo, pela estrada do Perau.
Era Março de 2009. Costumávamos sair, praticamente, todas as tardes de domingo
para tomar chimarrão em algum local da cidade.
6 Uso letra em itálico para destacar e dar mais visibilidade as minhas narrativas. 7 Utilizo a palavra “serviço”, pois Inácio, meu namorado na época e hoje meu marido é Militar do Exército Brasileiro, na época, ocupava o posto de 3º Sargento, atualmente é 2º Sargento.
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Imagem 1 - Daniele e Inácio
Fonte - Arquivo pessoal da autora.
Cerca de um ano e meio depois, resolvemos ir morar juntos, ou melhor,
oficializar a situação. Carregamos conosco alguns detalhes enviesados no início de
nosso relacionamento: primeiro compramos nosso primeiro carro, depois fomos
morar juntos, oficializamos o relacionamento por meio de uma união estável,
compramos as alianças, e só depois de muitos anos, casamos perante a lei, em 28
de janeiro de 2012, exatamente 5 anos após nos conhecermos. Coincidência? Que
nada... Tudo planejado! Pouco mais de um mês depois do casamento, Manuela
nasceu... Acredito que, mais importante que seguir protocolos, como: namorar, casar
e ter filhos, o mais importante é a cumplicidade e o respeito, pois cada um traz
consigo a sua história, o seu passado e o desejo em construir um futuro. Dessa
forma, Diniz relata que:
Todo homem e toda mulher trazem para relação hábitos, valores, costumes e uma herança afetivo-emocional de suas famílias de origem. A construção da conjugalidade envolve negociações para o estabelecimento de um contrato que vai servir de base para o funcionamento conjugal. Esse contrato inclui várias dimensões: a sexualidade, as formas de demonstração de afeto aceitáveis em público e no contexto privado, a comunicação, as estratégias de negociação de diferenças e de resolução de conflito, a administração do tempo, a organização da vida a dois, a divisão de tarefas entre o par conjugal, o lugar do trabalho e do lazer na vida conjugal, objetivos e expectativas do casal, o grau de individualidade e liberdade de cada um, ter ou não ter filhos, a criação dos filhos, a relação com as famílias de origem, entre outros (DINIZ, 2011, p. 16).
47
Em novembro de 2009 Inácio foi transferido para uma cidade no interior do
Pará. Claro que não pensei duas vezes! Malas prontas, e um novo ciclo se iniciou.
Nesse período, vivemos bons momentos, experiências diferentes, fizemos muitos
amigos. Confesso que no início estranhei muito, principalmente o calor Amazônico.
Nossa, lá é muito quente! Nas primeiras semanas, minha vontade era só de ficar em
locais que tinham ar condicionado. Mas, aos poucos fui me adaptando.
Logo que nos mudamos comecei a trabalhar, lecionei por dois anos em uma
escola municipal. No início foi complicado, principalmente ao que referia-se a
cultura, mas aos poucos fomos nos adaptando, eu com eles e eles comigo. Sinto
saudades daquela época.
Morávamos na Vila Militar, lá fizemos bons amigos, fazíamos muitos
passeios, tudo era motivo de comemoração. E ainda hoje quando lembramos
aquela época dizemos a seguinte frase: “O que a selva uniu a vida não separa”.
Foram dois anos de muitas histórias, conquistas e alegrias. Apesar da
distância da família, nunca me senti só. Pois amorosidade, paciência e carinho, são
qualidades que nunca faltaram em nossa relação. Desde que nos conhecemos,
trago comigo uma certeza, sou uma pessoa feliz.
Na imagem 2 estávamos em um passeio, na fazenda Maloquinha, localizada
no interior de Itaituba-PA, em meados de 2010. Já na imagem 3 um passeio de
barco pelo Rio Tapajós.
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Imagem 2 - Daniele e Inácio na Fazenda Maloquinha
48
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Em dezembro de 2010, após mais de um ano longe da família, viajamos em
férias para o sul do pais. A saudade era grande. Como poderíamos ficar 40 dias
fora, dividimos esse tempo. Foram 20 dias em Santa Maria-RS com a minha família,
e 20 dias em Florianópolis com a família do meu marido.
Na imagem 4, eu e Inácio,na viagem de férias a Florianópolis, em Janeiro de
2010.
Imagem 4 - Daniele e Inácio na praia
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Imagem 3 - Daniele e Inácio
49
Aproveitamos muito essas férias, mas um sentimento forte e especial me
fazia sentir que, as próximas férias seriam muito mais especiais. E foi!
Em meados de 2011, sendo mais precisa junho de 2011, nos completamos
ainda mais com a notícia da minha gestação: engravidei da Manuela. Felicidade que
não cabia dentro do peito. Nossa família estava aumentando. Nosso “Presente de
Deus” estava a caminho.
Na imagem 5, Inácio, eu grávida de sete meses e nossa afilhada Milena, na
festa de despedida do quartel em Itaituba-PA.
Fonte: Arquivo pessoal da autora
O tempo passou, estamos há mais de 10 anos juntos, construímos e estamos
a construir muitas histórias, e se depender de mim, tantas quantas a vida nos
permitir. Consagro nossa união ao amor, cumplicidade e, principalmente, ao
respeito. Palavras que imperam em nosso relacionamento.
Com esse breve relato finalizo as narrativas iniciais.
A partir de agora não será mais eu e ele, mas sim, nós... Eu, Inácio e
Manuela!
Imagem 5 - Daniele, Inácio e Milena
50
CAPÍTULO II
51
A REALIZAÇÃO DE UM SONHO: DA GRAVIDEZ AO NASCIMENTO
A gravidez é um período marcado por diversas mudanças e reestruturações,
que significa para a mulher uma experiência singular, repleta de variados e intensos
sentimentos (BRAZELTON e CRAMER, 1992; KLAUS e KENNEL, 1992). Além
disso, Maldonado (1997), afirma que, a gravidez se caracteriza por uma época de
transição, que envolve significativas mudanças na reestruturação da identidade e
papéis praticados pela mulher, bem como retoma as experiências anteriores.
Para Rubin (1975) gestar mais do que possibilitar o crescimento e
desenvolvimento fetal, compreende uma adaptação biológica, corporal e também
psíquica. Caracteriza-se por ser um período de reorganização do espaço psicológico
da mulher. Sob esse viés de mudanças e adaptações inicio este capítulo, narrando
alguns episódios deste período tão marcante e especial de nossas vidas
Maldonado (2002, p.15) diz que: “antes de engravidar “de verdade”, a pessoa
passa por um processo de se imaginar tendo um filho: como seria ele, se gostaria de
tê-lo já ou só mais tarde, o que espera de si própria como mãe ou como pai, o que
um filho representaria para sua vida.”
Em nosso caso, desde agosto de 2010 vínhamos conversando e planejando a
gravidez, mas a partir de maio de 2011 sentia-me mais sensível aos sentimentos
advindos da maternidade, me sentia cada vez mais próxima de realizar este sonho.
Nesse sentido, Maldonado (2002) reforça que, o relacionamento entre os pais e
bebê começa muito antes do nascimento.
Era Junho de 2011, sendo mais exata, dia 05, num sábado. Foi nesse dia
que engravidei. A sensação foi estranha, mas ao mesmo tempo sentia que algo
estava me completando, eu sabia que tinha engravidado, faltava apenas a
confirmação, que veio semanas depois.
Duas semanas após, fiz um teste de farmácia que deu negativo, mas sabia
que estava errado, então uma semana depois, repeti... Lembro-me como se fosse
hoje. Deu positivo! A emoção foi tamanha, meu coração batia tão forte, fiquei muito
feliz, mas, ao mesmo tempo, sensações de medo e insegurança tomaram conta de
mim, e uma dúvida inquietante me bateu: Como vou cuidar dessa criança? No dia
seguinte marquei uma consulta e fiz o exame de sangue. Essa mescla de
sentimentos é descrita por Maldonado (2002), como um acontecimento frequente e
presente no momento da confirmação da gravidez. “O impacto da notícia pode
52
traduzir-se como euforia profunda, como sensação de grande poder e importância:
ser capaz de acolher dentro de si a vida sob a forma de um novo ser, que está se
formando e tornando-se uma pessoa (MALDONADO, 2002, p.50).
Na imagem 6 o exame que confirmou a gravidez.
Imagem 6 - Exame
Fonte: Arquivo pessoal da autora
A partir desde momento vivenciamos muitas alegrias e emoções. Nosso
sonho estava sendo realizado, nosso bebê estava a caminho. Estávamos ansiosos
pela ultrassonografia que confirmaria o sexo. Talvez, de acordo com Klaus e Kennel
(1992), pela possibilidade ter a chance de conhecê-lo, nomeá-lo e torná-lo menos
desconhecido. Lembro-me que ao escolhermos os nomes, eu escolhi o nome de
menina e Inácio o de menino. Sendo, Mariana ou Matheus. Porém, ao confirmamos
que nosso bebê seria uma menina, resolvi mudar. Mariana passava a se chamar
Manuela! Para Brazelton, (1992), a escolha do nome é compreendida como um
parâmetro de antecipação e existência do bebê. Além disso, Raphael-Leff (1997)
considera também que a escolha de um nome contribui para que as “conversas” da
mãe com o bebê tornem-se mais pessoais. A imagem 7 apresenta a primeira
53
fotografia tirada depois da confirmação da gravidez, lembro-me perfeitamente desse
dia, era feriado na cidade de Itaituba, festejos de Santana, padroeira local.
Imagem 7 - Daniele grávida
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
O tempo foi passando, a gravidez transcorrendo muito bem, em cada
ultrassonografia uma nova emoção, um sentimento maravilhoso em ouvir o
coraçãozinho de nosso bebê. A cada movimento do bebê meu coração disparava,
sentia-me muito emocionada e feliz. Nesse sentido, autores como Maldonado (1997)
e Raphale-Leff (1997) discorrem sobre a importância da percepção materna aos
movimentos fetais, momentos que as expectativas se fazem presentes, além de
possibilitar a gestante atribuir e interagir com o filho. Meu sonho em ser mãe
tornava-se realidade, e o sentimento era maravilhoso, inexplicável. De acordo com
Maldonado (2002, p.21): “A gravidez é uma época fecunda em vários sentidos: não
só um novo ser está se formando, mas também na mulher e no homem, está se
consolidando uma nova parte de si próprios- a capacidade de cuidar de uma
criança.”
A cada dia sentimentos tanto físicos como emocionais se mostravam
presentes na minha vida... Sentia muito sono, na época trabalhava apenas no turno
da tarde e noite e, sentia alguns poucos episódios de enjoos. Minha barriga logo
começou a aparecer, o peso também, esse não me poupou, no final das 38
54
semanas, estava 23 kg mais pesada. Sentia-me enorme, mas muito feliz e realizada.
Sob esse viés, Maldonado descreve:
Na gestação, ocorrem modificações muito importantes: no corpo da mulher, que passa por uma série de modificações e adaptações que lhe possibilitam acolher o bebê; na vida emocional da mulher e do homem, que adquire um colorido bastante diferente do de outras épocas; na dinâmica do relacionamento do casal, que recebe impactos com repercussões bastante
profundas (MALDONADO, 2002, p. 21).
Nossas prioridades foram redefinidas, estávamos envolvidos no processo da
maternidade, eu estava grávida, mas Inácio também, viveu plenamente cada
momento desse período. Desde o início da gravidez tivemos de mudar alguns
comportamentos e hábitos, mas todos eles muito bem-vindos, afinal, era para o
bem-estar de nosso bebê. Maldonado (2002) descreve que estas mudanças
ocorrem, pois não se trata apenas de um homem e uma mulher, mas de um pai e
uma mãe, criando um vínculo com um terceiro; o filho. O homem e a mulher deixam
de ser apenas filhos e tornando-se também pais.
Ficamos morando no Estado do Pará até a entrada para o sétimo mês de
gestação até o dia 03 de dezembro de 2011. E, durante todo esse período de
gestação, sempre me senti muito bem. Lecionava em uma escola municipal e outra
particular. Trabalhei até o dia anterior a viagem de volta ao Rio Grande do Sul.
Lembro que neste dia fui pega de surpresa, meus colegas de escola fizeram uma
festa de despedida para mim. Foi muito emocionante. Tenho muita saudade desse
tempo e das pessoas que fizeram parte da minha vida, nesse que foi um dos
períodos mais incríveis que experienciei até hoje.
A seguir, a imagem 8, com alunos do EJA e a imagem 9 com colegas
professores e funcionários da escola, na confraternização de despedida.
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Fonte: Arquivo pessoal da autora
Imagem 9 - Daniele e colegas
Fonte: Arquivo pessoal da autora
De volta, e dessa vez de forma definitiva ao Rio Grande do Sul, tínhamos que
organizar nossa nova morada para a chegada da Manuela. Com tudo praticamente
encaminhado, resolvemos passar a virada de ano em Florianópolis, na casa da
minha sogra. Na viagem levamos conosco, meus pais e meu sobrinho Gabriel.
Lembro-me muito bem da viagem, eu estava enorme e de hora em hora tínhamos de
parar em um posto de gasolina para eu poder ir ao banheiro. Foi um passeio em
família muito divertido. Na imagem 10 eu, Inácio, meus pais e Gabriel, já na
imagem11, eu, Inácio, minha sogra e seu esposo Rogério.
Imagem 8 - Daniele e alunos da EJA
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Imagem 10 - Daniele, seus pais, Inácio e Gabriel
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Imagem 11 - Daniele, Inácio, Ullia e Rogério
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Retornando das férias, estávamos com nosso casamento marcado, isso
mesmo, cinco anos após nos conhecermos resolvemos casar, exatamente no dia 28
de janeiro de 2012, oficializamos nossa união perante a lei. Eu já estava muito
inchada, eu diria enorme! Em pouco menos de um mês Manuela iria nascer.
Na imagem 12 nós e as testemunhas de casamento. Da esquerda para
direita: Os amigos, Inajara, Jesum e o filho Bernardo, eu, Inácio, Michele (esposa do
irmão do Inácio), Pablo (irmão do Inácio) e Milena, filha do casal e nossa afiliada.
57
Imagem 12 - Daniele, Inácio e testemunhas de casamento
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Aproveito esses momentos, para descrever a importância da presença do
Inácio durante toda a gestação, seu carinho, apoio, atenção e, principalmente, ao
seu amor. Nesse viés Desse e Braz (2000) destacam a importância do pai da
criança durante a gestação e os primeiros meses do bebê. Além disso, a literatura
tem revelado que os homens tendem a participar mais ativamente do processo
gestacional, tanto nas questões emocionais como também nas atividades práticas
(GOMES, 200). De acordo com Krob et. al (2009), os homens vivenciam a gestação
com sentimentos intensos, de alegria, ansiedade, conflito, preocupações com a mãe
e o bebê incluindo as expectativas acerca do papel paterno.
A imagem 13, depois de oficializarmos a nossa união.
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Imagem 13 - Daniele e Inácio
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
No final da gestação, as consultas médicas tornaram-se semanais, mas até
então tudo corria muito bem. O quarto da Manuela estava lindo, suas roupinhas
limpas, e nossas malas para a maternidade prontas. Então, o tão esperado dia
chegou, cesariana agendada, lá fomos nós, era dia 22 de fevereiro. Lembro-me
como se fosse hoje, deixei a casa impecável, tudo limpinho e no lugar. Estava com
38 semanas e 3 dias de gestação, apesar de muito inchada, sentia-me muito bem.
Porém, muito ansiosa, pois o tão distante parto estava próximo. Maldonado
descreve sentimentos que antecedem esse acontecimento:
O parto marca um momento de transição extremamente importante: é a passagem do bebê que estava dentro da barriga para o mundo. A mulher e o homem, no decorrer da gravidez, têm campo livre para imaginar como será o bebê. É comum que idealizem em termos bem irreais: o neném que nasce com pele rosada e bem lisinha, todo bem-feitinho, lindo demais, parecido com o papai ou com a mamãe, que dorme muito, quase não chora e não reclama (MALDONADO, 2002, p. 88)
A noite de 22 de fevereiro dormimos no hospital, tínhamos agendado a
cesárea para às 7h e 30 min. do dia seguinte. Na manhã do dia 23 tivemos um
imprevisto, nosso horário passou para às 9h. Na hora marcada fui para a sala
realizar o procedimento cirúrgico. Estava muito nervosa...
No momento do nascimento, Manuela não chorou... Senti algo muito forte
dentro de mim, sabia que alguma coisa não estava certa, mas, em seguida, foi
59
entregue ao pediatra e logo após chorou, confesso que o choro foi fraquinho, mas
chorou...
Parecia bem, logo em seguida a trouxeram até mim para conhecê-la,
Aproveitamos para registrar o momento, representado pela imagem 14. O que senti?
Uma felicidade que não cabia no peito!
Já na imagem 15 e 16 a primeira foto com a vovó materna Jussara e com o
papai Inácio.
Imagem 14 - Daniele e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Imagem 15 - Manuela e vovó Jussara
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
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Imagem 16 - Inácio e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Manuela nasceu dia 23/02/2012 às 09h e 40 minutos, era uma quinta-feira
quente e ensolarada. Recebemos alta do hospital no sábado dia 25/02/2017. Nesses
primeiros dias após o parto uma gama de sentimentos são vividos e experiênciados,
como a euforia, o alívio, desconforto físico, medo e ansiedade de não conseguir
amamentar, entre outros (MALDONADO, 2002). Já nos primeiros dias percebi a
dificuldade em amamentar. Tentamos quase um mês. Após oferecer o seio, ela não
sugava, então oferecíamos o leite no copinho, na colherinha, mas víamos que nossa
Pequena não ficava satisfeita, foi então que em uma das várias madrugadas que
ficamos tentando amamentá-la acabamos cedendo as facilidades da mamadeira. Ela
sugou desesperadamente... Foi emocionante!
[...] é importante não confundir o conceito de “boa mãe” com a “mãe que amamenta”. Ser boa mãe é a mãe que pode ser, de acordo com sua vida e sua história pessoal, com limitações e possibilidades. [...] a relação de amor também pode acontecer quando o bebê é alimentado com mamadeira (MALDONADO, 2002, p, 131).
Essa é uma das lembranças que ao relembrar me emociona muito, pois a
partir de seus 10 meses Manuela começou a se alimentar por sonda gástrica.
Na imagem 17, Manuela e as bonecas que tínhamos comprado para decorar
seu quarto. Nesta foto ela estava com quatro dias de vida.
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Imagem 17 - Manuela e as bonecas
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Durante os quatro primeiros meses tudo parecia aparentemente normal. Eu e
Inácio tínhamos iniciando um novo ciclo de vida, havíamos nos tornado mãe e pai,
um momento desafiante do ciclo de vida familiar (BRADT, 2001).
Com a maternidade, minha rotina mudou completamente, mas estava muito
feliz. Nossos dias se resumiam em ficar em casa esperando o papai chegar, e fazer
alguns passeios na casa da vovó (materna) e dos dindos (Pablo e Michele), bem
como, receber muitas visitas, principalmente, no primeiro mês. Nossa menina desde
sempre é muito amada...
Como citei anteriormente, para a realização dessa escrita utilizaria as fontes
imagéticas (fotos e vídeos), pois bem, algumas fotos estão sendo dispostas no
decorrer das narrativas, porém, os vídeos estou assistindo e me emocionando muito,
são momentos muito bonitos, me fazem lembrar detalhes adormecidos, ocasiões
que me fazem pensar e refletir em tudo que vivenciamos.Confesso que as lágrimas
se fazem presentes em momentos como esses.
Um dos registros fotográficos destes primeiros meses que sou apaixonada,
refere-se a imagem 18. Estávamos indo para a consulta do primeiro mês da
Manuela. O amor e a cumplicidade retratados na imagem se fazem presentes todos
os dias. Nesse sentido, Dessen e Braz (2000) apontaram a importância do pai para
o funcionamento da família, pois a adaptação ao nascimento de um filho depende da
complementaridade dos genitores. Já Kane e Garber, (2004) descrevem a
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importância das interações pai-criança, pois refletem no comportamento e emoções,
proporcionando a criança maiores competências sociais e cognitivas.
Imagem 18- Inácio e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Fazendo uma busca atenta e detalhada nas fotos percebi que a maioria delas,
ou Manuela está sozinha ou está com seu pai. São poucos registros destes
primeiros meses que me faço presente nas imagens. Afinal, a mamãe aqui engordou
23 kg, e não se sentia “apta” para as fotografias!
Na imagem 19, um de nossos momentos na hora do banho. Manuela já
estava com mais de um mês de vida e eu ainda usava as roupas de gestante.
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Imagem 19 - Daniele e Manuela no banho
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Os dias foram se passando... Lembro que, nas consultas de rotina com o
pediatra, de três e quatro meses, Inácio não pode ir, estava de serviço, então minha
mãe nos acompanhou. E nesses dois momentos ela questionou o médico sobre a
evolução da Manuela. Ele, por sua vez, disse que a menina era uma criança calma,
que cada um evolui de uma maneira diferente. E para se fazer mais claro, pegou a
carteira de vacinação dela e nos apontou um gráfico do desenvolvimento dos
bebês... Manuela estava “dentro” dos parâmetros de desenvolvimento para sua faixa
etária. Agora irei explicar o porquê de minha mãe questionar...
Nossa menina quase nunca chorava além de dormir muito... Talvez a questão
do sono intenso do bebê nos primeiros meses até se faça presente, mas em nosso
caso, já eram indícios do que estava prestes a acontecer...
Mas, ainda relembrando momentos em que tudo parecia “normal”. Na imagem
20 mais momentos de puro amor, entre esses dois colorados.
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Imagem 20 - Inácio e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Com o passar dos dias, pensava cada vez mais em retomar minha carreira,
voltar a trabalhar e estudar. Nunca fui uma pessoa de ficar em casa. Como sempre
digo: Não nasci para ser “do lar”! Perdoem-me as mulheres que optam por essa
escolha.
Minha licença maternidade estava terminando, logo estaria voltando ao
trabalho, claro que pretendia diminuir o ritmo, minha intenção na época era trabalhar
apenas 20 horas semanais, e durante esse período deixaria Manuela aos cuidados
da minha mãe.
Porém, a vida nos prega algumas peças... Nossos sonhos, nossos planos,
diria até nossos ideais de vida, de um dia para o outro mudam completamente. Hoje,
tento acreditar que, Deus sabe o que é melhor para cada um... Mas, por vezes,
agora menos é claro, questiono esse Deus... Por que comigo? Por que dessa
forma? E se fosse diferente, como seria? Confesso que evito pensar nisso, mas
existem situações que são desafiadoras e não consigo me desvencilhar de
pensamentos como esses.
Na imagem 21, momentos que antecederam nossa luta em busca de
respostas.
65
Imagem 21 - Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Pois bem, era início do mês de julho-dia 02/07/2012, uma segunda-feira, ela
não parecia estar bem... E, realmente não estava!
Neste momento iniciou nossa peregrinação em busca de repostas. Sabíamos
que algo estava errado, mas não sabíamos o que era. Não queria acreditar ou talvez
aceitar, mas não tínhamos saída, algo deveria ser feito. A partir desse dia, até o dia
07/07/2012, foram incansáveis idas e vindas a vários médicos.
Foi então que dia 07/12/2012 um sábado, início da tarde, a pediatra que
atendeu ela, desconfiou que pudesse ser convulsões. Foi então, que se deu a
primeira e mais difícil internação de nossa Menina. Entrar com minha filha nos
braços, deixando-a no leito de uma UTI- Unidade de Tratamento Intensivo-, foi até
então, o momento mais difícil e doloroso que passei. Além da dor, a sensação era
muito estranha, parecia que não estava caminhando, mas sim, flutuando... Foi nesse
momento que os questionamentos começaram a se fazer presentes.
Tinha certeza que a saúde dela não estava bem, mas a esperança que ela
poderia melhorar de um dia para outro não me abandonava. Chorei muito esse final
de semana. Um choro silencioso, com o rosto encostado em um berço de UTI, um
choro sem entender muito bem o que estava acontecendo... Olhava para aquele
66
bebê lindo e indefeso e me desesperava. Tinha que fazer alguma coisa, mas não
tinha forças... Sob esse viés, Buscaglia explica que:
As pessoas que trazem ao mundo uma criança deficiente recebem um novo papel tornam-se por extensão pais especiais, que com frequência são forçados a olhar de modo mais profundo e avaliador as interações desse novo papel. Devem tentar compreender sentimentos e atitudes ocasionados por uma nova situação para qual há poucas orientações e definições. [...] novas questões que talvez nunca se tenha dado a conhecer, são levantadas-questões perturbadoras como: “Por que isso foi acontecer comigo?” “Poderei ser um bom pai (mãe) apesar das deficiências de meu filho?” “Serei capaz de atender suas necessidades especiais?” Conseguirei suportar as pressões sociais” “Poderei custear as despesas financeiras?” “Serei emocionalmente forte para enfrentar a situação?”. Muitos dos pais de crianças deficientes nunca passarão do estágio de questionamentos, pois a maioria das perguntas que fazem a si mesmos não tem resposta específicas (BUSCAGLIA, 2006, p. 93-94).
Considerando o caminho até aqui trilhado, finalizo esse capítulo II com as
vivências8 e experiências9 que nos aconteceram até o dia 07/07/2012. Darei início
ao capítulo III a partir do dia 09/07/2012 – o dia em que recebemos o temeroso
diagnóstico.
8Viver determinado momento de modo que o mesmo tenha um significado profundo. (DICIONÁRIO
HOUAISS ON-LINE. Acesso em 10 de setembro de 2017). 9 A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, para olhar, para escutar, pensar mais devagar, para sentir, sentir mais devagar, demora-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspendera vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção, a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSSA, 2002, p.24)
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CAPÍTULO III
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DÚVIDAS, MEDOS E INCERTEZAS: UM DIAGNÓSTICO
Era uma segunda-feira, fria, porém ensolarada, um dia bonito, se não fossem
as circunstâncias. Lembro-me que naquela manhã Manuela foi encaminhada para
realizar um eletroencefalograma10, o resultado ficaria pronto à tarde do mesmo dia,
turno em que o neuropediatra faria a reavaliação.
Naquela manhã tivemos a primeira consulta com o neuropediatra. Relatamos
para ele o que estava acontecendo, em seguida, ele iniciou o exame clinico. O
tempo em que o médico ficou examinando nossa menina, alguns minutos que
pareciam intermináveis. Meu coração estava aflito... Em seguida nos deu um
parecer prévio, disse que poderia ser um tipo de epilepsia11, mas que só poderia
confirmar após a análise do exame, que ficaria pronto à tarde. Na imagem 22,
Manuela em sua primeira internação na UTI-Pediátrica.
Imagem 22 - Manuela no hospital
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
10 O Eletroencefalograma (EEG) é um exame que analisa a atividade elétrica cerebral espontânea, captada através da utilização de eletrodos colocados sobre o couro cabeludo. Como a atividade elétrica espontânea está presente desde o nascimento, o EEG pode ser útil em todas as idades, desde recém-nascidos até pacientes idosos. O objetivo desse exame é obter registro da atividade elétrica cerebral para o diagnóstico de eventuais anormalidades dessa atividade.
https://www.einstein.br/especialidades/neurologia/exames-tratamentos/eletroencefalograma. 11 “Define-se epilepsia como um estado de crises convulsivas recorrentes, sendo uma doença crônica que atinge todas as faixas etárias”. (SANTOS, p.2, 2014).
69
Com a ideia de uma provável epilepsia, logo pensei... Conheço algumas
pessoas com essa doença, e elas levam uma vida normal... Com Manuela também
será assim!
Porém, no final daquela tarde veio a confirmação... Manuela tem epilepsia,
mas um tipo de epilepsia raro, grave e de difícil controle. O médico nos disse: Tem
tratamento, mas não vai ser fácil. E realmente, não é fácil... Apesar de ter
consciência que nossa Manuela estava doente, no fundo do meu coração tinha uma
esperança que tudo aquilo poderia ser um enganado, que ela não teria nada e logo
voltaríamos para casa. Com o diagnóstico de Síndrome de West nosso mundo
desabou... Faço uso de nosso, considerando eu e Inácio. E agora?
Nesse momento, conforme descreve Miller (1995) e Cunha (2010) inicia-se
uma nova fase para os pais, pois tenciona-se a partir dessa confirmação a
necessidade de adaptar-se à nova realidade. E sentimentos de choque, tristeza,
depressão, luto, medo e negação são comuns diante a descoberta da deficiência.
Além dessa reconstrução de sentimentos, as reações de dor são inevitáveis
frente à comunicação do diagnóstico. (SUNELAITIS, 2007; CAVALCANTE,
2001;SILVA, 2008).
Sendo assim, para facilitar o entendimento sobre a Síndrome de West,
apresentarei um breve conceito, o histórico, etiologia e prevalência:
O que é?
A Síndrome de West é classificada como um tipo grave de epilepsia. Como se
trata de uma patologia que acomete crianças é um tipo de epilepsia por ocorrer um
conjunto de sintomas de crises epiléticas, caracterizada por contrações musculares
bruscas, generalizadas ou localizadas, na maior parte das vezes em flexão, tendo
como denominação “espasmos em flexão” (FLUENTES, 2008). Corroborando com
Fluentes (2008), trago De Andrade Souza (2008, p.35), que apresenta a seguinte
definição: “Síndrome de West é uma síndrome idade-relacionada, caracterizada por
espasmos em flexão, padrão eletrográfico com hipsarritmia e atraso no
desenvolvimento neuropsicomotor, podendo ser sintomática ou criptogênica”.
Histórico
No ano de 1841 o médico, West, escreveu uma carta ao editor da revista
“Lancet”, intitulada: "Uma forma peculiar de convulsões infantis." Com esta carta, o
70
médico tinha a intenção de chamar a atenção de seus colegas para "uma espécie
muito rara e singular de convulsões, peculiar de crianças." Ele descreveu as
particularidades dos sintomas de seu filho, uma carta em que demonstrava tanto o
posicionamento do médico, quanto à decepção de um pai de uma criança
gravemente doente. (ELING, 2002). Sendo assim, a síndrome em questão recebeu
esse nome em homenagem ao médico William James West (1793-1848), o primeiro
a descrevê-la. (TORRES, 2011).
Etiologia
Segundo Sanvitto (1977, p.411), a Síndrome de West pode ser dividida em
três grupos:
Grupo Criptogênio: Quando a causa é desconhecida;
Grupo Sintomático: De causa conhecida, como por exemplo, prévio
desenvolvimento neuropsicomotor anormal, alterações e lesões cerebrais;
Grupo Idiopático: Casos que não se define uma doença de base, podendo
estar o desenvolvimento psicomotor algumas vezes normal.
Prevalência
A síndrome de West constitui 2% de todas as epilepsias de infância (ELING,
2002). E de acordo com Sanvito (1997, p. 411),manifesta-se sempre no primeiro ano
de vida, principalmente, entre os quatro e sete meses de vida. O sexo masculino é o
mais afetado – dois para um.
Espero que, com essa breve explicação, seja possível entender o que é a
Síndrome West. Pois bem, quando o médico retornou para verificar o exame e nos
dar o diagnóstico, eu não estava na UTI, Inácio estava sozinho. Não sabíamos o
horário da visita médica, e, como na UTI pediátrica é possível ficar apenas um
acompanhante com a criança, nesse momento eu estava na sala de espera.
Quando fiquei sabendo através do Inácio que se tratava de uma síndrome
chamada West, fui para casa pesquisar... Precisava saber o que estava
acontecendo com a minha menina. Ao pesquisar no tão famoso “Dr Google”, fiquei
em estado de choque, chorei desesperadamente. Isso não poderia estar
acontecendo com ela...
Sob esse viés, a utilização da internet, permite aos indivíduos a obtenção de
diversos tipos de informação, além disso, as informações podem ser obtidas a
71
qualquer momento. As informações colhidas na internet auxiliam na promoção do
conhecimento sobre a patologia, como também nos tipos de tratamento. (GARBIN,
2010). Porém, a qualidade da informação demanda atenção, conforme Levy (1993)
existe um “Dilúvio de informações”, muitas delas contraditórias, incompletas e
incorretas.
Como pesquisei de forma rápida e considerando meu estado de pânico, não
prestei muita atenção nas informações, vi apenas algumas imagens, não prestando
atenção na confiabilidade dos sites. Foi um momento muito difícil. Passado algum
tempo, o médico da Manuela me orientou de como e onde deveria realizar minhas
pesquisas.
Passei aquela noite no hospital com ela, uma noite muito difícil, assim como
as outras que estavam por vir. O que senti durante aqueles dias até hoje não
consigo explicar, um misto de tristeza, medo, desesperança, pânico, solidão e
revolta. Conforme Buscaglia (2006), eu estava passando por um processo de
lamentação, detonado pela primeira tomada de consciência da deficiência, que é
basicamente formado por lágrimas, decepção e descrença. Além disso, o medo é
outra emoção partilhada por pais de crianças com deficiência. De acordo com
Buscaglia (2007, p.108) “temos um medo natural daquilo que não compreendemos,”
Jamais irei esquecer aquela noite, e a fala de uma das técnicas de enfermagem ao
me ver chorar naquela madrugada: “Mãezinha, você vai ter que acostumar, a partir
de agora será assim.”
Como acostumar? Aquela fala me deixou ainda mais desesperada e
fragilizada. Neves (2008) afirma não ser incomum no dia a dia dos serviços de
saúde, o profissional infantilizar o seu discurso ao relacionar-se com as mulheres
que são mães, tratando-as como “mãezinhas”. Nesse sentido, Para Regen (1993) e
Pasqualin (1998), afirma que a maioria dos profissionais de saúde estão
despreparados para lidar com essas demandas.
Na tarde do dia seguinte, terça-feira, 10 de julho de 2012, uma psicóloga veio
conversar comigo. Comecei a conversar com ela e chorar desesperadamente, ela
me deu um pacote de lenços de papéis (tenho até hoje a embalagem e alguns deles,
mais adiante irei explicar o significado que tem para mim). Em nossas conversas,
nesse e em outros dias que seguiram, comentei com ela que deixaria tudo de lado
para cuidar da Manuela, uma dedicação exclusiva. Na época acreditava que isso
bastaria para sua cura.
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Nesse contexto, compete ao profissional exercer um papel fundamental, pois
esse é o momento em que os pais precisarão encontrar forças para enfrentar os
próprios sentimentos, e partir em busca de recursos e tratamentos para com seu
filho. (BATISTA, 2007).
Em nossas conversas, ela(a psicóloga) me dizia que não era assim, que eu e
meu marido precisamos viver, seguir em frente, que essas atitudes iriam refletir
positivamente na qualidade de vida da Manuela.Para Buscaglia (2006 p.36), os pais
devem “ser informados de sua responsabilidade e dos efeitos profundos e
duradouros que aquilo que fizerem, ou não fizerem, poderá ter no crescimento e
desenvolvimento de seus filhos[...]”.
Confesso que tudo que ela me falou, naquele momento, parecia não estar
sendo internalizado, nada me fazia mudar o pensamento. Acreditava que era minha
obrigação dedicar-me integralmente a minha filha. Hoje, consigo entender o que a
psicóloga tentava me fazer compreender. Buscaglia explica que:
Não há pais perfeitos, mas nenhuma criança exige a perfeição. Nos primeiros estágios do aprendizado de seu papel especial, os pais passarão por momentos de irritações, ansiedade e medos. Estarão imersos em seus próprios problemas e preocupações e, momentaneamente, se encontrarão incapazes de responder às necessidades do bebê. [...] Em primeiro lugar, devemos lembrar que em matéria de aprender a viver e amar, um bebê é um bebê, independente de suas limitações [...] (BUSCAGLIA, 2006, p. 41).
Os dias foram passando, Manuela reagia bem ao tratamento, as crises
convulsivas foram diminuindo, como também sua sucção, não conseguia mais sugar
a mamadeira, foi necessário colocar uma sonda nasogástrica12 para alimentá-la.
Mais uma situação difícil, e mal sabíamos que os desafios estavam apenas
começando.
Com o início do tratamento medicamentoso, as terapias também iniciaram
(fisioterapia e fonoterapia). Sob esse contexto, acredito que as informações
fornecidas pelos profissionais envoltos ao processo foram fundamentais para nossa
mobilização e organização do tratamento. Na época, acreditava que com todos
esses estímulos a “cura” viria em breve. A internação da Manuela durou 10 dias,
12 A sonda nasogástrica é um procedimento médico evasivo, onde um tubo de polivinil é introduzido
desde as narinas até o estômago do paciente para a alimentação, quando o indivíduo não consegue se alimentar por conta própria, geralmente isso acontece com pacientes em coma, com problemas na deglutição, ou outras doenças degenerativas. https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/medicina/sonda-nasogastrica/55518
73
retornamos para casa no dia 16 de julho de 2012. Na imagem 23, em uma tentativa
de descontração, Manuela e sua boca, ambas de sonda.
Imagem 23 - Manuela e sua boneca
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Quando retornamos para casa iniciamos também as terapias e a estimulação,
bem como o acompanhamento periódico com o neuropediatra. Com a resposta
positiva da medicação e os estímulos realizados pela fonoaudióloga, bem como
nossos estímulos em casa, em poucos dias Manuela retirou a sonda nasogástrica.
Nesse contexto, Silva (2009), nos diz que a adaptação da criança com a família
após a comunicação do diagnóstico, está diretamente relacionada com o suporte, o
apoio, a confiança e os esclarecimentos reais, sobre a realidade apresentada.
Foram dias muito difíceis, levávamos muito tempo para alimentá-la oralmente,
ela cansava muito, mas, na época conseguimos vencer essa etapa. Na imagem 24,
Manuela e seu avô materno Sergio em um passeio pela Basílica de Nossa Senhora
Medianeira. Já na imagem 25, Manuela estava na casa dos avôs maternos
divertindo-se em seu tapete sensorial. Essa imagem foi registrada no dia em que
retirou a sonda nasogástrica pela primeira vez.
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Imagem 24 - Manuela e vovô Sergio
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Imagem 25 - Manuela e seu tapete
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Os dias foram passando e o efeito do medicamento parecia não ser mais o
mesmo, as crises convulsivas tornaram-se mais frequentes, mesmo quando a
medicação era aumentada. Já não estávamos obtendo resultados positivos. Então,
em uma conversa com o médico ele decidiu prescrever uma nova medicação para
Manuela. Porém, o medicamento indicado tinha muitas contra indicações e efeitos
negativos, além de ser importado e muito caro. Foi a partir desse momento que
comecei a participar de grupos de mães no Facebook, atitude que me auxiliou muito
e, ainda hoje continua contribuindo para minhas vivências e experiências como mãe
especial.
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Pois bem, sem nos informar, minha sogra marcou uma consulta com uma
médica, neuropediatra na cidade de Porto Alegre, nos avisando alguns dias antes da
consulta. Essa consulta foi marcada para o dia 31/08/2012. No dia marcado fomos a
Porto Alegre, eu, Inácio e Manuela, minha sogra se deslocou de Florianópolis e nos
encontrou lá. A imagem 26 registra o momento que em Manuela descansava no
carro durante a viagem a Porto Alegre.
Imagem 26 - Manuela no carro
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
A consulta foi demorada, achamos melhor não falar sobre o diagnóstico do
neuropediatra que atendeu Manuela na UTI. Ao finalizar os exames clínicos e os
questionamentos, a médica nos apresentou o possível diagnóstico: Síndrome de
West. Porém, além de alterar o tratamento medicamentoso, solicitou uma gama de
exames e consultas com diversos especialistas. A imagem 27 registra o momento
em que Inácio alimenta nossa Menina durante um dos exames.
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Imagem 27 - Inácio com Manuela no hospital
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Dessa forma, a viagem prevista para durar um dia, se estendeu por quinze
dias. Apenas Inácio e Rogério (seu padrasto), retornaram a Santa Maria para buscar
algumas roupas e objetos de higiene. Ficamos hospedados na casa de uma prima
do Inácio. Foram dias muito difíceis...
Conseguimos marcar e realizar todas as consultas e os exames durante
esses quinze dias, porém, praticamente todos foram particulares. Tínhamos algumas
economias, mas que em poucos dias acabaram. Mas, para nossa surpresa, amigos
e familiares organizaram arrecadações e rifas que custearam todos os exames e as
consultas. Para Bastos (2008) tanto o apoio emocional como o suporte financeiro
são obtidos por rede de amigos e familiares, formando assim uma rede de ajuda
mútua. Então, com o apoio de amigos e familiares conseguimos realizar todas as
consultas, exames e procedimentos solicitas para nossa Menina.
Uma dessas consultas foi com um oftalmologista pediátrico, que diagnosticou
na Manuela um grau elevado de hipermetropia, e prescreveu o uso de óculos. Nessa
época, Manuela estava com seis meses. Na imagem 28, Manuela em sua primeira
fotografia usando óculos (ela fez uso de óculos até seus 3 anos- a hipermetropia
retrocedeu, hoje ela possui apenas 1grau de miopia apenas).
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Imagem 28 - Manuela de óculos
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
O novo tratamento prescrito pela neuropediatra estava dando resultado. No
fim desses quinze dias retornamos para Santa Maria, mas durante as próximas cinco
semanas teríamos que retornar a Porto Alegre para realizar eletroencefalogramas
semanais, no hospital da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica).
Na semana do dia 20 de setembro de 2012, ao realizar o exame recebemos
uma ótima notícia, os resultados eram muito promissores, e durante esses dias
Manuela já começava a ter mais firmeza no tronco e se alimentava mais
confortavelmente por via oral. As imagens 29 e 30 registram um passeio na sede
Campestre do Clube Dores (Santa Maria-RS)
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Imagem 29 - Inácio e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Imagem 30 - Daniele e Manuela no Clube Dores
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Tudo estava indo bem, quando no dia 29 de setembro de 2012 ela começou a
ter dificuldade em respirar e se alimentar, não estávamos conseguindo nem medicá-
la. Então, neste mesmo dia aconteceu uma nova internação a mais grave de todas.
Manuela entrou em coma, foram três dias de angústia e sofrimento. Durante esses
79
três dias que ela esteve em coma, senti muito medo de perdê-la, um sentimento que
nunca tinha sentido, lembro-me que pedi muito a Deus que me deixasse ficar com
ela, não me importava como fosse, queria minha filha comigo, faria tudo para
ampará-la e protegê-la, já não me importava mais com o que poderia acontecer,
apenas queria ela junto a mim. Um dos momentos mais difíceis foi quando li o
boletim médico que ficava exposto na porta da UTI. Nele dizia: "Grave". Desabei,
confesso que esse foi um dos momentos mais difíceis que enfrentei. O estado de
Manuela era grave.
Mas, nossa menina é uma guerreira, aos poucos foi acordando, o rostinho
todo inchado e com a cabecinha raspada por necessidade de colocar o cateter para
a aplicação de medicação e soro. Mais exames foram realizados, mas o coma não
teve um esclarecimento convincente, o que os médicos nos disseram é que “talvez”
fosse pelo uso excessivo de medicação. Devido a isso, o tratamento para a
síndrome foi modificado novamente.
Manuela perdeu praticamente tudo que tinha adquirido, sua evolução motora
regrediu muito, voltando a se alimentar por sonda nasogástrica. Retornamos ao
ponto inicial... Mais um desafio... O que fazer? Seguir em frente... De onde retirar
forças? Acredito que em momentos como esse somente Deus...
A imagem 31 registra Manuela pronta para ir a mais uma consulta médica.
Imagem 31 - Manuela pronta para ir ao médico
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
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Porém, apesar de todas as dificuldades sabíamos que não estávamos
sozinhos. Recebemos muito apoio da família, de amigos e até de pessoas que não
conhecíamos. Pessoas que nos traziam uma palavra de conforto, uma companhia,
uma ajuda financeira. Enfim, nos deram suporte para seguirmos em frente.
As sessões de fisioterapia e fonoterapia da Manuela eram frequentes...
praticamente diárias. Na época, lembro que não me sentia satisfeita com a
quantidade de sessões de terapias, queria sempre mais, acreditava que, quanto
mais atividades a ela fossem oferecidas, mais rápida seria sua recuperação. Minha
esperança era em recuperar os meses de atraso em seu desenvolvimento. Meses
que com o passar do tempo, transformaram-se em anos...
A imagem 32 retrata um período em que Manuela em que ainda
conseguíamos alimentá-la por via oral.
Imagem 32 - Manuela alimentando-se
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Logo após Manuela receber alta da segunda internação, dia 23 de outubro de
2012, retornamos para mais uma consulta de alguns exames em Porto Alegre.
Fizemos uma ressonância magnética e um videoeletroencefalograma de 24 horas.
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Na imagem 33, Manuela estava realizando o videoeletroencefalograma, no
Hospital São Lucas da PUC-RS, em Porto Alegre. Já a imagem 34 registra um
momento do dia seguinte após o exame, pronta para irmos para a consulta médica.
Imagem 33 - Manuela no hospital fazendo exames
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Imagem 34 - Manuela aguardando consulta médica
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
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Com os resultados em mãos, levamos para a médica avaliar e para nosso
desespero, as notícias não eram nada boas. O eletroencefalograma estava normal,
mas a ressonância mostrou uma lesão muito grave no cérebro, uma lesão
gravíssima.
Nunca irei esquecer as palavras da neuropediatra, ela nos disse que
provavelmente Manuela nunca iria caminhar e nem falar... Que o exame estava
muito ruim. Também nos disse que, Inácio teria que voltar a trabalhar (ele estava de
licença saúde), mas eu deveria ficar em casa cuidando dela, que seu caso era muito
grave.
Momento de total desespero. Saí daquele consultório transtornada, não
conseguia nem falar, mais uma vez não sabia o que fazer, estava sem chão. Foi
então que perguntei para o Inácio:
- O que eu faço? Não sei por onde começar... Não tenho forças...
Então ele me respondeu:
-Olha para ela (Manuela) que você vai saber.
Pois bem, mais um momento que tive que respirar fundo e seguir em frente.
Na época, a frase que ouvimos da médica foi muito difícil de ouvir, senti raiva e me
perguntei: Porque ela foi tão cruel em sua forma de falar? Porém, hoje entendo que
tudo isso serviu de aprendizado. Tínhamos o pior diagnóstico, mas não nos
deixamos abater, seguimos em frente e estamos conseguindo vencer diariamente
cada uma das batalhas que a vida nos apresenta. Os dias foram passando, Manuela
conseguiu novamente retirar a sonda nasogástrica, estava se recuperando
lentamente. Um registro na imagem 35 de um de nossos passeios na Sede
Campestre do Clube Dores.
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Imagem 35 - Daniele e Manuela no Clube Dores
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Foi então que o final do ano chegou... Passamos o Natal em casa, com meus
pais e um casal de amigos muito queridos (Márcio, Elaine e a filha Rafaela)
companheiros de nossa caminhada, que participaram de cada momento de tristeza,
mas também de recomeços e das conquistas. Já o Ano Novo passamos na casa de
meus pais. Ano Novo, vida nova, como diz o ditado!
No primeiro mês do ano de 2013, mais algumas intercorrências. Manuela
apresentava uma tosse incessante e já estava apresentando muita dificuldade em se
alimentar, lembro-me como se fosse hoje, era sábado, dia 26 de janeiro de 2013.
Não dormimos essa noite, sendo que na manhã seguinte Inácio estaria de serviço e
eu ficaria sozinha com ela.
Mas, para tornar tudo mais difícil e a dor maior ainda, na manhã do domingo,
dia 27 de janeiro de 2013 recebi uma ligação de minha mãe que me perguntava se
eu estava sabendo da tragédia que tinha acontecido aqui em Santa Maria – A
Tragédia da Boate Kiss- Não estava sabendo, pois estava envolta dos cuidados da
Manuela, não tinha ligado a televisão e nem o computador. Fiquei em estado de
choque. Organizei as coisas da Manuela e fui para a casa de meus pais, não tinha
condições de ficar em casa.
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Foi um dia muito difícil, muita dor e sofrimento em cada notícia que a televisão
e amigos nos comunicavam. E para piorar, minha menina não estava nada bem,
muita tosse e dificuldade para se alimentar. Naquele dia, o único alimento que
consegui que ela ingerisse foi iogurte. Não tínhamos nem como levá-la ao médico, a
cidade estava em desespero e intransitável, impossível ir até uma emergência
hospitalar, tudo estava lotado.
O que fazer? Tentei manter a calma. Manuela teria consulta com o pediatra
no dia seguinte, à tarde. Mas, na segunda de manhã nos ligaram cancelando a
consulta. Conseguimos ir levando a situação até a quarta-feira após a tragédia.
Nesse dia, levamos nossa filha a um pronto atendimento médico, e logo após ser
atendida, foi mais uma vez encaminhada a UTI pediátrica. Dessa vez com
pneumonia e coqueluche. Ficamos doze dias com ela internada, novamente a sonda
e muitos antibióticos.
Sua festa de aniversário, que estava planejada para o dia 23 de fevereiro com
todo o amor, teve de ser cancelada, fizemos apenas uma pequena comemoração
com a família e poucos amigos. As imagens 36 e 37 registram alguns momentos da
comemoração.
Imagem 36 - Daniele, Inácio, Manuela e amigos
Fonte: Arquivo pessoal da autora
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Imagem 37 - Daniele, Inácio, Manuela e família Lisboa
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Estávamos muito fragilizados com toda a situação, além disso, percebíamos
que as dificuldades de deglutição de Manuela estavam aumentando, não estávamos
oferecendo nada mais por via oral. Na imagem 38 Manuela na almofada, presente
da tia Paola.
Imagem 38 - Manuela em sua almofada
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
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Envoltos a essas circunstâncias, não tivemos outra saída a não ser optar pela
gastrostomia. Mais um momento difícil, sentia-me derrotada, parecia que não estava
sendo uma boa mãe, não estava conseguindo fazer com que minha filha se
recuperasse.
Após várias consultas e exames o procedimento foi agendado para o mês de
abril de 2013. Porém, uma infecção respiratória estava nos assombrando e nos
assustando. Sendo assim, o procedimento da gastrostomia foi cancelando. No mês
seguinte, em maio de 2013, conseguimos realizar o procedimento, por endoscopia,
mas que por recomendação médica nossa menina deveria ficar três dias em
observação na UTI.
Pois bem, o procedimento ocorreu de forma tranquila, mas durante esses dias
em observação Manuela foi contaminada por uma bactéria hospitalar. Os três dias
de internação resultaram em dezessete dias de muitos exames, medicamentos
fortíssimos, além de muita dor e sofrimento em vê-la mais uma vez naquele leito de
UTI. Passei o Dia das Mães com ela internada, foi muito difícil e, mais uma vez me
perguntei:
- Por que comigo? Por que tem que ser assim?Por que temos que passar por
tudo isso? Não achava justo. Minha menina não merecia passar por tudo isso... Era
apenas uma criança com pouco mais de um ano, indefesa e com a saúde
vulnerável. Mas como sempre, nossa guerreira foi se recuperando aos poucos,
porém,quando recebeu alta,ainda estava muito debilitada e inchada, devido às altas
doses que recebeu de corticóides. Confesso que a aceitação para realizar o
procedimento doeu muito, além de muito difícil sua aceitação, mas, não tínhamos
escolha. Era o melhor a ser feito naquele momento.
Os dias foram passando, Manuela se recuperava bem, claro que, com todas
suas limitações intelectuais e motoras. Mantínhamos a frequência nas sessões de
fisioterapia e fonoterapia, bem como acrescentamos em sua rotina a hidroterapia.
Na imagem 39, mais um registro de nossa Menina descansando em sua almofada.
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Imagem 39 - Manuela em sua almofada
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Em meio a essa rotina, percebi que as “coisas” estavam se organizando,
retomando o seu rumo, claro que, um novo rumo, não aquele que eu havia
planejado para nós. Afinal, existem escolhas que não nos competem o poder de
decisão... Devemos respeitá-las, mas ir em busca do melhor caminho, lutar sempre
e não se deixar levar pelas intempéries que cruzarem nossos caminhos.Na imagem
40, eu e Manuela em um passeio na Sede Campestre do Clube Dores.
Imagem 40 - Daniele e Manuela passeando no Clube Dores
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
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Sendo assim, no mês de julho de 2013, um ano após o diagnóstico da
Manuela, tomei uma decisão muito importante, decidi que deveria retomar a minha
vida, aproveitar a oportunidade e o privilégio de ser mãe de um Ser tão especial e ir
em busca de conhecimento.Pois, conforme Buscaglia:
É muito difícil alguém se furtar à dor durante toda a vida, pois assim como o yin e yang, a alegria e a dor andam juntas. Na maioria das vezes a dor que vivemos é temporária, vai tão rápido quanto vem. Nada mais é que do que outro evento consciente que se aprendeu a esperar no processo normal da vida. Como tal, é vivido e depois esquecido. (BUSCAGLIA, 2006, p.104).
Foi então que decide fazer o Curso de Educação Especial. Estava em busca
de algo mais, algo que me guiasse para um caminho da compressão da deficiência,
bem como produzisse em mim o entendimento da educação da pessoa com
deficiência. Começava então, a entender e visualizar o “outro” com outro olhar. Pois,
segundo Larrosa e Perez, trata-se da
imagem dos loucos feita pelas pessoas com uso da razão que, afinal, são as que definem o sentido da razão e da sem-razão; as imagens das crianças feitas pelas pessoas adultas que são as que determinam o que é maturidade e imaturidade; a imagem dos selvagens feita pelas pessoas civilizadas que são as que definem o que é civilização e barbárie; a imagem do estrangeiro feita pelas pessoas nativas que são as que definem o que é ser ou não ser membro de uma comunidade; a imagem dos delinquentes feita pelas pessoas de bem que são as que determinam o que é ser ou não ser uma pessoa dentro da lei; a imagem dos marginalizados feita pelas pessoas integradas que são as que definem o que é ser ou não ser uma pessoa corretamente socializada; a imagem dos deficientes feita pelas pessoas normais que são as que definem o que é a normalidade e a anormalidade (LARROSA E PÉREZ DE LARA, 1998, p.7).
A partir dessa decisão, fui atrás de maneira que tornasse o que era apenas
uma ideia momentânea e algo real, que produzisse em mim outros sentidos.
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CAPÍTULO IV
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(RE) SIGNIFICAÇÕES DA MATERNIDADE: UM ENCONTRO COMIGO MESMA
Um ano após o diagnóstico da Manuela, sentia-me preparada para voltar a
viver a minha vida, claro que, a prioridade é, e sempre será a vida da Manuela. Em
um primeiro momento pensei em voltar a lecionar, mas recuei frente a esta escolha.
Devido à saúde frágil dela, não poderia assumir tamanho compromisso. Pensei nas
diversas consultas médicas, terapias, viagens e prováveis intercorrências que
poderiam vir a acontecer.
Então, ao conversar com uma amiga sobre esse assunto, ela me sugeriu que
eu voltasse a estudar, comentou também, das possibilidades das vagas
remanescentes. Não pensei muito, decidi que seria isso. Pesquisei os cursos e as
possibilidades de cursar outra licenciatura. Conversei com o Inácio, e como sempre,
meu companheiro me deu apoio total. Abraçamos essa causa juntos. Junto com a
escolha do curso, veio também a decisão por cursar Educação Especial noturno.
Com essa escolha, poderia acompanhar a Manuela em todas as terapias e
consultas, e à noite, Inácio ficaria com ela.
Na segunda quinzena do mês de novembro de 2013, organizei os
documentos e enviei para a UFSM. O resultado veio em seguida, fui aceita como
aluna do curso. Agora era só aguardar o ano letivo iniciar. Buscaglia (2006) nos diz
que diante de situações difíceis, de dor, medo e insegurança, temos duas
alternativas, se rebelar, resistir, ficar apático e derrotado, ou aceitar o desafio e
descobrir as vitórias presentes em algumas atitudes, edificando e apreciando os
detalhes positivos, aproveitando assim as oportunidades de crescimento. A partir
desse momento comecei a enxergar cada pequena, porém gloriosa vitória que a
vida nos presenteava.
Em dezembro viajamos de férias, estávamos ansiosos pela viagem, pois seria
a primeira viagem da Manuela a passeio, nossas primeiras férias em família.
Viajamos para Florianópolis, levamos junto minha mãe, que ainda estava muito
fragilizada com tudo que acontecera com nós. De acordo com Katz e Kessel (2002)
e Matsukura e Yamashiro (2012), a literatura tem apontando que as avós são
consideradas importante papel de apoio às mães e aos demais membros da família,
ao conferirem suporte prático, financeiro, emocional e afetivo. Corroborando com
essa informação, Yamashiro e Matskura (2014), enfatizam os resultados de sua
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pesquisa, afirmando que o suporte provém, principalmente, da presença e ajuda da
avó materna.
Mas, acredito ser importante enfatizar que, além da ajuda e apoio da avó
materna, muito tenho a agradecer a avó paterna da Manuela, pois esteve e ainda
está sempre presente em todos os momentos, auxiliando tanto emocionalmente
como financeiramente nossa caminhada.
Os estudos de Woodbridge et al. (2011) corroboram com nossas vivências,
pois, destacam que, após passarem pelo choque e descrença do diagnóstico do
neto, as avós veem em seu papel principal estarem presentes, de forma positiva,
auxiliando o filho e o neto da maneira como podem.
Curtimos as férias de 2013 na presença das avós, minha mãe e minha sogra
auxiliaram, cuidaram e, principalmente, acompanharam nossa menina em diversos
passeios. Minha sogra e minha cunhada Paola fizeram até uma festa para
apresentar Manuela para algumas pessoas13 de Florianópolis que auxiliaram no
custeio do tratamento. Nas imagens 41 e 42, respectivamente, Manuela com minha
cunhada Paola e com minha sogra.
Imagem 41 - Manuela e tia Paola
Fonte: Arquivo pessoal da autora
13 Faço referência às clientes da minha sogra, que na época era proprietária de um salão de beleza.
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Imagem 42 - Manuela e vovó Ullia
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Fizemos uma viagem muito boa, passeamos, aproveitamos e nos divertimos.
Nessa época, estava iniciando as ressignificações da maternidade. Os
questionamentos sobre o que o futuro me reservará, cada vez menos se faziam
presentes no meu dia a dia. Hoje, penso que, em momentos como esses estava
aprendendo a viver um dia de cada vez, “a comunicar o maior amor possível através
do toque, da proteção”, já não estava mais tentando projetar os próximos anos.
(BUSCAGLIA, 2006). Estava aprendendo a viver cada momento... Na imagem 43
momentos em família na praia
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Imagem 43 - Daniele, Inácio e Manuela na praia
Fonte: Arquivo pessoal da autora
De acordo com esses relatos, trago Buscaglia:
Você também tem horizontes a explorar, suas próprias vitórias com que se regozijar e das quais partilhar. Viva você também cada dia de uma vez. Assim, todos formarão um processo conjunto, composto de indivíduos avançando, cada um em seu próprio ritmo, mas todos avançando (BUSCAGLIA, 2006, p.171).
Depois de muita dor, sofrimento e tristeza, estava iniciando uma nova
caminhada. Estava me permitindo ser feliz novamente, ressignificando os presentes
que a vida me deu. Pois, depois de tanta dor, negação e sofrimento, um fenômeno
de fortalecimento acontece, a resiliência14, através da qual é possível retomar a
consciência e o fortalecimento da autoestima. Para Guerra (2015, p. 463) é “no
enfrentamento das dificuldades que as pessoas produzem um saber construtivo,
formulando mecanismos de superação”. Sendo assim, na imagem 44, eu e Inácio
nas dunas da Lagoa da Conceição - Florianópolis-SC.
14 É a capacidade do ser humano de renascer da adversidade fortalecida, com mais recursos, e transformar situações de risco e de vulnerabilidade em potencialidades. (GUERRA, 2015).
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Imagem 44 - Daniele e Inácio na Lagoa da Conceição - SC
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
O ano de 2014 iniciou com muitas bênçãos. Um verão sem intercorrências. E
a festa tão sonhada de aniversário, a festa que tínhamos programado para o
aniversário de um aninho, foi realizada no aniversário de dois anos. Na imagem 45,
um registro de seu aniversário de 2 anos.
Imagem 45 - Manuela em seu aniversário de 2 anos
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
O ano letivo iniciou... E junto com ele as expectativas se fizeram presentes. E
agora, como será? Será que darei conta? Conseguirei conciliar a maternidade
especial com os estudos? Será que esse é o caminho a seguir? Sim, hoje tenho
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certeza que as escolhas que foram feitas promoveram um caminho onde muitos
sonhos tornaram-se realidade. E tenho certeza, que tantos outros estão por vir.
Basta acreditar e ir à luta! Buscaglia nos faz refletir:
Como mãe, você também tem de crescer e penetrar muitos locais desconhecidos. Na maior parte do tempo, você está trocando fraldas, cuidando de problemas físicos, indo e vindo de consultórios médicos e de terapeutas, com uma certa equanimidade. Algumas vezes, porém, essa rotina a deprime. E logo você percebe que quando fica deprimida, fica de fato deprimida. Você tem de lutar contra sentimentos de fadiga, frustração, letargia ou, de outra forma, poderá perder sua capacidade de luta. Você descobre que aquilo de que precisa de fato é encontrar formas de promover o seu crescimento pessoal, para que continue sendo um indivíduo, e não o apêndice de seu filho deficiente (BUSCAGLIA, 2006, p.171).
Com o passar dos dias, o ambiente acadêmico foi me fazendo muito bem.
Conheci muitas pessoas, muitas teorias e muitas realidades. Aos poucos percebia
que as experiências que havia adquirido com a Manuela estava me auxiliando no
entendimento de questões teóricas discutidas com professores e colegas em sala de
aula. Sob esse viés, Guerra (2015, p. 465) nos diz que “o resiliente que gera a
superação, advém do sofrimento e da vontade de mudar a realidade [...]”
Essa vontade em mudar a realidade se fazia cada vez mais presente em meu
dia a dia, pois, ser recebida em casa todas as noites por ela me fortalecia e produzia
em mim uma vontade imensa de ir em busca de algo além do que aprendia nas
aulas.
A imagem 46 foi registrada em um dos momentos em que eu chegava em
casa após a aula.
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Imagem 46 - Daniele e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Além disso, no ano de 2014, uma esperança para melhorar a qualidade de
vida da Manuela surge. Em uma reportagem apresentada no Fantástico, tomamos
conhecimento do uso do Canabidiol15 para o tratamento das crises epiléticas.
Travamos muitas batalhas, a primeira delas foi conseguir convencer o neuropediatra
da prescrição do medicamento, após essa fase, a batalha foi diante da Anvisa16,
para conseguir autorização do uso, em seguida, enfrentamos a justiça, a fim de
garantir que o estado custeasse esse tratamento, que é muito caro e sua compra é
realizada no exterior.
Para iniciarmos o tratamento, compramos o medicamento com o auxílio
financeiro de alguns amigos. Os resultados foram fantásticos, Manuela, começou a
responder aos estímulos, chorar e rir. Estávamos radiantes de alegria. Sob esse
viés, Benjamin (2012, p.127), nos diz que: “Ao cansaço segue-se o sonho, e não é
raro que o sonho compense a tristeza e o desânimo do dia, realizando a existência
inteiramente simples e absolutamente grandiosa que não pode ser realizada durante
15 O canabidiol é um composto químico encontrado na planta Cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha, que, de acordo com estudos científicos, pode ser utilizado no tratamento de doenças como câncer, crises epilépticas e convulsivas, esclerose múltipla e dores associadas a doenças que acometem o sistema nervoso central. (https://medicoresponde.com.br/o-que-e-canabidiol-e-para-que-serve/). Acesso em 13/10/2017. 16 Agência Nacional de Vigilância Sanitária
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o dia, por falta de forças”. Com um sentimento de paz e felicidade, a certeza de que
não podemos desistir.
Diante de tantos acontecimentos, acredito que a partir desse ano de 2014,
minha trajetória começou a mudar, eu estava aprendendo a viver novamente a
minha vida, atitudes que, de alguma forma começaram a refletir positivamente na
minha família.
Para comemorarmos as vitórias e conquistas desse ano de 2014, em
dezembro, fizemos um passeio para Gramado e Canela. Estávamos brindando a
vida! Na imagem 47, eu e Manuela no centro de Gramado.
Imagem 47 - Daniele e Manuela em Gramado
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Mal sabíamos que o melhor estava ainda por vir, no dia seguinte à foto 42,
Manuela volta a chorar, fazia mais de três anos que nossa menina não chorava, e na
viagem, acredito eu que ela estava cansada e incomodada na cadeira do carro,
chorou incessantemente. A minha reação? Não sabia se ria, chorava ou atendia ela.
Uma felicidade imensa, dia 18/12/2014, Manuela começava a renascer! Benefícios
do Canabidiol.
Em seguida, estendemos nosso passeio a Florianópolis. Nas imagens 48 e
49, fotos de um passeio na Ilha do Guará, em Florianópolis (dezembro de 2014).
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Imagem 48 - Daniele, Inácio e Manuela na Ilha do Guará – SC
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Imagem 49 - Daniele e Inácio
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Diante dos fatos, a opção em viver um dia de cada vez, aproveitá-lo de forma
plena, reconhecendo as fragilidades da saúde da Manuela, e ressignificando a dor e
o medo que algumas vezes insistem em tomar conta de meus pensamentos, foi o
melhor caminho a ser escolhido.Conforme Selli, 2008:
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A compreensão da doença e a ação da pessoa diante dela são fundamentais na construção de um sentido, na interpretação da situação vivida em decorrência da doença e no entendimento como oportunidade (ressignificação) ou desventura (não ressignificação) (SELLI, 2008, p.86).
Ao relembrar os acontecimentos do ano de 2015, mais lembranças boas se
fazem presentes. A principal delas é melhora significativa na saúde da Manuela.
Iniciamos esse ano com muitas vitórias, a primeira delas foi à concessão judicial do
medicamente Canabidiol, um alívio, pois através de seu uso, ela apresentou
melhoras significativas. Inclusive, até reportagens de televisão, jornais e rádios essa
concessão judicial resultou, o que nos auxiliou muito no meio judicial. Na imagem
50, reportagem divulgada no Jornal A Razão.
Imagem 50 - Reportagem Jornal A Razão
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Nesse ano, eu e Inácio decidimos que Manuela deveria dormir em seu quarto,
até então, seu berço estava em nosso quarto, seu sono era vigiado por nosso olhar
atento. Confesso que foi difícil conter a emoção da primeira noite em que nossa
Menina dormiu em seu quarto sozinha, foi muito lindo. Com essa atitude percebi que
muitas de nossas vivências, tinham se tornado experiências, estávamos pondo em
prática uma atitude que há muito tempo almejávamos. Com sinceridade, desde que
engravidei já pensávamos no dia em que Manuela dormiria sozinha em seu quarto.
Para nossa alegria, esse dia, ou melhor, essa noite chegou.
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Com o auxílio financeiro da minha sogra, conseguimos comprar uma cama
hospitalar, que foi adaptada carinhosamente para nossa Menina, e uma babá
eletrônica. Nesse sentido, Yamashiro (2014), em suas pesquisas nos afirma que nas
famílias de crianças com deficiência, o suporte social e financeiro provém dos
próprios familiares, como também do auxílio prestado pelas avós. Então, com esse
auxílio, conseguimos adquirir a cama e a babá eletrônica. Afinal, precisamos
continuar protegendo e vigiando seu sono, só que a partir desse dia, cada um em
seu quarto. Nossa Menina não era mais aquele bebezinho, ela estava crescendo, e
com seu crescimento físico percebíamos seu desenvolvimento, sua evolução
cognitiva, sentimentos e emoções visivelmente demonstrados em seu semblante e
comportamento do dia a dia.
Na imagem 51, Manuela em seu quarto, após a primeira noite dormindo
sozinha, lembro-me que fiquei tão nervosa que me esqueci de registrar o momento
em que a acomodei em sua cama para dormir.
Imagem 51 - Manuela em seu quarto
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Tudo conspirava a nosso favor. Pensamentos bons estavam atraindo coisas
boas. Além disso, o interesse pelo Curso de Educação Especial aumentava
progressivamente com os semestres cursados. Resolvi dar início a um novo desafio.
Participei de uma seleção para bolsista do programa Pibid17, fui aprovada e, dessa
17 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.
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forma, as demandas diárias aumentaram, somando-se aos cuidados com a
Manuela, as tarefas da casa, e as aulas noturnas, as atividades do Pibid. Na
imagem 52, eu em uma das atividades do Pibid.
Imagem 52 - Daniele em atividades do PIBID
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Atividades que exigiam de mim duas tardes semanais na escola, e algumas
horas em casa para organização de materiais e planejamentos. Foi uma experiência
maravilhosa, que produziu em mim, uma certeza ainda maior em relação à escolha
pela Educação Especial. Ao utilizar a palavra experiência, trago Larrossa:
Experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p.19) ,
Hoje, percebo o quão rica essa experiência foi permitindo-me adentrar as
práticas do Curso de Educação Especial, me fazendo ter mais certeza do caminho
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escolhido. Durante as práticas do Pibid, uma escolha muito importante se fez
presente em minha trajetória enquanto futura profissional da Educação Especial,
optei em estudar a área do Autismo. Talvez influenciada tanto pela prática nas
escolas como também pela teoria, apresentada e discutida em sala de aula.
Nesse ano de 2015, cada vez mais sentia-me influenciada e apaixonada pelo
Curso. Além disso, Manuela cada vez melhor, evoluindo de acordo com as suas
possibilidades e de maneira contínua. Comecei a perceber que a tempestade
iniciada em 2012 estava acalmando-se, começava a entender que a busca pelo
conhecimento almejada inicialmente, estava me proporcionando não apenas os
conhecimentos ofertados pela academia (Universidade), mas também acalmando
meu coração e me possibilitando enxergar a vida com novo olhar. Neste novo olhar
ressignificando através das experiências, momentos de tristeza, fomentando assim
uma maior harmonia em meu lar, com minha filha, meu marido e com minha família.
Finalizo minhas narrativas do ano de 2015 com a imagem 53, eu e minha
amiga Elaine, em um almoço na Estância do Minuano, momento em que
comemoramos a saúde, a amizade e, acima de tudo, a vida e tudo de maravilhoso
que ela nos proporciona.
Imagem 53 - Daniele e Elaine
Fonte: Arquivo pessoal da autora
O ano de 2016 iniciou, e neste ano, optamos em não viajar, ficamos em casa
nas férias. Aproveitamos o verão como nos foi permito, foram momentos muito
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abençoados, Manuela estava com a saúde estável e em processo de evolução no
seu desenvolvimento em geral. Foi bem divertido, nossa menina pôde desfrutar de
vários banhos de piscina, para nós isso significou um grande progresso.
Na imagem 54, eu e Manuela, em um domingo quente de fevereiro. Esse dia
foi pura diversão.
Imagem 54 - Daniele e Manuela na piscina
Fonte: Arquivo pessoal da autora
O ano letivo está por começar e com ele novos desafios e oportunidades,
uma das escolhas que fiz ao iniciar o primeiro semestre acadêmico foi me afastar
das atividades do Pibid. Resolvi me dedicar ao estudo da pesquisa em Autismo, e
com isso passei de bolsista Pibid, para bolsista Fiex18, pertencendo ao grupo de
Estudos EdEA – Educação Especial e Autismo, coordenado pelo Professor Dr. Carlo
Schmidt do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da UFSM. Cada
vez mais sentia-me contagiada pelos mistérios e desafios em estudar e pesquisar
essa temática.
As atividades do curso e do grupo de pesquisa estavam desenvolvendo-se
muito bem, porém, no mês de abril Manuela começou a ter episódios diários e muito
18 Fundo de Incentivo à Extensão.
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demorados de convulsões - o pesadelo tinha recomeçado. Apesar da angústia e da
sensação de impotência, algo me fazia sentir que seria diferente, que passaria logo.
Muitas noites sem dormir, nossa menina não estava bem, mas eu não poderia
me entregar, tinha que lutar e vencer mais uma fase difícil. Minha intuição dizia que
isso seria temporário, afinal, passamos juntas por tantos momentos difíceis, esse
seria apenas mais um. Lembro-me que muitas madrugadas tivemos que levá-la às
pressas para a emergência médica. Inclusive, o dia dos namorados do ano de2016
passamos na emergência do HGeSM (Hospital de Geral do Exército de Santa
Maria). Comemoramos essa data da maneira que nos foi permitida, eu Inácio e o
fruto de nosso amor, nossa Manuela. Juntos, sempre juntos...
No mês de junho, além das crises convulsivas Manuela apresentou um
quadro de pneumonia e sinusite. Com isso, depois de mais de três anos, uma nova
internação, mas dessa vez não foi necessário UTI, ficamos no HGeSM. Eu, ela e
Inácio, juntos, para mais uma vez vencermos esse desafio. Lembro-me que meu
sentimento nesse momento foi de preocupação, mas tinha uma certeza dentro de
mim, que logo, logo tudo estaria bem novamente. Foram dez dias no hospital,
durante esse período me afastei de lá apenas para realizar uma prova da faculdade.
Não queria parar minhas atividades acadêmicas, tinha uma certeza que tudo voltaria
a normalidade. E foi o que aconteceu. Manuela recebeu alta, e aos poucos foi se
recuperando. Na imagem 55, Manuela realizando exercícios de fisioterapia em casa.
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Imagem 55 - Daniele e Manuela fazendo exercícios
Fonte: Arquivo pessoal da autora
No mês de setembro Inácio foi para a cidade de Cruz Alta-RS, realizar um
curso de especialização, ficaria por lá até início do mês de dezembro. Neste período,
eu e Manuela ficamos sozinhas, algumas noites deixava ela na casa da minha mãe
para poder ir às aulas, outras noites minha mãe tomava conta da neta na minha
casa. Mas Inácio vinha todos os finais de semana para nosso lar. Foi um período
bem conturbado, Manuela teve um episódio bem grave e prolongado de tosse, hoje
posso afirmar que passei por mais alguns desafios nesse período, mas também
posso afirmar que foram desafios que me fizeram aprender e crescer ainda mais.
Era um momento de empoderamento. Nesse sentido, Hur (2006) nos diz que o
processo de empoderamento se inicia com o surgimento de um conflito social, com o
objetivo de obter senso de liberdade, fortalecimento e pertencimento para mudanças
sociais. Percebia o desenvolvimento desse processo, através das experiências
positivas, como também das experiências difíceis e, muitas vezes, solitárias que
passei e continuo a passar diariamente. Para Guerra (2015, p. 465) o
“empoderamento nasce na medida em que tomamos consciência da nossa força de
superação, que é a resiliência”. O mês de novembro estava se aproximando e com ele a tão planejada
viagem de estudos para São Carlos-SP, para o VII Congresso Brasileiro de
Educação Especial. Um misto de sentimentos se fazia presente, a euforia e a alegria
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em fazer uma viagem de estudos e apresentar os trabalhos que realizei durante a
graduação, pesquisas que participei ao longo desta trajetória acadêmica. Mas,
também passei por momentos de medo e insegurança só em pensar de ter que ficar
tantos dias longe da minha Menina. Precisava ir, e fui... Mais uma vez retomo o
significado da palavra experiência para descrever e justificar a decisão de embarcar
nessa viagem. Como Inácio ainda estava em Cruz Alta, e minha, mãe trabalha
durante o turno da manhã, quem assumiu o comando foi minha sogra. Mais uma
vez retomo o significado da palavra experiência para descrever e justificar a decisão
de embarcar nessa viagem. Ela vem de Florianópolis para tomar conta da Manuela
no período em que eu e Inácio estávamos ausentes fisicamente. A viagem foi
maravilhosa, além de todo o conhecimento que adquiri durante o Congresso
também incorporava na minha vida pessoal uma grande conquista – de sair de cena
por alguns dias e manter-me afastada da rotina materna. Foram momentos de foco
nos estudos e também de aprendizado pessoal sobre as minhas inseguranças,
como afastar-me da Manuela, por exemplo.
Nas imagens 56 e 57, alguns momentos durante a viagem, de momentos
acadêmicos e futura profissional da Educação Especial. Esses dias me fizeram
ressignificar ainda mais minhas vivências e experiências com colegas muito
queridas, Francieli, Mara, Ana e eu. Uma experiência que para Larrosa (2002) é
adquirida quando nos permitimos apropriar-se de nossas próprias vidas.
Imagem 56 - Daniele, Francieli, Mara e Ana
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
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Imagem 57 - Daniele, Francieli, Mara e Ana
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Foram seis dias de muito aprendizado, conhecimento e reconhecimento pelos
trabalhos apresentados em evento nacional. Mas foram também dias de muita
saudade, porém, estava tranquila, pois tinha certeza que minha filha estava bem.
Hoje, depois de um ano, percebo ainda mais o quão rica foi essa experiência - a de
me afastar do cotidiano familiar. Nesse sentido, Balaban (1988), aponta que a
experiência da separação acontece em todas as fases da vida dos seres humanos e
os afeta.
Dezembro finalmente chegou e com ele a formatura do Curso de
Especialização que Inácio estava realizando em Cruz Alta. Após a formatura ele
retorna para casa e, como de costume, nossa família voltava a conviver
normalmente. Na imagem 58 um registro da formatura do Inácio.
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Imagem 58 - Daniele, Inácio e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Passados alguns dias da formatura do Inácio, Manuela apresentou uma nova
intercorrência clínica - queda da saturação de oxigênio19. Ficamos cinco dias na UTI
pediátrica, a medicação foi reavaliada e foi retirado um dos medicamentos, com isso,
Manuela começou a se recuperar. Ela ficou internada durante o período de 12 a 16
de dezembro.
Na imagem 59, o dia que retornamos para casa.
19 Hemácias contêm hemoglobina. Cada molécula de hemoglobina pode carregar até quatro
moléculas de oxigênio, situação na qual é descrita como “saturada” de oxigênio. Se todos os sítios de
ligação na molécula de hemoglobina estão carregando oxigênio, a saturação é 100%. A maior parte
da hemoglobina se liga ao oxigênio à medida em que passa pelos pulmões. Um indivíduo saudável,
com pulmões saudáveis, respirando ar ambiente, terá uma saturação arterial de oxigênio de 95 a
100%.
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Imagem 59 - Manuela em casa após internação hospitalar
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
O ano de 2017 iniciou e trouxe com ele muitas bênçãos. Em janeiro fizemos
nossa viagem de férias para Florianópolis. Além dos diversos passeios, Manuela
recebeu muito carinho dos avós e das tias Paola e Cainá. Na fotografia 56, Manuela
na casa da vovó paterna, Ullia.
Imagem 60 - Daniele, Inácio e Manuela no shopping
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
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Foram vinte dias de muitos passeios, mas também aproveitamos para
descansar, deixando um pouco de lado nossa rotina corrida. Na imagem 61, eu e
Inácio em um dos passeios que fizemos a sós.
Imagem 61 - Daniele e Inácio na praia
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Depois de curtirmos nossas merecidas férias, retornamos para casa, e
também às atividades. Sessões de fisioterapia, equoterapia, fonoaudiologia e
consultas médicas – retornamos à rotina.
Em fevereiro comemoramos o aniversário de cinco anos de nossa filha. No
final de semana das comemorações Manuela foi acometida de uma infecção
intestinal, estava bem abatida no dia de sua festa, mas poucos dias depois já havia
se recuperado. Na imagem 62, eu Inácio e Manuela, comemorando seu aniversário
de cinco anos, cinco anos de muitas alegrias e aprendizado.
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Imagem 62 - Daniele, Inácio e Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Chega março e as atividades letivas iniciam com muitos desafios que
estavam por vir. Entre eles, a escrita desse Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),
além disso, minhas atividades como bolsista de um projeto de doutoramento20,
exigiam cada vez mais, atividades de pesquisa que me encantavam mais a cada dia.
A partir do primeiro semestre de 2017 meu interesse era/é cada vez maior
pela área e pesquisa sobre o autismo. Hoje, tenho a certeza que estou no caminho
certo. É nesta área que quero continuar meus estudos na pós-graduação. Quem
sabe realizando o mestrado? E quem sabe, talvez, o doutorado?
Na imagem 63, minha companheira de estudos.
20 Projeto desenvolvido pela doutoranda Fabiane dos Santos Ramos, orientado pelo Prof º Dr. Carlo
Schmidt que investiga a Intervenção Instrucional Mediada por Pares (IIMP) com crianças com autismo
no contexto da inclusão. Esta intervenção consiste em desenvolver competências sociais e de
aprendizagem ao aluno com autismo através do apoio e interação com seus colegas de classe. A
minha participação como bolsista na pesquisa se constitui como uma oportunidade ímpar para o
desenvolvimento de competências e habilidades que fomentam o aprendizado na validação de
instrumentos, assim como na implementação de etapas metodológicas que envolvem desde leitura
de textos, validação de instrumentos, coleta de dados e processos de tradução e retrotradução.
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Imagem 63 - Manuela
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Manuela com saúde estável me motivava cada vez mais para realizar meus
estudos e cumprir meus compromissos na universidade e no lar.
Em maio deste ano, mais uma viagem de estudos, dessa vez Porto Alegre-
RS, para o Seminário Luso-Brasileiro de Educação Inclusiva. O seminário foi
realizado na PUC-RS, universidade na qual há exatamente cinco anos atrás
iniciavam a nossa busca por respostas e por tratamento para a Manuela. Confesso
que me senti estranha ao relembrar esses momentos, estava praticamente no
mesmo local cinco anos antes, com meus planos e sonhos desfeitos, minha filha
sendo diagnosticada com uma doença grave. Enfim, estava desesperada e
desestruturada, não tinha nem ideia sobre o que o futuro reservava para nossas
vidas (minha e de Inácio). Mas, como não sabemos o que a vida nos reserva, lá
estava eu novamente, dessa vez me sentia forte e vencedora. Estava fazendo uso
das minhas experiências dos últimos cinco anos de vivências que foram sendo
ressignificadas a cada etapa percorrida na trajetória da maternidade. Foram três dias
de muitos estudos, discussões e conhecimentos. Junho chegou, e com ele a tão
esperada qualificação do projeto de pesquisa. Mais um desafio superado... Na
imagem 64, professora Lorena, eu, minha orientadora professora Elisane e a
psicóloga Ariane.
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Imagem 64 - Profª Lorena, Daniele, Profª Elisane e Psicóloga Ariane (esquerda para direita)
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Após a qualificação do projeto de pesquisa profissional, parei para refletir
sobre o caminho até então trilhado, os desafios que surgiram e as vitórias
conquistadas. E mais uma vez tenho a certeza de minhas escolhas. Esse foi o
melhor caminho a seguir, percebo que minhas experiências estão, a cada dia que
passa, me fortalecendo e me fazendo crescer ainda mais.
Após a defesa de qualificação desta pesquisa, resolvi participar de um
processo seletivo para um Curso de especialização a distância em Tecnologia da
Informação e Comunicação aplicadas à Educação (TIC’s). Enviei a documentação
exigida pelo Edital e não contei a ninguém da minha família sobre a intenção de
realizar um novo curso. Aguardei o resultado ansiosa e, para minha surpresa, fui
aprovada. Com aprovação divulgada dei a notícia a todos e, principalmente, pedir
mais uma vez o apoio para dar continuidade aos estudos e a mais um desafio. E, é
claro que a melhor família do mundo aceitou entrar comigo nessa nova caminhada.
No segundo semestre letivo deste ano de 2017, dei continuidade a escrita do
TCC tentando vencer esse desafio, narrando minhas vivências e experiências, sabia
que não seria fácil, mas com o passar dos dias percebi que a dificuldade aumentava
cada vez mais, confesso que o desânimo por várias vezes me abateu e muitas
vezes sentei em frente ao computador e escrevi duas ou três linhas, os
pensamentos e as memórias não estavam correspondendo ao meu desejo de
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registrar tudo que queria ...tudo que pensava...tudo que desejava escrever. Muitas
vezes, mas muitas vezes mesmo, ao relembrar alguns momentos me senti tocada e
a dor se fazia presente. E, algumas vezes o questionamento: Porque comigo? Por
que com minha filha? Por que com minha família? Como já citei anteriormente,
acredito que nunca encontrarei as respostas para essas perguntas, a única certeza
que tenho é que fui abençoada por essa maternidade especial. Pois, como é
descrito por Guerra (2015, p. 464) que, “a partir da aceitação, a mãe e a família
começam a incluir essa criança na sociedade, quebrando paradigmas e
preconceitos que são impostos a esses seres tão indefesos que, desde cedo
adquirem uma força e garra para lutar e vencer [...].”
Na imagem 65, um registro das atividades da Manuela na equoterapia.
Imagem 65 - Daniele e Manuela na equoterapia
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Durante essa escrita, muitas vezes tive que interrompê-la, pois Manuela
precisava de meu apoio, em muitas dessas ocasiões foram as crises convulsivas
que me faziam largar tudo e correr ao seu lado, em momentos como estes, não se
tem muito o que fazer, apenas estar junto, dar muito carinho e esperar passar. Ah!
Se pudesse, pularia esta página! São os piores momentos que preciso enfrentar.
Mas, hoje em dia, estou conseguindo lidar melhor com momentos assim, acredito
que a experiência produzida diariamente vai colaborando para o enfretamento e as
115
ressignificações de momentos difíceis e de entristecimento. Os meses que se
seguiram foram de muito trabalho, atividades do curso, escrita deste trabalho,
atividades da especialização em TICs, atividades da bolsa de iniciação científica e,
mais as questões que envolvem ser mãe e esposa.
No mês de outubro de 2017 estava com muitas tarefas para realizar, provas
da faculdade e da especialização, viagem para a UFRGS (Universidade Federal do
Rio Grande do Sul) em Porto Alegre, para apresentar um trabalho de pesquisa, e as
atividades da JAI - Jornada Acadêmica Integrada- UFSM. Na imagem 66,
apresentação de pôster na JAI.
Fonte: Arquivo pessoal da autora
É quase final de semestre na UFSM e para conseguir dar conta de tantas
atividades, recorri aos cuidados e a atenção que minha irmã e dinda da Manuela,
Franciele e da minha mãe Jussara estão tendo com ela. Sem esse apoio não
conseguiria dar continuidade aos meus planos e projetos acadêmicos.
Corroborando com essa escrita, trago Yamashiro (2014) a qual apresenta em
sua pesquisa dados que demonstram a importância da ajuda das avós no processo
de atenuar o estresse materno e que, muitas vezes, deixam de lado interesses
próprios para auxiliar a família de seus filhos e netos, como prioridades em relação
Imagem 66 - Daniele na JAI 2017
116
aos próprios afazeres, oferecendo também auxílio financeiro, principalmente, em
situações inesperadas.
Às vezes penso que aprendi a lidar com determinadas situações, mas em
outros momentos percebo que ainda não. As situações as quais me refiro, na
maioria das vezes são os olhares de piedade das pessoas na rua, no shopping, na
praça. mas confesso que apesar de viver e experienciar essa realidade há mais de
cinco anos, existem momentos que ainda são difíceis. Sob esse viés, Possa (2009),
no diz que é preciso preparar a sociedade e investir na formação da consciência.
Pois, a sociedade ao se reportar ao outro21 e suas diferenças, demonstram, muitas
vezes, ações e atitudes preconceituosas, pois os sentimentos em relação às
pessoas com deficiência ainda estão carregados de ‘compaixão’ subjugando assim
suas capacidades.
Além disso, o abatimento e cansaço muitas vezes tomavam conta do meu
corpo, e com ele algumas interrogações: Por que preciso ser forte o tempo todo?
Por que preciso estar sempre bem? Por que preciso sorrir a todo o instante? São
momentos como estes que me desafiam a continuar, mas, por muitas vezes preciso
chorar... E choro, para então recuperar as forças e a vontade de seguir em frente.
Seguir em frente desejando intensamente momentos de alegria, superação e
pequenas vitórias, que são características marcantes da pessoa mais importante da
minha vida... a Manuela!
Nesse sentido, Buscaglia (2006, p.173), nos diz que: “o que se tem a fazer é
identificar com honestidade os sentimentos, chorar se sentir vontade e ter
consciência que essa é uma reação natural, normal, e que ninguém está se
inferiorizando ao agir assim”. E, muitas vezes, com esse sentimento que percebo a
ressignificação de minhas vivências e experiências.
Para perceber e sentir de modo diferente o que me passa, foi preciso
reconstruir os planos e sonhos que tive no passado... O berço foi substituído por
uma cama hospitalar, a fralda ao invés de ser retirada, aumentou de tamanho, o
carrinho de bebê foi substituído por uma cadeira de rodas, atividades como natação
e balé, tiveram que ser substituídas pelas sessões incansáveis de fisioterapia e
hidroterapia (balé e natação eram desejos que sempre tive para minha filha).
21 O “Outro diferente como depositário de todos os males, como o portador das falhas sociais”
(DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001, 124)
117
Enfim, narrei até aqui minhas vivências e experiências, e as maneiras com as
quais ressignifiquei e continuo ressignificando as perdas, frustrações e desafios que
a vida me impôs como mãe de uma criança com Síndrome de West. Mas também
desfrutei dessas escritas para narrar e comemorar os incontáveis momentos de
vitórias e conquistas da Manuela. Detalhes que muitas vezes passam despercebidos
para a maioria de mães e pais, mas que para nós, que vivemos a condição de ter
um filho especial, faz toda a diferença. Momentos esses que produzem em mim um
sentimento de completude, de alegria e felicidade.
O que aprendi com tudo isso? Aprendi a olhar para o outro, a admirar o outro,
a entender o outro, a conviver com o outro, enfim... Aprendi a valorizar tudo de mais
belo que me foi concedido e agradecer infinitamente pela força e energia que tenho
para continuar.
Confesso que, os últimos meses, o tempo que estamos passando juntas está
mais corrido, pois como citei anteriormente, as demandas aumentaram, agora, por
exemplo, Manuela está acordando, então, interrompo por aqui esta escrita. Espero
que em breve possamos dar continuidade a essa conversa.
118
NOTAS PARA FINALIZAR...
OUTRAS PALAVRAS...
Essa conversa irá ser interrompida, porém, de alguma maneira a vida lhe dará
uma continuidade. Essa continuidade, com certeza, trará diversos questionamentos
e [re] significações, no que talvez eu pudesse ter feito diferente, ou ainda, o que
talvez eu possa fazer diferente. Jorge Larrosa, através do pensamento de Jacques
Derrida, diz que “o talvez leva a pensar a vinda do porvir, do que não se sabe e não
se espera, do que não se pode projetar, nem antecipar,nem prever,nem prescrever,
nem predizer, nem planificar”; o talvez, em outros termos, nos leva a refletir naquilo
que “não depende do nosso saber, nem do nosso poder, nem da nossa vontade”.“O
talvez leva a pensar na interrupção,na descontinuidade, na possibilidade, talvez, do
acontecimento, enquanto essa possibilidade se abre no interior do impossível”
(LARROSA, 2001,p.288).
Nesse sentido, busquei através dessas narrativas revelar momentos de
minhas vivências e experiências como mãe de uma criança com Síndrome de West.
Iniciei narrando brevemente o período anterior à minha gestação por considerar um
momento fundamental na constituição e consolidação de minha família.
Na sequência, trouxe momentos especialmente relevantes em minha
trajetória da gestação, tentei narrar e apresentar também através de imagens os
sentimentos considerados por mim, mais importantes para a minha constituição
como mãe - mãe da Manuela.
Além dos sentimentos maternos, busquei apresentar, de acordo com a minha
visão, os sentimentos e emoções vividas pelo pai da Manuela e as considerações
tecidas por autores da área sempre buscando traçar um parâmetro entre as minhas
narrativas e a literatura.
Por considerar de suma importância, trouxe durante minhas narrativas,
acontecimentos e pessoas que considero fundamentais e indispensáveis em minha
trajetória materna. São pessoas que me ampararam e continuam me acolhendo,
tornando-se coadjuvantes para a constituição de minhas [res] significações e
experiências.
Durante as narrativas, acredito que o momento mais marcante e difícil para
escrever, refere-se ao momento do diagnóstico. No capítulo em que narro esse
momento, tentei exteriorizar alguns dos acontecimentos que mais marcaram meu
119
percurso e minhas experiências. Confesso que, muitas vezes, a dificuldade em
transmitir os fatos e acontecimentos se fizerem presentes, e trouxeram à tona muitos
questionamentos que estavam adormecidos.
Contudo, ao finalizá-lo, percebi que muitos dos momentos de dor, ansiedade,
agonia, sofrimento, preocupação e de dificuldades foram ou estão sendo [res]
significados, impulsionando em mim o sentimento de empoderamento e autoestima,
conforme descrevo no último capítulo, onde narro os acontecimentos que
corroboraram com as [re] significações de minhas experiências como mãe de uma
criança que vive "a condição daquilo que é diferente de mim; a condição de ser
outro" (SILVA, 2000, p.16).
Sendo assim, para concluir essa conversa, quero, não apenas trazer e
partilhar minhas experiências22 individuais, mas também venho com a intenção de
auxiliar e contribuir, de alguma forma, na trajetória de mães que como eu, se [re]
significam todos os dias, vivenciando um talvez em cada conquista ou a
in(certeza)daquilo que nos passa.
22 Experiências no sentido de algo "que nos passa, o que nos acontece o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. Pois, a cada dia, “se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (LARROSA, 2002, p.21)
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ANEXOS
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ANEXO A: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
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