CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - PL 3198/2000 - ESTATUTO DA IGUALDADE RACIALEVENTO: Audiência Pública/ReuniãoOrdinária
N°: 001086/01 DATA: 09/10/01
INÍCIO: 14:51 TÉRMINO: 17:54 DURAÇÃO: 03:03TEMPO DE GRAVAÇÃO: 03:09 PÁGINAS: 71 QUARTOS: 19REVISORES: LIZ, ZILFA, MADALENA, PATRÍCIA MACIEL, ANNA AUGUSTASUPERVISÃO: SEM SUPERVISÃOCONCATENAÇÃO: YOKO
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOIVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Assessor Especial da Secretaria de Estado de DireitosHumanos do Ministério da Justiça.ROQUE DE BARROS LARAIA – Professor titular do Departamento de Antropologia da UnB.CARLOS ALVES DE MOURA – Presidente da Fundação Palmares.
SUMÁRIO: Apreciação do Projeto de Lei nº 3.198, de 2000, que institui o Estatuto da IgualdadeRacial. Votação e aprovação dos Requerimentos nºs 19/01 e 20/01, do Sr. Deputado JoãoAlmeida. Votação e aprovação do Requerimento nº 22/01, da Sra. Deputada Marisa Serrano.
OBSERVAÇÕESHá oradores não identificados.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Declaro aberta a reunião
da Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer ao Projeto de Lei nº
3.198, de 2000, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, em defesa dos que
sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor, e dá
outras providências.
Encontra-se sobre as bancadas cópia da ata da quarta reunião.
(Não identificado) – Sr. Presidente, pedimos dispensa da leitura da ata.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Solicitada a dispensa da
leitura da ata.
Em discussão.
Não havendo quem queira discuti-la, em votação.
Os Srs. Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram.
(Pausa.)
Aprovada por unanimidade.
A reunião de hoje foi convocada para realização de audiência pública e
apreciação de requerimentos.
I – Audiência pública.
Convido para tomarem assento à mesa o Dr. Ivair Augusto dos Santos,
assessor especial da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Ministério da
Justiça, o Dr. Roque de Barros Laraia, professor titular do Departamento de
Antropologia da Universidade de Brasília, e Carlos Alves Moura, presidente da
Fundação Palmares, palestrantes de hoje.
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Comunico e lamento que o Deputado Luiz Alberto não participará desta
audiência pública porque sofreu um acidente e está com a perna quebrada.
Desejamos que S.Exa. se recupere o mais rápido possível.
Antes de passar a palavra aos expositores, peço a atenção dos senhores
para as normas estabelecidas no Regimento Interno da Casa.
O tempo concedido a cada convidado será de vinte minutos, não podendo ser
aparteado. O prazo poderá ser prorrogado a juízo desta Comissão.
Os Deputados interessados em interpelar os palestrantes deverão inscrever-
se previamente. As perguntas deverão restringir-se ao assunto da exposição e ser
formuladas no prazo de 3 minutos, dispondo os expositores de igual tempo para
respondê-las. Aos Deputados são facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo
prazo.
Para dar início às exposições, concedo a palavra ao Sr. Ivair Augusto dos
Santos, Assessor Especial da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do
Ministério da Justiça.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Boa tarde senhoras e senhores,
Deputados Saulo Pedrosa e Reginaldo Germano, em nome de quem cumprimento
os demais Parlamentares.
Fui designado pelo Secretário de Estado dos Direitos Humanos, Dr. Gilberto
Sabóia, para aqui conversar com os senhores e repassar um pouco da minha
experiência ao analisar o importante documento Estatuto da Igualdade Racial.
Para nós essa iniciativa vem num momento muito especial, após um dos
importantes episódios da história da humanidade: a 3ª Conferência Mundial contra o
Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância.
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Na Conferência Mundial ficou evidente, por meio da criação de um capítulo
específico dos afro-descendentes, a necessidade de políticas específicas para a
comunidade negra. Ou seja, era necessário que a comunidade internacional, órgãos
das Nações Unidas, como UNESCO, UNIDO, OIT, UNICEF, que estão ao longo da
sua história, nos últimos cinqüenta anos, destinando políticas universalistas, dessem
específica atenção à comunidade negra ou à comunidade, como definida nos
documentos oficiais, de afro-descendentes.
O Estatuto da Igualdade Racial encaixa-se perfeitamente nessas iniciativas.
Os que tiveram acesso a esse documento perceberam que ele é, sem dúvida, uma
síntese das principais bandeiras que hoje boa parte da militância no campo dos
direitos humanos tem procurado defender. Ele abrange questões importantes no
campo da saúde — em destaque enfrenta o problema da anemia falciforme, que tem
merecido do Ministério da Saúde atenção especial, através de portaria. Também
começa a enfrentar problemas no campo da educação, cultura, esporte e lazer, um
dos pontos que tem merecido, por parte dos que militam no campo dos direitos
humanos, atenção especial. É fundamental o entendimento de que são necessárias
políticas específicas no campo da educação. Ele também faz referência importante
às questões da reparação e da terra.
À questão da terra faz um destaque. As comunidades de quilombos — terras
ocupadas por remanescentes de quilombos, populações que até o período da
Abolição estavam ocupando essas terras e atualmente ainda permanecem graças
ao importante art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — entrem
em alguns debates que hoje, felizmente, começam a ganhar maior transparência,
adesão, isto é, o sistema de quotas.
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Também ataca um dos problemas delicados — os meios de comunicação;
propõe a criação de uma Ouvidoria permanente em defesa da igualdade racial, na
Câmara dos Deputados; e finaliza com a criação da assistência judiciária.
Entendendo o espírito desta Comissão, o Projeto de Lei nº 3.198 deverá ser
objeto de vários seminários, fóruns, inclusive em alguns Estados da Federação.
Gostaria de direcionar um pouco minha contribuição para esse Estatuto. Nós,
da Secretaria, constituímos algumas pessoas para discutir o assunto e o
submetemos à Consultoria Jurídica para que, de alguma forma, colaboremos com
sua elaboração final.
Entendemos que estudo recentemente apresentado pelo texto “Desigualdade
Racial no Brasil-Evolução das Condições de Vida na Década de 90”, publicado pelo
IPEA, apresenta importantes dados nos campos da saúde e da educação.
Minha primeira sugestão é de que esse documento possa incorporar a
justificativa do mencionado projeto de lei. Além disso, destaco que vários
dispositivos inseridos no Estatuto da Igualdade Racial estavam previstos no
Programa Nacional de Direitos Humanos, na parte relativa à comunidade negra, à
pág. 29 — deixo à Mesa alguns exemplares do programa.
O Programa Nacional dos Direitos Humanos foi elaborado com a participação
de centenas de entidades não-governamentais e de pessoas que militavam no
campo dos direitos humanos. Esse documento acabou sendo um decreto
presidencial e está em vigor há cinco anos.
Mas é importante registrar que o documento já aponta para algumas questões
que esse projeto de lei acaba recuperando: saúde, educação e quotas. Esses vários
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pontos estavam sinalizados como políticas que deveriam ser adotadas a curto,
médio e longo prazos.
O primeiro documento deste Governo que aponta para a necessidade de uma
política específica é o Programa Nacional de Direitos Humanos, que também
recomendo como um dos que irá reforçar a argumentação da importância desse
estatuto. Passo-o também à Mesa, para que fique configurado.
Gostaria de recomendar também alguns fatos muito recentes e fazer menção
a um deles que acaba de ser publicado: a portaria que cria o Conselho Nacional de
Combate à Discriminação. Esse dispositivo legal, publicado hoje pelo Diário Oficial,
é importante porque recupera um dos aspectos fundamentais do Conselho: a
promoção de políticas públicas afirmativas.
Temos hoje o documento do Programa Nacional de Direitos Humanos, que
indicava de maneira muito precisa a necessidade de políticas focalizadas na
população negra, falava em ação afirmativa, em políticas de várias áreas, e o
Conselho Nacional de Combate à Discriminação, criado com o objetivo específico de
cuidar das políticas públicas de ação afirmativa. O ato de sua criação foi assinado
hoje pelo Ministro da Justiça, Sr. José Gregori, e pelo Sr. Presidente da República.
Trata-se de importante documento que recomendo para reforçar a necessidade de
ampliar o debate, respaldado em vários eventos, documentos, atos oficiais, que têm
confirmado a necessidade de termos políticas mais focalizadas na população negra.
Sou testemunha de que desde os anos 80, desde os Governos Estaduais
Montoro e Tancredo, com a criação dos Conselhos Estaduais da Comunidade
Negra, houve esforço muito grande para que mecanismos pudessem ser criados a
fim de receber, de alguma forma, as justas demandas da comunidade negra e
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transformá-las em políticas públicas. Essa tarefa não foi muito fácil nesses últimos
anos, uma vez que o primeiro Conselho foi criado em 1984. De lá para cá, passados
quase dezessete anos, pela primeira vez vamos ter um Conselho Nacional de
Combate à Discriminação.
Embora existam outros conselhos, como o Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa Portadora de Deficiência e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o
Conselho Nacional de Combate à Discriminação é o primeiro criado com ênfase na
questão negra.
A criação desse Conselho e a história dos conselhos estaduais criados em
São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Bahia, na
configuração em que se apresenta o Estatuto da Igualdade Racial, vêm de alguma
forma sintetizar as bandeiras de luta do movimento negro das últimas décadas,
desde seu surgimento nos anos 70.
Vejo com enorme simpatia e reforço — esse meu objetivo — a necessidade,
para demonstrar que essa proposta tem embasamento legal e precedentes, de fazer
referência a algumas iniciativas que o Governo tem tomado e que são fundamentais
nesse processo.
Cito a grande iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário com a
criação de uma política de ação afirmativa para a questão de gênero e raça. É a
primeira grande política em que há explicitação da necessidade de se ter políticas
que passem por uma revisão tanto da forma de se ocupar os cargos de confiança no
Ministério quanto pelas questões de financiamento, dos quilombos. Também fiz
questão de trazer alguns exemplares dessa proposta do MDA e do INCRA, o que
reforça a idéia de que o Estatuto da Igualdade Racial pode ser estabelecido, ser
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apresentado à sociedade com algumas realizações concretas e objetivas. A grande
raridade é que já existem por parte do Governo Federal várias iniciativas no campo
da ação afirmativa. Em contribuição a essa visão, anuncio que a Secretaria de
Assistência Social também desenvolveu um programa de ação afirmativa junto ao
Projeto Alvorada, destinando a ele um percentual de jovens da população negra. Há
algo muito explícito com relação a isso. Hoje, 52% dos agentes jovens que
trabalham no Projeto Alvorada são provenientes da comunidade negra. Ou seja,
havia iniciativa de no mínimo 40%, mas se conseguiu chegar a 52% da população
negra jovem no Projeto Alvorada. Trata-se de iniciativa de significado diferenciado
de que pouca gente tem conhecimento, uma vez que trabalha com uma área
delicada — a da pobreza, da assistência social. Isso vem ao encontro do debate
sobre a pobreza e a discriminação que os Deputados Saulo Pedrosa e Reginaldo
Germano presenciaram em algumas mesas-redondas durante a Conferência
Mundial. Ficou explícito que não se pode mais fazer o enfrentamento da questão da
pobreza. Essa não é questão somente nossa. Tenho depoimento do Vice-Presidente
do Banco Mundial, no qual cita que no Brasil, especificamente, há a história de
defender a política de combate à pobreza, mas com o recorte racial. Quer dizer, não
se pode tratar a massa da pobreza de forma homogênea. É necessário se
diferenciar, ter sensibilidade para entender e enfrentar essas questões. E a
Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência incorporou esse
aspecto e também está inovando no sentido de incorporar essa política com recorte
racial.
Também gostaria de citar o pronunciamento do Secretário de Formação
Profissional do Ministério do Trabalho, que, na Conferência Nacional do Rio de
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Janeiro, anunciou que cerca de 20% dos recursos do Fundo de Amparo ao
Trabalhador seriam destinados à qualificação da população negra.
Esses dados por si só, o Programa Nacional de Direitos Humanos, o
Programa de Ação Afirmativa na questão de gênero e raça do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, a política de intitulação de terras dos remanescentes de
quilombos, feita pela Fundação Palmares e pelo INCRA, a política de focalizar nos
cursos de pós-graduação profissional gênero e raça, e as iniciativas das DRTs do
País inteiro — hoje se tem nas DRTs aproximadamente setenta núcleos, cujo papel
é combater a discriminação de maneira ampla, intermediar e negociar ações de
discriminação —, enfim, esse universo de iniciativas do Governo Federal, tomadas
por diferentes Secretarias, servem de subsídios. Mas hoje sinto a necessidade, o
que seria fundamental para coroar essas iniciativas, de que haja instrumento legal
na questão do combate à discriminação racial.
Toda legislação brasileira está muito pautada no ponto de vista da
criminalização. Ou seja, como se tem desde Afonso Arinos, passando pela Lei Caó
e suas alterações, um olhar sobre a população negra como vítima da discriminação.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Convido o Dr. Carlos
Moura, da Fundação Palmares, para fazer parte da Mesa.
Devolvo a palavra ao Dr. Ivair Augusto dos Santos.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Saúdo meu colega Carlos Moura,
presidente da Fundação Palmares.
Recuperando essa discussão, tivemos, nos últimos cinqüenta anos, a
vigência da Lei Afonso Arinos, depois, em 1988, a Lei Caó, que transforma os atos
de preconceito e discriminação em ato de crime. Mas todas as legislações foram
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pensadas para punição daqueles que cometessem ato de discriminação. Então,
essa legislação inverte um pouco o papel e começa a dar lugar às vítimas.
É necessário que haja um olhar que perceba que essas políticas vistas até
hoje como universalistas não deram certo. E os dados que o IPEA tem apresentado
nos últimos anos, principalmente nesse último relatório, apontam que por mais
investimento social que possa ter existido há diferenças no campo da educação, da
mortalidade infantil e no acesso ao mercado de trabalho. Enfim, hoje é fundamental
que exista um olhar diferenciado.
A iniciativa da Câmara dos Deputados em criar uma Comissão Especial com
o objetivo de discutir o Estatuto da Igualdade Racial é, com certeza — nos últimos
cem anos de história do Brasil, não houve sequer um instrumento legal com essa
visão —, uma maneira profunda de olhar a questão racial. Ou seja, passa-se a olhar
diferentemente a população que ao longo desse século continuou pertencendo
àquela margem que chamávamos de marginalizados e hoje chamamos de
excluídos. A políticas sociais, ao longo da história, não foram capazes de alterar as
condições de vida dessa população.
Agradeço pela possibilidade de participar desta primeira audiência pública e
espero que minha experiência na questão possa ser útil para fortalecer esse
trabalho e divulgá-lo nacionalmente.
Dentre as iniciativas que vamos tomar, a primeira é colocar essa discussão na
rede de direitos humanos do País inteiro, para que possamos colher bastante
sugestões seja no campo dos direitos humanos, seja no jurídico ou no das
faculdades de Direito. A nossa intenção é de que o debate ganhe as ruas, as
faculdades, os centros acadêmicos e a sociedade entenda que a discriminação
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racial não é um problema dos negros, mas um problema que afeta profundamente
os brancos. As pessoas têm uma visão de que somente o negro é afetado com a
discriminação. Temos clareza, no campo dos direitos humanos, de que não há
vitorioso no ato de discriminação. Todos acabam perdendo com a discriminação
racial. Então, é necessário ter esse olhar mais amplo possível.
Na visão da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, o Estatuto da
Igualdade Racial é um avanço importante.
Agradeço aos senhores e às senhoras por terem me convidado,
representando a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, para tão importante ato.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Preliminarmente agradeço
ao Dr. Ivair dos Santos as palavras, que, tenho certeza, ajudarão na construção do
Estatuto da Igualdade Racial.
Passo a palavra ao Dr. Roque de Barros Laraia, professor titular do
Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília. V.Sa. disporá de 20
minutos para fazer sua exposição.
O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs.
Membros da Mesa, senhoras e senhores, em primeiro lugar, quero agradecer pelo
convite de participar desta Mesa e dizer do meu prazer de reencontrar pessoas que
conheci na África do Sul durante a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo.
Parabenizo os membros desta Comissão pela preocupação em tentar corrigir
a injustiça social, que é uma mácula para o nosso País e se expressa através da
discriminação racial.
Felizmente, o mito da democracia racial cada dia mais vai perdendo força.
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Já em 1974 o saudoso antropólogo baiano, Dr. Thales de Azevedo, em seu
livro “Democracia Racial – Mito ou Realidade”, desmascarava a farsa de um país
que se pretendia branco, ocidental, católico e possuidor de uma índole pacífica.
Mesmo em 1988, durante a elaboração da presente Constituição, não foi possível
formular uma definição de país multiétnico e multicultural, composto por uma
população resultante de muitos fluxos imigratórios e de uma grande miscigenação.
Prevaleceu então a doutrina gerada no final do século XIX de uma nação uniforme.
O documento que o Brasil apresentou na 3ª Conferência Mundial contra o
Racismo, na África do Sul, no mês de setembro, corrige a definição do País,
acentuando seu caráter multiétnico.
Alguns dos presentes estiveram em Durban e constataram que se a reunião
terminou com a sensação de fracasso para alguns, para muitos brasileiros que lá
estiveram, e foram centenas, o melhor resultado foi a possibilidade de voltar para o
País e lutar para que as idéias que o Brasil lá defendeu, através de seus
representantes oficiais, enfrentando a intolerância de muitos Estados retrógrados,
sejam desenvolvidas para que o País, que tanto defendeu o mito da democracia
racial no passado, possa um dia orgulhar-se de ter transformado um mito em fato.
Mas em Durban não houve somente malogro. Os índios da América
passaram a ser reconhecidos como povos e ouviu-se também as vozes dos
discriminados pela existência de castas, o que cruelmente define o destino de uma
pessoa no momento de seu nascimento.
Também ficou escrito que o conceito de raça não é biológico, que estabelece
fronteira entre os diferentes grupos humanos.
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Raça, como já definia Lévi-Strauss na década de 60, não passa de uma
categoria social. Os antropólogos estudam essa categoria somente porque muita
gente acredita que ela existe e agem de acordo com essa crença. Por um momento,
em Durban, foi sugerida a eliminação dessa palavra, o que tornaria vazia a
conferência. Afinal, sem a crença na existência de raça não existiria o racismo. Mas
o que queremos aqui reafirmar é que a espécie humana é uma só e que as
diferenças genéticas existentes que determinam as diferenças fenotípicas não
representam nada diante da enorme semelhança do patrimônio genético comum da
humanidade.
É muito interessante que no momento em que se concluiu o projeto genoma,
esse projeto vem reafirmar que a diferença entre os seres humanos é infinitamente
pequena, quando se constata que a diferença entre o DNA do chimpanzé e do
homem é apenas de 0,5%. Imaginem a diferença que pode existir entre os seres
humanos!
Permitam que mais uma vez repita a verdade irrefutável pronunciada por
Confúcio quatro séculos antes de Cristo: “Os homens são iguais e o que os fazem
diferentes são os seus costumes”.
Li com atenção o projeto que me foi encaminhado. Farei algumas
observações que obviamente não são de alguém acostumado a legislar, mas de um
acadêmico treinado para fazer críticas a um texto. Perdoem-me, portanto, alguma
possível incompreensão.
Em primeiro lugar, o texto é definido como Estatuto da Igualdade Racial, mas
apresenta desequilíbrio em relação às diferentes minorias que quase o transforma
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em estatuto do negro. Por outro lado, limita sua abrangência ao preconceito e à
discriminação por motivo de etnia, raça ou cor.
Mas, no inciso II do art. 30, refere-se também à discriminação em função de
religião, gênero, nacionalidade, idade ou deficiências. Quer dizer, estou fazendo
uma observação no que se refere a uma incompatibilidade entre o título e o texto,
que é muito mais genérico.
O art. 8º louvavelmente determina que a União iniciará a pesquisa de doenças
etno-raciais que acometem a população brasileira afro-descendente. A pergunta que
faço é a seguinte: por que não um artigo inicial mais genérico, abrindo espaço para
outras doenças etno-raciais que possam ser identificadas? E aí, sim, nos artigos
seguintes, devido a sua importância, seriam tratadas medidas para a questão das
hemoglobinopatias.
O art. 10 fala da identificação etno-racial. Acho que esse é um problema que
vai ter que ser discutido nos seminários subseqüentes. Sabemos que todo tipo de
identidade pode ser manipulado. No momento que surgirem vantagens, em função
de afirmações positivas, surgirem elementos que podem beneficiar o grupo negro,
provavelmente gente que nunca utilizou essa identidade vai querer usufruir desse
benefício. Assim, é uma questão que vai precisar de definição. Sabemos que essa é
uma dificuldade que o próprio IBGE enfrenta quando faz seus levantamentos
censitários.
O segundo capítulo refere-se à educação. Concordo com o Dr. Ivair. É uma
parte importante, fundamental para acabar com qualquer tipo de discriminação. Há
sugestão de se criar uma disciplina, nos diferentes níveis do ensino brasileiro, da
história geral da África e do negro no Brasil.
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A criação dessa disciplina corre o risco de estabelecer uma regra educacional
difícil de ser satisfeita. Não acredito que tenhamos professores suficientes para essa
disciplina. O mais interessante seria o estabelecimento de incentivos, prêmios etc.
para que os pesquisadores realizem pesquisas sobre a história do negro no Brasil, o
que tornaria viável uma correção radical dos manuais escolares, que perpetuam os
preconceitos do passado e ignoram o papel do negro na construção deste País. Por
exemplo, a Abolição não foi fruto exclusivo da bondade de uma princesa que a
assinou com uma caneta de ouro. Isso parece conto de fada, pois ignora a luta dos
negros e demais abolicionistas.
Enfim, o que quero dizer é que primeiro se tornam necessárias pesquisas que
permitam a produção de bons textos e, conseqüentemente, a criação de novas
disciplinas. Podem observar que falei muito mais em pesquisas sobre a história do
negro no Brasil — na primeira parte, que é a história da África —, porque existem
realmente bons textos sobre a história da África e os professores competentes
poderão adaptar esses bons textos. Estou lembrando de um, são cinco grandes
volumes produzidos pelo UNICEF, para o ensino. O perigoso é criar uma grande
improvisação, devido ao número de professores que têm que ser mobilizados para
essa tarefa.
O § 2º do art. 24, à primeira vista, pode parecer restrição à liberdade de
expressão artística. É compreensível que os textos publicitários, principalmente os
produzidos com dinheiro público, devam dar mais espaço aos autores e figurantes
negros. Basta de divulgar a imagem de um País loiro e de olhos azuis. É importante
que seja expressada toda a nossa admirável diversidade.
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O parágrafo referido, salvo possível incompreensão de minha parte, proíbe as
emissoras de veicular filmes suecos, franceses, italianos. Para quem não conhece o
texto: o art. 24 diz que as emissoras não poderão veicular filmes que não tenham
pelo menos 25% de figurantes negros.
Não sei se na pauta de reivindicações do movimento negro existe expectativa
de indenizações pecuniárias. Embora sem fazer parte da Comissão Mista de
Orçamento, não sei como tornar exeqüível o § 1º do art. 14, que estabelece que
cada descendente de escravo deve receber da União a importância de 102 mil reais.
Desconheço como foi definida essa importância, mas fiz apenas um cálculo.
Considerando modestamente que os descendentes de escravos constituem 40% da
população nacional, a indenização proposta atinge a soma de 6 trilhões e 400
bilhões de reais, ou seja, 152 vezes mais que a correção das perdas do Fundo de
Garantia — e o Governo não consegue pagar os 40 bilhões do FGTS.
Por fim, chegamos à questão das cotas nas universidades. Acho que a idéia é
que se trata de solução emergencial. A solução definitiva é permitir que o acesso à
escola de boa qualidade para a população negra ocorra desde o ensino básico, do
ensino fundamental. Se não, essas cotas também vão beneficiar apenas parcela
muito pequena da população negra, que alcança o vestibular ou o segundo grau.
Francamente, entendo que esse é um tema que merece discussão mais
detalhada, principalmente entre educadores e administradores universitários. Eu não
saberia como fazer a operacionalização dessa cota. Em país em que isso ocorre,
como nos Estados Unidos da América, não há vestibular. A existência de vestibular
e de cotas tem que ser bem equacionada, para, de repente, não se criar um sistema
de apartheid — vagas que devem ser disputadas pelos negros e vagas que devem
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ser disputadas pelo restante da população. É uma possibilidade. Faço até uma
comparação: fica, de certa forma, parecendo fila de idoso em banco; existe só um
caixa para atender a todos os idosos. Prefiro entrar na fila comum, porque anda
muito mais rápido.
Assim, trata-se de algo que precisa ser bem estudado, pois o que seria um
benefício vai ter efeito contrário. Supondo que a Universidade de Brasília abra
oitocentas vagas para negros, das 2 mil que oferece por ano, corre-se o risco de a
disputa por vaga ser muito maior do que na situação normal.
Confesso que não fiz uma reflexão sobre o tema. Entendo que isso tem que
ser pensado com cautela, deve ser motivo dos seminários que virão, havendo a
participação de alguém que saiba como funciona o sistema de cotas em outros
países. No Brasil, existe vestibular, situação que não é ideal para ninguém. É
diferente da seleção que se faz, por exemplo, numa universidade americana,
principalmente porque esta não estabelece a priori o número definitivo de vagas,
como acontece no vestibular. Quanto mais candidatos com condições de aprovação,
maior o número de vagas, mesmo porque o ensino universitário nos Estados Unidos
geralmente é pago.
Então, esses seriam os comentários que teria a fazer. Agradeço a
oportunidade de participar desta reunião. Espero que entendam que minhas críticas
são muito mais vício de ofício de um professor que há quarenta anos está
acostumado a ler texto e fazer críticas, mas construtivas.
Mais uma vez parabenizo esta Comissão por buscar construir um texto que
sirva de instrumento para a correção dessa grave anomalia social existente no
Brasil, a discriminação, que vem privando o País de 50% de seu potencial humano.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Agradecemos a
participação do Dr. Roque de Barros Laraia, reconhecendo sua responsabilidade
como professor e antropólogo. Certamente suas ponderações serão levadas em
conta no nosso trabalho.
Concedo a palavra ao Dr. Carlos Alves Moura, Presidente da Fundação
Palmares, pelo tempo de até vinte minutos.
O SR. CARLOS ALVES MOURA – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
Sr. Relator, Prof. Roque de Barros Laraia, Dr. Ivair Augusto dos Santos,
cumprimento o autor do projeto e os demais membros desta Comissão, que nos dão
a oportunidade de discutir no Parlamento assunto primordial à democracia brasileira,
qual seja o da inclusão da comunidade negra no processo de desenvolvimento, de
crescimento do País , e tema que é tabu à sociedade brasileira, o racismo, do qual
nós, negros e negras, somos vítimas.
Portanto, parabéns à Comissão, parabéns ao autor do projeto.
Sem dúvida, a temática abordada torna obrigatória profunda reflexão sobre o
Estado propriamente dito enquanto instituição especialmente destinada à
implementação do bem comum, à manutenção da ordem e à administração dos
bens e serviços públicos. Cabe ao Estado a tarefa de promover os homens e
mulheres, realizar ações voltadas para uma crescente melhoria da qualidade de
vida.
Portanto, trata-se de um ente vocacionado para estar sempre a serviço da
comunidade, cuja idéia se vincula diretamente à de nação, entendida esta como
uma comunidade de cidadãos conscientes de si mesmos. Ou seja, um grupo de
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pessoas, também designado grupo social, formado por idênticos usos e costumes,
herança cultural, língua e histórico comuns, quase sempre com unidade territorial.
É evidente que a concepção acima esposada não é a mesma de Hegel e
Kelsen e passa muito distante do Estado leviatã sustentado por Hobbes. Aqui, a
base é o humanismo, tendo como sujeito absoluto o cidadão enquanto ser
integrante, membro efetivo e participante do grupo social. Não um indivíduo como
peça isolada no seu ego, mas o ser humano na sua integralidade, voltado para o
outro e para os outros, em busca do conjunto social.
Assim, ao Estado incumbe a aplicação das leis, a garantia do ordenamento
jurídico, no sentido de assegurar pacífica convivência entre todos. Certamente uma
convivência arrimada nos princípios expressados tem o selo da democracia. São os
fundamentos clássicos à democracia, calcados na primazia das pessoas, células do
grupo social, da nação, do Estado, para onde devem convergir todas as ações da
sociedade organizada.
Na realidade, o Estado se legitima por intermédio de um governo cujas
atividades são decorrentes das contribuições e dos anseios de cada cidadão
credenciado pela comunidade. Trata-se de ação de representatividade, diferente da
tradicional representação política, válida, mas cujo modelo, provavelmente,
necessita de aprimoramento, no sentido da sua adequação aos tempos atuais,
quando a sociedade busca soluções a partir de suas próprias necessidades.
É dever do Estado, por intermédio dos governos, promover o bem-estar social
e a igualdade, no sentido da efetiva realização da máxima “todos são iguais perante
a lei”.
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Efetivamente, no Capítulo I, ao enunciar os princípios fundamentais, a Carta
de 1988 declara o Estado Democrático de Direito, sedimentando-o na soberania, na
cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa e no pluralismo político. Tal a regra do art. 1º.
Além dos dispositivos constitucionais, o Estado brasileiro possui mecanismos
que propiciam a promoção da igualdade na sua legislação ordinária, se
considerarmos o Direito Trabalhista, a legislação anti-racista, a que garante direitos
aos portadores de deficiência, a que assegura percentual de vagas às mulheres nos
partidos políticos, garantindo-lhes as candidaturas, além de atos administrativos com
a finalidade de garantir direitos iguais aos despossuídos e de outros diplomas
pertinentes.
Não bastassem as conceituações de ordem jurídica, torna-se necessária uma
prática eficaz em busca da igualdade, que só poderá ser desenvolvida por
intermédio de ações concretas dos governos, em consonância com as
reivindicações dos grupos marginalizados. Provavelmente, uma atividade solitária de
governo carecerá de desempenho adequado a essa realidade.
Os governos devem propor e realizar políticas de promoção da igualdade,
adotando um conjunto de medidas, desde as destinadas a uma justa distribuição de
renda à dispensa de especial atenção a cada grupo excluído, segundo
características próprias.
É também dever da sociedade, esta quando representada pelo setor
chamado produtivo, pelo empresariado. Portanto, governo e sociedade deverão
desenvolver ações chamadas de medidas compensatórias, no sentido de propiciar a
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esses grupos tradicionalmente excluídos em razão de quaisquer preconceitos
acesso a todo o desenvolvimento e aos frutos do progresso.
Portanto, é uma aliança entre governo e sociedade, movendo todo o Estado
no sentido da promoção da igualdade. No caso em tela, na discussão desse projeto
de lei, no sentido da promoção da igualdade da comunidade negra. Permita-me o
Prof. Roque Laraia, que trouxe a esta Comissão uma reflexão muito estudada, uma
reflexão dos mestres, dizer que esse projeto é denominado Estatuto da Igualdade
porque visa à igualdade entre a comunidade negra e os não-negros.
Portanto, parece-me que não há — e não foi esta a expressão do professor —
ambigüidade ou equívoco. O autor do projeto quis, sim, não privilegiar, mas propiciar
que Estado e sociedade pudessem caminhar no sentido da promoção da igualdade,
do combate ao racismo e à discriminação de que é vítima a comunidade negra, ao
abrigo, ao amparo da lei.
Provavelmente algumas modificações precisarão ser feitas, como, por
exemplo, quando se procura compelir o estudo da história da África e o estudo do
negro do Brasil. Talvez seja mais adequado promover o estudo de todos os povos
que formaram a nacionalidade brasileira. Seguramente não teríamos de fazer muito
esforço, pelo menos os da minha geração, porque no meu tempo de ensino médio
se estudava Renascimento, Iluminismo, todo o processo civilizatório branco
ocidental. É verdade! Mas por que não dar oportunidade, por intermédio do estudo
da história e da pesquisa de todos os povos formadores da nacionalidade, a que
tomemos conhecimento, desde o ensino fundamental, de que a África, quer ao sul
ou acima do Saara, tem responsabilidade e participação efetiva no processo
civilizatório da humanidade.
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A promoção da igualdade também é feita por intermédio da visibilidade
daqueles que são objeto desse projeto de lei. Há necessidade, sim, de se garantir na
legislação a presença de negros e negras nos nossos veículos de comunicação,
apesar de hoje estar muito melhor. Mas há bem pouco tempo nossa televisão
parecia uma televisão escandinava, porque mostrava um Brasil virtual, um Brasil
brando.
Então, Prof. Laraia, talvez haja necessidade de que, em fugaz momento,
venha a lei e garanta a visibilidade de negros e negras nos veículos de
comunicação, em especial na televisão. Há momento em que, a despeito de não
possuirmos os instrumentos garantidores do acesso do menino e da menina ao
ensino fundamental — e uma das razões é a injusta distribuição de renda,
juntamente com o preconceito, o racismo contra negros e negras —, a sua
permanência, seu sucesso, seu acesso ao ensino médio, com permanência e com
sucesso, e sua chegada à universidade, mesmo a despeito dessa dificuldade,
provavelmente teremos, sim, de garantir cotas para negros e negras nas nossas
universidades. Temos de fazer isto, sim, Sr. Presidente, Sr. Deputado autor do
projeto de lei.
Compartilho com o Prof. Roque Laraia quanto ao aspecto da reparação, não
por aquilo que possa significar em pecúnia, em dinheiro ou em eventuais prejuízos à
sociedade brasileira; porque não será a indenização pecuniária que recuperará e
aumentará a dignidade da comunidade negra — sem dúvida, essa não é a idéia do
Deputado proponente. Não será uma indenização pecuniária que aumentará ou
diminuirá a contribuição, a participação de nossos antepassados na formação da
nacionalidade brasileira. Contribuição e participação dada hoje pela comunidade
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negra, contribuição e participação que continuarão perenemente com as gerações
vindouras.
São estas as razões, Sr. Presidente, por que esse projeto de lei, com as
ressalvas necessárias, com as discussões pertinentes, com as modificações
surgidas nesta Casa democrática, que ousa ouvir negros e não-negros com relação
ao projeto de lei, são estas as considerações que trago à colação, agradecendo a
oportunidade de participar desse debate, desse diálogo.
Solicito permissão a V.Exa., Sr. Presidente, para fazer nesta assentada uma
saudação a três companheiros do Amapá que aqui estão comungando conosco.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Concluída a fase das
palestras, passaremos imediatamente aos debates.
Concedo a palavra, para fazer o seu questionamento, ao Deputado Reginaldo
Germano.
O SR. REGINALDO GERMANO – Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Paim,
autor dessa proposição legislativa tão necessária, Dr. Carlos Moura, Presidente da
Fundação Palmares, Dr. Ivair Augusto dos Santos, representante do Ministério da
Justiça, Dr. Roque de Barros Laraia, estamos verdadeiramente no início de um
grande trabalho. Chamou-me a atenção a exposição do Dr. Ivair, especialmente
quando falou da anemia falsiforme. Na condição de Relator, gostaria de ter uma
visão maior do problema, para saber como agir para tornar a anemia falsiforme uma
preocupação do Ministério da Saúde, a fim de que um trabalho seja desenvolvido
neste sentido e de que possamos cuidar dessa enfermidade com prioridade.
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Outro aspecto que me chamou a atenção na exposição do Dr. Ivair dos
Santos foi a menção aos territórios quilombolas. Vemos a sociedade se organizar,
vai-se aprovar o Estatuto do Índio e há uma grande conquista das nações indígenas
no que diz respeito a terras.
Outro ponto foi o referente à reparação. Como fazê-la?
Então, como fazer para combater competentemente a anemia falsiforme, o
que fazer para garantir aos remanescentes de quilombos as terras por eles
ocupadas e em que condições se deve dar a reparação aos negros? São as minhas
grandes indagações ao Dr. Ivair Augusto dos Santos.
Indago do Dr. Roque Laraia como entende que deva ser feita essa fixação de
cotas aos negros nas universidades brasileiras, se tem alguma idéia, alguma
sugestão, alguma orientação que possa me dar neste sentido. Considerando-se que
no Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, temos a
figura do vestibular para ingresso nas universidades, que sugestão o senhor, como
estudioso da questão, nos dá para o estabelecimento de cotas no Brasil?
Parabenizo o Dr. Carlos Alves Moura pela brilhante exposição e não faço
perguntas. Fico com as quatro indagações que fiz aos dois primeiros palestrantes.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Concedo a palavra ao Dr.
Ivair para responder às perguntas do Deputado Reginaldo Germano.
O SR. IVAIR AUGUSTSO DOS SANTOS – Deputado Paulo Paim, Deputado
Gilmar Machado, Deputado João Almeida, Deputada Tânia Soares, Deputado
Manoel Vitório, tivemos o cuidado de fazer um levantamento de decretos e portarias
produzidos nos últimos cinco anos pela Fundação Palmares, pelo Ministério da
Justiça e pelo Presidente da República e temos um arcabouço de medidas tomadas
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pelo Governo que se encaixam perfeitamente no texto do projeto. Ou seja, à
primeira vista, quando lêem o texto, as pessoas acham estranho, mas, na verdade,
muito do que está aqui já faz parte da rotina de alguns Ministérios. Chamo a atenção
para o caso da anemia falsiforme. Recentemente o Ministro José Serra baixou
portaria determinando a realização do teste do pezinho no SUS, medida importante,
significativa para detectar e tratar precocemente a anemia falsiforme.
Respondendo ao Deputado Reginaldo, devo dizer que o teste do pezinho não
é suficiente para extirpar o mal. Resgato um outro documento, produzido pelo Grupo
de Trabalho Interministerial favorecendo a população negra e que instituiu todo um
programa de tratamento da anemia falsiforme. É necessário, além de instituir o teste,
fazer uma campanha exaustiva no seio da população negra, principalmente no
Sistema de Saúde, porque os médicos não têm essa preocupação, esse
treinamento, esse olhar com relação ao tema. Ou seja, no universo das doenças
relativas ao sangue, a anemia falsiforme não é uma das mais conhecidas. Em
conversa com diretores de vários hemocentros do País, ouvimos sempre que é
preciso capacitar os hemocentros para trabalhar com a doença. Embora haja em
Minas Gerais e em São Paulo programas estaduais para o diagnóstico e tratamento
da anemia falsiforme, estamos ainda distantes de dar ao tema a atenção que
merece.
A primeira recomendação que faço a esta Comissão é que procure resgatar o
documento extraído de uma conferência de profissionais de saúde que sugere a
instituição de um programa de tratamento da anemia falsiforme. Há hoje, no País,
um grupo de pesquisadores negros, na área de saúde, de muita solidez. Cito os
nomes da Dra. Maria de Fátima, de Minas Gerais, da Dra. Maria Inês, do Mato
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Grosso, dentre muitos. Há, hoje, um acúmulo de profissionais de saúde negros com
tese de mestrado e de doutorado. Nas conferências que a Fundação Palmares
realizou preparatórias para a conferência mundial, uma das áreas que mostrou o
maior manancial foi a área da saúde, graças ao volume de pessoas que trabalham
na área.
Respondendo, então, ao Sr. Deputado Reginaldo Germano, felizmente temos
hoje bom número de profissionais negros na área de saúde com suficiente condição
de poder promover eficaz orientação para que se faça programa de maior
envergadura, de capacitação, de treinamento, de divulgação, de propaganda. Não
bastam os testes. Além deles é preciso que se faça um arcabouço para poder
implementá-los. As diretrizes que estão no GTI apontam nessa direção.
A Casa Civil da Presidência da República, a Fundação Palmares e o INCRA,
por meio de seus presidentes, Dr. Carlos Moura e Dr. Sebastião Azevedo, estão
entabulando conjuntamente uma série de ações relativas às terras dos quilombos.
Isso é muito positivo. A união dessas instituições é fundamental para que o
problema dos quilombos seja superado. Se não houver entendimento — parece que
ele está sendo construído —, fica difícil estabelecer programa que atenda
maciçamente à questão. Tivemos nos últimos anos quinze casos de titulação de
terras, o que é insignificante. Muita gente ainda não se deu conta de que há muito
mais terra de quilombos do que indígenas. Algumas pessoas falam em mais de duas
mil comunidades remanescentes de quilombos, ou seja, tem de ser feita
praticamente uma reforma agrária.
Eu fico muito esperançoso com administração do Dr. Carlos Moura e com a
articulação que ele está fazendo com a Casa Civil da Presidência da República e
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com o Presidente do INCRA, Sr. Sebastião Azevedo, para acelerar o processo. Esse
ano temos de conseguir mais. Mas deixo o Dr. Carlos Moura, titular da pasta, dar
essa resposta.
Com relação à reparação, Deputado Reginaldo Germano, antes da
Conferência Mundial contra o Racismo, eu defendia a mesma posição do Sr. Carlos
Moura. Depois da Conferência, fiquei mais cauteloso. Assisti a seminários sobre
problemas relativos a africanos, a dos afro-descendentes, e fiquei mais cauteloso
em rechaçar a proposta da reparação, em não querer discuti-la. É necessário, sim,
que se discuta o problema para entendê-lo, para implementar quaisquer medidas
que a ele se refira. Sou entusiasta da proposta. Vejo que algumas alterações foram
feitas à proposta apresentada no ano passado na reunião da CNBB. Essa reunião
trouxe ao cenário de discussão alguns pontos e temos todos de nos posicionar
sobre ele. Por outro lado, sou capaz de apontar situações concretas, realizações
relativas a cada um dos pontos questionados.
Sabem que na Universidade de Tocantins, na Universidade do Amazonas e
na Universidade do Mato Grosso há cotas destinadas a índios? O conselho
universitário da Universidade do Amazonas definiu também essa necessidade.
Neste ano, a FUNAI, em parceria com as universidades do Amazonas e a do Mato
Grosso, definiu programa de licenciatura para capacitação de duzentos índios; a
Universidade do Tocantins abriu vagas especificamente para índios no seu primeiro
ano de funcionamento. Então, tenho de ser cauteloso, não posso aceitar que se diga
que nunca houve cotas para índios nas universidades. Tenho documentos oficiais
demonstrando que as universidades públicas abriram vagas para eles. Quero ainda
acrescentar que hoje os conselhos universitários têm poder de deliberar sobre isso.
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Essa deliberação não tem, necessariamente, de ser feita pelo Ministério da
Educação. Várias universidades o fizeram. Pode-se questionar que, se há cotas
separadas para índios, por que não para outros segmentos? Essa é uma questão
muito interessante e ao mesmo tempo perversa. O argumento penaliza justamente
quem faz as reivindicações. Observamos que pessoas que ousaram denunciar
discriminação e fazer reivindicações no sentido de eliminá-las estão sendo
penalizadas. Por isso sou muito cauteloso.
Antes eu tinha clara posição de não querer citar cifras, mas depois da
Conferência Mundial, sinto-me diferente. Os documento da CONEM, do Movimento
Negro Unificado e da Rede Pastoral Negra, consolidam várias posições. A diferença
é que eles surgem depois da Conferência Mundial contra o Racismo, que não se
pode ignorar, e também depois da mobilização da Conferência Nacional, no Rio de
janeiro, onde mais ou menos três mil pessoas faziam reivindicações, diziam o que
queriam. Hoje, as pessoas são muito mais cautelosas para dizer que são contra as
cotas. Existem precedentes que podem ser tomados com relação a elas.
Não sou nem tão crítico nem tão ousado para dizer que sou contra esse meio
de reparação. Pelo contrário, eu gostaria que ficasse como está. Eu queria que se
discutisse exaustivamente a esse respeito, que se debatesse profundamente o
tema. E tem mais, é só ler os últimos documentos produzidos na Conferência
Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Concedo a palavra ao Dr.
Roque de Barros Laraia para suas considerações.
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O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Perguntaram-me sobre cotas.
Durante minha fala mostrei minha preocupação sobre o modo de operacioná-las.
Quero dizer ao Dr. Ivair que, como ele mesmo afirma, cotas já existiam no passado.
Havia uma lei chamada “Lei do Boi”, que concedia reserva de vagas nas escolas de
Agronomia para filhos de fazendeiros. Em vez de serem destinadas a pessoas
oriundas do meio rural, destinavam-se a filhos de fazendeiros. O Reitor da
Universidade de Brasília, da qual faço parte, já manifestou a intenção — não foi para
frente porque a universidade está em greve — de que ela seja também pioneira na
destinação de cotas para estudantes negros
Eu trabalho com populações indígenas. É muito mais simples, porque o
número de índios que estão em condição de disputar vaga na universidade é ainda
muito pequeno. De qualquer forma, imagino, grosso modo, sistema em que todos os
estudantes fariam o mesmo vestibular. No computador haveria, então, uma opção
qualquer para selecionar os primeiros classificados entre os estudantes negros e
afro-descendentes. O difícil é aceitar dois vestibulares, um para brancos, outro para
negros. Isso seria anticonstitucional. A idéia é que ao se inscrever para fazer o
vestibular, as pessoas se identificarem para que o computador escolhesse os
primeiros colocados do grupo de negros ou de afro-descendentes.
As vagas seriam preenchidas com determinado número do grupo de
estudantes negros e então complementadas com os outros estudantes. Vestibular
diferenciado para a raça negra acabaria se voltando contra ela própria. Pode ocorrer
de haver demanda muito maior do que a esperada.
É difícil estipular a população negra no Brasil, mas há regiões em que ela é
estimada em 50%. Na Bahia, por exemplo, haveria mais candidatos negros do que
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brancos. E de repente eles ficariam com menos vagas. Essa idéia deve ser mais
discutida. Por isso eu sugeri que administradores de universidades, educadores,
pessoas que têm mais experiência do que eu nesse tipo de seleção discutissem
esse tema mais acertadamente.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – Prof. Laraia, levando em
consideração os resultados das pesquisas, que apontam que só 2% dos negros e
afro-descendentes têm chegado à universidade — não quer dizer que tenham
terminado o curso —, um sistema de cotas de, por exemplo, 25% iria contemplar a
necessidade da raça negra, sem causar outro problema, como o número excessivo
de postulantes a algum curso na universidade? Hoje, a Universidade da Bahia abre
vestibular para 57 mil estudantes. Eles vão disputar, se não me engano, menos de
1.500 vagas. É um vestibular normal. De 57 mil pessoas que se inscrevem, apenas
aproximadamente 1.500 conseguem aprovação. Tirando 25 ou 30% dessas vagas
para negros ou afro-descendentes, não acabaria ficando o vestibular da mesma
maneira? Os negros e afro-descendentes preencheriam os 25% relativos às vagas
separadas e os que não conseguissem a classificação certamente ficariam de fora,
como acontece nos vestibulares de hoje. Mas isso seria justiça porque hoje nós só
conseguimos 2%. Dessa forma poderíamos ir até 25%.
O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Esse número é até pequeno. Eu sou
professor de universidade desde 1960. Posso dizer que no decorrer da minha vida
tive poucos estudantes negros.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – É exatamente por isso. É
para elevar o número. Vamos sair de um percentual de 2% com o sistema atual e
em pouco tempo passar para 25%. Temos de mudar esse sistema, ainda que ele
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não fique permanente, que a cota não seja o único sistema a ser adotado. A cota
deve ser uma das iniciativas que serão acompanhadas de outras políticas que
possibilitem a melhora do ensino público, por exemplo. Temos de trabalhar várias
medidas, não é o caso de ficar só com as cotas. Temos de começar com as cotas
para aumentar o número de negros e afro-descendentes na universidade.
O SR. DEPUTADO MANOEL VITÓRIO – Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO MANOEL VITÓRIO – Sr. Presidente, permita-me dar uma
contribuição à Mesa. Seria interessante ouvir primeiro todos os questionamento até
para que o Relator tenha todos os elementos. S.Exa. deve ouvir os outros
Deputados que certamente têm muito a contribuir com o debate. O Relator deve
ouvir os demais colegas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Estou de acordo com as
ponderações de V.Exa., mas já estão previstas a réplica e a tréplica.
Srs. Deputados, ainda temos cinco oradores inscritos. Gostaria de ouvir dos
Srs. Deputados se os convidados responderiam as perguntas a um bloco de três ou
se é preferível responder a um de cada vez.
Concedo a palavra ao Deputado João Almeida.
O SR. DEPUTADO JOÃO ALMEIDA – Sr. Presidente, eu gostaria de dar
uma sugestão a V.Exa. e ao ilustre Relator e o faço com tranqüilidade porque eu
mesmo procedo assim. Quando sou designado como Relator de qualquer Comissão,
reservo-me para falar ao fim, esperando que os colegas falem tudo o que tiverem de
falar. Se o Relator faz um rol de questões no início, os demais Deputados ficam
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desestimulados. Isso não é novidade nesta Casa, acontece muito nas Comissões.
Às vezes a réplica e a tréplica ficam entre os convidados e o Relator. Dessa forma o
plenário se esvazia. Se V.Exa. achar melhor, poderíamos adotar essa sistemática. O
Relator, então, que tem o papel de sintetizar, falará ao final, pois abordará de algum
tema que não tenha sido abordado. Se foi falado tudo durante a reunião, ela falará
durante a apresentação do relatório. Assim eu procedo, pois é mais produtivo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Acato as ponderações de
V.Exa. e torno a perguntar se as respostas serão dadas em bloco de três? (Pausa.)
Na ordem de inscrição, concedo a palavra por três minutos ao nobre
Deputado Gilmar Machado.
O SR. DEPUTADO GILMAR MACHADO – Sr. Presidente, eu gostaria de
agradecer ao Dr. Ivair seu comparecimento e sua participação neste debate.
Sr. Presidente, tenho me preocupado muito com os direitos humanos dos
negros. Na minha região temos tido graves problemas com a penitenciária. Vai ser
construída uma nova, porque, infelizmente, têm aumentado muito os crimes de
violência. Mais de 80% do presos são negros. Qual é a proposta concreta do
programa de segurança que está sendo lançado? V.Exa., que acompanha os
trabalhos no Ministério da Justiça, pode nos dizer se há alguma proposta no sentido
de trabalhar a formação do policial para a nova concepção de tratamento, sem
distinção de cor? Atualmente, ainda se percebe que a forma de abordagem ao negro
é diferente da abordagem ao branco. Existe alguma proposta nesse sentido? Seria
bom, pois basicamente quase todos os recursos dos Estados são em parceria com o
Ministério da Justiça, para treinamento e formação das Polícias Militar e Civil. Que
tipo de programa poderíamos ter com relação à população negra do sistema
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carcerário? O que V.Exa. sugere que acrescentemos ao Estatuto, para podermos
enfrentar essa questão?
Ao Prof. Laraia eu gostaria de fazer duas perguntas. A minha área é
educação. Estou convencido de que a cota para negros na universidade é um passo
importante. Tenho lutado por isso. Existe hoje programa de financiamento e de
crédito estudantil. As instituições de ensino particulares recebem isenções de
impostos de sua cota patronal para garantir bolsas de estudo que chegam a número
superior a 200 mil. Se separássemos 10% ou 20% desse número, já garantiríamos
grande espaço para eles nas universidades. Trata-se de dinheiro do Governo, do
Estado. É dinheiro que já está sendo concedido, no entanto não tem nada separado
para os negros. Trago esse ponto para o Estatuto como contribuição, pois temos de
enfrentar esse problema. Temos de exigir isso, o Governo já está concedendo as
bolsas. Não custa separar cota.
São regras que são estabelecidas, para se conceder. Por exemplo, várias
instituições de ensino superior hoje estão pegando dinheiro do FAT e do BNDES
para construir universidade. Ou seja, elas estão recebendo dinheiro do Estado, com
juros subsidiados. Por que elas podem receber esse dinheiro, e nós não podemos
criar um se critério?
Agora, minha preocupação é a seguinte: uma pessoa entra na faculdade, mas
como vamos garantir sua manutenção nesse estabelecimento. Uma coisa é entrar, e
outra é ficar na instituição, porque vai exigir, de quem trabalha, alimentação. Ah,
mas na universidade já há tíquete etc.! Mas não há moradia e uma série de coisas
na maior parte das universidades brasileiras. Que tipo de programa nós poderemos
ter, para garantir a presença?
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Agora, não adianta garantir essa presença somente no ensino superior. Hoje,
para mim, que trabalho na rede do Ensino Fundamental, um dos grandes problemas
é o pai da criança, porque o ensino é montado para que o pai ajude a fazer o dever
de casa. Como, se mais de 60% da nossa população que é analfabeta ou semi-
analfabeta é negra? Como esse pai vai ajudar o filho? É lógico que essa criança vai
ter mais dificuldade no aprendizado. Trata-se de uma área em que precisamos
atuar, porque, se ficarmos pensando só no ensino superior, vamos ter problemas,
pois a defasagem começa embaixo. Temos de enfrentar o processo educacional
como um todo, para resolver a questão.
Finalmente, meu ilustre Carlos Moura, que tão bem vem dirigindo a Fundação
Palmares, pergunto como poderemos desenvolver um projeto, via Fundação
Palmares — estou na Comissão de Orçamento e vou trabalhar a questão; temos
tentado conversar a respeito —, alguma coisa que possa assegurar a realização de
uma campanha efetiva de valorização do negro? O Governo faz um punhado de
propaganda, de aleitamento materno e uma série de coisas. Por que não pode haver
publicidade, propaganda, com relação à discriminação, visando combatê-la? Seriam
propagandas que visassem a estimular a solidariedade, o desenvolvimento da
igualdade etc. O que a Fundação Palmares sugere, a fim de garantirmos condições
de a Fundação fazer esses comerciais? O Governo tem recursos para isso. Quando
quer, o Governo põe na televisão propaganda sobre o que lhe interessa que seja
divulgado. Por que não podemos fazer, por meio de uma agência de publicidade
contratada pela Fundação Palmares, uma campanha de valorização da cultura
negra? Que poderíamos trabalhar nesse sentido conjuntamente?
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Concedo a palavra ao
segundo orador inscrito, Deputado Ivan Paixão. S.Exa. dispõe de até três minutos.
O SR. DEPUTADO IVAN PAIXÃO – Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs.
convidados, colegas Deputadas e Deputados, não tenho a menor dúvida de que
estamos com um grande problema para tentar resolver: o problema dos afro-
descendentes.
O Brasil saiu da escravidão para a servidão da raça negra. Preocupam-me as
três metas que a Comissão debateu com mais ênfase no início dos nossos
trabalhos: as cotas, a reparação e as terras dos quilombos. São três os pontos
importantes. Li alguns artigos de pesquisadores sobre a questão das cotas, e
gostaria de saber como vamos definir aqueles brasileiros que terão direito a essas
cotas. Ou seja, quando o indivíduo pode ser considerado negro, num país tão
miscigenado como o Brasil? Quais são as caraterísticas?
Neste País já houve o Atestado de Pobreza — as pessoas tiravam o atestado
de pobre para ter acesso a algumas coisas que o Governo oferecia. Uma das
perguntas que faço ao Dr. Roque de Barros Laraia é se isso não levaria a
estabelecimento de critérios quanto aos que seriam negros e os que seriam somente
afro-descendentes, e se, de repente, uma série de outros brasileiros não iriam
também pleitear essas cotas?
Outro ponto é como vamos compatibilizar as questões constitucionais com a
aprovação do estatuto que estamos discutindo — tendo por pontapé inicial o projeto
do Deputado Paulo Paim e outros apensados —, para termos condições de
implantar o sistema de cotas, a reparação aos afro-descendentes e a questão das
terras? São as perguntas que faço aos três palestrantes. Como resolveríamos a
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questão constitucional, a questão dos critérios sobre quem teria direito às cotas,
num país tão miscigenado como o nosso?
Essas são as minhas perguntas neste momento.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Com a palavra o Deputado
Paulo Paim. S.Exa. dispõe de três minutos.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM – Sr. Presidente, Deputado Saulo Pedrosa,
Sr. Relator, Deputado Reginaldo Germano, Dr. Ivair Augusto dos Santos, Dr. Roque
de Barros Laraia, Sr. Carlos Moura, Presidente da Fundação Palmares, na verdade
estamos vivendo um momento ímpar na nossa história. Nunca em nosso País, em
500 anos, foi criada uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para discutir
a questão racial, principalmente — não dá para negar —, em relação ao afro-
descendente. Lamento que a TV Câmara não esteja, no mínimo, gravando esta
reunião — não precisava transmitir ao vivo —, porque se trata de um documento
histórico, que depois deveria ser encaminhado às universidades, até pelo
brilhantismo do contraditório, uma vez que aqui nem todos pensam igualmente. Por
isso, o primeiro pedido que faço a V.Exa., Sr. Presidente, é que façamos contato
com o Deputado Aécio Neves, nosso Presidente, para que a TV Câmara grave
depoimentos como este, pois nunca nesta Casa uma Comissão parou para debater
e aprofundar assunto tão importante. Não se trata do debate sobre um projeto sobre
a questão racial, mas sobre a questão na sua amplitude, ou seja, o quanto a
comunidade negra foi sacrificada ao longo desses quinhentos anos.
Dito isso, Sr. Presidente, nesta primeira audiência pública queria fazer
somente uma pergunta. Claro que poderemos aprofundar cada item do estatuto
apresentado e de cada projeto a ele anexado. Depois, poderemos aprofundar tudo:
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a questão legal, a questão constitucional ou não, a questão das cotas, da saúde, da
educação, da terra e tantos outros pontos.
Mas, em primeiro lugar, Dr. Laraia, queria dizer que quando este projeto foi
apresentado, claro que foi um desafio. Ao estabelecer 102 mil — poderiam ser de
dólares e não de reais —, queríamos que a sociedade brasileira perguntasse: que
ousadia é essa desses negros quererem ser indenizados por quinhentos anos de
escravidão? Os judeus puderam, outros puderam, mas esses negros também
querem indenização, inclusive em dinheiro?
Claro que foi uma provocação propositiva. Queremos que este País pense e
reflita que os afro-descendentes têm direito à uma indenização. É isso que
queremos discutir. Digo aos senhores que nem um artigo do projeto é de autoria do
Deputado Paulo Paim, como aqui já foi dito. Paulo Paim não inventa lei, não tem
essa sabedoria nem é um gênio, para elaborar um estatuto. Todos foram criados
pelo movimento negro. A idéia da indenização de 102 mil reais veio dos intelectuais
negros da Universidade de São Paulo, capitaneados pelo companheiro Conceição.
Numa grande caminhada da comunidade negra a Brasília, ele veio a esta Casa e me
pediu que apresentasse o projeto. Apresentei o projeto, fiz registrar nos Anais da
Câmara e, depois, incluímos no estatuto. Queremos que este País discuta a
questão. Não é que devem ser 102 mil dólares, ou reais — e faço o trocadilho
intencionalmente. Mas, então, quanto deve ser? Mas que este País tem uma dívida
para com a comunidade negra, tem. A sociedade vai ter de discutir uma maneira de
acertar essas contas. E acertar não de forma radical. Deve ser um fundo? Um
investimento a ser aplicado na educação ou na saúde? Que seja!
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Dr. Roque de Barros Laraia — e refiro-me a V.Sa. com todo o carinho, com
todo o respeito —, V.Sa. foi muito feliz quanto estabeleceu o contraditório sobre
alguns pontos. Isso é muito bom e nos ajuda. Não importa se o estatuto tenha vinte,
trinta ou quarenta artigos. Gostaríamos que, para ficar pronto, ele seja transformado
da forma mais radical possível e saia uma peça mil vezes melhor que o projeto
original apresentado pelos Deputados. É bom que isso aconteça. Que ousadia seria
essa de achar que apresentamos um projeto perfeito? Não. A idéia não foi essa.
Portanto, acho que todos os painelistas foram de um brilhantismo total. Deixo
isso bem claro com relação a todos, inclusive a V.Sa., Dr. Laraia. Não há crítica
alguma a fazer. A sua contribuição foi muito positiva. A única pergunta que faço é: o
que os senhores esperam desta Comissão? Gostaria de que os três respondessem
somente a esta pergunta. Esta Comissão está instalada para fazer o debate com a
sociedade. Qual a expectativa que os senhores têm em relação a ela, já que será
uma longa jornada — disso, tenho convicção. Este não é trabalho para um ou dois
meses ou para quarenta reuniões. Vão haver seminários, audiências públicas,
teleconferências, debates nas universidades e visitas às terras dos quilombos, a
favelas etc. Será um longo debate, mas bonito, podem ter certeza. Como disse o
Deputado Alceu Collares, a comunidade negra espera muito de nós, e a nossa
responsabilidade neste momento é muito grande.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Encerrado o primeiro
bloco, antes de passar a palavra aos debatedores, gostaria de dizer, à guisa de
informação, que a TV Câmara esteve aqui filmando o início da reunião.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM – Sr. Presidente, eu pedi, se fosse
possível, a gravação desta reunião.
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(Não identificado) – Sr. Presidente, vou levantar uma questão de ordem, se
V.Exa. me permitir.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Tem V.Exa. a palavra.
(Não identificado) – Como são poucos os inscritos, talvez fosse bom concluir
logo a pauta.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – O Plenário é quem decide.
(Pausa.)
Continuando, concedo a palavra ao Deputado João Almeida.
O SR. DEPUTADO JOÃO ALMEIDA – Sr. Presidente, meus caros
companheiros, caros palestrantes, não vou fazer discurso, porque para isso há muito
tempo. O que me chamou a atenção hoje foi um aspecto que considero
fundamental. Tenho encontrado muita dificuldade, pelo País afora, em relação aos
índios. Quem é e quem não é índio? Temos muita pendência judicial relacionada
com essa questão. Acho que ainda não encontramos em nenhum estatuto legal a
definição clara e incontestável do que seja índio para os efeitos da aplicação da lei e
dos direitos constitucionais. Em todo lugar há questionamento desse tipo. E quem é
e o que é negro? Quem seria negro? Quem é discriminado pela aparência? Aqui, se
olharmos o Dr. Laraia, diríamos que esse passa, assim como todos nós, uns um
pouco mais, outros um pouco menos. O Deputado Manoel Vitório tem o lobo da
orelha preso. Deve ter alguma descendência negra. O Deputado Ivan Paixão, pelo
nariz. Eu também tenho cá meus sinais, mas não sou discriminado. Não me sinto.
Tenho minha descendência bem conhecida, mas não sou discriminado como negro.
E vou reivindicar os direitos da lei por ser negro? O meu cabelo caiu, ficou liso; o do
Deputado Saulo Pedrosa não caiu e conserva a característica da raça, não é?
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – O meu, nem o vento dá
jeito.
O SR. DEPUTADO JOÃO ALMEIDA – Não sei. Acho que é um tema difícil e,
por isso, talvez possa nos ajudar a contribuição do Dr. Laraia, para que a lei seja
clara nessa definição.
O projeto do Deputado Paulo Paim, para o qual todos contribuiremos, a fim de
que saia um projeto desta Comissão — nada deve ser encarado como crítica, mas
como contribuição —, diz:
Terão direito a esse valor material todos os
descendentes de africanos escravizados no Brasil
nascidos até a data de publicação da presente lei.
A quem se refere?
E há um parágrafo que diz:
Compete à União o ônus da prova contestatória às
reivindicações de reparações propostas individual ou
coletivamente pelos descendentes de africanos
escravizados no Brasil.
Isso aí dá rolo na Justiça per omnia seculum seculorum. Mas podemos
chegar a um entendimento sobre quem deva ser considerado negro. Para os efeitos
que queremos que a lei produza, isso será muito importante.
Não sei se estou introduzindo na discussão um viés até um pouco racista.
Acho que não. Acho que é um viés muito mais legalista, para garantir a eficiência da
aplicação da lei.
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Vejam bem a questão das cotas. Para mim, a proposta tem mil defeitos, mas
até agora não vi nenhuma melhor. É como a democracia: o regime democrático tem
todos os defeitos, mas é o melhor que existe. Digo o mesmo quanto às cotas. Não
vejo dificuldade alguma para as universidades implantar esse sistema. Qual é o
problema? Se for definido o que é negro, dois comandos do computador resolvem o
problema: um para dizer que 20% das vagas são destinadas aos negros e outro
para selecionar, entre os negros, todos que foram aprovados. E deve ser por
aprovação, e não classificação. Quem tirar nota igual ou maior que cinco ou seis,
que é o mínimo exigido para se ingressar na universidade, se é negro e está dentro
das cotas, entra. O resto será distribuído entre os outros classificados. Mas tem de
estar definido quem é negro, quantos negros entraram e quantos pleitearam. O
mesmo deve acontecer para outras aplicações da lei.
Queria ouvir um pouco a respeito desse assunto, principalmente do Dr.
Laraia, estudioso da matéria.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Com a palavra o Deputado
Manoel Vitório.
O SR. DEPUTADO MANOEL VITÓRIO – Primeiramente saúdo todos os
membros da Mesa pela riqueza do debate: o Dr. Roque de Barros Laraia; o
Presidente da Fundação Palmares, Sr. Carlos Alves Moura; o nosso Presidente,
Deputado Saulo Pedrosa, escolha muito feliz da Comissão; o Deputado Reginaldo
Germano e o Dr. Ivair Augusto dos Santos. Este debate é fundamental.
Acompanhamos o trabalho do Deputado Paulo Paim e outros Parlamentares
negros desta Casa e sabemos que a luta para chegar a este momento foi muito
difícil. Ouvimos os pronunciamentos emocionados dos Deputados Alceu Collares e
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Gilmar Machado e sabemos o que eles significam. Concordamos com o Deputado
Paulo Paim sobre a importância histórica, para a Câmara dos Deputados, instituição
que tem papel fundamental no processo democrático brasileiro, de se gravarem
momentos como este.
O Deputado João Almeida falou da minha descendência negra. Vivi situação
diferente da dos companheiros negros, porque minha dificuldade era a de que o
pessoal não me aceitava como negro. Desde criança, não os negros, mas as demais
pessoas da sociedade, diziam que eu não era negro, mas, sim, pardo. O próprio
Estado brasileiro colocava isso nos meus documentos. Então, sempre tive essa
dificuldade, mas acho que faz parte da vida.
Vivi também o drama de ser militante clandestino do Partido Comunista
Brasileiro e, quando cheguei à Marinha, o pessoal me olhava de lado, como se fosse
traidor da Pátria, comunista etc. No movimento político, olhavam-me de lado
também, achando que eu fosse polícia, dedo-duro. Ou seja, a pior coisa da vida é
ser discriminado. Militei politicamente desde os dezesseis anos. Comecei num
partido clandestino e, depois, em 1990, filiei-me ao Partido dos Trabalhadores.
Portanto, vivi o problema na pele e sei o que é discriminação. É muito duro, muito
cruel conviver com o preconceito.
Queria deixar para a Comissão um depoimento, até para servir de base
também, porque buscamos exemplos de Palmares e dos africanos perseguidos na
África do Sul e nos esquecemos de fatos que acontecem no nosso dia-a-dia, ao
nosso lado.
Infelizmente, o Parlamento brasileiro votou e aprovou o plano de estabilização
econômica do Governo Collor de Mello, e vejam a gravidade do violentíssimo crime
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cometido neste País! Acho que foi pior que terrorismo. A primeira empresa brasileira
escolhida para ser privatizada foi justamente uma da Rede Ferroviária Federal, a
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, no trecho Bauru, Corumbá, ramal Ponta Porã.
Essa empresa transportava trigo, soja, calcário, manganês, ferro, veículos,
eletrodomésticos e gente de mais de trinta cidades brasileiras. Mais de 95% dos
trabalhadores dessa empresa eram negros, afro-descendentes e descendentes de
índios brasileiros, bolivianos e paraguaios. Os principais dirigentes sindicais eram
negros. Roque José Ferreira, que até hoje é coordenador, é negro. Inclusive eu fiz
parte daquela diretoria. Esses trabalhadores foram brutalmente agredidos.
Para que a empresa fosse privatizada, começou a haver um processo de
terrorismo. Muitos desses trabalhadores foram despejados de suas casas e
humilhados — alguns apanhavam fisicamente dos engenheiros. Esses fatos foram
denunciados nesta Casa e em eventos públicos, mas sempre ignorados pelo Estado
brasileiro, infelizmente. Acho que essa é um dívida muito grande. Eram 5 mil
trabalhadores; restam 652. Hoje, muitos deles são mendigos ou alcoólatras. Outros
estão mortos. O negro Roque José Ferreira, coordenador do sindicato, teve sua
bacia quebrada em quarenta partes e sua perna quebrada em várias partes, num
acidente acontecido perto de Campo Grande, quando, ao se dirigir a Corumbá, seu
carro foi sabotado. Adalberto também morreu. Muitos desses trabalhadores
continuam demitidos políticos até o dia de hoje, como o negro e índio guató Anísio
Guilherme da Fonseca. O Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro
Eliseu Padilha sabem disso. Semana passada, quando fui ao Ministério com o negro
Roque José Ferreira, para expor a gravidade do fato, o Ministro não me recebeu e
mandou que um assessor o fizesse. Acho que o Congresso Nacional não pode
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fechar os olhos para isso. O movimento negro tem de olhar esses detalhes. Quantos
negros foram humilhados na privatização da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e
até hoje continuam sendo. Até hoje consta dos meus assentamentos que fui
acusado, juntamente com mais de oitenta dirigentes sindicais, de assalto, terrorismo
e seqüestro. Fomos transformados em bandidos, sem sê-lo, demitidos sem direito a
nada e todos os nossos direitos sindicais foram cassados. Criaram um sindicato
paralelo em Mato Grosso do Sul, com o apoio do Judiciário daquele Estado. Quem
comandava esse sindicado era um contrabandista, que pegaram na fronteira para
isso.
Portanto, fatos dessa natureza, em que trabalhadores negros foram
violentamente perseguidos e massacrados, não podem ser ignorados pela
sociedade brasileira, pelo Movimento Negro e por esta Casa. Temos o dever de
olhar para esse lado. Não basta olharmos somente para o passado, o que é
importante. Temos de resgatar fatos acontecidos recentemente e que continuam
acontecendo.
Hoje, no aeroporto de Campo Grande, o Prefeito André Puccinelli ria, porque
está recebendo 56 milhões da União, e dizia para mim: “Não existe mais ferroviário
no Estado. Você está pregando no deserto”. Ele está fazendo uma obra eleitoreira, o
contorno ferroviário da cidade, uma vitrine eleitoral, e ignorando o sofrimento, o
drama e a humilhação dos ferroviários. Aliás, os trabalhadores estão sendo
despejados. Trata-se de uma questão também de discriminação racial contra
aqueles trabalhadores negros e índios. A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil foi a
primeira empresa destruída pela privatização. O Trem do Pantanal, que transportava
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índios, negros e o povo pantaneiro, foi abandonado ao longo da linha. Esse
patrimônio público brasileiro foi destruído.
Faço questão de registrar esses fatos nesta Comissão devido à importância
que ela tem. É um dever de todo cidadão negro deste País e das pessoas que têm
compromisso com a cidadania resgatar esse crime cometido contra uma das mais
importantes ferrovias brasileiras que, na sua maioria, funcionava comandada por
trabalhadores negros.
Agradeço a esta Comissão a oportunidade de fazer este registro. Para mim,
esta Comissão tem valor fundamental, porque começamos a trabalhar com
seriedade. Fiquei muito feliz no dia em que o Presidente Aécio esteve naquela sala,
ao lado do Deputado Paulo Paim e de representantes da Fundação Palmares, em
que o Estado brasileiro começou a reconhecer o crime que cometeu e a aceitar que
há discriminação principalmente contra trabalhadores negros. Na Noroeste do Brasil,
empresa que foi destruída e está sendo motivo de chacotas para alguns políticos
oportunistas, continua a discriminação racial contra aqueles trabalhadores. Eu não
sairia desta Casa feliz e com a consciência tranqüila se não deixasse registrado nos
nossos Anais esse crime de discriminação racial e de destruição da vida de milhares
de pais de família.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Concluída a lista de
inscritos, passo a palavra ao Dr. Ivair Augusto dos Santos, para suas respostas e
considerações.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Deputado Gilmar Machado, V.Exa.
sabe que, na área de direitos humanos, a relação do sistema penitenciário e policial
com o Movimento Negro sempre foi muito tensa. Nunca foi uma relação tranqüila. O
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que acho que esta Comissão poderia fazer para melhorar essa relação seria propor,
quando da discussão do Plano Nacional de Segurança Pública, que fizesse parte
dos planos estaduais de segurança pública um curso de formação tratando dos
direitos raciais. Isso seria fundamental. Tenho conhecimento de que somente em
dois Estados esse curso faz parte da rotina da polícia. Falo das Polícias Militar e
Civil de São Paulo e da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Somente nesses dois
Estados esse curso faz parte do trabalho feito dentro da instituição. Não é um
trabalho episódico, que depende do Secretário de Segurança. Não. A disciplina faz
parte do curso de formação dessas polícias. Portanto, seria fundamental que saísse
desta Comissão uma recomendação explícita para que, nos planos estaduais de
segurança pública, fosse incorporado algo com relação a isso.
Trago outra notícia também muito interessante, que é a seguinte: alguns
Estados do Brasil instituíram um serviço chamado SOS Racismo. São eles: São
Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Espírito Santo, Bahia, Sergipe e Mato Grosso do Sul.
Trata-se de um serviço muito simples, ou seja, com um advogado, um atendente,
eventualmente um psicólogo e um assistente social. As situações são
surpreendentes. Visitei um desses serviços, criado pela Prefeitura de Belém, Pará.
No prazo de dois anos, 200 casos de discriminação racial foram ajuizados por
intermédio desse serviço. Imaginem o que representa em Belém, onde o percentual
de população negra é pequeno, se comparado com o percentual de população
indígena, duzentos casos serem ajuizados! No caso do Rio de Janeiro, são centenas
de casos.
Portanto, o que eu sinto que faz falta hoje? É necessário que haja um esforço
no sentido de apoiar financeiramente a criação de mais SOS Racismo no País pelas
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Prefeituras. Não digo espalhar esse serviço pelo País todo, mas pelas principais
Capitais.
Posso listar vários: Piauí, Pernambuco, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do
Sul. Nesses Estados em que não há, seria fundamental que se pudesse criar, por
meio de emenda orçamentária, por intermédio das Prefeituras, SOS Racismo. É algo
muito simples. Se existe uma plaquinha onde se lê “atendem-se casos de
discriminação”, a comunidade vai procurar o local, e a denúncia aparece.
Também desejo registrar que, no estudo que fizemos dos SOS Racismo do
Rio de Janeiro, ficou claro que a maior parte das denúncias que nesses locais
chegam são de xingamentos. As pessoas são ofendidas verbalmente. Alguém diz:
“Você é uma negra, você é uma macaca”. As pessoas entendem a discriminação
racial como uma agressão verbal, quando se sentem profundamente humilhadas. A
primeira reação delas é o desespero, muitos não se davam conta do problema, e
depois há o encaminhamento.
Mas para o que estou querendo chamar a atenção, o fundamental nesta
Comissão é discutir a discriminação indireta. Ela não tem dono. Vou dar um
exemplo. Na orla do Rio de Janeiro existem centenas de restaurantes, só que neles
não há negro como garçom. Não se pode dizer que tal hotel teve a intenção de
discriminar. O fato é que lá não tem negro, independentemente da vontade das
pessoas.
Outro exemplo concreto. Em Salvador, nos shoppings, não se vê nenhum
vendedor negro. Alguém pode dizer: “Ah, mas lá não existem racistas”. Ou seja, não
houve uma denúncia explícita, o que se diz é que foi ao shopping e não conseguiu
emprego. O fato é que, na história dos shoppings, durante todos esses anos, não
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há negro. Como se pode explicar que, numa população como aquela, não haja
negro nesse ambiente de trabalho?
Isso acontece só na Bahia? Não. Em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio
Grande do Sul. Como se vê, existem alguns espaços onde não há nada escrito, mas
o resultado efetivo é a exclusão da população negra.
Essa discriminação mais visível, da agressão verbal, as pessoas entendem.
Já a que não é vista, praticada pelas instituições, deveria merecer atenção, porque
traz danos irreparáveis. Por exemplo, se um garçom negro quiser trabalhar na orla
do Rio de Janeiro, não vai conseguir emprego; então, ele já não vai lá. A
discriminação indireta, essa praticada pelas instituições, deveria também ser objeto
de discussão. Isso é possível? Sim, existe a possibilidade de se trabalhar com algo
concreto, com o histórico da instituição.
Se alguém for fazer uma discussão sobre racismo com a Polícia Civil ou com
a Polícia Militar, a primeira reação da corporação é dizer que a instituição não é
racista. Afirma-se que a sociedade é que é racista. Mas, se considerarmos os
relatórios sobre direitos humanos do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, os
relatórios sobre homicídios, a incidência é maior em relação à população negra. Os
fatos relativos à instituição nos levam a essa conclusão. Isso acontece só em São
Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília, no Rio Grande do Sul? Não.
Dessa forma, uma das bandeiras que esta Comissão Especial tem de levantar
é a relativa à discriminação indireta, aquela que não tem dono, não tem cara, em
que não há nada escrito. Contudo, é certo que o fato concreto aparece na ponta.
Seria fundamental que houvesse o esforço por parte desta Comissão no sentido de
se fazer uma abordagem aos coordenadores do Plano Nacional de Segurança
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Pública, a fim de levar essa discussão aos Secretários de Estado, porque esses são
os que fazem a demanda. Se não houver uma sensibilização para que seja colocada
nos Planos Estaduais a questão de cursos de relações raciais, do SOS Racismo,
isso não acontecerá na prática. Há um enorme vazio em relação a isso.
Vale a pena ressaltar que o custo desses cursos é muito baixo,
considerando-se o retorno para a população. São cursos em que, num ano, são
gastos cerca de 20 mil reais, mas o retorno para a população é incalculável. As
pessoas, muitas delas, por várias razões, devido à impunidade, por exemplo, ficam
descrentes, não querem procurar a Justiça. Contudo, se existem sujeitos treinados
para ouvi-las, a reação é diferente. Quando surge um caso de discriminação racial
contra alguém, normalmente a reação dos outros é tentar convencê-lo de que não
foi discriminado. Então, se houver treinamento para que recebam as pessoas,
saibam ouvi-las, registrem o fato, dêem uma atenção, isso representará uma
revolução fundamental para nós. E os Srs. Deputados têm o importante papel de
estimular isso nos Estados.
Agora quero citar o exemplo da UERJ, que está fazendo um programa no
valor de 2,5 milhões de reais, exclusivamente para a garantia de estudantes negros
nas universidades. Como aqui foi dito, o indivíduo pode até entrar na universidade,
mas depois não consegue ficar, porque as questões são difíceis. E há algo mais
cruel ainda, de que talvez os senhores não se tenham dado conta. Sabiam que não
há um critério único no País para a concessão de isenção para candidato ao
vestibular. Cada universidade, seja na Paraíba, seja no Rio Grande do Sul, tem um
critério para conceder isenção da taxa ao sujeito que deseja fazer o vestibular. Pode
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ser o critério do reitor. Define-se que serão dadas para determinada universidade mil
bolsas, por exemplo.
Vejam como a coisa é cruel. Considerem que uma pessoa vai prestar
concurso para uma universidade estadual na Bahia que ofereça 1.500 vagas; 53 mil
candidatos vão lá e pagam, 1.500 entram. Essas pessoas que financiaram o
vestibular, que é caro, não vão entrar. Sabem quantas bolsas são dadas por ano?
Às vezes, mil. Por que mil? É um número. Então, não há critérios, não existe
legislação que assegure o pagamento do vestibular àquele que não tem recursos. E
essa taxa é hoje muitas vezes utilizada para manutenção dos estudantes nas
universidades.
Então, eu chamaria a atenção para o fato de que é necessário que haja, neste
debate, uma discussão também para facilitar o acesso dos estudantes ao vestibular.
Como se vê, estudantes não têm dinheiro para pagar a taxa do vestibular. Deve-se
acabar com os critérios pessoais. Não há um critério claro que possa atender com
mais eficiência a população mais carente.
(Não identificado) - Nós vivemos numa sociedade hipócrita.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Se o senhor tiver o cuidado de
perguntar, é simples. Fiz esse trabalho. Mandei ofício para todas as universidades
públicas para que me respondessem quais os critérios para a isenção da taxa.
Percebi que cada um adota um critério. São critérios subjetivos, numéricos, mágicos.
Para um negro fazer vestibular precisa pagar uma taxa de 80, 90, 100 reais. É muito
dinheiro. Então, o indivíduo desiste ali, não tem o dinheiro para pagar a taxa. Existe
hoje uma pressão para se ter o direito de participar de um concurso para a
universidade pública.
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(Não identificado) – Sr. Presidente, peço uma explicação, porque esse
assunto é muito importante.
(Não identificado) – Chegou atrasado.
(Não identificado) – Cheguei atrasado, mas cheguei a tempo.
Não existe um critério para se fazer o vestibular? Não é o pagamento da
taxa?
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Sim, mas pode-se pedir a isenção
do pagamento da taxa, e cada universidade define o critério em relação a essa taxa.
O critério pode ser o do próprio reitor e pode ser numérico. Mas o número não é
estabelecido após algum estudo, alguém pode dizer que é mil. Não há um critério
universalista para se dizer que os estudantes que não têm condição vão poder fazer
o vestibular e não há base legal para poder, de alguma forma, exigir o pagamento.
Essa massa de estudantes carentes está solta, ou seja, não tem a quem recorrer.
Quero chamar a atenção dos Deputados Ivan Paixão e João Almeida para o
fato de que no § 1º, do art. 24 do Estatuto, existe uma sugestão de como tratarmos a
questão dos negros, ou seja, são pessoas afro-descendentes para efeitos dessa lei
as que se enquadrarem como pretos ou pardos na denominação equivalente,
conforme classificação adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística —
IBGE.
Essa saída proposta pelo Deputado Paulo Paim levanta uma questão
fundamental. Esta Comissão tem o importante papel de evitar que essa discussão
de quem é ou não negro não caminhe para o lado biológico ou para qualquer outro,
como fizeram os americanos. Acho que devemos defender, a todo custo, a
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autodefinição. Devemos brigar para que as pessoas possam se autodefinir, quem se
considera negro ou não.
Vou contar uma história que aconteceu com o Banco de Boston.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Pode haver alemão dizendo que é
negro.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Sim, pode haver. Vou ilustrar isso
que V.Exa. disse, Deputado Alceu Collares. O Banco de Boston ofereceu vinte
vagas a jovens negros para serem apoiados do ensino básico até a universidade,
aqui no Brasil, e fez uma parceria com uma entidade negra para fazer a seleção.
Deputado Ivan Paixão, as pessoas sabem muito bem o que é ser negro. Na hora em
que os privilégios são colocados, as coisas são muito claras. Se V.Exa. visse as
pessoas que foram apresentadas pelas escolas públicas como negras, eram todas
da cor de V.Exa. Todos tinham a sua aparência. As pessoas sabem perfeitamente o
que é ser negro neste País, ou seja, quando promovemos a discussão sobre
privilégios é perverso, porque no fundo cria-se uma discussão que pode ter vários
caminhos. O pior deles é o biológico, tentar fazer uma discussão profundamente
racionalista sobre isso, o que para nós seria uma tragédia. Seria uma tragédia para
a Comissão tentar criar um órgão para classificar as pessoas. Isso seria o fim.
Numa situação como essa, as pessoas sabem com certeza como são. Basta
dizer que existe um privilégio, uma coisa muito boa, e V.Exa. vai ficar surpreso com
quem se autodefine como sendo negro. A experiência que vimos no Banco de
Boston foi esta: as pessoas rapidamente souberam quem era negro. Não havia
nenhuma pessoa parecida com o Deputado Reginaldo Germano. Essa é uma
questão profundamente cruel para a pessoa negra. É um debate sem fim.
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Deputado Paulo Paim, V.Exa. perguntou o que esperamos desta Comissão.
V.Exa. tem razão numa coisa. Já participei de várias audiências públicas aqui e
nunca participei de uma a respeito desse tema com tantos Deputados presentes.
Não sei se o Carlos Moura participou, e com a presença do Deputado Alceu
Collares, que estimo muito.
O SR. CARLOS ALVES MOURA – Nunca com esse tema.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Eu achava que, depois da
conferência, haveria uma esfriada. Estou vendo que as pessoas estão com ânimo.
Espero muito desta Comissão. Na hora em que as pessoas aqui presentes se derem
conta da responsabilidade que têm de fazer uma inserção desse assunto na política
macroeconômica do País será revolucionário para todos nós; é revolucionário para
mim que há muito tempo milito no movimento negro; é revolucionário como pai de
família; é revolucionário como estudioso; é revolucionário como uma pessoa que
está vivendo esse problema dia a dia. A possibilidade de ter-se um espaço
privilegiado como esse, para discutir com pessoas que detêm um mandato para
poder elencar essas questões, é central. Não estou falando de denúncias, mas de
propostas que vão alterar a vida das pessoas no País.
A primeira coisa que eu gostaria que fosse feita, Deputado...
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Só uma interrupção rápida. Essa é
uma Comissão Especial e esse assunto será tratado especialmente. Todos que
vierem aqui e que entendem da matéria vão nos dar contribuição e acompanhar
todos os passos, todas as propostas, todos os projetos e se porventura houver
dúvidas que os senhores são capazes de nos esclarecer vamos recebê-los. Os
senhores estão comprometidos, política e moralmente, com esta Comissão, a
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primeira que acontece na história do negro do Brasil, a nos acompanharem e darem
sempre as contribuições que julgarem cabíveis para uma boa legislação.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Muito obrigado. Deputado,
aproveito sua intervenção para dizer o seguinte: há uma coisa que seria
fundamental, e V.Exa. tem uma parcela de responsabilidade nesse processo. O
Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, foi um dos primeiros a criar o Conselho
Estadual da População Negra. V.Exa., na condição de Governador, deu posse a
várias pessoas.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – E o primeiro que colocou um negro
como secretário. Há uns partidos que dizem não ser racistas, mas não têm crioulo
como secretário.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Conheço bem a história do
Conselho. Acho que seria fundamental resgatar a história desses conselhos, que
foram criados numa situação de exceção. As pessoas eram praticamente
marginalizadas no aparelho do Estado. A dificuldade de se colocar um tema sobre
discriminação racial junto ao secretariado era uma coisa muito difícil.
Acho fundamental recuperar as pessoas daquele Estado — e posso citar o
Rio Grande do Sul, porque conheci as pessoas que militaram lá. Elas vão contar
coisas que, para quem vive na vida pública e que quer abordar esse tema, não sabe
o que passamos para colocar o tema em discussão. Existe uma expressão que
vivemos, que é a da solidão. Você sabe que naquela reunião você é a única pessoa
que vai falar daquele tema e sabe que isso vai acontecer na próxima e nas
seguintes, e vai ficar marcado por isso. É fundamental resgatar essas experiências,
independente de partido político.
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Outra questão que julgo importante é a seguinte: algumas pessoas não
comparecem a esses debates. Era preciso convidar os gerentes do “Avança Brasil”
para conversar sobre esse tema, para sabermos o que eles pensam sobre essa
questão. Como tratam essas questões? Na Esplanada, quantos negros trabalham
nessa área? Pode-se contar nos dedos. Quem são? O Moura, eu, o Sebastião
Azevedo, quem mais? Dá para contar nos dedos.
É fundamental, então, trazer esses gerentes para discutir essa questão e envolver
esses parceiros silenciosos, para que eles digam o que pensam. Deveriam convidar
também dois Ministros do STF, pois há dois que são baluartes na defesa da ação
afirmativa no Brasil. Um é o Ministro Nelson Jobim, do Rio Grande do Sul, que foi
nosso parceiro. Ele visitou comigo vários Estados do Brasil. É uma autoridade de
peso. Ele ia aos tribunais falar em ação afirmativa. Os senhores podem imaginar a
reação dos desembargadores. Eu assisti a isso no Mato Grosso do Sul e em Minas
Gerais. Os senhores deveriam convidar o Ministro Nelson Jobim para vir aqui
debater, e convidar também o Ministro Marco Aurélio, que deu um depoimento
fenomenal no lançamento da campanha.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Eles já estão convidados,
ou o requerimento está aguardando aprovação.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Acho que seria fundamental
convidar também alguns reitores, como o da Federal de São Carlos, o da USP, o da
UNEB, o da Universidade de Mato Grosso e o da de Minas Gerais. Eles poderiam vir
aqui discutir as cotas e as ações afirmativas. A USP chegou a formar comissão de
ação afirmativa. Como é isso? Há posições contrárias? Quais são elas?
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Vou mais longe, Deputado. Eu chegaria a propor uma emenda orçamentária
para uma universidade que estivesse disposta a adotar ações afirmativas para
negros. Logo aparecerá alguma aceitando fazer isso.
As universidades alegam que não têm como bancar os recursos, porque
existe uma sobrecarga. Tudo bem. Mas, e se houver um aporte de recursos, será
que elas não concordariam em discutir?
Dizer que nunca houve sistema de cotas no Brasil não é verdade. Eu já citei
três universidades que adotaram esse sistema para índios: a de Tocantins, a do
Amazonas e a de Mato Grosso. Por que não podem fazer o mesmo para os negros?
Deputado Paulo Paim, minha sugestão é dirigida ao senhor. Acho que têm de
ser convidados os quatro presidentes das centrais sindicais: CGT, Força Sindical,
CUT e SDS. Vou dizer por quê. Todas elas têm parceria com o FAT e algumas
chegaram a entregar um mapa da discriminação racial no Brasil. Eu pergunto:
quantas delas estão investindo esses recursos — não é pouco dinheiro — em
benefício da população negra? Há denúncias, por exemplo, de que existe um quadro
de desigualdade racial. Tudo bem. Agora quero saber concretamente da central
sindical quanto ela investe para reverter essa situação, e não aceito que respondam
coisas do tipo “eu treinei 20 mil pessoas e 10 mil eram negras”. Não, quero saber de
programas específicos para a população negra.
É necessário que as centrais sindicais, que receberam recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador, uma vez que fizeram denúncias à OIT, venham discutir por
que não há política de ação afirmativa para a população negra.
Deputado Paulo Paim, o senhor teve uma idéia brilhante. Ao lançar essa
proposta, despertou uma discussão que vai ficar marcada para o resto das nossas
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vidas, mais do que podemos imaginar. Isto aqui não é uma legislação feita para
punir alguém, mas sim para promover.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Agradeço ao Dr. Ivair
Augusto dos Santos a pertinente intervenção.
Passo a palavra ao Prof. Roque de Barros Laraia.
O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Vou ser breve, até porque o Dr. Ivair
já comentou algumas das coisas que eu teria a dizer.
Em primeiro lugar, quero fazer um esclarecimento. De repente eu virei o
contraditório. Na minha intervenção, eu disse que adotaria uma postura acadêmica,
exatamente a de criticar o texto. Faz parte da ética acadêmica dizer o que se pensa
a respeito de um texto.
Como antropólogo, tenho dedicado grande parte do meu tempo à sala de aula
e à publicação de artigos, lutando contra qualquer tipo de preconceito. É verdade
que tenho trabalhado muito mais com a questão indígena, pois sou especializado
em grupos tupi-guaranis, mas o fato é que qualquer preconceito tem de ser
combatido.
A resposta ao Deputado Gilmar Machado eu tive de dar rapidamente. Estou
de acordo que a concessão de bolsas é importante. Outra distorção que todo mundo
conhece é que a universidade pública brasileira atende a uma clientela
predominantemente de classe média alta, exatamente porque são poucas as
pessoas que têm condição de passar no vestibular e permanecer na universidade.
Muito estudante desiste por falta de tempo, porque tem de trabalhar. Uma grande
distorção é que a escola pública, gratuita, tem uma população estudantil mais
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favorecida do ponto de vista econômico, enquanto a escola privada, paga, abriga a
população estudantil mais pobre.
Concordo com o Deputado Gilmar Machado quando diz que o sistema de
bolsas é importante. O sistema americano de ensino, totalmente pago, oferece uma
enorme quantidade de bolsas, que beneficiam os estudantes que não podem pagar
seus estudos.
Os Deputado Ivan Paixão e João Almeida destacaram uma questão de certa
forma parecida. O Deputado João Almeida iniciou falando sobre quem é índio e
quem não índio, depois perguntou quem é negro. Eu compartilho da preocupação do
Dr. Ivair. Essa é uma tarefa difícil.
Vou me referir a uma experiência ligada à questão indígena. Em plena
ditadura, nos anos 80, a FUNAI — Fundação Nacional do Índio — criou um
malfadado critério de indianidade. Eles queriam fazer a classificação com base em
tipo de cabelo e cor de pele. Os critérios foram inspirados em idéias racistas do final
do século XIX, até na mancha mongólica. Ora, todos nós sabemos que a mancha
mongólica indica a existência de miscigenação. Ela é uma mancha cor de vinho, que
aparece na nádega das crianças nos primeiros meses, mas desaparece
rapidamente. Parece piada: você é judeu se foi circuncidado, é índio se teve uma
mancha na nádega.
É um perigo partir para a análise biológica, mesmo porque, do ponto de vista
indígena, há índio negro e índio branco. Crianças brancas foram seqüestradas por
índios arredios e cridas como índios. Só sabem falar aquela língua, só pensam
naquela língua, são brancos e são índios. Temos de fugir desse tipo de análise. E
quem seria considerado índio se fizéssemos uma analogia com a visão do índio? O
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índio é aquele que se reconhece como índio e é identificado como tal. Se partirmos
para a análise biológica, vamos cair no modelo americano de que é negro quem tem
determinada quantidade de sangue negro. Ora, ninguém sabe medir essa
percentagem. Não existe nada no sangue humano que assegure isso.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Há diferença entre o sangue do
branco e o do negro?
O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Não existe essa diferença, mas os
americanos usam esse critério, de tal forma que uma pessoa totalmente branca
pode ser considerada negra por causa de um antepassado negro. Essa questão
precisa ser enfrentada com um certo cuidado.
Eu soube de uma moça brasileira que entrou para uma universidade
importante dos Estados Unidos através do sistema de cotas. Pois um professor
americano disse a um colega meu que lá estudava uma negra brasileira. Ao ver a
moça, meu colega constatou que ela era totalmente branca, segundo o nosso
critério, e soube ainda que ela ostenta um sobrenome importante, de quatrocentos
anos, de São Paulo.
Há pouco alguém falou na possibilidade de um alemão se dizer negro. Posso
dizer que na Comunidade Indígena de Borboleta, no Rio Grande do Sul, existe um
índio com o sobrenome Schneider.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Mas esse é o nome, não é?
O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Não, é o sobrenome.
O Deputado Paulo Paim abordou uma questão importante. Eu concordo com
a resposta do Dr. Ivair, mas diria que precisamos fazer um debate mais abrangente.
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Há anos, a estratégia adotada no Brasil é dizer que aqui não existe
preconceito, que somos uma democracia racial. A tal ponto que, nos anos 50, a
UNESCO enviou para cá um grupo de antropólogos, liderado pelo Prof. Roger
Bastide, para estudar o País e levar o nosso exemplo para o mundo. Os
especialistas descobriram que era tudo uma farsa.
É importante ampliar este debate nas universidades, na televisão, em todos
os setores, aproveitando a repercussão da 3ª Conferência Mundial sobre o Racismo,
em que o Brasil teve participação destacada. Talvez a maior representação tenha
sido a nossa. Eram cerca de quinhentos representantes, além da delegação oficial,
que era a terceira em tamanho.
Acho importante fazermos um trabalho com professores de 1º grau. Estou
convencido de que quem transmite o preconceito é muitas vezes o professor mal
preparado, preconceituoso. Sou antropólogo e tenho lutado durante toda a vida
contra o preconceito, mas meus filhos voltavam da escola com idéias
preconceituosas de índio e de negro.
Uma antropóloga precocemente falecida, Aracy Lopes da Silva, escreveu um
livro destinado a professores de 1º grau para discutir a questão indígena. Por que
não fazer o mesmo com relação ao negro?
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Professor, a historiografia
brasileira é toda branca. Ela passa superficialmente pelo problema do negro. É
preciso fazer uma revisão da história do País e do papel do negro.
O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Nós precisamos reformar a história
do Brasil, mostrando o papel do negro. Eu até usei como exemplo aquela passagem
em que a Princesa Isabel, com uma caneta dourada, desce de uma carruagem,
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como se fosse uma fada, e assina de graça a abolição, esquecendo toda a história
de luta dos quilombos e do movimento abolicionista brasileiro que antecedeu a Lei
Áurea.
Eu não conhecia os fatos narrados sobre o final da Estrada de Ferro Noroeste
do Brasil, mas posso dizer que ela termina do jeito que começou. Seus dormentes
foram colocados sobre a sepultura dos índios caingang, desalojados e massacrados
no início do século XX para possibilitar a obra. A construção dessa estrada é
responsável por um dos grandes massacres de índios no Brasil.
O SR. DEPUTADO MANOEL VITÓRIO – É importante ressaltar que, como
ninguém queria trabalhar lá, usaram os índios e os negros.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Eu solicito aos Deputados
e expositores que façam uso do seu poder de síntese, porque já iniciou a Ordem do
Dia.
O SR. ROQUE DE BARROS LARAIA – Finalmente, como professor da
Universidade de Brasília, quero concordar com o Dr. Ivair. A universidade tem
autonomia para estabelecer cotas. No início da minha apresentação, eu disse que o
próprio Reitor da UnB manifestou interesse em estabelecer cotas. Mas logo depois
dessa sua disposição a universidade entrou em greve, e há três meses está tudo
parado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Passo a palavra ao Dr.
Carlos Alves Moura.
O SR. CARLOS ALVES MOURA – Sr. Presidente, o Deputado Gilmar
Machado fez duas observações, uma relativa à bolsa, outra relativa à comunicação
social.
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Todos nós temos ciência de que o Ministério da Justiça, por intermédio da
Secretaria de Estado de Direitos Humanos, promoverá duas companhas
publicitárias, uma relativa à tortura, outra no sentido da solidariedade, do combate à
intolerância. Daí por que é pertinente que órgãos federais como a Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República promovam uma companha de
valorização da comunidade negra.
Há várias maneiras de se implementar o sistema de bolsas. Poderia haver
uma determinação legal, com o necessário suporte orçamentário e a indispensável
obrigatoriedade de que um órgão público tivesse a atribuição de destinar bolsas para
universitários negros não somente nas instituições de ensino particular, mas também
nas instituições de ensino público. Numa ou noutra gasta-se dinheiro.
O Deputado Ivan Paixão tem uma preocupação do ponto de vista
constitucional. A meu ver, a proposta do Deputado Paulo Paim vai justamente ao
encontro da letra viva da Constituição, transformando-a num mecanismo de
benefício de todos.
Vejamos o que estabelece o art. 1º da nossa Constituição:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de
direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
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IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;
V - o pluralismo político.
A proposta do Deputado significa a lei ordinária vindo acoplar-se ao texto da
Carta Magna.
Atentemos agora para o texto do art. 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.
E segue aquele rol de incisos que nós conhecemos.
Quando se fala no problema dos remanescentes de quilombos, na saúde da
comunidade negra, na educação, na cultura, no trabalho, o que se pretende é que a
Carta Magna seja efetivamente respeitada.
O Deputado Ivan Paixão enfatizou a questão das terras remanescentes de
quilombos, já disciplinada no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Além disso, decreto do dia 1º de setembro determina a maneira como o
Estado garantirá essa propriedade aos remanescentes de quilombos. O braço do
Estado nessa questão é a Fundação Cultural Palmares.
Os Deputados Ivan Paixão e João Almeida manifestam uma preocupação que
é de todos nós: como saber quem é negro? Com todo o respeito, eu começaria
sugerindo que chamassem a Polícia, porque ela sabe a diferença. Mas eu fico com
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as teses esposadas pelos Profs. Roque Laraia e Ivair dos Santos. É preciso que nos
afastemos de quaisquer classificações do ponto de vista biológico.
A autodefinição poderá ser um indicativo, mas a questão do racismo é tão
complicada na consciência do brasileiro, que mesmo aquele que não é negro, se
pretende receber um benefício em função de lei, talvez passe a se considerar como
tal. Por outro lado, fomos acostumados a repelir o negro. Isso está introjetado na
sociedade brasileira. Daí porque atrevo-me a dizer que, provavelmente, aquele que
não tem consciência de negro não irá querer igualar-se àquele que ele julga
diferente e menospreza.
O importante é dar a partida. Este Parlamento precisa ter a coragem cívica de
dar a partida. As questões que forem surgindo serão arranjadas, para melhor, de
acordo com a experiência.
O Deputado Paulo Paim fez uma única pergunta: o que se espera desta
Comissão? Eu pediria um pouco de paciência ao Sr. Presidente e aos Srs.
Deputados, para lembrar o passado.
Antes da chegada do Deputado Paulo Paim a esta Casa, havia aqui um único
gabinete que adotávamos como nossa cidadela. Eventualmente, alguém que
ocupava a Presidência de uma Fundação ou um militante negro tentava introduzir a
discussão no Parlamento, no Itamaraty, na Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil e em outros setores. Mas a nossa cidadela era o gabinete do Deputado Alceu
Collares. (Palmas.) Independentemente de sigla partidária, ele nos acolhia quando
precisávamos de cópias, de clipes etc.
Em seguida chegou o Deputado Paulo Paim, a hoje Vice-Governadora do
Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, o Caó, o Edmilson e tantos outros. Isso
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nos faz acreditar que vale a pena militar, que vale a pena trabalhar junto à sociedade
civil no sentido de influenciar o Estado e a sociedade.
O Deputado Paulo Paim pergunta o que se espera desta Comissão. Além das
propostas feitas pelo Dr. Ivair, é preciso também que venham conversar conosco os
secretários do ensino fundamental, do ensino médio e do ensino superior do MEC,
os dirigentes das centrais sindicais e os Presidentes da Confederação Nacional da
Indústria e da Confederação Nacional do Comércio. É preciso explicar a inexistência
de negros e negras no shopping center. Os setores de recursos humanos do
comércio e da indústria precisam saber que há necessidade não de facilitar, mas de
permitir o acesso, a permanência e a promoção, se for o caso, de negros e negras.
Isso é ação afirmativa da sociedade, é a comunidade utilizando-se de mecanismos
capazes de propiciar a ascensão de grupos excluídos, marginalizados em função de
preconceito.
Deputado Paulo Paim, o que se espera desta Comissão é que o debate
prossiga com dignitários das Igrejas, com altas patentes das Forças Armadas, com
todos os setores da sociedade. O que se espera desta Comissão é que ela continue
funcionando como aríete do movimento negro, para abrir as consciências da
sociedade e do Estado Brasileiro para a necessidade da efetiva construção da
nacionalidade brasileira.
O Deputado Manoel Vitório deu um candente testemunho, que merece
acolhida e apoio, mas eu não saberia dizer se o locus da discussão trazida,
tempestiva e adequadamente, seria este ou o da Comissão de Direitos Humanos.
Tenho um pouco de receio de que motivações que não sejam efetivamente
pertinentes a esta proposta possam de certa maneira engrossar ainda mais o grande
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volume de questões que temos de discutir e acabar por atropelar o processo. Então,
premidos ou compelidos pelo tempo, acabaríamos tratando muitos pontos com uma
rapidez que não é pertinente.
Agradeço a todos a paciência. Mais uma vez cumprimento o Deputado Paulo
Paim pela feliz oportunidade da apresentação desse projeto, que presta grande
serviço à sociedade brasileira. Servidor público aplicado que é — não pretendo
lecionar a ninguém, mas o Parlamentar é um servidor público —, S.Exa. retribui à
sociedade, a brancos, negros e indígenas, para além do seu eleitorado, a confiança
que lhe foi depositada.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Tem a palavra, para suas
considerações finais, o Dr. Ivair Augusto dos Santos.
O SR. IVAIR AUGUSTO DOS SANTOS – Sr. Presidente, quero apenas
responder ao Deputado Ivan Paixão uma pergunta que eu esqueci.
Deputado, eu conheço pelo menos três decisões do Supremo que podem lhe
ajudar. Uma é do Ministro Nelson Jobim e faz recorrência à legislação americana
sobre licença-maternidade. O voto do Ministro está em parte fundado nessa
legislação de ação afirmativa. Outra decisão também importante é do Ministro Marco
Aurélio. Ele votou pela permanência do feriado do Dia Nacional de Zumbi no Rio de
Janeiro. A outra, também significativa, é a decisão sobre os 20% de vagas nas
eleições para as mulheres. Isso também foi confirmado pelo STF.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Tem V.Exa. a palavra.
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O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – Sr. Presidente, este Relator
está sempre presente nas reuniões de audiência pública, do início até o fim. Não vi
exauridas todas as discussões e sanadas todas as dúvidas. Após fazerem suas
perguntas, os Deputados começam a sair, a reunião é encerrada, e fico eu sem
resposta para algumas questões.
Eu pedi dispensa de todas as outras Comissões para poder dedicar-me a
esta. Eu leio, pesquiso, converso com um, converso com outro, fico cheio de
informações e de dúvidas. Por exemplo, eu tinha perguntas para o Presidente Carlos
Moura, mas vou sair daqui sem perguntar. Por isso sugiro que, como se faz em
todas as Comissões, após a exposição inicial dos convidados, o Relator tenha a
palavra. Talvez os Deputados até se inspirem nas minhas observações e ampliem o
debate. O que fizemos hoje está de acordo com o Regimento Interno.
É esta a sugestão: o expositor faz a sua apresentação e logo a seguir o
Relator faz as suas perguntas, podendo ceder a vez se quiser. Do contrário, todos
participam, e fica o Relator sem ter mais o que discutir.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Tenho de me ater ao
Regimento e ao Plenário. O Plenário é soberano. Mas vamos tratar dessas
questões.
Meu amigos, Srs. Parlamentares, estou muito feliz por termos começado as
audiências públicas ouvindo personalidades comprometidas com o processo,
podendo oferecer dados importantes a esta Comissão.
Agradeço aos palestrantes a participação. Esta não é a primeira nem será a
última audiência. Antes de enviar para o plenário o projeto de lei, tenho certeza de
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que os senhores serão solicitados outras vezes, e mais uma vez abrilhantarão esta
nossa Comissão.
Muito obrigado pela presença dos senhores.
Dando continuidade aos trabalhos desta Comissão, passo a fazer algumas
comunicações.
Recebemos os seguintes ofícios: da Liderança do PMDB, indicando o nome
do Deputado Osmar Terra para concorrer ao cargo de 1º Vice-Presidente da
Comissão Especial — vamos tratar com a Secretária de marcar dia e hora para
eleição dos Vice-Presidentes —; da Liderança do PSDB, indicando o nome do
Deputado Feu Rosa para ocupar vaga de suplente nesta Comissão.
Srs. Parlamentares, considerando a complexidade da matéria em estudo e o
prazo regimental para apreciação da proposição, de quarenta sessões, com o
propósito de tornar mais participativo e célere o processo, decidi constituir sub-
relatorias no âmbito da Comissão. Dessa forma, relatórios parciais deverão ser
apresentados ao Relator-Geral, Deputado Reginaldo Germano, que, em
aquiescendo, incorporará as propostas a seu parecer.
Designo para o Capítulo I, Do Direito à Vida e à Saúde, o Deputado Osmar
Terra; para os Capítulos II e VI, Da Educação, Cultura, Esporte e Lazer e Do
Sistema de Cotas, o Deputado Gilmar Machado; para os Capítulos III e IV, Do
Direito à Indenização aos Descendentes Afro-Brasileiros e Da Questão da Terra, o
Deputado Luiz Alberto, que não pôde comparecer porque, num acidente, quebrou a
perna — estimo sua melhora —; para os Capítulos V e VII, Da Profissionalização e
do Trabalho e Dos Meios de Comunicação, o Deputado Narcio Rodrigues; para os
Capítulos VIII e IX, Da Ouvidoria Permanente e Da Assistência Judiciária, e para os
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Títulos I e III, Das Disposições Preliminares e Das Disposições Finais, o Deputado
João Almeida.
Caberá aos Srs. Sub-Relatores ora indicados a relatoria das comissões
temáticas previstas para as reuniões de trabalho a serem realizadas durante o
seminário proposto.
Com a adoção dessas medidas, acho que daremos celeridade ao processo e
colaboraremos com o Relator na finalização do seu relatório.
O SR. DEPUTADO IVAN PAIXÃO – Sr. Presidente, eu gostaria de tirar uma
dúvida, por gentileza.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Pela ordem, tem a palavra
o Deputado Ivan Paixão.
O SR. DEPUTADO IVAN PAIXÃO – É uma curiosidade minha. Como se deu
a designação dos Sub-Relatores? Isso foi discutido com os partidos. Faz parte do
Regimento?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Não, é atribuição da
Presidência. Não houve nenhum critério partidário ou proporcional. A intenção é ter
a colaboração de Deputados que se interessam pelo assunto e querem contribuir
mais efetivamente. Se algum outro Deputado dispõe de tempo e quer participar,
estamos abertos.
O SR. DEPUTADO IVAN PAIXÃO – Eu tenho interesse pelas questões da
saúde.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Vou comunicar ao Sub-
Relator nomeado que V.Exa. participará desse trabalho. Certamente V.Exa. dará
contribuições importantíssimas.
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O SR. DEPUTADO IVAN PAIXÃO – Muito obrigado.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Sr. Presidente, o Relator participou
da formulação dessa estrutura?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Em parte. Nós já havíamos
conversado anteriormente, mas na hora da definição ele estava viajando, então eu
me reuni extra-oficialmente com os Deputados para chegar a esses nomes.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – Sr. Presidente, quero
parabenizá-lo por essa atitude. Foi assim que trabalhou a CPI do Narcotráfico. Fui
Relator de cinco Estados. Diversos partidos puderam participar da formação do
relatório apresentado pelo Deputado Moroni Torgan.
Conto com a participação de todos, para que a idéia final seja a de todos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Dando continuidade aos
trabalhos, vamos apreciar as matérias constantes da pauta.
Requerimento nº 19/01, do Sr. João Almeida, que “requer sejam convidados
para comparecer a essa Comissão Especial, em data a ser posteriormente
agendada, o Sr. Ministro de Estado da Cultura, Sr. Francisco Correa Weffort, e o Sr.
Ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Belens Jungmann Pinto, para serem
ouvidos em audiência pública sobre a questão da igualdade racial”.
Em votação o requerimento.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram.
Aprovado.
Requerimento nº 20/01, do Sr. João Almeida, que “requer seja convidado o
representante da Coordenação Nacional dos Quilombos para ser ouvido em
audiência pública sobre a questão da igualdade racial”.
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O autor não está presente. Passemos à votação do requerimento.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram.
Aprovado, por unanimidade.
Requerimento nº 21/01, do Sr. João Almeida, que “requer, nos termos do art.
255, com anuência do Plenário, sejam convidados para comparecer a esta
Comissão Especial, em data a ser posteriormente agendada, representantes do
Conselho Nacional das Entidades Negras e do Movimento Negro Unificado, para
serem ouvidos em audiência pública sobre a questão da igualdade racial”.
Em votação.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram.
Aprovado, por unanimidade.
Requerimento nº 22/01, da Sra. Marisa Serrano, que “requer seja convidado
para comparecer perante esta Comissão Especial o Sr. Aleixo Paraguassu Neto,
Presidente do Conselho Estadual de Desenvolvimento e Defesa dos Direitos do
Negro — CEDINE/MS”.
A autora não está presente. Passemos à votação.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram.
Aprovado, por unanimidade.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – Sr. Presidente, eu gostaria de
apresentar um requerimento, mas não sei se posso fazê-lo verbalmente. (Pausa.)
Fui orientado pela Secretária. Preciso apresentar o requerimento à Secretaria,
porque é matéria extrapauta.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) – É necessário quorum
especial de assinaturas.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos, antes, porém,
convocando reunião ordinária a realizar-se no próximo dia 16, terça-feira, às 14h30
min, destinada à realização de audiência pública.
Está encerrada a reunião.