DepressãoAlgumas diferenças entre quadros
unipolares e bipolares
Eduardo Guagliardi
Médico Psiquiatra – Prof. UNIPLAC
Leia antes de usar...ou diagnosticar
Para uma avaliação mais completa dos casos de depressão deveríamos considerar:
Sinais e sintomas
Curso dos sintomas ou das manifestações do comportamento Temperamento e estilo História familiar que avalie o componente genético como fator de
risco (ou seja, um fato que aumenta as chances de algum evento acontecer)
Fatores de risco ambientais (como abuso e traumas na infância ou perdas recentes, no caso de depressão)
Resposta a fármacos (terapêuticos ou drogas de abuso)
Falando de Temperamento e Caráter
Temperamento (“gênio”): Ligado às sensações e motivações básicas e automáticas da
pessoa no âmbito emocional. Herdado geneticamente e regulado biologicamente
Caráter: Decorre mais das experiências e modelos que formam nossas
memórias e padrões psicológicos
O temperamento define o que mais naturalmente se salienta no mundo para cada um e influencia os tipos de experiência em que nos envolvemos e como reagimos a elas. A interpretação destas experiências gera um significado que por sua vez lapida a expressão do temperamento, que é o caráter.
PERSONALIDADEgera significado
define saliência
TEMPERAMENTO(natureza emocional herdada
geneticamente)
CARÁTER(aprendido pelas
vivencias)
Relações entre Temperamento e Humor
Importante frisar que nosso tipo de temperamento é o alicerce do nosso humor e, por consequência, os possíveis transtornos de humor que sofremos também são compatíveis com nosso temperamento.
Pessoas com temperamento mais “apimentado” e dinâmico podem ter alterações de humor com franca agressividade ou euforia, o que seria mais raro em pessoas com temperamentos brandos e serenos.
Classificação dos Temperamentos como “estilos afetivos” ou
padrões predominantes de humor (Akiskal):
Hipertímicos: Manifestam dinamismo, busca por estímulos e sensações prazerosas, exploradores, impulsivos, otimistas, entusiasmados, extravagantes, curiosos, desorganizados, reações afetivas rápidas e intensas, potencial para criação, inovação, liderança, carisma etc.. Adaptam-se pouco a sistemas regrados, rotineiros, previsíveis, podendo ficar inquietos, irritados, desanimados.
Depressivos: Preocupados, pessimistas, passivos, cautelosos, quietos, tímidos e indecisos. Reservados, reflexivos, resignados, toleram bem situações monótonas, preservam e gostam da ordem.
Ciclotímicos: Alternância entre períodos de autoconfiança alta e baixa, estados apáticos e energéticos, humor tristonho e brincalhão, momentos introvertidos/calados e expansivos/falantes etc..
Irritáveis: Marcante e constante irritabilidade. Podem ser ameaçadores, desconfiados, combativos e destrutivos.
Falando de humor
Estados de humor deprimido (tristeza, desânimo, lentificação, falta de sensação de prazer) são muito conhecidos e discutidos, além de intuitivamente fáceis de entender, porque todos já os vivenciamos, por períodos mais ou menos curtos e por motivos diferentes. Estes estados depressivos podem ir do simples “baixo astral” até estados de profunda melancolia.
Além do estado normal de humor, chamado de EUTIMIA, momentos de euforia e alegria são naturais e comuns de acordo com os momentos da vida.
O que define se o humor está sadio é o quanto ele está adequado à situação real.
Tristezas, alegrias, ansiedades ou irritações sem motivo aparente podem configurar um transtorno de humor.
Existem situações em que a euforia pode chegar a extremos tão inadequados e prejudiciais quanto a melancolia grave.
Entre o humor eutímico (normal) e o extremo da euforia, há gradações, como a HIPERTIMIA, que não chega a atrapalhar, e a HIPOMANIA (pequena mania), que pode atrapalhar razoavelmente, até a MANIA, que certamente carrrega consequências e prejuízos maiores em diversos níveis.
EUTIMIA HIPERTIMIA HIPOMANIA MANIA
Humor transmitido(afeto)
Normal MagnéticoCom brilhoExpansivoConfianteEnfáticoBom pique
ExibicionistaExageradoDramático+ ExpansivoArroganteMuita energiaPouco sono
Escandaloso+ ArroganteCentro das atençõesAgressivoElétricoDorme pouco
EUTIMIA HIPERTIMIA HIPOMANIA MANIA
Gastos Moderados Um pouco menos controladosSem consequencias maiores
Age c/ desproporçãoImpulsivoAlgumas dívidas
Fora de controleDívidas gndesVendas e doações descabidas
Riscos Evita desnecessários
Experimenta riscos desnecessários mas sem consequências
Arrisca-se s/ necessidadeConsequências contornáveis
Busca ativamenteConsequências sérias
EUTIMIA HIPERTIMIA HIPOMANIA MANIA
Contato e convívio social
Escolhe modo + adequadoHarmonia
+ EfusivoToma iniciativa de cumprimentos + íntimosCativanteFala + ao telefone
Distribui abraços e beijos exageradosCausa surpresa ou rechaçoBriga por motivos pequenos
IndiscretoInvasivoProvoca ou se envolve em brigas
Comunicação verbal
Fala e ouveRitmo e volume normais
Influencia a conversaInterageOpiniões firmesAumenta pouco ritmo e volume
Domina a conversaDiscuteNão aceita outras opiniõesFala rápidoFala muito e c/ volume + altoIntimida
Faz discursoGritaFala mt rápidoMistura assuntosAmeaça ou ofendePalavrõesCria palavras, faz rimas
EUTIMIA HIPERTIMIA HIPOMANIA MANIA
Pensamento Fluxo e conteúdo normais
VivazCriativo EspirituosoIrônicoOtimistaVários planos
AceleradoContestadorAlgo grandioso e polêmicoÀs vezes se perdeMil planos
Mt aceleradoMt grandiosoPolêmicoFora da realidadeDispersivoIdeias se perdem
Relações afetivas
Estáveis EstáveisBom apetite sexual mas sem indiscriçõesEventuais “puladas de cerca”
Vários relacionamentos“Tapas e beijos”Casos extraconjugaisGnde apetite sexual
Relacionamentos curtosTurbulentosIndiscrições sexuaisOrgiasGndes noitadas
EUTIMIA HIPERTIMIA HIPOMANIA MANIA
Visual Não chama a atenção
Chama a atenção positivamenteVaidosoVistosoRoupas coloridas
Chama atenção em algum aspectoRoupas ousadas ou diferentesCores vibrantesExuberante
Chama atenção em um ou mais aspectosPode chegar a exagerosGosto escandalosoRadical
Estilo de dirigir Cauteloso e regrado
Um pouco + rápidoCostura um poucoBuzinaObedece sinais
Queima alguns sinaisNão tolera ser ultrapassadoAnda rápidoArranca na frenteBuzina muito
Trafega em alta velocidadeNão respeita sinaisCanta pneuRoleta-russa
A depressão no espectro bipolar
Depressões costumam ser a apresentação inicial do Transtorno Bipolar, principalmente na adolescência, mas também se desenvolvem após episódios maníacos ou hipomaníacos.
Mais de 20% dos deprimidos da atenção primária à saúde e até metade dos atendidos em ambulatórios psiquiátricos são na realidade bipolares.
A expressão clínica mais comum do bipolar é a depressão, subsindrômica ou não.
Bipolares...a maior parte do tempo deprimidos
Em estudo prospectivo de 20 anos, os bipolares permaneceram sintomáticos durante metade do tempo, sendo que 3x mais com sintomas subsindrômicos (depressivos ou hipomaníacos) que sindrômicos, e principalmente depressivos (pacientes com TB II mantiveram-se deprimidos durante 59,1% das semanas e hipomaníacos em apenas 1,9% do mesmo tempo).
Características sugestivas de bipolaridade na depressão
Idade de início precoce (antes dos 25 anos) Depressão com sintomas atípicos e depressão psicótica Depressão puerperal Início e término abrupto do episódio depressivo Episódios depressivos breves (menor que 3 meses) Depressão recorrente Retardo psicomotor importante
Sazonalidade História familiar de TB em parente de 1º grau Temperamento ciclotímico ou hipertímico Mania ou hipomania induzidas por antidepressivos Perda de efeito antidepressivo (resposta aguda, mas não
profilática) Falha de resposta a pelo menos 3 ensaios adequados com
antidepressivos Presença de sintomas de hiperativação (aumento de
energia, inquietação, redução da necessidade de sono), irritabilidade importante, pensamentos acelerados e aumento de libido e outros impulsos aumentados durante um episódio depressivo.
O principal diagnóstico diferencial psiquiátrico é a depressão bipolar, que tipicamente cursa com depressões recorrentes, mais graves, crônicas e de difícil tratamento.
Mesmo na ausência de relatos de história familiar positiva de TB, a presença de sintomas maníacos, ainda que subsindrômicos (p.ex., hipomanias de 1 dia de duração), em deprimidos recorrentes, agrava o prognóstico e cursa com:
Risco 3x maior de má resposta a antidepressivos 2x maior de psicose Maior número de episódios Maior risco de ser hospitalizado
O que induz ao diagnóstico errôneo de transtorno bipolar como sendo depressão unipolar
Fatores do paciente
Falta de insight quanto a mania; Prejuízo da memória durante o estado depressivo e/ou
memória seletiva quanto a depressões anteriores (memória dependente de estado);
Concepção de hipomania como “bons tempos” normais; Feedback positivo cultural para sintomas
maníacos/hipomaníacos
Fatores do clínico:
Omissão da inclusão de um familiar na avaliação diagnóstica; Estrutura do DSM-IV, a qual separa a bipolaridade de todas as
outras depressões “de saída”; Conhecimento inadequado dos critérios maníacos; Abordagem diagnóstica por meio do “protótipo” intuitivo; Desejo prático de fazer um diagnóstico (p.ex., depressão
unipolar) para o qual existem vários tratamentos eficazes;Falta de consciência do alto índice de doença bipolar na
população.
Fatores da doença:
O primeiro episódio da doença costuma ser depressão e não mania;
Episódios depressivos duram mais tempo do que os quase sempre breves estados hipomaníacos.
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Referências e fontes consultadas:
Doença Maníaco-Depressiva
Frederick K. Goodwin & Kay Redfield Jamison
Artmed - 2ª Edição
Clínica Psiquiátrica
Editora Manole – 1ª Edição
Temperamento forte e bipolaridade
Diogo Lara – 9ª edição