DESIGN, INOVAÇÃO TÉCNICA E
DESENVOLVIMENTO DE PRODUTO EM
VISÃO SISTÊMICA: DOIS ESTUDOS DE
CASO DA PRODUÇÃO ARTESANAL EM
CAMPINA GRANDE-PB
Leiliam Cruz Dantas (UFCG )
Luiz Eduardo Cid Guimaraes (UFCG )
Tamyris Luana Pedroza Pereira (UFCG )
Os pequenos empreendimentos de produção artesanal são bastante
significativos no âmbito da economia informal, que vem se mostrando
um setor em crescimento tanto nas economias menos industrializadas,
quanto nos países mais industrializados. Os artesãos buscam se
inserir no mundo capitalista altamente competitivo utilizando as
estratégias que estão ao seu alcance, com destaque para o seu
processo de inovação, que utiliza pouco capital e tecnologias mais
simples. O objetivo do artigo é explorar dois estudos de casos na
perspectiva da inovação técnica e da metodologia de design de
produto, realizados no município de Campina Grande-PB, em
microempreendimentos artesanais da economia informal. O primeiro
diz respeito a uma microempresa de calçados e o segundo a um
empreendimento solidário de artesanato. No primeiro caso foi
utilizado o método da observação sistemática, com vistas a identificar
o processo inovativo do microempreendimento e, no segundo,
procedeu-se à construção de uma metodologia de design de produto
através de metodologias participativas. A visão adotada foi
considerada sistêmica por buscar visualizar e intervir no
empreendimento sob todos os aspectos: técnico, de organização e de
gestão da produção e comercialização do produto. No processo
comparativo dos dois casos estudados, os resultados apontaram a
necessidade e a eficiência da metodologia de design adotada, tanto no
estímulo da inovação, quanto na promoção de melhorias na gestão da
produção e nos aspectos organizacionais dos pequenos
empreendimentos artesanais. Estes pequenos negócios devem ser alvo
de pesquisas e intervenções, bem como de políticas específicas, uma
vez que representam uma alternativa de geração de trabalho e renda
para as populações menos favorecidas da sociedade.
Palavras-chaves: Desenvolvimento de produto. Design. Inovação
técnica. Produção artesanal.
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1. Introdução
As atividades produtivas inseridas na economia informal têm crescido não só nos países em
desenvolvimento, como também naqueles em transição e até nos países desenvolvidos
(CHEN, 2012). A realidade brasileira não é diferente. Nos empreendimentos informais, os
produtores enfrentam toda a sorte de problemas, mas buscam alternativas para concorrer com
a economia formal, inclusive no que tange à inovação. Os pequenos empreendimentos são os
que mais necessitam da atenção governamental no sentido de facilitar sua implantação e bom
funcionamento, pois existem em número significativo no país. O Nordeste está entre as
regiões que mais apresentam desigualdades sociais e de renda no país, onde se destaca o
estado da Paraíba, considerado com um dos menos desenvolvidos e com menor crescimento
econômico.
O artigo tem como objetivo mostrar dois estudos de casos na perspectiva da inovação técnica
e da metodologia de design de produto, realizados no município de Campina Grande-PB, em
microempreendimentos artesanais da economia informal. O primeiro diz respeito a uma
microempresa de calçados e o segundo a um empreendimento solidário de artesanato.
A pesquisa realizou um comparativo entre os dois casos específicos: em um deles foi apenas
observada a maneira como seus gestores inovam e no outro foi realizada uma intervenção
sistêmica do design com vistas a estimular a inovação técnica. Para introduzir um método de
design de produtos, os pesquisadores tomaram como base metodologias participativas, em que
os diversos atores da situação, inclusive os próprios pesquisadores, agiram conjuntamente na
detecção dos problemas e suas soluções com o objetivo de desenvolver novos produtos e/ou
promover diferenciação nos produtos existentes. A visão adotada considerou o
empreendimento sob os aspectos técnico, de organização e de gestão da produção e
comercialização, caracterizando a intervenção do design como sistêmica.
Como referencial para a pesquisa realizada, o artigo inicia com breves considerações acerca
do design, da inovação técnica e do conhecimento para a inovação, sobretudo o tácito. Em
seguida, trata da metodologia de design de produto aplicada à gestão da produção artesanal, já
que a pesquisa se propôs a desenvolver um método de intervenção que abarcasse todos os
aspectos da produção e enfatizasse a participação dos produtores e dos pesquisadores no
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processo inovativo. Por fim, os casos estudados são relatados e são tecidas considerações a
respeito dos mesmos em uma perspectiva comparativa.
2. Design, inovação técnica e conhecimento na produção de artesanato
A produção de artefatos artesanais sempre se baseou no uso de poucas ferramentas e mais
habilidade manual. A partir dela originou-se a produção industrial no contexto capitalista.
Entretanto, o surgimento e o desenvolvimento da indústria não deslocaram a produção de
determinados produtos que ainda são fabricados sob os moldes artesanais, levando em
consideração conhecimentos oriundos da tradição local.
Os artesãos, caracterizados como pequena unidade produtiva, abarcam todas as funções
relacionadas à realização da sua atividade, desde concepção do produto, design, execução e,
muitas vezes, criação e produção das ferramentas necessárias para o trabalho. Além disso,
ainda se ocupam da divulgação e da distribuição comercial do seu produto. Isto ocorre porque
os artesãos, geralmente, encontram-se inseridos no contexto da economia informal e, para se
estabelecerem no mercado competitivo, têm que se desdobrar nos vários aspectos da produção
e comercialização dos seus artefatos.
A intervenção do design na produção e comercialização de artesanato pode representar um
avanço significativo, considerando a conjuntura em que operam. O papel do design na
concepção e produção dos artefatos artesanais mantém relação estreita com a inovação. Neste
sentido, trata-se aqui da inovação técnica, que se refere às mudanças de produto ou de
processo em atividades produtivas que utilizam tecnologias mais simples e acessíveis às
atividades produtivas menos complexas. Conforme Dosi (1988, p. 222), a inovação pode ser
definida como qualquer mudança (no produto ou no processo de sua produção), descoberta,
experimentação, desenvolvimento, imitação, além de novas configurações organizacionais.
Esta concepção, mais geral, pode ser aplicada tanto à inovação tecnológica quanto à inovação
técnica.
No desenvolvimento da inovação importa ressaltar a fonte da inovação e a origem do
conhecimento necessário à sua realização. Quanto às fontes da inovação, Von Hippel (1988,
p.3) aponta vários caminhos: a inovação pode ser desenvolvida pelos usuários da mesma;
pode ocorrer a partir dos fornecedores de componentes, insumos e materiais relacionados com
a inovação e, ainda, há a visão tradicional de que os fabricantes dos produtos podem ser os
verdadeiros inovadores, os que de fato concebem a inovação.
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No que se refere ao conhecimento para a inovação alguns aspectos merecem ser considerados.
Dois tipos de conhecimento são relacionados no campo das organizações: o explícito e o
tácito. O conhecimento explícito é aquele dominado por todos através da sua codificação e
difusão, enquanto o conhecimento tácito é específico e não formalizado, difícil de ser
transmitido (NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Por suas características peculiares e importância
no processo inovativo nas pequenas unidades produtivas, o conhecimento tácito se destaca.
Polanyi (1962), considerado um referencial no estudo do conhecimento, julga o conhecimento
tácito muito mais complexo do que o explícito, ao afirmar que “there are things that we know
but cannot tell”.
Nonaka e Takeuchi (1997) consideram que todo conhecimento é fundado a partir da interação
entre o conhecimento tácito e o explícito. Há quem enfatize o conhecimento como uma
construção social possuidora de uma dimensão temporal/histórica e de outra
espacial/territorial, ressaltando o conhecimento tácito, na perspectiva de Polanyi, como um
diferencial de competitividade e uma das principais fontes de inovação (ALBAGLI;
MACIEL, 2004). Nesta mesma direção situa-se a percepção de Bartholomaei (2005),
destacando a realização de estudos situados, apoiados em pesquisas participativas, no sentido
de compreender a construção do conhecimento, sobretudo o tácito, dentro de seu contexto
específico, inclusive verificando a possibilidade de sua deslocalização e reconstrução em
outro contexto. A visão deste autor, mesmo apontada como geral, também pode ser
compreendida como a construção do conhecimento voltada para o processo inovativo. Para
Albagli e Maciel (2004), parafraseando Yoguel (1998), a capacidade de processar e recriar
conhecimento é tão importante ou mais do que produzir um conhecimento novo. Porém, o
fundamental é a transformação deste conhecimento em ação, no que consiste o processo de
inovação.
Para que esse processo de inovação ocorra, a interação entre os dois tipos de conhecimento se
torna essencial. Dentro deste contexto, o papel do design de produto se sobressai e, neste
artigo, o foco se direciona para o desenvolvimento de uma metodologia sistêmica e
participativa, visando o processo interativo de construção do conhecimento para a inovação.
3. Metodologia de projeto de produto aplicada à gestão da inovação na produção
artesanal
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A literatura sobre inovação mostra que esse processo, seja no caso da inovação tecnológica ou
na técnica, mostra-se bastante específico. No que se refere à inovação técnica em pequenos
empreendimentos, sobretudo de produção artesanal, as especificidades são mais marcantes.
Nesse contexto, merece destaque o processo de construção do conhecimento localizado para a
inovação, através da interação dos conhecimentos explícitos e tácitos.
O Grupo de Pesquisa Design e Desenvolvimento Sustentável – GDDS, da Universidade
Federal de Campina Grande, Paraíba, tem realizado pesquisas no sentido de construir uma
metodologia de design de produto voltada para a produção de artesanato nesta localidade.
Esta metodologia possui duas características principais: a participação dos atores envolvidos
no processo e a visão sistêmica, que permite a consideração de todos os aspectos relativos à
produção, organização e distribuição dos produtos.
O ponto de partida para o desenvolvimento de uma metodologia de design de produto junto
aos artesãos de Campina Grande foi a constatação de que as intervenções dos designers em
micro e pequenas firmas ocorrem “de cima para baixo”. As pesquisas verificaram que pouco
se tem feito para estimular a capacidade de inovação interna das empresas, uma vez que os
profissionais atuam sem qualquer interação com os produtores diretos de artesanato
(GUIMARÃES, 2010).
Nas micro e pequenas empresas a inovação se apresenta como um problema, geralmente
resolvido através de cópias e adaptações e até de criações originais, sendo estas últimas
ocorrências mais raras. É comum essa atividade ser realizada fora dos horários “normais” da
gestão das empresas. Curiosamente isso foi verificado também em pesquisas realizadas em
empresas britânicas (GUIMARÃES, 2002) e em várias pesquisas em empresas do Nordeste,
especificamente no estado da Paraíba (GUIMARÃES, 1995; GUIMARÃES, 1999;
GUIMARÃES; DANTAS, 2006; GUIMARÃES, 2010).
A maioria dos produtos resultava de adaptações de produtos existentes, ajustados pelos
próprios empresários ou por pessoas que trabalham na produção. Essa adaptação parece
representar uma importante forma de acumular conhecimento técnico, explícito e/ou tácito. O
envolvimento de profissionais da área de design industrial era mínimo. Outros aspectos
relacionados a esta área, como a ergonomia, eram negligenciados. Em geral, existia uma
diferenciação de produtos, mas constatou-se que a maioria copiava os produtos da
concorrência ou utilizava produtos que já eram de domínio público.
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A metodologia de design desenvolvida junto e para os artesãos do município de Campina
Grande baseou-se em um processo de capacitação voltado para o desenvolvimento de
produtos. Ocorreu através da intervenção participativa dos profissionais da área de design e da
área de economia. A interação das duas áreas neste processo caracterizou-o como sistêmico,
uma vez que não se preocupou apenas com o aspecto técnico da atividade, mas também com o
aspecto econômico e o organizacional. O caráter participativo deveu-se à atuação “de baixo
para cima”, por parte dos pesquisadores, permitindo que os beneficiários da ação tomassem
parte em todas as etapas da intervenção, desde a concepção até a execução, na medida em que
seu conhecimento permitia.
A intervenção sistêmica, para o desenvolvimento da metodologia de design do produto, sob a
forma de capacitação dos artesãos, ocorreu nos seguintes aspectos: artesanato e identidade
local; design; mercado; segurança no trabalho; fotografia; marca e embalagem; custo e preço
de venda do produto; organização da produção com ênfase na economia solidária. A
metodologia desenvolvida teve como objetivo estimular mudanças significativas na produção
dos produtos artesanais. Para isto, a cada etapa das capacitações mencionadas, os artesãos
eram solicitados a participarem, dentro das suas possibilidades. Entretanto, a maior
participação destes artesãos ocorria no processo de criação dos produtos artesanais, no
concernente ao próprio design de produto, à maneira de um exercício.
A ideia da participação provém tanto das metodologias participativas, a exemplo da
metodologia da pesquisa-ação, como do design participativo. Apesar da existência de alguns
enfoques sobre design participativo, faz-se necessário ressaltar que sua adoção deve ser feita
de acordo com a situação e o contexto em que esta se encontra, a exemplo do que afirmam
Hussain, Sanders and Steinert (2012): “we suggest that participatory design approaches used
in the Western, developed world cannot be transferred directly to developing countries”.
Para ilustrar e comparar os resultados e o alcance da metodologia adotada foram estudados
dois casos: o primeiro não passou pela intervenção do design, mas apresentou elementos
interessantes em termos de inovação técnica, em que se adotou como procedimento
metodológico a observação sistemática do processo inovativo; o segundo mostrou as
mudanças oriundas da intervenção sistêmica, baseada na participação de todos os atores
envolvidos na produção de artesanato, que englobaram as áreas de design, economia e
engenharia de produção.
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4. Estudos de caso
4.1. Calçados Marcos
A pequena empresa denominada “Calçados Marcos” é uma microunidade de produção que
fabrica sandálias femininas adultas de solado baixo, chamadas de “rasteiras”. A microempresa
funciona há 15 anos no espaço denominado “Fabricão”, uma associação dos pequenos
fabricantes de calçados e artefatos de couro de Campina Grande-PB. A denominação Fabricão
é oriunda de um projeto desenvolvido pelo Centro de Tecnologia do Couro e do Calçado,
implementado pela prefeitura da cidade no início da década de 80, voltado para estes
pequenos empresários.
O micronegócio é totalmente informal e funciona diariamente, de segunda a sábado, em um
espaço de quatro por seis metros. É composto por quatro operários, sendo um deles o
proprietário e três trabalhadores informais que atuam em diferentes setores produtivos, sem
uma clara divisão de tarefas. Quando a demanda por produtos aumenta, os trabalhadores
produzem à noite e aos domingos. Apesar do espaço exíguo no qual funciona, o negócio
consegue produzir 96 pares de sandálias por dia, fabricando cerca de 10 modelos diferentes
(Figura 1). Sua produção volta-se para o mercado local, mas já vendeu os estados do Acre,
Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará, com vendas somente no atacado, a partir de doze
pares.
Figura 1 – Modelos produzidos por Calçados Marcos
Fonte: Arquivo GDDS (2012)
As sandálias possuem etiqueta referente ao nome do negócio, que foi criada pela gráfica
(também informal) que imprimiu as mesmas. Os gastos do microempreendimento são com
compra de matéria-prima, energia elétrica e R$ 10,00 semanais para o vigilante do Fabricão.
Apesar de haver uma fábrica de injeção em plástico no mesmo Fabricão, o dono prefere
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comprar no Distrito Industrial ou no centro da cidade, por ser mais barato. A compra de
material é realizada no varejo, em lojas especializadas, chamadas “casas de couro”. Ele não
consegue realizar a compra dos insumos no atacado por não ser formalizado.
O próprio dono do negócio cria os modelos de calçados. Para isto, ele rabisca o que pretende
fazer, desenha o molde, faz um protótipo, realiza as alterações devidas e confecciona as peças.
O principal público que compra a produção são lojas populares, camelôs e vendedores
informais. O preço das sandálias varia de R$ 60,00 a R$ 84,00 a dúzia de pares, cerca de R$
5,00 a R$ 7,00 por par. Esses valores variam de acordo com o número de acessórios inseridos
nos produtos.
O local de produção possui diversos problemas: layout, organização, ergonomia e higiene.
Todos trabalham sem proteção ou uso de equipamentos de segurança, apesar de manusearem
cola com substâncias tóxicas e fogo para a secagem da cola. Não há sistema hidráulico na
fábrica, a água utilizada é armazenada em tonéis devidamente tampados. Por ser um espaço
reduzido e haver necessidade de trabalhar com fogo, o local é bastante quente, fazendo com
que os trabalhadores do sexo masculino trabalhem sem camisa, expostos a intempéries e calor
excessivo.
A produção é organizada em série, com utilização de apenas uma máquina de costura
industrial. Cada trabalhador produz uma parte da sandália, desde o corte manual do material, a
colagem e a montagem até a costura e acabamento final com colagem da etiqueta.
Muitas das ferramentas utilizadas na produção foram criadas e confeccionadas pelo
fabricante, a partir de resíduos sólidos provenientes da metalúrgica vizinha à sua fábrica
(Figura 2).
Figura 2 – Estilete confeccionado pelo dono do empreendimento “Calçados Marcos”
Fonte: Arquivo GDDS (2012)
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Um espaço maior ao lado da fábrica, com cerca de 36 metros quadrados, foi cedido à
microempresa informal Calçados Marcos, o qual será utilizado para melhorar o conforto e a
segurança dos trabalhadores e para estocagem de material e produtos prontos. Esse espaço
não está sendo utilizado ainda por necessitar de reforma no piso e no telhado.
Pode-se perceber, no caso relatado, que o microempreendimento de calçados artesanais tem
potencial para inovar, baseado nos seus conhecimentos tácitos para o desenvolvimento de
suas atividades. Essa situação ocorre rotineiramente com esses gestores que precisam inovar
para sobrevivência do próprio negócio. O gestor dedica parte de seu tempo para desenvolver
um novo design, através de conversas informais com os clientes, do que vê nas novelas da
televisão e dos novos materiais que encontra disponíveis no mercado, caracterizando como
um levantamento de dados do processo de design. O uso das ferramentas utilizadas, adaptadas
pelo próprio fabricante, evidencia um tipo de inovação de processo cujo conhecimento se
caracteriza pela vivência na atividade coureiro-calçadista.
O microempreendimento opera em condições precárias e sem noção de segurança e saúde dos
trabalhadores, bem como das exigências trabalhistas legais para seu funcionamento. O seu
mercado é promissor, mas poderia ser mais proveitoso se houvesse organização tanto na
produção quanto na distribuição dos produtos. O caso mostra-se como um campo propício
para uma intervenção do design, porém de maneira sistêmica, em que outras áreas são
também privilegiadas, e não só a capacidade inovativa, uma vez que a microempresa necessita
de uma mudança amplo alcance para funcionar adequadamente.
4.2. Associação de Mulheres Artesãs de Campina Grande – AMA-CG
Este caso trata de um grupo, formado por seis artesãs, que se dedica à produção de acessórios
femininos, utilizando o patchwork (trabalho que consiste na reunião de peças de tecido de
várias cores, padrões e formas, costuradas entre si, formando desenhos geométricos) como
técnica de costura. São produzidas carteiras, bolsas, nécessaires e outros. Não possui um
mercado tão promissor como o de calçados, mas tem se estabelecido e buscado inovar em
seus produtos. O grupo de artesãs produzem em um atelier localizado nos fundos da casa de
uma delas e escoam sua produção para o mercado local, em um espaço de vendas denominado
“Vila do Artesão”, administrado pela Prefeitura Municipal de Campina Grande-PB.
O grupo se submeteu à intervenção sistêmica do design e isto resultou em algumas mudanças
significativas no pequeno negócio, permitindo a geração de uma renda satisfatória para as
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artesãs. Aos poucos a produção estabeleceu uma identidade para seus produtos e este foi um
aspecto que os designers incentivaram. Seus tecidos, estampados e multicoloridos,
conquistaram o público consumidor de suas peças, dando margem para que desenvolvam
produtos novos, acompanhando as tendências com maior facilidade.
Neste caso estudado, houve intervenção dos pesquisadores, através da metodologia de design
empregada, a partir de uma capacitação em design e um acompanhamento pós-capacitação
para a compreensão das dificuldades e relevâncias do método empregado. A capacitação foi
dividida em seis módulos (mencionados acima) com duração de quatro horas cada,
ministrados uma vez por semana. No primeiro módulo, discutiu-se o conceito de artesanato,
ícones e no exercício proposto percebeu-se o diferencial deste grupo. Baseadas em algum
ícone regional, as artesãs produziram um artefato de sua escolha, no caso, um candeeiro
(utensílio de formatos variados, contendo líquido combustível e provido de mecha ou torcida,
que se destina a iluminar), prontamente transformado em uma bolsa para transporte de
aparelho celular (Figura 3 e 4). Enquanto executavam a atividade, as artesãs já demonstraram
interesse em desenvolver uma linha de produtos regionais.
Figuras 3 e 4 – Projeto e confecção de um porta-celular
Fonte: Arquivo GDDS (2012)
Os profissionais do design aproveitaram a criatividade das integrantes da AMA-CG para
redefinir as atividades dos módulos, uma vez que se tentava dissociar o produto exigido nos
exercícios do produto comercializado pelos artesãos participantes. O objetivo era estimular o
raciocínio e a criatividade dos mesmos, que livres de vícios, pudessem executar a peça
utilizando as técnicas e informações que eles possuíam (conhecimento tácito) e aquelas
repassadas pelos profissionais (conhecimento explícito). O grupo assimilava imediatamente as
informações e tentava aplicá-las à sua realidade, gerando novos produtos ou modificando os
já existentes com argumentos bem fundamentados. Do segundo módulo em diante passou-se a
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trabalhar com o universo de seu público alvo e com produtos que as artesãs pudessem
produzir e vender. Em paralelo ao andamento dos módulos, uma vez percebida a carência na
estrutura do ponto de venda das artesãs no espaço da Vila do Artesão, decidiu-se,
conjuntamente, por uma intervenção no layout do quiosque que dividem com outro grupo.
Figuras 5 e 6 – Modificações no layout da loja
Fonte: Arquivo GDDS (2012)
Além das mudanças no layout da loja, modificações no atelier também foram essenciais para
melhorar e acelerar o processo de produção. Com ajuda das artesãs, o espaço foi
completamente modificado, tornando mais confortável, visualmente limpo e atrativo para
visita de clientes (Figuras 7 e 8).
Figura 7 – Atelier antes das mudanças
Fonte: Arquivo GDDS (2012)
Figura 8 – Atelier após mudanças
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Fonte: Arquivo GDDS (2012)
Neste caso, pode-se perceber as mudanças ocorridas nos aspectos técnicos da produção que
levaram ao aprimoramento do processo de inovação, através da comunhão entre o
conhecimento tácito das artesãs e o conhecimento explícito dos especialistas. Além disso,
outras mudanças significativas, a exemplo do cálculo do custo e do preço de venda dos
produtos, foram implementadas pelo Grupo AMA-CG, bem como a melhoria da organização
da produção e da distribuição dos seus produtos baseados na economia solidária. Por abarcar
diversos aspectos, tanto técnicos quanto econômicos e organizacionais, a metodologia de
intervenção do design é considerada sistêmica. Esta metodologia permite atacar os diversos
pontos fracos através da interação entre os especialistas envolvidos e os beneficiários das
ações, em que todos participam do processo, e crescem no mesmo, dentro de suas
possibilidades de conhecimento da situação.
5. Conclusões
A partir do que foi estudado e constatado, a pesquisa revelou que a atividade dessas
microunidades de produção informal é bastante significativa, capaz de promover a geração de
trabalho e renda para as populações menos favorecidas e excluídas do mercado de trabalho
formal.
Apesar da metodologia de design de produto não ter sido aplicada no primeiro caso, pois o
objetivo foi a observação para fins comparativos, o microempreendimento apresenta
características específicas de inovação no desenvolvimento e na produção dos produtos. Sob
este aspecto pode-se considerar que o fabricante, ao inovar, busca adaptar as tecnologias
existentes à sua atividade, uma vez que não possui qualquer subsídio ou recurso financeiro
para investir na aquisição de tecnologias mais sofisticadas para o desenvolvimento de suas
atividades produtivas. Dentro do seu nível de conhecimento tácito, o fabricante do primeiro
empreendimento apresentado busca se munir do arsenal do design que se encontra ao seu
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alcance com vistas a projetar, construir o protótipo e fazer as modificações requeridas em seu
produto.
No segundo caso apresentado, em que ocorreu a intervenção do design, percebe-se a melhoria
tanto em termos da produção, quanto da organização e distribuição dos produtos ao
consumidor final. O potencial inovador das artesãs foi estimulado e isto ocasionou um
aumento nas vendas. As próprias artesãs do grupo participaram ativamente do processo de
intervenção, permitindo a troca de conhecimentos tão necessária ao sucesso do
empreendimento. A metodologia de intervenção sistêmica do design, implementada de forma
participativa, reafirmou a sua eficiência, neste caso, para detectar e solucionar problemas
relacionados ao desenvolvimento de produtos, procurando visualizar o empreendimento como
um todo. Cabe ressaltar que os resultados obtidos neste caso não pretendem ser generalizados,
pois há que se levar em consideração as especificidades de cada caso estudado e da
particularidade que permeia cada processo de intervenção realizado.
Políticas públicas de apoio a esses estabelecimentos informais devem ser estimuladas como
solução mitigadora dos problemas decorrentes dos altos impostos e do sistema nas quais estão
inseridas. É preciso uma intervenção participativa, uma mudança significativa de apoio à
pesquisa e incentivos fiscais neste sentido.
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